Você está na página 1de 50

Material para educadores

A leitura do mundo pelo Espelho Mágico de Mario Quintana


EDUCATIVO
NÚCLEO

CCMQ
Um coelho branco é tirado de dentro Alguns deles não chegam a concluí-la,
de uma cartola. E porque se trata de mas outros se agarram com força aos
um coelho muito grande, este truque pêlos do coelho e berram para as pesso-
leva bilhões de anos para acontecer. as que estão lá embaixo, no conforto da
Todas as crianças nascem bem na pelagem, enchendo a barriga de comida
ponta dos finos pelos do coelho. Por e bebida:
isso elas conseguem se encantar com
a

— Senhoras e senhores — gritam eles —,


a impossibilidade do número de mágica
estamos flutuando no espaço!
a que assistem. Mas conforme vão a

envelhecendo, elas vão se arrastando Mas nenhuma das pessoas lá de baixo se


cada vez mais para o interior da pelagem interessa pela gritaria dos filósofos.
do coelho. E ficam por lá. Lá embaixo é
a

— Deus do céu! Que caras mais barulhen-


tão confortável que elas não ousam mais
tos! — elas dizem.
subir até a ponta dos finos pêlos, lá em a

cima. Só os filósofos têm ousadia para E continuam a conversar: será que você
se lançar nesta jornada rumo aos limites poderia me passar a manteiga?
da linguagem e da existência.

JOSTEIN GAARDER,
O mundo de Sofia (1998)

2
Sumário Proposições/Atividades

38
A escrita de si
Apresentação Explorando a autoficção

12 A Casa
50 Monstruário
Sou meu próprio Frankenstein

14 O poeta
60 Novas definições
para um glossário criativo

68
Meu quarto,
Seção especial minha vida
Arquelogia pessoal

90 82
Revoada
Literatura surda A transformação
do papel em passarinho
Material para educadores
A leitura do mundo
pelo Espelho Mágico
de Mario Quintana

Queride Educadore,

Em comemoração ao nascimento de
Mario Quintana, o Núcleo Educativo
da Casa de Cultura Mario Quintana
apresenta este Material Educativo com o
objetivo de possibilitar uma abordagem
lúdica, livre e criativa sobre a poesia, a
vida e o legado de Quintana.

Direcionado a educadores, estudantes


de todas as idades e a todos aqueles que
têm curiosidade em conhecer mais sobre
o poeta, este material de apoio pode ser
usado em sala de aula, em casa e também
em uma visita à nossa instituição. Contém
atividades que podem ser realizadas
antes, durante e depois da ida à Casa de
Cultura Mario Quintana.

6 7
Reunindo imagens e informações Sobre esse aprofundamento,
sobre o escritor, traz possibilidades ele continua: É um
de abordagens pedagógicas aprofundamento da visão
fundamentadas em relações que a gente tem da vida. E um Os poemas são pássaros que chegam
entre diferentes linguagens. aprofundamento em si mesmo.
Intencionamos que o material seja A poesia, para mim, é um
não se sabe de onde e pousam
um ponto de partida para o debate instrumento de reconhecimento no livro que lês.
da obra do poeta e do universo de do meu mundo, do mundo dos
questões suscitadas por ela. outros, e, talvez, dos outros
Quando fechas o livro, eles alçam voo
mundos.¹ como de um alçapão.
É nosso objetivo contribuir para a
instrumentalização dos educadores Justamente, este Material
Eles não têm pouso
para que possam trazer seus Educativo procura incitar esse nem porto
alunos para a Casa de Cultura, movimento de reconhecimento:
adaptando e modificando as ideias de si, do outro e dos eternos
alimentam-se um instante em cada
e provocações que este Material mundos possíveis que a par de mãos
suscitar. imaginação pode abrigar. Afinal,
é essa a descoberta que instiga
e partem.
A partir das palavras do poeta, para a poética de Quintana. E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
quem a poesia não seria uma fuga
da realidade, como muitos pensam Refletindo sobre a natureza dos
no maravilhado espanto de saberes
e sim um aprofundamento da visão poemas, o autor escreve: que o alimento deles já estava em ti... ²
da realidade, esperamos incentivar
o prazer pela leitura e pela
criação poética, entendidas como
instâncias de desenvolvimento
da sensibilidade humana e da
percepção crítica do mundo. ¹ Entrevista concedida a Araken Távora, ² Mario Quintana, Esconderijos do tempo,
veiculada no Programa Encontro Marcado 1980.
(TVE) nos anos 1990 Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=ujJHrfxuwyc>.
8 9
Nesse poema, Quintana declara Análogos à poesia, os
seu posicionamento sobre a processos de aprendizagem
relação entre o leitor e a poesia. configuram-se como
Partindo da metáfora dos pássaros, conversas imprevisíveis,
o autor condensa as ideias de livres das amarras de um
liberdade, voo, imprecisão e roteiro e abertas a surpresas.
transitoriedade. Em seu desfecho, Desafiando, invariavelmente,
o texto revela que a leitura do os estudantes a remexerem em
poético parte de um diálogo seus próprios baús de espantos.
íntimo e cúmplice entre aquele
que lê e o lido. E reconhece, Assim, as propostas de
no leitor, uma potência criativa, atividades aqui reunidas
afirmando-o como um descobridor funcionam como sugestões
do não-pensado existente em si de abordagem da obra de
mesmo, e não um mero decifrador Quintana, não esgotadas em si
de códigos. mesmas, e permeáveis a serem
transformadas e adaptadas
Com esse pensamento, damos às mais plurais realidades
abertura ao Material Educativo as quais elas cheguem.
sobre o poeta, defendendo nossa
aposta na educação como
instrumento ativo de criação e Boa leitura!
transformação da sociedade, um
processo no qual todos envolvidos,
educadores e educandos, ensinam Núcleo Educativo
e aprendem uns com os outros, Casa de Cultura
em diálogo constante. Mario Quintana

Foto de Rodrigo Tetsuo Argenton

10 11
Casa de Cultura
Mario Quintana
(Inaugurada em 25 de setembro de 1990)

Cartão postal de Porto Alegre, a Casa de


Cultura Mario Quintana (CCMQ) foi um
dia o Majestic Hotel, construído entre
1916 e 1933. Unindo a arrojada arquitetura
de Theodor Wiederspahn (Alemanha,
1878—1952) a uma complexa engenharia,
o prédio se destaca pelo uso inovador
do concreto armado e pelas passarelas
aéreas, inéditas na cidade. Em 1982,
tombado como patrimônio histórico,
foi adquirido pelo Banrisul. A convite
A casa
da Associação dos Amigos da Casa de
Cultura Mario Quintana (AACCMQ),
os arquitetos Flávio Kiefer e Joel Gorski
transformaram o antigo hotel em centro
cultural, inaugurado em 1990. Hoje, a
CCMQ integra a Secretaria do Estado da
Cultura do Rio Grande do Sul e é uma das
Mario Quintana na inaguração da
maiores instituições culturais do Brasil. Casa de Cultura Mario Quintana, 1990.
Núcleo de Acervo e Memória da CCMQ.
13
Mario Quintana
(Alegrete, 1906 - Porto Alegre, 1994)

Conhecido como o “poeta da


simplicidade”, Mario Quintana é, na
verdade, um singular escritor com domínio
consciente e sofisticado da linguagem
poética. Dedicou-se ao jornalismo e
ganhou notoriedade no jornal Correio
do Povo, com a publicação de prosas
poéticas da sua famosa coluna Caderno
H. Além disso, foi um impecável tradutor,
responsável pelas versões em português
de mais de 130 livros, de autores como
Marcel Proust e Virginia Woolf. Estreou
O poeta
na literatura, em 1940, com A Rua
dos Cataventos. Foi considerado, na
década de 1980, o “Príncipe dos Poetas
Brasileiros” e recebeu o Prêmio Machado
de Assis pelo conjunto de sua obra e o
Prêmio Jabuti de Personalidade Literária
do Ano, entre outros reconhecimentos.
No Majestic, viveu entre 1968 e 1980.
Hoje, é possível visitar uma reconstituição
do seu quarto, no segundo andar da CCMQ.
Mario Quintana. Fotógrafe não
identificade. Acervo do IMS.
14 15
A infância do poeta
Mario de Miranda Quintana nasceu
no interior do Rio Grande do Sul, em
Alegrete, no dia 30 de julho de 1906.
Apelidado de “menino azul”, por ter
nascido prematuramente e em uma
noite muito fria, passou a infância
dentro de casa. Foi uma criança
com uma saúde frágil. Filho de Celso
de Oliveira Quintana e Virgínia de
Miranda Quintana, teve como irmãos
mais velhos Marieta e Milton.

Depois dele, ainda teria um irmão


caçula, Celso. Quintana vive toda a
infância em Alegrete, num casarão
de esquina, e aprende a ler com os
pais, soletrando as manchetes do
jornal Correio do Povo. Aprende
francês em casa. Também com
o apoio dos pais, terá mais tarde
acesso à poesia. Enquanto o pai Alegrete Porto Alegre

lhe recita o episódio do Gigante


Adamastor, dos Lusíadas, de
Camões, a mãe, educada no
Uruguai, declama Espronceda e
Bécquer.
Mapa do Rio Grande do Sul, indicando Mario Quintana, com dois anos.
a capital, Porto Alegre, e a cidade onde Núcleo de Acervo e Memória da CCMQ.
nasceu Mario Quintana, Alegrete.
16 17
A INFÂNCIA DO POETA

Mario Quintana, à esquerda, com sua


mãe Virgínia e seu irmão Celso. Cia
Jorn Caldas Junior. Data desconhecida.
18 19 Núcleo de Acervo e Memória da CCMQ.
A INFÂNCIA DO POETA

Em 1919, vai para Porto Alegre


estudar no Colégio Militar. Inicia
suas primeiras composições
literárias na Revista Hyloea,
produzida pela Sociedade
Cívica e Literária da Escola
Militar. Mesmo sem demonstrar
interesse pelas disciplinas
militares, é promovido a cabo
de esquadra. O desempenho
escolar, no entanto, despenca: é
aprovado com o grau mínimo em
português, aritmética e geografia,
e reprovado em desenho.

Novamente reprovado em
segunda época na disciplina de
desenho, desliga-se do Colégio,
a pedido do pai. Mergulha na
leitura dos novelistas russos,
poetas simbolistas franceses
e revistas de arte europeias,
sendo assíduo frequentador da
Biblioteca Pública do Estado. Em
janeiro, desiste do Colégio Militar,
sem completar os estudos —
o que jamais fará.

Mario Quintana criança. Mario Quintana com uniforme do


Núcleo de Acervo e Memória da CCMQ. Colégio Militar de Porto Alegre, Cia
Jorn Caldas Junior. Data desconhecida.
20 21 Núcleo de Acervo e Memória da CCMQ.
A entrada na literatura VIDA PROFISSIONAL

Inicia sua atividade no local onde Começa também a colaborar com


depois iria empregar-se como a Revista do Globo, importante
tradutor — a Livraria do Globo — periódico publicado pela Livraria e
mas como desempacotador de Editora Globo. Participa, em 1930,
livros. Retorna a Alegrete para como voluntário das tropas que vão
trabalhar com o pai na farmácia levar Getulio Vargas ao poder, indo
deste. Falece sua mãe, em 1926. para o Rio de Janeiro, onde fica por
a seis meses. No retorno à capital
Em 1927 é premiado em concurso gaúcha, retoma o trabalho n’O
de contos do Diário de Notícias, Estado do Rio Grande, onde fica
importante jornal de Porto Alegre, até o jornal ser fechado por ordem
com o texto A sétima personagem. de Flores da Cunha, nomeado
Voltando a Porto Alegre, retoma interventor federal em 1930.
A Livraria do Globo, em 1925. Mais Capa da primeira edição
sua atividade na Livraria do Globo, tarde, se consolidou como “a cidade da Revista do Globo, de 1929.
dos livros”. Fotógrafe não identificade. Ilustração por Sotero Cosme.
trabalhando na seção de literatura Em 1934, tem a primeira publicação
estrangeira. Perde o pai. Tem um uma tradução sua: Palavras e
poema publicado na revista Para Sangue, do italiano Giovanni Papini.
Todos, do Rio de Janeiro, dirigida Publica também seu primeiro
pelo escritor gaúcho Álvaro Moreyra. poema no jornal Correio do Povo,
Volta a Alegrete, passando a residir onde permaneceria pelas próximas
com o seu irmão Milton. décadas. Em nova investida no Rio
a de Janeiro, vai trabalhar no Gazeta
No ano de 1929, retorna em definitivo de Notícias. Também publica
a Porto Alegre, empregando-se poesias em outro jornal carioca, o
como copidesque do jornal O Estado Diário de Notícias, por influência
do Rio Grande, dirigido por Raul Pilla, da poetisa Cecília Meireles, quem
destacado líder político gaúcho. havia conhecido na cidade.
Capa da revista Para Todos, de 1926. Capa da primeira edição traduzida de
Ilustrações por J. Carlos. Palavras e Sangue, de Giovanni Papini.

22 23
VIDA PROFISSIONAL

Tem início oficial sua longa


carreira de tradutor para a Editora
Globo, sendo responsável pelas
versões em português de grandes
escritores como Virginia Woolf,
Honoré de Balzac, Graham
Greene e Marcel Proust. Publica
poemas na Revista Ibirapuitã, de
Alegrete. Dentre os admiradores
dessas poesias, destaca-se
Monteiro Lobato.

Virgina Woolf (Inglaterra, 1882-1941)


Em 1940, publica seu primeiro retratada por George Charles Beresford,
em 1902. De caráter modernista, Woolf
livro: A Rua dos Cataventos, foi uma das principais vozes do período
entre-guerras, tendo integrado o Grupo
com sua produção em sonetos. de Bloomsbury e fundado a importante
editora Hogarth Press.
Começa a publicação, na
Revista Província de São Pedro,
dos textos do Caderno H.
Esta produção teria posterior
continuidade no jornal Correio do
Povo, e mais tarde lançada em
livro. Publica o livro Canções,
em 1945, ainda com versos
metrificados, mas já com outros
modelos poéticos, com temas ora
melancólicos, ora divertidos.

Mario Quintana, 1966.


Fotográfo desconhecido. Capa do livro A rua dos cataventos, de
Núcleo de Acervo e Memória CCMQ. Mario Quintana, publicado em 1940 pela
Editora da Livraria do Globo. Núcleo de
24 25 Acervo e Memória da CCMQ
VIDA PROFISSIONAL

No caminho da
consagração
Em 1948, saem duas novas
publicações, uma de poemas e
prosa poética, chamado Sapato
Florido, e outra dedicada ao
público infantil, O Batalhão
das Letras. Cinéfilo, participa
também da fundação do Clube
de Cinema de Porto Alegre.

Durante a tradução do livro


Capa do livro Sapato Florido, de Mario
A Fugitiva, de Proust, perde Quintana, publicado em 1948 pela
Editora Globo.
algumas folhas de texto já
traduzido, que voam pela
janela da pensão onde morava.
Desculpa-se com o editor,
valendo-se para isso de
sua verve poética: a f ug i t i va
f ug i u pe l a j a ne l a !
Em 1966, quando completou 60
anos, vê editada sua primeira
Em 1950, publica O Aprendiz
publicação fora do estado: a
de Feiticeiro, pela Editora
Antologia Poética, coletânea de
Fronteira, de Porto Alegre. No
poesias já publicadas e textos
ano seguinte, apresenta seus
inéditos. Em dezembro, recebe
poemas em forma de quarteto,
o Prêmio Fernando Chinaglia de
no livro Espelho Mágico,
Capa do livro Espelho Mágico, de Mario melhor livro do ano. Mario Quintana, por Dulce Helfer.
publicado pela Editora Globo. Quintana, publicado em 1950 pela
Editora Globo.
26 27
VIDA PROFISSIONAL

Prêmios e
reconhecimentos
Em 1967, recebe o título de Publica Caderno H, em
Cidadão Honorário de Porto 1973. Ao completar setenta
Alegre, outorgado pela Câmara anos, recebe inúmeras
de Vereadores. É nessa ocasião homenagens. Entre elas,
em que profere as seguintes a medalha Negrinho do
palavras: Antes, ser poeta era um Pastoreio, do Governo do
agravante; depois, passou a ser Rio Grande do Sul. Publica,
uma atenuante, mas diante disso, nesse mesmo ano, o livro
vejo que ser poeta é agora uma Apontamentos de História
credencial. Sobrenatural, pelo qual
recebe o Prêmio Pen Clube
No ano seguinte, é homenageado de Poesia Brasileira.
com uma placa em bronze na
praça principal de Alegrete, Em 1978, perde a irmã. Em
onde estão inscritas as suas 1980, edita Esconderijos do
palavras: Um engano em bronze Tempo. Recebe o Prêmio
é um engano eterno. Morre seu Machado de Assis, da
irmão, Milton. Quintana passa a Academia Brasileira de
residir no Hotel Majestic, onde Letras. Estreia o espetáculo
fica até 1980, quando o prédio A estrela e a Sucata, baseado
é vendido ao Banrisul. Depois em seus poemas, e montado
disso, vai morar em outros por sua sobrinha, Elena
hotéis da cidade. Quintana, que seria sua
principal companhia nos
próximos anos.
Mario Quintana, por Dulce Helfer.

28 29
VIDA PROFISSIONAL

No dia 8 de julho de 1983 é No ano de 1988, convidado Depois de uma rápida


promulgada a Lei 7.803, que dá por diversas personalidades, internação, falece no dia 5
seu nome à instituição cultural recusa indicação para de maio de 1994, aos 87 anos,
instalada no prédio do antigo concorrer novamente devido à uma falência múltipla
Hotel Majestic, tombado como na eleição da Academia de órgãos.
patrimônio histórico em 1982. Brasileira de Letras, onde
Para saber mais:
Nasce a Casa de Cultura Mario poderia ocupar, sem disputa,
CARVALHAL, Tania Franco. Mario Quintana:
Quintana, mais importante a cadeira do amigo Vianna poesia completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar,
2005.
centro cultural do estado do Moog. É eleito Príncipe dos
STEEN, Edla Van. Viver e Escrever. Porto Alegre:
Rio Grande do Sul. Poetas Brasileiros, sucedendo L&PM Editores, 1981.

outros autores como Olavo Mario Quintana. Coleção Autores Gaúchos.


Antigo Majestic Hotel. Fotografia de Galeano Edição do Instituto Estadual do Livro. Porto
Nesse ano, Quintana lança Rodrigues, 1972. Acervo do jornal Zero Hora. Bilac e Olegário Mariano. Alegre: IEL/Corag, 2000.

novo livro de poemas infantis, Publica novo livro com


O sapo amarelo — que vai ser poemas inéditos, Velório sem
o mais vendido na 30a Feira do Defunto, e tem seu texto
Livro de Porto Alegre. infantil, Lili Inventa o Mundo,
adaptado para o teatro.
Recebe o título de Doutor
Honoris Causa pela O ano de 1994 inicia com o
Universidade Federal do lançamento, pelo Instituto
Rio Grande do Sul (UFRGS), Estadual do Livro, de conjunto
Universidade do Vale do Rio de poemas de Quintana
dos Sinos (Unisinos), Pontifícia musicados pelo maestro
Universidade Católica do Adroaldo Cauduro, chamado
Rio Grande do Sul (PUC-RS), Cantando o imaginário do
Universidade Estadual de poeta. Publica seu último livro,
Campinas (UNICAMP) e pela Sapato Furado.
Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
Capa do livro Poesias, de Mario Quintana, Mario Quintana, por Dulce Helfer.
30 publicado pela Editora Globo em 1972. 31
Publicações de Mario Quintana

Poesia Principais traduções


A Rua dos Cataventos – 1940 Giovanni Papini. Palavras e Sangue
Canções – 1946 Joseph Conrad. Lorde Jim
Sapato Florido – 1948 H. de Vere Stacpoole. A Laguna Azul
O Aprendiz de Feiticeiro – 1950 Lin Yutang. A importância de Viver
Espelho Mágico – 1951 Vicki Baum. Hotel Shangai
Caderno H – 1973 Guy de Maupassant. Contos
Apontamentos de História Sobrenatural – 1976 Charles e Mary Lamb. Contos de Shakespeare
A vaca e o hipogrifo – 1977 André Maurois. Os Silêncios do Coronel Bramble
Esconderijos do tempo – 1980 André Gide. A Escola de Mulheres
Baú de Espantos – 1986 Virginia Woolf. Mrs. Dalloway
Da preguiça como método de trabalho – 1987 Charles Morgan. A Fonte
Preparativos de Viagem – 1987 Mme. De La Fayette. A Princesa de Clèves
Porta Giratória – 1988 Rosamond Lehmann. Poeira
A cor do invisível – 1989 Beaumarchais. O Barbeiro de Sevilha
Velório sem defunto – 1990 Marcel Proust. Em Busca do Tempo Perdido
Água (póstumo) – 2001 W. Somerset Maugham. Confissões
Honoré de Balzac. A Comédia Humana
Aldous Huxley. Duas ou Três Graças
Para crianças
Voltaire. Contos e Novelas
O Batalhão das Letras – 1948 Graham Greene. O Poder e a Glória
Pé de pilão – 1975 Pearl S. Buck. Debaixo do Céu
Lili inventa o mundo – 1983
O Sapo amarelo – 1984
Sapato furado – 1994

32 33
PARA IR ALÉM POESIA HOJE

Poetas Diversos foi uma mostra de escritores mais experientes. O coletivo Poetas Vivxs é uma agentes culturais e professores, que
vídeos de poesias autorais inéditas iniciativa cultural afrocentrada que abordou pautas emergentes em
criadas especialmente produzidas Anunciada na semana do aniversário busca formar, divulgar e fortalecer âmbitos escolares como racismo,
para o projeto. Veiculada no de Mario Quintana, poeta patrono artistas negres. Com foco na saúde mental, afeto e autoestima.
Instagram da CCMQ, a programação da Casa, a programação destacou Literatura Marginal, na educação Também realiza oficinas, slams,
foi publicada no mês de agosto de a potência da palavra escrita em antirracista e nas músicas de e lança músicas e produções
2020 e teve sua segunda edição diálogo transversal com outras empoderamento, o coletivo tem audiovisuais nas plataformas digitais.
em 2021. Contemplando poetas linguagens, como a performance, uma atuação ampla, em diversas | Acompanhe: <instagram.com/
reunidos pela ideia da diversidade — artes gráficas, artes cênicas e a frentes. Promove atividades como poetasvivxs/> | Veja o documentário
não apenas estética, mas de etnia, realização audiovisual. | o curso Formando Multiplicadores Tem preto no sul (2021): < https://
expressão de gênero e social, a Veja as duas edições em: de Cidadania, projeto de formação www.youtube.com/watch?v=VB_
mostra integrou jovens escritores e <instagram.com/ccmarioquintana> continuada para educadores sociais, Z0qS8Elw>

34 35
Proposições / Atividades
A escrita de si
Explorando a autoficção¹
Escrever sobre nós mesmos No retrato que me faço
traz alguns desafios. Será - traço a traço -
que a nossa percepção da às vezes me pinto nuvem,
realidade, e de nós mesmos, às vezes me pinto árvore...
corresponde com o que de
fato existe? Podemos confiar às vezes me pinto coisas
no escritor que parte do ponto de que nem há mais
de existência do “eu”? lembrança...
ou coisas que não existem
No poema O auto-retrato [sic], mas que um dia existirão...
de Mario Quintana, publicado
em 1976, a confluência entre a e, desta lida, em que busco
poesia e a própria existência se - pouco a pouco -
misturam. Nele, juntam-se o ato minha eterna semelhança,
de criação da obra poética e o
ato de se construir enquanto no final, que restará?
pessoa²: Um desenho de criança...
Corrigido por um louco!

O auto-retrato, Mario Quintana. Em:


Apontamentos de História Sobrenatural (1976) La Reproduction interdite,
38 39 pelo pintor belga René Magritte, 1937.
A partir deste poema, Outra atividade pode ser a
podemos pensar em vários de convidar os estudantes a
desdobramentos. O que, por se representarem como um
exemplo, podemos entender elemento da natureza. Quais
com esse último verso, em os significados que “pintar-
que, para o eu lírico, restará se nuvem” pode sugerir?
de si apenas “um desenho E “pintar-se árvore”? Com
de criança corrigido por um qual personagem do mundo
louco”? O que diferencia uma natural os estudantes mais se
criança de um “louco”? Quais identificam, e por quê?
são os limites da loucura?
¹ Autoficção: se trata de uma
modalidade literária caracterizada pela
Um caminho para explorar mistura de elementos autobiográficos,
reais, e ficcionais, produtos do
este poema é convidar seus imaginário, no mesmo texto, de modo
que ambos permaneçam indiscerníveis
estudantes a observarem a partir da configuração estética. O
elemento que torna reconhecível toda
seus rostos no espelho por obra autoficcional é a natureza do pacto
de leitura, que é ambíguo, e tem nessa
alguns minutos. Depois, peça ambiguidade uma intencionalidade
que preside à elaboração e deve ser
que se desenhem, sem olhar percebida, necessariamente, pelo leitor.³

para o espelho. Depois, peça


² BEZERRA, Mariana. O ato de criação
que desenhem a si mesmos, dentro do poema “O auto-retrato” de
Mario Quintana. IN: VI Fórum de Lit. Bras.
olhando somente para o e I Fórum de Lit. Port. e Luso-Africanas
(2007). <https://seer.ufrgs.br/NauLiteraria/
espelho, sem olhar para o article/view/5086/2901>.

papel. Como lidam com o ³ SILVA, Edson Ribeiro da. O que é


autoficção? IN: Scripta Uniandrade
imprevisto? Com o traço que (2019). <https://revista.uniandrade.br/
index.php/ScriptaUniandrade/article/
foge do controle? download/1517/1094>

"Retratos cegos" feitos por Alison Kunath


40 <http://www.allisonkunath.com/blind-contour-portraits>
A principal coisa
que me aconteceu
Nunca contamos a mesma a construção das narrativas (...) Nasci em Alegrete, em 30 de julho de 1906.
história duas vezes. Mario que criamos a respeito de Creio que foi a principal coisa que me aconteceu. E agora
Quintana também não contava. nós mesmos? Como vamos pedem-me que fale sobre mim mesmo. Bem! eu sempre
Ele estava sempre narrando nos modificando junto das achei que toda confissão não transfigurada pela arte
histórias sobre a própria vida, histórias que contamos — é indecente. Minha vida está nos meus poemas, meus
seja para jornalistas, para ou, ainda, junto das histórias poemas são eu mesmo, nunca escrevi uma vírgula que
amigos, ou até mesmo nos seus que contam sobre nós? não fosse uma confissão. Ah! Mas o que querem são
livros. E essas histórias estavam detalhes, cruezas, fofocas… (...)
sempre mudando. Quando Uma das narrativas mais Nasci no rigor do inverno, temperatura: 1 grau; e ainda
escrevemos sobre a vida dele, fundamentais da nossa por cima prematuramente, o que me deixava meio
sobre a nossa própria ou de história é aquela que envolve complexado, pois achava que não estava pronto.
outra pessoa, é impossível não o dia em que viemos ao (...) Eram oito horas da noite quando meu
mudar alguma coisa também. mundo. Quais as condições pai chamou minha irmã e meu irmão para dizer que eu
Às vezes é a ênfase que damos que marcaram nosso havia nascido. Eles pediram quatro vinténs para comprar
para alguma cena, às vezes é nascimento? Como fomos rapadura. Foram ao mercado da esquina, que estava
um detalhe que adicionamos, recebidos? O que nossos quase fechando. Por isso souberam da hora. Quer
sobre algo que havíamos pais sentiram naquele dia? dizer, eu fui saudado com duas rapaduras de quatro
esquecido mas que só agora Ou seja: como nossa história vinténs. (...)Prefiro citar a opinião dos outros
nos lembramos. Nessa infinita começou? sobre mim. Dizem que sou modesto. Pelo contrário, sou
contação de histórias, vamos tão orgulhoso que acho que nunca escrevi algo à minha
nos construindo, lembrando Mario Quintana também se altura. Porque poesia é insatisfação, um anseio de auto-
e modificando as nossas perguntava sobre isso. A superação. Um poeta satisfeito não satisfaz. Dizem que
memórias. Isso nos leva à respeito do dia que nasceu, sou tímido. Nada disso! Sou é caladão, introspectivo.
pergunta: de que modo se dá ele nos conta: Não sei porque sujeitam os introvertidos a tratamentos.
Só por não poderem ser chatos como os outros? (...)

42 43
A leitura deste fragmento pode nos levar a dois caminhos. O
primeiro é considerar que tudo que o autor escreveu é verdade;
o segundo, um pouco mais cético, é o que se questiona sobre
o quanto desse relato seria ficcional. Afinal, escrever um texto
autobiográfico sobre momentos da infância exige acreditar na
experiência e na memória dos outros. Quais são as histórias que
nos contam sobre nós mesmos? Como elas nos constituem?

Realidade?
Ficção?
Convide seus estudantes a escreverem sobre a principal coisa
que já lhes aconteceu. Se, como Quintana, escolherem o dia em
que nasceram, proponha que conversem com os pais, avós ou
parentes sobre esse momento. Podem escolher escrever sobre o
melhor dia de suas vidas, também. Quais foram os detalhes que
fizeram aquele dia possível? Como ele transformou os alunos?
Proponha aos estudantes escreverem uma narrativa, atendo-
se ao ambiente, aos personagens e ao conflito central da
história, incluindo nela pelo menos três fatos inventados, além
de verdades. Quando compartilharem seus textos com a turma,
será que vai ser fácil saber o que é verdade e o que é ficção?

44 45
PARA IR ALÉM A ESCRITA DE SI

Farrell Severijns, 28 anos, Islam Shah, 14 anos, Dagmar Vroomen, 64 anos, Notah Backer, 25 anos,
Holanda , professora . Líbano, estudante. Inglaterra , aposentada . Estados Unidos, advogado.

Mohamed Gomez, 12 anos, Rupa Perko, 31 anos, Sarah Michelle, 40 anos, Lucas Bordini, 4 anos,
Argentina , estudante. Paquistão, enfermeira . Austrália , bióloga . Brasil, estudante.

46 47
PARA IR ALÉM A ESCRITA DE SI

Nenhuma das pessoas que imagens, podendo também Estima-se que o StyleGAN nos atentar aos detalhes. É
aparecem nas imagens das controlá-los. Cria-se, a crie, constantemente, um comum que dentes apareçam
duas páginas anteriores são partir disso, imagens em alta rosto novo a cada dois tortos de modos inusitados, ou
reais. Todas as oito fotos resolução que são frutos da segundos. Nesse ritmo, a que brincos apareçam em uma
foram criadas a partir de junção de diversas outras tecnologia artificial pode só orelha. Entretanto, às vezes
uma classe de algoritmos imagens (às vezes quase afetar não só a imagem de nem isso é suficiente para
de inteligência artificial milhares), agora condensadas pessoas mais conhecidas, discernir o que é fotografia
conhecida pela sua sigla em uma só. Elas, contudo, como presidentes e verídica e o que não é. É
em inglês, GAN (Generative mantém, ao olho humano, um celebridades, mas também preciso estar atento, e sempre
Adversarial Network). aspecto de autenticidade - que, ter impactos concretos (e duvidar.
na verdade, não possuem. muitas vezes negativos) na
As Redes Generativas vida de pessoas comuns. A partir deste exemplo,
Antagônicas, como são O site Esta Pessoa Não Existe podemos discutir questões
chamadas em português, disponibiliza, gratuitamente, Esse nível de manipulação referentes ao desenvolvimento
existem desde pelo menos um arquivo infinito de retratos da imagem, inédito até os tecnólogico, pensando sobre
2014 e funcionam através de pessoas cujas imagens dias atuais, gera medos e os limites, as vantagens
de um tipo de sistema foram criadas artificalmente desconfortos. Inclusive, e as desvantagens dessa
de redes chamadas de pelo software StyleGAN. É aqueles que têm menos “evolução”. De que modo a
“neuronais”, que aprendem esse o mesmo reponsável pela acesso à informações sobre manipulação das imagens,
novas informações criação de deepfakes, que essa tecnologia são os que e portanto novas escritas
automaticamente e de modo são videos e audios altamente estão mais vulneráveis aos sobre a realidade, interferem
não supervisionado. persuasivos e realistas, seus maus usos. e modificam a nossa própria
porém completamente falsos. relação com o mundo?
Esse sistema é capaz Foi desse site que tiramos Para identificar se uma
de apreender dados de as fotografias das páginas imagem foi criada por um Para saber mais:

gigantescos grupos de anteriores. software ou não, devemos Site: this person does not exist
<https://thispersondoesnotexist.com/>

48 49
Monstruário
Sou meu próprio Frankenstein
Deve haver tanta coisa desabada
Lá dentro… Mas não sei… É bom ficar
Aqui, bebendo um chope no meu bar…
E tu, deixa-me em paz, Alma Penada!

Não quero ouvir essa interior balada…


Saudade… amor… cantigas de ninar…
Sei que lá dentro apenas sopra um ar
De morte… Não, não sei! não sei mais nada!

Manchas de sangue inda por lá ficaram,


Em cada sala em que me assassinaram…
Pra que lembrar essa medonha história?

Eis-me aqui, recomposto, sem um ai.


Sou o meu próprio Frankenstein – olhai!
O belo monstro ingênuo e sem memória…

XXVI (Deve haver tanta coisa desabada), Mario Ilustração da edição de 1831 de Frankenstein ou o
Quintana. Em: A rua dos cataventos (1940) Prometeu Moderno, por Theodor von Holst.
50 51
MONSTRUÁRIO

Em Deve haver tanta coisa diferentes momentos da vida


desabada, Quintana que, retrospectivamente,
apresenta uma sombria se reagrupam na
reflexão sobre a existência memória, contrariando a
humana. O texto faz parte homogeneidade de uma
do livro de estreia do autor, autoimagem idealizada
A Rua dos Cataventos, e unificada, tornando a
publicado em 1940, em plena compreensão de si complexa
Segunda Guerra Mundial. e multifacetada.

A densidade da atmosfera Estes pedaços vitais são


é aqui evocada a partir de evocados por Quintana na
imagens, metáforas e uma figura do ser monstruoso
referência à célebre obra concebido pelo Dr. Victor
da literatura universal, Frankenstein a partir de
Frankenstein ou o Prometeu partes de vários corpos.
Moderno, da escritora inglesa Anônima, a personagem,
Mary Shelley (1797—1851), no imaginário popular,
publicado pela primeira vez terminou por ser reconhecida
em 1818, quando ela tinha pelo nome de seu criador,
apenas 19 anos de idade. mesmo tendo desenvolvido
uma identidade própria.
Na poesia, saudade, amor Identidade essa que, por
e cantigas de ninar são sinal, acaba por fugir do
palavras representativas de controle de seu criador.

Cena do filme Frankenstein, de 1931, dirigido


por James Whale. Cena completa em: <https://
52 53 www.youtube.com/watch?v=8H3dFh6GA-A>
MONSTRUÁRIO

De certo modo, podemos dizer Para isso, uma boa estratégia


que a criação artística sempre pode ser apresentar algumas
esbarra no Frankenstein: afinal, imagens do monstro,
nos apropriamos dos mais conversando sobre as emoções
diversos elementos para criar que ele suscita e porquê.
algo novo. Propomos, dessa Sentimos medo? Repulsa pela
forma, que os educadores sua aparência? Compaixão?
repensem, junto a seus Empatia? E o que significa,
estudantes, o ato criativo. afinal, ser um monstro? Um
Principalmente aquele que, “belo monstro”, como diz
realizado a partir da mistura Quintana, é possível? Como
de elementos trazidos de lidamos com o que é diferente,
contextos diversos, reúne um com quem é diferente de nós?
novo conjunto. Cartaz da primeira adaptação cinematrográfica Em que medida os padrões de Acima: Boris Karloff como Frankenstein na
da história de Mary Shelley, feita pelo estúdio adaptação de 1931. Abaixo: Mel Brooks na
de Thomas Edison em 1910. Na íntegra em: beleza vigentes interferem nas comédia o Jovem Frankenstein, de 1974.
<https://www.youtube.com/watch?v=w-
Portanto, experimente ler fM9meqfQ4> relações humanas?
e comentar junto a seus
estudantes o soneto XXVI Analise em conjunto com Quais outros personagens
(Deve haver tanta coisa os estudantes quais são fantásticos, seja de livros ou
desabada), de Mario Quintana. os possíveis significados filmes, que os estudantes
Compare com outros textos desse poema de Quintana, se identificam? Quais são as
do poeta. Será que vemos aqui destrinchando o que os camadas desses personagens
uma faceta diferente do que estudantes entendem por que vão além da sua
estamos acostumados? ser o seu próprio Frankenstein. monstruosidade?

54 55
MONSTRUÁRIO

Peça aos estudantes Quais são os seus segredos?


que busquem diferentes Ao final da atividade, esse
referências visuais para a conjunto resultará em um
criação de um autorretrato, Monstruário, que pode ser
transformando a composição embaralhado e exposto para
da própria imagem em a turma de modo que eles
algo fantástico e inventivo, possam ser desafiados a
quem sabe até monstruoso. descobrir quem é o criador e
Quantas diferentes quem é a criatura.
facetas podemos ter? Se
possível, imprima selfies dos Para ir além:

estudantes e incentive-os a Uma chuvosa noite de tempestade


no interior de um castelo inglês no
usarem, além delas, recortes século XVIII foi o cenário em que foi
criada uma das mais famosas histórias
de revistas, jornais e outros de terror da literatura ocidental. Para
atravessar essa intempérie, o dono da
materiais gráficos, partindo propriedade, o escritor Lord Byron,
ícone do romantismo inglês, desafiou
da própria representação da seus convidados a narrar histórias de
fantasmas. E, assim, há mais de 200
realidade para questioná-la. anos, nascia a história de Frankenstein
ou o Prometeu moderno, um clássico
literário que teve diversas adaptações
para o cinema.
Cada imagem pode ser
Além da pesquisa sobre o movimento
acompanhada de um breve do romantismo nas artes visuais e na
literatura, outro tópico de pesquisa
texto que descreve essa pode ser a história de Prometeu da
mitologia grega, uma metáfora sobre os
nova criatura, essa nova riscos e consequências do “avanço” do
conhecimento humano.
representação. Qual o seu
Ao lado: colagem de Claude Cahun,
nome? Do que se alimenta? O intitulada Photomontage for frontispiece
for Aveux non avenus (unavowed
que gosta e o que não gosta? confessions), de 1929-1930.

56 57
PARA IR ALÉM MONSTRUÁRIO

Na obra Homenagem a George figuras de gesso do artista Nesta página, vemos


Segal, a artista brasileira George Segal. A obra foi uma colagens de Linder
Lenora de Barros, de frente fotoperformance feita em Sterling, artista britânica.
para a câmera, escova os 1975, tornando-se sua primeira De cunho feminista,
dentes energicamente. A videoarte em 1990, quando a seu trabalho explora
espuma gradativamente artista repete a ação ao som de questões relacionadas
transborda até cobrir She Loves You, dos Beatles. Em aos padrões de beleza
completamente seu rosto e consonância com a atividade, e ao consumismo
cabeça, conferindo-lhe um podemos pensar: como e no desenfreado, fruto do
aspecto semelhante ao das que a artista se transforma? sistema capitalista.

58 59
Novas definições
para um glossário criativo

Além da espirituosidade, Na poesia A arte poética,


humor e sagacidade, alguns o autor posiciona-se sobre
textos da poética de Quintana a concisão literária: “Esses
são caracterizados pela exímia poetas que dizem tudo/ Nada
capacidade do escritor de conseguem dizer:/ Estão
sintetizar em poucas linhas fazendo apenas relatórios”.
pensamentos complexos,
ou transformar sensível e Grande parte dessa produção
criticamente nossa percepção de textos breves foi publicada
sobre o mundo. na coluna Caderno H,
originalmente veiculada na
Desse modo, muitas de revista Província de São Pedro,
suas criações revelam-se nos anos 1940. Mais tarde,
como afiados e precisos as prosas poéticas ganharam
instrumentos de reflexão sobre as páginas do jornal Correio
a linguagem e sobre a vida. do Povo, popularizando

Detalhe de Objetos gráficos,1967, da artista belga


radicada no Brasil, Mira Schendel.
60 61
definitivamente a literatura de significando “palavra obscura
Mario entre o grande público. ou obsoleta, linguagem, língua”.
Em 1973, Caderno H foi publicado
pela primeira vez como livro. A ideia é que mesmo
palavras que fazem parte
Desta obra, selecionamos textos do nosso cotidiano possam
curtos com astutas e humoradas ser repensadas de modo a
“definições”, conceitos e metáforas abrigar percepções pessoais
que nos provocam a olhar a e humoradas sobre palavras,
realidade de modo novo e a sensações e sentimentos.
romper com o caráter automático
da linguagem e sua relação Para burlar os limites
convencional entre nomes e coisas. da linguagem, dar nome
àquilo que não tem nome,
Nossa proposta, a partir desta recorremos a analogias,
seleção, é explorar os efeitos comparações, neologismos
colaterais da leitura de Quintana: e até gírias. Essa atividade
convidar os estudantes a criar objetiva acionar essas
um “glossário criativo”. categorias da linguagem,
por meio da livre criação.
Em sua acepção original,
a palavra glossário vem do
Para saber mais:
latim e significa “coleção de SILVA, Ângela Maria Garcia dos Santos.
O manual do poeta: Mario Quintana e a
glosas”, sendo o vocábulo criação poética. Mestrado em Letras, 2008.
Em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/bitstream/
“glosa” proveniente do grego e tede/1844/1/399594.pdf>

O Estojo Gráfico (Disco), 1972,


de Mira Schendel.

62 63
INCOR AMIZA
RIG
ÍV O GRA

D
CARTAZ ND
E GLOSSÁRIO CRIATIVO

E:
L PA

E
RA

Qu
SE
:

a nd
O

GR
U
fan

oo
EDO
A
ilê

s
nc i o a d oi s

as m a

FEI
NOTA nã

:
NO o

O
m
T

s
ac

RA

se
U ró

éu
bios s
ão macróbios

tor
O por

D
ex
R

m
LI q ue

n
NA

ib VRO nc

ai
ic io : Os verd ôm


nista adeiro odo
: O

s an

oa
póstumo alfa

cred
CAM be
s i lê n

to
UF s

it a m
LA


c io é

em
POBRES

o
m
E icr

os
:E ó bios

q
um

ue
sp

: A
et

a pr
es


ác

esp

e nd
u lo

A H
AM O R A: São muitos os que m

era
e
orre
pre

ran
O m

m
dil

er

a
ç
R:

l
eto

en


an
ão l
Qu

tes
sr êem
do

um
icos
a nd

RICO

,
ru

ou
S:

u
E b u pin do de verde

tro
oo

ta

s
ep
sp

d
si l ê

oi
et

nc
io a dois se torn s;
ác

ac o d ifí
ul o

ôm cil é a
cer tar a hora
pr

di
od

64 let 65
o do
o

s pobres.
PARA IR ALÉM GLOSSÁRIO CRIATIVO

Em 2019, a obra Voz Ativa: Biblioteca movidos pelos visitantes. Além habitante desse bairro, Lanari como nos conta o site da instituição.
Social, da artista brasileira disso, a instalação contava com constrói uma comunidade "Projetar a vizinhança nos livros é
Mariana Lanari, reuniu mais de recursos em audio, que ficavam a partir desse acervo que uma forma de lembrar a origem desta
8 mil livros que integravam a até ecoando trechos dos livros lidos estava antes às traças. Nesse biblioteca, formada por diversas coleções
então abandonada biblioteca do pelo público. Também continha processo de ativação, as particulares de imigrantes que vieram
Centro Cultural Casa do Povo, em cadeiras e microfones, para que vozes dos visitantes, que para o Brasil fugidos da Segunda Guerra
São Paulo. Organizados no chão os visitantes pudessem contribuir dão vida a esses textos, Mundial nos anos 40 e habitaram o Bom
de acordo com as ruas do bairro com as suas próprias leituras são fundamentais. Afinal, Retiro", complementam.
onde a instituição fica localizada, em voz alta. Ao situar cada livro "uma biblioteca sem leitores
Fotos por Carolina Quintanilha. Mais informações em:
o Bom Retiro, os livros podiam ser como uma casa, ou até como um é apenas um depósito", <https://casadopovo.org.br/voz-ativa-biblioteca-social/>

66
ARQUEOLOGIA PESSOAL

Meu quarto,
minha vida
O que os nossos objetos
contam sobre nós?

Arqueólogos e antropológos, No segundo andar da


há centenas de anos, tentam CCMQ, contamos com uma
decifrar os segredos dos reconstituição do quarto que
povos do passado a partir dos o poeta habitou no Majestic
objetos materiais que foram Hotel, entre 1968 e 1980.
deixados, por eles, para trás. Através da preservação de
Os mais ínfimos detalhes, os seus objetos pessoais, como
resquícios mais minúsculos, sua máquina de escrever
podem abrir chaves de leitura e seus quadros preferidos,
inéditas, capazes de elucidar podemos ter uma ideia de
fatores fundamentais sobre como eram seus gostos, sua
essas pessoas e civilizações. rotina e seu ambiente.

Para saber mais:


Mario Inventa o Mundo (2021), documentário
dirigido por Mirela Kruel. Em: <https://www.
68 youtube.com/watch?v=yrFZxVED3TI> 69
MEU QUARTO, MINHA VIDA ARQUEOLOGIA PESSOAL

O quarto do Mario Quintana


Um dos elementos do quarto
possibilita uma abordagem
de Quintana que mais chamam
lúcida em relação ao exercício
a atenção é a sua máquina de
da arqueologia, que tanto
escrever, hoje um objeto com
se assemelha às funções de
uso obsoleto. Com origem
detetives e investigadores. Mais
na prensa de Gutenberg, em
ainda, há uma camada temporal,
1455, a máquina de escrever
atrelada ao quarto do poeta, que
significou uma mudança
pode também, ser explorada.
Primeiro registro de inscrições em runas. Pente drástica para a escrita. Através
Afinal, a reconstituição que viking feito no ano de 160 d.C., encontrado na
Dinamarca. da passagem do manuscrito à
podemos visitar na CCMQ é
automatização dos registros
como um lugar parado no tempo,
alfabéticos, o modo como
uma cápsula congelada, assim
passamos a pensar também
como estava, para a eternidade.
se modificou. O que antes Anúncio inglês de 1897 de uma máquina de
escrever, ilustrado por Lucien Faure.
levava horas para ser escrito,
Nesse sentido, podemos
poderia ser feito agora em
pensar sobre a história dos
minutos. De longas cartas de
objetos, sobre como o seu
amor, passamos a mandar
desenvolvimento acarretou
e-mails, e hoje, com sorte,
mudanças nos nossos modos e
mandamos uma DM ou um
estilos de vida. Como fazíamos
Whatsapp. Assim, podemos
antes da invenção das escovas
pensar em como o tempo em
de cabelo, por exemplo? E
que vivemos perpassa não só
da geladeira? Como eram os
os acontecimentos históricos
brinquedos das crianças da Pré-
mas também as nossas vidas
História? Quais são as tradições
e trajetórias, nos seus âmbitos
que nós ainda mantemos vivas, Brinquedo de elefante de cerâmica, feito entre Desenho de uma máquina de escrever
os séculos I e IV d.C., na Índia. Acervo do mais íntimos e pessoais. Remington Standard Typewriter no. 2,
através dos nossos objetos? Museu Victoria and Albert, em Londres. fabricada em 1878 nos Estados Unidos.

70 71
MEU QUARTO, MINHA VIDA ARQUEOLOGIA PESSOAL

Se essa rua fosse minha,


seria a dos Cataventos?
Se meu quarto fosse outro,
eu mandava ladrilhar?

A primeira atividade é a
proposição de uma viagem
ao próprio quarto, pensando
nos objetos que ele guarda. Um dos quartos mais famosos da História da
Arte, o quarto de Vincent van Gogh em Arles,
Inspirados pelo texto Viagem na França, segue sendo um dos exemplos mais
ilustre sobre representações do espaço íntimo.
ao redor do meu quarto, escrito Óleo sobre tela, foi feito em 1889.

por Xavier de Maistre em


1794, pergunte a seus alunos: A partir daí, a atividade
como é o seu quarto? O que pode se dar em roda.
faz desse quarto o seu? Qual Individualmente, cada
é o seu lugar preferido: a um apresenta esse seu
cama, o piso, talvez dentro objeto escolhido. Isso pode
do armário? Qual objeto de acontecer também em duplas,
lá de dentro você escolheria ou em grupos. De repente até
como predileto? E qual mais te mesmo em rodízio, trocando
representa? Se o seu quarto componentes dos grupos
ficasse congelado no tempo, para que todos troquem seus
exatamente como está agora, motivos. No fim, o critério de
o que um arqueológo do futuro desenvolvimento final cabe a
Foto de Renato Soares em uma aldeia
iria encontrar? você, educadore. Afukuri, do povo Kuikuro, no Alto Xingu,
Mato Grosso 2012.

72 73
MEU QUARTO, MINHA VIDA ARQUEOLOGIA PESSOAL

Outra possibilidade, em É importante ressaltar que


formato semelhante, é de cada um tem um quarto de
propor um outro processo um jeito, porque cada um de
de dinâmica que seja nós é de um jeito. E isso está
menos pontual, mais geral. ligado com o tempo em que
Realizar duas listas — ou dois viemos ao mundo, às nossas
desenhos, ou uma maquete, famílias e ao nosso passado.
os formatos são infinitos —
primeiro descrevendo o quarto Porém, assim como podemos
atual — tamanho, se divide pintar uma parede do nosso
com mais alguém ou não, quarto, mover os móveis
quais móveis, quais cores que de lugar, ou mesmo nos
compõem o ambiente, etc — mudarmos, eventualmente,
e, por segundo, qual seria o de casa, também podemos
quarto ideal para cada um, ou modificar o que não
cada grupo. gostamos em nós mesmos,
em uma eterna construção e
Esta parte da atividade pode reinvenção do eu.
ser pensada também como
se o aluno tivesse que realizar
um mapa para auxiliar os
arqueológos do futuro sobre o
que eles iriam encontrar.

Detalhes do Quarto do Poeta, na CCMQ,


por Clara Marques, 2021.

74 75
PARA LER JUNTO

Se
você fechar os olhos, você consegue imaginar O mundo é um truque de magia. De dentro da
o seu quarto? Bem, provavelmente sim. Talvez cartola, o mágico tira um coelho gigantesco. As
você já tenha até decorado algumas marcas, crianças, todas, nascem na ponta dos pelos do
na pintura da parede, no armário, na porta — marcas que coelho, admirando a beleza que é esse truque
normalmente não daríamos a menor importância, mas que de magia. Também podem admirar o mundo pelo
para o habitante n.1, são o que distinguem esse lugar de qual o coelho percorre, descobrindo coisas novas.
todos os outros. Só quem mora de verdade em um espaço Entretanto, conforme envelhecem, cada vez mais
sabe os segredos que ele guarda, as histórias que essas se arrastam para o interior da pelagem do coelho.
marcas contam. Mesmo que a gente seja novato, quando Lá embaixo é confortável, não balança como na
por exemplo, acabamos de nos mudar para uma casa nova, ponta dos pêlos, nem há muitas surpresas que
já começamos a deixar marcas nos espaços que habitamos. valham o esforço de subir novamente até lá em cima.
Em meio à pandemia, a normalidade não é uma coisa que Só os inquietos e aventureiros (ou filósofos, como
tem sido fácil de encontrar por aí. Uma volta pela quadra, ele diz) que ousam tentar subir no pelo, procurando
por exemplo, não vem mais sozinha. Vem com o álcool em manter-se admirados pelo mundo em que vivem.
gel na mão, a máscara no rosto e... às vezes com a solidão Os conformados ficam lá embaixo, reclamando:
como companheira, ao invés de uma pessoa amiga (ou uma — Mas que gente barulhenta!
paquera, quem sabe?). Nessa rotina, a gente pode esquecer E seguem com sua habitual conversa:
que gosta de coisas que sempre adoramos. Sabe, tem um — Será que você poderia me passar a manteiga? Qual
escritor norueguês que conta uma história que acho muito a cotação das ações hoje? Qual o preço do tomate?
linda sobre a rotina. Ele escreveu algo mais ou menos assim:
E, é claro, que essas coisas pouco importam
aos que se aventuram na ponta dos pelos.

O mundo de Sofia, Jostein Gaarder (adaptado)

76 77
No fim, acho que essa história não é muito sobre procurar
onde se pendurar ou virar alpinista de coelhos gigantescos.
Penso que seja sobre olhar para aquela marca de pintura
velha na nossa parede e enxergar um rosto, uma praia, um
raio de tempestade; qualquer coisa, menos uma marca
de pintura velha. Eu estou viajando muito? Quero dizer,
o que o texto me provocou a pensar é: as coisas, por
mais banais que possam parecer, são todas incríveis. Um
outro escritor, que talvez você já conheça, teria dito algo
parecido a uma amiga que achou o quarto dele pequeno:

“Eu moro em mim mesmo.


Não faz mal que o quarto seja pequeno.
É bom, assim tenho menos lugares
para perder as minhas coisas.”

Na Casa de Cultura Mario Quintana, que costumava


ser o Majestic Hotel, Mario Quintana morou por mais
O Quarto do Poeta, na CCMQ, por Julian Eilert, 2012,
de 10 anos. Hoje, nós podemos visitar uma réplica
do quarto onde morava. Esse quarto foi feito a partir
Imagine só: e se nós fizéssemos uma réplica do seu
de fotos e com a ajuda da sua sobrinha-neta, Elena
quarto, hoje, exatamente como está? Que objetos
Quintana. Lá, temos vários objetos do escritor, várias
iríamos encontrar? Quais elementos você escolheria
pistas sobre quem ele era e do que ele gostava.
para melhor contar a sua história? Afinal, quem você é?

78 79
PARA IR ALÉM ARQUEOLOGIA PESSOAL

Contar a história de uma vida a a partir de sua dimensão em de família e contas, recibos camiseta? O que estava pensando
partir dos objetos acumulados aparência mais contingente: a de e boletos. Para além da enquanto lia aquele livro? Que tipo de
ao longo dos anos é o mote da seus resíduos materiais. Mais ainda, esfera do consumo, esses criança foi ao jogar com aqueles carrinhos
exposição As Coisas, do artista é a partir dos objetos que estão objetos também servem de brinquedo? Ao fazer a memória (e
carioca Daniel Jablonski. Instalação fora de uso que essa cronologia como poderosos suportes o esquecimento) passar pelo filtro do
multimedia realizada em 2018 na se constrói. Os mais de 3000 narrativos. Trata-se de tentar mundo exterior, a exposição propõe-se
Galeria Janaína Torres, a obra itens vão desde roupas velhas a compreender o que esses menos como o museu pessoal do artista
pretende reconstituir — de forma fotocópias de textos de faculdade, resíduos materiais obrigam e mais como um arquivo comum de uma
quase detetivesca — a cronologia passando por objetos de cozinha, a contar: onde estava ele geração compartilhada. | Adaptado de
dos 33 anos de vida do artista, livros, catálogos, até fotografias quando comprou aquela <https://www.janainatorres.com.br>

80 81
Revoada
A transformação
do papel ao passarinho

Poeminha do contra

Todos esses que aí estão


Atravancando meu caminho,
Eles passarão...
Eu passarinho!

Gravura do artista japonês Masayoshi Kitao,


82 83 de 1804. Acervo do Museu Victoria e Albert.
REVOADA DO PAPEL AO PASSARINHO

Uma das mais conhecidas literária obtida neste poema, Para você, quais ideias são
poesias de Mario Quintana, isto é, sua abrangência sugeridas pela a expressão
Poeminha do Contra concentra que transcende marcos de “atravancar o caminho?” Que
características proeminentes da espaço e tempo. Para tanto, situações e experiências esse
sua poética: a espirituosidade, o os poetas, genuínos artistas verso o leva a recordar?
poder de síntese e a capacidade das palavras, acessam a Quais os significados que o
de surpreender o leitor através potência comunicativa dos elemento pássaro nos leva a
de um trabalho de linguagem que vocábulos, valendo-se, pensar? Que sensações são
agencia e convoca as palavras muitas vezes, dos aspectos acionadas por esse personagem?
a significarem para além dos simbólicos envolvidos que
habituais lugares comuns. permitem adensar e ampliar ORIGAMI
o alcance do texto. Como desdobramento plástico
Neste poema, uma das principais da leitura do poema, convidamos
surpresas é o jogo estabelecido Assim, a proposta que os educadores a reproduzir
Gravura do artista japonês Masayoshi Kitao,
entre a forma verbal “passarão” sugerimos tem como objetivo com os estudantes um pássaro, de 1804. Acervo do Museu Victoria e Albert.

e a forma nominal “passarinho”, estimular os estudantes a através da técnica dos origamis.


que carregam, em simultâneo, pensar nessas possibilidades
significados literais e conotativos. da linguagem como chave Ao final da realização dos
Ou seja, propõem a inversão para abertura do pensamento origamis, que tal encontrar,
da valência generalizada reflexivo. Após a leitura do junto aos estudantes, algum
que, normalmente, atribui ao texto, sugerimos perguntas lugar onde possam ser
aumentativo uma polaridade que os conduzam a construir pendurados os passarinhos?
positiva e ao diminutivo, seus próprios significados: Formaria-se uma grande
um caráter depreciativo, Para saber mais: revoada de pássaros,
Cadernos de Literatura Brasileira: Mario
de insuficiência ou falta. Quintana. Em: <https://issuu.com/ims_instituto_ retementedo à simbologia da
moreira_salles/docs/clb_-_mario_quintana2>
esperança e ao movimento
DOS SANTOS CARDOSO JUNCAIOR, W;
Outro ponto a ser destacado TEIXEIRA DA CUNHA, V. Práticas de leitura de voo, evocando a ideia de
literária do Poeminha do Contra, de Mario Gravura do artista japonês Masayoshi Kitao,
é a chamada universalidade Quintana, para leitores surdos. 2019. Em: liberdade. de 1804. Acervo do Museu Victoria e Albert.
<https://bu.furb.br/ojs/index.php/linguagens/
article/view/8762>

84 85
REVOADA DO PAPEL AO PASSARINHO

Video explicando passo a passo:


<https://www.youtube.com/watch?v=m7VHKXl_HTc>
REVOADA DO PAPEL AO PASSARINHO

Para saber mais: História do origami A inspiração dos origamistas (as


Embora a leitura de um texto O papel pode ter se pessoas que se dedicam à arte
literário não esteja restrita a popularizado nos países do Origami) está, principalmente,
aspectos da biografia do autor, europeus a partir do século nos elementos da Natureza
uma das grandes especulações VII, mas registros sugerem e nos objetos do dia-a-dia.
que cercam a escrita desse poema, que seu surgimento tenha se Para o origamista, o ato de
são as diversas recusas da entrada dado na China, no ano 105 dobrar o papel representa a
de Mario Quintana na Academia d.C. Outros países asiáticos, transformação da vida e ele
Brasileira de Letras. como o Japão, já tinham tem a consciência de que esse
contato com o papel muito pedaço, um dia, foi a semente
O poeta considerava injusto o modo antes dele cruzar continentes. de uma planta que germinou,
como os escritores eram escolhidos Assim, a técnica do origami cresceu e se transformou
para ingressar na Academia. Em começou a se desenvolver. Em numa árvore. E que depois, o
sua opinião, era motivado menos japonês, “ori” significa “dobrar” homem transformou a planta
por méritos literários e mais em e “kami”, “papel”. Com esta em folhas de papel, cortando-
consonância com critérios políticos. técnica, podemos dobrar as em quadrados, dobrando-as
Também, cabe lembrar que o papéis, dando a eles uma em várias formas geométricas
cenário político brasileiro da época, nova vida. No século VIII, as representando animais, plantas
no qual Quintana se insere como dobraduras passaram a fazer ou outros objetos. Onde os
criador, seria atravessado pelo parte de cerimônias xintoístas, outros viam apenas uma folha
endurecimento do regime militar no representando divindades quadrada, o origamista pode ver
Brasil (1964 — 1985), principalmente adoradas pelos japoneses. a origem de todas as formas se
a partir da publicação do Ato Os sacerdotes xintoístas transbordando.
Institucional n 5, em 1968, que impôs pregavam regras rígidas para
uma rigorosa censura a orgãos de a arte com papéis, de modo a
imprensa e a produções artísticas. honrar os espíritos das árvores. Adaptado de: <https://www2.ibb.unesp.br/Museu_
Escola/Ensino_Fundamental/Origami>.
Por isso, cortar ou colar as
Ao lado: Um mágico transforma folhas de papel em
páginas não era permitido. pássaros, gravura de Katsushika Hokusai, de 1819.

88 89
Seção especial
Literatura surda

Para pensar na multiplicidade maneira que deveriam, se faz


transformadora que existe necessário trabalhar com
no mundo, e para manter a meios que possam atingir um
coesão entre as diferentes grupo de pessoas e fazer com
formas de indivíduos que se que se sintam confortáveis
expressam e se comunicam de dentro de seus corpos,
maneiras plurais, é necessário sabendo que existem materiais
acessar os mecanismos de que podem ser usados para o
apreensão da Linguagem fortalecimento do discurso.
dentro dessas vivências, para
exercer o direito à inclusão, Um meio dentro da linguagem
se tratando de pessoas com que faz emergir a necessidade
deficiências. Coincidindo com de dialogar com esses corpos
existências que também são é a Literatura, pois através
silenciadas e muitas vezes, não das experiências literárias
estudadas ou aprofundadas da podemos possibilitar a

C: First time meet


(C: A primeira vez que eles se encontraram).
90 91 Nancy Rourke, pintora surda estadunidense, 2018.
SEÇÃO ESPECIAL LITERATURA SURDA

renovação de um pacto esta fonte de informações


canônico milenar, que sempre sobre o que foi produzido no
previu a viabilização dos mesmos período compreendido entre
autores para a compreensão 2005 e 2015.
da história — eurocentrada e
elitista, em diferentes tipos de Almeja-se constatar se, a
arte. Pensando assim, é dever partir da lei que oficializou a
político-cultural elucidar e trazer Libras enquanto língua da
à tona corpos rechaçados, comunidade surda, (LEI
excluídos diante do status-quo. No 10.436, DE 24 DE ABRIL
A cultura surda na sociedade DE 2002 que dispõe sobre
moderna se dá, objetivando, a Língua Brasileira de
a partir da aplicação de um Sinais - Libras e dá outras
método de pesquisa, onde se providências) houve um
classificam as publicações que crescimento da literatura
valorizam a cultura surda e seus surda disponível no mercado
expoentes literatos. editorial. Constata-se que,
em relação à produção de
Além disso, essa relação literatura surda, apesar de
visa contribuir para a ciência ter substancial produção
da linguagem humana e sua específica no mercado
contextualização cultural na editorial, há uma tendência de
sociedade, uma vez que tanto aumento de publicações como
a comunidade surda quanto a consequência da valorização
comunidade ouvinte terão mais da cultura e da linguagem da Understanding deaf culture (Entendendo a
cultura surda), por Nancy Rourke, 2012.

92 93
SEÇÃO ESPECIAL

comunidade surda. Também Nas páginas a seguir, trazemos Obras da tradição adaptadas Coleção Clássicos da
conversa com a questão do algumas produções literárias Literatura em Libras
direito assegurado pela lei de para a comunidade surda e Alguns clássicos da literatura
termos alunos com deficiência seus respectivos autores, também são reeditados, Textos clássicos da literatura
em todas as esferas de ensino, (Temos uma vasta gama dessa como é o caso de Cinderela universal traduzidos para
criticando o fato de, ao longo Literatura amplificada para o Surda (Silveira, Rosa, Karnopp Libras pela editora Arara Azul.
da história, os separarem em gênero infantil, por mais que 2003), Adão e Eva (Rosa, Aguns dos títulos infantis
“escolas especiais”. também existam traduções de Karnopp 2005) e Patinho que compõem a referida
obras adultas para a Língua de Surdo (Rosa, Karnopp 2005). coleção são: Alice no país das
A Libras (Linguagem Brasileira Sinais) que através do poder Além desses, temos os maravilhas, As aventuras de
de Sinais), legalizada pela Lei da escrita têm experimentado exemplos Tibi e Joca – uma Pinóquio, A história de Aladim
Federal 10.436 de 2002 como quebrar as barreiras do história de dois mundos (Bisol e a lâmpada maravilhosa.
língua oficial da comunidade invisível, destrinchando os 2001), rico em ilustrações e A coleção também contém
surda e segunda língua percursos da comunicação que conta com um boneco- obras de literatura adulta,
nacional, vem alcançando o passíveis diante de um mundo tradutor que sinaliza as como Iracema, O velho
foco de diversos profissionais onde cada vez mais é preciso palavras-chave de cada da horta, O Alienista, O caso
de produção cultural, visto que identidades múltiplas página. A história A cigarra da vara, A missa do galo, A
que em diversas obras é sejam enaltecidas, respeitadas surda e as formigas, apresenta cartomante e O relógio de
percebido o engajamento de e valorizadas. como tema a importância ouro.
autores e editoras em produzir da amizade entre surdos e
uma literatura surda, ou seja, ouvintes. O livro O som do
literatura produzida por surdos silêncio (Cotes, 2004) conta
Para saber mais: Para ir além:
e para surdos. No entanto, para Cadernos de Literatura Brasileira: Mario a história de uma menina HESSEL, Carolina. Conversar é como contar
Quintana. Em: <https://issuu.com/ims_instituto_ histórias? Video. <https://www.youtube.com/
se objetivar como ciência, é moreira_salles/docs/clb_-_mario_quintana2> surda que não tem medo do watch?v=qghgplYNk-g>

necessário introduzir um método DOS SANTOS CADORSO JUNIOR, W; TEIXEIRA barulho. ROCHA, Ruth. O direito das crianças, em
DA CUNHA, V. Práticas de leitura literária do Libras Video. <https://www.youtube.com/
de análise que comprove o que Poeminha do Contra, de Mario Quintana, para watch?v=2pZptX5tFE0>
leitores surdos. 2019. Em: <https://bu.furb.br/
é tácito dos leitores surdos e ojs/index.php/linguagens/article/view/8762>

forneça aos pesquisadores um Canal de videos da Editora Arara Azul: <https://


www.youtube.com/user/EditoraAraraAzul2010/
trilho para novos horizontes. videos>

94 95
CASA DE CULTURA MARIO QUINTANA

DIREÇÃO ELABORAÇÃO
Diego Groisman Núcleo Educativo da Casa de
Cultura Mario Quintana
REALIZAÇÃO
Associação dos Amigos da Casa PESQUISA E TEXTOS
de Cultura Mario Quintana Alexandre Veiga
Andrei Moura
Casa de Cultura Mario Quintana Clara Marques
Lucas Schultz
Secretaria do Estado da Cultura Matheus Camini
do Rio Grande do Sul (SEDAC-RS) Suellen Gonçalves

PATROCÍNIO PROJETO GRÁFICO


Banrisul E DIAGRAMAÇÃO
Clara Marques

ILUSTRAÇÕES
Lucas Schultz

AGRADECIMENTOS
AGOSTO 2021 Núcleo de Acervo e Memória da
Casa de Cultura Mario Quintana
98 99

Você também pode gostar