Você está na página 1de 1

No poema “Cota zero” de Carlos Drummond de Andrade, escritor modernista,

em que o eu lírico demonstra dificuldade para distinguir o funcionamento do automóvel e da


vida humana, nota-se a contemporânea conexão que se criou entre esses dois aspectos, de
modo que o indivíduo tornou-se notoriamente dependente dos transportes. Nessa
perspectiva, observa-se o trânsito, consequentemente, como uma das particularidades
determinantes no cotidiano dos brasileiros, dado o contato direto desses com tal dinâmica
para a vivência corriqueira, de forma que as relações interpessoais no meio são inevitáveis.
Em consonância, o tráfego nacional de veículos, quando considerado sob esse viés
coletivo, vide a precária mobilidade urbana e a individualidade do cidadão exacerbada, tem-
se apresentado preocupantemente violento, o que ratifica a importância do combate quanto
aos comportamentos hostis no trânsito.
Diante desse cenário, convém destacar que a carência de uma gestão
eficiente dos modais de transportes e o seguinte congestionamento perene de carros nas
metrópoles brasileiras, por interferirem na locomoção para ambientes de trabalho, entre
outros, e fomentar o estresse frente os motoristas, são um importante motor das
polarizações no meio. Paralelo à circunstância, está a inoperância histórica do Estado em
organizar qualitativamente a urbanização do país, a exemplo do governo de Juscelino
Kubitschek que priorizou a via rodoviária sem considerar as características territoriais e
suas demandas, promovendo um sistema de transporte falho e perigoso. Com efeito, essa
inépcia governamental e seus seguintes impactos estruturais se perpetuam até os dias
hodiernos, privando os habitantes da dinamicidade e ocasionando reações emocionais
agressivas e ansiosas que instauram um ciclo caótico de desastre no trânsito.
Outrossim, a contemporaneidade e o culto ao individualismo como forma de
ascender socialmente é outro fator que explica as hostilidades presentes nas ruas
brasileiras. Tal vertente é pertinente, uma vez que a ausência de cuidado com o próximo, de
respeito e de responsabilização quanto aos efeitos de atitudes individuais perante a
coletividade tendem a radicalizar as relações no meio e acarretar comportamentos egoístas
e opressores. Analogamente, o filósofo Immanuel Kant discute em suas análises sobre o
“imperativo categórico”, no qual se considera a possibilidade de universalização das
próprias ações, isto é, regula a coerência das expressões sociais e sua atuação por todos
com a garantia de estabilidade social como base para agir eticamente. Em contrapartida, a
individualidade do cidadão que valida manifestações impulsivas no trânsito, as quais
impedem a segurança de outros, corrompe com a noção supracitada, isentando-se das
responsabilidades coletivas, acentuando as taxas de acidentes e instabilizando a
mobilidade e a cidadania geral.
Portanto, são indubitáveis os prejuízos da violência ante o tráfego de
transportes no Brasil, de maneira que seu combate deve ser valorizado. À vista disso,
compete ao Ministério da Cidadania, junto ao da infraestrutura, como órgãos de
administração direta, estimular o reconhecimento de outros modais e tornar a locomoção
populacional mais eficiente, mediante o fornecimento de verbas que melhorem o transporte
público e propagandas que fortaleçam o uso de bicicletas e o compartilhamento de carros,
fitando diminuir o congestionamento e o estresse no setor. Ademais, cabe ao Ministério da
Educação, entidade promotora do conhecimento, difundir uma atitude mais responsável e
coletiva dentre os habitantes, por meio de campanhas digitais, visando mitigar a violência
no trânsito. Espera-se, assim, que a população, ainda que intrinsecamente ligada à
tecnologia dos automóveis, como destacado por Drummond, possa agir de forma mais
humana e empática.

Você também pode gostar