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dédié à Evguéni Daienine

et à Dragan Becirovic
para a Ofelia, para o Guizos

«neste pais (...) onde as dactilógratas escrevem com um dedo, os amantes não

tém camae os padres não tém Fé.»


ANTÓNIO ALÇADA BAPTISTA, P'eregrinação interior, vol. T

A criança é porca, ë inútil

Muito obrigado.»
ANTÓNIO MARIA LISBOA, «Varech»

= N á o b e r r a v a a Dr.a S t e i n e r . - U m a críança, é uma criança, nao

em
sorriso, fazia uma careta. Mas a Sr.a Bray nunca ouvira lalar
E, em vez dum

a Dr.a Steiner estava apenas a ser alemá de modo


Gertrude Stcin e imaginava que
obscuro e pessoal.
de chofre:
Certa ocasião, a Dr." Steiner perguntara-lhe
- Nunca teve um filho, pois não, Bray?

A outra corara e logo empalidecera.


ao undo,
náo pensaria em trazer u m a criança mun
-Depois de tudo quanto vi,
um t e r m o a isto durante
cem anos."
ainda que pudesse.
P'or mim, poria ocuind
PEARL BUCK, A Jlor

deixara o homem o seu pai e a sua mác, c apegar-se-á à sua


mu
P'ortanto,

serão ambos uma


carne.» Gn 22,24
O homemea mulher
deixarão pai e måe
para serem

uma só carne

mas por causa

do assado queimado
descompóem-se
um no outro
cospem
tazem as malas
ca mulher volta
para casa

da r mae

co homem corre
mulher
para uma
antiga
que o recebe

de braços abertos
agora há só dois bebés
a berrar por Super Maxs
à porta de uma pastelaria
de Beja
com o ar condicionado

avariado

Mas Chamilly chega


e hca para sempre

0 425
m CHMILLY
(2000
cOMEÇO

Chamilly regressa
Beja
ao convento de Marianna
passados anos

entra no convento

(o chão do convento
é de ladrilhos pretos
e brancos
como um tabuleiro

de xadrez ou damas)
Chamilly procura
Maria
dá com ela
dormir
no claustro

à sombra
de uma alfarrobeira
arranca-lhe uma costela
e faz com cla
uma Hauta
e do crånio de Marianna
faz uma cabaça
com que bebe água
do poço
que há no meio

do claustro
Chamilly transtorma-se
num sapo

po
426
COMEÇO2
Não
era so um pesadelo

e um sonho

Chamilly voltou
de facto
e dá com Marianna
adormir
debaixo da alfarrobeira
do claustro
mas ajoelha-se
perto de Marianna

debruça-see
sobre o seu regaço
pega-he nas mãos

c sem Ihas tirar

do colo
beija-lhe as máos
e diz
Merci
Marianna abre os olhos

e diz Milly

Marianna atravessa

pomar
sonhar
Chamilly voltou
eé tão bom té-lo

de volta

que nao pode estar


muito tempo
ao pé dele

427
D DE
CIUAMI1Y
(2000
Quando eu morrer
hei-de voltar
para buscar

oS instantes
quc nao vivi
ao pe de ti

Milly

Chá e Milly estão

alapados
como mortos

na carpecte trancesa

a imitar persa
que conheceu

melhores dias

Os melhores dias

da carpete
não coincidem

com os melhores dias

de Marianna

O abelo
de Milly
é beige
poR*

428
s olhos
são
cinzentos
azuis
violetas

ART POÉTIQUE

De l'amour
avant toute chose

L'Amour et l'Occident
T'Amour et l'Orient
T'Amour et le Nord
T'Amour et le Midi
'Amour

Sur mes cahiers d'écolière


Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable sur la neige
J'écris ton nom

Chamilly

T tn cuAMLLY
429
2000)
Marianna abraça
milly
Chamilly raça
Marianna

Marianne, je t'aime
Chamilly. je t'aime
Milly
Milly, je t'aime

Chamilly tem
muito sono

adormecec
na cama de Marianna
Marianna a seu lado

não dorme
porque quer ver

Chamilly a dormir

Chamilly afinal
náo se esqueceu

de Marianna

430
entretantoo
havia sempre
outras mulheres
afazeres

Mais oque
todas as cartas
como nenhuma

carta

és tu NMilly
em carnee osso

ao pé de mim
(Mily Possoz tambémn
cstá muito comovida)

AMANDO sOBRE Os JORNAISs

Marianna Alcoforado
acordou
OS termómetros

em Sevilha
marcam 470 C
Os sérvios

cortam narizes
e orelhas
numa clarcira da mata básnia
onde se confeccionam

43
narizes e orelhas
de silicone
para reparar Pedro e Inés
que dez anos de cavaquismoo

deixaram sentados
de cócoras
à beira dos túmulos abertos
a comer deliciosas
passas de Boliqueime

Mas Marianna Alcoforado acordou


ela tem sonhos destes
é José e o Faraó
intérprete c autora
Dr. Segismundo e
paciente impaciente
quem se restaura a Si própria

restaura Portugal
eo mundo

Mily Possoz
pinta-lhes
o retratoo
ela debaixo da alfarrobeira

responder-lhe Milly
ele debaixo da alfarrobeira
a perguntar-lhe Merci
o fato de Chamilly
é verde
hábito de Marianna
é encarnado
e sobre os dois

432
cai nupcial
o ceu

as cinco quinas

mais abaixo

dossel
que e a copa da alfarrobeira
da cama que é o chão
onde se dao
Eva e Adáo
cadela e cão

Milly chéri
tenho coisas
para te dizer
de viva vo0z
cartas de amor
nunca mais
agora só escrevo

cartas comerciais

Não quero
rer filhos
gosto muito

de foder
contigo
c com outros

mas de bebés
não gosto
uma vez

por oOutra

tem graça

mas sempre

Ea oL
CHILIY (COD 33
nao
os bebés deprimem-me
Se engravidar

faço abortos
por muito

que me custe

Custa-mne

muito

(um bebé é dom

do Espírito Santo)

Ficas
no castelo de Beja

e eu aqui

no convento
com vento

(as janelas
techam ma
estao empenadas)
há uma passagem
subterranca
como noS romances

que liga
castelo e convento
podemos fechá-la
nao te quero

no convento

o outro é o Céu
com peugas

e cuecas sujas

Antes de chegares
pensava assim
mesmo que Milly volte
não quero foder
nunca mais quero foder

DO

434
o feitio das unhas dos pés
ea implantação dos cabelos

na nuca
do meu Milly chéri
mais tarde
ou mais cedo
vão-me meter nojo
nunca mais danço
nunca mais dou beijos
mas quem nao pensa

em foder
está fodido
mas agora

quero foder contigo

Portanto Milly chéri


és muito bem-vindo

a mulher (eu)
deixa
pai e máe

capega-se
ao homem (tu)
esão ambos
uma carne

LIsbonne-mars 2000

(Mais
dans le calme
aimant
de tes bras, Milly
à Dieu
YImaginaire)
435
DECOMPOR EM FACTORES

Como o celeste

a tremer

tronco

como o agreste

a unir

vento

como pão quotidiano


tomar

sal
assim é o
omnipresente
a dar
ar

Como o que unc

a dar

vento
como o que treme

celeste
5al
como pão quotidiano
agreste
a ar
como o omnipresente
a tomar

tronco
como o que treme

agreste
sal
como o vento celeste
a tomar
verso
como o que une

transportar
tronco
assim é o omnipresente
a dar
morte

Evguéni Daienine in Action Poétique, n. 115, Paris, 1989 (uradução do ruso de d aRobe
reovista Bum ma

no n..
minha tradução, teita partir da tradução francesa, já tinha sido publiad
(esta a

po

436
NOTA DA AUTORA

Acho que era a Sylvia P'lath que estava convencida, por volta de 1950,

escrever romances era preciso ter amantes e fazer viagens. E um


pard
mito, isso dos amantes e das viagens. lode-se ser teliz e escrever romances sem

1eramantes e sem tazer v1agens. MaiS importante que amantes e viagens éter
ut cspaço próprio, um dominio, um território, uma casa, pelo menos um
com privacidade, como muito bem viu Virginia Woolf.
quarto
Para ser feliz não é preciso foder, ao contrário do que apregoam as revistas.
Neste meu tempo de horror económico, parece que tudo gira à volta das fo-
das. As todas que sempre se querem bodas, os meus contemporâneos são bem
intencionados. nAma e fode» escreveu o Luiz Pacheco. Claro! Mas não penso,
o contrário do que Roland Barthes afirma nos Fragments d'un discours amou-
eHx, que dans le calme aimant de tes bras, au diable, alors, l'Tmaginaire. E os
bebes: I u gostas de mim ou estas-me so a gozar:
Escrevi este meu livrinho, O regresso de Chamilly, ainda naquela fase da
minha vida, que acabou a 26 de Novembro de 1999 (data em que comecei a
er
SOZinha, a ter a casa toda para mim), em
que acreditava, como os meus

0nemporáneos, que só o um da boda (da foda) vale a pena. Graças a Deus,


hao andei de foda em foda à procura das bodas de ouro, numa peregrinaçao
r da Palha. Mas não condeno
quem sinceramente dä beijos e abraços
otOs c taz filhos e faz abortos e depois sofre com isso e se perde neste
r
OriO
e quotidiano que é a foda obrigatória, o perder a
virgindade obriga
antes dos 17
Eé tragico. anos, o
orgasmo, os
super-bebés. Isto é tudo tão ridículo!

das (auecOO porque é que se faz tanta troça das solteironas não copula-
Ruben A.). Isso
eo m
iste co
alros quando falam, segundo Jorge de Sena
, Este meu livrinho pertence ainda a esse marialvismo que
e

Omo panodedefoda
atoNão
Sema
fundo epor isso eu náo gosto deste meu livrinho.
em foda, mas andei de livro em livro a mendigar o
u nãosem
vis que, afinal, Deus me deu e dá sempre em cada dia. Só que
ro
u
nao sabia. Acho que é a diz que só nos
ueixar de não Agustina que podemos
lO ser
Ser amados.
amad Mas nem disso nos podemos queixar porque
S E

CHAM1LLY 20 0s) 437


Deus ama-nos. E amou-nos sempre. E nao so quem nos odeia nos
Atenção: Deus nunca me chateou! A minha me chateou-me. chateia.
Queixei-me uma vez a um padre de nunca ter tido um namor
marido, filhos. O padre disse-me que o marido e os filhos são uma f
orado, um
Hor rarae
que cu a matutar tanto nessa flor corria o risco de não reparar nas ou
s outras to-
rinhas mais humildes que Deus ia pondo no meu caminho pois a a é um
passeio pelo campo.
Náo sei se me vou casar, se vou ter iihos. Gosto de ser casta,
casada ou
solteira. Cada vez dou mais razão ao Papa João l'aulo II em questóes de scto.
O politicamente correeto em questoes de sexo é incorrecto. As pessoas fodem
e não sáo telizes. As pessoas programam as gravidezes e depois os filhos não

sacm belos, inteligentes, altos, loiros5, segundo o figurino da moda.


Uma vez encontrei o Raul Solnado no Rossio. Fui ter com ele para lhe
dizer que o apreciava muito, em particular gostava de uma anedota, que ele
contava na televisão, no tempo da outra senhora, que era assim: um casalde
namorados anda a passear, há uma poça no chão, o namorado diz à namonda
«Cuidado com o pezinho! Salta a pocinha». Depois de casados a cena repete-
Eu disse Raul
-Se, mas o marido diz à mulher aLá meteu a pata na poçal» ao

Solnado uAgora é a mesma coisa». O Raul Solnado disse-me «Eu acho é quc

poça esta cada vez maio».

iel-de escrever outro livrinho do Chamilly, O novo Chamily (ae


LB.
Kocambole), não este que publico agora por obrigaçóes da bolsa do
Hei-de escrever aquele livrinho que há-de vir, se vier, como marido e nu

ror agora, publico este. Queria que fosse uma papoila. Saiu-me uma g
a este l i v o
a

Dieu me joue des tours. Mas acrescento esta nota. Tenciono voIt

sempre que puder.


Maio
de 00
Lisboa, 26 de
dilia Lopes

438
.S. 2 POEMAS D0 DIA 10 DE JUNHO DE 2000

A vida é barroca
coisa entre moléculas
é claro que o cu

tem a ver com as cuecas

(depois de ver Por um fo de Martin Scorsese)

Torturante vaivém
da comunhao
à não-comunháo
com o outro

Infinita volúpia
inhndável horror
da soledade
(ex-comunhão)

(copiado de D. António Ferreira Gome)

bs CRAL 10001
439

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