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FIGURINHAS: SUCESSO DE MARKETING

Samuel Gorberg

                O ato de colecionar é tão antigo quanto o ser humano, pois a motivação para tal tem seu
embasamento em necessidades psicogênicas. A maioria das listas de necessidades humanas tende a
ser diversa em conteúdo e extensão e, apesar de haver pouca discórdia acerca das necessidades
fisiológicas, existe razoável desentendimento quanto às necessidades psicológicas.

        Em 1938, o psicólogo Henry Murray preparou uma lista detalhada de vinte e oito necessidades
psicogênicas, a qual serviu de base para a elaboração de vários testes de personalidade ainda muito
usados, como por exemplo, a Tabela Edwards de Preferência Pessoal. Nesta lista, no item referente às
necessidades associadas a objetos inanimados, foram apresentadas:

1. AQUISIÇÃO
2. CONSERVAÇÃO
3. ORDEM
4. RETENÇÃO
5. CONSTRUÇÃO

        A sensação de prazer derivada da posse, do colecionismo, contribui para a satisfação do indivíduo
e para a qualidade de vida como um todo.

        Com a evolução das civilizações, itens colecionáveis tais como objetos de arte, livros e moedas
deram origem a belas coleções, tendo algumas sido preservadas. Mas este prazer era reservado à uma
minoria, a elite abastada.

                A invenção da litografia por Aloys Senefelder em 1798 e a disseminação deste processo na


segunda metade do século XIX tornaram possível a produção de belas e baratas artes gráficas.

        Em 1º de outubro de 1870, quando o cartão-postal começou a ser vendido na Inglaterra, um cartão
ilustrado com propaganda para a Royal Polytechnic de Londres foi editado, disputando este exemplar a
honra de ter sido o primeiro cartão-postal de propaganda.

                Vislumbrando o mercado de colecionismo que se desenvolvia em torno do cartão-postal,


magazines de Paris, como o Aux Deux Magots e Bon Marché, promoveram a partir de 1878 marketing
promocional com estampas, hoje raras.

                Indubitavelmente, as mais famosas estampas foram editadas pela Liebig’s Extract of Meat
Company Limited e suas subsidiárias em vários países, a partir de cerca de 1875 até 1960. Com os
esforços de Georg Christian Gibert, que havia montado fábrica experimental em Fray Bentos, no
Uruguai, foi registrada em Londres a companhia em 4 de dezembro de 1865, tendo o Barão de Mauá,
então em evidência na City, participado da primeira Junta Diretora. Tendo efetuado o devido
licenciamente junto ao químico Justus Liebig, a empresa adotou o seu nome para o extrato de carne
que fabricava pelo processo que este havia inventado.

                Desenvolvendo marketing promocional, a Liebig iniciou a partir da França a distribuição de


estampas, em série de 6, com primoroso acabamento gráfico colorido, tendo no reverso texto
explicativo da imagem que se encontrava no anverso. Acompanhavam as embalagens de seu extrato
de carne, existindo álbuns especiais para o colecionismo, cabendo uma série em cada página. O
sucesso desta estratégia foi de tal ordem, que a empresa passou a editar e distribuir estampas em
outros países onde tinha filial, como Holanda, Itália, Bélgica e principalmente Alemanha.

        O grande público havia descoberto o colecionismo de cartões-


postais e estampas como hobby ao seu alcance.
O Brasil, que tão rapidamente havia implantado o selo, sendo o
segundo país do mundo a fazê-lo, em 1º de agosto de 1843, pouco
depois da Inglaterra, que havia instituído o novo serviço postal em
10 de janeiro de 1840, demorou 11 anos para concretizar, pelo
decreto no 7.695, de 28 de abril de 1880, o uso do cartão-postal no
solo brasileiro.

  De forma idêntica ao que havia ocorrido em outros países, a febre


do colecionismo aqui ocorreu, como descreve Luiz Edmundo no seu
livro “O Riode Janeiro do meu tempo”:

                ”O cartão-postal que, pelo começo do século, e mesmo até


bem pouco antes da Grande Guerra, é o delírio que empolga o
carioca...”

        “Chega Moura de Paris, em 1901, com seus primeiros cartões,


em 1901. A novidade impressiona. Tão bela, porém, é a
apresentação desses postais, que muita gente os compra em
séries, só para encaixilhá-los....”

        “A bem dizer, o delírio do bilhete postal ilustrado só começa a inquietar-nos em 1904. Moda, a
princípio, passa , depois, a obsessão.”

        As primeiras coleções de figurinhas e cromos editados no Brasil datam do final do século XIX.
Colocados como brindes em carteiras de cigarros, foram utilizadas como marketing promocional pelas
companhias Grande Manufactora de Fumos e Cigarros Veado ( José Francisco Corrêa & Cia – Rua da
Assembléia nos 94 a 98 – Rio de Janeiro ), Souza Cruz e Sudam, basicamente no eixo Rio – São
Paulo. Os protagonistas do movimento republicano até 1900, os animais do jogo do bicho, e as
artistas de cinema, teatro, e cabaré, foram os temas prediletos das coleções. Além da grande maioria
das estampas ou cromos apresentarem cuidadoso tratamento gráfico, o fato de algumas coleções
completas darem direito a prêmios estimulou ainda mais o interesse por elas, o que é possível
observar através de inúmeros anúncios de jornais daquele período, onde produto e respectivo brinde
são divulgados com idêntica importância.

           

        Assumindo em 1903 a direção do Horto Florestal da Companhia Paulista de Estradas de Ferro


em Jundiaí, Estado de São Paulo, o engenheiro agrônomo Edmundo Navarro de Andrade iria, com o
desenrolar de sua atuação, propiciar a produção dos produtos Eucalol na cidade do Rio de Janeiro,
cerca de 23 anos mais tarde. Pesquisando qual a árvore que melhor atenderia às necessidades da
companhia com relação à lenha necessária para alimentar as fornalhas das locomotivas à vapor,
Navarro de Andrade chegou à conclusão que o eucalipto era a mais indicada. Seus ensaios foram tão
inquestionavelmente conclusivos que a empresa adquiriu mais terras na cidade de Rio Claro, Estado
de São Paulo, intensificando a cultura do eucalipto. Em 1924 a Companhia Paulista já possuía oito
milhões de eucaliptos plantados em nove propriedades agrícolas, ao longo de suas linhas férreas e
distribuídos de acôrdo com as necessidades de combustível. Como sub-produto da árvore, as folhas
eram vendidas para produtores locais, que fabricavam essência de eucalipto e, dada a quantidade que
passou a ser ofertada, a essência de eucalipto passou a ser ofertada no mercado brasileiro com preço
barato.

           
 Em 1917 o imigrante judeu alemão Paulo Stern, químico de profissão, estabelece-se com negócio de
essências na Rua São Pedro, rua esta que desapareceu quando da abertura da Av. Presidente
Vargas. Após o término da 1ª. Guerra Mundial, em 1919, aqui chega o irmão Ricardo Stern, que
ingressa na sociedade e a dinamiza. Face à disponibilidade de essência de eucalipto, planejaram os
irmãos Stern a construção de uma fábrica onde seriam manufaturados produtos para toalete. O
prédio foi inaugurado em 1924 e em 1926 foram iniciadas as vendas do sabonete EUCALOL.

       Sem terem efetuado a devida pesquisa do produto antes


de sua fabricação, condição básica de um perfeito
planejamento de marketing, os irmãos Stern foram
surpreendidos com a recusa dos varejistas e consumidores ao
produto: sua cor era verde e o mercado estava acostumado a
sabonetes com cores branca ou rosa. Partiram para a
divulgação do produto por meio de anúncios, inclusive
realizando em 1928 concurso de versos, com distribuição de
prêmios aos vencedores. Mas os resultados não foram
satisfatórios e, os irmãos Stern desenvolveram outra estratégia
de marketing promocional: a colocação de 3 estampas dentro
de cada caixa que continha 3 sabonetes Eucalol. Tudo indica
que esta idéia ocorreu em virtude de, em sendo alemães, terem
vivido o intenso colecionismo de estampas Liebig na Alemanha,
visto o álbum das estampas Eucalol ser idêntico ao álbum das
Liebig, as séries serem também em número de 6 e, duas séries
das Eucalol serem idênticas às das Liebig (A Conquista do
México e O Descobrimento do caminho marítimo para a Índia).
O tremendo sucesso deste marketing, com o colecionismo das
estampas Eucalol, elevou a Perfumaria Myrta ao píncaro do
mercado brasileiro de sabonete e propiciou o sucesso de outro
produto, aproveitando o intenso hobby que se manifestava na ANÚNCIO DE 1927
população: as balas com figurinhas premiadas.

        Em 1928 surge no mercado brasileiro o álbum “Novo Mundo”, da Fábrica de Balas e Biscoitos
Novo Mundo ( Pedro Tarnowsky & Cia – Av. Celso Garcia no 230 – São Paulo ) , oferecendo prêmios
como bicicleta, rádio, relógio e máquina fotográfica aos que conseguissem completá-lo, sem que,
entretanto, tenha obtido grande sucesso, tanto é que não renovou a experiência. Restou-lhe a
primazia de ter lançado no Brasil o primeiro álbum, pois, até então, nenhuma figurinha ou cromo
tivera álbum para o seu colecionismo feito especialmente pela empresa promotora.

        Não se sabe ao certo o ano em que a Fábrica


de Balas A Hollandeza ( Weissman & Cimelfarb –
Rua Lavapés no 69A – São Paulo ) lançou o seu
primeiro álbum, estima-se ter sido cerca de 1931.
Embora não tenha alcançado grande sucesso,
imagina-se que, vendo nos anos seguintes o
colecionismo que se manifestava com as
“ESTAMPAS EUCALOL”, resolveu relançar o álbum
em 1934, aí sim, causando verdadeiro furor na
população do eixo Rio – São Paulo. Pessoas que
vivenciaram está época contam que, no Rio de
Janeiro, no largo da Carioca, perto da Galeria
Cruzeiro, reuniam-se vários grupos, enormes,
negociando e trocando figurinhas. Em Santos o
assunto foi objeto de matéria de primeira página do
jornal “Tribuna de Santos” de 7 de novembro de
1934. A figurinha difícil deste álbum, série 1 no 11, O
Clavel do Ar, é a que teve maior repercussão até hoje
dentre as figurinhas brasileiras, chegando a ser
vendida por cem mil réis.

    
 

jornal Tribuna de Santos de 7 de novembro de 1934

        Em seguida, vários fabricantes de balas lançaram seus álbuns como “A Irlandeza”, “Atlas”,
“Bichos”, “Chiquinho Caramelo Premiado” e outros mais, sem que tenham alcançado o mesmo
sucesso de “A Hollandeza”.

                Na década de 1940, destacam-se os álbuns da Cia. Jardim de Cafés Finos ( Avenida


Tiradentes, 176 – São Paulo), “Álbuns Fruna” ( Casa Falchi S.A. Indústria e Comércio– Av.
Tiradentes no 16 – São Paulo ) e na de 1950 o “Álbum das Balas Ruth” ( Fábrica de Doces Ruth
Ltda – Rua Diomedes Trota no 520 – Rio de Janeiro ).

        A Cia. Jardim de Cafés Finos, que


em campanha pelo seu produto “Café
Jardim” havia editado 5 álbuns de
figurinhas durante o ano de 1940, viu
coroada de sucesso a sua estratégia de
marketing, contratando em 1941
Monteiro Lobato para fazer o texto do
álbum “As Aventuras do Barão de
Munchaussen”, visando aproveitar a
enorme penetração que aquele havia
alcançado junto ao público infantil. Na
esteira deste resultado, novo álbum “
Um sonho na caverna” foi editado em
1944, igualmente com texto de Monteiro
Lobato. No álbum “Maravilhas Jardim”,
editado em 1950, a empresa presta
homenagem à memória de Monteiro
Lobato ? que havia falecido em 1948 –
colocando uma página com o título “O
amigo das crianças” e 8 figurinhas,
sendo uma do autor e as demais de
seus inesquecíveis personagens
Narizinho, Pedrinho & Cia.

        “Monteiro Lobato foi um pioneiro também no campo dos álbuns de figurinhas, pois criou
para a Cia. Jardim dois dos seus mais famosos álbuns: “A Aventura do Barão de
Munchaussen” e “Um Sonho na Caverna”, atesta a companhia no rodapé desta página.

Quem viveu no Brasil após a 2ª Guerra Mundial e não se recorda das “Balas Fruna”? O
produto era bom, diferente da grande maioria das balas que usavam o marketing das
figurinhas premiadas para conquistarem o público consumidor. De qualquer forma, o
colecionismo incentivava as vendas, e a Falchi editou 4 álbuns, todos com artistas de
cinema. O último e mais famoso tinha a “figurinha difícil” de número 34, o artista Nils Aster.
Eu colecionei este álbum, e como muita gente, busquei em vão a “maldita” no 34.
                Na década de 1950 repetir-se-ia o fenômeno que havia ocorrido cerca de 20 anos
antes com o álbum das balas “A Hollandeza”: as “Balas Ruth”, que movimentou a cidade do
Rio de Janeiro com vendas, trocas e buscas de figurinhas mais raras. Transformado em
obsessão, contagiou não só crianças mas também adultos. Quem tem cerca de 60 anos e
não se lembra das “Balas Ruth”? Só quem não teve infância...

     
      

               A “indústria” da figurinha difícil nas balas premiadas estava chegando ao fim. Ao


regulamentar a Lei no 5.768 de 20 de dezembro de 1971, o Governo Federal, através do
Decreto no 70.951 de 9 de agosto de 1972, em seu artigo 11, determina que “não serão
autorizados os planos que tenham por condição a distribuição de prêmios com base na
organização de séries ou coleções de qualquer espécie, tais como símbolos, gravuras,
cromos (“figurinhas”), objetos, rótulos, embalagens ou envoltórios”.
Na década de 1980, os Estados de São Paulo e Espírito Santo desenvolveram campanhas
para aumentar a arrecadação do ICM (Imposto de Circulação de Mercadorias), trocando
determinado valor de notas fiscais por pacote de figurinhas. O “Paulistinha” chegou a
originar o “figureiro”, uma nova profissão informal, gente vivendo de negociar as figurinhas
que eram ávidamente disputadas pela população. E no Espírito Santo, com os 2 álbuns
“Amigos do Jucapixaba”, ocorreu um aumento de arrecadação do imposto de cerca de
40%, tendo esta campanha ganhado o Prêmio Top de Marketing 1981.

               A compulsão que todos têm, em maior ou


menor grau, de juntar peças e coisas da mesma
natureza e guardar, principalmente as crianças, faz
com que as figurinhas tenham vida eterna. Hoje em
dia mudou o foco, não se ganha mais prêmio
material ao prencher totalmente o álbum, além do
prêmio maior da própria satisfação de te-lo
completado. Ai está a Grupo Panini para dizer se
figurinha tem público, tendo faturado em 1999
cerca de 200 milhões de dólares, posuindo 643
funcionários e distribuíndo produtos em mais de
100 países.

        Como disse Artur da Távola: “A figurinha nos


permite, afinal, anos e anos depois, ter um
reencontro cheio de saudade com os heróis, os
mitos e os mágicos que encantaram os melhores
sonhos da infância e juventude. Eles nunca mais
nos abandonam, ainda que durando apenas como
emocionada recordação. Eles são o que fomos em
estado de exaltação e fantasia. São o cortejo
encantado dos nossos sonhos.”

Créditos:

Álbuns “Novo Mundo” – “Um sonho na caverna” – “Fruna” – “Ruth” – Acervo Prof. Margarida
Menezes

Álbum “As aventuras do Barão de Munchaussen” – Acervo José Vinicius do Amaral


Demais imagens – Acervo Samuel Gorberg

[Ensaios]
[Ruth] [Mucha] [Coca-Cola] [Bottons]

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