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Ficha Informativa

Português
Tema: Lusíadas - Reflexões do Poeta

Professora: Áurea Moreira

REFLEXÕES DO POETA - CANTO VII (78-87)

No início deste canto (estâncias 3 a 14), Camões elogia os portugueses, porém, no final, o seu tom é de
crítica. Esta aparente contradição explica-se se tivermos em conta que os portugueses que o poeta elogia e
apresenta como exemplo, são os heróis do passado, com Vasco da Gama à cabeça. No entanto, os
portugueses criticados são os contemporâneos de Camões, que, aparentemente, esqueceram o heroísmo e
a grandeza dos seus antepassados.

Neste passo da obra, estamos no exato momento em que o Catual visita as naus portuguesas, sendo
recebido por Paulo da Gama, enquanto seu irmão Vasco é recebido no palácio do Samorim. Ao ver as
bandeiras com pinturas alusivas a feitos e heróis da História de Portugal, o chefe indiano mostra curiosidade
em saber o que cada uma delas representa. Paulo da Gama prepara-se para satisfazer o desejo do Catual
e narrar episódios da História de Portugal, no entanto Camões interrompe a narração e invoca as ninfas do
Tejo e do Mondego para que o auxiliem nessa árdua tarefa.

Na estância 78, o poeta autocaracteriza-se como «insano e temerário» (dupla adjetivação), aventureiro e
receoso do «caminho tão árduo, longo e vário» (tripla adjetivação, exclamação e metáfora) por que se vai
aventurar, isto é, narrar novos episódios da História de Portugal, agora pela voz de Paulo da Gama, ao
Catual de Calecute, a pedido deste e a propósito dos símbolos das bandeiras. Assim, o poeta dirige-se às
ninfas do Tejo e do Mondego (apóstrofe do verso 3, estância 78), solicitando-lhes inspiração para a tarefa. A
leitura das restantes estâncias deste passo de Os Lusíadas sugere que, além do já exposto, o poeta se
sente desalentado, por isso necessita de um reforço de inspiração.

Nos últimos quatro versos desta estância, Camões faz uso de uma imagem para “justificar” a invocação
(«Vosso favor invoco» - v. 5) dirigida às ninfas: a sua empresa / tarefa reveste-se de tal grandiosidade e é
de tal monta que, se as ninfas não o auxiliarem, ele receia não conseguir levá-la a cabo, a de cantar os
feitos gloriosos dos portugueses.

Entre as estâncias 79 e 81, o poeta, numa reflexão de tom marcadamente autobiográfico (atestado pelo uso
da primeira pessoa e pelo conteúdo biográfico), salienta que tem vindo sempre a cantar os feitos lusos e,
em simultâneo, luta pela sua pátria e elenca as dificuldades, as misérias e os perigos que tem enfrentado /
sofrido / corrido (vide esquema do poema), comparando-se, no final da estância 79, a Cânace, personagem
mitológica que se suicidou e escreveu ao irmão Macareu uma carta de despedida, com a pena na mão
direita e a espada na outra (segundo Ovídio, baseado em Eurípides, Cânace foi obrigada pelo pai, que lhe
enviou uma espada, a cometer suicídio como punição pelo facto de ter mantido uma relação incestuosa
com o irmão, da qual nasceu uma criança que foi morta pelo avô, que a lançou aos cães). Essa
comparação aponta para o facto de o poeta aliar à sua coragem na guerra a sua faceta de artista (estância
79, vv. 7-8). A espada simboliza as batalhas em que o poeta participou, o seu lado guerreiro, enquanto a
pena remete para a sua obra literária, para a arte, para a escrita.

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Na estância 81, finalizada a enumeração dos infortúnios que pautaram a sua vida, introduz um novo a que
dá destaque através do articulador «ainda», criando a sensação de instabilidade: como se já não bastassem
os tormentos que teve de suportar, acresce que. Em vez de os seus patrícios e contemporâneos o
premiarem, pelo contrário, ingratos, «inventam-lhe» novos trabalhos e privações.

Na estância 82, dirige-se novamente às ninfas, apostrofando-as, para criticar, socorrendo-se da ironia,
os «valerosos» senhores de Portugal que, em vez de acarinharem e glorificarem aqueles que, como ele,
através da poesia / arte, cantam os feitos ilustres dos portugueses, os maltratam, são ingratos. E qual é a
consequência desta postura? A desmotivação das futuras gerações de poetas, que se sentirão inibidos de
cantarem os feitos lusos. Deste modo, Camões procura criticar a incultura, o desinteresse pela arte e a
ingratidão dos portugueses. Dito de outra forma, os grandes senhores não amam a arte nem incentivam as
artes, o que fará com que os grandes feitos do futuro não sejam cantados e, portanto, deles não fique
memória. Critica ainda a ambição desmedida e o facto de sobreporem os seus interesses aos do «bem
comum e do seu Rei», a dissimulação, o abuso de poder e a exploração do povo.

Quanto à estrutura interna, este excerto de Os Lusíadas pode dividir-se em quatro momentos:
1.º momento (estância 78):
1. A invocação: “Vós, Ninfas do Tejo e do Mondego”;
2. Objetivo: pedir às Ninfas que lhe deem inspiração para a composição da obra (“Vosso favor
invoco”);
3. Razões do pedido: o receio de que, sem a inspiração das Ninfas, não seja capaz de cumprir o
seu propósito (“Que, se não me ajudais, hei grande medo / Que o meu fraco batel se alague cedo”).

2.º momento (estâncias 79 – 81): Argumentos do poeta:


1. O poeta já canta, há muito tempo, os feitos dos portugueses (“o vosso Tejo e os vossos
Lusitanos”) - os longos anos a escrever sobre os portugueses;
2. Trabalhos e danos que enfrentou:
a) os perigos e as aventuras / viagens do / pelo mar (79, v. 5);
b) os perigos / a participação da / na guerra (79, v. 6);
c) a errância pelo mundo;
d) a pobreza sofrida no Oriente (80, v. 1);
e) o desterro e os trabalhos passados em regiões estranhas (80, v. 2);
f) as esperanças e as desilusões (80, vv. 3-4);
g) os perigos das navegações: o naufrágio que sofreu (8º, vv. 5-8);
h) a ingratidão (81) dos senhores (82, v. 1) que o poeta cantava e que, em vez de honra e glória, lhe
inventaram novos trabalhos (81, vv. 7-8), levando os poetas do futuro a desistir de cantar os feitos
que mereçam “ter eterna glória”.

3.º momento (estâncias 82 a 86): Crítica ao exercício do poder:


- Acesso desonesto ao poder:
. a ambição;
. o interesse pessoal;
. a simulação.
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- Mau exercício do poder:
. roubo do povo;
. pagamento injusto do trabalho.

4.º momento (estância 87):


a) Intenções do poeta: cantar aqueles que arriscam a sua vida e a colocam ao serviço de Deus e
da Pátria / do Rei e, por isso, merecem a imortalidade;
b) Por oposição, nas estâncias 84 a 86, enumerou aqueles que não cantará:
c) os que colocam o interesse pessoal à frente do bem comum e do interesse do rei;
d) os ambiciosos que ascendem ao poder para se servir a si mesmos e abusam desse poder;
e) os dissimulados;
f) os que exploram o povo.

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