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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

DISCIPLINA: FCH015- HISTÓRIA ANTIGA II

DOCENTE: MARCELO PEREIRA LIMA

DISCENTE: MARCIO PEREIRA DOS ANJOS

PANEM ET CIRCENSES

DOS USOS DOS SÍMBOLOS, CONCEITOS E NOÇOES DA ROMA ANTIGA NA


LITERATURA FICCIONAL CONTEMPORÂNEA

SALVADOR

NOVEMBRO DE 2022
Este breve trabalho tem por objetivo compreender os usos do passado referentes
à cultura romana antiga, considerando alguns de seus símbolos, conceitos e noções, a
partir da análise, de certos aspectos, da trilogia de filmes Jogos Vorazes(2012),
baseados na trilogia de livros homônimos da autora norte americana Suzanne Collins.
INTRODUÇÃO

O enredo da estória se passa em um futuro pós guerra, não necessariamente pós-


apocalíptico -o que coloca a obra na clave de uma distopia; onde atualmente se localiza
a América do Norte, ocorreu uma reestruturação política, social e econômica, o que, em
linhas gerais, pode ser classificado como o surgimento de um não tão novo "modelo
civilizacional", surgido das cinzas do mundo antigo pós-guerra.

A centralidade dos acontecimentos se passa no país daí oriundo, constantemente


referido como: a nação de Panem. A estruturação política dessa nação baseia-se em um
modelo altamente centralizador, tendo o seu centro político a cidade-capital, que
domina e controla os territórios à ela aglutinados, chamados de distritos. O que se nota,
em um primeiro momento, é a ausência de uma denominação específica às cidades e
regiões do País, a ênfase gira em torno da maior e mais poderosa cidade, apenas referida
como a capital, e seus doze distritos, referidos apenas por números.

Os filmes apresentam o dilema de Panem como um cosmo isolado, considerando


apenas suas dinâmicas internas, não há ali uma preocupação em situar aquela
configuração política em um cenário global, ou mesmo em sua relação com possíveis
outros países adjacentes, estes, caso existam, no contexto do cosmo Paneniano, não
adquirem importância ou impacto na dinâmica interna do País.

No início de sua história, embora não datado no cânone do calendário comum, a


então nação de Panem passou por uma grave crise política e militar, o que gerou uma
guerra civil; tendo em vista que um de seus distritos, o de número treze, se rebelou
contra a capital, devido à sua lógica predatória, baseada na opressão, controle e
exploração dos distritos; configuração semelhante à uma metrópole que controla suas
colônias com mão de ferro. Este fato, curiosamente, gerou uma espécie de "mito
fundador" e supostamente justificador do que viria a se seguir. Após a derrota do
Distrito treze, ocorreu a implantação de uma política punitiva somada à intensificação e
maior rigidez do que já há décadas ocorria.

A capital instaurou a política dos "Jogos Vorazes"; baseados em uma lógica


punitiva e disciplinar, tais jogos eram um misto de ato punitivo coletivo com
entretenimento das massas, tendo múltiplas funções, indo muito além de uma questão
meramente política, mas, igualmente, se incorporando na base cultural mesma da nação.
O cerne dos Jogos Vorazes se baseava na escolha, por sorteio anual, de jovens dos doze
distritos- excetuando os da capital-,que eram escolhidos como tributos para lutarem até
a morte nos jogos, até restar apenas um vencedor ou vencedora; sendo escolhidos um
garoto e uma garota de cada distrito.

A retórica oficial enfatizava a necessidade dos jogos como uma forma de


lembrar à população dos distritos o risco e o preço que se deveria pagar pela rebelião
contra à capital, instaurando assim uma política de terror, controle e submissão. Deve-
se salientar a constante reiteração de pretensos valores dignificantes, presentes na
retórica oficial do establishment da capital,acerca da necessidade do sacrifício pessoal e
coletivo , da honra, da coragem e da bravura como alicerces da nação; encarado pela
elite política da capital como um misto de punição necessária e clemência, que colocava
os tributos como elementos humanos nos quais tais valores deveriam ser personificados,
o que nos termos atuais, pode ser caracterizado pela necessidade de bodes expiatórios.

Entretanto, outro fator que compõe esse quadro aterrador era a ênfase dada à
fortuna ou sorte; constantemente enfatizado na frase-lema dita aos tributos: Que a sorte
esteja com você. Passada essa fase de caracterização geral da obra, o desdobrar dos
acontecimentos do enredo se dá a partir da perspectiva dos impactos ocasionados à vida
da protagonista da trama, a jovem cujo nome é Katniss Everdeen, do distrito doze.

Na septuagésima quarta edição dos Jogos Vorazes, Katniss Everdeen se viu


obrigada, por um dilema existencial afetivo , a se oferecer como tributo no lugar de sua
irmã mais nova, pois considerou que a mesma não teria chances de sobreviver aos
jogos. Assim começa a saga da heroína que, juntamente com Peeta Mellark, o outro
jovem escolhido do distrito doze, viria a desempenhar um papel fundamental no
desenvolvimento da trama.

Através da ajuda de seus mentores, pessoas responsáveis por orientar os


participantes sobre como sobreviver aos jogos e obter a Vitória, Katniss começa sua
jornada. Com muitos reveses, evidenciados ao longo de três etapas, caracterizadas pela
série dos três filmes, a protagonista se vê envolta em uma rede de acontecimentos
políticos e sociais que vai muito além de sua mera ação individual. Katniss agora está
envolta em uma revolução política que vai se desenhando desde os primeiros momentos
da história; sendo ela mesma posta como "símbolo" dessa revolução, quando ela toma
conhecimento, algum tempo depois de ter vencido os jogos, junto com Peetar, que o
distrito treze, que se julgava ter sido destruído, em verdade, continuava a existir, só que
dissociado da capital, que ocultava sua existência para o restante do País.

Katniss se vê em uma situação extremamente frágil e delicada, sendo ameaçada


pelo líder da capital, o então presidente Coriolanus Snow, que a vê como uma grande
ameaça para a manutenção de seu poder e do equilíbrio político da nação, tendo em
vista suas atitudes durante os jogos. Um comportamento que foi encarado por Snow
como potencialmente nocivo, pondo em risco a soberania e o poder da capital; tendo
em vista que nos momentos finais dos jogos, Katniss havia se recusado a matar seu
companheiro, Peetar, decidindo, juntamente com este, a tirar a própria vida-atitude que
foi vista com grande espanto pela capital-, pois passava a ideia de que, por maior que
fosse o poder da capital, não poderia controlar, em absoluto, a vida e as decisões das
pessoas em todos os aspectos.

A atitude de Katniss foi encarada como um ato de insubordinação e, ai mesmo


tempo, um ato de esperança por parte significativa da população oprimida. Logo,
mesmo sem intenção e contra sua vontade, passou a ser considerada um símbolo de luta
e esperança contra a opressão da capital, tornando-se o símbolo da revolução em curso,
encabeçada pelas lideranças políticas do distrito treze.

Katniss passou a ser representada pela figura de um tordo, pássaro que a


personagem admirava e usava como broche e que passou a ser visto como símbolo de
aspiração à liberdade, aliado ao arco e flecha, utilizados por Katniss nos jogos, como
símbolo de luta.

QUESTÕES

Sem atentar de modo contumaz aos pormenores da trama, a pergunta que se


pode fazer é: mas qual é a relação que pode ser estabelecida entre esta obra ficcional
com uma temática historiográfica que trata de usos do passado?

Não obstante, para que se tenha subsídios teóricos e reflexivos suficientes para
respondê-la, cabe, aqui, fazer uma outra pergunta igualmente fundamental, a saber: O
que resta quando um povo, uma cultura ou uma civilização desaparece?
Para responder à estes questionamentos ou ao menos tentar responde-los de
maneira mi minimamente satisfatória, cabe, agora, partir para à fase analítica da obra,
visando uma maior compreensão de seus possíveis significados simbólicos.

ANÁLISE DOS USOS SIMBÓLICOS

Em linhas gerais, um símbolo pode comumente ser entendido como uma matriz
de intelecções, sem que, em um primeiro momento, seja necessário especificar o que de
fato seja um símbolo, mas atendo-se aos possíveis efeitos que ele pode desencadear em
múltiplas dimensões da realidade. Nesse sentido, para caracterização de uma obra
literária ficcional, que objetiva transmitir uma gama de intelecções através de emoções e
ideias, a utilização de certos símbolos, principalmente aqueles com grande carga
histórica, se constitui, por vezes, como uma fonte formidável a ser explorada.

De um modo geral, este breve trabalho possui, no quadro de sua estruturação,


dois caminhos pertinentes a serem seguidos; o primeiro, é o que possibilita a análise da
obra em si mesma, considerando seus elementos intrínsecos e sua dinâmica interna. O
segundo caminho, trata da estrutura externa da obra, isto é, da gama de elementos e
ideias estruturantes que foram concatenadas para que a obra viesse a existir; desde já
deve-se salientar que é nesse segundo caminho que este trabalho se direciona.

Postas essas questões preliminares, cabe retonar à pergunta fundamental: O que


resta quando um povo, uma cultura ou uma civilização desaparece? De fato, aqui se
insere a necessidade de dividir esse "o que resta" em dois planos distintos, mas oriundos
da mesma raiz.

O primeiro é o plano antropológico, e o segundo é o plano intelectual ou


espiritual, sem ter, necessariamente, um sentido religioso ou sobrenatural. Quando se
toma esse período, no qual a dinâmica temporal e geográfica de um determinado povo
se manifestou no palco do mundo, deve-se entender que não se trata das particularidades
da vida de cada indivíduo tomado isoladamente; com seus costumes, suas dores e
alegrias, seus sentimentos e afetos; com suas paixões e suas idiossincrasias, com suas
crenças e particularidades de vida; enfim, o homem de carne e osso.
De igual modo, não se pense que se trata de noções coletivas a partir das quais se
engendraram artefatos materiais e particularidades culturais, pois tudo isso faz parte da
dimensão do antropos, em sentido singular. No entanto, existe um segundo sentido, o
qual aqui se acredita ser o mais seguro para considerar o que de fato resta quando um
povo desaparece, e esse segundo sentido é o sentido intelectual ou espiritual, que, por
sua natureza, é generalizável, por isso mesmo transmissível.

Pois o que um romano antigo viveu, independente do período da Roma Antiga


no qual tenha vívido, independente também da classe à qual pertencia e das demais
dimensões de sua vida, só pertencia à ele, só foi vivido e experienciado por ele,
juntamente com seus contemporâneos; essa carga vivida jamais poderá ser transmitida
ou compartilhada, pois é irrepetível, assim como o é a experiência vivida e significada
por cada ser humano que já tenha existido, que exista ou venha a existir.

Entretanto, há, em um certo nível da experiência humana, uma dimensão que,


em suas linhas gerais, pode ser compartilhada em certa medida- mesmo que vivenciada
de modos distintos por cada ser humano-,esta dimensão é a dimensão do espírito ou a
dimensão intelectual, na qual o símbolo enquanto tal se encaixa. O símbolo, esta
formidável matriz de intelecções, permite a perpetuação do espírito através do tempo,
mesmo em meio à um oceano de mudanças; tendo em vista que toda mudança só é
possível devido à um fundo de permanência, sem o qual nenhuma mudança poderia ser
percebida, pois, se assim não fosse, não haveria sequer a possibilidade de se identificar
pontos de comparação para que se compreenda o que mudou.

Nesse sentido, certas noções, conceitos, signos, ideias e idealizações quando


encarados como símbolos, se mostram, formidavelmente, como uma gama de
intelecções, como os raios de uma bicicleta, que, a partir de um centro, se expandem
em muitas direções.Por tais considerações, quando se fala em República Romana, no
Império Romano, nos deuses romanos, na língua romana, nos costumes romanos, na
estrutura social romana, nos ritos, danças, festejos, comemorações e demais elementos
da Roma antiga; por um lado, se está falando de experiências vivenciadas por gente de
carne e osso, mas , por outro, se está falando de noções, conceitos, ideias e intelecções
que nos chegam não mais com a carga de experiência viva como a que um romano vivia
e experienciava; nos chega, por vezes, tristemente, como coisas ocas, ora deslocadas ou
perdidas de seu meio original.
Mesmo assim, algo nos chega, e como que uma tendência obstinada e constante,
nós mesmo tentamos, imaginativamente, preenche-las com certos significados, de certo
modo tentamos reestrutura-las, por vezes com os próprios resquícios do passado;
porém, não para vivê-los como no passado eram vividos, tentamos vivê-los a nosso
modo, com a força numinosa de individualidades espirituais irrepetíveis que somos;
utilizando os símbolos herdados e outros criados, como matrizes de intelecções, que nos
fazem lembrar de que não somos o centro do mundo, apesar de nos sentirmos como tal;
nos trazendo à lembrança de que outros também tiveram tal sentimento, no entanto,
eles passaram, assim como nós passaremos e aqueles que virão após também passarão.

Por conseguinte, postos esses prolegômenos filosóficos, cabe especificar, onde


cabe a compreensão dos símbolos da Roma Antiga, enquanto matrizes de intelecções,
para a compreensão de uma série de filmes infanto-juvenis da chamada "Cultura POP
contemporânea"?. Com efeito, talvez um leitor ou telespectador pouco atento, ou pouco
familiarizado com o que se chama de história antiga, especificamente, com a chamada
história antiga do período clássico europeu, pode se deparar com uma obra
cinematográfica como Jogos Vorazes e não se atentar para as sutis referências históricas
que a autora impregnou na obra escrita e foi comumente respeitada nos filmes.

Porém, cabe pontuar que, neste breve trabalho, não se intenta afirmar que tanto
os produtores e diretores dos filmes quanto a autora dos livros, criaram estruturas
ficcionais, sob todos os aspectos, baseadas tão somente em elementos histórico-culturais
da Roma Antiga, o que seria por demais simplório e reducionista; mas, trata-se de
compreender que, sobre muitos outros aspectos, tais elementos se fazem presentes.

De fato, muitas vezes para criar uma obra literária, por vezes, muitos escritores e
escritoras podem recorrer à elementos de cunho historiográfico, principalmente se
quiserem facilitar uma certa ambientação mais verossímil com a história que pretendem
narrar, especialmente aquelas de cunho histórico. No entanto, na obra em questão, a
autora também buscou a utilização de certos elementos historiográficos, porém, não
para situa-los em um passados distante, mas para ressignificá-los, imaginativamente, em
uma obra ficcional situada em um futuro distante; aqui se insere propriamente a questão
da recepção e usos do passado. Para uma maior compreensão da obra cinematográfica
em suas nuances simbólicas, a utilização dos símbolos aqui será dividia em duas
categorias, a saber, a dos símbolos de uso coletivo ou sociais e a dos símbolos de uso
individualizado,isto é, que visam marcar características individuais de certas
personagens.

Salientando que a ordem expositiva aqui adotada não segue, necessariamente, a


ordem seguida na obra.

Primeiro tratemos dos símbolos de uso coletivo. Tomando o primeiro símbolo


que pode ser elencado, este é o símbolo do pão. Alimento fundamentalmente
importante, parte da dieta dos romanos na antiguidade, sendo consumido
ostensivamente; era costume sua distribuição pelo Estado como também, em certos
períodos, por particulares abastados à população de Roma. Era comum que tal
distribuição também ocorresse em períodos festivos e em eventos públicos, onde
grandes quantidades de pão eram distribuídas à população, especialmente, em
espetáculos de circo, bigas e, principalmente, aos espectadores das lutas de
gladiadores; não por outro motivo o nome da nação na obra é Panem, que em latim quer
dizer pão.

Assim, de modo sutil a autora estabelece a primeira relação analógica


intelectiva, pão e circo.

O segundo símbolo é o de sacrifício, utilizado pela autora para tratar dos


tributos. Jovens escolhidos para lutarem entre si, até a morte, tendo todas as suas ações
e falas registradas, não mais por um público reunido em um estádio, mas sendo
televisionados e assistidos por milhões de telespectadores em todo o país. Jovens que
sabiam de sua morte iminente, tanto pelas mãos daqueles que assim como eles lutavam
pela sobrevivência, quanto pelos perigos e armadilhas postas pelos organizadores dos
jogos no campo de batalha, para aumentar a intensidade da carnificina. Em verdade, o
lugar onde os jogos aconteciam se constituía como uma grande arena, possuindo várias
ambientações, uma espécie de jaula a céu aberto, que se estendia por centenas de
quilômetros, mas que, ao mesmo tempo, era o palco para os sacrifícios humanos.

O terceiro símbolo é o de Império, através lógica de dominação da capital. De


fato, tanto os livros quanto os filmes, não dão muitos detalhes sobre as particularidades
ou a denominação oficial do sistema político de Panem, muito embora a denominação
dada ao principal líder do país seja o de presidente, fato que leva a crer, ao menos
superficialmente, que o regime seja algo que, por falta de um nome mais adequado, seja
uma República. No entanto, não se deve concluir, equivocadamente, que o nome oficial
que um estado dê a si mesmo, defina, substancialmente, sua dinâmica e consistência
internas; tendo em vista que até mesmo na história da Roma Antiga, Augustus, o
primeiro imperador de Roma, ao assumir e exercer um poder nunca antes vista em
Roma até então, conservou, durante seu reinado, a denominação oficial de Roma como
República, além de conservar, mesmo que nominalmente, certas instituições romanas
tradicionais como o senado, ainda que esvaziado de muitas de suas funções primordiais.
Logo, apesar de receber o título de presidente, Coriolanus Snow exerce um poder muito
semelhante ao de um Imperador autocrático, muito além de um mero ditador; tendo a
política interna de Panem um forte peso de um Estado Imperial altamente centralizado e
controlador, que se comporta em relações aos distritos a partir de uma lógica colonial,
considerando um cidade central orbitada por seus satélites.

O quarto símbolo é o do divertimento ou entretenimento baseado em uma


cultura de morte. Mesmo considerando toda a justificativa política para a existência dos
jogos, a mesma é perpassada por outras dimensões, especificamente de cunho cultural.
Entrecortadas por noções de bravura, honra, sacrifício e afins, a apoteose dos jogos
vorazes se assemelha, analogamente, as lutas de gladiadores na Roma antiga, que
matavam e morriam para o divertimento e entretenimento da massa, da qual podia cair
nas graças ou obter a reprovação que podia lhes custar a vida; além de serem obrigados
a saudar à César como o símbolo máximo da glória e da grandeza de Roma,
comumente diziam: Nós, que vamos morrer o saudamos.

Assim, nos jogos vorazes, os tributos também eram saudados e ovacionados pelo
povo, igualmente deveriam saudar à capital, na figura do líder supremo , o presidente
Coriolanus Snow, que mesmo possuindo o título de presidente, na prática, tinha
poderes semelhantes aos de um Imperador, ou uma espécie de César distópico ou nem
tanto assim.

Aqui, fecha-se o círculo dos símbolos sociais ou das analogias de uso coletivo,
que podem ser consideradas como uma ressignificação da política de Panem et
Circenses Populo, da Roma Antiga, isto é, Pão e Circo para o povo. Agora passemos ao
segundo círculo de símbolos de uso em personagens individuais.

Katniss Everdeen, garota pobre do distrito doze, dotada de forte senso de dever e
amor pela família, que se constituía por sua mãe e irmã mais nova. Para não ver sua
família morrer de fome. Katniss costumava caçar nas florestas adjacentes a sua casa;
buscando pequenos roedores, aves e demais animais de pequeno porte, que ora serviam
para alimentação de sua família, ora eram trocados por outros alimentos e objetos de
necessidade doméstica. Katniss se especializou no uso do arco e fecha, que se constituiu
como sua principal vantagem e especialidade de defesa durante os jogos vorazes; sem
embargo, é emblemática e notória a associação que pode ser feita entre Katniss e a
deusa romana Diana, que em sua versão grega é Ártemis, a caçadora.

Coriolanus Snow, o presidente de Panem é uma figura emblemática, uma misto


de líder político astuto, com um intensa noção estrutural e conjuntural da política
interna do país que comanda. Um espécie de imperador sem título e sem coroa, que,
sobre a égide de um título presidencial, exercer um poder formidavelmente monstruoso
sobre o país. A ideia de um líder perspicaz e abordada nos livros quanto mantida no
filmes; no entanto, cabe salientar que, existe, na historiografia, uma referência a um
personagem histórico da Roma Antiga que foi o general Caius Martius Coriolanus, não
se sabe em detalhes as particularidades da vida deste personagem; constam referências
nas obras de Plutarco, entretanto, modernamente, a figura do geral foi utilizada por
Willian Shakespeare para caracterização de personagem homônimo, em sua peça,
Coriolano. Na interpretação dada por Shakespeare, o general também se constituem
como uma figura proeminente no cenário da Roma Antiga, especificamente da fase
republicana, porém devido à reveses político e militares encontra seu fim tragicamente
nas mãos de uma multidão enfurecida; curiosamente Collins utiliza essa versão para
traçar o fim do líder supremo de Panem, que após a revolução que o derruba o mesmo
encontra seu fim nas mãos de uma multidão enfurecida.

O terceiro símbolo individual aqui selecionado é o do colaborador do círculo de


poder, na obra é representado pelo personagem Sêneca Crane, que é um dos produtores
e gestor dos jogos; sendo obrigado pelo presidente Coriolanus Snow, a tirar a própria
vida, ingerindo certas frutas venenosas devido ao fracasso deste na administração dos
jogos naquele ano; fracasso esse que desencadeou a série de acontecimentos políticos
desdobrados ao longo da trama, culminado na revolução. Vale ressaltar que a morte de
Sêneca Crane foi emblemática na medida em que o mesmo foi vítima da vingança e do
ódio sarcástico de Snow, que obrigou o mesmo a ingerir as tais frutas venenosas, sendo
tais frutas as mesma que seriam utilizadas pelos personagens principais Katniss e Peeta ,
na tentativa de tirar a própria vida ao final dos jogos, fato que se ocorresse seria uma
quebra das regras estabelecidas pela capital de que deveria ter apenas um vencedor; tal
fato obrigou a administração dos jogos a interferir, e informar que, excepcionalmente,
naquele ano, haveriam dois vencedores, atitude tempestiva adotada por Sêneca para que
os dois finalistas não se suicidassem. No entanto, tal atitude provou a ira de Snow, que
interpretou o ato de Katniss como insubordinação e desafio à capital e, em relação à
Sêneca Crane, como fraqueza.

Cabe salientar a sutil utilização desse personagem pela autora, tendo em vista
que Sêneca também foi o nome de um dos maiores filósofos estoicos da Roma Antiga,
que fora preceptor do imperador Nero, e o instruiu nos primeiros anos de seu reinado,
entretanto, anos depois, fora obrigado pelo imperador a se suicidar, após aquele acusa-lo
de participar de uma conspiração política para derruba-lo.

CONCLUSÃO

De fato, não se pode afirmar que tanto a autora dos livros quanto os produtores
dos filmes tenham utilizado e estruturado suas produções baseados em símbolos,
conceitos, noções e personagens da Roma Antiga, o que seria subestimar por demais a
capacidade criativa dos mesmo. No entanto, não se pode negar a presença deste
elemento estruturante sobre certos aspectos, haja vista a escolha por denominar muitas
das personagens com nomes de origem latina. De fato e com efeito, por serem obras
ficcionais que sintetiza elementos simbólicos e históricos, com toque de tecnologismo
futurista, é perceptível uma certa atitude em preservar uma noção da fragilidade humana
perante as forças da natureza, como também perante o cosmo, incluindo aí, os sistemas
de coisas humanas. Através de um jogo dialético entre poder e fraqueza, tecnologia e
primitivismo, riqueza e miséria, balizado pelas paixões mais baixas como pelas virtudes
mais elevadas, o drama humano no cosmo e os possíveis rumos da sociedade.
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