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VALÉRIA DE REZENDE PEREIRA

POSICIONAMENTOS INTERACIONAIS E ORDENS DE


INDEXICALIDADE DE SEXUALIDADE E GÊNERO DE UM
BLOGUEIRO URSO

FRANCA
2016
VALÉRIA DE REZENDE PEREIRA

POSICIONAMENTOS INTERACIONAIS E ORDENS DE


INDEXICALIDADE DE SEXUALIDADE E GÊNERO DE UM
BLOGUEIRO URSO

Dissertação apresentada à Universidade


de Franca, como exigência parcial para a
obtenção do título de Mestre em
Linguística.

Orientadora: Profa. Dra. Glenda Cristina


Valim de Melo

FRANCA
2016
DEDICO este trabalho a todos aqueles que sofrem o
preconceito e a exclusão social por terem suas subjetividades
marcadas como “diferentes” do padrão hegemônico e, em
especial, ao jovem Erlon que concedeu a gentileza de
compartilhar comigo seus sentimentos.
AGRADECIMENTOS

À minha família pelo apoio incondicional, destacando:


minha filha Mariana, colega da Letras, que muito contribuiu com esse trabalho;
minha filha Ana Cláudia que sempre me socorre nos apuros do dia a dia e ao meu
marido Celso, pela força e companhia em quase todas as viagens de estudo e
participação em eventos;
à minha orientadora, Profa. Dra. Glenda Cristina Valim
de Melo, pela paciência, dedicação, comprometimento, gentileza e amizade
dedicada durante todo o curso e o desenvolvimento da pesquisa. O empenho e a
tenacidade com que se entregou ao projeto proporcionaram-me a segurança e o
estímulo necessários para que eu realizasse o trabalho. Sem dúvida, ela transmitiu,
além do conhecimento, a lição de ser professora;
aos professores e professoras do Mestrado em
Linguística da Unifran, em especial à Profa. Dra. Marília Giselda Rodrigues pelas
importantes sugestões e o carinho sempre demonstrado;
à Prof a. Dra. Joana Plaza Pinto pelo apreço
demonstrado à pesquisa proposta, bem como pelas importantes contribuições
oferecidas durante o VI Selinfran;
às Profas. Dras. Luciana Lins Rocha, Marília Giselda
Rodrigues, Maria Flávia Figueiredo e Vera Lúcia Rodella Abriata por tão prontamente
aceitarem participar da banca;
ao IFSULDEMINAS Câmpus Muzambinho por me
conceder o afastamento do trabalho pra que pudesse realizar o curso de mestrado;
aos colegas da turma do mestrado, em especial
Romilda, Juliana, Adriana e Érica, com quem dividi muitas angústias e conquistas e
também Andreia e Adilson, pelo carinho de sempre.
RESUMO

PEREIRA, Valéria de Rezende. Posicionamentos interacionais e ordens de


indexicalidade de sexualidade e gênero de um blogueiro urso. 2016. (107) f.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Convivendo com jovens estudantes, percebo que, no espaço escolar, pouco se fala
de temas como sexualidade e gênero, criando um silêncio que sufoca as dores
daquelas/es que não se encaixam nas regras das categorias hegemônicas. Além
disso, quando a escola aborda este tema, é sempre sob a perspectiva da
heterossexualidade reprodutiva. Nesta pesquisa, procuro analisar os
posicionamentos interacionais de sexualidade e gênero observados em artigos de
opinião do blog Integra, bem como identificar as ordens de indexicalidade de
sexualidade e gênero presentes em tais artigos. O blog Integra foi criado em uma
instituição de ensino heterossexista, cujo contexto não abarca questões
relacionadas ao grupo LGBTT. O escopo teórico parte da concepção de atos de fala
performativos elaborados por Austin (1990), Derrida (1973) e Butler (2003), de
letramentos digitais propostos por Davies & Merchant (2009) e das conceituações de
sexualidade e gênero pelas teorias queer (BUTLER, 2003; LOURO, 2004).
Acreditando que a pesquisa científica deve dialogar com as práticas sociais ( MOITA
LOPES, 2004; RAJAGOPALAN, 2010), escolhi os temas sexualidade e gênero,
porque compreendo o trabalho docente como oportunidade para refletir sobre o
sofrimento de todas/os que são colocadas/os na área sombria e obscura da
sociedade, abordando temáticas silenciadas na escola e articuladas na web. Além
disso, o trabalho traz à tona os corpos de sujeitos sociais cujas histórias eram
apagadas na Modernidade. Neste sentido, realizei uma pesquisa de cunho
etnográfico virtual (HINE, 2004) e os instrumentos de geração de dados são quatro
artigos de opinião encontrados no blog. O instrumental analítico se embasa em
posicionamentos interacionais propostos por Goffman ([1979], 1998) e nas ordens
de indexicalidade de Blommaert (2008, 2010). Foram utilizadas como categorias de
análise as cinco pistas indexicais definidas por Wortham (2001), os dêiticos e as
modalizações sugeridas por Bronckart (2007). Dentre os resultados, observei que os
posicionamentos interacionais encontrados nos textos são de um blogueiro do
interior, que se afirma gay e ciente de sua sexualidade. Em relação às ordens de
indexicalidade, constatei que o blogueiro aponta para padrões estratificados de
significados referentes a normas e convenções socioculturais em detrimento de
outras, como o conservadorismo das cidades interioranas, a web como espaço
favorável ao relacionamento gay e a ditadura do físico belo nos relacionamentos
homoafetivos.

Palavras-chave: Posicionamentos interacionais; Ordens de indexicalidade; Teorias


Queer; Sexualidade e Gênero.
ABSTRACT

PEREIRA, Valéria de Rezende. Posicionamentos interacionais e ordens de


indexicalidade de sexualidade e gênero de um blogueiro urso. 2016. (107) f.
Dissertação (Mestrado em Linguística) – Universidade de Franca, Franca.

Living with young students, I realized that, at school, little is said about themes such
as sexuality and gender, creating a silence that smothers the pain of those who do
not fit the rules of the hegemonic categories. In addition, when the school deals with
this topic, it is always from the perspective of reproductive heterosexuality. In this
research, I analyze the interactional positionings of sexuality and gender observed in
the articles presented on blog Integra, as well as, to identify the indexicality orders of
sexuality and gender, perceived in such texts. The blog Integra was created in a
heterosexist educational institution, whose context does not cover issues related to
the LGBTT group. The theoretical scope uses the concept of performative speech
acts developed by Austin ([1962] 1990), Derrida (1988) and Butler (2003), digital
literacies proposed by Davies & Merchant (2009) and sexuality and gender concepts
by queer theories (BUTLER, 2003; LOURO, 2004). Believing that scientific research
must dialogue with the social practices (MOITA LOPES, 2004; RAJAGOPALAN,
2010), I chose the sexuality and gender issues in order to reflect on a theme which is
silenced in schools and at the same time quite articulated in web. Furthermore, the
work brings out the social subjects of bodies whose stories used to be erase in
Modernity. In this sense, I realized a virtual ethnographic research (HINE, 2004) and
the data generation instruments are four opinion articles found on the blog. The
analytical tools were based on interactional positionings proposed by Goffman
([1979] 1998) and the indexicality orders of Blommaert (2008, 2010). The five
indexical clues defined by Wortham (2001), the deictics and modalizations suggested
by Bronckart (2007) were used as analysis categories. As a result, I observed that
interactional positionings presented in the texts are a blogger blogger from a small
town, who claims to be gay and aware of his sexuality. Regarding indexicality orders,
I noticed that the blogger points to stratified patterns of meanings regarding norms
and socio-cultural conventions over others, such as the country consservatism, the
web as a helpful tool to gay relationship and the beautiful physical dictatorship in
homoaffective relationships.

Key words: Interactional positionings; Indexicality orders; Queer Theories; Sexuality


and Gender.
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Página inicial do blog......................................................................52

Figura 2 – Página inicial do blog alterada........................................................54

Figura 3 – Primeira ilustração do artigo I.........................................................56

Figura 4 – Segunda ilustração do artigo I........................................................61

Figura 5 – Ilustração do artigo II .....................................................................65

Figura 6 – Ilustração do artigo III ....................................................................71

Figura 7 – Ilustração do artigo IV ....................................................................80


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 9
1. LINGUAGEM COMO PERFORMANCE ................................................................ 16
2. SEXUALIDADE E GÊNERO PELAS TEORIAS QUEER ..................................... 23
2.1 MUNDO LGBTT E SUBJETIVAÇÕES URSINAS...............................................30
3. METODOLOGIA DE PESQUISA .......................................................................... 35
3.1 A INTERNET E A ETNOGRAFIA VIRTUAL ........................................................ 35
3.2 CONTEXTO DE PESQUISA ................................................................................. 40
3.3 POSICIONAMENTO INTERACIONAL E ORDEM DE INDEXICALIDADE......... 46
3.4 INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE DADOS E CATEGORIAS DE ANÁLISE ... 49
4. OS POSICIONAMENTOS INTERACIONAIS E AS ORDENS DE
INDEXICALIDADE DE UM BLOGUEIRO URSO ...................................................... 52
4.1 O BLOG INTEGRA..............................................................................................52
4.2 CONHECER NOVAS PESSOAS. ........................................................................ 56
4.3 BALADINHA. ......................................................................................................... 65
4.4 TEMPESTADES DE ILUSÃO..............................................................................72
4.5 SENTIMENTO DE ESTAR SEMPRE PROCURANDO.......................................79
CONSIDERAÇÕES FINAIS........................................................................................ 87
REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 90
ANEXOS ...................................................................................................................... 95
9

INTRODUÇÃO

Tanto para nós, professoras/es 1, que atuamos diretamente na área da


educação, como para pesquisadoras/es, que dividem o meio acadêmico,
investigando os diversos campos científicos, é, no mínimo, incongruente pensar o
trabalho docente de forma descontextualizada das práticas sociais. Sobre esta
descontextualização, Moita Lopes (2006) salienta a importância de se produzir
conhecimento com a finalidade de abrir alternativas para a sociedade, “uma vez que
a pesquisa é um modo de construir a vida social ao tentar entendê-la” (MOITA
LOPES, 2006, p. 86).
Convivendo diariamente com jovens de origens diversas, percebi que,
por mais singular que possa ser a realidade delas/es, comumente um fator
aproxima-as/os de forma bem íntima e coloca-as/os dentro da mesma realidade, a
internet. Nos tempos atuais, em que vivemos, conforme Bauman (2001), a
Modernidade Líquida 2, não há muros ou distâncias que impeçam a comunicação e a
interação entre as pessoas, entretanto, percebi alunas/os dividindo um espaço
escolar que pouco ou quase nada trata dos temas que realmente afligem a
juventude e impõe, de forma velada, um silêncio que denota força e
representatividade discursivas enquanto um Não Dito que se opõe a tudo que é dito
(SEDGWICK, 2007) e que sufoca as dores daquelas/es que não se encaixam nas
regras formalizadas pelas categorias de poder, criando uma cortina de fumaça para
demonstrar que tudo vai muito bem.
É, pelo menos, anacrônico que as metodologias de ensino praticadas
hoje por professoras/es e, em certa medida, sua própria concepção de
conhecimento e de saber tenham incorporado muito pouco essa modalidade de

1
As variações de gênero a(s)/o(s) e demais formas que aparecem ao longo deste texto, são
utilizadas para se referir às diversas possibilidades de gênero.
2
Na literatura, encontramos outros termos que se referem à ideia de Segunda Modernidade. Giddens
(1991) faz uso do termo Modernidade Reflexiva, em referência às transformações do mundo atual e
ao momento de reflexão e reinvenção da vida contemporânea. Em relação às mesmas mudanças,
Bauman (2001) emprega também o termo Modernidade Líquida e Rampton (2006) Modernidade
Tardia.
10

“pensamento por hiperlinks” (CAMPOS, 2011, p. 6) que toma corpo no contexto


sociológico descrito por Bauman (2001). Em consonância com ele, Giddens (1991,
p. 109) lembra-nos que as próprias concepções de linguagem e comunicação se
reformulam à medida que “a vida pessoal e os laços sociais que ela envolve estão
profundamente entrelaçados com os sistemas abstratos de mais longo alcance”. As
manifestações de pensamento e as relações interpessoais constroem -se
paulatinamente por meio dos meios de comunicação e das plataformas digitais e,
por isso, os textos e os discursos 3 neles veiculados são meu objeto linguístico de
análise.
Neste sentido, para que meu trabalho tenha destino social, torna-se
necessário situarmo-nos no meio em que vivemos, e, para isso, se faz mister
considerar a contemporaneidade e abordar temas que, se silenciados e/ou ignotos,
não concorrem para o fim do sofrimento das pessoas. Então, nada poderá ser
produzido com efeito, se não dentro do nosso tempo e da nossa realidade. Segundo
Bauman (2001), hoje, na era do software, da Modernidade Líquida, a
instantaneidade do tempo possibilita-nos trazer para dentro da sala de aula e para o
ambiente de pesquisa, imediatamente, o que acontece no mundo e tornar real o
espaço virtual que a web nos proporciona.
A multiplicidade de opiniões, condutas e juízos não apenas é
possibilitada como também potencializada na web 2.0, que nos proporciona a vista
caleidoscópica da realidade descrita por Bauman. Um exemplo disto pôde ser
verificado no fato noticiado, dentre os diversos portais de jornalismo online, pela
“Radioagência nacional”: no dia 24 de junho de 2015, ao mesmo tempo que Carlos
Magno Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais,
Travestis e Transexuais, participava de uma audiência sobre “Violências Motivadas
por Orientação Sexual e Identidade de Gênero”, na Comissão de Direitos Humanos
do Senado, a “Comissão de Direitos Humanos e Minorias fazia audiência pública
com pessoas que declaram ser ‘ex-gays’, devido ao que se denominou ‘cura gay’ e
querem discutir seu posicionamento e os problemas enfrentados” (COSTA, 2015) 4.

3
É importante ressaltar que, neste trabalho, seguiremos a diferenciação gráfica “discurso” e
“Discurso” proposta por James Gee: enquanto o primeiro designa os produtos da linguagem praticada
no cotidiano pelos falantes de uma determinada língua, o segundo “integra modos de falar, ouvir,
escrever, ler, agir, interagir, acreditar, valorizar, sentir e usar vários objetos, símbolos, imagens,
ferramentas e tecnologias, com a finalidade de ativar identidades e atividades significativas,
socialmente situadas” (Gee apud GUIMARÃES, 2014, p.71).
4
Desde junho de 2011 discute-se na Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados,
11

Assim, enquanto um número cada vez maior de setores sociais mobiliza-se em prol
do respeito às minorias sexuais, outra parcela de cidadãos brasileiros investe no
repúdio a estes grupos, bem como em sua marginalização. É importante refletirmos
como posicionamentos sociais e declarações de juízos de valor, em absoluto,
diferentes coabitam um mesmo espaço e, por isso, discuto, neste estudo, como a
web 2.0, enquanto contexto híbrido, comporta tanto facetas tradicionais quanto
contraditórias a respeito de discussões políticas, raciais, misóginas, entre outras.
Assumindo uma postura participativa nas referidas circunstâncias do
cotidiano nacional, esta pesquisa propõe uma contribuição às reflexões sobre a
condição daquelas/es que se veem excluídas/os dos padrões hegemônicos de
sexualidade e gênero no país. Corroboro a concepção de Rajagopalan (2010) a
respeito da pesquisa linguística que se faz no próprio âmbito da realidade em que
está inserida, logo, os objetivos a seguir relatados demonstram em que sentido tal
axioma perfaz-se neste estudo.
Ao iniciar minha pesquisa e aprofundar-me no estudo das teorias
queer, vislumbrei a possibilidade de trabalhar com os temas ligados a sexualidade e
gênero através de redações produzidas em sala de aula por alunas/os do ensino
técnico integrado com o ensino médio. Entretanto, os encargos que a submissão da
pesquisa ao comitê de ética demandaria poderiam comprometer de forma
substancial o tempo de execução do projeto. Sendo assim, alterei o percurso da
pesquisa e passei a fazer uma outra configuração do meu estudo.
Ciente da militância de um grupo LGBTT presente na Escola em que
atuo, passei a considerar a possibilidade de articular com o mesmo alguma maneira
de trabalhar, dentro da Instituição, a temática citada. Docente há quase vinte anos
nesta Instituição, entendi que ela, a Escola, apresentava um perfil extremamente
desafiador para se desenvolver a discussão de temas como sexualidade e gênero.
Valendo-se dos textos produzidos no blog Integra, concebido e
coordenado por alunas/os do Instituto Federal do Sul de Minas Câmpus
Muzambinho, minha pesquisa tem como objetivo geral analisar os posicionamentos

presidida pelo deputado Marco Feliciano (PSC-SP), a aprovação o Decreto Legislativo 234,
conhecido como “cura gay”, pelo qual se suspende um parágrafo de uma resolução do Conselho
Federal de Psicologia que impede os psicólogos de colaborar “com eventos e serviços que
proponham tratamento e cura das homossexualidades”. No momento o projeto tramita por comissões
e, caso aprovado, será votado na Câmara dos Deputados. In: BRASIL. Projeto de Decreto Legislativo
nº 234/2011, apresentado em02jun2011. Disponível em: http://www.camara.gov.br/proposicoes
Web/fichadetramitacao? idProposicao=505415 Acesso: 11 julho 2015.
12

interacionais perante temas como sexualidade e gênero nos artigos de opinião


observados no blog citado. Em caráter específico, ela visa a identificar as ordens de
indexicalidade de sexualidade e gênero mobilizadas nas produções textuais citadas.
Com base nos objetivos mencionados, tenho o intuito de elucidar
questões como: Que posicionamentos interacionais de sexualidade e de gênero
estão presentes nos textos observados no blog? e Que ordens de indexicalidade de
sexualidade e de gênero são mobilizadas nos artigos de opinião mencionados?.
Nesta investigação, embaso-me em premissas da pesquisa etnográfica
virtual. Nela, a análise de textos produzidos neste ambiente, a princípio, seria
contraditória com a interação direta entre pesquisadora e pesquisadas/os
pressuposta pela etnografia, todavia Hine (2004, p. 58) lembra que hoje, as
possibilidades de interações mediadas nos permitem repensar o papel da presença
física como fundamento da etnografia 5. Se considerarmos que os novos meios de
interação trazidos com as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs)
reivindicam novas concepções sobre interação, será possível compreender em que
medida, na etnografia virtual, “as noções de presença, espaço e temporalidade são
transportadas para o virtual, constituindo, assim, novas práticas sociais e interações”
(MELO; MOITA LOPES, 2014).
De modo igual, considerando estas novas formas de comunicação,
expressão de opinião e, sobretudo, construção de conhecimento, recorro à ideia de
letramentos digitais (DAVIES; MERCHANT, 2009). Eles, por sua vez, demonstram-
nos de que modo usuárias/os da web 2.0 produzem conhecimento e comunicam-se
transgredindo regras socialmente aceitas em determinados contextos online.
Estudiosos da atualidade (BAUMAN, 2001; GIDDENS, 1991,
RAMPTON apud MELO, 2014) nomeiam diferentemente o momento histórico social
em que vivemos, a sociedade atual é atravessada por múltiplas intervenções que
levam à crença de que um novo tipo de sistema social emerge, selando o
encerramento de um tempo denominado “Modernidade” (GIDDENS, 1991, p. 8). A
escola, engastada nesse ambiente fecundo de mudanças e transformações, abriga
em seu cerne alunas/os cujas subjetividades conflitam com vidas ambíguas por não
encenarem as performances identitárias legitimadas na vida social cotidiana e
fundamentadas por dogmas sedimentados e normas de poder instituídos na mesma.

5
Tradução minha.
13

Sobre isso, Moita Lopes diz:


Os temas da política oficial, em geral, não anunciam o futuro,
pautando-se por confirmar os padrões tradicionais,
notadamente com base em ideias fundamentalistas sobre as
práticas sociais e em processos de homogeneização da vida
social, que levam a temer a alteridade: um processo que não
faz sentido do ponto de vista ético diante da grande
heterogeneização que nossas vidas sociais enfrentam (MOITA
LOPES e FABRÍCIO, 2010: 401).

Bem como Giddens (1991, p. 108), considero os contextos de


comunicação do ambiente virtual aqueles em que ocorre “a abertura do indivíduo
para o outro” e onde as/os alunas/os também poderão se expressar, através dos
seus discursos, suas verdades e sentimentos, transgredindo significados (MOITA
LOPES; FABRÍCIO, 2010). A construção dos sentidos e dos significados
relacionados a sexualidade e gênero depende de aspectos sociais, culturais,
políticos e históricos, e isso traz múltiplas implicações para a sociedade de um modo
geral e, em especial, para a escola. Segundo as ideias de Vianna e Silva (2008), a
pressão cultural sobre qualquer tipo de manifestação de comportamento distinto dos
padrões preestabelecidos muitas vezes restringe o desenvolvimento da/do
adolescente e pode levá-la/lo à exclusão.
Acreditando que a pesquisa científica deve dialogar com as práticas
sociais (MOITA LOPES, 2004), escolhi os temas sexualidade e gênero, porque
compreendo o trabalho docente como oportunidade para refletir sobre o sofrimento
daquelas/es que são colocadas/os na área sombria e obscura da sociedade,
abordando temáticas silenciadas na escola e articuladas na web. Além disso, o
trabalho traz à tona os corpos de sujeitos sociais cujas histórias eram apagadas na
Modernidade. Assim, considerar os textos produzidos no blog Integra pelas/os
jovens em idade escolar é um meio de ouvi-los, legitimando suas vozes e
oportunidade para expressarem e construírem suas subjetividades.
A prerrogativa essencial desta pesquisa é a de que o formato digital
blog e os famosos posts, enquanto modalidades discursivas congruentes com as
performances identitárias dessas/es jovens, são uma das instâncias nas quais a
linguagem mais se evidencia no indivíduo enquanto ação, sendo, portanto, signo dos
paradigmas de pensamento da sociedade em questão. Sob esta perspectiva, o
cotidiano da sala de aula e as relações estabelecidas fora dela, nos corredores e
pátios do ambiente escolar, são abordados como tema paralelo às discussões
14

suscitadas no blog Integra.


Não obstante, os Discursos 6 , bem como a maneira pela qual eles
impõem os estatutos de convivência e de sociabilidade na escola, também
configurarão a contextualização etnográfica da pesquisa, uma vez que é ao abrigo
deles que se condicionam as metodologias de ensino quando se trata dos temas
sexualidade e gênero. Ainda que se situe no contexto online, é possível pensar esta
pesquisa como uma contribuição às pesquisas sobre letramento escolar, uma vez
que nela se encontram os discursos produzidos pelas/os alunas/os em ambientes
paralelos à escola. Com isso, demonstro-me partidária de condutas que promovem
integração do contexto off-line ao universo da web, fazendo com que esta seja
“compreendida como espaço de discussão, de reinvenção social, de agenciamento e
de transgressão” (MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2010, p. 394).
Nas exposições teóricas posteriores, buscarei expor brevemente os
preceitos teóricos que orientam este estudo, seguindo um percurso do pensamento
acerca da linguagem e da significação nos estudos linguísticos para compreender
como ambos se articulam sob a perspectiva de sexualidade e gênero em meu objeto
de análise (os artigos de opinião do blog). Assim, em “Linguagem e corpo”, parto de
Wittgenstein (2009) e a primeira contestação da lógica estrutural entre linguagem e
realidade em proveito de uma linguagem que é utilizável e funcional, na qual existem
muitos significados e muitos modos de aplicá-la na vida cotidiana, os chamados
"jogos de linguagem". Passo, então, à “Teoria dos Atos de Fala” de Austin (1990), na
qual se privilegia a linguagem ordinária em detrimento da linguagem ideal, até então
tomada pela filosofia, e propõe-se a uma fusão entre sujeito e objeto na análise da
linguagem, premissa que ratifica a linguagem enquanto ato. Finalmente, reflito sobre
os desdobramentos da teoria austiniana no pensamento de Derrida, que retoma as
questões das condições especiais e da intencionalidade para a realização dos
proferimentos e o performativo como condição essencial de todos os atos de fala.
O capítulo “Sexualidade e gênero pelas teorias queer” trata da origem
das teorias queer (LOURO, 2004) relacionando-as à discussão sobre sexualidade e
gênero realizada por Butler (2003) e em que medida tais campos teóricos dialogam
com minha pesquisa. “Mundo LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e
Transexuais) e Subjetivações ursinas” 7 expõe de maneira mais localizada a questão

6
Verificar nota 3.
7
Nesta pesquisa o termo "urso" e, contiguamente, a expressão "subjetivações ursinas" são utilizados,
15

da indexação de valores na linguagem, demonstrando como a questão da


intersecção projeta novos padrões dentro da própria comunidade LGBTT,
promovendo a emergência de novos grupos identitários e subjetivações paralelas à
tradicionalmente difundida, a exemplo das subjetivações ursinas, claramente
expressas em minha pesquisa.
Posteriormente, passo para a “Metodologia de pesquisa”, capítulo em
que exponho como se estrutura meu suporte de geração de dados (a web 2.0 e a
etnografia virtual), explanando com maior minúcia sobre o contexto da pesquisa para
que, posteriormente, apresente-se uma contextualização teórica dos conceitos de
posicionamentos interacionais (GOFFMAN, [1979], 1998) e ordens de indexicalidade
(BLOMMAERT, 2008, 2010), bem como uma especificação dos instrumentos de
geração de dados e das categorias de análise adotadas. Por fim, retomo os
conceitos de posicionamentos interacionais e ordens de indexicalidade,
contextualizando a maneira pela qual ambos foram aplicados à pesquisa, exponho
uma análise geral do layout e dos aspectos gráficos do blog e, finalmente, de quatro
artigos de opinião do blog Integra.

assim como em Cerqueira e Souza (2015, p. 268), para alusão a um "esquema corpóreo de gays que
usualmente exibem corpos parrudos, barba cheia e/ou grande, assim como pelos em outras regiões
do corpo (como na região torácica, nas costas, nos braços e nas pernas)".
16

1. LINGUAGEM COMO PERFORMANCE

Abordo aqui a questão da linguagem sob a concepção de performance


com o intuito de expor como, a meu ver, linguagem e corpo estão intrinsecamente
ligados. Para isso, uma retomada histórica dos estudos sobre linguagem, que vão
desde a concepção dos “jogos de linguagem” de Wittgenstein (2009) até a
materialização do corpo na linguagem discutida por Butler (2003), faz-se necessária
para entendermos como o indivíduo perfaz-se no discurso e, principalmente, as
implicações epistemológicas e sociológicas desta relação entre palavra e ato. É
neste sentido que verifico como o transbordamento dos atos de fala performativos,
mencionados por Derrida, remete ao conceito de Austin enquanto transgressão das
convenções ritualizadas.
Em suas Investigações Filosóficas, Wittgenstein alertava-nos para a
dinâmica na qual “quanto mais precisamente considerarmos a linguagem real, tanto
mais forte se toma o conflito entre ela e a nossa exigência.” (WITTGENSTEIN, 2009,
p. 70). Para o filósofo, estamos inseridos em jogos de linguagem: “fixamos regras,
uma técnica, para um jogo, e então, ao seguirmos as regras, as coisas não
funcionam tão bem como havíamos suposto; portanto, nós nos enleamos, por assim
dizer, em nossas próprias regras” (WITTGENSTEIN, 2009, p. 74). Logo, ao
utilizarmo-nos da linguagem, fazemo-lo da mesma forma que um jogador:
apropriamo-nos das normas em razão das circunstâncias.
É interessante percebermos, aqui, como o ponto de inflexão dado por
Wittgenstein em sua análise da linguagem torna flagrantes dois aspectos que, em
última análise, demonstram-se contraditórios. O primeiro, e talvez o que nos leva ao
aspecto mais notável da reflexão wittgensteiniana, seria o de apontar o equívoco
existente na concepção de estudiosos da linguagem que, até então, atribuíam-lhe
uma natureza heurística, ou seja, não é possível tratar aquilo que tem caráter
dinâmico e heterogêneo de modo teorizante e sistemático. A linguagem, enquanto
campo de constantes ressignificações, também não seria suscetível de uma lógica
de caráter científico. Em última instância, relativiza-se a noção de Verdade vigente,
pois o uso dos signos pelas pessoas decide sobre seu sentido e, para que se
17

compreenda o enunciado é preciso compreender a estratégia daquele que o profere.


Aqui se revela, ainda que de maneira germinal, a perspectiva da alteridade no
campo linguístico.
Wittgenstein, no entanto, acaba por ceder à tentação de ratificar uma
“ciência da linguagem”, o que pode ser percebido em afirmações como:
as palavras da linguagem denominam objetos – as sentenças
são os liames de tais denominações. – Nesta imagem da
linguagem encontramos as raízes da idéia: toda palavra tem
um significado (WITTGENSTEIN, 2009, p. 15).

Disto, depreende-se que uma palavra tem significado se a ela


corresponde um objeto, seja ele físico ou material, seja ele lógico ou racional, seja
ele psicológico ou mental. Sob uma postura usualmente adotada pelo jargão
filosófico, a de explicar do que se trata seu objeto de reflexão e como ele funciona,
Wittgenstein deixa claro que fala de um lugar de autoridade e, portanto, o que diz em
suas “Investigações Filosóficas” tem estatuto de verdade.
Segundo Ottoni (2002) e Rocha (2013), partindo das prerrogativas
análogas às levantadas por Wittgenstein e, concomitantemente, indo de encontro às
incongruências de sua perspectiva, Austin, professor de Filosofia Moral na
Universidade de Oxford, desenvolveu uma teoria linguística que fundamentou a
posteriormente denominada “filosofia da linguagem ordinária” (AUSTIN, 1990 [1962],
p. 11), na qual se “considera a linguagem como ação, como forma de atuação sobre
o real e, portanto, de constituição do real e não meramente de representação ou
correspondência com a realidade.” (AUSTIN, 1990 [1962], p .10).
Ao aprofundar-se na natureza dos atos de fala, Austin vale-se
inicialmente dos termos “constatativo” e “performativo” para descrevê-los. Enquanto
os primeiros são aqueles sujeitos à verdade ou falsidade, pois descrevem ou relatam
algo, os últimos se caracterizam por fazerem algo, realizarem uma ação sujeita ao
sucesso ou ao fracasso de acordo com as circunstâncias em que é proferida. Assim,
proferimentos como “aceito esta mulher como esposa” (AUSTIN, 1990 [1962], p. 24-
25) significam realizar uma ação (etimologicamente remete-se ao verbo perform
realizar, efetuar) e não declarar algo.
Após realizar a distinção entre os atos de fala constatativos e
performativos, Austin percebe que alguns pontos encontram-se duvidosos e
obscuros e que, desta forma, tal conceituação torna-se insatisfatória uma vez que,
em alguns casos, a mesma sentença, em contextos distintos, pode ser um
18

proferimento performativo ou um constatativo. O filósofo também afirma que o fato


de os performativos necessitarem, para serem “felizes”, que certas declarações que
os compõem sejam verdadeiras é outro ponto que obscurece a distinção: “Se o
proferimento ‘peço desculpas’ é feliz, então a declaração de que estou pedindo
desculpas é verdadeira” (AUSTIN, 1990 [1962], p. 57). Outro fato é o de que os
proferimentos constatativos também podem ser felizes ou infelizes 8 e não apenas
verdadeiros ou falsos, pois “As considerações de felicidade e infelicidade podem
infectar as declarações (ou algumas delas) e as condições de falsidade e verdade
podem infectar performativos (ou alguns deles)” (AUSTIN, 1990 [1962], p. 59).
Logo, o estudioso, ao repensar sua própria teoria, compreende que, em
última instância, todos os atos de fala seriam, portanto, performativos. A dicotomia
performativo/constatativo é assim abandonada e, em sua segunda conferência,
Austin percebe uma melhor denominação dos atos de fala pelos conceitos
“felicidade” e “infelicidade”, há pouco mencionados. Para o filósofo, as condições
sob as quais os atos de fala estariam sujeitos à felicidade ou à infelicidade seriam
seis. As variáveis que constituiriam as condições especiais indispensáveis para a
felicidade dos atos de fala austinianos deveriam satisfazer as seguintes
circunstâncias:
(A.1) Deve existir um procedimento convencionalmente aceito,
que apresente um determinado efeito convencional e que
inclua o proferimento de certas palavras, por certas pessoas, e
em certas circunstâncias; e além disso, que
(A.2) as pessoas e circunstâncias particulares, em cada caso,
devem ser adequadas ao procedimento específico invocado.
(B.1) O procedimento tem de ser executado, por todos os
participantes, de modo correto e
(B.2) completo.
(Γ .1) Nos casos em que, como ocorre com frequência, o
procedimento visa às pessoas com seus pensamentos e
sentimentos, ou visa à instauração de uma conduta
correspondente por parte de alguns dos participantes então
aquele que participa do procedimento, e o invoca deve de fato
ter tais pensamentos ou sentimentos, e os participantes devem
ter a intenção de se conduzirem de maneira adequada, e, além
disso,
(Γ .2) devem realmente conduzir-se dessa maneira
subseqüentemente (AUSTIN, 1990 [1962], p. 31).

Já os textos posteriores à oitava conferência de “Quando dizer é fazer”,

8
Segundo Austin (1990), a ação inscrita no proferimento estaria sujeita à felicidade (efetivação) ou à
infelicidade (falha) em sua realização.
19

por sua vez, aprofundam a questão das condições de realização de atos de fala
performativos e constatativos, desenvolvendo os conceitos “locucionário”,
“ilocucionário” e “perlocucionário”. O ato de fala locucionário corresponde ao que
temos por declaração, ou mero “dizer algo”, que poderia ser exemplificado como um
proferimento do tipo “a janela está aberta”. Se tal proferimento, por sua vez, é dito
em determinadas circunstâncias – anteriormente a uma exclamação do tipo “estou
com muito frio” – ele pode advertir ou anunciar uma ação daquele que o emite,
caracterizando um ato de fala ilocucionário. Ainda é possível que em determinadas
condições – em uma casa com uma forte nevasca, após uma queixa de frio do
interlocutor, por exemplo – pressuponha-se a intenção de causar alguma disposição
especial no ouvinte – como a iniciativa de fechar a janela – e isto caracterizaria um
ato perlocucionário. É neste sentido que Austin expõe como todo dizer é de fato um
fazer, uma vez que a ocasião de um proferimento tem enorme importância e que as
palavras utilizadas têm de ser, até certo ponto, "explicadas" pelo "contexto" em que
se inserem, ou em que foram realmente faladas numa troca linguística. Contudo,
talvez ainda nos inclinemos demasiado pelas explicações em termos do "significado
das palavras". (AUSTIN, 1990 [1962], p. 89)
Derrida (1973), em sua releitura dos atos de fala propostos por Austin,
direciona um aprofundamento das premissas sobre as condições para o sucesso e o
insucesso do proferimento, a intencionalidade e, principalmente, vale-se do conceito
da iterabilidade para compreender as instâncias em que a individualidade e os ideais
regulatórios relacionam-se: justamente pelo fato de o sujeito não ser plenamente
consciente e não ter total domínio de sua intenção é que suas escolhas estão no
campo do indecidível, do não-calculável (SANTOS, 2008 p. 1560). Butler, por sua
vez, corrobora o pensamento do filósofo franco-argelino ao contestar a própria ideia
de ritualização da performatividade de Austin. Esta contestação fundamenta sua
argumentação sobre a constituição do corpo pelo desejo no processo de
incorporação que caracterizaremos posteriormente.
Assim sendo, pode-se concluir que Derrida (1973) problematiza as
condições para realização dos atos de fala colocadas por Austin, que tornavam
estes últimos invariavelmente performativos em sua essência. Contra a suposta
supremacia dos atos de fala sinalizada por Austin, e em prol de uma inerência entre
repetição e linguagem, Derrida instaura a questão da citacionalidade e, por meio
dela, demonstra que “a condição de possibilidade dos enunciados é a repetição, que
20

estabelece relação com um repertório já sedimentado, repetido exaustivamente até


parecer oriundo de uma essência pré-discursiva” (ROCHA, 2013, p. 42). Assim, tem-
se que a repetição leva à sedimentação de significados nela implicados, o que
caracteriza a essência da linguagem o aspecto performático de seus Discursos.
No pensamento derridiano, o ato de fala, ainda que executado sob
determinados padrões de felicidade ou infelicidade (portanto, relacionado à intenção
dos interlocutores), passa a ser concebido também como uma instância de repetição
de um repertório pré-existente. Estendida à concepção de corpo, a questão da
repetição existente na iteração torna-se mais problemática, uma vez que “sua
existência [do corpo] depende de repetidos atos de nomeação – atos iteráveis.”
(PINTO, 2007, p. 131), aspecto que será retomado por Butler (2003). Vejamos mais
minuciosamente como a repetição e a diferença constituem pontos centrais na
execução dos atos de fala em Derrida:
Ao contrário do que se poderia esperar das duas primeiras
conferências de Austin, Derrida mostra que o ato de fala não é
um rito planejado e regulado juridicamente através de regras
previamente acordadas entre falantes (o contrato social); o ato
de fala é, como rito, um acontecimento, na medida em que sua
força é iterável, e sua repetição instaura sempre uma diferença
(PINTO, 2007, p. 125).

Consequentemente, a reflexão de Derrida chega à passibilidade dos


signos, à citação e, com isso, à chance do sentido “romper com todo o contexto
dado, engendrar infinitamente novos contextos, de forma absolutamente não
saturável” (DERRIDA, 1973, p. 362). Assim, põem-se em suspensão princípios sobre
os limiares da intencionalidade frente às indiscutíveis marcas citacionais
reproduzidas nos proferimentos. Discorro mais especificamente acerca de tais
marcas – também denominadas Discursos, neste estudo – ao tratarmos das
categorias de análise do corpus. Por agora, avalio aquilo que Derrida (1973, p. 364)
referiu “resto” – análogo às concepções de “deslocamento” e “diferença” aqui
mencionadas – da totalidade enunciativa.
Diante de uma aparente delimitação definida da linguagem, Derrida, encontra
aquilo que se localiza fora dela e ao mesmo tempo a completa: o resto, ou rastro.
Para Cragnolini (2007, p. 137) “o resto não é a ‘sobra’ da totalidade, uma vez
retirado, mas o que impede que a totalidade se feche”, o restolho também indica
uma “resistência”. A este conceito corresponde também a ideia de diferença, que
21

aqui “não diz respeito a diferenças entre coisas, mas sim entre rastros. Isso significa
dizer que se tem algo que vem primeiro é a própria ‘diferencialidade’, o que Derrida
chama de différance.” (DARDEAU, 2011, p. 61). Este aspecto remonta à linguagem
que executa ações e, por isso, também constitui corpos e subjetividades. Ela
também nos leva ao conceito austiniano de uptake, termo que, segundo Pinto (2007,
p. 8), pode ser entendido como “a relação de inter-significação, quando as forças
envolvidas no ato de fala estão sendo negociadas pelos/as falantes.” Corresponde
ao “momento da enunciação (...) em que há o reconhecimento entre os
interlocutores de que algo está assegurado” (OTTONI, 2002, p. 134), ou seja, ele
envolve não apenas a enunciação de um “eu”, como também a recepção deste “eu”
pelo Outro, descentralizando, assim, a realização do ato de fala antes fundamentada
no falante. Instaura-se, então, a ideia da diferença na repetição, a possibilidade de
se criarem novos sentidos na repetição de um vocábulo em contextos de iteração
diferentes, o que caracteriza a performatividade (PINTO, 2007, p. 8). Sendo assim, a
iterabilidade, repetição do ato de fala submetido à alteridade, ocorre repetidas vezes
em momentos diferentes e possibilita que o signo seja ressignificado, ou seja, não
se submete à sedimentação, tornando-se performatividade. Este princípio foi
especialmente desenvolvido por Judith Butler acerca das teorias de sexualidade e
gênero e, como explicito adiante, foi também adotado pela pesquisa.
Segundo Derrida (1973), haveria um transbordamento do conceito de
linguagem que não estaria mais dando conta de tudo o que foi reunido sob ele ao
longo da história do pensamento Ocidental. Em conformidade com tal concepção de
transbordamento, é possível conceber a relação proposta por Butler (2003) entre
corpo, sexualidade e gênero. Com relação à incompatibilidade do que se tem por
identidade com os atos de fala performativos, a filósofa demonstra como a produção
de discursos e suas esferas semânticas ocorrem antes na contingência da sua
prática do que na abstração conceitual, como nos lembra Ottoni (2002) a respeito do
pensamento austiniano.
Ao construir “aquilo que chama de ‘uma teorização discursiva da
produção cultural do gênero’ (...) ela [Butler] trabalha a partir da premissa de que o
gênero é um construto discursivo, algo que é produzido” (SALIH, p. 74, 2013). A
autora também concorda com a proposta austiniana de que os atos de fala são
performativos e com o conceito da iterabilidade e citacionalidade de Derrida,
consequentemente, ao afirmar que fazemos coisas com a linguagem e que isso
22

afeta o corpo. Este processo é descrito por Butler como incorporação – em


recorrência à teoria psicanalítica freudiana – ou seja, o processo pelo qual o corpo
conserva ou “recalca” os objetos em sua superfície. Assim, Butler pergunta onde a
identificação melancólica ocorre, e conclui que as identificações são incorporadas,
isto é, conservadas na superfície do corpo (SALIH, p.81, 2013).
Compartilhando da perspectiva de que linguagem é ação, de que
somos efeitos dos Discursos nos quais circulamos pela citacionalidade e
iterabilidade e de que tais efeitos marcam os corpos, passo, a seguir, às questões de
sexualidade e gênero.
23

2. SEXUALIDADE E GÊNERO PELAS TEORIAS QUEER

No capítulo anterior, expus alguns aspectos analíticos de dimensões


pragmáticas da linguagem, considerando, principalmente: como a linguagem toma
forma e efetua-se enquanto processo interacional entre os indivíduos; como nela
subscrevem-se juízos de valor que se perpetuam em caráter citacional e, ao mesmo
tempo, como, em cada ato de fala, está intrínseca uma performatividade que perfaz
a subjetividade do corpo que o profere. Assim, tendo em vista a análise da natureza
linguística (e, por conseguinte, sociológica) dos conceitos de sexualidade e gênero,
busco expor a razão pela qual adotei os preceitos das teorias queer no tocante às
minorias sexuais para a realização desta pesquisa e em que sentido elas dialogam
com a abordagem teórica que Butler (2003) faz dos conceitos supracitados,
problematizando-os sob uma visada filosófoca.
É relevante lembrarmos, como o fez Louro (2001), que “a
homossexualidade e o sujeito homossexual são invenções do século XIX”, bem
como parte dos juízos de valor institucionalizados (e indexados na linguagem) nas
sociedades desde então. Contudo, segundo a autora, é apenas na segunda metade
do século XX que os movimentos em prol de uma politização dos discursos sobre
sexualidade tomam consistência e articulam-se às discussões sociais. Mais
especificamente sobre o contexto de surgimento das teorias queer, Miskolci
descreve:

As origens da Teoria Queer remontam ao fim da chamada


Revolução Sexual, dos movimentos liberacionistas feministas e
gays e do – hoje sabemos – curto período de despatologização
da homossexualidade, retirada da lista de enfermidades da
Sociedade Psiquiátrica Americana em 1973 (MISKOLCI, 2014,
s/p).

A conceitualização do que seria uma postura Queer produzida por


estes teóricos das décadas finais do século XX poderia ser resumida na assunção
da “diferença que não quer ser assimilada ou tolerada, e, portanto, sua forma de
ação é muito mais transgressiva e perturbadora.” (LOURO, 2004, p. 38-39). Ao que
Louro denomina espírito queering, interessa menos saber como as identidades
24

sexuais hegemônicas são produzidas, e mais, como determinados sujeitos e corpos


são nomeados como estranhos, anormais, esquisitos ou queer. Ao mesmo tempo,
evidencia-se a necessidade de:
(...) empreender uma mudança epistemológica que
efetivamente rompa com a lógica binária e com seus efeitos: a
hierarquia, a classificação, a dominação e a exclusão. Uma
abordagem desconstrutiva permitiria compreender a
heterossexualidade e a homossexualidade como
interdependentes, como mutuamente necessárias e como
integrantes de um mesmo quadro de referências (LOURO,
2001, p. 550).

O sujeito uno e idealizado pelo pensamento cientificista moderno passa


a sofrer fraturas que vão desde a descoberta do inconsciente freudiano à ideia da
institucionalização do poder nas sociedades, feita por Althusser. Um dos golpes
dado no binarismo hetero/homossexual, certo/errado, foi, por sua vez, desferido por
Foucault (1988 em sua “História da sexualidade”). O autor questiona as ideologias
de determinados grupos e as imposições de poder imbrincadas na construção dos
Discursos sobre a sexualidade, instaurando assim um dos germes do que
futuramente a “socialização linguística” descrita por Pontes (2009), denominaria
como “processo de indexação realizado pelos próprios indivíduos em seus atos de
fala”.
Ao refletir como a scientia sexualis, concebida a partir do positivismo
do século XIX, tem adquirido feições cada vez mais intransigentes e baseadas em
verdades incontestáveis como a ars erótica medieval, Foucault (1988) demonstra
que o sexo se submete a um paradigma imposto por determinadas instâncias sociais
em uma espécie de recrudescimento:
Em todo caso, a hipótese de um poder de repressão que nossa
sociedade exerceria sobre o sexo e por motivos econômicos,
revela-se insuficiente se for preciso considerar toda uma série
de reforços e de intensificações que uma primeira abordagem
manifesta: proliferação de discursos, e discursos
cuidadosamente inscritos em exigências de poder; solidificação
do despropósito sexual e constituição de dispositivos
susceptíveis, não somente de isolá-lo, mas de solicitá-lo,
suscitá-lo, constituí-lo em foco de atenção, de discurso e de
prazeres; produção forçosa de confissão e, a partir dela,
instauração de um sistema de saber legítimo e de uma
economia de prazeres múltiplos. Muito mais do que um
mecanismo negativo de exclusão ou de rejeição, trata-se da
colocação em funcionamento de uma rede sutil de discursos,
saberes, prazeres e poderes; (...) (FOUCAULT, 1988, p. 70).
25

Assim, pode-se perceber que as concepções de sexo são conduzidas


por padrões que são produtos de instâncias de determinada preeminência nos locais
onde circulam e que constituem, dessa forma, uma microfísica de poder. O Discurso
sobre o sexo, portanto, também está submetido ao efeito do panóptico9 da escola:
Em torno de cada uma dessas “representações” morais, os
escolares se comprimirão com seus professores e os adultos
aprenderão que lição ensinar aos filhos. Não mais o grande
ritual aterrorizante dos suplícios, mas no correr dos dias e
pelas ruas esse teatro sério, com suas cenas múltiplas e
persuasivas. E a memória popular reproduzirá em seus boatos
o discurso austero da lei (FOUCAULT, 1987, p. 133).

Analogicamente, o sexo expõe-se nos Discursos como cenas


persuasivas de um teatro sério; suas Verdades – a inexorabilidade entre homem e
mulher, o rechaço como punição aos “desvios” – circulam por entre nós e
paulatinamente são tidas, de fato, como tais. É retomando Foucault, que Judith
Butler define o sexo também como uma forma de imposição de poderes e negação
do desejo:
Em outras palavras, o "sexo" é um constructo ideal que é
forçosamente materializado através do tempo. Ele não é um
simples fato ou a condição estática de um corpo, mas um
processo pelo qual as normas regulatórias materializam o
"sexo" e produzem essa materialização através de uma
reiteração forçada destas normas. O fato de que essa
reiteração seja necessária é um sinal de que a materialização
não é nunca totalmente completa, que os corpos não se
conformam, nunca, completamente, às normas pelas quais sua
materialização é imposta (BUTLER, 2000, p. 111-112).

A autora demonstra que, até então, o Discurso biologista adotado pelos


constructos sobre sexualidade atrelavam gênero (material, definido) a “sexo”. Da
mesma maneira, aponta a performatividade como uma forma de desconstruir aquilo
que nos Discursos soa como certo/errado. Lembrando que Austin pondera que se
“alguém emite um proferimento performativo, e se o proferimento é classificado
como um desacerto pelo fato de o procedimento invocado não ter sido aceito, trata-
se presumivelmente não do falante, mas de uma pessoa que não o aceita” (AUSTIN,

9
“O Panóptico de Bentham é a figura arquitetural dessa composição. O princípio é conhecido: na
periferia uma construção em anel; no centro, uma torre; esta é vazada de largas janelas que se
abrem sobre a face interna do anel; a construção periférica é dividida em celas, cada uma
atravessando toda a espessura da construção; elas têm duas janelas, uma para o interior,
correspondendo às janelas da torre; outra, que dá para o exterior, permite que a luz atravesse a cela
de lado a lado. Basta então colocar um vigia na torre central, e em cada cela trancar um louco, um
doente, um condenado, um operário ou um escolar.” (FOUCAULT, 1987, p.223).
26

1990, p. 39), Butler propõe uma leitura do gênero pelo deslocamento, na qual a
performatividade permite um discurso que vai, além do Eu, para o Outro:
Nesse sentido, o gênero não é um substantivo, mas tampouco
é um conjunto de atributos flutuantes, pois vimos que seu efeito
substantivo é performativamente produzido e imposto pelas
práticas reguladoras da coerência do gênero.
Consequentemente, o gênero mostra ser performativo no
interior do discurso herdado da metafísica da substância - isto
é, constituinte da identidade que supostamente é. Nesse
sentido, o gênero é sempre um feito, ainda que não seja obra
de um sujeito tido como preexistente à obra (BUTLER, 2003, p.
48).

É neste movimento de deslocamento derridiano descrito por Dardeau


(2011), juntamente à concepção da performatividade dos atos de fala desenvolvida
por Austin e à “construção discursiva das sexualidades” foucaultiana, que se instaura
a concepção de “queer” que, para além da imposição da dicotomia
homo/heterossexual, propõe uma teoria e uma política que questionam as relações
de poder implícitas nela, como afirma Louro:
O alvo dessa política e dessa teoria não seriam propriamente
as vidas ou os destinos de homens e mulheres homossexuais,
mas sim a crítica à oposição heterossexual/homossexual,
compreendida como a categoria central que organiza as
práticas sociais, o conhecimento e as relações entre os
sujeitos. Trata-se, portanto, de uma mudança no foco e nas
estratégias de análise (LOURO, 2004, p. 46).

O termo “queer”, inicialmente tido como "estranho" ou "bizarro", passa


a remeter-se às pessoas cujas subjetivações realizam abalos na categoria
normatizadora de sujeito. Da mesma forma, imergir em um universo onde os
discursos destas/es jovens irrompem, coadunam-se, tangenciam-se ou chocam-se é
a maneira pela qual esta pesquisa, provendo-se do método derridiano, perfaz um
movimento de inversão e deslocamento que busca uma problematização das ordens
denominadoras de valores. Segundo Denise Dardeau, este processo baseia-se em:
(...) inverter a hierarquia conceitual metafísica dando um olhar
especial a tudo aquilo que se encontra na posição de
subordinado e, ao mesmo tempo, deslocar os termos de uma
dada oposição conceitual para outro lugar, para além da
dicotomia da metafísica dualista. (DARDEAU, 2011, p. 58).

Aquilo que se tem usualmente por gênero acontece no interior das leis
que regem os jogos de poder na sociedade, sendo por elas conformadas. Neste
sentido, são as identidades de gênero que legitimam os juízos que as fundamentam,
27

na medida em que “são construídas e constituídas pela linguagem. O que significa


que não há identidades de gênero que precedam a linguagem” (SALIH, 2013, p. 91) .
Isto posto, fica claro que o gênero não é uma categoria fixa e está sujeito a
mudanças no decorrer do tempo, apresentando-se como uma construção histórica,
social, discursiva e performativa. Desta prerrogativa conclui-se, portanto, que “se
aceitamos que o gênero é construído e que não está, sob nenhuma fórmula, ‘natural’
ou inevitavelmente preso ao sexo, então a distinção entre sexo e gênero parecerá
cada vez mais instável. Assim, o gênero é radicalmente independente do sexo (...)”
(SALIH, 2013, p. 71). Esta distinção é claramente desenvolvida por Butler em
Problemas de Gênero, que se inicia com o questionamento sobre a maneira pela
qual o sexo sempre correspondeu ao gênero na sociedade Ocidental através de
reflexões como a seguinte:
Concebida originalmente para questionar a formulação de que
a biologia é o destino, a distinção entre sexo e gênero atende à
tese de que, por mais que o sexo pareça intratável em termos
biológicos, o gênero é culturalmente construído:
consequentemente, não é nem o resultado causal do sexo,
nem tampouco tão aparentemente fixo quanto o sexo. Assim, a
unidade do sujeito já é potencialmente contestada pela
distinção que abre espaço ao gênero como interpretação
múltipla do sexo (BUTLER, 2003, p.24).

Seguindo essa perspectiva, coloco-me contrária à vinculação histórica


atribuída ao gênero e ao sexo, segundo a qual o primeiro define-se de acordo com o
segundo. Logo, de encontro a esta premissa, acredito na ideia de gênero como devir
(SALIH, 2013), ou seja, um processo que, muito antes de se ligar ao corpo, liga-se
ao desejo; enquanto a sexualidade, por sua vez, é “ligada à curiosidade e ao
conhecimento” (LOURO, 2004, p. 51) sendo passível de multiplicidades, e não
apenas submetida ao binarismo homo/heterossexual.
Segundo Salih (2013), a sedimentação do gênero sempre se apresenta
como algo natural que ocorre por meio de práticas instituídas por normas
socialmente hierarquizadas, procurando moldar os sujeitos e enquadrá-los em um
padrão binário. Tudo o que propõe deslocar categorias como macho/fêmea,
homo/hétero ameaça a característica “natural” apregoada ao gênero construído por
uma matriz heterossexual de poder. Isso nos leva à incoerência de um saber
unilateral sobre o qual se estruturou uma História calcada nas grandes Narrativas,
nas vozes dos que tinham a palavra – leia-se: o homem heterossexual, branco,
gerenciador de uma família e de bens. Ao revisar todo o método historiográfico pelo
28

qual se construiu a História ocidental, Scott (1995) identifica essa característica


como padrão metodológico de descrição e orientação dos papeis sociais, ainda que
inexista uma lógica que explique a superioridade e a dominância masculinas:
É uma maneira de se referir às origens exclusivamente sociais
das identidades subjetivas dos homens e das mulheres. O
gênero é, segundo essa definição, uma categoria social
imposta sobre um corpo sexuado. Com a proliferação dos
estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se tornou uma
palavra particularmente útil, porque oferece um meio de
distinguir a prática sexual dos papéis atribuídos às mulheres e
aos homens. Apesar do fato dos(as) pesquisadores(as)
reconhecerem as conexões entre o sexo e o que os sociólogos
da família chamaram de “papéis sexuais”, aqueles(as) não
colocam entre os dois uma relação simples ou direta. O uso do
“gênero” coloca a ênfase sobre todo o sistema de relações que
pode incluir o sexo, mas que não é diretamente determinado
pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade (SCOTT,
1995, p. 75-76).

Volto, então, à problemática derridiana da repetição de sentidos que se


sedimentam na linguagem. Como Butler afirma, a sedimentação de um constructo
linguístico baseado na correspondência binária sexo/gênero estabelece,
involuntariamente, uma verdade preestabelecida sobre o tema:
Quando a distinção sexo/gênero junta-se uma noção radical do
construtivismo linguístico, o problema é ainda pior, porque
"sexo", que é definido como acima de gênero, é por si só uma
indicação, construção, dada dentro da língua, como o que está
diante de linguagem, antes da construção. Mas este sexo
determinado como anterior à construção vai se tornar – em
virtude de ser determinado – o efeito dessa aplicação para a
construção. Se o gênero é a construção social do sexo e você
só pode ter acesso a este "sexo" por sua construção, em
seguida, aparentemente, acontece não só é que o sexo é
absorvido pelo gênero, mas "sexo" chega a ser algo
semelhante a uma ficção, talvez uma fantasia, retroativamente
instalado em um local pré-linguístico (BUTLER, 2002, p. 23).10

A questão que Butler desenvolve acima é um aprofundamento de uma


reflexão ontológica que remete à natureza humana e a sua concretização no mundo

10
Tradução minha. “Cuando la distinción sexo/género se une a una noción de constructivismo
lingüístico radical, el problema empeora aún más, porque el "sexo", al que se define como anterior al
género, será en si mismo una postulación, una construcción, ofrecida dentro del lenguaje, como
aquello que es anterior al lenguaje, anterior a la construcción. Pero este sexo postulado como anterior
a la construcción se convertirá -en virtud de haber sido postulado- en el efecto de esa misma
postulación, la construcción de la construcción. Si el género es la construcción social del sexo y sólo
es posible tener acceso a este "sexo" mediante su construcción, luego, aparentemente o que ocurre
es, no sólo que el sexo es absorbido por El género, sino que el "sexo" llega a ser algo semejante a
una ficción, tal vez una fantasía, retroactivamente instalada en un sitio prelingüístico” (BUTLER, 2002,
p. 23).
29

através da linguagem. Para muito além das questões de sexualidade e gênero, é


importante conceber como a linguagem configura, ao longo de toda a história, um
conjunto complexo (e muitas vezes ininteligível) de imposição de poderes,
subordinações, explorações e marginalizações, no qual sobrepujam interesses e
benefícios particulares em detrimento das subjetividades em questão. Para refletir a
respeito disto, recorro a Sedgwick, que em seu ensaio “A epistemologia do armário”,
retoma Foucault para instaurar uma reflexão sobre até que ponto somos capazes de
subverter uma linguagem que nos é paradigmática e estatutária em toda sua
estrutura. Segundo a autora, a nossa própria lógica de pensamento e elaboração da
linguagem estaria invariavelmente submetida a uma ordem de hierarquização social.
Casos de silenciamento e marginalização como a misoginia e a homofobia, por sua
vez, não seriam nada mais do que variáveis de uma mesma lógica de poder na qual
a regra é o homem heterossexual e o desvio todo o “resto”. Assim, é possível
perceber como mesmo quando procuramos adotar uma postura contrária à
normativa vigente, podemos cair no binarismo que tende a reger toda a
epistemologia que se presta à iteração:
(...) tanto dentro como fora dos movimentos de direitos dos
homossexuais, as compreensões contraditórias dos vínculos e
desejos pelo mesmo sexo e da identidade gay feminina e
masculina cruzaram e recruzaram as linhas definidoras da
identidade de gênero com uma freqüência tão destrutiva que os
próprios conceitos de “minoria” e de “gênero” perderam boa
parte de sua força categorizadora (embora não de sua
capacidade performática) (SEDGWICK, 2007, p. 42).

Logo, percebo que o problema epistemológico é demasiado complexo,


pois se instala na linguagem durante toda a sua história e tende a ser perpetuado da
mesma maneira (sob as estruturas sociais de poder) ao longo do tempo; a ideia
amplamente perpetuada sobre o indivíduo “ativo” (suposto “homem”) e o indivíduo
“passivo” (suposta “mulher”) em um casal gay é um exemplo claro disto. Segundo
Miskolci, o ensaio de Sedgwick – que posteriormente tornou-se um livro de grande
repercussão – demonstra a necessidade de pensarmos a ideia de regra e exceção
nas relações sociais como um todo: para além de focos isolados de silenciamento e
discriminação, a misoginia, a homofobia, o racismo e as outras formas de exclusão
são desdobramentos de uma mesma estrutura de poder na qual o homem
heterossexual branco é a norma. Segundo Miskolci:
30

(...) Sedgwick afirma ser necessário ter em mente que o


armário não é um objeto de reflexão apenas sobre aqueles que
se relacionam com pessoas do mesmo sexo, mas também o
meio de regulação que garante privilégios àqueles que se
relacionam com indivíduos do sexo oposto e mantém a ordem
heterossexista com suas instituições (como o casamento e a
família tradicionais) e seus valores (como a assimetria entre os
gêneros). Em suma, o armário não diz respeito apenas àqueles
que vivem suas vidas amorosas em segredo, mas também
àqueles que usufruem o privilégio de vivê-las abertamente
(MISKOLCI, 2007, p. 58).

Em uma visada mais ampla, no que tange às teorias queer – que


remete à sua associação aos estudos pós-coloniais, ainda sob os alicerces dos
estudos culturais – é possível notar que os discursos de sexualidade e gênero
atravessam e também são atravessados por aspectos sociológicos, o que nos leva,
por exemplo, a pensar sobre todas as camadas ideológicas imbricadas em uma
expressão como “da cor do pecado”: a associação da cor da pele à sexualidade; a
associação da sexualidade à moral cristã europeia, na qual o ato sexual era tido
como pecado e as relações homoafetivas como perversões. Assim, é importante
perceber as teorias queer sob uma perspectiva mais ampla, que envolve também a
questão da interseccionalidade. Segundo Miskolci:
A interseccionalidade de opressões adotada como parte do
diálogo entre teóricos queer e sociólogos contemporâneos,
particularmente os influenciados pelos estudos pós-coloniais, é
um empreendimento tão promissor quanto incerto.
Aparentemente, o diálogo tende a se intensificar entre os
saberes subalternos em um processo ainda incerto de síntese
teórico-metodológica que toma seu objetivo comum como
sendo a constituição dessa analítica da normalização social.
Isto é evidente no foco no processo histórico de sexualização
da raça e racialização do sexo, que aponta para estudos
promissores sobre as articulações antes negligenciadas entre
opressão racial e sexual (MISKOLCI, 2009, p. 174-175).

Assim, pude notar como as relações de valoração e hierarquização de


poder imbrincadas nas interações linguísticas extrapolam as secções
tradicionalmente reconhecidas na sociedade e instauram-se dentro das próprias
minorias. A princípio uníssona e avessa à marginalização de grupos contrariadores
dos padrões vigentes, essa ordem periférica assume uma nova hierarquização
interna orientada por padrões (majoritariamente físicos) de referências próprias. Esta
transversalidade dos juízos de valor nos atos de fala é de grande relevância para o
meu trabalho e, por isso, será perscrutada com maior cuidado na próxima seção.
31

2.1 MUNDO LGBTT E SUBJETIVAÇÕES URSINAS

Partindo da questão da interseccionalidade, esta seção discutirá como


a postura queer, além de evidenciar a institucionalização de valores e grupos sociais
através de Discursos, também se preocupa com os processos que permitem
hierarquizações dentro das próprias minorias, uma vez que o personagem central de
nosso objeto de estudo (artigos de opinião do blog Integra) encontra-se, neste
sentido, duplamente submetido à exceção, pois seu autor declara-se gay e
identifica-se claramente com um determinado grupo diverso da preeminência gay do
tipo “sarado”, “depilado” e “sexy”: os ursos. Veremos, portanto, em que medida e
com que força estas novas instâncias são indexadas nos atos de fala destas
minorias e como delas partem atos performativos contrários a tal padronização,
como as subjetivações ursinas.
Tomando como referência a comunidade que se autointitula LGBTT e
como ponto de inflexão os posicionamentos interacionais de um membro dela, foco
desta pesquisa, percebi que há um outro conjunto de valores indexicalizados a
respeito de raça, poder aquisitivo e aparência física. Logo, pode-se supor que muitos
desses membros de comunidades LGBTT veem-se “deslocados do padrão
identitário aceito, inclusive no mundo heterossexual brasileiro liberal” (LIMA;
CERQUEIRA, 2007, p. 7), o que designa um outro silenciamento, talvez ainda mais
doloroso do que o imposto pela heteronormatividade vigente que é branca,
consumidora e “sarada”. Neste sentido, considero que o blogueiro, autor dos artigos
do blog, ainda que pertença à normatividade da branquitude e não se manifeste
claramente quanto ao seu poder aquisitivo, deixa bastante marcada sua oposição ao
padrão físico estabelecido entre o público LGBTT. Acrescido à postura verificada nos
artigos de opinião analisados, tem-se o fato de o seu biótipo não se enquadrar nos
parâmetros em questão, caracterizado por alguns traços de uma manifestação
subjetiva peculiar observada entre o público LGBTT, a “subjetivação ursina”:
Estamos falando, portanto, de sujeitos que “se converteram”
socialmente em um tipo especial de gay denominado urso. E
os indícios corpóreos são importantes nestas produções.
Enquanto a apresentação de um corpo com formas “maiores”
32

do que as “normais” parece melhor situar ursos entre “outros”


gays, a maioria dos participantes, ao identificar o que é
necessário para que alguém seja identificado como urso, leva
em conta também a graduação e/ou soma de outros dois
aspectos principais: o uso de barba e a exibição de pelos por
todo o corpo (CERQUEIRA; SOUZA, 2015, p. 274).

É importante perceber que dentro do próprio campo do ativismo


homossexual instaura-se um padrão corpóreo ideal (branco, sarado e consumidor
voraz) que suscita à normatividade dos padrões sociais que a própria subjetivação
homoafetiva busca transgredir. Interessante também é a abordagem dada por Nardi
(2010) a este aspecto. Amparado na perspectiva foucaultiana das espirais do prazer
e do poder, Nardi perscruta as ligações entre a designação de valores na linguagem
e o poder social sob o conceito-imagem dos círculos concêntricos da subjetivação,
no qual se descreve “o jogo de forças e ação produtiva do poder no interior do
dispositivo da sexualidade” (NARDI, 2010, p. 224). Sob a concepção de Nardi, a
subjetivação ursina representaria um segmento de subjetividade definido por um dos
círculos que compõem estas subdivisões de um núcleo comum: a comunidade
LGBTT, socialmente definida e preterida pelos Discursos em nosso cotidiano,
também apresenta suas próprias divisões e hierarquizações valorativas, dentre as
quais as subjetivações ursinas, que ocupam uma posição também desprivilegiada.
Cerqueira e Souza (2015) debruçam-se sobre este aspecto ao analisar
as subjetivações ursinas, visando a compreender melhor como, mesmo nestas
manifestações transgressoras, persiste a “americanização branca, hetero-gay e
colonial do mundo” (Preciado apud MISKOLCI, 2009, p. 160). Para ambos, estas
11
manifestações reguladoras seriam pontos nodais , que representariam as
manifestações hegemônicas nas práticas discursivas e evidenciariam essa
regulação, mas que, ao mesmo tempo permitiriam a desestabilização de seus
princípios por aqueles que os transgridem, criando assim um posicionamento crítico
frente aos padrões:
Podemos, talvez, partir do pressuposto de que toda criação de
fronteiras sociais, de identidades, são opressoras. Todavia, não
desprezamos, tanto os confortos que algumas identificações
trazem aos participantes, quanto sua provável contribuição na
desestabilização e exposição do caráter ficcional das normas
em hegemonia. Ou seja, as práticas ursinas evidenciam que
um sujeito que apresenta um corpo masculino não

11
Conceito desenvolvido por Laclau e Mouffe. Conferir: Laclau E. e Mouffe, C (1987). Hegemonía y
estratégia socialista: hacia una radicalización de la democracia. Madrid: Siglo XXI
33

necessariamente é heterossexual. Um sujeito gay não


necessariamente tem que ser efeminado, magro e/ou sarado
(CERQUEIRA; SOUZA, 2015, p. 277).

Do cotejo entre os estudos de Lima e Cerqueira (2007) e Cerqueira e


Souza (2015), pude identificar uma estratificação de valores físicos nas iterações
homoafetivas que revela duas relações: a do homem branco e sarado, mais
valorizado que o homem branco e gordo e a do homem branco e sarado, mais
valorizado que o homem negro e sarado. No quarto capítulo, voltado para a análise
dos artigos de opinião, apresentarei avaliações de algumas postagens do blog
Integra, onde se perscrutarão, com maior minúcia, estes posicionamentos
interacionais. Por agora, vejamos como é possível conceber a ideia de uma
constituição dos corpos na e pela linguagem.
Então, passando pela ideia de “politização dos corpos” colocada pelas
feministas desde o século XIX, pelos movimentos gays dos anos 60, por Foucault
(1988) e discutida no contexto do cotidiano escolar por Louro (2000), pode-se
dimensionar a linguagem enquanto performance/ação de um sujeito em um contexto
prévio de significações, como o faz Butler (2003), e entender, enfim, até que ponto
os artigos produzidos no blog Integra são atos de fala performativos dos sujeitos que
os produzem, mas também produto do contexto social em que os Discursos se
constroem, conforme descreve Silva:
A partir dessas considerações, podemos afirmar, então, que as
mesmas práticas discursivas podem indexicalizar diferentes
discursos, operando em diferentes ordens de indexicalidade
pelo modo como são entextualizadas e por quem as
entextualiza. Todavia, apesar de serem entextualizadas e se
guiarem por determinadas ordens de indexicalidade, nossas
escolhas semióticas podem ser (re)ordenadas e atualizadas de
acordo com as regras de outras ordens de indexicalidade,
dependendo dos processos de entextualização em jogo (SILVA,
2015, p. 79).

Indispensável ressaltar o efeito que esses Discursos causam sobre o


corpo nas relações sociais, a ponto de marcá-los de forma indelével. Neste sentido,
orientada pelas pesquisas em Linguística Aplicada (LA), identifico a relação dos
“enunciados a momentos, lugares e pessoas em determinadas circunstâncias, ou
seja, o processo de indexicalidade” (PONTES, 2009, p. 30) nos textos publicados no
blog, como ainda nos lembra Silva:
Seguindo essa linha de pensamento, a possibilidade de
transgressão dos performativos reside na dialética entre usos
34

denotacionais e valores socioculturais, porque a quebra da


convenção e a emergência de conotações alternativas pode
gerar sentidos indexicais mais desafiadores caso os
performativos tenham seus valores reordenados quando
(re)entextualizados, alterando-se, assim, as ordens de
indexicalidade vigentes (SILVA, 2015, p. 79).

Tal processo demarca, a priori, a natureza ambígua intrínseca à


linguagem na qual a individualidade do ato de fala converge com os juízos de valor
subscritos no cotidiano em que ele se insere. Expomos, na próxima seção, como me
oriento metodologicamente para investigar esta ligação entre os juízos de valor e a
performatividade dos corpos nos atos de fala analisados.
35

3. METODOLOGIA DE PESQUISA

Apresento, a seguir, o percurso que trilhei para desenvolver meus


estudos, perfazendo uma ligação entre o meio no qual a pesquisa foi realizada, o
método utilizado, o contexto em que transcorreu a interação dos sujeitos envolvidos
no trabalho e os instrumentos de geração e análise dos dados.

3.1 A INTERNET E A ETNOGRAFIA VIRTUAL

Discorrerei nesta seção as razões pelas quais optei pela pesquisa


etnográfica virtual e, principalmente, as implicações desta escolha. Primeiramente, é
válido refletirmos sobre como o espaço de interação escolhido foi importante: a
internet, mais especificamente, a modalidade web 2.0. Sugerida pelas/os jovens com
quem iniciei as discussões sobre a temática alusiva a sexualidade e gênero, a
internet representa um meio propício para o desenvolvimento da questão uma vez
que “nesse mundo, o que conta é a possibilidade de compartilhar a informação de
dividi-la com outros e, assim fazendo, ampliar as redes de relações sociais” (MOITA
LOPES; FABRÍCIO, 2010, 2010, p.399),
Logo, conforme lembra-nos Melo e Moita Lopes (2013), essa
pluralidade de caminhos oferecida pela plataforma digital possibilita e favorece,
também, uma percepção não apenas da realidade social que cerca o usuário, mas
também uma leitura deste contexto sob uma perspectiva global de sua atualidade.
Essa característica pode ser vista também como uma modalidade de pensamento,
uma vez que a maioria das/os jovens em idade escolar hoje tem contato com essa
modalidade de veiculação desde muito cedo, o que pode explicar, da mesma forma,
o teor crítico de suas opiniões e a postura ética dos posicionamentos da “geração Y”
(OLIVEIRA et al., 2012). Assim, o debate social é propício, uma vez que:
Nos espaços virtuais, os participantes podem, sem sair de suas
casas, abordar temas considerados em muitos contextos como
tabu: sexualidade, aborto, raça etc. Há ainda a possibilidade de
36

mobilizarem mudanças sociais e políticas mais imediatas como


aquelas chamadas de Primavera Árabe, cujos passos iniciais
na luta pela democratização dos países norte da África, foram
dados nas redes sociais (MELO; MOITA LOPES, 2013, p. 249).

Mesmo assim, conforme descrevo mais adiante no contexto de


pesquisa, observei um arrefecimento por parte das/os alunas/os perante as
publicações no formato digital blog, por apresentarem pouca familiaridade com a
cultura letrada, identificando-se mais com os sites de relacionamento que fazem um
uso mais restrito da escrita tradicional. Logo, segundo Rojo, enquanto o letramento
tradicional – relacionado à cultura letrada e, no nosso caso, provavelmente
associado à proposta do blog pelas/os jovens – remete às ideias de apropriação da
escrita, autoria e estilo, o livre arbítrio e a interdisciplinaridade dos letramentos
digitais
(...) favorecem um apagamento do discurso autoral em
materiais didáticos, que pode tender a se restringir a um
conjunto de instruções que, para compensar, pode contar com
a linkagem a um banco de textos quase infinito, sem limite de
páginas, cadernos ou cansaço do leitor, que pode ou não clicar
o link, quase que a seu bel prazer (um pouco restringido por
efeitos escolares, é verdade, no caso dos materiais didáticos)
(ROJO, 2007, p. 77).

É capital discorrer sobre o caráter subjetivo de meu estudo, muitas


vezes definido como “parcialidade” inconveniente à “pesquisa científica” por
determinadas áreas da linguística. Não só assumo meu arbítrio sobre a mesma
como também ratifico um posicionamento social perante ela, uma vez que, díspar da
“visão tradicionalmente aceita de que o objeto de estudo deve ficar claramente
isolado e de que não se deve permitir que ele contamine o meio pelo qual
procuramos estudá-lo” (RAJAGOPALAN, 2010, p. 13), acredito na sua inevitável
imanência àqueles que o abordam.
Logo, é válido refletir que a/o jovem que produz um texto, para além de
uma opinião emitida em um ambiente de interação virtual, expressa uma condição
pessoal e social em seu texto, o que poderia ser definido, segundo Austin (1990, p.
89), como um ato ilocucionário, “convenções de força ilocucionária que se
relacionam com as circunstâncias especiais da ocasião em que o proferimento é
emitido”. O ato ilocucionário é suscitado por Austin mediante a possível apuração
feita pelo autor de que todo ato constatativo – aquele dotado de factibilidade e,
portanto, verificável – seria, em última instância, também performativo – aquele que
37

descreve uma ação específica; ou seja, ainda que de caráter constatativo, o


enunciado pressupõe um ponto de partida, um eu que fala de um lugar, o que a
priori deflagra uma ação. Daí a especificidade instaurada no ato ilocucionário: as
palavras e as formas dos dêiticos (elementos linguísticos referentes ao ato de
produção do enunciado) utilizados permitem interpretações estritamente ligadas a
determinadas situações, que só têm o sentido contemplado na análise pragmática
de seu proferimento.
Retomando o princípio suscitado por Austin (1990) de que proferir um
enunciado é também produzir uma ação, Rajagopalan (2007, p. 18) chega à ideia de
que, ao produzir-se pesquisa, produz-se linguagem e, consequentemente, prática
social. Dessa forma, a recorrência à etnografia adotada pela pesquisa compreende o
que Pontes (2009, p. 33) caracterizou por “construção das identidades sociais” como
“um fenômeno ideológico e processual que se dá socialmente pela linguagem no
jogo da interação social” e, por isso, busca inseri-la em tal dinâmica para
compreender todos os fatores conjunturais que compõem os processos de
indexação estudados. Alicerçada neste princípio, corroboro a ideia de Rajagopalan,
que argumenta:
Ocorre que o ímpeto prescritivo nasce do fato de que o
analista, o estudioso precisa se posicionar para então observar
seu objeto de estudo, ou simplesmente falar de “algum” lugar, e
que esse lugar necessariamente implica um olhar distinto dos
demais olhares possíveis, e graças a esse olhar peculiar, há
certa ingerência, certa intromissão (RAJAGOPALAN, 2014, p.
109).

Tal crítica, com efeito, reitera e esquadrinha o princípio foucaultiano das


microfísicas de poder (1987, p. 30), segundo o qual o poder executado entre os
indivíduos “atribui-se a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a
funcionamentos”. Sob estas redes, denominadas por Foucault (1987, p. 221) como
capilares, subsistem as ideologias dos grupos que as fundamentam por meios de
comunicação e expressão, dentre os quais o principal é a linguagem. Esta, por sua
vez, corresponde antes a um princípio de ação do que de referenciação direta, como
o queria Searle, o que nos leva à premissa básica da pragmática, orientadora da
pesquisa:
As pessoas produzem semiose (comportamento simbólico
significativo) como performance e o fazem dentro de um campo
regimentado no qual as ideologias linguísticas produzem
estabilidade e capacidade de reconhecimento. Vistas sob essa
38

perspectiva, as ideologias de linguagem não são, de fato,


simplesmente ideacionais: elas são práticas, no sentido de
Bourdieu, referindo-se à práxis marxista mais do que às noções
de Mannheim e Durkheim sobre ideologia (BLOMMAERT,
2014, p. 69).

Assim, é indispensável refletir que a pesquisa linguística, ao propor-se


produtora de reflexões e, portanto, participante da criação/disseminação de
D/discursos posiciona-se invariavelmente de maneira ética na sociedade. Sobre isto,
Moita Lopes pontua que:
(...) se a área de estudos lingüísticos quer produzir
conhecimento que tenha alguma relação com o modo como as
pessoas agem e vivem nas práticas sociais, mudanças
relacionadas à vida política, sociocultural e histórica que
estamos experimentando devem diretamente afetar a pesquisa
que fazemos e, por conseguinte, os modos de entender as
metodologias e as teorizações que nos inspiram (MOITA
LOPES, 2004, p. 162).

Neste sentido, a proposta etnográfica de pesquisa condiz com esta


postura de engajamento da pesquisadora, uma vez que, como lembram Mattos e
Castro (2011, p. 37) “a própria escolha do objeto de estudo pressupõe estudos
anteriores que levem o pesquisador/a a entender o campo a partir de um olhar que
foi construído ao longo de sua experiência de vida”. Como disse anteriormente,
ainda que situada em um contexto online que não implique em um contato direto
entre pesquisadora e pesquisadas/os, minha pesquisa caracteriza-se como
etnográfica, pois fundamenta sua conduta no princípio etnográfico da “observação
participante, o participante como protagonista da pesquisa, a imersão na cultura
local por prolongado período de tempo, a busca por eventos típicos e atípicos e a
análise por processos indutivos” (MATTOS; CASTRO, 2011, p. 35).
Sobre este aspecto, Hine (2004) observa que, em um cotidiano
inundado pelas TICs, é importante considerar o fato de que a interação, por meio
dos recursos tecnológicos entre seres humanos, pode mudar as práticas sociais. Por
isso, minha pesquisa caracteriza-se como etnográfica virtual, visto que satisfaz
alguns princípios elencados por Hine a respeito desta categoria de estudo, como:
A presença contínua do etnógrafo em sua área de estudo,
combinada com um profundo compromisso com a vida diária
dos habitantes desse país (...); O crescimento das interações
mediadas nos convida a reconsiderar a ideia de uma etnografia
ligada a um determinado local, ou mesmo para múltiplos
espaços ao mesmo tempo. (...) A etnografia virtual é um
39

interstício, no sentido de que vive entre várias atividades, tanto


do pesquisador como dos participantes do estudo (...);
Etnografia virtual é irremediavelmente tendenciosa (HINE,2004,
p. 80-81)12.

Logo, posso afirmar que a pesquisa seguiu uma orientação etnográfica


não apenas porque presenciei as reuniões para a conceitualização e concepção do
blog pelas/os jovens, mas também participei do blog, acompanhando as postagens,
visitando as fontes citadas ao longo delas e lendo os comentários postados. A
respeito desta interação entre pesquisadora e pesquisadas/os e da iniciativa de uma
plataforma de discussão das questões de sexualidade e gênero na Instituição, é
possível pensarmos, para além da etnografia virtual, em um trabalho pautado por
princípios da pesquisa-ação, pois a repercussão local e, principalmente,
motivacional que estabeleceram os alicerces deste trabalho apresentaram
possibilidades de iniciativas que transcendem a instância acadêmica:
A pesquisa-ação educacional é principalmente uma estratégia
para o desenvolvimento de professores e pesquisadores de
modo que eles possam utilizar suas pesquisas para aprimorar
seu ensino e, em decorrência, o aprendizado de seus alunos,
mas mesmo no interior da pesquisa-ação educacional surgiram
variedades distintas (TRIPP, 2005, p. 445).

Desde a concepção da pesquisa até o exame final de seus dados,


pautei-me por princípios da etnografia virtual que muito me foram úteis para o
entendimento de como propõem-se discussões, questionam-se argumentos e,
principalmente, agregam-se ideias na web 2.0: a distância não nos torna menos
fortes ou menos importantes. Da mesma forma, acredito que uma abordagem da
mesma, sob o viés da pesquisa-ação, pode (principalmente a posteriori, quando os
desdobramentos da iniciativa do blog puderem ser vistos com maior amplitude de
tempo) render muitos frutos tanto ao saber acadêmico quanto ao saber formador nas
escolas de ensino básico, se abordada mais a fundo. Como neste trabalho exploro a
perspectiva da etnografia virtual, na seção seguinte buscarei expor detalhadamente
nosso contexto de pesquisa, fator de extrema importância para a metodologia do
trabalho.

12
Tradução minha. “La presencia sostenida del etnógrafo en su campo de estudio, combinada com
un compromiso profundo con la vida cotidiana de los habitantes de ese campo (...); EI crecimiento de
las interacciones mediadas nos invita a reconsiderar La idea de una etnografía ligada a algún lugar en
concreto o, inclusive, a múltiples espacios a la vez. (...);La etnografía virtual es un intersticio en eI
sentido de que convive entre varias actividades, tanto deI investigador como de los participantes del
estudio.(...); La etnografía virtual es irremediablemente parcial (TRIPP, 2005, p. 445).”
40

3.2 CONTEXTO DE PESQUISA

Julguei importante considerar a relevância do contexto da pesquisa


para a construção de minhas reflexões, uma vez que, ao contrário do que se
concebe ordinariamente, os contextos “não são assim, pré-configurados, estando à
espera de serem habitados por atores sociais”, mas sim “dialógica e reflexivamente
engendrados (...)” (FABRÍCIO, 2014, p. 150). Não obstante, Moita Lopes lembra-nos
que o contexto situa-se cultural, histórica e socialmente, sendo da mesma forma
compartilhado e, assim como “qualquer prática discursiva que envolva desigualdade
em relações interacionais, i.e., relações assimétricas, exemplifica o papel que quem
detém o poder exerce no controle de enquadres interacionais.” (MOITA LOPES,
1996, p. 7-8).
A instituição onde leciono é uma antiga Escola Agrotécnica (com mais
de sessenta anos), fundada para a formação técnica de um curso, a princípio, para
homens (técnico agrícola), contou, por muito tempo, com uma clientela cem por
cento do sexo masculino e um regime disciplinar bastante rígido. Em seu cerne,
atuam servidores técnicos administrativos e professores cuja marca predominante é
heterossexual, branca e de classe média. Durante anos, a Instituição representou
um espaço onde a diversidade de gênero era totalmente descontextualizada e, até
mesmo, marginalizada. Outro aspecto que vale ser ressaltado é o fato de a
Instituição adotar uniforme para as/os alunas/os dos cursos técnicos, impondo-lhes
uma forma única de se apresentarem neste espaço de ampla convivência com seus
pares. Além destas peculiaridades, é uma Escola-fazenda que oferece regime de
internato para suas/seus alunas/os, o que propicia a criação de vínculos de
intimidade pouco comuns a outros ambientes escolares.
Com o passar do tempo, já no final da década de 90, quando ingressei
na Instituição, era possível perceber algumas mudanças como a presença de um
pequeno número de estudantes do sexo feminino e também indícios sutis de
alunas/os com identidades de gênero diversas. Atualmente, após se transformar em
Instituto Federal, ganhou outra dimensão, oferecendo cursos desde o nível médio
até cursos de pós-graduação. Desta forma, seu público apresenta hoje uma faixa
41

etária diverificada e conta com uma classe estudantil mais politizada e engajada com
militâncias diversas, inclusive a LGBTT.
No primeiro contato que tive com as/os estudantes, senti nitidamente
uma boa receptividade e, também, a manifestação explícita da necessidade de um
espaço ou instrumento de articulação da temática LGBTT como um recurso
imperioso para se trabalhar a questão. Para mim, ficou evidente e comprovado o
silenciamento da Instituição em relação às perspectivas referentes a temáticas
consideradas dissidentes normativas. Compartilhar com ess as alunas/os a
discussão, já ativa dentro do grupo, da temática LGBTT e dividir com elas/es suas
ideias, vivências, conflitos, angústias e carências foi uma experiência enriquecedora
para minha pesquisa.
A partir de janeiro de 2015, comecei alguns contatos com jovens que
se identificavam com a causa e queriam falar sobre a referida temática, passando a
realizar encontros semanais, que aconteciam dentro do espaço escolar. Nosso
primeiro contato aconteceu em 07 de janeiro de 2015 com a/o aluna/o Águia13 que
apresenta uma forte liderança e grande aceitação dentro da Escola e também uma
voz representativa do grupo assumidamente gay e bissexual do Câmpus. Percebi
que Águia foi realmente uma escolha preciosa para conhecermos a realidade das
relações interpessoais e os posicionamentos interacionais perante as questões de
sexualidade e gênero naquela coletividade. A postura da/do jovem possibilitou que o
seu grupo, e, principalmente ela/ele, Águia, criasse uma nova perspectiva perante a
visão binária de sexualidade e gênero dentro da Escola. Observei que o grupo que
busca legitimidade para a livre opção de sexualidade e gênero vem conseguindo seu
espaço num ambiente tradicionalmente heteronormativo, através de uma postura de
respeito e aceitação à individualidade e valorização dos seus direitos e do seu
próximo.
Foi Águia quem, após três encontros, articulou o contato com as/os
demais estudantes e organizou um primeiro encontro com outras/os alunas/os
adeptas/os à causa, no dia 30 de janeiro de 2015 e, depois, minha primeira reunião
com um grupo maior (média de dez alunas/os), no dia 09 de fevereiro deste ano.
O grupo apresentava um perfil bastante eclético, contando com jovens
entre 15 a 25 anos, estudantes desde o ensino médio integrado com o curso técnico

13
Nome fictício criado com a finalidade de preservar a identidade da pessoa, que será referida, no
texto, sem marcação de gênero.
42

até alunas/os de graduação. Fiz uma breve apresentação das teorias queer e a
minha proposta de desenvolver uma dissertação de mestrado dentro desta área.
Deixei claro meu objetivo de analisar como as questões de sexualidade e gênero,
que fogem do padrão dominante da sociedade e geram sofrimento àqueles que se
opõem à ordem estabelecida, eram tratadas dentro do ambiente escolar. As reações
foram diversas, mas, de início, a maioria ficou retraída, querendo mais ouvir do que
falar.
Como vinha de uma experiência de gestão escolar, após passar alguns
anos na vice-direção do Instituto, quando iniciei minha convivência com essas/es
alunas/os, então em um outro contexto, a pesquisadora ouvindo e conversando
sobre questões alusivas a sexualidade e gênero com jovens estudantes, notei que o
rótulo de diretora ainda estava presente e dificultava esta relação. As/os alunas/os
chegaram a me questionar como seria a participação delas/es, se deveriam falar de
questões específicas elencadas por mim ou se poderiam, livremente, tratar de
assuntos que fossem de seus interesses. Neste momento, deixei claro meu objetivo
de “ouvir” o que eles de fato gostariam de comentar e discutir sobre os temas
suscitados nos encontros, salientando a total autonomia que teriam para conduzir o
rumo das discussões. Evidenciei também a necessidade de que elas/es passassem
a me enxergar não mais como a diretora da Instituição e sim como a professora
pesquisadora que se propunha a tratar de temas que fazem parte do dia a dia da
sociedade e muito interessam à escola. Em nossos encontros, minha participação
limitou-se mais a observar, ouvir e responder aos questionamentos feitos.
Surgiu, então, da parte das alunas e dos alunos, a ideia de se criar um
blog que funcionasse como espaço de expressão e discussão de temas como
sexualidade e gênero e pudesse servir de apoio a jovens que se identificam com a
causa LGBTT e demais alunas/os do Instituto. Ressaltaram a necessidade de
informação para as/os adolescentes conviverem com problemas como doenças
sexualmente transmissíveis, dificuldade de relacionamento familiar, inabilidade para
se impor no meio social em que vivem, bem como despreparo e falta de referência
para se relacionarem com o coletivo sem invadir ou agredir a individualidade das
pessoas, respeitar a opinião de terceiros e saber se posicionar no dia a dia da
sociedade. Mencionaram que, através do blog, muitas/os jovens que convivem com
essas dificuldades sentir-se-iam seguras/os para falar de seus receios e suas
histórias sem necessariamente se expor. Ao mesmo tempo, o blog poderia ser usado
43

como corpus para a minha pesquisa e também como veículo de interação e


informação para as pessoas interessadas.
A ideia foi sendo desenvolvida ao longo de outras reuniões que
ocorreram entre os meses de fevereiro e março. Nesse período, havíamos criado um
grupo no Facebook, por meio do qual trocávamos relatos, notícias, publicações e
marcávamos nossos encontros. Durante as reuniões que se seguiram, conversamos
sobre questões técnicas como a escolha do nome do blog, o formato a ser adotado,
as pessoas encarregadas de alimentar o blog e outros detalhes.
Então, passei a observar que as reuniões já não contavam com a
presença de todas/os que iniciaram no grupo e chegamos a remarcar reuniões por
ausência quase total dos membros. Neste momento, era nítido que um único aluno
chamado Erlon 14 se fazia presente em todas as reuniões e se mostrava muito
interessado em levar a ideia adiante. Erlon desenvolveu o layout do blog, criou duas
opções de nomes para serem votadas, articulou a manutenção das postagens e
propulsionou o projeto até sua conclusão. No dia 11 de março de 2015, foi aberta a
oportunidade para sugestões de nomes para o blog e votação para sua escolha no
grupo do Facebook. Então, no dia 28 de abril de 2015, Erlon publicou o blog
15
“Integra”, denominado como “uma iniciativa conjunta dos alun@s LGBT do
IFSULDEMINAS Campus Muzambinho, como forma de colocar em pauta discussões
pertinentes a nós”.
De início, sugeri àquelas/es que, por ventura, não quisessem assumir a
autoria do seu texto, que se mantivessem no anonimato, preservassem sua
privacidade, usando um pseudônimo ou outra alternativa que julgassem
interessante. Minha pesquisa pretendia acompanhar os posicionamentos
interacionais e as ordens de indexicalidade manifestos por essas/es alunas/os,
tomando como objeto de análise os textos argumentativos postados no blog. Como
todo o grupo se propôs a publicar seus textos no blog, imaginei que haveria um
leque diversificado de artigos e muitas questões a serem discutidas. Entretanto, ao
término do primeiro semestre de 2015, havia quatorze postagens presentes no blog,
sendo treze de autoria de Erlon. Notei então que apenas ele, aluno que articulou
toda a criação do blog foi o único que se manteve perseverante e levou as

14
O blogueiro autorizou a divulgação do seu nome. Por ele referir-se a si próprio com a designação
de gênero masculina nos posts, fiz o mesmo ao referir-me a ele ao longo do texto.
15
Aqui a forma como a sigla LGBTT foi utilizada no blog Integra.
44

postagens adiante.
Sendo assim, procurei interpretar o que motivou este fenômeno. Por
que razão entre tantas/os alunas/os interessadas/os em promover a discussão sobre
temas pertinentes ao seu mundo, à sua realidade, e, ao mesmo tempo, pouco
reconhecidos pela sociedade, desapareceram do cenário proposto por elas/es
próprias/os e se emudeceram.
Fazendo uma retrospectiva das falas observadas durante nossos
encontros anteriores, recordei que, ao se estabelecerem as atribuições que cada
aluna/o assumiria na manutenção do blog, muitas/os revelaram dificuldade de se
expressarem através da cultura letrada. Sentiam-se mais à vontade falando16, em
nossos encontros, e preferiam não se responsabilizar por enviar os textos a serem
postados no blog. Em um outro momento, cheguei a ouvir o seguinte
posicionamento: “Olha, toma cuidado, você escreve muito errado e ela (no caso, a
pesquisadora, eu) é professora de português.” 17
Diante dessas constatações, concluí que realmente o que dificultou a
circulação de uma variedade maior de autoria de textos no blog, com certeza, foi a
falta de domínio ou familiaridade com o letramento, impedindo assim, que outr as/os
alunas/os se manifestassem e expusessem seus posicionamentos interacionais em
relação aos temas sexualidade e gênero no blog Integra. Talvez até uma resistência
em aceitar o formato blog como forma de circulação e aquisição de conhecimento.
Aqui, é preciso que entendamos como concebo os letramentos digitais enquanto
forma predominante de apropriação do código escrito e produção de conhecimento
entre as/os jovens que inclui não apenas a incorporação de “instrumentos
multisemióticos” à escrita (imagens, sons, vídeos, etc...), bem como a instauração de
um meio “de construção, de disputa, de contestação de significados” ( MOITA
LOPES; FABRÍCIO, 2010, p. 398).
Logo, o princípio do qual iniciei, a partir da sugestão do formato blog,
feita pelas/os alunas/os – a possibilidade de transgressão tanto de paradigmas
textuais prestigiados na escola como de paradigmas de juízos de valor sobre gênero
e sexualidade – visava a uma proximidade com o cotidiano das/os alunas/os e,
portanto, um maior entendimento de como elas/es pensavam tais temas. A
abordagem da temática por meio de veículos digitais também foi pensada como

16
Grifo meu.
17
Grifo meu.
45

alternativa à abordagem dos letramentos tradicionais do cotidiano escolar, onde,


segundo Moita Lopes, “a discussão, particularmente sobre o homoerotismo,
apresenta grandes desafios” (MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2010, p. 285).
O que percebi, entretanto, foi que o fato de a proposta ter sido feita
pela “professora de português”, indiretamente, sugeriu-lhes uma concepção de
produção textual ligada à ideia tradicional de letramento, que envolve “o que os
olhos e o cérebro fazem ao percorrer a página escrita” (MOITA LOPES; FABRÍCIO,
2010, p. 397) e que está implicitamente ligada à concepção de correção gramatical.
A suposição da produção de um texto de opinião que explorasse toda a liberdade de
transgressão do blog pelas/os jovens pareceu-lhes incompatível com a ideia já
indexicalizada de texto de opinião. É plausível, então, que esta tenha sido uma
razão que impediu outras/os alunas/os de se manifestarem e exporem seus
posicionamentos interacionais em relação aos temas sexualidade e gênero no blog
Integra.
Outra conclusão a que cheguei foi de que, para Erlon, que se manteve
atuante com suas publicações, e acabou, indiretamente, tomando para si a
propriedade do blog, esse veículo assumiu uma grande relevância. Enquanto que os
demais membros se evadiram, evitando a exposição de seus sentimentos e
apreensões, Erlon fez desta ferramenta uma alternativa para extravasar os conflitos
da sua subjetividade e oferecer caminhos possíveis de serem percorridos para
aquelas/es que, como ele, em algum momento de suas vidas, vivem essa batalha.
Este novo rumo na condução do blog ficará explícito mais adiante, quando tratarei
da transformação operada na própria descrição do instrumento, que deixa de
pertencer às/aos alunas/os do Instituto e passa a representar seu diário de
confissões.
Vale ressaltar que, desde meu primeiro contato com Erlon, percebi que
era um jovem de personalidade forte e muito bem resolvido em relação à sua
subjetividade. Universitário (aproximadamente 20 anos) de classe média, Erlon fez
questão de deixar clara sua orientação sexual, tendo se assumido gay tanto para
sua família como para a sociedade. Como um típico gay urso, Erlon é branco, tem
os olhos e os cabelos claros, barba cerrada e o corpo gordinho. Sua marca
registrada é o belo sorriso que se destaca através da linda cor dos olhos e da
perfeição dos dentes muito brancos. O fato de não ter um corpo sarado, faz com que
ele não se enquadre no padrão de beleza gay dominante e acabe demonstrando,
46

em seus textos, um certo desconforto em lidar com esta questão em seus


relacionamentos amorosos.

3.3 POSICIONAMENTO INTERACIONAL E ORDEM DE INDEXICALIDADE

Para desenvolver minha pesquisa, observei em minhas análises os


posicionamentos interacionais a partir da proposição de Goffman ([1979], 1998), as
ordens de indexicalidade embasadas em Blommaert (2008, 2010).
Os posicionamentos interacionais referem-se às marcas identitárias
que localizam o sujeito na vida social e o posicionam no discurso de modo singular
assim como suas/eus interlocutoras/es. Isto significa que em minha pesquisa
preocupei-me com a projeção que o indivíduo faz de si mesmo em determinado
enquadre, ou seja, “a postura, a posição, a projeção do “eu” de um participante na
sua relação com o outro, consigo próprio e com o discurso em construção”
(GOFFMAN apud MELO; MOITA LOPES, 2013, p. 252).
As/os interlocutoras/es interagem no discurso, posicionando-se na
conversa através de seus focos subjetivos, carregados de marcas históricas,
culturais, sociais e ideológicas. De acordo com Moita Lopes,
Posicionamento é um construto teórico que tem usos similares
em áreas diferentes de investigação (estudos culturais,
antropologia, análise do discurso, psicologia social, conforme
indicado em Moita Lopes, 2006c). Em geral, tal construto se
refere a como as pessoas estão localizadas no discurso ou na
conversa quando estão engajadas na construção do significado
com outros (2009, p. 136).

Para entendermos as ordens de indexicalidade neste estudo, recorri à


noção de indexicalidade suscitada por Rocha que, embasada em Agha (2007) e
Blommaert (2005), pontua:
A noção de indexicalidade é importante para compreender
como comportamentos linguísticos replicáveis podem ser
alterados. Ao nos engajarmos em processos reflexivos,
lançamos mão de recursos semióticos que não se relacionam
apenas aos usos normativos (nível denotativo). Em conjunto
com sentidos referenciais projetamos também sentidos
inferidos em um nível conotativo ou “interacional” (Agha, ibid.:
45). Os sentidos indexicais apontam para a natureza da
relação entre esses dois níveis, são as “relações entre forma
47

linguística e padrões culturais” (Blommaert, 2005: 41). A


indexicalidade é importante para se compreender os tipos de
imbricações entre movimentos microinteracionais e escalas
macro de formações culturais mais amplas (ROCHA, 2013, p.
126).

Nesta perspectiva, segundo Rocha (2013), é preciso também entender


que as ordens indexicais são resultados de uma dinâmica de interação que envolve
o uso de determinado proferimento em determinado contexto de fala. Portanto, na
medida em que os conjuntos de valores associados a determinados índices
indexicais alteram-se de acordo com seus contextos de uso, as análises dos
mesmos também devem orientar-se por estas variáveis. Assim, quando se trata de
avaliar a operação de certas ordens indexicais em contextos específicos, é
necessária uma reflexão acerca de como essas ordens reverberam sobre os sujeitos
da interação, o que nos leva ao conceito de posicionamentos interacionais.
Grosso modo, entendo que a ordem indexical representa os Discursos,
os valores, as ideologias e as crenças que existem na sociedade, sem, entretanto,
estratificá-las. Já as ordens de indexicalidade refletem a forma de pensar e agir do
sujeito com base nesses Discursos, ideologias e valores estratificados construídos
no meio social e colocados em escalas. É esse apontar de conceitos valorados e
produzidos pelas normas sociais (macro) que trazemos para o nosso dia a dia
(micro).
Desse modo, pude estabelecer uma relação estreita entre o uso de
determinados significados pelo blogueiro – portanto, a assunção de determinados
posicionamentos interacionais – não apenas com um contexto social, mas também
com o pertencimento a um grupo social específico.
“Quanto às ordens de indexicalidade, estas são compreendidas como
‘padrões estratificados de significados sociais frequentemente denominados
‘normas’ ou ‘regras’, para os quais as pessoas se orientam quando se comunicam”,
(BLOMMAERT, apud SILVA, 2015, p. 78). Em meu estudo, adoto eixos analíticos
que movimentam significados de atos de fala entre o local e o translocal.
Sob este aspecto, é importante compreender em que sentido é
possível este dimensionamento entre o local e o translocal no tocante aos atos de
fala. Primeiramente, interessa-me perceber ambas as esferas como processos de
um único ciclo, ou seja, “se o espaço se produz nas interações, toda e qualquer
prática de linguagem será local, independentemente de uma compreensão mais
48

tradicional que distribui os eventos em escalas micro e macro” (ROCHA, 2003, p.


46). Assim, é possível dizer que todo Discurso foi um dia um discurso, porém a
recíproca não é válida. Por isso, mais relevante ainda a este estudo, é refletir de que
modo um proferimento local se torna parte de um constructo institucional, e por isso
a ideia de mobilização de ordens indexicais é solicitada aqui. Segundo Blommaert,
este processo que torna o local convenção é resultado tanto de criatividade quanto
da validade do proferimento no contexto de fala:
É a interação entre criatividade e determinação que explica o
social, o cultural, o político, o histórico nos eventos
comunicativos - a conexão entre agência e estrutura, ou
microeventos e macrorrelações e padrões na sociedade
(BLOMMAERT, 2005, p. 99)18.

Se considerarmos, como o fez Foucault (1987), que processos sociais


de coconstrução do significado não são livres ou aleatórios, chegamos à concepção
de ordens de indexicalidade, que seriam “procedimentos impostos ou por qualquer
sociedade ou pelo próprio discurso que controlam as produções discursivas, ora
fazendo emergir alguns discursos, ora outros” (BLOMMAERT, apud MELO; MOITA
LOPES, 2014, p. 660).
Para evidenciar o percurso trilhado para a construção do corpus de
análise deste estudo e a participação das/os alunas/os do IFSULDEMINAS Câmpus
Muzambinho no âmago de minha pesquisa, esclareço que contei com a participação
de alunas/os da Instituição ligados à causa LGBTT, dentre as/os quais se destacam:
Águia, que a princípio assumiu a liderança do grupo, chamado aqui de líder do grupo
e Erlon que, no decorrer dos trabalhos, acabou destacando-se no grupo e
revelando-se como o protagonista do blog “Integra”. Nas notas de campo, em anexo
à dissertação, descrevo como sucedeu o meu contato com estas/es alunas/os e o
procedimento dos encontros presenciais e virtuais mais detalhadamente.

18
Tradução minha. “It is the interplay between creativity and determination that accounts for the
social, the cultural, the political, the historical incommunicative events -- the connection between
agency and structure, or micro-events and macro-relations and patterns in society” (BLOMMAERT,
2005, p. 99).
49

3.4 INSTRUMENTO DE GERAÇÃO DE DADOS E CATEGORIAS DE ANÁLISE

Adoto, para a pesquisa, como instrumentos de geração de dados,


quatro artigos de opinião sobre os temas sexualidade e gênero encontrados no blog
Integra. A opção pelo blog se deu por acreditar que, nesse contexto, as/os jovens
poderiam se reconhecer como coparticipantes, queerizando seu cotidiano,
recusando a passividade, a indiferença e obediência cega aos padrões
estabelecidos pelo poder dominante que institui o que é legítimo e ilegítimo para ser
incluído nos currículos escolares. No mundo online, ambiente propício à
manifestação de diversos sujeitos sociais, elas/es também estão protegidas/os de
hostilidades face a face e ataques físicos. A web 2.0 é um espaço híbrido que
oferece a possibilidade não só do anonimato, mas também da infinitude de
alternativas para que essas/es atrizes/atores reinventem e externem suas
subjetividades.
Para a análise dos posicionamentos interacionais e das ordens de
indexicalidade utilizo os índices linguísticos propostos por Silverstein (2003) e as
cinco pistas indexicais definidas por Wortham (2001): referência e predicação;
descritores metapragmáticos; citação; avaliadores indexicais; e modalizadores
epistêmicos. Por ordem, as duas primeiras foram bastante convocadas, uma vez
que é por meio delas que podemos ver a relação entre objeto e nome acima
explicitada: enquanto a referência constitui o “rótulo” daquilo que designa, a
predicação caracteriza o mesmo. Ambas põem em discussão algumas questões
como se a correspondência entre o nome e o objeto que as representam é sempre
inextricável e fiel àquilo que a/o atriz/ator da fala depreende e se é possível perceber
quando as atribuições dadas ao nome corroboram um estatuto de significação ou,
ao contrário, subvertem-no através de um ato performativo.
Os avaliadores indexicais suscitam modos de falar e expressões que
podem ser associados a determinado grupo ou membros de um grupo. Aqui a
questão da subjetividade se faz muito presente e, ao mesmo tempo, entextualiza
determinados comportamentos que reúnem afins em um grupo. Meu contexto de
pesquisa, especificamente, está frequentemente sob a ação desse processo
50

indexical, uma vez que é no cotidiano escolar, em meio a gírias e interações entre
pátios e salas de aula que nascem as tribos urbanas. Os modalizadores
epistêmicos, por fim, produzem itens indexicais utilizados para reforçar a veracidade
do proferimento.
São, portanto, os elementos contextuais que reivindicam os temas
recorrentes tanto nos textos argumentativos como nas análises, manifestando-se
através de itens indexicais:
(...) os elementos de contextualização funcionam como
âncoras, fornecendo um terreno indexical que orienta as
pressuposições e expectativas dos interlocutores em relação
ao encontro interacional, guia seu uso de recursos e
estabelece relações entre os signos empregados e os
significados socioculturais que eles designam (FABRÍCIO,
2014, p. 148).

Utilizo também os dêiticos que, segundo Ilari e Geraldi (2006, p. 66),


são “palavras que mostram” e podem viabilizar a comunicação; são caracterizados,
conforme Levinson (2007), por pronomes pessoais de primeira e segunda pessoas,
os demonstrativos, tempos verbais, advérbios de tempo e lugar e uma série de
traços linguísticos relacionados à enunciação (ILARI; GERALDI, apud MELO; MOITA
LOPES, 2014, p. 662). Em “Problemas de Linguística Geral”, Benveniste (1976, p.
288) também expõe uma vasta reflexão sobre os dêiticos sob a perspectiva de que
“a linguagem está de tal forma organizada que permite a cada locutor apropriar-se
da língua toda designando-se como eu”. Assim, enquanto instâncias “objetivas” de
caráter virtual, os dêiticos articulam a linguagem e a materialidade da enunciação:
Cada instância de emprego de um nome refere-se a uma
noção constante e "objetiva", apta a permanecer virtual ou a
atualizar-se num objeto singular, e que permanece sempre
idêntica na representação que desperta (BENVENISTE, 1976,
p. 278).

Além dessas categorias, as modalizações também foram utilizadas e,


considerando Bronckart (2007), temos as lógicas que avaliam elementos do
conteúdo temático do ponto de vista de suas condições de verdade; as deônticas
que se apoiam nos valores, opiniões e regras do mundo social; as apreciativas que
avaliam os elementos procedentes do mundo subjetivo como benéficos, infelizes,
estranhos e, por fim, as pragmáticas que atribuem ao agente do conteúdo temático
intenções, razões ou capacidades de ação.
51

Fabrício (2014) reitera aqui como os recursos linguísticos constroem os


sujeitos sociais através do processo de indexicalidade, do qual tratarei a seguir. É
também este processo que institui determinados discursos que se “cristalizam” na
dinâmica social de modo a tornarem-se Discursos com o poder de serem deslocados
para outros contextos, instaurando um juízo de valor implantado através do processo
de entextualização (FABRÍCIO, 2014, p. 151). Ou seja, a análise das pistas
indexicais busca também reconhecer os Discursos que orientam os textos desse
blogueiro. Para isso, precisamos primeiro compreender melhor quem é o autor
destes artigos e de que lugar ele os compõem. No capítulo seguinte, trarei as
análises de quatro artigos de opinião do blog Integra (canalintegra.blogspot.com.br).
52

4. OS POSICIONAMENTOS INTERACIONAIS E AS ORDENS DE


INDEXICALIDADE DE UM BLOGUEIRO URSO

Neste capítulo, farei uma apresentação das características do blog


Integra, seguida da análise de sua imagem na internet. Em sequência, analisar ei os
posicionamentos interacionais e as ordens de indexicalidade presentes em quatro
artigos de opinião postado no blog e, por fim, apresentarei algumas reflexões sobre
as análises.

4.1 O BLOG INTEGRA

O blog Integra encontra-se no endereço canalintegra.blogspot.com.br,


apresenta quatorze textos multimodais (textos escritos, imagens, vídeos), tendo o
primeiro artigo de opinião sido postado no dia 29 de abril de 2015 e o último, no dia
9 de julho do mesmo ano. A ferramenta constitui-se em um espaço de debate e
exposição de temas relacionados a sexualidade e gênero. Além disso, tem por
finalidade discutir as questões de interesse das pessoas ligadas à causa LGBTT.
Antes de iniciar a análise dos posicionamentos interacionais presentes
nos artigos de opinião, farei uma breve apresentação do aspecto gráfico do blog
Integra, recortando a página que o inaugurou, no dia 28 de abril de 2015.
Ressalto que todos os artigos de opinião e outros textos publicados no
blog “Integra” foram copiados fidedignamente do ambiente virtual sem nenhuma
alteração ou correção de minha parte. Acrescento, ainda, que até o dia 30 de
setembro de 2015 foram registrados 508 acessos ao blog.
Com base em pesquisas em sites, em canais (youtube19) de ativismo

19
Alguns dos canais pesquisados: Canal Põe Na Roda:
<https://www.youtube.com/user/canalpoenaroda>; Canal das Bee:
<https://www.youtube.com/user/CanalDasBee>; Canal Beijei Gostei:
<https://www.youtube.com/channel/UCVrrsOpNgdncPHcunW_xb9Q>; Canal Transviados:
53

LGBTT e na troca de experiências com o grupo de alunas/os, minha análise


buscará, a princípio, expor alguns elementos simbólicos com referência ao
movimento LGBTT no layout do blog. Seu aspecto gráfico é marcado pela mescla de
cores que remete à formação do arco-íris, símbolo reconhecidamente alusivo ao
grupo LGBTT e, além disso, a composição de diversos matizes reporta ao objetivo
de “agregação”, “mistura” 20, proposto por algumas/alguns alunas/os do Instituto, ao
criarem o blog, como mostra a figura a seguir.

Figura 1- Página inicial do blog


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

Podemos observar, na figura 1, que o enquadramento das palavras e


das imagens oferece um padrão de destaque para as imagens e para as cores e
centraliza os artigos, conferindo-lhes uma posição privilegiada. O nome do blog
aparece à esquerda, em destaque, pelo tamanho ampliado da fonte. Em seguida,
verifica-se, logo abaixo do nome, a inscrição que explica o próprio blog quanto ao
objetivo e à origem.
“Integra”, é uma referência que indexa um posicionamento das/os

<https://www.youtube.com/channel/UCvZai8aeihOzClVqNwVZUDw>. Acesso em: Novembro de 2015


20
Grifo meu.
54

jovens para promover a interação entre seus pares, como vem expresso em sua
inscrição: “Integra é uma iniciativa conjunta d@s alun@s LGBT do IFSULDEMINAS
campus Muzambinho, como forma de colocar em pauta discussões pertinentes a
nós”. Além disso, é relevante considerar a origem do nome “integra” como um
substantivo derivado do verbo “integrar” que significa 1- Fazer(-se) inteiro, incluído
num só todo ou conjunto; INCOMPORAR (-SE); 2- Receber alguém num grupo
qualquer, ou adaptar-se a este como membro, como integrante; 3- Ser parte de (uma
totalidade, um conjunto maior). 21 Assim, fica evidente a coerência da escolha do
nome do blog com a intenção proposta no momento da sua criação, podendo ser
admitido qualquer um dos significados acima como sinônimo da ação proposta pelo
grupo de alunas/os.
Aqui há também a presença de alguns dêiticos (“é”, “nós”) que,
segundo Pontes (2009) são expressões linguísticas capazes de indexicar
informações socioculturais. Assim, através do verbo no presente (“é”), aparece a
execução do objetivo proposto pelo blog acontecendo simultaneamente à sua
produção, o que indicia o traço indiscutivelmente próprio do ambiente online.
Também o pronome pessoal de primeira pessoa (“nós”) retoma o sentido de
interação entre comuns (nós = eu e os outros) ao mesmo tempo que remete à ideia
de apropriação do espaço (nosso lugar). Neste sentido, é possível afirmar que as
postagens adquirem feições muito particulares, aproximando-se do relato
confessional. Ainda assim, os posts transcendem a natureza do relato pessoal, pois
identificam uma coletividade concernente a um contexto e expõem questões
cotidianas que dizem respeito a ela.
Em um primeiro momento, o da criação do blog, percebe-se, na
inscrição citada “Integra é uma iniciativa conjunta d@s alun@s LGBT do
IFSULDEMINAS campus Muzambinho, como forma de colocar em pauta discussões
pertinentes a nós”, um posicionamento interacional que remete ao coletivo, expresso
na referência “iniciativa” e na predicação “conjunta”, bem como na referência
“discussão” e na predicação “pertinentes a nós”. Esta situação indexa o que,
naquele momento, era extremamente importante para o grupo: o agir conjuntamente
em prol de uma causa comum a todas/os.
Vale destacar que, posteriormente à publicação do blog, à medida que

21
Disponível em http://www.aulete.com.br/integrar. (acesso em 28/10/2015)
55

a autoria dos textos foi assumida por um único autor, Erlon, ele fez alterações na
primeira versão, mudando inclusive a sua inscrição: “Integra é uma iniciativa de algo
que nem sei mais explicar mais sinceramente existe, entenda como quizer.”,
conforme demonstra a figura 2.

Figura 2 - página inicial do blog alterada


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

Na referida imagem, fica evidente que nesta nova nomeação do blog,


com a evasão dos outros membros do grupo, o objetivo do blog se transforma, pois
deixou de ter gerenciamento coletivo. Denominado antes como “iniciativa conjunta
d@s alun@s LGBT” com objetivo de “colocar em pauta discussões pertinentes a
nós”, agora passa a não ter mais uma denominação “algo que nem sei mais explicar
mais sinceramente existe” nem objetivo específico “entenda como quizer.”.
Percebe-se, então, um posicionamento interacional de apropriação do
blog, que marca o momento em que o blogueiro assume página para si como um
diário confessional, indexando seus conflitos, sua necessidade de desabafar e, ao
mesmo tempo, autoanalisar seus sentimentos e externá-los para suas/seus
56

leitoras/es.
A seguir, passo à análise dos artigos de opinião, que por questões
didáticas, foram divididos em excertos, para facilitar sua compreensão.

4.2 CONHECER NOVAS PESSOAS

O artigo “Conhecer novas pessoas”, de autoria de Erlon Charles


Gomes, publicado no dia 20 de maio de 2015, às 11 horas e 07 minutos
(canalintegra.blogspot.com.br), encontra-se localizado no anexo A.
A temática tratada neste artigo discute as interações entre um
determinado grupo social (gays) através de uma TIC marcada ao longo do texto pela
referência “app’s”.

“CONHECER NOVAS PESSOAS”

Excerto 1

01. “Gente vou começar o post de hoje primeiro me desculpando de não ter postado
02. a algum tempo é a correria do dia a dia que compromete, prometo criar uma
03. frequência maior de publicações no blog afinal e a nossa voz social.”

Neste excerto, o blogueiro se posiciona interacionalmente em primeira


pessoa “vou”, “me” (linha 01), “prometo” (linha 02), “nossa” (linha 03), como alguém
próximo de sua audiência e procura quebrar qualquer barreira que possa haver com
os interlocutores, criando a descontração de um bate papo através do vocativo
“gente” (linha 01), que também indica a informalidade presente em alguns blogs,
redes sociais etc. Além disso, os verbos no presente do indicativo “vou” (linha 01),
“é”, “compromete”, “prometo criar” (linha 02) representam o momento de
simultaneidade da publicação no blog com sua audiência e denota a certeza da ação
através do modo indicativo. Um segundo posicionamento interacional, presente
neste excerto, é o de comprometimento do blogueiro com seus interlocutores ao
assumir a promessa de se manter frequente e atuante no blog, sinalizado pela
locução verbal “prometo criar” (linha 02), pelas referências “frequência”,
57

“publicações”, “blog” e pela predicação “maior” (linha 03). Também quero marcar a
força da modalização deôntica “prometo criar uma frequência maior de publicações
no blog” (linhas 02 e 03), quando o jovem assume uma obrigação social de manter
os laços que o unem com o grupo ao qual se liga, LGBTT, através do compromisso
com a frequência das publicações neste ambiente virtual que as/os colocam lado a
lado.
Erlon reafirma o objetivo de utilizar o blog como espaço de interação e
discussão de assuntos de interesse do grupo LGBTT da Instituição, por meio da
referência “voz” e da predicação “social” (linha 03), o que marca nitidamente a
ordem de indexicalidade de compromisso moral de ajuda ao próximo, àquele que
demonstra necessidade de apoio e encontra-se fragilizado em seu meio social. Com
o uso do pronome de primeira pessoa “nossa”, no mesmo trecho, o blogueiro
resgata novamente a atenção da audiência para si e deixa claro, que naquele
momento, considerava o blog um instrumento coletivo de interação, pertencente,
ainda, ao grupo que o originou.

Figura 3 - Primeira ilustração do artigo I


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

Chamo a atenção para a primeira imagem que ilustra o artigo I,


destacando que no blog, ela aparece colocada à esquerda da página, circundada
pelo texto, conforme anexo A. Entendo este artifício como sugestão da interação
proposta pela web na forma dialógica sugerida pelos dois balões de fala, que
abarcam tanto os relacionamentos afetivos, representados pelos “corações”, símbolo
do amor, quanto pela amizade, representada pelas “reticências”, indicando apenas o
bate papo. Além disso, salta aos olhos a diversidade das figuras que preenchem os
58

balões, salientando a amplitude de opções encontradas nesse ambiente. Vale


observar também, que neste enquadramento, os sujeitos ocupam a mesma posição,
uns ao lado dos outros, compartilhando o mesmo espaço. Não por acaso, o recurso
imagético representado na figura 3 apresenta-se em forma de balões de fala, uma
vez que isso indexa a temática do diálogo e da interação proposta no artigo
“Conhecer novas pessoas”. Mais uma vez as cores assumem um papel de
destaque. O colorido da imagem reflete a pluralidade dessas interações e, sem
dúvida, remete-nos novamente ao símbolo do movimento LGBTT, o arco-íris.

Excerto 2

04. “Bom sou do interior, lugar onde você sai na porta e todo mundo já sabe o que onde
05. e como você fez alguma coisa por menor e mais simples que essa coisa seja.
06. È disso tudo que nos gays do interior acabamos cada vez ficando mais calados.”

No excerto 2, através do verbo na primeira pessoa e da predicação


“sou do interior” (linha 04), o blogueiro se posiciona interacionalmente como um
jovem do interior, assumidamente gay “nos gays do interior” (linha 06) e que se
sente oprimido socialmente, devido à sua orientação sexual “acabamos cada vez
ficando mais calados.” (linha 06). Destaco aqui a ordem de indexicalidade
mobilizada pelo blogueiro marcada pelo moralismo conservador das cidades
interioranas que repudia qualquer tipo de manifestação subjetiva que não se
enquadre no padrão binário, heteronormativo branco. Aqui, o esboço da cidade do
interior vai ao encontro de um ambiente preconceituoso, opressor, que provoca o
silenciamento das pessoas tidas como diferentes da norma hierarquizada. Isto, de
alguma forma, também pode remeter o silenciamento dos gays à sinalização de
medo da exposição, receio da invasão de privacidade, podendo assim ser
desmoralizado e sofrer preconceito e agressão da sociedade. De forma clara, Erlon
conversa com o público, usando o pronome “você” (linha 04), sugerindo a
possibilidade de seu interlocutor ser um outro gay. A predicação “calados” (linha 06)
possui um valor semântico imensurável nesse contexto, quando o jovem deflagra a
condição de silenciamento a que os gays se submetem na sociedade, revelando
assim uma marca de sofrimento vivenciada por ele.

Excerto 3
59

07. “Um saída que encontrei e vou compartilhar com vocês são os app's de gays. Bom gente
08. pra quem ainda não sabe existem alguns app's pra conhecer outros gays, porém o lance
09. dos app's é o seguinte, as pessoas lidam como se tudo isso fosse um grande e
10. diversificado cardápio virtual. Eu mesmo por muitas vezes procurei conversa com
11. pessoas apenas por que curti o rosto ou corpo enfim nos tornamos pessoas rasas
12. nesses app's, o fato de não estarmos frente a frente um ao outro faz com que liberamos
13. uma parte obscura de nos mesmo que e volúvel e superficial.”

No excerto 3, o blogueiro se mostra coeso com seu objetivo de usar o


blog para interação entre comuns ou iguais ao assumir o primeiro posicionamento
interacional deste excerto, o de conselheiro e amigo, propondo, através da locução
verbal “vou compartilhar” (linha 07), dividir com outros gays a alternativa,
representada pela referência “saída” (linha 07) que encontrou: o uso de aplicativos
para estabelecer relacionamentos sem ser julgado pela sociedade. Ao se assumir
gay, aparentemente de forma bem resolvida, Erlon demonstra um traço de equilíbrio
com sua subjetividade, fazendo com que ele acabe se colocando no dever de ajudar
outros gays que ainda vivem os dramas do relacionamento da sua intimidade
consigo mesmo e com a sociedade. Por meio de recursos virtuais, expressos pela
referência “app’s” (aplicativos) e a predicação “de gays” (linha 07), o blogueiro
demonstra de que forma ele busca encontrar pessoas para conversar, estabelecer
relacionamentos, enfim, encontrar sua felicidade. Assim, apresenta para suas/seus
interlocutoras/es opções possíveis para viver situações adversas impostas pela
sociedade àqueles cuja subjetividade não segue os padrões heteronormativos.
Desta forma, aciona uma ordem de indexicalidade do compromisso social que cada
cidadão tem com seus pares, principalmente com aquelas/es que vivem à margem
da sociedade, em sofrimento por conta de preconceitos.
Chamo a atenção para o valor semântico do substantivo saída,
derivado do verbo sair, neste contexto com o significado de: Fig. Maneira de superar
uma dificuldade; recurso, expediente: arranjou uma saída. 22 . O dêitico (“saída”)
corrobora o propósito do blog de ser usado como “recurso” para aquelas/es cuja
subjetividade é considerada dissidente na sociedade.
Mais uma vez, o blogueiro aproxima-se dos interlocutores pelo recurso
do coloquialismo marcado na expressão “Bom gente” (linha 07), da referência
“lance” (linha 08) e da predicação “é o seguinte” (linha 09), que pode ser
representada pela expressão o lance ... é o seguinte, gíria comumente empregada
22
Disponível em http://www.dicio.com.br (Acesso em 26/10/2015)
60

pelas/os jovens. Interessante observar também a forma como ele apropria-se da


web como espaço de sua intimidade, designando-o através da referência “cardápio”
(linha 10) e utilizando as predicações “grande” (linha 09), “diversificado” e “virtual”
(linha 10).
O segundo posicionamento interacional assumido pelo jovem traduz-se
na valorização da aparência física, em suas relações afetivas, evidenciado através
dos verbos na primeira pessoa do singular “procurei” (linha 10) e “curti” (linha 11) e
das referências “conversa” (linha 10), “rosto” e “corpo” (linha 11), alusivas à estética.
Ideia reforçada aqui pelo dêitico “apenas” (linha 11), ou seja, ele se interessou por
pessoas, exclusivamente pela aparência física. Em seguida, esse posicionamento
interacional é reforçado pela referência “pessoas” (linha 11) e pela predicação “nos
tornamos rasas” (linha 11). Aqui a ordem de indexicalidade suscitada é a da
supremacia da aparência física, da estética corporal sobre outros valores como
caráter, sentimentos verdadeiros, afetividade etc. Isto puxa de forma explícita a
supervalorização da aparência física, do culto à beleza, evidenciando que também
no mundo gay há padronizações que valorizam certas pessoas em detrimento de
outras. Importante ressaltar a pessoalidade do autor do artigo por meio da forte
presença dos dêiticos de primeira pessoa, expressos nos pronomes pessoais “eu”
(linha 10), “nos” (linha 11), pronome demonstrativo “mesmo” (linha 13), verbos e
locuções verbais na primeira pessoa do singular e plural “encontrei”, “vou
compartilhar” (ambos na linha 07), “procurei” (linha 10), “curti”, “tornamos” (ambos na
linha 11), “estarmos”, “liberamos (ambos na linha 12)”. Daí evidencia-se a marca
pessoal do blogueiro que expõe sua subjetividade sem receio nem assombro.

Excerto 4

14. “Mais nunca vamos generalizar as interações desses app's, eu por exemplo tive muitas
15. vezes o prazer de olhar perfis e me identificar conhecer amigos e até mesmo paquera
16. olhando pra o que a pessoa é, e não somente para aparência. Acho quando não
17. estamos perto fisicamente devemos sempre estar apertos de alguma forma a conhecer
18. e se relacionar com pessoas, afinal seres humanos tem necessidade de viver em
19. conjunto e quando estamos entre iguais ou semelhantes de alguma forma fica bem mais
20. fácil lidar com situações duras que encaramos no dia a dia.”

Em contraposição ao posicionamento interacional de valorização da


aparência física nas relações afetivas, no excerto 4, o blogueiro usa dêiticos de
61

primeira pessoa do singular “eu”, “tive”, (ambos na linha 14), “me” (linha 15), as
referências “prazer”, “perfis”, “amigos”, “paquera” (linha 15), “pessoa” e
“aparência”(linha16) e as predicações “de olhar perfis” (linha 15), “o que é” (linha 16)
para se colocar em um posicionamento interacional no qual se procuram amizades e
relacionamentos afetivos por meio de identificações pessoais, para além da
aparência, o que seria, de acordo com a argumentação exposta, um ponto positivo
deste tipo de TIC. Este posicionamento suscita a ordem de indexicalidade da
moralidade nas relações interpessoais, em que valores como princípios éticos,
honradez, caráter, dignidade estão acima de qualquer banalidade expressa por
aspectos fúteis, superficiais e frívolos, como a aparência física tão cultuada por
alguns grupos homoafetivos.
Neste excerto, Erlon estabelece um novo gancho com sua audiência
presumivelmente gay através de referências “iguais”, “semelhantes”, “situações” e de
predicações “bem mais fácil”, “duras” no trecho: “afinal seres humanos tem
necessidade de viver em conjunto e quando estamos entre iguais ou semelhantes
de alguma forma fica bem mais fácil lidar com situações duras que encaramos no
dia a dia.” (linhas 18 a 20), trazendo também de forma clara a modalização lógica
marcada pela caracterização própria do ser humano de fortalecimento quando em
grupo.

Excerto 5

21. Alternativas de app's para gays são:


22. • Hornet
23. • BADU
24. • GRINDR
25. • SCRUFF
26. Logicamente que existem mais dezenas de app's os com mais divulgação são esses e
27. por meio deles entramos em contato com muito mais pessoas. Estar aperto a conhecer
28. significa muitas vezes se conhecer melhor. Gente fico por aqui espero ter sido de
29. alguma forma útil pra vocês, até o próximo post.

No excerto final, identifico a modalização lógica expressa no trecho


“Logicamente que existem mais dezenas de app's” (linha 26), imprimindo uma
condição de verdade à familiaridade do blogueiro com esses aplicativos. Essa
familiaridade com o ambiente virtual e o íntimo conhecimento de suas ferramentas
são reforçados através do dêitico “mais” e da referência “dezenas” (linha 26) e da
enumeração dos outros aplicativos semelhantes, listados nas referências “Hornet”,
62

“Badu”, “Grindr”, “Scruff” (linhas 22 a 25).


Por fim, o jovem retoma o posicionamento interacional de conselheiro e
amigo assumido anteriormente no excerto 3, procurando colaborar com seus pares
no sentido de oferecer-lhes alternativas para minorar o sofrimento de que tem a
subjetividade enquadrada “fora do padrão” heteronormativo, através do verbo e
locução verbal em primeira pessoa do singular “espero”, “ter sido” (linha 28) e da
predicação “útil” (linha 29), e com a sugestão de diversos aplicativos para gays, na
referências “Hornet”, “BADU”, “GRINDR” e “SCRUFF” (linhas 22 a 25). Da mesma
forma que no excerto 3, este posicionamento faz surgir a ordem de indexicalidade de
compromisso social do blogueiro com seus pares.
Erlon também sela seu compromisso com sua audiência “pra vocês”
(linha 29), garantindo a manutenção de suas publicações, na expressão que usa
predicação a “próximo” e a referência “post” (ambas na linha 29): “até o próximo
post”.

Figura 4 - Segunda ilustração do artigo I


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

Na figura 4, quero destacar, na imagem, o posicionamento interacional


que remete ao clima de alegria, interação, descontração e intimidade que representa
o grupo de alunas/os que, até o momento de publicação deste artigo, era
63

responsável pelo blog. Novamente se faz marcante o uso das cores, o que suscita a
ordem de indexicalidade que atribui ao espaço ocupado pela juventude na
sociedade como um ambiente de despreocupação e de informalidade. Destaco
também o enquadramento da imagem, onde todos os sujeitos aparecem colocados
em um mesmo nível, sugerindo a equidade própria das amizades verdadeiras. A
frase impressa em destaque, no centro inferior da imagem, enfatiza a importância
dos amigos, inclusive aqueles virtuais.
Destaco alguns dos aspectos mais relevantes a respeito dos
posicionamentos interacionais e das ordens de indexicalidade suscitadas nesta
análise. Ao longo de todo artigo, cuja temática desenvolvida foi a utilização de
aplicativos específicos para gays, identifico várias marcas discursivas como a
primeira pessoa sugerida pelos dêiticos pronominais (me, nossa, nos, eu, mesmo) e
verbais (vou, prometo criar, sou, acabamos ficando, encontrei, vou compartilhar,
procurei, curti tornamos, estarmos, liberamos, vamos generalizar etc.) que remetem
a um posicionamento interacional relativo à assunção de uma subjetividade em um
cenário social, bem como à ordem de indexicalidade de identificação de um lugar
entre pares.
Este ponto é recorrente também nos demais artigos que serão
analisados e relaciona-se diretamente com o posicionamento interacional
apresentado nos excertos 1, 3 e 5, segundo o qual se demonstra socialmente
engajado e coerente com o papel crítico que ele assume no contexto em que
discute, ou seja, um gay pertencente a um grupo de alunas/os LGBT de uma
instituição escolar tradicionalmente heteronormativa do interior do estado de Minas
Gerais. Este posicionamento relaciona-se com ordem de indexicalidade de
compromisso social do blogueiro com seus pares e ratifica o caráter político
suscitado pelos princípios queer (LOURO, 2004) no sentido de se assumir em um
microcosmo enquanto componente de uma força que combate uma “verdade”
estabelecida fortemente por um contexto macro da nossa sociedade.
Não obstante, uma análise mais aprofundada demonstra como seus
discursos sobre sexualidade e gênero encontram-se permeados por marcas de um
Discurso que nomeia e hierarquiza indivíduos que como ele, percebem-se fora da
heteronormatividade vigente. Logo, conquanto proponha ao blog uma postura
questionadora e insurgente em relação ao preconceito, Erlon também se mostra
suscetível aos padrões normativos existentes dentro da própria comunidade LGBTT
64

quando, a respeito da ordem de indexicalidade da supremacia da aparência física


nos relacionamentos (excertos 3 e 4), o blogueiro apresenta dois posicionamentos
interacionais opostos: um em que se assume influenciado por este tipo de
valorização (excerto 3) e outro no qual posiciona-se contrário a esta postura em prol
de relacionamentos baseados no companheirismo e na honestidade (excerto 4). A
respeito da questão do estabelecimento de parâmetros valorativos entre pares, meu
aparato teórico valeu-se de Nardi (2010) e Miskolci (2009).
Ao mesmo tempo, sua fala ao longo de todos os excertos também
denota um silenciamento ao qual muitas/os são submetidas/os, devido à sua
subjetividade que diverge de padrões identitários pré-estabelecidos por parte de
algumas instituições sociais de poder e indexam valores sociais hierarquizados,
corroborando a concepção do Não-Dito que suscitei a respeito de Sedgwick (2007).
Posso afirmar que o blogueiro mobiliza sentidos de valor da ordem de indexicalidade
relativa a um posicionamento crítico que se pronuncia contrário à norma vigente do
contexto heteronormativo e procura apagar ou esconder as subjetividades que aí
não se enquadram, desconstruindo aquilo que nos Discursos apresenta-se como
certo e errado e deflagrando a natureza performativa da linguagem (AUSTIN, [1962]
1990).
Assim, é possível dizer que, ao silenciamento imposto pelos
constructos sociais de poder de determinados contextos, interpõe-se uma alternativa
que possibilita a iterabilidade entre os atos de fala sobre sexualidade compatíveis
entre si, ainda que discordantes dos padrões, claramente explícita no excerto 4.
As ordens de indexicalidade da sociedade interiorana, mobilizadas no
texto, relacionadas ao preconceito à homoafetividade, corroboram os apontamentos
teóricos expostos sobre a web 2.0 enquanto espaço de transgressão de Discursos
(MOITA LOPES; FABRÍCIO, 2010). Sobre as duas imagens do referido artigo,
acredito que nas análises de ambas destacaram-se as concepções de
relacionamentos afetivos e entre amigos; de diálogo; de parceria; de pluralidade e de
liberdade Apresento, a seguir, a análise do segundo artigo de opinião.
65

4.3 BALADINHA

O artigo “Baladinha”, de autoria de Erlon Charles Gomes, publicado no


dia 23 de maio de 2015, às 09 horas e 49 minutos (canalintegra.blogspot.com.br),
encontra-se localizado no anexo B.
“BALADINHA”

Excerto 1

01. “Sabe gente pensei nesse post já alguns dias, porém estava mega sem tempo para
02. escrever então só consegui escrever hoje.”

Analisando este artigo, pudemos perceber como a assunção das


postagens do blog já é demonstrada de maneira segura e espontânea pelo
blogueiro. Verifico seu posicionamento interacional em primeira pessoa do singular
através dos verbos “pensei”, “estava” (linha 01), “consegui” (linha 02) e da expressão
“pensei nesse post já alguns dias” (linha 01), em que ele demonstra preocupação
quanto à atualização de conteúdos da página como uma responsabilidade sua. Este
cuidado faz-se coerente considerando que no artigo I, “Conhecer novas pessoas”,
Erlon fizera a promessa de manter-se frequente e assíduo em suas publicações.
Novamente vem à tona a ordem de indexicalidade de compromisso social com seus
pares, somando-se a este, o compromisso com a coletividade de um planejamento
traçado em função de uma causa comum.
Nota-se, novamente, uma familiaridade com sua audiência, tanto na
afirmação de caráter pessoal da predicação “mega sem tempo” (linha 01), como no
coloquialismo da expressão “Sabe gente” (linha 01), visando a uma maior intimidade
com as/os leitoras/es ao aproximar-se do tom dialógico da interlocução explícitos no
excerto abaixo.
66

Figura 5 - Ilustração do artigo II


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

Na imagem da figura 5, o uso das cores se desfaz para dar lugar ao


branco e preto, remetendo as personagens ao ambiente escuro em que se
encontram naquele momento, uma balada à noite. Originalmente, no blog, a figura
vem fixada à esquerda da página, entremeada pelo texto, remetendo à ideia do
momento vivido pelas/os participantes, ou seja, a balada, situação em que as
pessoas se misturam umas às outras. As/os participantes da imagem apresentam-se
numa posição semelhante, em que todas/os voltam seu olhar para o/a leitor/a. Além
disso, seus traços demonstram o momento que vivem, de alegria, empolgação e
festividade. O sorriso largo com os dentes estampados na imagem reforça essa
ideia e contribui para a harmonia da imagem.

Excerto 2
03. “Agora sem mais rodeios sabe sair ai como e bom, mais tem tanta coisa por traz que
04. confesso chega a me dar uma certa preguiça sabe. Acho que todo mundo é assim
05. escolhemos a roupa nos maquiamos e lá se foi duas ou três horas tudo isso pensando
06. no que os outros pensam de nós se vamos ser atraentes?, se algum cara vai se
07. interessar por nós?.”

O mesmo tom de coloquialismo, já utilizado anteriormente, aproxima


Erlon de sua audiência e vem marcado por expressões fáticas, usadas como
ganchos para fisgar o/a leitor/a “Agora”, “sem mais rodeios”, “sabe”, “sair ai”, “como
e bom” (todas na linha 03).
67

Percebo, no excerto 2, um posicionamento interacional dúbio: de um


gay que gosta de baladas, mas também que se sente entediado com os preparativos
exigidos para isso, o que fica marcado pela referência “sair ai” (linha 01) e pelas
predicações “bom” (linha 03) e “que ...chega a me dar uma certa preguiça” (linhas 03
e 04). Este posicionamento vem reforçado na modalização pragmática “Acho que
todo mundo é assim escolhemos a roupa nos maquiamos e lá se foi duas ou três
horas” (linhas 04 e 05). A ordem de indexicalidade já suscitada no artigo I, de
valorização da aparência física volta a se fazer presente aqui, considerando que
esses preparativos para ir à balada envolvem um embelezamento, marcado no texto
pelos dêiticos “escolhemos”, “roupa”, “maquiamos”, “duas ou três horas” (todos na
linha 05) e “atraentes” (linha 06).
Neste excerto, Erlon também se posiciona interacionalmente como um
gay que quer encontrar alguém, relacionar-se afetivamente com outras pessoas, o
que fica evidente na modalização pragmática marcada nas formas condicionais “se
vamos ser atraentes?, se algum cara vai se interessar por nós?”. A ordem de
indexicalidade da valorização da aparência física acima de qualquer outro atributo é
novamente reforçada. Esta é uma característica não só da sociedade
contemporânea como também típica das redes sociais e ambientes de interação
virtual.

Excerto 3

08. “Passamos noventa por cento do tempo pensando em tudo menos que
09. inconscientemente sabe de certa forma e uma coisa que a sociedade nós condiciona a
10. ser assim. Em uma balada e quase que automático quero achar os caras bonitos ou que
11. de alguma forma nos interessamos e passamos mais tempo assim que esquec o dos
12. amigos no meio disso tudo.”

Indiscutivelmente, o trecho acima está marcado pela modalização


deôntica “quero achar os caras bonitos” (linha 10) e pela modalização pragmática
“que de alguma forma nos interessamos e passamos mais tempo assim” (linha 10 e
11), ambas aludindo aos relacionamentos afetivos motivados pela aparência física. A
tendência em questão pode ser verificada pela referência “caras” e a predicação
“bonitos” (ambas na linha10).
Aponto ainda neste excerto, outra ordem de indexicalidade que
também se refere a padrões e normas impostos pela sociedade, não apenas
referentes à aparência como também ao comportamento social. Para sermos
68

aceitas/os em meios de interação social, muitas vezes, passamos por cima de


valores e conceitos inerentes à nossa formação e aceitamos o julgamento de grupos
elitizados e de poder “a sociedade nós condiciona a ser assim.” (linhas 09 e 10).

Excerto 4

13. “Quando era menor nunca fui muito de sair sabe sempre ligava com o que iriam falar ou
14. não de mim,cidade pequena de novo trabalhando contra mim. Outra coisa é que por ser
15. interior não tem baladas gays acaba que são sempre as mesma baladas convencionais,
16. "mais não é a mesma coisa?"alguns vão me pergunta eu digo e afirmo não é não ,sabe
17. quando se esta em ambiente de balada hetero assim se um cara fica com você ele tem
18. que ser assumidamente gay pq a muito mais o lance do disse me disse e por ai vai .”

Novamente Erlon retoma o mesmo posicionamento interacional de um


gay do interior oprimido, presente no artigo I, através da referência “cidade” e da
predicação “pequena”, reforçada pela locução adverbial “de novo” e a expressão
“trabalhando contra mim” (todas na linha 14). Destaco, entretanto, que neste excerto
do artigo II, ocorre uma regressão ao passado “quando era menor” (referência da
linha13) que também retoma do artigo I uma ordem de indexicalidade de uma força
repressora dos sujeitos que fogem do padrão heteronormativo em cidades pequenas
e são, desde pequenas/os, reprimidas/os em sua subjetividade. Além disso, outra
ordem de indexicalidade mobilizada no artigo refere-se às cidades interioranas,
cujos padrões morais e éticos muito conservadores, impõem normas de sexualidade
e gênero que vão de encontro às performances do mundo LGBTT, presente na
modalização deôntica “quando se esta em ambiente de balada hetero assim se um
cara fica com você ele tem que ser assumidamente gay” (linhas 17 e 18).
Assim, salienta um segundo posicionamento interacional deste excerto
de preocupação com a opinião das outras pessoas na modalização apreciativa
“sempre ligava com o que iriam falar ou não de mim” (linhas 13 e 14). Em meio a
essa situação ser gay e morar no interior, o blogueiro manifesta a ordem de
indexicalidade da desvantagem para gays que habitam cidades interioranas. Ele
descreve o interior como um lugar desinteressante para gays e apontando para a
falta de eventos voltados para esse público na referência “interior” e na predicação
“não tem baladas gays” (ambas na linha 15).
Ele também estabelece uma nítida distinção entre esses eventos na
referência “baladas” (linha 15) e nas predicações “gays”, “convencionais” (ambas na
linha 15) e “hétero” (linha 17), explicando através de modalização “se um cara fica
69

com você ele tem que ser assumidamente gay” (linhas 17 e 18). Disto pode-se
verificar que existem mesmo as normas no mundo gay, não só para estabelecer
padrões de beleza, mas também padrões de comportamento.
A oralidade, traço característico da linguagem informal de um bate
papo também se faz muito marcante neste trecho, remetendo à aproximação da fala
com sua audiência. Esta característica é expressa pelos dêiticos “sabe” (linha 13),
“outra coisa” (linha 14), “vão me pergunta’’, “eu digo e afirmo” (linha 16), “disse me
disse”, “por aí vai” (linha 18).

Excerto 5
19. Não tenho muita propriedade pra fala sobre baladas para gays não fui em muitas,mais
20. mesmo quando esta numa balada convencional quando estamos com o foda-se ligado
21. acabamos nos divertindo e muito. E muitas vezes um sorriso e bem melhor do que mil
22. beijos sem sentimento. Mais o que queria falar é quando você liga o foda-se sociedade e
23. começa a pensa mais em você fica mais facial e mais agradável acaba dando muito
24. mais risadas e as coisas acontecem naturalmente.
25. Ser feliz tenho apreendido que esta mega ligado ao Foda-se sociedade.,

Ainda em referência às baladas, o blogueiro demonstra um


posicionamento interacional de pouca familiaridade com ambientes especificamente
destinados a gays, mostrando-se pouco experiente nessa interação pelos dêiticos
“não”, “tenho”, “muita” e pela referência “propriedade” (ambos na linha 19).
Entretanto, faz uma ressalva e, posicionando-se interacionalmente como alguém
que não se importa com a opinião alheia, reitera que há alternativas para a diversão
mesmo em ambientes não destinados a gay, basta uma condição modal, estarmos
com “o foda-se” (referência na linha 20) “ligado” (predicação na linha 20). Percebo
também a mudança de posicionamento do blogueiro em relação à necessidade,
inicialmente expressa, de estabelecer uma relação afetiva nesse evento de balada.
Outras relações podem ser importantes como a referência “sorriso” e as predicações
“melhor”, “mil”, (todas na linha 21) “sem sentimento” referência “beijos” (ambas na
linha 22).
Finalmente, outra ordem de indexicalidade acionada no texto refere-se
à realidade do mundo gay, com suas normas preestabelecidas tal qual no mundo
hétero. Pode-se relacionar aqui a ideia suscitada pelo blogueiro de que, em uma
balada hétero, qualquer pessoa que se relacionar com um gay, inevitavelmente será
também categorizada/o como gay.
70

Retomando os pontos centrais da análise, acentuo, primeiramente, a


manutenção das marcas discursivas em primeira pessoa ao longo de todo o artigo
(“pensei”; “escolhemos”; “passamos”; etc.), reiterando posicionamento interacional
relativo à assunção de uma subjetividade em um cenário social, bem como à ordem
de indexicalidade de identificação de um lugar entre pares.
Logo no início do texto, o blogueiro introduz o tema que será discutido
ao longo do post: os ambientes de entretenimento e relacionamento entre jovens,
através do ambiente das “baladas”.
De maneira mais ampla, procurei analisar este texto como uma
reflexão sobre o corpo que “se mostra”, portanto, “se diz” e “é lido” (AUSTIN, [1962]
1990) nesses ambientes. O corpo, aqui, assume grande relevância na medida em
que, como pontuei anteriormente, é um aspecto de extrema relevância nos
relacionamentos homoafetivos que se iniciam nesses ambientes de interação. Logo,
a aparência física seria, de certa forma, a expressão motivadora da interação. Nos
excertos 2 e 5 o blogueiro suscita, novamente, a ordem de indexicalidade da
valorização da aparência física entre os gays. Este princípio será problematizado
também sob a condição de dois posicionamentos interacionais dúbios, quando o
blogueiro reconhece o prazer de novas amizades e/ou relacionamentos afetivos que
a balada pode proporcionar (excerto 2) e, em contrapartida, demonstra também um
desapontamento que a preparação implicitamente sugerida para estes eventos lhe
causa (excerto 2 e excerto 5). Sobre este aspecto Monteiro e Nardi (2009),
retomando Butler (2004, 2002), pontuam que em comunidades gays o elemento
físico é de extrema relevância, pois, à medida o sujeito que emite um proferimento
de um lugar social, esta condição estende-se ao corpo físico do mesmo:
Estes lugares - que poderiam ser chamados de lugares de coisificação
do indivíduo - fazem com que sua integridade física, seu corpo, sua alma sejam alvo
dos mais variados tipos de violência: desde o olhar curioso - que se julga no direito
de poder ver a “aberração”- a violência do bisturi (...), da agressão verbal e, por fim,
da agressão física (MONTEIRO; NARDI, 2009, p. 42).
Em consonância com este aspecto, no excerto 3 o blogueiro suscita
uma ordem de indexicalidade que complementa e problematiza a ordem anterior ao
mencionar como os padrões de atributos físicos estabelecidos nestes ambientes
atuam inclusive sobre o comportamento daqueles que os frequentam. Logo, frente à
ordem de indexicalidade que se refere também à condutas impostas pela sociedade,
71

Erlon assume um posicionamento interacional de preocupação com a própria


aceitação pelos pares.
O que é posto em questão aqui é em que medida esta dimensão de
superficialidade da aparência física chega a ser prejudicial àqueles que realmente
desejam desenvolver relacionamentos que vão além disso. Tendo a aparência
tamanha importância em tais ambientes que, a princípio, pressupõem uma liberdade
de expressão subjetiva, as/os jovens veem-se subordinadas/os a uma nova espécie
de “rito” (PINTO, 2007, p. 10), ou seja, uma nova hierarquização de valores e
sentidos que submetem quem dele participa. Sendo assim, o blogueiro demonstra
como essa prática de supervalorização da aparência foi indexicalizada de maneira
que até ele, que propõe uma problematização da questão, acaba agindo sob os
mesmos parâmetros. Isto exemplifica, como pontuam Cerqueira e Souza (2015), que
os padrões impostos em relacionamentos homoafetivos também constituem regras
que causam sofrimento e marcam os corpos.
No excerto 4 o blogueiro ainda pontua ordens de indexicalidade
relativas à repressão sobre os sujeitos que fogem do padrão heteronormativo em
cidades pequenas, destacando um posicionamento interacional no qual via-se
oprimido em relação à sua subjetividade e, em um segundo nível, ainda mais
cerceado pelo fato de este conjunto de valores hierárquicos aplicar-se sob o
contexto social da “cidade pequena” onde, segundo ele, tais “regras” discursivas são
muito mais rígidas e extremadas, de modo que não apenas o diminuíam em sua
subjetividade, como também “trabalhavam” contra ele.
Ao problematizar a questão, o blogueiro pontua as ordens de
indexicalidade referentes às diferenças de ambientes distintos: a “balada hétero”
(excerto 4) e a “balada gay” (excerto 5). Com esta diferenciação, pude compreender
de que maneira a mesma prática discursiva pode indexicar discursos diferentes em
contextos diferentes (SILVA, 2009, p.126.). Logo, a balada gay seria mais aberta ao
flerte entre pessoas do mesmo sexo, uma vez que na balada hétero estes mesmos
sujeitos seriam automaticamente inseridos nas categorias hierárquicas de gênero,
nas quais a “normalidade” heterossexual sobrepõe-se ao “desvio” homossexual.
Concluindo a questão, Érlon afirma que, em ambos os casos, é válida a assunção
de um posicionamento interacional que não leve em conta a opinião alheia. Sobre a
imagem, acredito que seja relevante destacar o aspecto da realidade contextual da
fotografia (são as/os próprias/os jovens, a quem o blog se destina, retratadas/os) e
72

da alegria manifestada por aquelas/es retratadas/os na mesma.

4.4 TEMPESTADES DE ILUSÃO

O artigo “Tempestades de ilusão”, de autoria de Erlon Charles Gomes,


publicado no dia 30 de maio de 2015, às 04 horas e quarenta e dois minutos
(canalintegra.blogspot.com.br), encontra-se localizado no anexo C.
Destaco que este artigo foi criado quando as/os alunas/os do grupo
que iniciaram o projeto já haviam se evadido e Erlon assumira sozinho a
responsabilidade pelo blog.

“TEMPESTADES DE ILUSÃO”

Figura 6 - Ilustração do artigo III


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

Neste artigo, diferentemente dos dois primeiros, a imagem vem


localizada no alto da página, à esquerda, na altura da segunda linha do texto, tendo
parte do texto à sua direita, conforme se verifica no anexo C. De início, o que me
chama atenção é que, contrariamente às figuras dos dois primeiros artigos, nesta
percebemos dois posicionamentos interacionais: um individualista, onde não há mais
a presença da coletividade. As pessoas presentes na imagem representam apenas
um casal. Este traço corresponde exatamente à situação vivenciada pelo blogueiro
nesse momento, ele não conta mais com as/os amigas/os que iniciaram o projeto de
73

construção do blogI; no segundo posicionamento interacional Erlon apresenta um


traço mais melancólico e angustiado, refletindo seu estado de alma: um garoto gay
que sofre o vazio de não conhecer um amor verdadeiro. Neste sentido, a ordem de
indexicalidade suscitada é a de dificuldade de se estabelecerem relacionamentos
estáveis entre pessoas homoafetivas.
A tonalidade sombria da imagem, em que predominam tons escuros,
entre o cinza e o preto, revelou-me, de maneira geral, um aspecto sombrio e tenso
equivalendo ao clima de atordoamento do blogueiro, na imagem, representado pelo
casal em fuga e reforçado pela impressão da velocidade do vento com o prenúncio
da tempestade. Esse clima se confirma logo após a leitura do artigo: a condição
pessoal revelada pelo blogueiro a respeito de sua vida amorosa é, antes de tudo,
desiludida, sombria e triste. Através de uma alusão mais clara, vê-se um casal que
foge atormentado diante do início de uma tempestade, talvez de seus próprios
sentimentos, expressa na metáfora “tempestade de ilusões”.

Excerto 1

01. “Gente olha acho que estou encontrando a regularidade das minhas postagens
02. como eu tanto queria, sabe acho que estou começando a entrar em sintonia com o
03. que desejo realmente dizer, de certa forma tiro um peso da minha consciência
04. cada vez que faço um breve relado do que realmente sinto e penso. Sabe aquele
05. momento em que você acha que encontro o então perfeito felizes para sempre eu
06. tenho uma tendencia a achar que todas as pessoas são perfeitas e querem
07. conhecer realmente o verdadeiro amor e tudo mais”

Novamente, neste terceiro artigo, o blogueiro procura aproximação com


seu público ao se posicionar interacionalmente em primeira pessoa, tanto em alguns
verbos “acho”, “estou” (linha 01) “desejo”, “tiro” (linha 03), “faço”, “sinto”, “penso”
(linha 04) e “tenho” (linha 06), como nos pronomes de primeira pessoa “minhas”
(linha 01), “eu” (linha 02) e “minha” (linha 03). Esta aproximação também é validada
pelo vocativo “gente” (linha 01).
O primeiro excerto apresenta um posicionamento interacional de
realização do blogueiro com o instrumento criado, demonstrando que ele consegue
usar o blog conforme o havia idealizado, um espaço de expressão de seus
sentimentos, bem marcado pela modalização lógica “acho que estou começando a
entrar em sintonia” (linha 02) e pelas modalizações deônticas “o que desejo
74

realmente dizer” (linha 03) e “que realmente sinto e penso” (linha 04). Isto suscita a
ordem de indexicalidade do cumprimento do dever, da realização de um pacto
proposto.
Em um tom coloquial “sabe aquele momento” (linhas 04 e 05), típico de
situações de confidencialidade com sua/seu amiga/o íntima/o, Erlon assume um
posicionamento interacional confessional, fazendo revelações da sua mais profunda
intimidade emocional, quando passa a desvelar contatos de intimidade e confissões
de sua vida amorosa, não se envergonhando de mostrar-se em um momento de
vulnerabilidade. Assume-se, sem o menor receio, como uma pessoa inocente “tenho
uma tendencia a achar que todas as pessoas são perfeitas” (linha 06) e “querem
conhecer realmente o verdadeiro amor” (linhas 06 e 07), marcadas nos trechos
destacados pelas referências “tendência”, “pessoas”, “amor”, pelas predicações
“perfeitas” e “verdadeiro” e pelos dêiticos “tenho”, “achar”, “todas”, “querem”,
“realmente”. Esta característica valoriza a autenticidade das pessoas e revela a
ordem de indexicalidade da franqueza e transparência nos relacionamentos
amorosos.
Um terceiro posicionamento interacional assumido por Erlon, neste
excerto, é marcado pela forte necessidade de encontrar a pessoa amada, de
estabelecer um relacionamento estável traduzido na modalização pragmática “Sabe
aquele momento em que você acha que encontro o então perfeito felizes para
sempre” (linha 05), o que suscitará uma ordem de indexicalidade da sociedade
tradicionalista de que a felicidade só se completa com a vida conjugal heterossexual,
e de forma sutil, sugere que todas/os temos que ter um par para sermos felizes na
vida.
No início do post, é possível associar este posicionamento a uma
reflexão que anteriormente suscitei: a maneira pela qual, ao expor questionamentos
e experiências pessoais, o blogueiro põe em pauta e problematiza os temas que, de
maneira geral, relacionam-se com o grupo a que ele se dirige (jovens que se
interessam pela questão LGBTT).

Excerto 2
08. O meu grande problema é a trajetória que eu acabo adotando pra chega a essas
09. conclusões sabem. Na grande maioria das vezes conheço um estranho e em
10. menos de uma semana por meio do papo e tal acabo conhecendo o que ele quer
11. me mostrar, sei que na verdade nem sempre o que as pessoas falam é realmente
75

12. o que elas verdadeiramente sentem , acho que de certa forma não me apaixono
13. pelas pessoas sabe acabo me apaixonando pelas minhas ilusões, é isso mesmo
14. podem achar estranho mais sou uma grande "Alice no Pais das Maravilhas" no
15. mundo eu acabo construindo todo um mundo paralelo na minha cabeça e
16. transportando tudo que verdadeiramente sinto e penso e transponho a pessoa
17. para aquele meu universo paralelo. Sabe no meio disso tudo acabo pensando
18. coisas como será que vamos namorar?,ele gosta das mesma coisas que eu ?,
19. como ele e atencioso?e tantas outras
20. Me fecho no meu mundo e esqueço de realmente ver e perceber o que a
21. realmente quer e quando menos percebo no meio disso tudo já estou apaixonado
22. afinal um coração incapaz de se iludir é um coração incapaz de amar . O problema
23. é depois de 15 ou 20 dias de papo vai papo vem no qual começo verdadeiramente
24. a entrar no intimo da pessoa e acabo vendo que não bem por ali que as coisas
25. rolam por um motivo ou outro vejo claramente que as pessoas estão cada vez
26. mais rasas que só a ultimamente espaço para o sexo e ponto.

Na sequência do excerto 2, merecem destaque alguns


posicionamentos interacionais. Primeiramente, o de uma pessoa ingênua, que se
deixa levar facilmente pelos sentimentos. Erlon relata sua conduta com pessoas com
quem inicia um relacionamento afetivo, remetendo-se a esse comportamento pela
predicação “grande” e pela referência “problema” (ambas na linha 08). Esta
característica remete à ordem de indexicalidade em relação ao juízo de valor
estabelecido em relacionamentos amorosos. Outro posicionamento interacional é de
quem acaba por frustrar-se em relacionamentos muitas vezes iniciados com
desconhecidos marcado pela referência “estranho” (linha 09) e que, ao cabo de “15
ou 20 dias” (linha 23), demonstram-se superficiais, mentirosos, aquém do que se
esperava deles, indicado na modalização pragmática: “sei que na verdade nem
sempre o que as pessoas falam é realmente o que elas verdadeiramente sentem”
(linhas 11 e 12). A menção ao hábito de procurar parceiros “estranhos” sinaliza uma
ordem de indexicalidade referente à utilização de plataformas virtuais
(sites/aplicativos de relacionamento) e/ou outros meios de contato com
desconhecidos como forma de conhecer parceiros em potencial.
Há também o registro de uma frequência de engodos que reflete um
terceiro posicionamento interacional de comprometimento e entrega dos parceiros,
que na maioria das vezes demonstram-se pessoas “rasas” (linha 26), valorizando
“apenas o sexo e ponto” (linha 26). Este último posicionamento interacional reforça a
presença de uma ordem de indexicalidade muito relevante às análises em geral, a
superestimação da aparência física em relacionamentos gays. É possível dizer que
a decepção causada por este aspecto homoafetivo fomenta toda a reflexão do artigo
76

e suscita uma ordem de indexicalidade que é oposta à primeira e também assumida


pelo blogueiro em resposta a ela: a valorização do comprometimento e da
compatibilidade afetiva entre os parceiros em detrimento do desejo meramente
sexual.
Verifico ainda um quarto posicionamento interacional relacionado à
predicação espontânea que o blogueiro faz de si próprio ao descrever-se como “uma
grande ‘Alice no Pais das Maravilhas’” (linha 14) e comparar-se com uma
personagem da literatura reconhecida pela feminilidade e pela inocência, atitude
fortemente condenada em nosso meio heteronormativo, no qual homens devem
tomar para si apenas referências masculinas. Análoga a este aspecto, identifico a
ordem de indexicalidade relacionada à identificação do gay com referências/signos
femininos em atos performativos relacionados à subjetividade. Da mesma forma,
Erlon menciona sem embaraços ou subentendidos que seu afeto é direcionado a
pessoas do mesmo sexo descrito pelo dêitico “ele” (linhas 18 e 19).
Por fim, vale destacar também o último posicionamento interacional do
excerto 2 em que o blogueiro assume sua propensão ao sofrimento, quando procura
justificar suas novas frustrações amorosas, mesmo depois de reconhecer seus
pontos fracos, através da modalização lógica “afinal um coração incapaz de se iludir
é um coração incapaz de amar” (linha 22).

Excerto 3
27. Numa dessas me vem um vazio tão grande uma magoa que não desejo a ninguém
28. sentir sabe fico na fossa mesmo mais não daquela de chora morrer de soluções
29. em um mar de lagrimas não apenas fico mega ultra plaster chato e mal humorado
30. até que encontro um ilusão sabe e me apego nessa ilusão e acho que me levo
31. momento curto o beijo o abraço o toque , até que percebo onde e por onde estou
32. indo de novo. Acaba que espero realmente no meio dessas ilusões da minha vida
33. encontre uma verdadeira ilusão correspondida capaz de alimentar uma coisa que
34. muitas vezes nem sei ainda existe em mim uma capacidade de amar e ser
35. realmente amo. Sabe quando paro pra pensar em como o amor vem sendo
36. conduzido acabo vendo que eu nunca amei de verdade um amor de casal sabe
37. aquele lance que nossos avos tiveram de felizes para sempre. Acaba que espero
38. realmente no meio dessas ilusões da minha vida encontre uma verdadeira ilusão
39. correspondida capaz de alimentar uma coisa que muitas vezes nem sei ainda
40. existe em mim uma capacidade de amar e ser realmente amo. Sabe quando paro
41. pra pensar em como o amor vem sendo conduzido acabo vendo que eu nunca
42. amei de verdade um amor de casal sabe aquele lance que nossos avos tiveram de
43. felizes para sempre.

No excerto 3, o blogueiro continua, como no anterior, com o


posicionamento interacional de alguém decepcionado com a vida, frustrado com as
77

pessoas e, principalmente com o amor, tão bem expresso na referência “vazio” e na


predicação “grande” intensificada pelo advérbio “tão” (todos na linha 27), a
referência “magoa” e a predicação “que não desejo a ninguém” (ambas na linha 27),
a referência “fossa” reforçada pelo dêitico “mesmo” (ambos na linha 28) e a
expressão metafórica “mar de lagrimas” (linha 29). As empreitadas amorosas
acabam por se revelarem decepcionantes devido à superficialidade em que se
pautam, gerando nele uma tristeza que, curiosamente, só é abrandada por uma
nova relação expressa pela modalização deôntica “até que encontro um ilusão sabe
e me apego nessa ilusão e acho que me levo” e pelas referências “ilusão” (linha 30),
“beijo”, “abraço”, “toque” (todas na linha 31) que se demonstra igualmente superficial
e leva-o a uma nova decepção, em uma espécie de círculo vicioso. Esse traço
suscita a ordem de indexicalidade de crença incondicional no amor, no
relacionamento a dois, único meio pelo qual poderemos ser felizes. Por fim, outro
posicionamento interacional adotado no excerto, ainda que em tom melancólico, não
é pessimista: o blogueiro demonstra-se esperançoso em relação ao amor,
sentimento ainda confuso e insondável para ele, ratificando a possibilidade de
relacionamentos homoafetivos que ultrapassem a mera atração física através da
modalização pragmática “espero realmente no meio dessas ilusões da minha vida
encontre uma verdadeira ilusão correspondida capaz de alimentar uma coisa que
muitas vezes nem sei ainda existe em mim uma capacidade de amar e ser
realmente amo.” (linhas 37 a 40).
Destaca-se no artigo de Erlon uma ordem de indexicalidade fortemente
impressa na sociedade para garotas, brancas, heterossexuais, de classe média que
consiste em encontrar a felicidade eterna em uma relação “estável”, que dure por
toda vida e cumpra seu papel burguês de perpetuar a instituição familiar normativa,
que garanta a manutenção do modelo ideal de família tão bem traduzido na
modalização deôntica que expressa seu desejo na vida afetiva “um amor de casal
sabe aquele lance que nossos avos tiveram de felizes para sempre.” Ressalto aqui
que a necessidade de vivenciar um relacionamento estável tem tamanho peso na
vida do blogueiro que, ele, um jovem garoto gay, do século XXI, aponta como
relacionamento ideal uma relação conservadora como o casamento de seus avós.
Sob uma perspectiva mais ampla, acredito ser importante destacar
alguns aspectos pontuais no artigo que dão complementaridade aos anteriormente
verificados e os ratificam no sentido de constituir uma reflexão mais profunda e
78

problematizadora do blogueiro em relação aos temas levantados no blog. O primeiro


deles, bastante pontual nos artigos anteriores e ao longo de toda a extensão deste
texto, seria a visível intimidade por ele demonstrada ao assumir posicionamentos
interacionais de tom cada vez mais confessional para com seus leitores,
demonstrando voz e reflexões próprias, com dores, desejos e dúvidas individuais,
entretanto, não se desvia do propósito de abordar temas que dizem respeito àqueles
que representa, os membros da comunidade LGBTT. Isto remete a um
posicionamento interacional relativo à assunção de uma subjetividade em um
cenário social, bem como à ordem de indexicalidade de identificação de um lugar
entre pares, que assemelha-se ao engajamento social a que se refere Louro
(BUTLER, 2002, 2003) sobre as teorias queer.
Duas ordens importantes não apenas para este artigo, como também
para todos os analisados até então, são a daquela em prol da franqueza e
transparência nos relacionamentos e a da seletividade de parceiros com base na
beleza física. A primeira é demonstrada no excerto 1, seguida de um posicionamento
interacional marcado pela forte necessidade de encontrar a pessoa amada e de
estabelecer um relacionamento estável, caracterizando um vínculo com a ideia
tradicional de felicidade conjugal estabelecida na sociedade. Isto retoma a leitura
Salih (2013) a respeito do enraizamento de constructos discursivos sobre
sexualidade e gênero na sociedade, pensado por Butler (2002, 2003).
A segunda é citada no excerto 2, associada também à ordem de
indexicalidade referente à utilização de plataformas virtuais para conhecer pessoas,
e culmina com o posicionamento interacional de Erlon que apresenta-se contrário a
este padrão ao não se identificar com a supervalorização do físico para o
estabelecimento de um contato íntimo e também ao pontuar que os relacionamentos
amorosos, para além do sexo, sustentam-se sob a parceria e a identificação entre
pares. Cito, novamente, Cerqueira e Souza (2015), segundo os quais os padrões
impostos em relacionamentos homoafetivos também constituem regras que causam
sofrimento e marcam os corpos.
Também no excerto 2 há referências alusivas a signos femininos
relacionadas aos posicionamentos interacionais do blogueiro quando este descreve
sua subjetividade. Segundo Louro (2004, p. 38-39), apesar de se tratar de uma ação
“transgressiva” e “perturbadora”, comumente repudiada pela heteronormatividade
que rege as concepções de sexualidade e gênero, em nenhum momento ela parece
79

provocadora, ou mesmo “forçada” 23 , o que reitera o princípio das teorias queer


segundo o qual as diversas performances de sexualidade e gênero são tão naturais
àqueles que as encenam quanto o padrão binário homem/mulher socialmente
difundido. A única distinção entre ambos é o privilégio estabelecido e imposto pelo
último sobre as primeiras.
Finalmente, reitero, no excerto 3, um posicionamento interacional de
frustração do blogueiro no que diz respeito aos relacionamentos amorosos que
presencia entre os gays. Este posicionamento relaciona-se tanto com a ordem de
indexicalidade pautada pelo companheirismo e pela parceria nos relacionamentos
amorosos, como também com um segundo posicionamento contrário a ele, que
reitera a esperança de Erlon em encontrar o parceiro almejado, ainda que isso
implique, como usualmente ocorre, na frustração afetiva. Mais uma vez, retomo o
que diz Salih (2013) sobre a noção butleriana de constructos sociais de sexualidade
e de gênero para pensar no ideal conjugal de estabilidade e fidelidade exposto pelo
blogueiro. Sobre a análise da imagem do artigo, acredito que o ponto mais
importante a ser destacado é a alusão à obscuridade, à melancolia e ao temor
verificados na mesma.

4.5 SENTIMENTO DE ESTAR SEMPRE PROCURANDO ....

O artigo “Sentimento de estar sempre procurando ....” publicado no dia


12 de junho de 2015, às 16 horas e 22 minutos (canalintegra.blogspot.com.br),
encontra-se localizado no anexo D.
A análise do artigo “Sentimento de estar sempre procurando ....”
procurou abordá-lo como um continuum da reflexão do artigo “Tempestades de
Ilusão”, não apenas por considerar este artigo complementar ao anterior, como
também mais esclarecedor no que diz respeito aos posicionamentos interacionais de
Erlon em relação ao tema “relacionamentos”.

23
Grifo meu.
80

“SENTIMENTO DE ESTAR SEMPRE PROCURANDO ....”

Excerto 1

01. “Sabe gente não sei se exatamente o que é, se é do meu signo ou não mais
02. sempre estou com um gostinho de quero mais na boca, sabe aquele lance de
03. pensar que nada ta suficiente ou que você sempre merece mais do que já tem,
04. sabe eu tenho toda hora.”

Em linhas gerais, este artigo fala sobre a inconstância do blogueiro em


suas incursões amorosas e da dificuldade que ele possui em estabelecer
relacionamentos duradouros. É válido ressaltar como o tom de intimidade e
informalidade do blogueiro para com os leitores já é claramente maior (o artigo de
pronto inicia-se com a expressão fática e tipicamente coloquial “Sabe gente não sei
se exatamente o que é (...)”) e seu tom confessional é perceptivelmente mais
marcante do que nos artigos anteriores.
Mantendo a mesma tendência assumida no artigo anterior, de voltar-se
apenas para o seu íntimo e tratar dos sentimentos que lhe afligem, Erlon assume um
posicionamento interacional, presente no artigo III, de sofrimento frente a uma crise
existencial, por não encontrar respostas para seus infortúnios e reflexões
sentimentais. Esta marca deflagra-se na modalização apreciativa representada na
expressão condicional “não sei se exatamente o que é, se é do meu signo ou não”
(linha 01) e leva à ordem de indexicalidade de atribuir a fatores externos ou a
terceiros a conquista da sua felicidade, como se ela estivesse sempre fora do
alcance de si próprio. Perante este sentimento de irresolução, Erlon procura justificar
seu estado de alma de formas subjetivas: nas referências “signo” (linha 01) e
“gostinho” e na predicação “de quero mais” (ambas na linha 02); na modalização
deôntica “sabe aquele lance de pensar que nada ta suficiente ou que você sempre
merece mais do que já tem” (linhas 02 e 03).
81

Figura 7 - Ilustração do artigo IV


Fonte: canalintegra.blogspot.com.br

A imagem do artigo em análise aparece no blog de forma centralizada,


com destaque para um único personagem que aparece no centro da figura,
reafirmando aqui aquela ideia mencionada na análise da imagem do artigo III de que
o blogueiro cada vez mais se põe como único dono do blog, não havendo menção à
coletividade do grupo que iniciou o projeto. Desta forma, repete-se o posicionamento
interacional do individualismo, da busca pelo encontro consigo mesmo.
Importante observar que algumas características desse personagem
são coincidentes com as do blogueiro Erlon: ele aparenta ser um jovem do sexo
masculino, em idade escolar de um universitário e vive um momento de solidão, ou
pelo menos, da falta de companhia assim como a situação descrita no artigo.
Outro aspecto relevante refere-se à estrada, que pode ser lida como
um signo de caminho ou jornada ao longo da vida e/ou dos relacionamentos
amorosos, como uma esperança para o recomeço. Sob um olhar mais específico e
localizado, a imagem também poderia ser lida como referência ao trecho em que o
blogueiro afirma muitas vezes voltar para a casa sozinho, pensando nesta solidão.

Excerto 2
05. “Sabe mais a falta maior que sinto e solidão de nunca ter amado alguém de
06. verdade, parece cliché mais não é essa a intenção, aparentemente tenho
07. esperado muito por alguém que me completasse e nessas tantas ilusões vão
08. surgindo meus casos de uma noite só, que são um caso para outro posto logo.”

No excerto 2, o blogueiro demostra um posicionamento interacional


que, em certa medida, representa também um retorno aos posicionamentos
assumidos no artigo anterior (“Tempestades de ilusão”), o de valorização da parceria
duradoura em detrimento da efemeridade do sexo, bem marcado nas referências
82

“falta”, “alguém” (ambas na linha 05), “ilusões” (linha 07) “casos” (linha 08) e das
predicações “”maior” (linha 05), “de verdade” (linhas 05 e 06), “tantas” (linha 07), “de
uma noite só” (linha 08). Este desejo faz-se muito forte na vida do blogueiro e
suscita a ordem de indexicalidade da indissolução do casamento cultivada por uma
sociedade conservadora. O ideal de união a dois leva-o a citar, no excerto 3 do
artigo III, como exemplo do relacionamento que procura, a relação entre seus avós,
ou seja, remete a um tempo em que os relacionamentos, mesmo que infelizes,
dificilmente eram desfeitos, mantinham-se para a vida toda. Tal sentimento de dor e
sofrimento fica totalmente explícito nas referências “falta” e “solidão” (linha 05), na
modalização lógica “aparentemente tenho esperado muito por alguém que me
completasse” (linhas 06 e 07), culminando com a revelação retumbante “solidão”
(referência) “de nunca ter amado alguém de verdade” (predicação) linhas 05 e 06).
Este posicionamento do jovem apresenta-se em desacordo com a
ordem de indexicalidade de um dos padrões próprios dos relacionamentos gays, que
reverenciam a beleza física, a superficialidade e efemeridade dos mesmos.

Excerto 3

09. “Comigo e algo que não sei explicar ao certo sabe, toda vez que estou voltando
10. para minha casa parece que a cada passo procuro por algo não sei se
11. necessariamente alguém sabe .Tenho uma impressão de que apesar de mais
12. divertido que tudo aparente não estou completo , não sei explicar ao certo, mas
13. tenho a ideia de que seja alguém, mais nunca me aprofundei em outras
14. possibilidades, quando estou de bem comigo tenho a ideia que sou alto suficiente
15. de que me basto sozinho e tal.
16. Isso não é a pura verdade, nunca amei ninguém verdadeiramente sabe aquele
17. lance que você pensa e sente falta da pessoa, o papo flui, você gosta
18. verdadeiramente da pessoa e de como ela é.”

O excerto 3 é marcado, basicamente, por modalizações que remetem à


dúvida, incerteza, desconhecimento: “não sei explicar ao certo”, (linha 09); “parece
que ... procuro por algo ... não sei” (linha 10); “Tenho uma impressão de que” (linha
11); “não sei explicar ao certo” (linha 12) e “tenho a ideia de que seja alguém” (linha
13). Erlon também repete alguns posicionamentos interacionais já apresentados
anteriormente. Do excerto 1, o posicionamento interacional de sofrimento perante
suas inquietações sentimentais na referência “algo” e na predicação “que não sei
explicar ao certo” (ambas na linha 09), que suscita a ordem de indexicalidade de
atribuir a conquista da sua felicidade a outras pessoas que não ele próprio. Do
83

excerto 2, o posicionamento de desconsolo por nunca ter tido um relacionamento


verdadeiro e estável, marcado por dêiticos expressivos como os advérbios “nunca” e
“verdadeiramente”, pelo verbo “amei” e pelo pronome indefinido “ninguém”, do
trecho “nunca amei ninguém verdadeiramente” (linha 16). A expectativa por
encontrar sua cara metade, seu parceiro ideal é enfatizada pela repetição da
referência “pessoa” nos trechos “sente falta da pessoa” (linha 17) e “gosta
verdadeiramente da pessoa” (linhas 17 e 18) e remetem à ordem de
indexicalidade.da felicidade vinculada ao relacionamento estável tradicional.

Excerto 4

19. “Eu costumo dizer para mim mesmo e para os amigos mais próximos que sofro do
20. "Mal dos SETE", e você deve estar se perguntando o que o isso?, do que esse
21. cara esta falando?, calma eu explico.Eu fundamentei um teoria pessoal chamada
22. de "Mal do SETE", funciona assim conheço uma pessoa no primeiro, segundo e
23. terceiro dia quero saber tudo sobre ela acabamos passando muito tempo juntos
24. seja por celular, e-mail, face ou pessoalmente então viro para uma das minhas
25. amigas ou amigos e digo a tão conhecida frase minha "ele tem muita coisa em
26. comum, estão encantado, estou amando" de certa forma estou acostumado a
27. fazer assim sempre, então vem o quarto e quinto dia o contato fica mais escasso,
28. então no sexto dia acabo descobrindo numa nova investida alguns defeitos e então
29. me desencanto da pessoa, em algumas vezes acabo persistindo no erro e tal mais
30. e basicamente assim que acontece.”

Neste excerto, a proximidade e a interação do blogueiro com sua


audiência ficam explícitas nas marcas fáticas e coloquiais grafadas por ele nas
passagens: “Eu costumo dizer para mim mesmo” (linha 19); “e você deve estar se
perguntando o que o isso?” (linha 20); “do que esse cara esta falando?” (linhas 20 e
21); “calma eu explico” (linha 21); “funciona assim” (linha 22); “então viro para uma
das minhas amigas ou amigos e digo” (linhas 24 e 25) e “algumas vezes acabo
persistindo no erro e tal” (linha 29). Erlon apresenta o posicionamento interacional
referente à idealização do parceiro em potencial na modalização pragmática “e digo
a tão conhecida frase minha ‘ele tem muita coisa em comum, estão encantado,
estou amando’ ” (linha 25), evidenciando novamente a ordem de indexicalidade de
atrelar sua felicidade a outra pessoa, o parceiro idealizado.
84

Excerto 5

31. A questão é que sempre estou com a porta de um ou outro aplicativo na minha
32. vida então as pessoas acabam brotando delas e tal.
33. Gente ai um de vocês me diz se sei como funciona por que não trato desse meu
34. problema, li em algum lugar acho que no meu mapa astral que tenho uma grande
35. tendência me envolver em "paixonitis" um dos meus passos pra entender melhor
36. isso e me ajudar e admitir e agora compartilhar e ir trabalhando em cima disso
37. tudo, muitas vezes tem muito haver com auto estima e tal, mais isso e assunto pra
38. outro post.

Aqui, no excerto 5, o blogueiro remete novamente ao uso de TICs,


como fez anteriormente no primeiro artigo, pela referência “aplicativo” (linha 31)
como um importante meio de interação para seus relacionamentos amorosos,
fortemente acentuado por dêiticos como o advérbio “sempre”, o pronome “minha”
(ambos na linha 31) e o substantivo “vida” (linha 32). Erlon também vai retomar,
aqui, o recurso já utilizado em outros artigos e também neste próprio, que é o uso do
diálogo com seus leitores, estreitando seus laços de intimidade com sua audiência,
na expressão coloquial: “Gente ai um de vocês me diz” (linha 33).
A crença no exotérico é marca de um posicionamento interacional que
o blogueiro demonstra, quando, pela segunda vez neste artigo, se reporta à
astrologia como um expediente para explicar seu comportamento na vida amorosa.
Isto ocorre neste excerto, na linha 34, com a referência “mapa” e a predicação
“astral” e no excerto 1, linha 01, com a referência “signo”. Em contrapartida, isso nos
leva novamente à ordem de indexicalidade de atribuir sua felicidade a pessoas e
fatores externos, neste caso, tudo se explica através do seu mapa astral.
Um posicionamento interacional que remete à insegurança e ao
sentimento de não pertencimento é sinalizado pelo blogueiro em quase todos os
seus artigos e, neste, fica evidenciado pela modalização no trecho “tenho uma
grande tendência me envolver em "paixonitis".” (linhas 34 e 35) e “tem muito haver
com auto estima e tal” (linha 37). Este posicionamento suscita a ordem de
indexicalidade de subordinação à aparência física, ao bem-estar consigo mesmo e
com seu próprio corpo, que muitas vezes leva o blogueiro à insegurança,
demonstrando assim sua fragilidade com sua relação corporal.
O ponto mais relevante deste artigo talvez seja a sua relação com os
anteriores e a maneira pela qual ele conclui as principais questões levantadas ao
longo deles. As marcas discursivas em primeira pessoa, bem como a utilização de
85

expressões fáticas e termos coloquiais demonstram a evolução do blogueiro com


relação à discussão de temas sensíveis para ele (e, possivelmente, para muitas/os
outras/os) ao longo dos artigos. Depois de uma série de reflexões a respeito da
superficialidade dos relacionamentos homoafetivos e da existência de padrões de
beleza física entre os gays, bem como do seu descontentamento com isto, o
blogueiro assume posicionamentos interacionais e indica ordens de indexicalidade
que, de certa forma, poderiam ser tomados como conclusivos frente aos demais.
O primeiro deles é o posicionamento interacional de assunção de uma
inabilidade para lidar com essa condição amorosa que lhe é insatisfatória expresso
nos excertos 1 e 3 e que pode ser associado a duas ordens de indexicalidade
também bastante importantes no texto. A primeira é a de atribuição da felicidade a
terceiros e a fatores externos como o exoterismo, verificada nos excertos 1 e 5. A
segunda refere-se à expectativa de determinados posicionamentos dos parceiros
que acabam não ocorrendo e à frustração que isso lhe causa, verificada nos
excertos 2 e 3.
Em relação a esta última ordem de indexicalidade, acredito ser possível
associá-la com a ideia butleriana de constructos de sexualidade e gênero arraigados
à sociedade (SALIH, 2013) e com outra ordem de indexicalidade que aponta,
segundo os últimos posicionamentos de Erlon, para o desejo frustrado de
completude em um relacionamento amoroso, muitas vezes resultante de uma
imaturidade emocional. Esta terceira ordem de indexicalidade relaciona-se
intimamente com a segunda e revela-se pelo posicionamento interacional de
idealização do parceiro sob os ideais de cumplicidade e companheirismo, expresso
nos excertos 2, 3 e 4.
Neste sentido, o posicionamento interacional mais esclarecedor em
relação à questão, é a identificação de uma insegurança pessoal (que, ao longo das
análises, pareceu-me intimamente ligada à aparência física e à timidez) que pode
levá-lo a desacordos no relacionamento a dois (excertos 4 e 5). Relacionada a este
posicionamento, tem-se a ordem de indexicalidade tocante à autoestima e à
segurança em relação à subjetividade (excerto 5), que se demonstra extremamente
importante para que, conforme afirma Louro (2004), o indivíduo possa estabelecer
uma relação saudável e autossuficiente tanto com a heteronormatividade social que
o cerca, como com as normatizações transversais que se estabelecem nos grupos
LGBTTs e, principalmente, consigo mesmo.
86

O último posicionamento interacional verificado corroborou a premissa


que levantei ao longo da pesquisa sobre como o compartilhamento de ideias e
experiências a respeito dos temas sexualidade e gênero é potencialmente produtivo
àqueles que se propõem a realizá-lo, seja postando artigos, seja lendo-os, seja
comentando-os com amigas/os e/ou familiares. Após demonstrar o posicionamento
interacional relativo à baixa autoestima, suscitado pelo blogueiro no excerto 5, ele
reforça seu outro posicionamento interacional de compartilhar experiências no blog,
uma vez que isto tende a ajudá-lo a lidar melhor com as dificuldades que enfrenta
para relacionar-se afetivamente. A respeito de tal posicionamento, destaco a ordem
de indexicalidade (também no excerto 5) que corresponde ao potencial agregador da
web 2.0, sinalizado por Davies e Merchant (2009), quando se trata de mobilizar
pessoas em prol de uma causa, permitindo, assim, a ampliação da luta contra o
preconceito e, principalmente, a atenuação do sofrimento daqueles que ela abrange.
Assim, acredito que as características mais relevantes da imagem do artigo são as
concepções de solidão e de caminho a percorrer.
87

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Durante o desenvolvimento da pesquisa, pude observar a relevância


que o blogueiro atribui ao blog como um espaço legítimo para a discussão das
questões de interesse do público gay e de interação com seus semelhantes. Ele
evidencia a dificuldade de entrosamento deste público no meio social tradicional e
sugere alternativas do meio virtual para favorecê-lo.
Não obstante, isso aponta também para a sua performatividade ao criar
uma alternativa para conviver nesse espaço repressivo às transgressões; ele opta
por uma forma possível de se relacionar com outros gays e oferece isto como
sugestão para seus pares. O jovem demonstra um posicionamento interacional
consciente e autoconfiante sobre sua subjetividade homoafetiva, embora, por outro
lado, explicite um comportamento contraditório, evidenciando o prestígio designado
à aparência física nas ralações homoafetivas e assumindo, às vezes, essa postura,
mesmo que ele próprio a considere ilegítima.
Valendo-me de tais considerações para uma ampla retomada da
proposta e do desenvolvimento deste estudo, é importante reiterar dois aspectos
que me orientaram não apenas em minhas análises dos artigos, mas também ao
longo de todo o desenvolvimento da iniciativa de criação do blog, desde a sua
concepção até a sua execução: os posicionamentos interacionais declarados e as
ordens de indexicalidade mobilizadas nos artigos de opinião.
Primeiramente, proponho atenção para os posicionamentos
interacionais perante temas como sexualidade e gênero nos artigos de opinião
enquanto produtos das reuniões e proposições do grupo de alunas/os e alunas
comigo. Logo, acabei tomando como foco de minha análise o blogueiro que assumiu
as postagens do blog e, principalmente, o compromisso de criar um espaço de
identificação do grupo que busca representar. Neste sentido, ele assume essa voz
de representação posicionando-se sempre em primeira pessoa e referindo-se a si e
a suas/seus interlocutoras/es como gays pertencentes à comunidade LGBTT. Além
de ir de encontro à ordem de indexicalidade da heteronormatividade vigente nos
discursos de gênero, ele também se posiciona como natural de uma cidade
88

interiorana (o que, segundo seus textos, representa um ambiente potencializador


dos preconceitos) e inferiorizado pelos padrões de beleza na comunidade gay por
apresentar uma aparência ursina. Isto demonstra um posicionamento interacional de
ativismo (segundo o qual se deve buscar a transformação da realidade por meio da
ação, da prática efetiva) e consciência não apenas dos Discursos de sexualidade e
gênero, mas de todas as categorias de Discurso que impliquem na valorização e
imposição de um grupo social em detrimento de outro(s), caracterizando aquilo que
Louro (2001) definiu como espírito queering.
Outro aspecto que preponderou em minha reflexão e que pude expor
ao longo desta dissertação foi o de identificar as ordens de indexicalidade de
sexualidade e gênero mobilizadas nas produções textuais em questão. No que diz
respeito a isto, pude identificar algumas ordens de indexicalidade que se relacionam
aos posicionamentos descritos acima e corroboram-nos. Logo, pode-se afirmar que
as principais ordens de indexicalidade mobilizadas nos artigos de opinião foram as
seguintes: compromisso com o grupo social que busca representar (comunidade
LGBTT de maneira geral e não só do IFSULDEMINAS); dificuldade dos gays de se
apropriar de um espaço na sociedade e interagir com o coletivo; marcante presença
o moralismo conservador das cidades interioranas; valorização da aparência física
nos grupos gays acima de qualquer outro atributo de que o sujeito possa dispor.
No decorrer da pesquisa, tive que lidar com a problemática da carência
de alunas/os que se dispusessem a publicar no blog. A princípio, esta escassez
levou-me a pensar na mudança do enfoque dado ao corpus pesquisado,
considerando que não haveria material suficiente para desenvolver as análises.
Destaco, por isso, a tenacidade do blogueiro e sua forte identificação com a causa
LGBTT, o que o manteve sempre focado e assíduo em suas publicações.
Esta característica levou-o mais além, estendendo-se ao propósito de
ele produzir seu TCC, conjugando a área específica de sua formação, a informática,
aos temas abarcados pelas teorias queer. O aluno pretende desenvolver como
24
projeto de pesquisa um “objeto de aprendizagem” , voltado para a orientação de
professores para trabalhar as questões de gênero com alunas/os do ensino
fundamental.

24
Ferramenta interativa baseada na web que apoia o aprendizado de conceitos específicos
incrementando, ampliando, ou guiando o processo cognitivo dos aprendizes.
Disponível em http://www.ufal.edu.br/cied/objetos-de-aprendizagem
89

Por fim, entendo que minha pesquisa já apresentou alguns frutos


colhidos no sentido de introduzir os temas sexualidade e gênero no dia a dia da
Escola. Acredito que, futuramente, ela poderá render outros resultados positivos
para a Instituição em que atuo, apresentando (talvez através de uma nova
investigação analítica) desdobramentos de uma pesquisa-ação. Da mesma forma,
vislumbro demonstrar a importância de abordagens pedagógicas que se preocupem
em trabalhar a temática relacionada com as questões de sexualidade e gênero nos
cursos de licenciatura oferecidos pelo Instituto, contribuindo assim com a formação
de professoras/es melhor preparadas/os para lidar com a educação em seu sentido
mais amplo e humanitário conforme ela requer.
90

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95

ANEXOS

ANEXO A - “Conhecer novas pessoas”, artigo publicado no dia 20 de maio de


2015, às 11 horas e 07 minutos.

Conhecer novas pessoas....


Gente vou começar o post de hoje primeiro
me desculpando de não ter postado a
algum tempo é a correria do dia a dia que
compromete, prometo criar uma frequência
maior de publicações no blog afinal e a
nossa voz social.
Bom sou do interior, lugar onde você sai na
porta e todo mundo já sabe o que onde e
como você fez alguma coisa por menor e
mais simples que essa coisa seja.
È disso tudo que nos gays do interior
acabamos cada vez ficando mais calados.
Um saída que encontrei e vou compartilhar com vocês são os app's de gays.
Bom gente pra quem ainda não sabe existem alguns app's pra conhecer outros
gays, porém o lance dos app's é o seguinte, as pessoas lidam como s e tudo isso
fosse um grande e diversificado cardápio virtual. Eu mesmo por muitas vezes
procurei conversa com pessoas apenas por que curti o rosto ou corpo enfim nos
tornamos pessoas rasas nesses app's, o fato de não estarmos frente a frente um ao
outro faz com que liberamos uma parte obscura de nos mesmo que e volúvel e
superficial. Mais nunca vamos generalizar as interações desses app's, eu por
exemplo tive muitas vezes o prazer de olhar perfis e me identificar conhecer amigos
e até mesmo paquera olhando pra o que a pessoa é, e não somente para aparência.
Acho quando não estamos perto fisicamente devemos sempre estar apertos de
alguma forma a conhecer e se relacionar com pessoas, afinal seres humanos tem
necessidade de viver em conjunto e quando estamos entre iguais ou semelhantes
96

de alguma forma fica bem mais fácil lidar com situações duras que encaramos no
dia a dia.
Alternativas de app's para gays são:
 Hornet
 BADU
 GRINDR
 SCRUFF
Logicamente que existem mais dezenas de app's os com mais divulgação são esses
e por meio deles entramos em contato com muito mais pessoas. Estar aperto a
conhecer significa muitas vezes se conhecer melhor. Gente fico por aqui espero ter
sido de alguma forma útil pra vocês, até o próximo post.
97

Anexo B – “Baladinha”, artigo publicado no blog Integra, no dia 23 de maio de


2015, às 09 horas e 49 minutos.

BALADINHA

Sabe gente pensei nesse post já alguns dias, porém estava mega sem tempo
para escrever então só consegui escrever hoje.

Agora sem mais rodeios sabe sair ai como e bom, mais tem tanta coisa por
traz que confesso chega a me dar uma certa preguiça sabe. Acho que todo mundo é
assim escolhemos a roupa nos maquiamos e lá se foi duas ou três horas tudo isso
pensando no que os outros pensam de nós se vamos ser atraentes?, se algum cara
vai se interessar por nós?. Passamos noventa por cento do tempo pensando em
tudo menos que inconscientemente sabe de certa forma e uma coisa que a
sociedade nós condiciona a ser assim. Em uma balada e quase que automático
queremos achar os caras bonitos ou que de alguma forma nos interessamos e
passamos mais tempo assim que esquecemos dos amigos no meio disso tudo.
Quando era menor nunca fui muito de sair sabe sempre ligava com o que iriam falar
ou não de mim,cidade pequena de novo trabalhando contra mim. Outra coisa é que
por ser interior não tem baladas gays acaba que são sempre as mesma baladas
convencionais, "mais não é a mesma coisa?"alguns vão me pergunta eu digo e
afirmo não é não ,sabe quando se esta em ambiente de balada hetero assim se um
cara fica com você ele tem que ser assumidamente gay pq a muito mais o lance do
disse me disse e por ai vai . Não tenho muita propriedade pra fala sobre baladas
para gays não fui em muitas,mais mesmo quando esta numa balada
convencional quando estamos com o foda-se ligado acabamos nos divertindo e
muito. E muitas vezes um sorriso e bem melhor do que mil beijos sem sentimento.
Mais o que queria falar é quando você liga o foda-se sociedade e começa a
pensa mais em você fica mais facial e mais agradável acaba dando muito mais
risadas e as coisas acontecem naturalmente. Ser feliz tenho apreendido que esta
mega ligado ao Foda-se sociedade.
98

Anexo C – Tempestades de ilusão, artigo publicado no blog Integra,


(canalintegra.blogspot.com.br), no dia 30 de maio de 2015, às 11:07.

Tempestades de ilusão

Gente olha acho que estou


encontrando a regularidade
das minhas postagens como
eu tanto queria, sabe acho que
estou começando a entrar em
sintonia com o que desejo
realmente dizer, de certa forma
tiro um peso da minha
consciência cada vez que faço
um breve relado do que
realmente sinto e penso.
Sabe aquele momento em que
você acha que encontro o
então perfeito felizes para
sempre eu tenho uma tendencia a achar que todas as pessoas são perfeitas e
querem conhecer realmente o verdadeiro amor e tudo mais .O meu grande problema
é a trajetória que eu acabo adotando pra chega a essas conclusões sabem.
Na grande maioria das vezes conheço um estranho e em menos de uma semana
por meio do papo e tal acabo conhecendo o que ele quer me mostrar, sei que na
verdade nem sempre o que as pessoas falam é realmente o que elas
verdadeiramente sentem , acho que de certa forma não me apaixono pelas pessoas
sabe acabo me apaixonando pelas minhas ilusões, é isso mesmo podem achar
estranho mais sou uma grande "Alice no Pais das Maravilhas" no mundo eu acabo
construindo todo um mundo paralelo na minha cabeça e transportando tudo que
verdadeiramente sinto e penso e transponho a pessoa para aquele meu universo
paralelo.
Sabe no meio disso tudo acabo pensando coisas como será que vamos namorar
?,ele gosta das mesma coisas que eu ?, como ele e atencioso? e tantas outras .
Me fecho no meu mundo e esqueço de realmente ver e perceber o que a realmente
quer e quando menos percebo no meio disso tudo já estou apaixonado afinal um
coração incapaz de se iludir é um coração incapaz de amar .
O problema é depois de 15 ou 20 dias de papo vai papo vem no qual começo
verdadeiramente a entrar no intimo da pessoa e acabo vendo que não bem por ali
que as coisas rolam por um motivo ou outro vejo claramente que as pessoas estão
cada vez mais rasas que só a ultimamente espaço para o sexo e ponto. Numa
dessas me vem um vazio tão grande uma magoa que não desejo a ninguém sentir
sabe fico na fossa mesmo mais não daquela de chora morrer de soluções em um
mar de lagrimas não apenas fico mega ultra plaster chato e mal humorado até que
encontro um ilusão sabe e me apego nessa ilusão e acho que me levo momento
curto o beijo o abraço o toque , até que percebo onde e por onde estou indo de
novo.
99

Acaba que espero realmente no meio dessas ilusões da minha vida encontre uma
verdadeira ilusão correspondida capaz de alimentar uma coisa que muitas vezes
nem sei ainda existe em mim uma capacidade de amar e ser realmente amo.
Sabe quando paro pra pensar em como o amor vem sendo conduzido acabo vendo
que eu nunca amei de verdade um amor de casal sabe aquele lance que nossos
avos tiveram de felizes para sempre.
Acaba que espero realmente no meio dessas ilusões da minha vida encontre uma
verdadeira ilusão correspondida capaz de alimentar uma coisa que muitas vezes
nem sei ainda existe em mim uma capacidade de amar e ser realmente amo.
Sabe quando paro pra pensar em como o amor vem sendo conduzido acabo vendo
que eu nunca amei de verdade um amor de casal sabe aquele lance que nossos
avos tiveram de felizes para sempre.
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Anexo D – “Sentimento de estar sempre procurando ....” artigo publicado no


blog Integra, (canalintegra.blogspot.com.br), no dia 12 de junho de 2015, às
16:22.

Sentimento de estar sempre procurando ....

Sabe gente não sei se exatamente o que é, se é do meu signo ou não mais sempre
estou com um gostinho de quero mais na boca, sabe aquele lance de pensar que
nada ta suficiente ou que você sempre merece mais do que já tem, sabe eu tenho
toda hora.

Sabe mais a falta maior que sinto e solidão de nunca ter amado alguém de verdade,
parece cliché mais não é essa a intenção, aparentemente tenho esperado muito por
alguém que me completasse e nessas tantas ilusões vão surgindo meus casos de
uma noite só, que são um caso para outro posto logo.
Comigo e algo que não sei explicar ao certo sabe, toda vez que estou voltando para
minha casa parece que a cada passo procuro por algo não sei se necessariamente
alguém sabe .Tenho uma impressão de que apesar de mais divertido que tudo
aparente não estou completo , não sei explicar ao certo, mas tenho a ideia de que
seja alguém, mais nunca me aprofundei em outras possibilidades, quando estou de
bem comigo tenho a ideia que sou alto suficiente de que me basto sozinho e tal.
Isso não é a pura verdade, nunca amei ninguém verdadeiramente sabe aquele lance
que você pensa e sente falta da pessoa, o papo flui, você gosta verdadeiramente da
pessoa e de como ela é.
Eu costumo dizer para mim mesmo e para os amigos mais próximos que sofro do
"Mal dos SETE", e você deve estar se perguntando o que o isso?, do que esse cara
esta falando?, calma eu explico.Eu fundamentei um teoria pessoal chamada de "Mal
do SETE", funciona assim conheço uma pessoa no primeiro, segundo e terceiro dia
quero saber tudo sobre ela acabamos passando muito tempo juntos seja por celular,
e-mail, face ou pessoalmente então viro para uma das minhas amigas ou amigos e
digo a tão conhecida frase minha "ele tem muita coisa em comum, estão encantado,
estou amando" de certa forma estou acostumado a fazer assim sempre, então vem o
quarto e quinto dia o contato fica mais escasso, então no sexto dia acabo
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descobrindo numa nova investida alguns defeitos e então me desencanto da


pessoa, em algumas vezes acabo persistindo no erro e tal mais e basicamente
assim que acontece.
A questão é que sempre estou com a porta de um ou outro aplicativo na minha vida
então as pessoas acabam brotando delas e tal.
Gente ai um de vocês me diz se sei como funciona por que não trato desse meu
problema, li em algum lugar acho que no meu mapa astral que tenho uma grande
tendência me envolver em "paixonitis" um dos meus passos pra entender melhor
isso e me ajudar e admitir e agora compartilhar e ir trabalhando em cima disso tudo,
muitas vezes tem muito haver com auto estima e tal, mais isso e assunto pra outro
post.
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Anexo E – Notas de campo da pesquisa

Elaborei, a seguir, um trajeto descrevendo meus contatos com os alunos e


alunas e alunas que participaram da idealização e criação do blog Integra. Neste
relato, deixamos clara a ideia de destaque para o aluno que deu início ao processo
de comunicação entre pesquisadora e pesquisasdos, nomeandx-o como “Águia” e
para o segundx, que se tornou o sujeito da análise e protagonista do blog, seu
próprio nome Erlon, uma vez que ele assim o quis.

Primeiro contato com Águia: No dia 07 de janeiro de 2015, através do


Facebook, fiz o primeiro contato com o/a aluno/a Águia que desencadeou o
processo de interação com o grupo de alunos e alunas e alunas LGBTT do Câmpus.
Nesta ocasião, falei por alto da minha pesquisa, do interesse em desenvolver um
trabalho sobre temas ligados a sexualidade e gênero com os alunos e alunas da
Instituição e da ajuda que precisaria dele/dela para intermediar meu contato com o
grupo. Diante de seu grande interesse e gentil disponibilidade, marcamos um
encontro pessoal.

Primeiro encontro com Águia: Aconteceu no dia 08 de janeiro de 2015, às


8:00, no jardim da biblioteca da Escola. Nesta primeira conversa, ele/ela disse que
percebia entre os colegas homossexuais e bissexuais a imaturidade e a falta de
informação para conviver com problemas como doenças sexualmente
transmissíveis, dificuldade de relacionamento familiar, inabilidade para se impor no
meio social em que vivem bem como despreparo e falta de referência para se
relacionarem com o coletivo sem invadir ou agredir a individualidade das pessoas,
respeitar a opinião de terceiros e saber se posicionar no dia a dia da sociedade. O/a
aluno/aluna sugeriu que, para tratarmos dessas questões, criássemos um blog.
Então propôs-se a falar com outros alunos e alunas e alunas do Instituto e convidá-
los a participar das discussões e compartilhar o blog.

Segundo encontro com Águia: Continuamos a nos comunicar através do


Facebook e no dia 13 de janeiro, marcamos um segundo encontro que aconteceu no
103

dia 21 de janeiro, também no jardim da biblioteca, quando articulamos como


aconteceriam os encontros com o grupo, decidimos que o local deveria ser na
Escola, em horários alternados aos das aulas e criamos um grupo no WhatsApp.

Terceiro encontro com Águia: Após marcarmos no dia anterior, pelo


Facebook, encontrâmo-nos no dia 30 de janeiro, às 09:30, no jardim da biblioteca,
entretanto, desta vez ele/ela estava acompanhado de dois/duas amigos/amigas.
Ambos alunos eram adeptos à causa LGBTT e participaram de forma efetiva da
conversa. Traçamos algumas estratégias para que o encontro com o grupo pudesse
acontecer de forma acolhedora e agradável agendamos o dia para esse encontro.

Primeira reunião com o grupo: A primeira reunião em que estive com um


grupo maior, aproximadamente dez jovens, foi no dia 09 de fevereiro de 2015, às
17:30, no auditório do Câmpus, teve como objetivo nos conhecermos e também
apresentarmos para eles a que se propunha minha pesquisa. Fiz uma breve
explanação sobre as teorias queer e a minha intenção de criarmos, juntos, um blog
como espaço de expressão sobre temas como sexualidade, gênero e outros tidos
como “dissidentes” 25 dentro da sociedade. Expliquei meu objetivo de observar no
blog os posicionamentos interacionais e as ordens de indexicalidades mobilzadas
nos texto ali postados.
As reações foram diversas, mas a maioria ficou mais retraída, calada,
observando. Depois houve alguns questionamentos de como seria o blog, o que
haveria nele, que formato teria, enfim, queriam saber onde estavam entrando.
Procurei deixar muito claro pra eles que o objetivo primeiro do blog seria criar um
espaço onde aqueles temas pudessem ser expostos e discutidos,
independentemente de um direcionamento específico para atender minha pesquisa.
Pelo contrário, minha intenção era deixá-los livres para expressarem suas opiniões e
sentimentos.

Segunda reunião com o grupo: Tivemos um intervalo maior entre nossas


reuniões, devido ao recesso de carnaval. Então, no dia 25 de fevereiro de 2015,
encontramo-nos novamente no auditório da Escola, só que às 12:15, a pedido dos

25
Grifo nosso.
104

próprios alunos. Senti que, aos poucos, eles foram se soltando e mais adiante, já
entrosados, passaram a fazer sugestões, falar de suas vidas, mostrar como
achavam que aquele instrumento (o blog) poderia ser útil e usado como apoio para
seus seguidores e seguidoras. Nesta reunião, houve vários relatos de como eles
contaram para suas famílias a descoberta de suas subjetividades. Algumas/alguns,
de forma amável, receberam apoio dos familiares, outros, entretanto, sofreram não
só a discriminação e o desprezo como também a incompreensão, intolerância e até
a violência da expulsão do seio da família. Esses relatos, por mais dolorosos que
sejam, também contribuem para que todos se unam e se fortaleçam com o apoio
dos amigos, tornando-os cada vez mais coesos e vinculados pelos mesmos
propósitos.
No dia 27 de fevereiro, foi criado um Facebook do grupo para compartilhar
artigos, notícias, vídeos referentes à temática LGBTT e também facilitar a
comunicação entre todos.

Terceira reunião com o grupo: No dia 10 de março de 2015, às 17:30,


aconteceu no auditório da Escola, a terceira reunião do grupo, agora, visivelmente,
bem menor. Nesse momento ainda lutávamos para conciliar as ideias em favor da
criação do blog. Alguns pontos ainda não se encontravam, como a questão da
escolha do nome, do layout e formas de administração do recurso. Sentíamos que
não queriam se comprometer com a responsabilidade de alimentar o blog e apenas
Erlon, aluno da área de informática, se comprometia a criar a ferramenta, mas queria
a participação dos colegas na administração do blog.

Quarta reunião com o grupo: Marcada para o dia 30 de março de 2015, às


12:15, no auditório do Câmpus, a terceira reunião com o grupo não foi bem -
sucedida, considerando que contou apenas com a presença do aluno Erlon. Neste
momento, percebíamos que o entusiasmo inicial já se arrefecia, e pouc os eram
aqueles que se mantinham ligados ao grupo. Em especial, destacava-se Erlon que,
por pertencer ao curso de Ciência da Computação, apresentava muita intimidade
com a ferramenta usada e colocou-se, a partir de então, como o pivô do grupo. Além
disso, ele mostrava um interesse muito grande pela questão LGBTT e foi o que mais
se envolveu desse momento em diante.
105

Quinta reunião com o grupo: No dia 08 de abril, às 12:15, no auditório do


Câmpus, aconteceu a última reunião com o grupo maior. Confirmando meu
pressentimento, o grupo realmente apresentava-se enfraquecido, com poucos
participantes atuando. Neste momento, estávamos concluindo a criação do blog, e
faltava apenas a escolha do nome.
No dia 28 de abril de 2015, após certa pressão de minha parte, procurando
o/a aluno/aluna Águia e, em seguida, apelando para Erlon, que havia permanecido
perseverante e praticamente único militante do grupo, pedi-lhe que pusesse no ar o
blog com o nome que julgasse mais apropriado. Então, neste dia, o blog foi
publicado com o nome “Integra” e um visual bastante sugestivo, remetendo às cores
do arco-íris, símbolo da causa LGBTT, no mundo.

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