Você está na página 1de 5

Este trabalho tem como objetivo auxiliar na compreensão dos papéis sociais das mulheres negras,

para além do projeto brancocêntrico, colonial e patriarcal. Para isso, devemos voltar nosso olhar

para o continente africano a partir das possibilidades de diálogo com o Mulherismo Africano para o

reconhecimento da luta antirracista como um provável caminho para reflexão, observação e

conhecimento sobre aquele que, segundo Diop (2014), é o continente berço da humanidade, afinal

foi o reino de Khemet o lugar primordial das matrizes civilizacionais, fato este que a chamada

História clássica e tradicional tem dificuldades de aceitar. A ideia afrocêntrica ou de uma

centralidade africana é defendida por (ASANTE, 2016), onde ele convida os africanos e os afro-

diaspóricos a unir-se por mais autonomia e viver conforme os costumes, as crenças e todo o modo

de ser e viver africano.

Para a constituição de um diálogo sobre os temas acima mencionados, traremos alguns

estudiosos, a saber, (ASANTE, 2016); (HUDSON, 2016) e (NASCIMENTO, 2018). Por diferentes

caminhos e abordagens elas e eles buscaram nos estudos conhecer, resgatar e atualizar a África

enquanto lócus de produção de conhecimentos, de modo a provocar as gerações contemporâneas

para uma conscientização dos africanos e das e dos descendentes em diáspora forcada que tiveram

seus ancestrais escravizados e obrigados a saírem das terras de origem e linhagens, passaram por

atrocidades perduradas durante séculos que lhes deixaram graves consequências até hoje. 

 Quando fazemos uma ponte do conceito do Mulherismo Africano, de uma centralidade em

África junto ao estudos da intelectual negra Maria Beatriz Nascimento que procurou abordar as

Histórias dos Povos Negros onde a pesquisadora também se dedicou a pesquisar a historiografia dos

quilombos, trazendo um novo conceito e sentido para a história dos quilombolas, logo percebemos

o “aquilombamento” como uma forma da população negra recuperar o que foi perdido durante a

escravidão, esforçando-se pelo reencontro possível com as origens e recontando sua história através

de seu ponto de vista. O mulherismo africano traz uma reflexão sobre outras noções de gênero

feminino para além do ocidental, pensando nos outros referenciais e papeis das mulheres africanas

e, portanto, das mulheres negras em diáspora e como a sociedade patriarcal até hoje continua

tentando inferiorizar e coisificar essa mulher.


O projeto do colonizador sempre será marcado pela opressão a tudo e a todos que são

julgados por seus agentes como seres diferentes, portanto inferiores. O opressor iniciou seu

aniquilamento por algo que é fundamental em uma sociedade já organizada, o extermínio da língua

de origem dos povos que por eles são oprimidos e impondo a sua cultura em sociedades que há

séculos e séculos já compartilhavam de uma vida organizada de acordo com as próprias matrizes

civilizacionais.

Diante dessa cultura eurocêntrica que nos é imposta, vale salientar que os grupos submetidos

a estas violências igualmente resistem, salvaguardam valores, conhecimentos, os reinterpretam e

atualizam a respeito das tentativas de hegemonia. No que se referem aos movimentos de

reafirmações na diáspora, feitos por intelectuais que buscam elaborar críticas e bases teóricas para

além do eurocentrismo, destaca-se a importância da necessidade, uma conscientização das agências

africanas, e é sobre ter essa consciência que o professor afro-americano Molefi Kete Asante nos

propõe uma teoria afrocêntrica, criada nos anos de 1980, (ASANTE, 2009). Podemos entender

basicamente que a ideia afrocêntrica é propor uma ideia do conhecimento de lugar. Para este autor,

as e os africanos foram postos para fora do seu “trilho”, no que diz respeito as histórias, culturas,

economias e os processos mentais e comportamentais. Portanto, no que se referem às tentativas de

produção de conhecimento numa sociedade que passou pela experiência colonial se faz necessário

analisar suas circunstâncias em qualquer lugar que ele esteja, e que isso se faça com os princípios de

um posicionamento que seja centralizado em África e sua diáspora. Desse modo, mostramos que a

ideia da afrocentricidade é colocar o africano como o autor dos próprios interesses, se apresentando

como um sujeito capaz de atuar na própria representação cultural.

A afrocentricidade não é uma novidade, mas uma recuperação de uma construção das práticas

políticas de África no mundo. Ainda segundo Asante (2009, p.94), “Pode-se praticar os usos e

costumes africanos sem por isso ser afrocêntrico. A afrocentricidade é a conscientização sobre a

agência dos povos africanos”. Nesse sentido a afrocentricidade é contrário a tudo que causa

imposição como faz o sistema de dominação eurocêntrica. O modo de ser afrocêntrico convida as

pessoas negras para uma reflexão, e a partir disso elas se reestruturam em seu caminho

civilizacional.
Dentro das diversas vertentes que tem na afrocentricidade, o mulherismo africana é uma

delas, mas antes de entendermos o que é o Mulherismo Africana e sobre os princípios e objetivos

vamos entender o que alguns intelectuais pautados em uma ideia afrocentrada nos traz sobre África.

A respeito disso, nos pautaremos no pluricientista e intelectual senegalês Cheik Anta Diop (1923 -

1986), que inspira a maneira de pensar de estudiosos africanos e da diáspora segundo o ponto de

vista africano.

Diop (2014) defende a teoria dos dois berços; berço meridional no sul (África) e o berço

nórdico no norte (Europa), pautado nisso, temos a origem do matriarcado na África e do patriarcado

na Europa e devido às várias divergências entre o contato com esses grupos do norte e do sul o

destaque feminino negro foi perdendo todo o seu espaço e dando lugar ao servilismo e ao

acondicionamento do patriarcado. Para o autor, o que distingue o regimento do matriarcado e

participação, o crescimento e harmonia entre homem e mulher mostrando uma certa busca de

equilíbrio da mulher na sociedade. Percebemos que no matriarcado há uma pretensão de unidade

entre os sexos, onde não deve haver ou que não seja naturalizada a disputa, e nem da mulher ser

inferior ao homem. 

 Sob esse prisma, o termo Mulherismo Africana foi criado e definido pela afro-americana

Clenora Hudson-Weems na década de 1980, e segundo Hudson (2016, p. 50), “[...] é um conceito

teórico concebido para todas as mulheres afrodescendentes”. Para (HUDSON, 2016), ao trazer essa

ideia, o principal propósito é estabelecer avaliações próprias para considerar suas realidades, tanto

do ponto de vista, quanto das circunstâncias das mulheres negras. Primeiro salientando que, o termo

Africana, reconhece e respeita a etnia e origem da mulher. Segundo,  o termo Mulherismo, além de

conduzir a um retorno à rica herança da feminilidade africana, memora o marcante discurso de

Sojourner Truth “E eu não sou uma mulher?”. A afro-americana defensora do abolicionismo

Sojourner Truth em seu famoso discurso indaga sobre qual o lugar em que as mulheres negras

estariam nos combates feministas ainda no final do século XIX, e o Africana considera a nossa

unidade cultural negra, que é unida por uma rememoração cultural e espiritual situada em África.

Para apresentar um pouco mais sobre a palavra Mulherismo e sua ideia, vamos observar as

palavras de Hudson, (2016, p. 06) definidora da terminologia.


[...] há outra questão crucial que explica o uso do termo mulher (ismo). O termo “mulher” e, por
extensão, “mulherismo”, é muito mais apropriado que o termo “feminino” (feminismo) já que
somente uma mulher da raça humana pode ser uma mulher. “Feminino”, por outro lado, pode se
referir a um membro do reino animal ou vegetal, bem como a um membro da raça humana. [...]
Assim, a terminologia derivada da palavra “mulher” é mais adequada e específica ao nomear um
grupo da raça humana.

Com esse pensamento Clenora Hudson explica e exemplifica o vocábulo de Mulherismo

mostrando que esta teoria não está ligada ao feminismo, pois o feminismo é um movimento da

mulher branca, que foi apoiado em alguns aspectos relacionado ao gênero, pela mulher negra, que

com uma interseção entre gênero e raça, baseado principalmente nos ideais de Angela Davis, hoje é

o que conhecemos como feminismo negro.

Desse modo, Hudson (2016) diz que há dois motivos para a comunidade Africana admitir que

o movimento feminista é o movimento da mulher branca. Primeiro, a mulher Africana não imagina

o sexo oposto como seu adversário, o contrário disso, há muito tempo a feminista branca luta com a

contraparte por submetê-la como sua pertença. Segundo, embora poucos homens africanos

tentassem sujeitar as mulheres pretas em algumas situações, sempre eles – o sexo oposto - foram

iguais em muitas circunstâncias. Assim sendo, o Mulherismo Africana não discute a questão de

gênero que segundo Hudson (2016) é um assunto importante e traz inquietude para todas as

mulheres, mesmo as mulheres africanas, pois estão inseridas em uma doutrina patriarcal, assim

esses problemas devem ser confrontados de frente.

O Mulherismo Africana apresenta alguns princípios mulherista essenciais. E, nessa

perspectiva, as mulheristas brasileiras Njeri e Ribeiro, (apud URASSE, 2019, P.597) observam

algumas características dessa teoria, agora vejamos quais são: 

[...] terminologia própria e autodefinição; centralidade na família; genuína irmandade no


feminino; fortaleza, unidade e autenticidade; flexibilidade de papéis, colaboração com os
homens na luta de emancipação e compatibilidade com o homem; respeito, reconhecimento
pelo outro e espiritualidade; respeito aos mais velhos; adaptabilidade e ambição;
maternidade e sustento dos filhos. E advertem que “Os princípios acima descritos, longe de
prescrições teórico- normativas, são características reais, palpáveis e observáveis nas
comunidades africanas em geral, seja no continente, seja na diáspora”. (NJERI E RIBEIRO
– APUD, URASSE, 2019, P. 303).

Com esses princípios observados por Anin Urasse, percebemos que a pauta do Mulherismo

Africana não caberia para as questões relacionadas a gênero e principalmente da rivalidade entre

homem e mulher, projetos políticos diferenciados. Observamos que o apoio entre os sexos oposto é
uma particularidade para as defensoras (es) do Mulherismo Africana, já que um dos objetivos é

trazer os princípios africanos a serem observados por todos (as) negras, e as disputas de gênero não

fazem parte da cultura africana.

Você também pode gostar