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(P-297)

SUPERFORTALEZA
TAMANIA
Autor
H. G. EWERS

Tradução
AYRES CARLOS DE SOUZA

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Depois da destruição da ponte de transmissores, surgiu para
a frota de Perry Rhodan em Andrômeda a necessidade urgente de
estabelecer imediatamente uma outra forma de ligação entre as
vias lácteas. Esta outra ligação foi procurada pelos homens de
Rhodan — e encontrada: era o caminho que passava pelas
antiqüíssimas estações intergalácticas dos maahks!
A estação dos forrils foi posta sob controle pelo Major Don
Redhorse, enquanto a Estação Central se desintegrava numa
explosão atômica, durante um ataque. Com isto a situação para
Perry Rhodan e sua gente ficou crítica. Tudo dependia agora de a
“Look-Out” e a “Midway” caírem nas mãos dos terranos, sem
serem destruídas.
A conquista das duas estações intergalácticas teve êxito — e
na “Midway”, no espaço vazio entre as galáxias, a frota de
Reginald Bell, que participara da operação vinda da Via Láctea,
encontrou-se com a expedição de Perry Rhodan. Bell trouxe
consigo importantes documentos, que, mais tarde, levaram à
destruição de Multidon, o centro industrial dos senhores da
galáxia.
Em conseqüência da ação contra Multidon ocorreu a
descoberta de um novo golpe mortal contra a Terra, que ainda
pôde ser frustrado em tempo.
Depois disso, o centro de gravidade dos acontecimentos
deslocou-se novamente para Andrômeda. Trata-se agora de
enfrentar a última central de poder dos senhores da galáxia — a
Superfortaleza Tamania...

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Trinar Molat — Um homem que deve girar para trás a
roda da história galáctica.
Hakolin — Comandante de uma nave de combate
tefrodense.
Perry Rhodan, Atlan e Grek-1 — As suas unidades
dirigem-se para tomar de assalto uma fortaleza
inexpugnável.
Gucky e Baar Lun — O rato-castor e o modular fazem uma
estranha descoberta.
Mines Horan — Capitão da USO e descobridor do sistema
central dos senhores da galáxia.
Omar Hawk — Primeiro-tenente no Grupo Especial de
Patrulha da Contra-Espionagem Galáctica.
1

Trinar Molat soube imediatamente que coisas decisivas estavam em andamento,


quando o sinal vindo do memopavilhão o alcançou.
Mesmo assim parecia não ter pressa.
A parede interna do plasma esfriado consistia de uma única gigantesca tela de
imagem, que “trazia para dentro”, ótica e acusticamente, o que se passava nas
redondezas, de modo tão fiel à natureza que o observador sentia-se transportado
diretamente à superfície do gigante de metano.
Trinar ouviu o rugir ensurdecedor do furacão, viu a atmosfera de hidrogênio,
turbada pelas impurezas, redemoinhar por cima da superfície desgastada, quase sem
contornos, do terceiro planeta do sol Luum, escutou o arrebentar, quase como numa
explosão, das gotas de amoníaco liquefeito, quase do tamanho de um homem, e que se
precipitavam de muitos quilômetros de altura, com o ímpeto de projéteis — e ouviu
também, em meio àquele inferno, o ranger e arrastar de robôs de manutenção, em forma
de peixe, que se arrastavam incessantemente pelo chão do planeta, tomando providências
para que as posições de artilharia, mesmo nos mais fortes temporais, estivessem sempre
prontas para entrar em ação.
Um sorriso satisfeito aflorou ao rosto, magro e ossudo, do senhor da galáxia.
Luum-3 estava inteiramente intacto — uma fortaleza cósmica gigantesca,
inexpugnável.
E mesmo assim ela fora simplesmente constituída para ser a vítima, num caso de
emergência, em que a improvável possibilidade do significado do sistema Luum ser
descoberto por inimigos fosse realizada. Frotas inteiras iriam quebrar os seus dentes nesta
fortaleza cósmica enquanto o mundo central propriamente dito continuaria intocado,
apesar de orbitar este mesmo sol a uma distância de apenas poucos milhões de
quilômetros!
Não! Os outros senhores da galáxia — com exceção do Fator I — podiam ter sido
vitimados pelos terranos! Ele, Trinar Molat, jamais teria este mesmo destino!
Ele repuxou, irritado, os lábios, quando o sinal de chamada tornou-se mais forte, e
em toda parte nos consoles de controle luzes vermelhas começaram a piscar. Que o Fator
I esperasse mais um pouco! Trinar Molat levou até junto da boca um aparelho cilíndrico,
não maior que um dedo, soprando para dentro do mesmo. O sinal de ultra-som ressoou
através da cúpula, inaudível para ouvidos humanos — mas não para a sensibilidade do
Krath. Uma figura em forma de mão surgiu pela fração de um segundo em pleno ar — e
desapareceu novamente. No instante seguinte o Krath estava sentado no ombro esquerdo
de Molat. O rosto duro, como que cinzelado de rocha cinza-marrom, do homem, de
repente irradiou simpatia e carinho. Suas pupilas, geralmente estreitadas por sua frieza de
sentimentos, alargaram-se para mostrar um brilho aveludado.
— Olá, Mezzo! Estamos sendo chamados
de volta. Você me acompanha, através do
transmissor, ou vai pelo seu próprio caminho?
O Krath — ele realmente se parecia
extraordinariamente com uma mão humana,
com exceção da excrescência hemisférica do
tamanho de uma ameixa, na “palma da mão”
— estendeu o “dedo mindinho” e tocou a fonte
de Trinar com o mesmo.
No mesmo instante o senhor da galáxia
“ouviu” uma voz muito fraca. Ela ressoou no
seu cérebro, sem ter passado pelo caminho
normal do ouvido.
— Mezzo toma o caminho curto — ciciou
ele. — Ele esperará por Trinar diante do
memopavilhão.
— De acordo! — disse Molat.
Ele virou a cabeça para poder olhar
aquela pequena criatura sobre o seu ombro.
Quando os contornos da “mão” se diluíram, e o pequeno peso desapareceu de seu ombro,
Trinar respirou fundo. Até mesmo para ele, que se gabava de conhecer a maioria dos
mistérios do Universo, nunca deixava de ser fascinante ver o Krath sumir “pelo caminho
mais curto”, que se dava pelo local de um plano de existência estranho, e do qual o ser
humano dificilmente ficaria sabendo algo mais consistente. Para cada trecho percorrido,
Mezzo precisava apenas da fração de um segundo, não importando se se tratasse de um
metro ou de milhões de quilômetros. Neste instante ele já devia ter chegado diante do
memopavilhão do segundo planeta do sistema.
Trinar Molat suspirou e virou-se. Ficou pensando intensamente numa ordem
exatamente formulada e esperou até que o anel energético vermelho do microtransmissor
de situação se formasse ao seu redor.
Quase no mesmo instante o anel do transmissor apagou-se novamente — mas este
já não era mais o anel da cúpula do Planeta Três, mas o do memopavilhão do segundo
planeta do sistema Luum, que fora batizado de Tamania, em honra de uma época pré-
histórica lemurense.
— O senhor chegou atrasado! — ouviu-se uma voz, vinda de um alto-falante
escondido.
Trinar Molat desistiu de pedir desculpas. Isto não só seria inútil, mas, ao contrário,
somente provocaria uma segunda censura.
Olhou fixamente para a gigantesca tela de imagem que surgira como do nada, por
cima da grade de projeção. Na superfície clara brilhava o conhecido símbolo do Fator I:
duas galáxias em cor dourada, sobre um fundo negro, emolduradas por um círculo
fluorescente.
— Ouça minhas ordens! — continuou o locutor invisível. O rosto de Molat
continuou impenetrável, uma máscara. Ele gostaria muito de saber quem estava por trás
daquele seu símbolo pessoal, e atrás dessa insensível voz robotizada, que nem sequer
deixava reconhecer se atrás do aparelho estava um homem ou uma mulher — ou se o
mais poderoso dos senhores da galáxia era apenas uma máquina...!
Mas Trinar Molat não perguntou nada disso. Ele sabia muito bem que o Fator I
dispunha da possibilidade de matá-lo com a ativação de um só comutador — e para um
imortal biológico não existe nada pior que uma morte violenta.
— Estou ouvindo! — respondeu ele, calmamente.
Pareceu-lhe que aquele símbolo na tela de imagem energética brilhava mais
intensamente que antes. Antes que a surpresa por isso pudesse expressar-se no seu rosto,
ele logo descobriu a razão daquela manobra. O Fator I tentava tirá-lo de sua calma e
forçá-lo a uma emoção humana, através de truques psicológicos, através dessa astúcia.
Mas nisso o poderoso se enganava. O Fator II era inteligente demais, pensava
logicamente demais, para cair neste tipo de manobra.
— A “Operação Amok” foi um fracasso — continuou a voz impessoal. — E agora
só existe ainda uma única possibilidade de escorraçar os terranos de Andrômeda. Aliás,
eles jamais deveriam ter saído do seu sistema solar!
O coração de Trinar Molat parecia estarrecido, num bloco de gelo. Ele reconheceu
os motivos, ainda antes mesmo do Fator I ter terminado a sua sentença.
— Entre no seu transmissor de tempo. Ajuste-o para quatrocentos e trinta e cinco
anos, e deixe-se catapultar pelo mesmo ao passado.
O Fator I fez uma pausa, para dar oportunidade ao Fator II de demonstrar sua
surpresa. Porém Molat não mostrou qualquer emoção, apesar de estar fervendo
interiormente.
— Arranje uma nave de combate tefrodense, com a melhor tripulação que conseguir
reunir. Naturalmente não deverá haver um só duplo entre a mesma. Ao comandante da
nave, o senhor dará ordens para penetrar na primeira galáxia, através da ligação dos
transmissores, voando até o Sistema Solar. Pontualmente no dia 10 de junho de 1.971,
contagem de tempo terrana, a nave de combate se dirigirá à lua do terceiro planeta solar,
com a missão de destruir o cruzador de exploração arcônida, que ali fez um pouso de
emergência, e que certamente ainda se encontrará na Lua.
Trinar Molat continuava dominando-se, apesar de interiormente sentir-se sacudido
por um terror inominável quando concebeu a transcendência daquela ordem inteiramente.
Ele conhecia a história do nascimento do Império Solar muito bem. Se a ordem do
Fator I fosse executada exatamente, Perry Rhodan, após o seu pouso na Lua, jamais teria
encontrado ali, no satélite da Terra, um cruzador de exploração dos arcônidas. Nenhum
meio superior da técnica teria lhe dado a possibilidade de criar uma “Terceira Potência”
na Terra, obrigando a Humanidade a se unir. Nem Thora nem Crest teriam sido os
mestres doutrinadores da raça humana.
Aliás, um paradoxo do tempo tão transcendental seria mesmo possível?
Era concebível que, no instante em que o cruzador de exploração arcônida explodia
na Lua, repentinamente nenhuma cosmonave terrana mais permaneceria em Andrômeda
— jamais teria permanecido, apesar das naves de Rhodan, justamente agora, depois da
destruição de Multidon, estarem avançando mais ameaçadoramente do que nunca...?
Até onde teria progredido a navegação espacial terrana no ano 2.406 sem a ajuda
dos arcônidas?
No melhor dos casos, teriam ocorrido algumas expedições aos planetas mais
exteriores do Sistema Solar. Talvez sondas não tripuladas, com impulsão de íons, teriam
sido lançadas em direção dos sistemas solares mais próximos.
Porém, também poderia ter acontecido tudo de modo bem diferente, se a
Humanidade se tivesse autodestruído numa guerra atômica, destruída até poucos
sobreviventes, que teriam recaído a um estágio bem primitivo...!
***
Porém o que quer que fosse que poderia acontecer com a raça humana terrana, isso
não preocupava Trinar Molat absolutamente. Ele apenas sentia medo diante da idéia das
crassas modificações do presente, que o paradoxo do tempo provocaria. Afinal de contas,
o senhor da galáxia conhecia tudo a respeito da história de ambas as galáxias vizinhas.
Caso a Humanidade não interviesse, como fator diferenciador, no decorrer da
história cósmica, o regente-robô de Árcon jamais seria derrubado, não haveria conflito
com os arcônidas, nem um Império Unido sob a regência da Terra, e de Árcon — e
ninguém apresentaria uma resistência decisiva aos druufs, aquela poderosa raça do outro
Universo.
Talvez os druufs conseguissem estabilizar a abertura entre os dois Universos.
Talvez eles inundassem e submetessem a Via Láctea — e talvez os senhores da galáxia
— no momento em que nunca houve uma ameaça terrana — se reencontrassem escravos
daqueles monstros...
Por um segundo, Molat fechou os olhos e tentou livrar-se dessa visão terrível.
Depois ele voltou a olhar, novamente frio e decidido, para a tela de imagem em terceira
dimensão.
— O risco seria grande demais, Fator I!
Um ruído cacarejante saiu do alto-falante, equivalente mecânico de uma risada
humana.
— É evidente que nós vamos correr um risco, se eliminarmos a Terra da história
cósmica, Fator II. Só temos que pesar cuidadosamente qual é o risco maior: deixar os
terranos na sua posição de poder atual, ou o de provocar um paradoxo de tempo. Em
minha opinião o primeiro risco seria infinitamente maior. Porém se o senhor vê alguma
outra possibilidade de afastar o perigo terrano, eu terei muito prazer em ouvir suas
sugestões.
Trinar Molat deixou pender a cabeça.
Ele não tinha sugestões.
Depois de uma pausa a voz mecânica prosseguiu:
— Portanto, execute a minha ordem, Fator II! E não acredite que possa me trair. De
qualquer modo, certamente morreria antes de mim...
Trinar Molat sentiu subir dentro dele uma onda de cólera quase incontrolável.
Entretanto, ele abafou este sentimento imediatamente. Realmente não havia como
insurgir-se contra as ordens do Fator I. Ele entendera muito bem a ameaça escondida, e a
escolha entre o risco geral e a morte violenta através do impulso destruidor ativado pelo
Fator I, não seria difícil.
Entretanto, Molat não pôde deixar de apresentar o seu último protesto.
— Eu gostaria de poder saber quem o senhor é, porque então certamente nossa
conversa terminaria de outro modo!
Novamente ouviu-se aquela risada esquisita.
— O senhor, neste caso, de há muito já não mais estaria vivo, Fator II — se tivesse
me identificado!
Molat franziu a testa. Dentro dele cresceu uma suspeita, uma suspeita de conteúdo
tão assustador, que não pôde evitar que seus lábios tremessem.
— Há vinte mil anos de tempo terrano, treze dos melhores cientistas e almirantes
concluíram um pacto, para derrubar o governo lemurense na Tamania, um governo que
dentro de oito milênios tinha construído uma potência fantástica na Nebulosa de
Andrômeda.
“Nós, os treze senhores da galáxia, primeiramente submetemos todos os lemurenses
e mais tarde a galáxia inteira, uma vez que não apenas havíamos solucionado o segredo
da imortalidade biológica, mas também dispúnhamos da herança de uma técnica muito
superior.
“Todos nos conhecíamos — menos ao senhor, o Fator I, que sempre ficou afastado
de todos.
“E então seis de nós desapareceram, subitamente, em circunstâncias misteriosas.
“Talvez estes tivessem descoberto quem era o Fator I...?”
— Talvez... — retrucou a voz robotizada, um pouco entediada. — E se acredita
nisto, Fator II, também deveria ver que não há como insurgir-se contras as minhas
ordens.
Trinar Molat sentiu que alguma coisa dentro dele se partia. Sentiu-se
repentinamente velho e cansado — e começou a imaginar que tinha trilhado um caminho
fatídico. Porém logo conseguiu impor-se o seu desejo irresistível de poder.
Certo, havia muita coisa que ele poderia ter feito melhor do que fizera, mas ele não
tinha o poder absoluto sobre o mundo central dos senhores da galáxia, o mundo a partir
do qual os destinos de duas galáxias podiam ser dirigidos, sempre que se aplicasse
devidamente os imensos meios do poder...?
Ele espichou-se, orgulhoso.
— Eu girarei para trás a roda da história!
Do alto-falante não veio qualquer resposta. Em vez disso, a tela de imagem
energética apagou-se.
Trinar Molat estava novamente sozinho.
***
O Krath continuava esperando diante da entrada para o memopavilhão, quando
Molat saiu para a luz do sol.
Sem que fosse possível notar-se um movimento físico, ele repentinamente mudou
sua posição, sentando-se sobre o ombro do senhor da galáxia.
— Eu não o faria, Trinar!
Aquela vozinha ciciante penetrou no cérebro de Molat como sempre. Porém desta
vez oscilava, com ela, uma nítida nota de advertência.
— O que é que você não faria, Mezzo? — perguntou Trinar, irritado.
— Querer mudar o passado. Ninguém interfere impunemente no plano do Grande
Condutor.
Trinar estremeceu violentamente.
— Como é que você sabe o que pretendo fazer?
— Mezzo sabe de muita coisa — veio a resposta. — Mezzo vê o que há por trás das
coisas. E Mezzo sabe que um grande perigo se aproxima de Trinar.
Numa outra ocasião, Trinar Molat provavelmente teria refletido sobre as
observações do Krath. Mas agora não estava com disposição para isto. A conversa com o
Fator I o tinha perturbado interiormente, tornando a sua mente pouco receptiva para
pensamentos estranhos.
Bruscamente ele declarou:
— Eu mesmo conduzo os destinos do Universo. Ninguém está em situação de me
deter nos meus propósitos, e, quanto ao perigo ao qual você se refere, justamente através
da modificação da História é que eu o evitarei!
Mezzo não retrucou. Ficou acocorado, em silêncio, sobre o ombro de Trinar,
crispando os “dedos” de modo que afinal já se parecia com um punho fechado.
O senhor da galáxia ergueu os olhos para o alto, para o teto da cúpula gigantesca.
Ele não via o metalplástico, com o qual se segurava a pressão de quatro quilômetros de
rochas. O que ele via era a projeção de um céu azul, sem nuvens, e um sol de um amarelo
pálido.
Somente durante um átimo ele sentiu o impulso irresistível de subir à superfície do
seu mundo, e ficar deitado na grama, banhado pelo sol, envolto no vento fresco.
Porém rapidamente abafou este desejo.
Um pensamento precisamente formulado emitiu um mente-contato. Novamente
ergueu-se o arco vermelho do transmissor em volta do senhor da galáxia — e no instante
seguinte Trinar Molat viu-se dentro da pequena cúpula do transmissor de tempo.
Também aqui o servo-automático trabalhava segundo o princípio do mente-contato. Ele
recebia sua ordem silenciosa, e fazia com que a ajustagem de intensidade subisse de zero
até o valor que correspondia a uma transmissão de 435 anos ao passado.
O arredondamento da cúpula brilhou num vermelho escuro, do vermelho passou
para o amarelo, depois para o branco... ...e logo depois era tudo como estivera antes — e
ainda assim Molat sabia que em poucos segundos, ele tinha viajado exatamente 435 anos
para o passado.
“Pena!”, pensou ele. “Deveria ser possível viajar também ao futuro, com a mesma
facilidade. Neste caso, eu poderia colocar uma armadilha para o Fator I, e arrebanhar
para mim todo o poder!”
Mas isso era impossível. O transmissor de tempo só funcionava contra o fluxo do
tempo num plano que já tivesse sido cunhado por existência material. O que se situava no
futuro não oferecia nenhum ponto de referência à máquina do tempo, pois ainda nada
acontecera naquele vazio que ainda teria que ser preenchido.
“Hangar das Esferas!”, formulou ele uma ordem mental. O microtransmissor de
situação transportou-o para o sistema de câmaras do prédio do hangar. Aqui repousavam
os tipos mais diversos de naves espaciais, construídas conforme planos secretos e
terminadas por três estaleiros inteiramente robotizados, cujas instalações não tinham
similar em ambas as galáxias. E tudo isto existia apenas para um único homem, pois,
além de Trinar Molat não existia uma só criatura orgânica inteligente em Tamania.
Ele escolheu uma nave esférica, lenticular, que pairava a poucos centímetros acima
do chão do hangar, construída de material transparente. A propulsão não era nem baseada
no princípio de retropropulsão nem no do vôo linear ou hiperespacial. O domínio da nave
e a pilotagem acontecia através da fusão psíquica do homem com o cérebro
computadorizado e a mecânica.
Trinar Molat fez com que fosse transportado através das paredes do transmissor
para a larga poltrona anatômica. Cintos de segurança saíram de fendas escondidas,
fechando-se suavemente sobre o corpo do imortal. Eles eram desnecessários e só serviam
como proteção adicional para casos extremos, que até agora jamais tinham acontecido.
Porém Trinar jamais incorria num risco, que pudesse ser evitado, de pôr sua vida em
jogo. Ele só se deu conta do Krath novamente quando um dos seus membros digitais
pressionou uma de suas fontes e a voz ciciou na sua mente:
— Ainda pode evitar a calamidade, Trinar. Se você se dirigisse apenas poucos
segundos mais para dentro do passado ou na direção do presente, o Fator I nunca mais
o encontraria, e você talvez escaparia do destino que o ameaça.
Molat apenas riu dessa advertência.
— Se eu fugir, eu me entrego ao poder que possuo, pequerrucho. Não, o seu
conselho é ruim, ainda que você tenha boas intenções.
O Krath se calou.
E Trinar Molat concentrou-se na pilotagem de sua nave cósmica.
***
No meio do espaço interplanetário, a esfera atirou-se através do arco chamejante de
um transmissor situacional — sendo rematerializada, a muitos milhares de anos-luz de
distância, no sistema do Planeta Tefrod.
Quase no mesmo instante, Trinar Molat ouviu o chiado de advertência dos impulsos
de rastreamento que surgiam.
Fez irradiar os códigos de identificação, que comprovavam sua qualidade de senhor
da galáxia. Segundos depois anunciou-se o almirante comandante da frota de vigilância,
Lam Treter. Molat passou-lhe suas ordens. Para isso fez uso do mesmo aparelho que o
Fator I usara ao falar com ele. Lam Treter viu apenas o símbolo do Fator II e ouviu a sua
voz robotizada.
Isto, entretanto, era o bastante para o almirante tefrodense. Ele garantiu que
colocaria imediatamente à disposição uma nave esférica espacial, novinha em folha, de
mil metros de diâmetro, e que seria guarnecida com uma tripulação de elite.
Trinar Molat não agradeceu. Para ele era natural que um tefrodense executasse, sem
discussão, as suas ordens. Ele ordenou que a nave, com sua tripulação, fosse colocada, o
mais depressa possível, numa órbita em torno de Tefrod. Todo o resto ele discutiria
pessoalmente com o comandante da nave.
Lam Treter confirmou rapidamente. Não perguntou para que o senhor da galáxia
necessitava da nave, quando a mesma voltaria e para onde seria levada nesta operação.
As ordens de um senhor da galáxia tinham apenas que ser executadas, só isso.
***
O Comandante Hakolin foi alcançado pela ordem de Lam Treter no centro de
treinamento, onde saía de um simulador. Os dois ajudantes insistiram numa partida
imediata, e como eles simplesmente não mais saíram do seu lado, Hakolin teve que
desativar o programa de treinamento.
A central de comando da nave de combate esvaiu-se no Nada — exatamente como
o cosmos nas telas panorâmicas de imagem e as naves das formações das frotas próprias
e das inimigas, que ainda há pouco se haviam combatido ferrenhamente.
O zunido dos projetores do simulador morreu.
Hakolin ergueu-se de sua poltrona anatômica, colocou seu quepe de serviço e anuiu
para os ajudantes.
— Estou pronto!
Dez minutos mais tarde ele estava diante do almirante, recebendo as suas ordens.
— O senhor, a partir deste instante, está sendo liberado do seu comando atual —
declarou Lam Treter. — Em contrapartida, recebe o comando da Rawthor, uma nave de
combate da classe dos 1.000 metros. A Rawthor ainda está pousada no espaçoporto de
lançamento do estaleiro T-22, entretanto já está liberada para partir e plenamente testada.
A tripulação foi formada com a ajuda do computador do pessoal, e é constituída por
oficiais e homens de nossa frota, já comprovados em combate. A bordo da Rawthor não
haverá um só duplo.
“O senhor deverá dirigir-se imediatamente ao lugar de partida da nave, onde
controlará o embarque da tripulação, e depois colocará a nave em posição de partida. O
senhor a colocará numa órbita em torno de Tefrod, e se apresentará ao senhor da galáxia,
que ali também está orbitando o planeta. Desde o instante da tomada de contato com o
Fator II o senhor ficará submetido ao seu comando!”
A tez morena do Tosto de Hakolin empalideceu.
— Fator II? Um daqueles realmente poderosos?
— É bom que o senhor tenha consciência do poder do senhor da galáxia — retrucou
o almirante, cortante. — Nunca imagine poder recusar uma ordem do senhor da galáxia.
E fale somente quando isso lhe for expressamente exigido!
Hakolin fez continência.
— Eu já entendi, almirante!
Lam Treter sorriu, disfarçadamente.
— Eu sei. O senhor compreende as coisas depressa. Foi exatamente por isso que eu
o escolhi para esta missão. Volte são e salvo, Comandante Hakolin!
Hakolin fez uma ligeira reverência, e foi até a porta, onde os dois ajudantes já o
esperavam. Eles tinham organizado tudo, de modo que Hakolin apenas teve que colocar-
se sob seus cuidados.
No elevador do hangar do campo de lançamento, os dois oficiais se despediram.
Hakolin viu os costados ainda brilhantes da nave de combate elevarem-se à sua
frente, viu os doze arcos de transmissores que cuspiam ininterruptamente tefrodenses em
macacões, uniformes de saída, e até em roupas civis. Os senhores da galáxia deviam estar
com muita pressa, se traziam para bordo toda essa gente, sem tomar em consideração o
seu modo de trajar.
O comandante ficou olhando o rosto daqueles homens por algum tempo. Ele era um
oficial da frota, muito experiente, e bom psicólogo. Por isso logo verificou que realmente
haviam escolhido apenas gente da elite, para a tripulação da Rawthor. Um sorriso de
satisfação brincou nos seus lábios duros, quando entrou no duto do elevador
antigravitacional, que o levou para cima, na vertical.
Com estes homens ele poderia executar qualquer missão!
Meia hora depois que ele tomara o seu lugar na sala de comando, entrou a última
ordem de zarpar. Todos os três mil homens da tripulação estavam a bordo e nos seus
devidos lugares.
O Comandante Hakolin deu ordem para a partida.
Ele não tinha dados exatos sobre a posição da nave do senhor da galáxia, mas não se
importara com isto, já que achava que receberia as instruções correspondentes, depois de
sua partida, da torre de controle do espaçoporto.
Porém isso acabou sendo um engano.
Mal a Rawthor saiu das camadas superiores da atmosfera do planeta, os controles
manuais se desativaram por si mesmos. Em seu lugar apareceu, por cima do piloto-robô,
um letreiro vermelho:

“NAVE ENCONTRA-SE SOB


PILOTAGEM EXTRÍNSECA!”
Hakolin encolheu os ombros e recostou-se em seu cadeirão. Ele sabia que os
legendários senhores da galáxia, que nenhum tefrodense até hoje vira cara a cara,
possuíam meios técnicos, que os tornavam superiores a qualquer outra criatura.
Entretanto achou estranho o modo como a nave reagia a esses impulsos
“extrínsecos”, que nem sequer podiam ser rastreados. Os mostradores se modificaram,
lâmpadas de controle piscavam, em rápida sucessão, e os propulsores eram ligados e
desligados, de conformidade com as exigências daquela rota desconhecida. Parecia-lhe
que a nave de combate estava sendo dirigida por fantasmas.
Depois de alguns minutos de navegação, os propulsores da proa frearam, e em
seguida a Rawthor ficou em queda livre, numa órbita extensa. No setor de estibordo da
galeria panorâmica surgiu uma sombra fantasmagórica, leitosa, elíptica.
As mãos de Hakolin agarraram-se nos braços de sua poltrona.
Aquela mancha leitosa seria a nave do senhor da galáxia...?
De repente alguns de seus oficiais deram um grito.
Hakolin virou-se rapidamente. O que viu fez com que o coração lhe saísse quase da
boca. Teve que apertar bem os lábios para também não gritar.
Bem no meio da sala de comando pairava, imóvel, uma esfera azul-esbranquiçada,
muito brilhante, de cerca de um metro de diâmetro.
E desta bola de incandescência fria saiu uma voz mecânica.
— Estou vendo que o senhor está pronto, Comandante Hakolin. Ouça bem o que
tenho para lhe dizer!
Somente agora o tefrodense notou que parara a respiração. Cuidadosamente soltou o
ar retido nos pulmões. Depois esperou. Lam Treter dissera-lhe que nunca falasse sem que
isto lhe fosse exigido expressamente, e ele estava pronto para ater-se a este conselho.
Um pouco decepcionado, entretanto, ele estava. Esperara que o senhor da galáxia se
mostrasse. Em vez disso ele fazia materializar esta esfera falante.
Ou será que estas criaturas, que diziam chamar-se senhores da galáxia, eram
idênticos com estas bolas incandescentes? Será que eles não passavam de uma forma de
vida puramente energética?
Ele estremeceu quando daquela bola saiu uma risada estridente.
O senhor da galáxia teria podido ler seus pensamentos?
— Aqui estão as ordens exatas! — a voz mecânica interrompeu suas reflexões. —
Ligue o sistema de memória do seu computador de bordo!
Hakolin passou a ordem adiante.
Depois ficou escutando aquela voz, que lhe dava as coordenadas da posição de um
pequeno sistema solar, que ficava num dos braços externos da primeira galáxia. Ficou
sabendo que somente o terceiro planeta deste sistema, um mundo de oxigênio de nome
Terra, era habitado por seres inteligentes. Estes seres tinham uma técnica relativamente
primitiva e ainda não possuíam qualquer possibilidade de efetuarem viagens
interplanetárias, e muito menos viagens intergalácticas. A esfera informou-o também
sobre a existência de um cruzador expedicionário dos arcônidas, que tinha feito um pouso
de emergência na única lua da Terra. Era este cruzador de exploração que devia ser
destruído, para que os terranos, como eram chamados esses desconhecidos, não
entrassem na posse da técnica especial dos arcônidas.
Hakolin ficou imaginando por que um dos senhores da galáxia intervinha
pessoalmente, para organizar uma missão aparentemente tão pouco complicada. Ficou
também espantado que um dos senhores da galáxia pudesse interessar-se em evitar que os
terranos não tivessem conhecimento da técnica dos arcônidas — pois Hakolin não tinha a
menor idéia de que justamente estes terranos, exatamente 435 anos mais tarde, teriam
chegado muito perto de acabar com o poder dos senhores da galáxia...
E se ele executasse a sua missão, os terranos jamais ameaçariam Andrômeda.
Tudo isso ele não sabia. Também não sabia que agora registrava-se o ano de 1.971 e
que ainda não tinha sido lançado o foguete que deveria levar um major da US-Space-
Force, de nome Perry Rhodan, à Lua terrana...
Depois de ter recebido todas as informações que o senhor da galáxia achava que
devia saber, ele confirmou as ordens, depois disto lhe ser exigido, e deu partida logo em
seguida para o transmissor hexagonal de Andrômeda, para voar, através da estrada dos
transmissores, até a primeira galáxia.
Os homens da Terra também não tinham idéia do que se passava — aliás eles nem
sabiam que, além deles, ainda existiam outros seres dotados de inteligência...
2

Omar Hawk puxou o seu jato-mosquito fortemente para estibordo. Esta manobra foi
feita sem motivo lógico — de modo puramente instintivo — e impediu que o seu caça
para duas pessoas fosse atingido pelo forte feixe energético da arma da nave inimiga.
O oxtornense e primeiro-tenente de um corpo especial da Contra-Espionagem
Galáctica repuxou sua cara marrom-coriácea num sorriso satânico. Deixou o jato rolar,
baixando a aleta direita, uma manobra que era como o início de um vôo picado. Porém
Hawk arrancou o nariz rombudo do aparelho rapidamente para cima, quase na vertical,
mal aquele rolar terminara.
Tenso, ele observou que o aparelho do agente secreto tefrodense fez um looping.
Aquele homem, lá do outro lado, conhecia todos os truques e sabia que tinha diante de si
um adversário que o equivalia. Dificilmente cairia naquela manobra mistificadora.
E tinha razão!
Também o caça tefrodense foi puxado violentamente para cima, quase na vertical!
Ele voou exatamente para dentro do raio de impulsão do jato terrano. Omar Hawk
previra a reação do adversário, colocando o seu próprio aparelho, depois de poucos
quilômetros de vôo vertical, de costas.
O campo energético defensivo do tefrodense ardeu como um sol diminuto. Por
alguns segundos o aparelho subiu, porém logo começou a sacudir violentamente.
Hawk encetou uma segunda curva. Ele queria tentar salvar o agente inimigo, se é
que este ainda conseguisse sair de dentro do seu aparelho.
Tarde demais ele deu-se conta de que o seu adversário não tencionava
absolutamente deixar-se salvar por ele. Ao contrário! Com o seu caça espacial,
fortemente atingido, ele acelerou mais uma vez, colocando o nariz também rombudo de
seu veículo num ponto no negrume do espaço, em que o jato-mosquito terrano teria que
passar nos próximos três segundos.
O Primeiro-Tenente Hawk fora descuidado demais, caso contrário poderia ter se
esquivado daquela manobra espacial, sem dúvida alguma. Deste modo, ele apenas
conseguiu evitar que a sua nave fosse atingida por um tiro em cheio, no centro de
gravidade da mesma.
Mesmo assim, um baque formidável estremeceu todo o seu aparelho. O tefrodense
devia tê-lo acertado na popa.
Por quase meio minuto, Omar Hawk teve a impressão de que o Universo inteiro
girava à sua volta numa velocidade estonteante. Depois conseguiu estabilizar o aparelho
outra vez.
Mas isso foi tudo que conseguiu fazer — ou quase tudo.
Sem nada poder fazer, ele teve que ficar apenas olhando enquanto o seu jato-
mosquito era puxado irresistivelmente para o segundo planeta do sol amarelo. Na sua
avaliação demoraria ainda umas duas horas, até que o aparelho entrasse na atmosfera,
desintegrando-se numa bola de fogo.
Mas, nisso tudo, ele tinha um consolo.
O seu adversário tefrodense fora castigado de modo ainda pior. A sua proa mostrava
uma profunda avaria, que devia ter sido originada pelo choque espacial. Além disso, a
carlinga do piloto estava estilhaçada e a cabeça do agente inimigo, metido num capacete,
rebrilhava à luz do sol, sempre que ele se virava.
Duas horas se passaram. Durante este tempo as duas naves espaciais distanciaram-
se tanto uma da outra, que os pilotos já não mais podiam ver-se a olho nu. Porém Omar
estava convencido de que o seu adversário tomava medidas idênticas às que ele mesmo
estava tomando preparativos para a hora seguinte...!
Alguns quilômetros por cima dos prolongamentos pouco densos da atmosfera do
planeta, Omar Hawk abriu o seu cinturão de segurança. Mais uma vez ele examinou se as
suas armas estavam todas nos seus devidos lugares. Depois ligou a sua aparelhagem
antigravitacional, embutida no traje de combate.
Não era fácil descer de uma nave espacial em louca disparada, e que acelerava cada
vez mais em queda livre. Mesmo assim, ele o conseguiu. Certamente catapultar toda a
carlinga teria sido mais fácil e menos perigoso, mas o oxtornense não queria que o seu
adversário notasse o seu desembarque — e o impulsor de foguete que catapultaria a
carlinga no espaço certamente o denunciaria, com o seu rabo de fogo.
Enquanto ele mergulhava para dentro da atmosfera, com o seu campo energético
defensivo ativado, observou o ponto escuro que representava o outro veículo. Também ali
nada se via de foguetes salvadores. Prova de que o tefrodense entendia de desembarque
de modo tão lógico quanto ele. Ou então, talvez ele já estivesse morto, mas nisto o oficial
da Contra-Espionagem não acreditava muito.
Felizmente as camadas mais fundas da atmosfera estavam serenas, de modo que
Omar Hawk não precisou ativar o seu microimpulsor. Ele regulou a velocidade da queda
simplesmente com o seu aparelho antigravitacional e caiu, relativamente devagar, para
baixo. Deste modo a atmosfera não se tornava incandescente, devido ao seu campo
energético protetor, o que recompensava a desvantagem, que estava embutida naquela
queda extremamente lenta. Em determinadas circunstâncias o seu adversário chegaria
mais cedo, lá embaixo, do que ele, porém, nesse caso, ele teria que ligar o seu propulsor
energético a algumas centenas de metros de altura, e a emissão de energia, sem dúvida
alguma, teria revelado a sua posição.
Das duas naves espaciais tudo que ainda restava eram destroços incandescentes e
cinzas que agora caíam numa chuva sobre o planeta. Elas tinham se queimado pelo calor
da fricção, a cerca de quatro quilômetros de altura, tendo explodido, sem que, entretanto,
tivesse ocorrido uma reação atômica.
O oxtornense achava-se a duzentos metros de altura, quando deu-se conta de que
iria aterrissar provavelmente bem no meio de um pequeno, mas muito fundo lago, no
centro de uma cratera. Ele curvara-se para a frente mandando um feixe muito
concentrado de luz refletida para baixo, cujo eco duplo demonstrava que a profundidade
ali devia ser de quase trezentos metros.
Ornar resolveu aproveitar a sorte do acaso. Regulou sua antigravidade para 0,6
gravos, desligou o campo energético individual, e logo começou a cair bem mais
rapidamente que antes. Em chão duro ele certamente teria quebrado todos os seus ossos,
porém a água abafou a queda — sem levar-se em conta também que Omar Hawk era um
adaptado ao meio ambiente, com uma constituição física compacta. O seu planeta natal,
Oxtorne, possuía uma gravidade de 4,8 gravos, inclusive uma pressão atmosférica
correspondentemente alta e um clima apavorante para nascidos na Terra, com oscilações
extremas de temperaturas.
Imediatamente depois que ele alcançou a superfície do lago novamente, Hawk
nadou para a terra. Não demorou mais do que era necessário para orientar-se, depois
correu, dando saltos de dez a quinze metros, para o cume de um morro.
Ali ele ergueu-se e olhou para o oeste, na direção em que o tefrodense devia ter
pousado, ou estava justamente pousando.
Nada!
Aqueles desfiladeiros em parte nus, em parte cobertos de uma grama marrom e
arbustos baixos, estavam vazios, se não se levasse em conta um ou outro pequeno animal
selvagem e alguns bandos isolados de pássaros.
Será que o outro teria morrido junto com o seu aparelho, quando este se
transformou numa bola de fogo?
Três pontos de fogo, que se afastavam em forma de leque, deram resposta a esta
pergunta não pronunciada:
— Foguetes!
O Primeiro-Tenente Hawk resistiu à tentação de ligar a sua micropropulsão e fugir
dali.
Os tiros vinham alto demais, para poderem causar um impacto numa proximidade
perigosa. Era evidente que o tefrodense blefava. Ele estava tentando levar o seu
adversário a cometer uma imprudência, e matá-lo com um tiro certeiro, tão logo pudesse
rastrear o desenvolvimento energético do seu propulsor.
Hawk esperou.
Em algum momento o tefrodense perderia a calma.
Com impactos surdos, os foguetes foram cair a alguns quilômetros de distância. A
fumaça subiu aos céus, em rodopios. Satisfeito, Ornar registrou o fato de que não se
tratava dos cogumelos típicos das explosões atômicas. Neste mundo pacífico, as armas
atômicas não deviam ser usadas.
Depois ele descobriu um véu de poeira a sudoeste.
Como o ar praticamente não se mexia, isso somente poderia significar uma coisa: O
adversário ligara seu aparelho antigravitacional, colocando-o em polarização invertida.
Com isto, ele fora lançado bastante para o alto, e um gerador do seu defletor evitava que
pudesse ser observado oticamente.
O oxtornense encolheu-se, tirou o cano comprido dos ombros e deixou deslizar para
dentro do mesmo um Redeye XIII. Mirou rapidamente o ponto no ar onde imaginava
encontrar-se o tefrodense, depois apertou com o polegar a tecla de ignição.
O Redeye varreu por dentro do cano e afastou-se com um silvo abafado. Para o seu
cabeçote de busca infravermelho o gerador do defletor não seria nenhum empecilho.
Hawk entretanto não esperou pelo resultado do seu tiro. Atirou-se para a frente,
saltando, bem junto da rocha, para o lago lá embaixo.
E foi a sua sorte, pois no segundo seguinte explodiu, por cima dele, um foguete,
exatamente no lugar onde há poucos segundos ainda estivera de pé.
— Não é um truque ruim! — murmurou ele, enquanto ligava o seu micropropulsor,
voando velozmente bem por cima do espelho de água do lago. — Esse garotão esperto
deve ter mandado o seu traje de combate viajar sozinho.
Quase na margem oposta do lago, Omar acionou a ligação vertical do seu aparelho
antigravitacional. Numa curva quase vertical ele atirou-se para cima. Ao mesmo tempo
ativou o seu campo defletor, na esperança de que o tefrodense apenas acharia que tudo
aquilo não passava de uma repetição dos seus próprios truques, deixando passar sem
problemas o suposto traje de combate.
E foi então que ele o viu.
Ele estava acocorado num buraco natural na terra, apontando com uma arma de
mão, pesada, energética, para o oxtornense.
Os tiros dos dois agentes foram disparados ao mesmo tempo.
Em volta de Omar Hawk desceu a noite.
Só voltou a si mais tarde, numa cabine relativamente apertada, à meia-luz, um
letreiro de “Atenção” brilhando em vermelho e uma voz mecânica, que gemia de forma
nada modulada.
Terminada a simulação do Simultan. Resultado empatado!
***
Omar Hawk piscou, devido às lâmpadas de controle do console de comando, abriu
as fivelas magnéticas de seu cadeirão anatômico e levantou-se com a leveza de um
grande gato selvagem.
Pensativo, ele acendeu um cigarro, inalou a fumaça, dirigindo-se depois,
lentamente, em direção à escotilha da cabine. No corredor do Centro de Condicionamento
da Crest III ele encontrou o gigantesco ertrusiano Melbar Kasom.
Ao mesmo tempo os dois condicionados ao meio ambiente estenderam-se as mãos,
se felicitando pelos seus resultados.
Depois começaram a rir, sem conseguir parar.
Depois que tinham conseguido controlar-se novamente, foram andando lentamente
até o elevador, deixando-se levar até o convés de lazer. O pavilhão do solário parecia
gigantesco, porém quatro quintos daquela paisagem exoticamente terrana eram apenas
uma ilusão, habilmente plasmada por técnicos de vídeo engenhosos.
No pavilhão-bar eles se deixaram cair em macias poltronas, divertindo-se com as
caras espantadas dos outros presentes, horrorizados ao verem os assentos das poltronas
irem até quase ao chão, e pediram um coquetel de suco de legumes, duplo.
— O senhor foi um tefrodense diabolicamente engenhoso, Melbar! — disse Omar
Hawk, espontâneo. — Por assim dizer, o mais perigoso agente inimigo que já cruzou o
meu caminho.
Kasom riu tão alto, que alguns outros oficiais chegaram a tapar os ouvidos com as
mãos. Ele bebeu o seu grande copo de um só trago e logo pediu outro.
— Eu tenho que devolver esse elogio, Omar — ele sacudiu a cabeça. — Para falar
francamente, eu jamais imaginei que o senhor fosse capaz de me meter num
“empatados”! Afinal de contas eu não tenho somente a maior experiência de muitas
missões, mas, além disso, sou especialista da USO, e como tal, até agora, sempre me
achei invencível.
Hawk sorriu.
— Aliás, eu não o venci, Melbar. Mas, ainda assim, os especialistas da Contra-
Espionagem Galáctica certamente não recebem um treinamento pior do que os
especialistas da USO. Só que, normalmente, não fazem tanto barulho sobre isso.
— Essa acertou em cheio! — observou o ertrusiano, sorrindo. — Mas o senhor
talvez tenha razão. Em nossa organização quase só existem terranos coloniais, e estes se
destacam, até mesmo fisicamente, de modo bastante acentuado dos nascidos na Terra.
Por isso não é de admirar que as “pessoas normais” da CEG não apareçam tanto, nem
chamem tanto a atenção. Até o senhor não chega a sobressair da massa, quando até
mesmo sua força física é superior à minha, sem falarmos da força de resistência do seu
metabolismo.
O oxtornense fez um gesto defensivo, chegando até a ficar um pouco ruborizado.
Ele não gostava quando acentuavam as suas qualidades especiais, assim como também
não gostava quando alguém procurava colocá-lo sob uma luz desfavorável.
— Não é a força bruta, mas o espírito o fator decisivo, quando se trata de um agente
secreto. O senhor viu isso até durante nosso “combate”. Nenhum de nós dois tentou
empregar as suas forças físicas.
Melbar Kasom passou cuidadosamente a mão nos seus cabelos foiciformes, que lhe
iam da testa até a nuca, e eram a única parte do seu corpo que o ertrusiano costumava
cuidar com certa vaidade.
Em seguida pôs a mão na região do estômago e repuxou a cara numa careta de
desconforto.
— Eu sugiro irmos, antes de mais nada, comer alguma coisa, Omar. O que me diz
sobre isto?
— Concordo. O meu estômago também já está roncando desde o desjejum. Vamos
ver se conseguimos alguma coisa que alimente.
Em todas as espaçonaves maiores da Frota Solar havia restaurantes especiais para
adaptados ao meio ambiente e que tinham uma necessidade acima da média de alimentos
— bem como para terranos das colônias, com metabolismos estranhos. Seria impossível
querer que ambos os lados comessem sempre juntos. Deste modo, por exemplo, pessoas
nascidas na Terra não agüentariam comer ao lado de um adaptado ao meio ambiente de
Sapiskaia, ou mundos exóticos como este, e ficarem olhando enquanto essa gente
devorava o seu mingau meio apodrecido, de um violeta brilhante, feito de frutos do mar
parecidos com medusas. Só o cheiro já seria suficiente para provocar vômitos
irresistíveis...
Por outro lado, o metabolismo dos que vinham de mundos exóticos necessitava de
determinadas combinações orgânicas especiais, sem as quais eles somente poderiam
existir por muito pouco tempo — e por enquanto ainda não se conseguia fabricar tudo
sinteticamente.
Melbar Kasom, aliás, comia tudo que lhe punham na frente — desde ouriços
viscosos, passando por baba de caracóis de Giga ao forno, até um firme assado de carne
bovina terrana. Curiosamente nada disso lhe fazia mal — ou pelo menos quase nada.
Ele pediu, modestamente desta vez, somente um peru grelhado e como aperitivo
cerca de três quilos de salada mista.
Omar Hawk necessitava de certas especialidades. Comeu um prato que consistia de
cerca de quatro quilos de peixe fortemente salgado, passado na máquina, e além de
toucinho não defumado e fígado de mamus oxtornenses, cerca de dois litros de mosto
fermentado de cogumelos. De vez em quando ele necessitava destas especialidades, pois
o seu metabolismo, afinal de contas, tinha que conservar músculos que pareciam de
metalplástico e ossos que deviam ter a resistência do aço terconite.
Os quatro epsalenses na mesa ao lado daqueles dois agentes contentaram-se
realmente com muito pouco. Comiam grandes tiras de carne meio carbonizada e
tomavam uma bebida, que um estudante de química, depois de cuidadosa prova,
provavelmente definiria como uma mistura de vinagre de alta percentagem com
salmoura.
Kasom e Hawk certamente ainda teriam ficado por muito mais tempo por ali, se os
alto-falantes do intercomunicador não lhes tivesse solicitado comparecerem
imediatamente à sala de comando, apresentando-se ao Lorde-Almirante Atlan.
Um olhar às telas de imagem do vídeo externo, que havia em toda parte, mostrou-
lhes o motivo daquilo.
Lá fora, no cosmo, pairava, aparentemente sem se mover, o corpo cilíndrico de uma
espaçonave maahk...
***
Perry Rhodan e Atlan tinham reunido a sua tripulação. Gucky, Tschubai, Marshall,
Baar Lun, Kasom e Hawk.
Antes de deixarem a sala de comando para embarcarem numa nave auxiliar tipo
corveta, o Administrador-Geral resumiu mais uma vez quais as metas que eles haviam se
colocado para as negociações que tinham pela frente:
— Nós necessitamos, imprescindivelmente, das antigas estações intergalácticas dos
maahks, ainda existentes, e que conseguimos conquistar aos senhores da galáxia. Sem
estas estações estaríamos condenados a ficar em Andrômeda ou em Andro-Beta, o que,
de conformidade com nosso pacto com os maahks, não podemos fazer de modo algum.
“Entretanto, sob o ponto de vista legal, os maahks ainda são os legítimos
proprietários das “estações” intercósmicas, apesar do fato de que estas ultimamente
estavam na posse dos senhores da galáxia, contra os quais nós lutamos, para reconquistá-
las.
“Portanto trata-se de convencer os maahks de que eles terão que nos ceder
provisoriamente suas estações intergalácticas, para que possamos cumprir a nossa parte
neste pacto. Naturalmente não poderemos exercer pressão, se não quisermos pôr em
perigo a paz entre as nossas raças. Por outro lado, entretanto, eu não quero que os maahks
nos vejam como pobres dispersos, cortados do seu mundo natal, e que já não mais
possuem um moral de combate excepcionalmente bom.”
Ele sorriu, matreiro.
— Foi por isso que eu sugeri o quarto planeta do sol branco Urhag como ponto de
encontro para nossas negociações. Este planeta, ao qual os maahks chamam de Lamaar,
tem, sob sua superfície, uma pequena surpresa — naturalmente não para nós. Nós
sabemos que aqui existiu uma estação do movimento de resistência tefrodense aos
senhores da galáxia. A estação foi conquistada por tefrodenses fiéis, há muitas décadas
atrás, e a sua guarnição totalmente liquidada. Esqueceram-se, entretanto, de destruir as
instalações técnicas.
“Estas instalações consistem em sua maior parte de computadores robotizados —
autárquicos — e de projetores de fantasmas, que servem para atemorizar criaturas
exóticas que por ali possam aparecer.
“Portanto vai haver uma surpresa relativamente inofensiva para os nossos amigos
maahks, mas uma surpresa com a qual os seus cérebros, que raciocinam tão logicamente,
não conseguirão digerir.”
Ele sorriu novamente.
— Os senhores, e especialmente Gucky, Baar Lun e Ras Tschubai, deverão provar
aos respiradores de hidrogênio que nós não somos os pobres coitados, necessitados de
ajuda, pelos quais, aparentemente, estamos sendo tomados. Isto certamente influenciará
positivamente o rumo das próximas conversações.
Depois desta curta explicação todos entraram na corveta pronta para deslanchar.
Durante o vôo, Omar Hawk ficou refletindo sobre a tarefa que esperava por eles no
planeta Lamaar. Rhodan fizera apenas ligeiras alusões aos perigos. Naturalmente
projetores de fantasmas eram conhecidos, pois nada mais eram que uma espécie de
cinema em terceira dimensão, que não necessitava de uma tela e que transmitiam ao
assistente a sensação de encontrar-se bem no meio dos acontecimentos — como
participante. O oxtornense perguntava-se como é que truques semelhantes poderiam
assustar os maahks, normalmente tão corajosos.
A nave auxiliar pousou nas proximidades de um cone achatado, coberto por
vegetação pobre, evidentemente ainda um vestígio das lutas que aqui tinham ocorrido
entre os combatentes da resistência tefrodense e os lacaios tefrodenses dos senhores da
galáxia.
Do outro lado do funil, a cerca de dois quilômetros de distância da KC-09, pousou a
nave auxiliar cilíndrica dos maahks. Robôs desajeitados saíram de dentro da nave,
caminhando pela borda do cone, onde se encontraram com seus colegas de fabricação
terrana.
Tiros de armas energéticas, de ambas as naves auxiliares, limparam o interior do
cone de sua vegetação. Depois os robôs começaram o seu trabalho. Transformaram o
chão da cratera numa plataforma lisa, com um revestimento duro como o aço,
acrescentaram módulos pré-fabricados de construção e passaram no centro uma parede
transparente. Depois disso, ergueram sobre tudo uma cúpula transparente de plástico, da
grossura de uma folha de papel, calafetaram a mesma nas entradas das eclusas e por cima
da parede de separação, e finalmente ativaram a aparelhagem, controlada por
computador, de climatização e renovação de ar.
Dentro de seis horas o trabalho estava terminado. As delegações de ambas as raças
encontraram-se pela primeira vez, cada uma na sua metade da cúpula, que tinha o ar que
respiravam, sua gravidade acostumada, e a temperatura mais amena possível.
O Lorde-Almirante Atlan e Grek-1, o chefe do governo dos povos reunidos dos
maahks, na Nebulosa Alfa, já se conheciam. Há algum tempo atrás eles tinham
trabalhado num tratado de paz, fundamentado, que também tinham assinado.
Este tratado previa a desistência de Andrômeda pelos terranos, a urgente retirada
das formações de suas frotas e a não-ingerência na política dos maahks. Além disso,
continha um parágrafo sobre a retenção, pelos terranos, da base de apoio de Gleam, em
Andro-Beta, e a ajuda armada dos maahks para a definitiva liquidação dos senhores da
galáxia.
E agora os maahks de repente estavam colocando problemas. Por um lado, eles não
haviam contado com o fato de que a frota terrana em Andrômeda fosse cortada de sua
galáxia natal. Por outro lado, era evidente que eles se inquietavam com os êxitos que esta
frota tinha conseguido conquistar contra os senhores da galáxia e os tefrodenses até
agora.
Grek-1 afirmava que os senhores da galáxia, com a destruição do planeta Multidon,
já estavam definitivamente derrotados. Ele duvidava das informações de Rhodan a
respeito de um mundo central dos senhores da galáxia, um legendário sistema de três
planetas, no qual devia encontrar-se o centro nervoso de todo o poder dos senhores da
galáxia.
Os dois chefes de governo passaram todas as cópias dos arquivos dos maahks em
revista, procurando por um registro a respeito de um sistema de três planetas, cujas
particularidades coincidissem com aquelas que Perry Rhodan aventara.
Sem sucesso, entretanto.
Os maahks concederam que existia uma probabilidade para que este sistema jamais
tivesse sido descoberto e registrado por eles. Entretanto tinham esta probabilidade como
muito pequena, tão pequena que achavam que a mesma era negligenciável.
Em vista disso insistiram que os terranos deviam deixar a Nebulosa de Andrômeda
imediatamente. Numa outra ocasião eles não estariam dispostos a colocar-lhes à
disposição as suas estações intergalácticas.
Rhodan e Atlan chamaram a atenção dos maahks para o último e mais forte bastião
dos senhores da galáxia.
Inutilmente.
Grek-1 retrucou que eles poderiam muito bem, mesmo sem o apoio dos terranos,
liquidar os últimos restos do poder dos senhores da galáxia.
Este foi o resultado do primeiro dia das negociações.
***
Omar Hawk e Melbar Kasom partiram na mais estranha missão de patrulha de todo
o seu tempo de serviço!
O planador elíptico media cerca de oito metros de comprimento por quatro de
largura, tendo três metros de altura. Projetores antigravitacionais e turbinas de impulso
davam-lhe uma velocidade máxima de novecentos quilômetros horários. Entre as duas
poltronas traseiras, levemente levantadas, estava montado um canhão energético, que
podia ser girado para todos os lados.
Um maahk vestindo um traje espacial cinza-azulado estava sentado diante do
console de comando. Perto dele estava acocorado Melbar Kasom, com as pernas puxadas
para cima da poltrona. O segundo par de poltronas era ocupado por Omar Hawk e outro
maahk, e por trás deles, mais dois maahks guarneciam o canhão energético.
O planador entretanto não se movimentava com sua velocidade máxima, porém
seguia com menos de quarenta quilômetros horários numa altura de cinco metros acima
da superfície, coberta com escassa vegetação, do planeta Lamaar. A carlinga transparente
estava aberta, e os olhos dos soldados da patrulha olhavam atentamente em redor.
O Primeiro-Tenente Hawk sorria, para si mesmo. Ele sabia que a segurança das
delegações de negociações não estava realmente ameaçada. As estranhas aparições que,
neste segundo dia de negociações, tinham assustado tanto aos maahks, consistiam apenas
das chamadas projeções de fantasmas.
Mas os terranos fizeram tudo para demonstrar que realmente acreditavam numa
ameaça.
Por esta razão um grupo de seis planadores desdobrou-se, saindo com uma
tripulação mista, para verificar a causa das aparições e afastar, o mais rapidamente
possível, aquela ameaça.
Ao contrário dos pesados trajes espaciais dos maahks, os terranos vestiam apenas os
seus leves macacões de combate. Os capacetes, que na realidade eram capuzes, podiam
ser dobrados para a frente, do mesmo modo que capacetes de pressão, mas Lamaar era
um mundo de oxigênio, e por esta razão isto naturalmente era desnecessário.
Hawk deitara a cabeça para trás, olhando com os olhos semicerrados para aquele
céu de um azul muito profundo, que somente tinha uma nuvenzinha branca, vagando aqui
e acolá. Ele sentiu com prazer aquele ventinho fresco da manhã, e em pensamentos
transportou-se para Oxtorne, para sua mulher Yezo, que naturalmente não podia
acompanhá-lo em suas missões. Pensou no seu mundo natal, no qual, após gerações de
adaptados insuficientemente, finalmente tinham conseguido a adaptação total. Este
mundo extremo, com seus furacões violentos, os tremores e as reviravoltas constantes de
calor e frio, certamente ainda pareceria um verdadeiro inferno a um homem nascido na
Terra.
Para as gerações dos colonizadores totalmente adaptados, entretanto, ele era um
verdadeiro paraíso.
Também Lamaar poderia ser um paraíso, pensou ele, um paraíso para colonizadores
vindos da Terra. Os danos que haviam sido infligidos ao planeta pelas lutas entre os
tefrodenses não prejudicariam em nada uma colonização. Eram insignificantes em vista
da fertilidade da terra e das possibilidades que os mares, as planícies de terras pretas e os
inúmeros tesouros minerais ofereciam.
Ele suspirou.
Nunca mais o pé de um ser humano pisaria neste mundo. A paz entre os maahks e
os terranos tinha custado um preço. Andrômeda era tabu para a Humanidade, e os maahks
dificilmente permitiriam a entrada de uma raça humanóide nos limites do seu poder.
Ninguém poderia levar a mal aos respiradores de hidrogênio o fato deles
raciocinarem e agirem tão intransigentemente.
Tinham sido respiradores de oxigênio humanóides que há dezenas de milhares de
anos atrás os haviam escorraçado de sua pátria, a Nebulosa de Andrômeda — e
respiradores de oxigênio humanóides os escorraçaram novamente do seu exílio na Via
Láctea, quase destruindo-os completamente. E agora eles finalmente queriam uma
galáxia que pertencesse exclusivamente a eles e a ninguém mais, um direito de domicílio
que não seria contestado por ninguém.
Mesmo assim era uma pena que estes muitos milhões de planetas bons, que não
podiam ser colonizados pelos maahks — pudessem ser colonizados por humanóides.
Ele foi arrancado de sua meditação quando o planador deu um salto para a frente, e
o canhão energético atrás dele começou a disparar.
Ao levantar os olhos, descobriu uma parede de um metro de altura, de uma neblina
leitosa, que se arrastava lentamente em direção ao veículo. Os raios incandescentes, de
um azul-esbranquiçado, que ininterruptamente eram despachados pelo cano do canhão
sobre aquela massa ondulante, somente faziam danos quando acertavam no solo, onde
sua energia se descarregava. A névoa, entretanto, continuou inexoravelmente arrastando-
se para a frente, tornando-se lentamente cada vez mais alta.
Gritos estridentes saíram dos alto-falantes dos capacetes dos maahks, quando a
neblina alcançou a ruína de um edifício com cúpula, literalmente tragando-o. Era como se
o prédio tivesse sido sugado.
O oxtornense jamais vira os maahks tão amedrontados. Os combatentes desta raça
não conheciam o medo diante da morte. Adversários físicos, corpóreos, jamais os
assustavam, porém isto aqui era algo bem diferente, algo que ia além do seu poder de
abstração, num cérebro que pensava com a lógica rígida, como o deles.
Quando aquela parede de neblina estava a apenas poucos metros diante do planador,
o piloto girou a nave para trás, querendo fugir.
Melbar Kasom colocou sua mão imensa no seu ombro.
— Pare! — ordenou ele, num kraahmak impecável.
O maahk chegou a abaixar-se.
— Não podemos fazer nada! — retrucou ele. — Lamaar tem que ser destruído!
Esta era a conclusão natural para uma inteligência raciocinando logicamente. Algo
que aparentemente lutava com meios sobrenaturais somente poderia ser vencido com
uma operação de destruição completa.
Porém isto não era do interesse dos seres humanos.
— Nós vamos desembarcar! — disse Omar Hawk. — Vocês permaneçam, com o
planador, bem perto dos limites do campo de neblina, ficando em ligação conosco pelo
telecomunicador.
Com um salto elegante ele pulou por cima da parede baixa de bordo do veículo.
Melbar Kasom o seguiu pelo mesmo caminho.
Imediatamente o planador atirou-se cinqüenta metros para trás. E ali permaneceu.
Os maahks tinha cessado o fogo, uma vez que o mesmo, aparentemente, nada conseguia
contra aquele adversário sinistro.
Kasom sorriu ao oxtornense.
— Agora vamos mostrar a estes cabeças de foice o que é um ancinho, não é
mesmo?
Omar retribuiu o sorriso.
— Eles vão ficar espantados, quando nos virem sair novamente de dentro da névoa,
sãos e salvos. Na realidade eu acho que eles mesmos já deviam ter percebido que os
objetos que entram em contato com a neblina simplesmente são envolvidos por um
campo defletor, ficando, deste modo, completamente invisíveis.
O ertrusiano abriu a boca para uma resposta. Porém não chegou mais a isso. Diante
deles apareceu, de repente, uma gigantesca bola de fogo, curvando-se acima do horizonte
e brilhando mais que um sol.
Kasom e Hawk sabiam, no mesmo instante, o que tinham pela frente. Puxaram
rapidamente seus capacetes por cima da cabeça, ligaram seus campos defensivos
energéticos individuais, e deitaram-se no chão, ao comprido, com os pés na direção da
bola incandescente da explosão atômica.
Um minuto mais tarde, uma onda de deslocamento de ar quente varreu por cima de
suas cabeças. Logo depois chegou-lhes o trovejar ensurdecedor do espocar de terra,
destroços e poeira que se espalhavam para todos os lados a partir do ponto de impacto da
explosão.
Porém somente depois que a onda negativa de deslocamento de ar tinha passado por
cima deles, em direção contrária, eles ousaram levantar as cabeças.
O banco de neblina sumira. Bem longe, no oeste, erguia se um gigantesco cogumelo
atômico, que mandava para a estratosfera as suas ramificações com uma velocidade
impressionante.
A ruína do edifício de cúpula ainda estava de pé, porém alguns pedaços haviam sido
arrancados do mesmo há pouco.
Omar Hawk arrastou os pés na grama. A mesma transformou-se imediatamente em
poeira branco-acinzentada.
Isso não tinha sido nenhuma projeção fantasmagórica, mas sim uma coisa bem real!
Um adversário, que não deveria haver em Lamaar, tinha golpeado, mesmo que, de
princípio, sem sucesso.
Porém já o próximo foguete atômico poderia evaporar aquela cúpula provisória
dentro da cratera, na qual estavam reunidas as mais altas autoridades dos governos dos
maahks e do Império Solar.
3

Quando o girino de sessenta metros, IK-USO-42, caiu de dentro do espaço linear,


num dos braços laterais da Nebulosa de Andrômeda, o Capitão Mines Horan
imediatamente deu-se conta de que tinha arribado bem no meio de um ninho de
marimbondos.
O seu punho fechado bateu sobre a placa detonadora da aparelhagem de alarme. Por
toda a parte nos recintos e corredores da nave auxiliar as sirenas de alerta começaram a
tocar, estridentemente. As comportas dos canhões abriram-se e os rastreadores de alvos
começaram a procurar os seus adversários.
Mas de um adversário não se via absolutamente nada.
Somente o disco, do tamanho de uma moeda, de um sol amarelo pálido brilhava na
tela de imagem de bombordo, e os hiper-rastreadores registravam três planetas. O número
um era muito pequeno, com uma superfície quase líquida, incandescente. O número dois
parecia apresentar condições semelhantes às da Terra. O número três foi reconhecido
como um gigante de hidrogênio-metano.
Estes eram exatamente os dados do mundo central dos senhores da galáxia!
O Capitão Horan ficou sentado por quase um minuto, imóvel na sua poltrona
anatômica, a mão ainda em cima da placa detonadora do alerta. Mines Horan não tinha a
menor ilusão.
Ele sabia que os senhores da galáxia teriam garantido o seu sistema central como a
nenhum outro dos seus bastiões. E como o capitão estava bem informado acerca das
outras fortalezas dos senhores da galáxia, bem como sobre suas tropas auxiliares, ele não
duvidou absolutamente de que a sua nave tinha sido rastreada no mesmo instante em que
saía de dentro do espaço linear.
Não havia nenhuma possibilidade de fuga para a IK-USO-42!
Horan entretanto nem pensava em sacrificar os seus homens, se resignando. Os
terranos nunca perdem a esperança, enquanto ainda há vida. Naturalmente ele não
nascera na Terra, e seu organismo diferenciava-se ligeiramente do dos homens terranos,
mas, ainda assim ele se considerava um terrano, como todos que podiam atribuir a sua
descendência a nascidos no planeta Terra.
Ao terminar o seu raciocínio, um sorriso aflorou rapidamente aos lábios de Mines
Horan. Retirou a mão da placa disparadora do alarme e levou o microfone do
intercomunicador à boca.
— Atenção! Comandante à tripulação! Todos os homens imediatamente aos mini-
space-jets. Repito: Todos os homens entrem imediatamente nos mini-space-jets. A nave
terá que ser abandonada. A partida se dará dentro de cerca de dez minutos. Silêncio de
rádio! Eu repito: Silêncio de rádio!
Lentamente ele levantou-se, voltando-se para o seu navegador.
— Calcule a rota até o segundo planeta do sistema. Coloque os dados no piloto
automático, mas tome o cuidado de que este vôo não se processe em linha reta, mas que
se assemelhe a um típico curso de busca e orientação!
O navegador era, tal como o seu superior, um ex-aluno da USO, e não fez perguntas
supérfluas. Ele entendeu que o comandante tinha em mente uma manobra para iludir o
adversário, e fez todo o possível para manipular todos os dados da rota
correspondentemente.
Entrementes o Capitão Horan girou o girino de tal modo que o seu hangar dos jatos
tomasse a posição exatamente contrária à do segundo planeta.
Somente dois minutos depois o navegador anunciava que o piloto automático já
estava devidamente programado.
Os minúsculos space-jets da United Stars Organization de modo algum
correspondiam aos space-jets normais da Frota Solar. Os mesmos eram
significativamente menores e na realidade somente conseguiam abrigar três homens.
Desta vez, em dois jatos, teriam que ser amontoados sete homens em cada um e os seis
restantes em outro. Tudo ficou mais que apertado, uma vez que os pilotos tinham que
conservar toda a sua liberdade de movimentos. Eles não vestiam trajes espaciais. Para
isso não haveria lugar suficiente. Qualquer tiro que atravessasse os costados, levaria
invariavelmente a uma catástrofe.
Enquanto o girino vazio, por enquanto, ainda se dirigia diretamente em direção ao
segundo planeta, levado pelo piloto automático. Os três space-jets atiraram-se para fora
do seu hangar, arremessados para o espaço por um campo de empuxo gravimecânico,
depois de se tornarem sem peso, após a ativação de seus próprios campos
antigravitacionais.
O Capitão Horan tinha proibido estritamente que fossem ligados os impulsores
energéticos dos jatos. Eles tinham somente uma possibilidade muito pequena de poderem
escapar, ou seja, a de se deixarem cair, em queda livre, somente levados pelo impulso de
saída, e pela lei de inércia da massa, afastando-se cada vez mais do sistema central dos
senhores da galáxia.
***
Trinar Molat recebeu a informação do rastreamento no instante em que voltava de
sua “excursão” ao passado.
O pânico tomou conta do senhor da galáxia, quando reconheceu, nas telas de
rastreamento, os contornos de uma pequena espaçonave esférica de construção terrana, e
que se aproximava do sistema em linha reta.
Porém, no instante seguinte, ele conseguiu recuperar toda a sua capacidade de
raciocinar friamente. Por enquanto achou melhor não destruir o invasor, apesar de ter
todos os meios para isso.
O Fator I, curiosamente, estava muito bem informado a respeito dos planos dos
terranos. Se, apesar disso, ele não lhe anunciara nem uma missão de busca do sistema
central, só havia uma explicação para isto: os terranos não tinham a menor noção da
existência de Tamania.
Conseqüentemente esta nave esférica só poderia ter vindo por puro acaso até o
sistema.
Quando, depois de alguns minutos, ela tomou o rumo do terceiro planeta, Molat
respirou aliviado. O comandante da nave terrana naturalmente estava atento, porém ele
mesmo parecia não saber direito o que era que chamava a sua atenção nesse sistema.
Depois de alguns minutos a nave esférica mudou de rota novamente. Desta vez ela
voou novamente na direção do número dois.
Trinar Molat continuava hesitando.
Ele não queria tomar nenhuma atitude, antes de ter certeza absoluta de que o terrano
não desconfiava de alguma coisa. O terrano já ultrapassara o limite de quinze milhões de
quilômetros, até o qual os canhões de polarização invertida atingiam, porém até agora ele
somente reconheceria, mesmo com os melhores aparelhos de rastreamento, apenas
montanhas, oceanos e planícies em Tamania. Todas as instalações importantes
encontravam-se debaixo da superfície, e aquilo que, por necessidade, tinha que ficar de
fora, tinha sido camuflado cuidadosamente para evitar qualquer identificação.
Porém o terrano agora permanecia no mesmo rumo. O senhor da galáxia sorriu,
friamente. Ele sabia que os terranos podiam contar com um exército de mutantes. Talvez
eles estivessem querendo surpreendê-lo com os mesmos.
Porém este receio desapareceu quando a nave tomou o rumo do primeiro planeta.
Com isto, ela se tornava um corpo estranho para Trinar Molat e pura e
simplesmente se transformara num objeto indesejável que teria que ser liquidado, para
evitar que se tivesse que ficar sentado diante da tela de rastreamento durante horas.
Uma ordem mental, precisamente formulada, disparou o ativador de um canhão
inteiramente automático de polarização invertida — um dos mais de cem mil.
A arma diferenciava-se consideravelmente daquela que os terranos empregavam.
Ela funcionava na fração de um segundo.
Quase no mesmo instante da ordem pensada a espaçonave terrana transformou-se
numa nuvem em expansão de gases incandescentes.
Molat riu, zombeteiro.
Os terranos nem sequer tinham podido mais transmitir um rádio, avisando da
emergência. Ninguém jamais ficaria sabendo que eles tinham terminado suas vidas,
abruptamente, bem perto do mundo central dos senhores da galáxia.
Trinar Molat formulou uma outra ordem.
No instante seguinte ele encontrou-se na superfície daquele seu mundo.
Os galhos erguiam-se até quase o centro da clareira da floresta virgem. Galhos e
folhas moviam-se suavemente no vento morno, que era soprado das grandes estepes,
através daquele portal natural — o portal entre duas montanhas de altura média.
Um bando de pássaros multicoloridos levantou-se, batendo as asas fortemente,
desaparecendo por cima das copas das árvores, piando e avisando...
— Uma arma de projétil! — ordenou Molat, a meia voz. Bem perto, diante dele,
formou-se uma bolha faiscante de energia. O senhor da galáxia estendeu a mão — e no
segundo seguinte agarrara uma arma de polarização invertida. A construção da mesma
nada tinha a ver com a do canhão de polarização invertida. A mesma simplesmente
disparava projéteis explosivos com a força energética de um campo de propulsão de
polarização invertida.
Ele engatilhou a arma e deslizou, quase sem fazer ruído, até atrás do tronco de uma
árvore gigantesca. Um sorriso aflorou nos seus lábios quando deu de olhos no Krath, que
estava dependurado de um galho mais baixo, observando-o atentamente.
O sorriso apagou-se novamente. Um trovejar surdo vinha do outro lado da clareira.
Pequenos animais peludos, semelhantes a macacos, lançavam-se de galho em galho,
numa fuga precipitada, enquanto comedores de sementes, do tamanho de texugos,
corriam grunhindo e guinchando por entre a relva alta.
E então ressoou o formidável grito do tigre verde!
Trinar Molat sentiu as palmas de suas mãos úmidas. Instintos reprimidos assumiram
o controle do seu corpo.
— Nada de campo energético protetor! — ordenou o Trinar com voz rouca, não
muito alto.
Ele queria, pelo menos por mais uma vez, entrar numa luta verdadeira e não contra
criaturas sem defesa, como fora o caso com os homens da nave terrana.
Um feixe de pêlo verde, cor de esmeraldas, ossos duros, tendões fortes e músculos
duros como o aço, de garras e dentes, de indomável ferocidade, caiu entre o mato baixo
da clareira.
Molat ajoelhou-se e levantou a arma.
Depois emitiu um assobio estridente.
O tigre verde rodopiou. Os seus olhos amarelos como um sol rebrilhavam belicosos.
Um rugido surdo saiu de sua bocarra de dentes enormes.
Trinar Molat apertou o gatilho, quando o animal selvagem já vinha voando pelos
ares.
O projétil raspou a fera e explodiu no seu flanco direito. Por isto o raio do seu salto
foi modificado ligeiramente. A um metro de distância de Trinar, aquele corpo pesado
caiu no chão — girou rapidamente e pulou em cima de Molat.
Porém este conseguiu jogar-se, com um salto enorme, para longe das garras e dos
dentes afiados da fera. Jogou longe a sua arma de polarização invertida e puxou da bainha
a sua faca vibradora. Os dois adversários encontraram-se em pleno ar.
Quando Trinar Molat levantou-se novamente, o seu coração batia forte, com aquele
triunfo.
Ficou olhando o pêlo, que brilhava metalicamente, daquela fera do jangal, e que
agora estava caída aos seus pés, sem se mexer. A faca vibradora atravessara-lhe
exatamente o centro do crânio meio quadrado.
— Robô-enfermeiro! — ordenou Molat.
Uma máquina esférica materializou, recebeu dentro de si o senhor da galáxia, para
dispensá-lo novamente, poucos minutos depois.
O grande ferimento no ombro de Trinar Molat tinha sido recoberto com uma
camada protetora e curativa, oito vezes aplicada. Dentro das próximas duas horas, aquele
ferimento já estaria novamente fechado.
Com passadas elásticas ele dirigiu-se até onde se encontrava a sua arma, caída no
chão, juntou-a e caminhou finalmente para o estreito caminho do mato por onde o tigre
verde viera.
Talvez suas pegadas o levassem até o animal macho — ou para uma gruta com
filhotes. Ele os domaria, usando-os mais tarde, como sua guarda pessoal!
***
Quando os três space-jets estavam a uma distância de cinqüenta milhões de
quilômetros dos limites do sistema central, o Capitão Horan mandou ligar os impulsores
energéticos.
Os três minúsculos veículos aceleraram rapidamente, desaparecendo na escuridão
do espaço interestelar, mergulhando, meia hora mais tarde, no espaço linear.
— Todos os homens a bordo! — ouvia-se o chamado nos receptores dos capacetes
de Omar Hawk e Melbar Kasom. E aquela ordem era repetida constantemente.
O planador dos maahks freou fortemente diante dos dois terranos coloniais. Os
respiradores de hidrogênio tinham perdido todo o medo. Uma explosão era algo bem real,
e os cabeças foiciformes jamais temiam algo real.
Depois que os homens tinham embarcado, o piloto girou o veículo, fazendo-o
deslizar em alta velocidade a poucos metros acima do solo, em direção ao local onde se
encontravam as duas naves auxiliares. Também os maahks aparentemente estavam sendo
chamados de volta.
Porém o planador jamais alcançaria qualquer uma daquelas duas naves...
O mesmo deixado atrás de si cerca da metade da distância de cento e vinte
quilômetros, quando alguma coisa atravessou os céus, com um rugido infernal. Quando o
barulho sumiu na distância, os dois terranos e os maahks escutaram um assobio que vinha
se avolumando.
— Desça! — gritou Melbar Kasom para o piloto maahk.
Este parecia não entender absolutamente nada e quando o ertrusiano resolveu pôr a
mão nos controles, foi atirado violentamente para trás.
E então o mundo submergiu num relâmpago cegante...
Quando Omar Hawk acordou, abrindo os olhos com esforço, somente viu poeira e
cinzas.
Pesadamente ele rolou o corpo para ficar de costas. Através do véu de poeira que
cobria todo o céu, viam-se relâmpagos intermitentes. Diminutos pontos incandescentes
inchavam até se tornarem discos faiscantes, que se desdobravam rapidamente para depois
lentamente empalidecer e sumir.
Acima da atmosfera de Lamaar estava acontecendo uma batalha espacial.
Com muito esforço Omar conseguiu concatenar suas lembranças sobre o que
acontecera nos últimos segundos, antes que ele perdesse os sentidos.
Eles estavam viajando num planador...
Ele ergueu-se um pouco, nos cotovelos.
Mas não viu nada que se parecesse a um planador, até onde a vista alcançava. Por
toda parte havia fogueiras, e nenhuma mancha verde se destacava daquele branco-
cinzento das cinzas.
A cerca de cem metros de distância havia um monte de ferros retorcidos em brasa.
Será que aquilo fora o planador — ou melhor, era o que sobrara dele?
O oxtornense lembrou-se do rugido infernal que ouvira no alto do céu. Logo depois
aquele assobio — aquilo deviam ser bombas, bombas atômicas, que tinham sido atiradas
de uma pequena nave voando dentro da atmosfera!
Mas quem teria atirado aquelas bombas?
Quem teria conseguido passar através do anel das naves de vigilância terranas e
maahks, que bloqueava aquele sistema na Nebulosa de Beta, contra qualquer visitante
indesejável?
Omar Hawk sacudiu a cabeça.
Lembrou-se de Melbar Kasom. O ertrusiano fora quem notara o perigo em primeiro
lugar. Só que não conseguira mais convencer o piloto maahk disso.
O que teria acontecido com Kasom?
Hawk ergueu-se totalmente. Neste instante ele notou pela primeira vez aquele tique-
taque violento que enchia o seu capacete de pressão, e o dosímetro totalmente iluminado.
Não pôde evitar que, por alguns segundos, os seus joelhos fraquejassem.
Fusão catalizadora a frio não provocava qualquer tipo de emissões radioativas, e
todas as raças que faziam uso de vôos interestelares espaciais, só usavam ainda a fusão
catalizadora fria. Fissão nuclear combinada com bombas de fusão nuclear, tal como
diziam ter sido usadas na Terra no Século XXI, quando muito poderia ser fabricada
somente artesanalmente.
E de modo algum nem os tefrodenses, nem os senhores da galáxia, os maahks ou
terranos, teriam se dado a esse trabalho sem sentido.
Quem mais, portanto, encontrava-se também na Nebulosa de Andro-Beta?
A louca corrida “Amok” dos mobys e em seguida a operação de destruição das
esferas modulares tinham destruído muitos planetas na Nebulosa Beta — de qualquer
modo todos os que tinham capacidade de hospedar vida inteligente.
De onde poderia estar vindo este adversário, que jogava bombas atômicas
antiquadas à sua volta?
Durante estas reflexões, Omar Hawk encaminhara-se para os destroços do planador.
E agora ele ligou o seu telecom do capacete, chamando Melbar Kasom.
Não durou muito tempo e a figura gigantesca do ertrusiano ergueu-se entre dois
campos de destroços, chamejantes. Kasom balançava como um bambu ao vento. Omar
ouviu os seus gemidos, através do receptor do seu capacete.
— Está ferido, Melbar? — perguntou ele, preocupado. O especialista da USO
praguejou fortemente e pôs a mão no seu macacão de combate, bem no lugar onde as
suas costas alongadas se abrigavam.
— Estes malditos planadores! — gritou ele. — Por que os maahks os constroem
com estes reforços metálicos pontudos, sobre os quais não se pode cair sem sair todo
cheio de manchas roxas!?
Omar Hawk sorriu, aliviado.
— Provavelmente o corpo deles é mais duro que o nosso, meu caro — disse ele ao
ertrusiano, para consolá-lo. — Parece entretanto que os nossos amigos maahks levaram a
pior.
Ele curvou-se para a figura, toda retorcida, de um maahk. O respirador de
hidrogênio estava num estado lastimável. Aparentemente ao cair do planador, o seu traje
espacial rompera-se, e o hidrogênio que sairá do mesmo misturou-se com o oxigênio da
atmosfera, transformando-se num gás que, por seu lado, foi apanhado pelas chamas do
planador, gerando violenta explosão.
Os dois homens procuraram juntos por sobreviventes maahks. Mas nenhuma
daquelas criaturas de cabeças foiciformes tinha sobrevivido à queda.
— O que eu gostaria de saber mesmo, é a quem devemos isso tudo! — disse Melbar
Kasom. — Evidentemente nossas informações sobre Lamaar não estão muito certas.
A mesma suspeita também já viera ao oxtornense.
— O senhor está querendo dizer que, neste planeta, além dos robôs, há também
ainda inteligências orgânicas...?
— É exatamente o que quero dizer — retrucou Kasom.
— O que me admira é que Gucky, num caso destes, não tenha captado impulsos de
pensamentos estranhos.
Como se com isso ele tivesse dado uma palavra em código, a figura do rato-castor
materializou entre os dois homens. Ele piou estridentemente e gritou muito indignado:
— Naturalmente! Agora, mais uma vez, o culpado de tudo sou eu! Só quero que se
lembrem que, afinal de contas, não sou nenhum mágico.
— Claro que não é — retrucou Melbar, cinicamente — mas é capaz de ler
pensamentos.
— Os pensamentos de gente viva, sim! — gritou Gucky. — Mas nunca os
pensamentos de mortos!
O ertrusiano riu às gargalhadas, depois estacou, olhou para aquela criatura peluda,
pensativamente, e murmurou:
— Você tem que me explicar isso melhor, baixinho. Quer dizer que os habitantes de
Lamaar estavam mortos, e agora foram novamente ressuscitados?
Gucky assobiou estridentemente.
— Você é mesmo muito esperto. Mas é isso mesmo, gordão. Os robôs de Lamaar
tinham colocado todos os habitantes de Lamaar num sono de hibernação. Naturalmente
não estou me referindo à guarnição tefrodense deste mundo. Estes realmente foram
liquidados pelos seus semelhantes. Não, por ordem dessa guarnição, os robôs colocaram
os primitivos habitantes de Lamaar num sono profundo de hibernação, para que ficassem
fora de combate, sem entretanto terem que morrer.”
“Quando nós chegamos aqui, e nossos mutantes entraram em ação, para destruir os
projetores fantasmagóricos, os robôs acordaram os lamaarianos congelados, para que
estes entrassem em ação contra nós. E esta gente naturalmente fez isto com as armas que
ainda tinham à sua disposição, e estas eram as antigas bombas de fusão, e cerca de cem
velhos cruzadores espaciais.”
— Mas como é que você sabe de tudo isso? — perguntou Omar Hawk, espantado.
O rato-castor riu, nervoso.
— Afinal de contas eu sei ler pensamentos, não é mesmo? Antes que Kasom e
Hawk pudessem retrucar, ele pegou os dois pelas mãos, teleportando com eles para
dentro da nave auxiliar da Crest III.
***
Numa operação-relâmpago os mutantes que haviam vindo com Rhodan tinham
liquidado o perigo que vinha das câmaras de congelamento de Lamaar. As cem naves
espaciais antiquadas, que haviam partido, comandadas e controladas por um centro de
telecondução, agora eram apenas ainda nuvens de gás que vagavam no espaço.
Os maahks nem tinham chegado a entrar em ação. Antes de poderem recuperar-se
do seu susto, a situação já tinha sido esclarecida. Por assim dizer sendo colocados diante
de fatos consumados, eles tiveram que reconhecer, ainda que a contragosto, a
superioridade dos terranos.
Isto deu a Perry Rhodan a desejada oportunidade de fazer passar suas exigências.
Depois de um tempo relativamente curto de conversações, os maahks e terranos
assinaram um tratado separado. No mesmo os maahks obrigavam-se a entregar aos
terranos, para sempre, as duas estações intergalácticas, conquistadas pelas forças do
Império Solar. O Império Solar, por sua vez, prometia-lhes ajuda reforçada para repelir a
frota tefrodense, cada vez mais ativa, e que já infligira severas perdas aos maahks.
As garantias de Rhodan, de pôr um ponto final às ameaças tefrodenses,
conseguiram um reforço maior, quando apareceram três mil multinaves, novinhas em
folha, vindas da estação Midway.
Com isto as forças de combate terranas cresceram nas bordas de Andrômeda para
quatro mil unidades ultramodernas, cuja capacidade de luta correspondia a cerca de
quarenta mil naves cósmicas do mesmo tamanho, dos maahks.
Estes fatos convenceram mais aos maahks do que todas as teorias apresentadas até
então. Alem disso, Perry Rhodan garantiu-lhes que ele desapareceria mais depressa do
centro de poder dos maahks, se os maahks lhe dessem o necessário apoio.
A situação chegara a este ponto, quando uma mensagem de hiper-rádio, codificada,
foi captada na Crest III, na qual se falava da descoberta do mundo central dos senhores da
galáxia.
Um capitão da USO afirmava que fizera esta descoberta.
O Administrador-Geral deu instruções para que este oficial e os seus homens
fossem trazidos até ele, o mais depressa possível.
Meio dia mais tarde o Capitão Mines Horan chegou à Crest III.
Perry Rhodan ouviu o seu relato, fez com que lhe dessem os dados de
posicionamento do trisistema, e elogiou o capitão pelo seu modo inteligente e prudente de
agir.
Depois disso deu ordens para que as suas próprias quatro mil naves fossem
preparadas para partirem pára a Tamania. Os maahks ofereceram vinte mil de suas
próprias unidades, para a luta que teriam pela frente, logo depois de terem sido
informados.
Com esta força de combate o Administrador-Geral tencionava obrigar o inimigo à
uma decisão. Seria uma luta terrível, disso ele tinha certeza. Mas esperava que, depois
disso, estaria acabado definitivamente o derramamento de sangue. Tudo que ele queria
era afastar definitivamente, o perigo que pairava sobre a humanidade, para depois disso
regressar à sua galáxia natal, e ali dedicar-se em paz, à construção do seu Império.
Mas ele nem imaginava que, 435 anos para trás, uma nave de combate tefrodense,
penetrava no Sistema Solar, para varrer da realidade o Império da Humanidade e a ele
mesmo...
4

A nave de combate tefrodense do Comandante Hakolin voltou para o contínuo-


espaço-tempo quadridimensional na borda externa da corona solar do sol.
Hakolin fez a nave parar.
Os aparelhos de rastreamento trabalhavam incessantemente e forneciam dados e
mais dados. O rosto de Hakolin, de hora em hora ficava cada vez mais satisfeito. Nem
uma única nave espacial foi alcançada pelos hiper-rastreadores dentro do Sistema Solar.
Os documentos que ele trouxera consigo pareciam estar certos. Este sistema era habitado
por uma raça primitiva, que até agora ainda não tinha abandonado o seu planeta pátrio.
Não se criaria qualquer problema, em deixá-los, por muitos séculos, mergulhados
em seu primitivismo. Jamais estes terranos descobririam a herança arcônida na lua do seu
planeta. Jamais eles desempenhariam um papel na política galáctica e muito menos na
intercósmica. E nem sequer se dariam conta do que estavam perdendo com isto!
— Ainda temos três dias de tempo — disse ele ao seu primeiro-oficial, o tefrodense
Melnarik. — Neste mundo primitivo eles registram apenas o dia 7 de junho de 1.971. O
cruzador arcônida, entretanto, só deverá ser destruído no dia 10 de junho. Entrementes
nós talvez possamos dar uma olhada nos outros planetas deste sistema. O que é que você
acha disso?
Melnarik encolheu os ombros.
— O senhor da galáxia nada nos disse sobre isto. Não sei se seria correto fazer isto
sem uma ordem expressa dele...
— Que nada! — retrucou Hakolin. — Ele não nos proibiu nada expressamente.
Além disso nós faremos tudo com o maior cuidado. Eu não vou me arriscar a nada,
apesar de saber que diante do primitivismo desses terranos, nem com a melhor boa
vontade podemos imaginar que vamos correr algum risco.
Ele lançou um olhar aos documentos.
— Leve a nave para as proximidades do primeiro planeta, Melnarik. Os terranos
chamam-no de Mercúrio. Vamos dar uma boa olhada nele. Apesar de não acreditar numa
ameaça, eu quero ter certeza de que ninguém me atacará pelas costas, quando voarmos
adiante, em direção à Terra.
A Rawthor pôs-se novamente em movimento. Eles se aproximaram do primeiro
planeta do Sistema Solar, a partir do Sol, e Hakolin tomou o cuidado de manter sempre o
disco solar às suas costas. Ele não queria correr o menor risco, já que a sua missão lhe
fora dada por um dos senhores da galáxia e por isso qualquer falha representaria uma
condenação à morte para o comandante e para a tripulação.
Porém todos os receios, por menores que fossem, demonstraram-se inteiramente
infundados. Nenhum feixe de rastreamento atingiu a Rawthor e nenhuma outra
espaçonave apareceu, até onde os tateadores de rastreamento atingiam.
Verificaram que o primeiro planeta, que os terranos chamavam de Mercúrio, era um
mundo extremo, biófobo, onde nenhuma vida era possível. Ele girava em torno do seu
eixo uma vez, no mesmo espaço de tempo em que orbitava o Sol. Por esta razão num dos
seus hemisférios reinava sempre a noite enquanto no outro sempre era dia. O lado do dia
era um verdadeiro inferno de calor. Nenhuma planta jamais existiria ali. Um incessante
bombardeio de radiações violentas tinha tornado o solo desértico fortemente radioativo, e
não havia nenhuma atmosfera para protegê-lo contra este fato.
O lado noturno mostrava a mesma imagem. Apesar das temperaturas muito baixas,
a superfície era um deserto de rochas e areias, sem traços de qualquer líquido congelado.
Caso alguma vez tenha havido água neste planeta infernal, a mesma certamente devia ter
evaporado logo após a sua formação.
Do ponto de vista de Hakolin, Mercúrio, entretanto, oferecia um grande número de
incalculáveis vantagens. A técnica tefrodense sem dúvida alguma teria possibilidades de
minerar as grandes quantidades de metais pesados existentes ali. Cúpulas herméticas e
robôs, em conjunto, compensariam as condições ambientais negativas, promovendo
riquezas incalculáveis.
Porém este sistema solar estava afastado demais de Andrômeda. Não valia a pena
transportar riquezas minerais de uma galáxia para a outra, quando se tinha, na sua própria
galáxia, planetas de igual valor à disposição.
Depois que a Rawthor tinha orbitado o planeta pela décima vez, o resultado fora
plenamente aferido. Não havia nenhuma indicação a respeito de atividades de seres
inteligentes.
O Comandante Hakolin ordenou que deixassem a órbita em torno de Mercúrio, e
que voassem em direção ao segundo planeta do Sistema Solar — um planeta todo envolto
em nuvens, ao qual os terranos chamavam de Vênus...
***
Os “olhos” do Comandante estavam em toda a parte.
Eles pairavam naquela atmosfera coberta de nuvens amareladas, deslizavam por
cima dos férteis mares primitivos, por cima das copas das árvores gigantescas de áreas
fumegantes de florestas tropicais impenetráveis e sobre os rochedos permanentemente
úmidos e nus das regiões mais elevadas.
Eles vigiavam, observavam.
Eles observavam há muitos milhares de anos e todos os resultados dessas
observações eram canalizados para o comandante, que decidia sobre o grau de sua
importância, e que se esforçava para receber indícios de seres que não tinham nascido
neste mundo.
Até agora o comandante esperara sempre em vão, investigara em vão em busca dos
indícios esperados — e fora disso apenas cuidara para que aquilo que lhe haviam
confiado ficasse sempre em funcionamento, para que pudesse ser utilizado, a qualquer
tempo e hora, pelos senhores da galáxia.
Mas o comandante tinha muito tempo, quase um tempo infinito. Ele não sabia o que
era tédio, nem esperança, nem decepção. Também não conseguia sentir preocupações,
pelo fato dos senhores demorarem tanto em aparecer. Eles o tinham criado, para que ele
sempre se mantivesse de prontidão — e algum dia eles viriam, porque precisavam dele.
Por todas essas razões ele achou que a hora chegara, quando diversas sondas
rastreadoras informaram de um grande objeto metálico, que mergulhava, de forma
bastante lenta, nas camadas superiores da atmosfera.
Na prática, somente podia tratar-se de uma nave espacial, e as informações que o
comandante possuía a respeito das naves espaciais dos senhores, comprovavam que a
construção e o princípio de propulsão correspondiam às suas expectativas.
O comandante ativou todos os controles adicionais e complementares. Muitas
centenas de metros cúbicos de aparelhos de campos positrônicos começaram a se
intercomunicar através de canais de hiper-rádio. Impulsos normais, na velocidade da luz,
teriam prejudicado o modo de trabalhar do comandante e retardariam seu processo
mental. O problema, entretanto, já fora solucionado há dez mil anos atrás, quando a
conexão entre todos os setores foi interligada praticamente de modo intemporal através
do meio do contínuo pentadimensional.
A grande nave espacial entrementes passara por entre a densa coberta de nuvens,
que circundava o planeta completamente e desde tempos imemoriais. Ela tomava um
curso que passaria pelo comandante, indo dar no outro lado do planeta.
E com isto o comandante não podia concordar de modo algum. Pela primeira vez
veio-lhe a suspeita de que poderiam não ser os esperados, os que haviam surgido ali.
Uma vez que ela se comportava desse modo, os outros eram inimigos!
O comandante deu uma ordem.
A estação de rádio irradiou uma mensagem em base de hiperondas, para a
tripulação da nave esférica, exigindo a identificação, através do sinal em código,
previamente combinado.
Poucos segundos depois veio a reação.
A cosmonave estranha ergueu-se, com aceleração espantosa, até as camadas mais
elevadas da atmosfera.
Isso parecia-se muito com uma fuga.
As conclusões do comandante resultavam em uma ordem de idéias de uma lógica
muito forte. Sua presença neste mundo era um segredo e teria que continuar sendo um
segredo, até que os senhores dessem ordens em contrário. Nenhum estranho deveria ficar
sabendo disso — e se ficasse sabendo, não deveria ter mais oportunidade para passar este
conhecimento adiante.
O comandante ordenou que a espaçonave fosse agarrada por um feixe de tração
energética, que o deveria trazer para a base, para ser devidamente revistada...
***
O Comandante Hakolin não tinha qualquer documento a respeito do segundo
planeta Solar. Fazia muito tempo, quase cinqüenta mil anos, desde que a primeira
humanidade fugira das investidas dos halutenses para Andrômeda, e os senhores da
galáxia tinham tomado todas as precauções desde que haviam assumido o poder, para que
os tefrodenses, de geração a geração, esquecessem cada vez mais de sua primeira pátria.
Caso Hakolin soubesse que seus antigos antepassados já haviam povoado o terceiro
planeta do sistema do Sol e que o senhor da galáxia tinha vindo do futuro, para introduzir
um paradoxo do tempo, teria agido com muito mais cuidado. Paradoxos do tempo só se
deixavam causar com êxito sob condições muito especiais e bem determinadas. Um fator
de permanência ainda não explorado era o culpado disso. O que já tinha acontecido, o
que se materializava no fluxo do tempo, sempre tinha a maior estabilidade...
As teias de imagem da galeria panorâmica mostravam apenas a camada branco-
amarelada, sem lacunas, das nuvens sobre a superfície de Vênus. Nas telas de
rastreamento, entretanto, os contornos dos oceanos, planícies com florestas e altas
montanhas mostravam-se agora plasticamente.
Vênus era um mundo primitivo.
Hakolin foi tomado por uma agitação, da qual era acometido todo astronauta
legítimo, quando se via diante de um mundo cheio de vitalidade e no qual a vida orgânica
está em vias de fazer uma seleção decisiva: uma seleção para o surgimento de futuros
seres vivos inteligentes.
— Desça mais! — ordenou ele ao seu primeiro-oficial. — Eu quero dar uma boa
olhada neste planeta.
Melnarik confirmou. Ele não hesitou um instante em cumprir a ordem do seu
comandante. Eles já tinham estado juntos em muitas missões, todas realizadas com
sucesso, e Hakolin não era tido como o melhor comandante da frota tefrodense apenas
entre a tripulação de sua antiga nave cósmica.
Os microfones externos traziam para dentro o uivar do furacão violento que agitava
a atmosfera. Melnarik teve que colocar os impulsores em estabilização automática, caso
contrário a Rawthor teria sido atirada de um lado para o outro, como uma bola sobre as
ondas de um mar revolto.
Hakolin estava de pé atrás do console do rastreador e examinava os resultados que
vinham chegando. Nada indicava que em Vênus existissem criações de alguma
civilização. Porém isto ninguém tinha esperado. Os terranos ainda não poderiam ter
alcançado o segundo planeta do seu sistema solar, quando somente daqui a três dias eles
usariam um primitivo foguete de combustível líquido para, pela primeira vez, tentarem
chegar até a sua própria lua.
Depois de alguns minutos o comandante voltou-se novamente para a galeria
panorâmica.
Aquilo que ele via nas telas, infelizmente, o decepcionou.
A atmosfera de Vênus era simplesmente densa demais, para deixar que os raios
solares conseguissem penetrar até a sua superfície. Este fato proporcionava uma
temperatura relativamente baixa — bem junto ao solo mediam-se 35 graus centígrados,
recalculados para o sistema métrico terrano — porém aquela . densa coberta de nuvens ao
mesmo tempo causava uma luz sombria, cinza-esverdeada, e um clima de estufa, que
provocava grandes formações de neblina, ocasionadas pelas correntes de ar frio que
vinham do lado noturno do planeta.
Hakolin ordenou que o sistema de vídeo fosse transformado em rastreamento de
tateamento.
Logo depois os contornos da superfície tornaram-se mais claros. A transmissão a
cores fez aparecer uma curiosa península de massa cinza-esverdeada, deitada num verde
brilhante: a água de um oceano cheio de vida. A ponta de terra tinha o formato da cabeça
de um animal. Sua imagem correu pelas telas, enquanto a Rawthor descia cada vez mais.
Um continente pôde ser reconhecido. Rios destacavam-se como fitas que brilhavam
prateadas, e se contorciam em inúmeras curvas e laços.
Hakolin estava tão aprofundado na visão daquela paisagem primitiva que o uivar
sinistro das sirenas de alarme lhe provocaram um verdadeiro choque.
— Atenção! Central de rádio ao comandante! — gritou o alto-falante do
intercomunicador. — Foi captada uma mensagem de rádio estranha! Ponto de origem
cerca de 31 graus 16 minutos norte, 13 graus 52 minutos a leste!
Hakolin rapidamente recuperou o controle.
— Texto! — ordenou ele.
Um segundo depois veio a resposta.
— Estação de rádio estranha envia texto claro, mas numa língua desconhecida.
— Desconhecida? — perguntou Hakolin, severo. — Desde quando o inglês terrano
é desconhecido? O senhor não se lembra mais das informações dos senhores da galáxia?
— Não se trata de inglês terrano! — retrucou o operador de rádio, muito agitado. —
Se eu não soubesse que o cruzador de exploração arcônida se encontra na lua da Terra, eu
diria que a mensagem é na língua arcônida. Mas também nesse caso, há algumas palavras
que não coincidem com isso.
Hakolin pôde sentir que o medo tomava conta dos seus sentidos.
— Primeiro-oficial! — gritou ele. — Retirada, para fora da atmosfera! Empuxo
total!
Melnarik engrenou.
Com os impulsores rugindo, a Rawthor subiu para dentro do céu coberto de nuvens
de Vênus.
Ela subiu, até que um solavanco formidável a fez parar inteiramente...
***
O Comandante Hakolin agiu do mesmo jeito que qualquer outro experiente
comandante de nave espacial teria agido. Assumiu o controle manual da Rawthor
pessoalmente e jogou a nave, o mais depressa que pôde, novamente para baixo. Ao
mesmo tempo ordenou à central de artilharia um contragolpe com todas as armas
disponíveis — exceto aquelas que pudessem pôr a nave em perigo.
No horizonte viu-se um relampejar.
Uma cúpula gigantesca, irradiante, arqueou-se repentinamente por cima do cume de
uma montanha, perto do limite dos seis mil metros. Os feixes irradiantes dos canhões
energéticos ricocheteavam sobre a mesma sem causar danos, e os mísseis teleguiados
eram desviados de suas metas um quilômetro antes de atingi-las, erguendo-se para o alto,
na vertical, para desaparecerem além do horizonte.
Hakolin deu-se conta de que aquele adversário invisível pelo menos era do mesmo
calibre que ele. Não fez qualquer tentativa para lutar contra o raio de tração com seus
impulsores, mas, ao contrário, acelerou na mesma direção.
Durante todo este tempo a Rawthor despejava tiros de todos os lados.
Estranhamente o adversário não respondia ao fogo. Isso levou o tefrodense, que estava
acostumado a ações descompromissadas, à suposição de que atrás do campo defensivo
energético do estranho não devia haver armas de destruição.
Com a mesma intransigência, Hakolin aproveitou-se desta dedução.
Deu ordens para que as tropas de robôs fossem desembarcadas.
Dentro de dois minutos cerca de dois mil robôs de combate atiraram-se das eclusas
do fundo da Rawthor. Estavam armados com armas energéticas, desintegradores e
pesados canhões energéticos em cima de esteiras rolantes, em carretas autônomas, e
imediatamente depois do pouso entraram em formação de combate para o ataque à
fortaleza na montanha.
Conseguiram chegar até dez quilômetros de distância do bastião do desconhecido. E
então foram recepcionados com um fogo defensivo tão violento e destruidor que o
Comandante Hakolin viu-se forçado a ordenar a retirada.
A Rawthor, entretanto, por enquanto ainda continuava sem ser molestada. Hakolin
tinha aproveitado o ataque dos seus robôs, para, numa manobra de surpresa, arrancar a
nave do campo de ação do raio de tração. Com um forte impulso dos seus propulsores ele
empurrou-a para dentro de um profundo vale entre duas montanhas, pousando bem junto
de uma parede rochosa que devia ter, pelo menos, dois mil metros de altura, na vertical.
Os raios de tração do adversário não conseguiam penetrar ali. Naturalmente Hakolin
sabia que não conseguiria fugir daqui, enquanto o inimigo ainda existisse.
A fortaleza teria que ser destruída!
Cinco minutos depois do pouso, Hakolin abandonou sua nave, numa diminuta nave
auxiliar. Com ele iam mais outros três tefrodenses na cabine. Oficiais do Corpo de
Desembarque da Rawthor, homens que tinham sido treinados por muitos anos em
solitárias missões de comando, e que não temiam nenhum adversário.
O comando a bordo da nave de combate tinha sido passado ao primeiro-oficial,
durante o tempo de ausência do comandante. Melnarik recebera ordens rigorosas para
cuidar da verdadeira missão da qual eles haviam sido encarregados, a qualquer preço: a
destruição do cruzador de exploração arcônida que pousara, numa alunagem forçada, na
lua da Terra.
Junto com o comandante os restantes quinhentos robôs de combate deixaram a
Rawthor. Eles eram acompanhados por dois mil homens da tripulação, consistente de três
mil praças. Os tefrodenses usavam veículos blindados, com esteiras rolantes, para o seu
transporte. Duzentos homens entre eles faziam parte de um comando pioneiro do Corpo
de Desembarque. Levavam suficiente equipamento consigo para escavar uma montanha
do tamanho do Ararat, como se fosse um morrinho feito por uma toupeira.
Pouco tempo depois, máquinas pesadas com desintegradores literalmente comiam a
rocha, penetrando naquele imenso paredão. Vinte túneis, hemisféricos no seu corte,
foram abertos, e nas suas bocas havia comandos de robôs, prontos e preparados, com seus
explosivos nucleares.
A estas horas o Comandante Hakolin já se encontrava voando em direção da
fortaleza do adversário. A nave auxiliar elíptica atirava-se, com os propulsores cantando,
através do vale estreito. À esquerda e à direita erguiam-se paredões rochosos, até uma
altura de quase cinco mil metros. Um rio trovejava vale abaixo. Os gigantes da floresta
tropical curvavam suas copas largas até quase o meio do rio.
Hakolin espiou através do plástico-blindado transparente da carlinga. Apesar de sua
situação mais que ameaçadora ele se deixava impregnar, de forma sedenta, das
impressões daquele mundo primitivo. O seu olhar demorava-se nos cipós e lianas que
formavam uma espécie de cortina, pendendo até quase a superfície da água daquele rio
furioso. Passou os olhos pelos bandos de aves, que se erguiam acima da cúpula
aparentemente impenetrável do jangal. De vez em quando, apareciam cabeças de sáurios,
com longos pescoços, através daquela cumeada de folhagens. Os seus olhos opacos
olhavam, estupidamente, atrás daquele objeto diminuto, que passava por eles fazendo um
ruído estranho.
Por um instante Hakolin sentiu o desejo ardente de esquecer a sua tarefa, para se
esconder aqui mesmo, neste mundo, em algum lugar, para assumir a luta com esta
natureza indomada e...
Mas logo, com um pequeno esforço, abandonou esta idéia.
Toda a sua vida ele cumprira o seu dever fiel e confiavelmente, tornando-se um
modelo para os seus subordinados. Numa hora de perigo ele não poderia abandoná-los,
levado apenas por um tolo capricho sentimental.
— Distância paralela zero! — avisou o navegador a seu lado.
Hakolin apertou os dentes. Eles se encontravam na mesma altura que a fortaleza da
montanha. Se tudo andasse direito, dentro de cerca de um quarto de hora eles se
voltariam para o lado contrário, de onde tentariam aproximar-se da fortaleza, enquanto o
Comando de Desembarque faria uma manobra para desviar a atenção do adversário.
Entretanto, a mais importante condição prévia para um sucesso era que o inimigo
desligasse o seu campo defensivo energético, para poder enviar tropas de solo para a luta.
— Distância paralela dez! — avisou o navegador. “Conseguimos!”, pensou
Hakolin. “Eles não rastrearam nossa nave, caso contrário não deixariam de atacá-la!”
Cinco minutos mais tarde os seus olhos brilharam em triunfo.
Os rastreadores negativos da energia estranha registraram fortes emissões, que
somente podiam vir de uma luta entre tropas de solo adversárias e suas próprias.
Hakolin desistiu de fazer um caminho ainda mais longo. Arrancou com a nave
auxiliar para o alto, apontando a proa para os pesados bancos de nuvens que se tinham
formado por cima da borda do desfiladeiro.
A missão do comando começara.
***
O comandante da fortaleza da montanha era constantemente informado sobre os
movimentos das tropas terrestres adversárias. Entrementes, ele já tinha praticamente
certeza de que não se tratava dos senhores. Diminutas diferenças na construção da nave e
sobretudo na construção dos robôs de combate tinham sido mais decisivas para esta
conclusão do que a atitude visivelmente hostil do comando da nave.
Se o comandante tivesse apenas um mínimo de humor certamente não poderia
deixar de sorrir das medidas que o lado contrário estava tomando. Mas a ele não só
faltava todo e qualquer humor, como ele também não possuía aquele “filtro de
sensações”, através do qual as condições ambientais costumam influenciar as
inteligências orgânicas e através do qual elas recebem o seu perfil específico.
Ele conhecia apenas a sua tarefa e as possibilidades de garantir a execução desta
tarefa.
Partindo deste ponto de vista, ele tomou providências para as represálias
necessárias.
***
O céu sombrio, cheio de vapor, era iluminado pelo reflexo intermitente das
explosões energéticas. A luta entre as tropas terrestres de ambos os lados estava cada vez
mais dura e violenta. Hakolin, intimamente, já não contava mais com suas tropas
terrestres. Elas teriam que ser sacrificadas para que a Rawthor pudesse cumprir a sua
missão.
Ele lançou um olhar para o seu marcador de tempo. Mais três segundos...!
No instante seguinte ele entrou numa fenda do rochedo com a sua nave auxiliar.
O céu primeiro tingiu-se de vermelho cor de sangue, depois de um branco azulado.
Àquela erupção luminosa logo seguiu-se um trovejar abafado. Das paredes da fenda
soltaram-se grandes blocos de pedra, que ricocheteavam, fazendo um ruído infernal, no
costado da nave.
O comando pioneiro tinha detonado a primeira explosão atômica.
Hakolin tinha certeza de que, diante disso, o adversário reagiria, colocando na luta
um maior número de tropas terrestres. Contra explosões subterrâneas até mesmo os seus
campos defensivos energéticos não teriam qualquer utilidade, se estas explosões
ocorressem imediatamente por baixo da fortaleza.
Ele dobrou o seu capacete de pressão para a frente. Os outros homens na nave
auxiliar seguiram-lhe o exemplo. Depois disso a sua nave elíptica elevou-se, deslizando
muito perto da parede rochosa, em direção à fortaleza da montanha. O monte estava
envolto em nuvens esbranquiçadas. Neurogás altamente eficaz, que a Rawthor tinha
disparado com torpedos-Raktor. O mesmo devia servir a dois propósitos: liquidar as
tropas inimigas nas proximidades da fortaleza e ao mesmo tempo impossibilitar um
contato simplesmente ótico com a nave auxiliar.
A cerca de quinhentos metros de distância da base inimiga Hakolin pousou a nave
numa cratera do solo, relativamente chata. Abriu a escotilha pequena e foi o primeiro e
esgueirar-se para fora.
Atrás dele ouviu os passos arrastados do seu pequeno grupo.
Não era mais necessária qualquer ordem. Todos o seguiam em longos saltos através
daquele terreno inóspito. Muitas vezes tiveram que saltar enormes fendas nas rochas, que
normalmente não representariam nenhum obstáculo para homens em trajes de combate.
Porém a menor atividade de energia antigravitacional certamente revelaria imediatamente
a sua presença.
Depois de dez minutos chegaram a uma espécie de chaminé. Ali Hakolin aguardou
os seus homens, porém apenas dois apareceram. Quando o terceiro não apareceu, mesmo
depois de alguns minutos, Hakolin deu a ordem para a subida. Não disse uma só palavra a
respeito do destino do terceiro homem. Porém tinha certeza de que o mesmo morrera
como um herói, sem trair os companheiros com um grito, sem efetuar qualquer tentativa
de salvar-se, sem ligar sua aparelhagem antigravitacional, e os retro propulsores. Ele
simplesmente se imolara em nome do êxito daquela missão.
Depois de alguns minutos de uma ascensão difícil eles chegaram à boca de um
canal, de cerca de metro e meio de largura, abrindo para fora. Só agora eles deram-se
conta de que durante todo este tempo eles tinham utilizado um duto exaustor de ar para a
sua subida.
Depois do primeiro susto, Hakolin respirou aliviado. O adversário teria tido um
jogo fácil com eles, enquanto trepavam por aquele duto exaustor para o alto. Bastaria ter
apertado um botão, e um tufão de ar fervente certamente os teria arrastado, jogando-os no
fundo do vale rochoso, inapelavelmente.
O fato de ainda estarem vivos era prova, para o tefrodense, de que ainda não tinham
sido descobertos.
Mais adiante o canal desembocava numa parede fronteira que tinha uma brecha
irregular, escura. Porém, como a parede não tinha mais de metro e meio de altura, não era
um obstáculo intransponível.
Hakolin não hesitou.
Agarrou-se à borda da mureta com ambas as mãos, puxando-se para cima, quando
um rugido formidável fez com que ele se voltasse imediatamente. Acabou caindo em
cima do homem que estava por baixo dele. Por alguns segundos eles ficaram balançando
acima do abismo, mas logo depois conseguiram equilibrar-se novamente.
Com os olhos muito abertos os três tefrodenses olharam fixamente para o sul. Só no
seu subconsciente deram-se conta de que a fortaleza montanhosa novamente estava sendo
envolvida num campo defensivo energético, em cujo interior eles agora se encontravam.
Os seus olhares estavam presos apenas àquela esfera gigantesca, que se erguia,
poucos quilômetros mais para o sul, para o céu, e com aceleração máxima tentava escapar
para o espaço livre.
E parecia que a Rawthor o conseguiria.
O Comandante Hakolin nestes segundos nem pensou no fato de que ele e seus dois
companheiros, neste caso, ficariam para trás sozinhos. Ele desejava fervorosamente que o
seu primeiro-oficial tivesse êxito na sua empreitada.
Porém aquele que comandava a fortaleza na montanha conhecia muito bem suas
possibilidades.
A Rawthor desapareceu através da cortina de nuvens — e meio minuto mais tarde o
brilho vibrante de um sol artificial atravessou a neblina...
Quando Hakolin acordou do seu estarrecimento, ele sabia que a sua missão tinha
falhado. A Rawthor transformara-se numa nuvem de gases incandescentes, e com uma
diminuta nave auxiliar seria impossível escapar da força de atração do segundo planeta
do Sol.
Para ele só restava ainda uma coisa a fazer...
Ele virou-se e girou para trás a aba do seu capacete de pressão. As nuvens do
neurogás haviam-se dissipado.
— Adiante! — disse ele. — Procurem abrir caminho até a nave auxiliar e esperem
ali até que o campo defensivo energético da fortaleza seja desligado. Depois, escondam-
se neste planeta. O Fator II enviará uma nova expedição quando souber que nossa missão
fracassou. Talvez tenham possibilidade de chamar a atenção para vocês.
Os homens sacudiram a cabeça.
Silenciosamente Hakolin voltou-se novamente para aquele muro diante dele. Com
um puxão ele conseguiu subir.
Lá em cima havia um platô, uma plataforma de cerca de dez mil metros quadrados
de superfície que terminava numa parede rochosa abobadada em forma de ferradura.
Hakolin descobriu a fileira de orifícios escuros, bem pouco acima do solo, à
primeira vista. E sabia, no mesmo instante, o que tinha diante de si.
Levantando-se inteiramente, e muito ereto, ele encaminhou-se naquela direção.
A última coisa que seus sentidos perceberam foram os passos dos seus
acompanhantes, que o seguiam.
Depois, três nuvens cintilantes de gases verdes expandiram-se por cima do platô e
se desfizeram ao vento, antes de alcançarem a borda da plataforma...
5

Aquele homem alto, magro, estava deitado, de olhos fechados, no tanque


antigravitacional do seu alojamento. Os seus cabelos brancos caíam, macios, por cima de
suas orelhas, e se destacavam, devido a falta de gravidade reinante, como uma coroa
luminosa da cabeça do arcônida.
Atlan respirava calmamente, numa respiração funda e por igual. Mas não dormia,
ainda que um hipotético espectador pudesse ter esta impressão.
Ele pensava em coisas, contra as quais acreditara até então estar inteiramente
vacinado. E curiosamente o seu pulso batia mais forte com estes pensamentos.
Suspirando, ele abriu os olhos. A sua agitação interior fazia os seus olhos
avermelhados de albino brilharem, úmidos.
Psicossensores mecânicos conduziam a tensão psíquica daquele homem velhíssimo
diretamente à computação automática do recinto. Um ativador acordou, tomou vida. No
teto normalmente incolor do recinto apareceram projeções tridimensionais de padrões
coloridos. Ao mesmo tempo ecoou, como vinda de uma grande distância, uma melodia
suave.
Lentamente a agitação de Atlan foi-se esvaindo.
Ele desligou o tanque antigravitacional e desceu. Lentamente, foi vestindo o
macacão de serviço, que costumava usar a bordo.
A campainha da porta fez com que ele se apressasse no vestir. Enquanto ainda
fechava a bainha magnética com a esquerda, sua direita já apertava o interruptor que
abria a porta automaticamente.
Depois o arcônida, com passos lépidos, dirigiu-se à sua sala de estar.
Chegou ali ao mesmo tempo que o seu visitante, um homem cuja figura era quase
idêntica à dele, e que só se distinguia por seu cabelo escuro cortado relativamente curto,
seus olhos cinzentos e o queixo um pouco enérgico. Atlan ergueu a direita numa
saudação.
— Olá, Perry! Que bom que você lembrou-se de me visitar. Perry sorriu
ligeiramente, porém nos seus olhos não havia nem um traço daquele sorriso. Ele também
fez um gesto com a mão.
— Olá, amigo!
Por alguns segundos eles ficaram, um diante do outro, se entreolhando. Depois o
lorde-almirante voltou-se para ir se ocupar no automático das bebidas.
— Posso oferecer-lhe alguma coisa? — perguntou ele, olhando por cima do ombro.
— Uísque com gelo, gim com suco de laranja ou um muzz?
— Soda — sem uísque — retrucou Rhodan curto, deixando-se cair numa das
poltronas confortáveis. “Poltrona” não era uma palavra apropriada para aquele móvel. O
mesmo continha alguns mecanismos servo-automáticos, inteiramente pensados para o
conforto do seu eventual ocupante. Os encostos envolviam suavemente o tronco de
Rhodan. Os seus pés foram erguidos, e vibradores automodulados cuidavam para que lhe
fosse fornecido um descanso devido à influência celular.
Com uma careta raivosa, o Administrador-Geral desligou o automático da poltrona.
Atlan viu-o e sorriu para si mesmo.
— Você é e continuará sendo sempre o bárbaro auto-suficiente, que tem um medo
horrível de costumes decadentes — ou melhor, de costumes que você acha decadentes.
Perry Rhodan fez um gesto defensivo, sem responder. Recebeu o copo que Atlan
lhe trouxe, e tomou sua soda, em goles pequenos, lentamente.
O arcônida levantou o seu copo alto contra a difusa luz do teto, observando
placidamente os cubos de gelo, que nadavam, brilhando prateados, naquele líquido
amarelado.
Rhodan sacudiu-se todo.
— Álcool, em plena luz do dia! — e na sua voz havia uma censura muito clara.
Com o rosto impassível, Atlan encheu o seu copo uma segunda vez: dois terços de
gim, o resto de suco de laranja grosso e cubos de gelo. Ao mesmo tempo parecia
interessado em escutar a música que saía de alto-falantes escondidos, irradiada a partir
das abas de sua poltrona alta, fortemente limitada àquela ambiência, de modo que só ele
podia ouvi-la.
Um quarto de hora mais tarde o terrano pigarreou.
— Se você realmente gosta tanto dela, por que não a pede em casamento, meu
amigo?
Atlan foi arrancado dos seus pensamentos, estremecendo.
— O que foi que você disse?
Ele riu, forçado.
— Você sabe ler pensamentos? Sim, eu sei que você tem um pouco dessa
capacidade. Mas nos meus pensamentos eu sei que você não é capaz de penetrar.
— E isso nem era necessário!
— Você tem razão, Perry. É fácil percebê-lo, não é mesmo?
Rhodan anuiu, confirmando.
— Você ficou apaixonado por Mirona Thetin desde o primeiro instante em que a
viu, arcônida — ele encolheu os ombros. — Claro, depois que se viu essa mulher, é fácil
entendê-lo. Ela é fisicamente jovem, e, ao mesmo tempo, é tão madura interiormente,
como dificilmente se encontra alguém entre os mortais. Além disso, é de uma beleza
excepcional, muito espirituosa e interessante, e tem um altíssimo quociente de
inteligência. Também é a bondosa regente do planeta Thetus e de nove bilhões de
tefrodenses da mais pura raça. Eu entenderia perfeitamente, se você a tomasse por sua
mulher.
O arcônida mostrou uma expressão amargurada.
— Eu a amo, Perry. Eu a amo como jamais amei uma mulher antes. Mas ainda
assim... Ela é mortal. Deverei obrigá-la a ver-me continuar eternamente jovem, enquanto
ela envelhece e finalmente morre?
Havia um laivo de amargura nos cantos da boca de Rhodan.
— Você tem razão. Por algumas décadas tudo iria bem, mas depois teria início a
tragédia. Foi o que aconteceu comigo e com Thora. Mesmo assim Thora para mim é uma
agradável lembrança. Nós dois fomos muito felizes juntos, e eu não gostaria de não ter
passado por este episódio em minha vida.
— Mas, na realidade, foi apenas um episódio — suspirou Atlan. — Eu não sei...
Ele estacou, e ficou olhando fixamente à sua frente. Depois de algum tempo, virou-
se e encheu o seu copo pela terceira vez.
— Pelo menos eu deveria salvar Mirona do naufrágio geral — murmurou ele, como
para si mesmo.
Perry sentou-se, ereto, na poltrona.
— Naufrágio...?
Atlan riu, em desespero.
— Você ouviu certo. O que é que você acha que os maahks vão fazer com os
sistemas dos tefrodenses, logo que o poder dos senhores da galáxia tiver sido destroçado?
Rhodan repentinamente teve a sensação de que alguém lhe jogara um balde de água
fria na espinha. Ele entendeu o que o amigo queria dizer. Logo que o poder dos senhores
da galáxia e dos tefrodenses tivesse sido vencido, os maahks iniciariam uma bárbara
operação de destruição. Nenhum tefrodense escaparia deles. E ele, Perry Rhodan, não
poderia mexer um só dedo, para ajudar a essa gente, já agora condenada à morte.
Em sua mente podia ver o rosto moreno de Mirona diante de si, as maçãs do rosto
ligeiramente salientes, e os olhos amendoados, ligeiramente oblíquos, os lábios cheios, o
cabelo muito negro, sempre penteado para trás, e trançado artisticamente na nuca, numa
pesada trança. Olhos nos quais brilhavam energia e inteligência...
Abruptamente ele levantou-se.
— Nós vamos salvá-la, Atlan. Ainda que não consigamos salvar mais ninguém, esta
mulher merece ser salva, só pelo fato de ter salvo a Humanidade daqueles transmissores
causadores do Amok dos animais na Terra...
Ele empurrou o seu copo vazio por cima da mesa.
— Gim — com pouco suco de laranja!
***
Omar Hawk dormia profundamente e sem sonhos. Junto do seu leito duro,
espartânico, estava acocorada alguma coisa que ao reflexo da luz fraca dos interruptores
fluorescentes das portas só podia ser vista como um colosso disforme.
De repente uma figura pequena, que estivera sentada até então no console do
intercomunicador, ergueu-se. Uma cara de macaco entrou no reflexo das lâmpadas de
controle do intercomunicador, enquanto asas coriáceas se estendiam.
Com um impulso, o macaquinho-morcego do sistema de Vega subiu e planou
silenciosamente através do quarto. Pousou bem no peito de Hawk. As suas mãozinhas
estenderam-se até o rosto do oxtornense, enquanto as pontas dos dedinhos deslizavam
suavemente sobre a testa e as têmporas do mesmo.
A respiração uniforme e constante de Omar parou repentinamente. Depois o homem
ergueu-se sobre os cotovelos, olhou ainda sonolento para a figurinha do animal,
sacudindo o seu crânio calvo como se quisesse jogar para longe o seu atordoamento.
A sua voz saiu áspera e rascante, ao perguntar:
— O que é que você quer de mim, no meio da noite, fritada do diabo?
O macaquinho-morcego disse alguma coisa, com a sua voz clara gorjeante, porém
aqueles sons acabaram submergindo no fungar, bufar e gemer daquele colosso que se
erguia diante da cama.
Os olhinhos redondos do okrill irradiavam uma luzinha amarela.
— Fique quieto, Sherlock! — resmungou Omar Hawk. E voltou-se novamente para
o bichinho. — Repita mais uma vez o que você disse, Cícero!
Houve um tremor no pêlo da nuca de Cícero.
— Cícero medo — veio daquela garganta minúscula. — Omar não ir adiante. Omar
para trás. Perigo!
O Primeiro-Tenente Hawk ligou a luz. De repente o seu quarto de dormir estava
mergulhado numa claridade avermelhada.
O psicólogo de animais e agente especial da Contra-Espionagem Galáctica olhou
com os olhos semicerrados para aquele bichinho das florestas tropicais e lamacentas de
Pigell. Ele entrementes já sabia que Cícero não apenas imitava a voz humana, mas que
sabia concatenar sentenças que faziam sentido. O macaquinho-morcego, sem dúvida
alguma, também tinha certo grau de inteligência, especialmente quanto a uma facilidade
para idiomas fenomenal, que não se podia explicar somente pela existência de
inteligência. Os instintos deviam ter um papel nisso tudo, e talvez Cícero possuísse um
cérebro mutante, pois outros representantes de sua espécie não haviam demonstrado nada
disso.
Omar não estava absolutamente inclinado a não prestar atenção à advertência do seu
“amiguinho”.
Por outro lado ele também não lhe dava importância excessiva.
Como é que Cícero podia saber o que os esperava no fim de sua longa viagem ao
sistema central dos senhores da galáxia?
— O que é que você está dizendo? — perguntou ele, mal-humorado. — Por favor,
fale mais precisamente!
Cícero juntou os dedos esticados de suas mãozinhas e olhou nos olhos daquele
adaptado ao ambiente.
— Cícero dizer perigo. Grande perigo para Omar, para Sherlock, para Cícero. Não
ir lá!
Hawk suspirou.
— Se é só isso que você tem para me dizer, não devia ter me acordado, baixinho. E
agora deixe-me dormir novamente. Amanhã tenho um dia difícil diante de mim.
Ele desligou a luz e fechou os olhos, acintosamente.
O macaquinho-morcego ainda ficou sentado sobre o peito do seu senhor, sem se
mexer, depois voltou para o local que ele mesmo escolhera como seu lugar para dormir.
Logo em seguida, também o okrill deixou-se cair ao chão novamente. Houve um baque
surdo quando o pesado corpo bateu no solo. Sherlock espirrou com vontade e colocou a
cabeça em cima das formidáveis patas de suas pernas dianteiras.
Mas, por mais que Omar Hawk se esforçasse, não conseguiu mais dormir. Por isso
levantou-se, depois de uma hora, silenciosamente enfiou o seu macacão preto de serviço
de bordo, calçou as botas plásticas e esgueirou-se até a sala de estar de seu apartamento
especial. A porta que ia dar no quarto de dormir foi fechada por ele por um gerador-CM,
que fornecia ao metalplástico uma estrutura de condensação molecular, e deste modo
ficava infensa até mesmo às possantes patas e força de Sherlock.
Esta medida de segurança tinha sido ordenada pelo Coronel Cart Rudo, comandante
da Crest III, já que o okrill certa vez partira à procura do seu senhor, tendo causado um
verdadeiro caos em meio um treinamento para uma missão importante, na qual a
tripulação devia lutar contra um invasor hipotético que teria penetrado na nave.
Assobiando, o oxtornense afivelou o seu cinturão de armas, colocando na cabeça a
boina preta com o emblema de sua unidade especial, e deixou o apartamento, através da
escotilha blindada da porta externa.
O corredor estava banhado numa luz muito clara, amarelo-esbranquiçada. Somente
o rumor das esteiras rolantes que corriam, uma para cada lado, enchia o corredor, que
aparentemente ia dar no infinito.
Omar Hawk desistiu de utilizar uma esteira rolante. Caminhou lentamente pelo
centro das duas laterais. Diante do elevador mais próximo ele hesitou um instante, depois
puxou-se para dentro do mesmo, segurando-se num impulsor do duto, que o colocou no
campo gravitacional, com o seu pólo invertido, para o alto. Sorriu ironicamente quando o
zunido dos campos das paredes aumentou. O automático teve que adaptar-se ao alto peso
de um adaptado ao meio ambiente, que viera de um mundo onde reinavam 4,8 gravos.
Este leve zunido não era o único ruído. Os fortes conversores kalup da propulsão
linear ficavam situados bem perto do elevador do eixo central da nave, e a ultranave de
combate encontrava-se, neste momento, num vôo pelo espaço linear. Um troar e tremer
constante, contínuo, enchia o duto axial. A luz da iluminação indireta, Omar pôde ver que
as paredes vibravam.
No convés 0 o primeiro-tenente saiu do duto do elevador. Voltou-se para a direita e
depois de dez minutos de marcha a pé, chegou ao pavilhão-observatório.
Passado através de uma eclusa antibarulho, ele entrou num recinto semelhante a um
grande salão, mergulhado num lusco-fusco esquisitamente colorido. Hawk reconheceu as
placas luminárias que irradiavam uma luz mínima mas de um vermelho intenso. Passou
pelo meio de dois grupos de poltronas para ir procurar um lugar onde sentar-se no centro
do pavilhão.
Olhando-se para as paredes abobadadas tinha-se a ilusão de estar sob uma cúpula
transparente no pólo superior da Crest III. Na realidade, câmeras estacionadas muito
longe traziam para dentro a imagem dos arredores, projetando-as, por trás, na imensa tela
que cobria inteiramente as paredes.
Omar Hawk deixou que aquela imagem tomasse conta dos seus sentidos.
Nenhum olho humano jamais pudera reconhecer uma ordem que fizesse sentido no
contínuo intermediário do espaço linear. Este meio, que só podia ser definido
matematicamente, parecia consistir apenas de manchas luminosas coloridas, tiras
coloridas esmaecidas, que passavam rapidamente, como fantasmas, e essencialmente de
um cinzento característico.
O oxtornense naturalmente sabia que os sentidos humanos somente apreendiam o
meio ambiente de modo inteiramente condicionado por seus efeitos. Um meio ambiente
estranho, não criado para seres humanos, também deveria parecer estranho aos sentidos
humanos. Entretanto, mesmo assim, o homem usava este espaço entre as dimensões
como meio de transporte. E não queria nem saber o que o espaço linear representava na
realidade. Algum dia ele o ficaria sabendo. Afinal de contas, seus ancestrais tinham
utilizado o fogo durante milênios sem procurar ver por trás do fenômeno e do seu efeito a
essência, a natureza do mesmo.
Os lábios finos de Omar esboçaram um sorriso. Talvez fosse isto que tornava a
Humanidade superior às outras raças inteligentes: Ela sempre pegava, tomava para si
aquilo de que precisava, sem muito perguntar ou questionar. Ela tinha dado início à
expansão galáctica, sem que mais do que apenas alguns milhares de homens e mulheres
soubessem mesmo o que era um impulsor energético, como ele funcionava, e como devia
ser controlado. Afinal de contas, a Humanidade tinha tropeçado inteiramente
despreparada para dentro do caminho desconhecido que ligava a sua própria galáxia com
a Nebulosa de Andrômeda — ela jamais soubera onde este caminho iria dar — porém,
como ele existia, ela simplesmente o utilizara. E agora eles estavam voando na direção do
centro de um poder cujas conquistas técnicas, experiências e desenvolvimento psíquico
estavam à frente das conquistas terranas mais ou menos como os cavaleiros feudais da
Idade Média estavam adiante do Homem de Neandertal. Com uma diferença:
O “neandertalense” terrano não destruiria nada sem razão. Ele simplesmente
trataria de afastar para sempre uma ameaça, para depois disso fazer sua a tarefa de chegar
ao mesmo estágio dos senhores da galáxia, sem deixar-se cair na mesma arrogância.
O oxtornense espichou-se. Estava contente por finalmente poder voltar para casa,
rever sua mulher e seus filhos assim como sua pátria.
Logo — logo chegaria esse momento.
Um apito estridente destruiu o sonho de Omar, esfacelando-o num nada sem
substância. Dos alto-falantes do intercomunicador saiu a voz excessivamente alta do
epsalense, comandante da nave.
— Atenção! Atenção! O comandante à tripulação! A nave deixará o espaço linear
dentro de quarenta minutos. Nós sairemos bem perto da área do destino. Por isso teremos
que contar com imediato contato com o inimigo. Todos os membros da tripulação,
inclusive os que não estão de serviço no momento, deverão imediatamente dirigir-se aos
seus postos de combate. O Comandante de Desembarque deverá manter-se disponível nos
alojamentos de serviço. Ratificações terão que ocorrer no máximo dentro de trinta
minutos. Desligo. Repito...
Omar Hawk não estava mais escutando.
Uma sensação de angústia fez com que ele não conseguisse mexer-se, por alguns
segundos, na sua poltrona. Mas logo conseguira dominar o medo — o medo que qualquer
homem psiquicamente normal sente antes de uma batalha.
Levantou-se e abandonou o Pavilhão de Observação, com passos firmes e calmos.
***
— Falta pouco! — murmurou o Lorde-Almirante Atlan. O arcônida estava sentado,
devidamente afivelado no seu cinto de segurança, como mandavam os regulamentos, na
sua poltrona anatômica, diante da mesa de mapas da sala de comando. O capacete de
pressão ainda estava aberto, pois podia ser fechado numa fração de segundos,
hermeticamente.
Perry Rhodan estava sentado ao lado do amigo. O rosto do Administrador-Geral
parecia tenso. Os olhos de um cinza gelado irradiavam um frio impessoal que beirava à
ameaça. Os movimentos de suas mãos pareciam um pouco controlados demais.
Além dos dois homens dirigentes, também se encontravam em volta da mesa de
mapas, o lugar na nave-capitânia onde eram tomadas as decisões mais importantes, os
mutantes Tschubai, Marshall, Sengu, Noir, bem como os gêmeos Woolver.
O rato-castor Gucky, que só podia ser contado condicionalmente entre os mutantes,
estava sentado numa poltrona especialmente construída para ele, pois, caso contrário, não
poderia olhar por cima da borda da mesa.
Do seu lado estavam sentados Baar Lun e Omar Hawk. A direita de Hawk estava
sentado o ertrusiano Melbar Kasom.
Saindo de dentro do tampo da mesa, um retângulo chato deslizara para a frente do
Administrador-Geral: era o comunicador ligado ao grande computador positrônico de
bordo, junto ao qual, neste momento, se encontravam o matemático-chefe da Crest III, e
todo pessoal cibernético-logístico de planejamento.
— Mais um minuto até a saída L! — ouviu-se a voz do comandante, em meio
àquele relativo silêncio.
Perry Rhodan ergueu a cabeça. Na sua testa formou-se uma fina rede de diminutas
pérolas de suor, o sinal mais evidente da agitação que também se apoderara dele.
Ele sentiu sua garganta secar. No céu da boca havia um gosto de sangue e metal. O
martelar do seu pulso parecia-lhe ecoar por toda a sala de comando.
O homem que tinha conduzido a Humanidade às estrelas passou a língua nos seus
lábios ressecados. Somente dava-se conta da aparência fragmentária do interespaço, no
seu subconsciente. Em algum lugar, nesse turbilhão de manchas coloridas esfarrapadas,
voavam quatro mil unidades pesadas de combate da Frota Solar, no mesmo curso.
A estibordo e bombordo formavam-se as vinte mil naves espaciais cilíndricas dos
maahks — invisíveis mas mesmo assim existentes.
Os pensamentos de Rhodan seguiam um turbilhão desenfreado.
Longo havia sido o caminho — o caminho para o centro nervoso daquela potência
que se chamava a si mesma, num rasgo paranóico, de “senhores da galáxia” — tendo
como acompanhantes o medo, o terror, a privação, o sofrimento, morte, dúvidas e
destruição.
Era difícil, depois de todas as decepções anteriores, acreditar que finalmente se
havia chegado ao destino, que se estava prestes a travar a última batalha — e que, depois
disso, viria a Paz...
— Mais dez segundos ! — avisou Cart Rudo.
O Administrador-Geral sacudia para longe de si aqueles pensamentos tristonhos e
aquela expectativa tensa. O seu olhar clareou enquanto um autômato fazia a contagem
regressiva dos últimos segundos.
Ao “zero”, um rugido infernal passou por toda a nave. Uma caneta magnética
começou a pular sobre a placa da mesa de mapas, até que Gucky finalmente segurou-a,
telecineticamente.
Depois os ruídos normalizaram-se outra vez.
Nas telas de imagem da galeria panorâmica apareceram as estrelas de Andrômeda, e
na tela frontal o disco brilhante de um sol amarelo-esbranquiçado: Luum...!
— Sistema livre de objetos estranhos! — gritou o alto-falante.
Mal o mesmo silenciara, acenderam-se no comunicador, diante de Perry Rhodan, as
letras de uma mensagem. O computador positrônico de bordo avaliara as mensagens do
rastreamento, e estava transmitindo a sua sugestão.
O Administrador-Geral leu-a — e anuiu.
— Ofensiva em pinça, conforme Plano Zero-Dois! — ordenou ele.
A ordem no mesmo instante foi ouvida e entendida nas quatro mil multinaves
terranas e também nas vinte mil espaçonaves dos maahks. Os maahks, sob o comando do
seu chefe de governo, tinham se submetido por sua livre e espontânea vontade ao
comando de Perry Rhodan, durante toda a duração desta operação.
As frotas entraram em formação e avançaram com velocidade máxima subluz para
dentro do sistema do sol Luum.
Rhodan riu, tenso, quando depois de dez minutos ainda não havia ocorrido nenhum
contato com o inimigo. A guarnição do mundo central aparentemente acreditava que o
ataque das frotas combinadas estava sendo efetuado atabalhoadamente. Eles não se
mexiam, na esperança de que o inimigo, depois de um exame superficial do sistema,
novamente se retiraria. E portanto eles não sabiam que os terranos estavam muito bem
orientados a respeito da natureza do sistema Luum, e por isso nem necessitavam de mais
nenhum exame.
As frotas aproximaram-se, vistas da perspectiva da órbita planetária, do segundo
planeta, de “cima”. Elas despencaram, com mais de noventa por cento da velocidade da
luz, e suas guarnições de artilharia tinham instruções para cobrir a superfície do segundo
planeta com fogo de destruição total, logo que estivessem ao alcance de tiro.
Mas nem chegaram a esta distância. A Crest III, que voava no centro de gravidade
da “pinça”, ainda encontrava-se afastada quinze milhões de quilômetros de Tamania,
quando o Universo pareceu explodir.
Conforme verificou-se mais tarde, cerca de cem mil canhões de polaridade
invertida, pesados, tinham iniciado um fogo violento, destrutivo, sobre as frotas terranas e
maahks.
Perry Rhodan olhou, assustado, para a imagem que se apresentou aos seus olhos na
galeria panorâmica.
Em volta do segundo planeta do sistema Luum ergueu-se, repentinamente, uma
cortina energética vermelha, um campo defensivo hemisférico. E vindo do sol, um
formidável feixe de sucção — a medição exata resultou num diâmetro de quinhentos
quilômetros — atirou-se para cima do planeta, sumindo por trás do campo defensivo
energético.
E ininterruptamente bolas de gás azul-esbranquiçadas inchavam e expandiam-se por
entre as formações das frotas reunidas — o que sobrava, em destroços pulverizados, de
cosmonaves terranas e dos maahks.
Aquilo era o começo de uma catástrofe. Perry Rhodan baixou os olhos. No
comunicador apareceu a nova sugestão do cérebro computadorizado positrônico:
“Retirada para uma posição de espera, fora da zona de quinze milhões de
quilômetros. Depois operações concentradas isoladas e entrada em ação dos mutantes!”
O Administrador-Geral sacudiu a cabeça. Ele não queria admitir que a sua
empreitada já fracassara agora.
— Desdobrar! — ordenou ele. — Ataque deve ser continuando em bases de
alargamento. Utilização dos mais pesados canhões conversores e de polarização
invertida!
De repente acenderam-se dúzias de lâmpadas de controle no hipercomunicador,
todas ao mesmo tempo. Dos alto-falantes saíram sons esquisitos, estridentes, que
chegaram a causar um frio na espinha dos homens' em volta da mesa cartográfica.
Rhodan apertou os lábios. Ele verificou que os chamados vinham de naves de sua
própria formação e que não vinham codificados.
Ele transmitiu os fatos devidamente limpos, através de uma tecla, diretamente ao
cérebro computadorizado de bordo.
Incompreensivelmente, teve que esperar mais do que era normal por uma resposta.
Entrementes aqueles ruídos gargarejantes tornavam-se cada vez mais lentos,
transformando-se finalmente num rumor abafado, que parecia familiar ao Administrador-
Geral, sem que entretanto pudesse lembrar-se de onde já ouvira aquilo alguma vez.
Finalmente veio a análise do computador positrônico. Rhodan leu-a. Depois virou-
se para Atlan e perguntou:
— Você ainda se lembra por que nós chamamos de “druufs” os invasores vindos
daquele Universo estranho...?
O arcônida empalideceu.
— O retardamento do tempo! — disse ele. — Nas naves que nos chamam deve ter
ocorrido um alongamento do tempo. A voz humana transforma-se em surdos ruídos
arrastados, dilatados. Os senhores da galáxia lentamente estão nos colocando dentro de
uma outra evolução do tempo. Perry, ordene a retirada. Imediatamente!
O Administrador-Geral já estava agindo.
Poucos minutos mais tarde, as unidades terranas recuaram, em ordem, para trás de
uma linha prevista, que ficava a uma distância de vinte milhões de quilômetros de Luum
II. Os maahks seguiram-nas um pouco mais lentamente. Os comandantes de suas naves
haviam-se aferrado demasiadamente contra o inimigo, e apesar de suas altas perdas, não
sentiam nenhum medo.
Das naves da Frota do Império somente duas haviam sido perdidas. Os campos
defensivos com sobrecarga de hiperenergia tinham impedido o pior. Porém mesmo com
os mais pesados canhões conversores não fora possível romper o campo defensivo
energético vermelho, hemisférico, que cobria Tamania.
Os senhores da galáxia tinham ganho esta primeira batalha.
6

Omar Hawk puxou o jato-mosquito fortemente para estibordo, quando, a menos de


mil quilômetros diante dele, surgiu a bola incandescente de gás de uma explosão nuclear,
que ameaçava engolfar o Universo.
O propulsor energético do caça para duas pessoas, relativamente pequeno, uivou
num agudo estridente, quando o oxtornense ligou a aceleração reversa. Mesmo assim não
conseguiu inteiramente o que pretendia. Os prolongamentos da explosão foram atirados
ao espaço como uma explosão solar. Uma delas raspou o jato.
Houve um estrondo violento. Na carlinga, de repente espalhou-se um cheiro forte de
ozônio. Línguas de fogo lamberam o apainelamento do rastreador energético.
O Primeiro-Tenente Hawk riu, tenso.
Nem tentou estabilizar o fantástico movimento giratório de seu veículo, mas
simplesmente acelerou ao máximo. Depois de poucos segundos o jato atravessou o
último braço dos gases incandescentes e continuou atirando-se em direção daquele
crescente que tremeluzia prateado, e que parecia curiosamente inclinado, dependurado no
negrume do espaço.
Do assento do navegador veio-lhe um gemido surdo.
Omar virou a cabeça e viu o rosto de Ras Tschubai, contraído pela dor.
O afro-terrano estava dependurado, inconsciente, nos seus cintos de segurança. As
veias sobressaíam, grossas, de sua testa escura, e de suas narinas escorriam dois finos
filetes de sangue.
Hawk praguejou, violentamente, porque não tinha tempo para ajudar o mutante.
Entrou apenas por poucos segundos em vôo linear e ressurgiu novamente no contínuo
normal no lado oposto do planeta Tamania.
Aqui tudo estava em paz, pois as frotas reunidas dos terranos e dos maahks tinham
batido numa retirada estratégica, concentrando-se apenas de um lado de Tamania, por
razões táticas.
O adaptado ao meio ambiente colocou o seu capacete para trás e desafivelou o cinto
de segurança. Depois curvou-se por cima de Tschubai, abrindo-lhe também o capacete.
Com dedos ágeis ele abriu o pacote do equipamento de pronto-socorro, que tirou do seu
cinturão, retirando-lhe um aparelhinho de injeção, hemisférico, que apertou contra o
pescoço do teleportador.
Logo depois Tschubai abria os olhos.
O branco dos seus globos oculares estava recoberto de uma fina rede de veinhas
vermelhas. Mesmo assim o afro-terrano sorriu ligeiramente.
— Dessa eu ainda consegui escapar, não é mesmo? Nosso campo defensivo
energético agüentou?
Esta, pensou Omar Hawk, era uma pergunta boba. Sinal do estado de espírito e
físico em que se encontrava o mutante.
— Sente-se em condições de ousar mais uma tentativa? — perguntou ele.
Tschubai limpou, sem dar muita atenção ao que fazia, o sangue do seu rosto. O seu
sorriso sumiu. Tossiu algumas vezes, depois sugou no tubinho elástico que sobressaía da
protuberância anterior do seu pescoço.
— Voe, pelo espaço intermediário, até cerca de cem mil quilômetros do objetivo,
Hawk! — ordenou ele, com voz rouca.
— Depois disso, volte imediatamente. Quero ver se, neste espaço de tempo, poderei
teleportar — Ele silenciou por um instante, depois acrescentou: — Espero que nada de
mal aconteceu com os outros.
Omar apenas anuiu, apesar da ordem de Tschubai poder custar a vida de ambos,
com noventa e nove por cento de probabilidade. Mas o mutante possuía não apenas a
maior experiência em lutas, ele também tinha o comando absoluto.
Ele voltou o jato-mosquito e dirigiu-se, pela segunda vez, em direção ao planeta.
Segundos mais tarde teve que mudar o curso. O jato caíra exatamente entre duas bolas de
fogo, acelerando muito.
— Maldição! — resmungou o mutante atrás dele. — Esses sujeitos estão atirando
com bombas de 1.000 gigatoneladas em cima de nós. Isso é o mesmo que enfrentarem
uma praga de mosquitos utilizando bombas atômicas.
— O nosso “mosquito” é capaz de dar uma picada bem mais violenta que esses
insetos terranos — retrucou Omar Hawk, muito tenso.
Ele ligou o conversor kalup no instante em que o jato dava um salto maluco para a
frente. Uma explosão formidável ainda lhe dera uma boa patada antes dele sumir dentro
do espaço linear.
Quando os véus estonteantes e coloridos do espaço intermediário novamente deram
lugar ao Universo familiar, a esfera do planeta Tamania estava dependurada, grande
como uma bola de futebol, na tela de imagem frontal.
— Agora! — gritou Omar.
No mesmo instante ele desacelerou e tentou virar o seu veículo bem diante do
campo energético defensivo, hemisférico, que protegia o mundo central dos senhores da
galáxia.
Estremeceu violentamente, quando, atrás dele, ouviu um grito horrível.
Ao virar-se, viu o afro-terrano deitado no chão da carlinga, todo contorcido. O
cinturão de segurança ainda estava meio afivelado, portanto o mutante realmente
teleportara. Mas por que ele chegara apenas até o chão da cabine do jato?
O oxtornense não chegou a pensar em mais nada. Mais uma vez o Universo parecia
explodir. Por toda parte surgiam bolas incandescentes de explosões pavorosas.
E de repente apareceram, na tela do rastreador, inúmeros pontos verdes.
No primeiro instante Hawk achou que se tratava de uma frota tefrodense. E
despediu-se da vida. Contra cem pesadas naves de combate até mesmo a maleabilidade
do caça espacial não adiantava muito. Somente quando, em meio àqueles pontos verdes,
apareceram muitas manchas ultraclaras, o adaptado ao meio ambiente reconheceu a
situação corretamente. As naves de sua própria frota tinham vindo para salvá-lo daquela
enrascada!
Uma supernave de combate, com um diâmetro de 1.500 metros, da Frota do
Império, surgiu a poucos quilômetros de distância. A mesma devia ter saído do espaço
linear naquele instante.
Omar viu o rabo cilíndrico do multipropulsor triescalado. O mesmo dava uma
aparência antidiluviana à nave, mas o oxtornense sabia que somente estes propulsores
extras tinham permitido estabelecer uma ligação entre a Via Láctea e Andrômeda. Junto
com os três kalups propriamente ditos da nave, eles proporcionavam às cosmonaves da
multiclasse um alcance total de três milhões de anos-luz.
Ele perguntava-se por que a supernave de combate não fazia uso de seus canhões
conversores — até descobrir as bocas de tiro nos costados da nave.
Pelo pulsar incessante dos campos energéticos, ele podia ver que a multinave
atirava salvas de projéteis conversores contra o campo defensivo energético hemisférico
do planeta. Porém não houve uma só explosão, apesar de Hawk ter certeza de que
também as outras naves estavam atirando ininterruptamente. Alguma coisa degradava a
mais formidável arma da Terra para um absoluto Nada.
Ele respirou aliviado, quando viu os círculos energéticos concentrados do campo de
rastreamento. Ligou a nave no piloto automático, conectando-o ao receptor de
rastreamento, e deixou cair as mãos.
Cinco minutos mais tarde o jato-mosquito deslizava suavemente para dentro da
eclusa cilíndrica do hangar da super-nave de combate.
Omar Hawk ajudou o teleportador a levantar-se. Ele desceu na frente e depois
segurou Tschubai nos braços.
O afro-terrano gemia baixinho.
— Venha, sir! — pediu Omar. — O senhor precisa de um médico. Talvez os outros
mutantes tiveram mais sorte que nós.
Ras Tschubai fez um gesto defensivo, mal conseguindo erguer o braço.
— Ninguém... consegue ter... sucesso... — disse ele, guturalmente. — A Tamania
está envolta... num campo anti-psi!
Depois perdeu os sentidos e o oxtornense teve que carregá-lo até os dois medo-
robôs, que já estavam esperando com uma maça antigravitacional.
***
As placas de aviso piscando falavam uma língua muito clara. A supernave de
combate estava prestes a ser destruída.
Nestas circunstâncias, Omar Hawk impediu que os médicos de bordo despissem
Ras Tschubai, na clínica de bordo. A chance de se sobreviver à destruição da nave
espacial era muito pequena, porém não se devia excluí-la inteiramente desde já.
Entretanto, a mesma cairia para zero para todos aqueles que no momento da catástrofe
não estivessem vestidos com seus trajes espaciais devidamente fechados.
O oxtornense olhou o rosto preto de Tschubai. Estava coberto de suor e os lábios
inchados tremiam. O teleportador precisava urgentemente de um banho regenerador,
porém isto era impossível, enquanto a nave na qual eles se encontravam, pairasse em
perigo de ser destruída.
Porém, para espanto de Omar, Ras em poucos minutos já estava abrindo os olhos
novamente. Sorriu fracamente, mas parecia que a partir deste instante estava rapidamente
restabelecendo-se.
O oxtornense lembrou-se do ativador celular.
Naturalmente, todo portador de ativador celular recuperava-se cerca de cinco vezes
mais rapidamente de qualquer problema de saúde ou de ferimentos do que um mortal
normal!
— Eu o tentei por duas vezes — disse Ras Tschubai, em voz clara e nítida, através
do microfone do seu capacete. — Na primeira vez nem sequer consegui desmaterializar,
e na segunda tentativa, aplicando toda a energia, consegui chegar a uma distância de
apenas poucos centímetros. O campo anti-psi que envolve Tamania deve ser
extraordinariamente potente. Já há relatórios, a respeito do comando que foi enviado em
nossa missão?
Hawk não lhe disse que, em sua opinião, seria um milagre se os outros comandantes
tivessem escapado do fogo de retaliação, em sua totalidade. Parecia-lhe um feliz acaso
que eles dois tivessem escapado daquele inferno com vida.
— Ainda não — disse ele.
Neste instante apagaram-se as placas de aviso de emergência. Através de um alto-
falante escondido, do intercomunicador, veio a voz rouca de um terrano.
— A Maximilian encontra-se fora dos limites de perigo imediato. Peço ao Primeiro-
Tenente Hawk que venha à sala de comando para apresentar-se ao Coronel Fritzsch!
Ras Tschubai ergueu-se nos cotovelos e anuiu, com a cabeça, para Omar.
— Nós dois iremos, Hawk!
Os médicos iam protestar, mas a cara ameaçadora de Tschubai fez com que
silenciassem.
Dez minutos mais tarde eles estavam diante do comandante da Maximilian.
O Coronel Fritzsch era um homem alto, de ombros largos, e usava uma barba cheia,
ruivo-avermelhada. Sem querer, Omar Hawk lembrou-se dos saltadores, aqueles
mercadores galácticos que nos primeiros tempos do Império Solar haviam dado muito
trabalho à expansão da raça humana.
O coronel fez um rápido gesto com a mão, convidando o oxtornense e Tschubai a se
sentarem. Depois o seu rosto marcial se transformou radicalmente, num largo sorriso.
— Fiquei muito contente, em ver que os senhores puderam ser salvos. Além disso,
posso transmitir-lhes uma notícia agradável. Da Crest III, recebemos há poucos minutos
atrás uma mensagem de hiper-rádio, codificada, que diz que todas as pessoas que
participaram da operação-comando estão fora de perigo. Muitos deles foram recolhidos
por naves de minha formação, os outros encontram-se a caminho de volta para a nave-
capitânia.
O mutante respirou, audivelmente, aliviado.
— Muito obrigado, coronel. Esta é realmente uma boa notícia. Eu nunca pensei que
esta operação pudesse transcorrer inteiramente sem perdas.
O rosto de Fritzsch ficou sério.
— Completamente sem perdas, infelizmente, as coisas não aconteceram, sir. Minha
formação perdeu muitas multinaves — cada uma com oito mil homens em sua
tripulação...!
Omar apertou os lábios.
A observação de Fritzsch lembrou-lhe, mais uma vez, que numa batalha espacial
não são destruídas apenas naves valiosas.
— Por que os seus canhões conversores não conseguiram atingir o alvo uma única
vez? — perguntou ele, para desviar a atenção do coronel.
— As bombas atômicas não materializaram — murmurou ele. — Medições
concluíram que em torno de Tamania, além de tudo, existe também um campo defensivo
energético anti-rematerializante. Nossos tiros de gigatoneladas, disparados como
impulsos energéticos hipervelozes, não materializam, desaparecendo em algum lugar no
infinito do hiperespaço. E com armas normais, absolutamente nada se pode fazer contra
aquele campo defensivo energético hemisférico, marrom-avermelhado, que cobre o
planeta. Além disso, só nos foi possível chegarmos, individualmente, suficientemente
perto, para podermos utilizar estas armas convencionais. As armas inimigas, entretanto,
possuem um alcance de quinze milhões de quilômetros.
— Mesmo assim tem que haver um caminho! — raciocinou Hawk, em voz alta. —
De alguma maneira deverá ser possível penetramos nesse campo energético hemisférico
vermelho. E depois que alguns comandos isolados tenham pousado em Tamania, tenho
certeza que praticamente teremos a batalha ganha.
O Coronel Fritzsch riu, um riso sem humor.
— Quem sabe o senhor tenta fazer isso a pé, meu caro! Com um gesto raivoso, o
oxtornense respondeu:
— O senhor sabe muito bem que Tamania terá que ser conquistada ou destruída,
coronel. Não podemos simplesmente voltar daqui, sem nada termos feito. Este seria o
começo do fim. Mas eu sei que se encontrará um caminho. Pode confiar no que estou
dizendo!
Muito agitado, ele se agarrara com força demasiada aos braços da poltrona.
Espantado, Fritzsch olhou aqueles pedaços arrancados que se desfaziam por entre os
dedos daquele adaptado ao meio ambiente.
— Homem! — gemeu ele. — Isso é metalplástico de alto valor! Ou pelo menos
dizem que é. Terei que reclamar, quando os...
— Está bem — retrucou Hawk, agastado. — O material é de boa qualidade. Eu é
que perdi um pouco o controle. E se o senhor, agora, puder deixar-nos na Crest III, nós
agradeceríamos muito.
O Coronel Fritzsch parou de sacudir a cabeça.
— Estamos a caminho da Crest — disse ele. — É uma sorte que, pelo menos fora
da zona de 15 milhões de quilômetros, se está fora de perigo.
Mal ele terminara de falar, quando a luz na sala de comando se apagou.
Gritos ecoaram através do pavilhão e no instante seguinte as sirenas de alarme
começaram a uivar, estridentes.
Ouviu-se um disparo.
E então pareceu a Hawk que todas as comportas do inferno tinham sido abertas ao
mesmo tempo, soltando milhões de demônios...
***
Trinar Molat ficou observando, enquanto as salvas dos canhões de polarização
invertida abriam enormes brechas nas formações das naves cilíndricas atacantes. Com
muita calma, sem pressa, ele fazia as ligações, sem a menor agitação íntima. Dentro de
poucos minutos os maahks recuaram definitivamente. Doze nuvens de gases em expansão
mostravam as posições de ex-cosmonaves cilíndricas.
— Eles nada podem fazer — disse o senhor da galáxia para Mezzo.
O Krath estava acocorado, parecendo um punho fechado, em cima do console de
comando. Mas não reagiu à observação de Molat.
O senhor da galáxia observou uma outra tela de rastreamento. Ininterruptamente
pesadas bombas atômicas rasgavam o negror do espaço. Bombas das quais apenas dez
delas transformariam a superfície de um planeta num verdadeiro mar de fogo — quando
não partiam literalmente ao meio o corpo celeste atingido.
Às naves esféricas, com aqueles estranhos penduricalhos cilíndricos, entretanto, elas
somente conseguiam causar danos, quando muitas explosões ocorriam, concentradas,
diante do campo defensivo energético da nave referida. Trinar Molat ficou imaginando
como aqueles campos energéticos defensivos, que luziam verdes, dos terranos, seriam
construídos. De algum modo eles eram melhores que o campo defensivo energético
hemisférico vermelho que fora erguido em volta de Tamania.
Molat riu.
Os campos defensivos terranos podiam até ser melhores — o campo defensivo
hemisférico, entretanto, captava a sua energia diretamente do sol Luum, o que, em
relação às armas de ataque terranas, dava-lhe uma grande superioridade.
Alem disso, os campos-AR tinham mostrado sua grande eficiência. Nem um único
disparo de canhão conversor terrano até agora rematerializara. E parecia que isto jamais
aconteceria. Há alguns minutos atrás o mostrador de capacidade do campo anti-psi tinha
subido rapidamente — e caído novamente. Em vista disso, era certo que os terranos
tinham colocado seus mutantes em ação — sem qualquer êxito, como, aliás, já era de se
esperar.
Não, não havia nenhuma razão para inquietar-se.
Ele poderia tranqüilamente continuar em sua caçada a animais selvagens, deixando
a defesa do mundo central simplesmente aos autômatos!
Porém Trinar Molat continuou sentado em sua poltrona, diante dos controles.
Ele não se daria por satisfeito em manter o atacante à distância, e esperar pela frota
que certamente viria em seu socorro. A cada hora que passava, o tefrodense Hakolin
podia estar terminando a sua missão — e então, tanto os terranos como os maahks
simplesmente desapareceriam do sistema Luum. Aliás, eles jamais teriam estado ali, pois
a Terra, neste caso, não teria dado o grande passo em direção às vastidões cósmicas...
Quando chegasse este momento, ele, Trinar Molat, nada mais poderia fazer. Mas,
ainda havia uma coisa, de cuja existência os terranos não tinham a menor idéia. Seria
uma pena não dar-lhes este grande susto.
O senhor da galáxia sorriu, matreiro.
A sua direita pairou por cima de uma tecla esquisita, para depois apertá-la
fortemente. Houve um clique audível. Uma lâmpada verde, de controle, acendeu-se.
No instante seguinte uma coisa diminuta materializou em cima da placa de glasite
iluminada, do lado da tecla de ignição. Tinha mais ou menos o tamanho da metade da
unha de um polegar. Ainda assim tinha um torso humano, duas pernas, dois braços e uma
cabeça.
— Olhe só isto, Mezzo! — murmurou Trinar Molat. — Esta é nossa arma mais
terrível!
O Krath esticou os cinco “dedos”. No instante seguinte ele encontrava-se bem
diante daquela figura diminuta.
— Não é mesmo? — perguntou o senhor da galáxia. — Esta é realmente uma
ferramenta tecnicamente irretocável! Um microrrobô, capaz de voar, raciocinando
autonomamente, e equipado com uma arma energética em miniatura, capaz de matar um
terrano adulto!
Mezzo mudou sua posição, “pelo caminho mais curto”, encontrando-se logo depois
sobre o ombro de Molat. Esticou o seu “dedo mindinho”, tocou a têmpora do homem e
murmurou diretamente no cérebro de Trinar:
— Não bom. Seres máquinas ruins, quando criados para matar. Mezzo zangado
com Trinar.
Na testa de Molat a veia da cólera inchou, vermelho-azulada. Ele não suportava que
o contrariassem. Com um movimento violento ele arrancou Mezzo de cima do ombro e
atirou-o violentamente contra a parede, por cima do console de comando.
Porém o Krath jamais tocou a parede.
Simplesmente evaporou-se em pleno ar.
O senhor da galáxia respirava, estertorando. De repente teve pena por não ter se
controlado melhor. Aquele pequeno ser com o formato de uma mão, no decorrer dos
séculos, acabara sendo-lhe tão caro, que agora ficou realmente com medo de que ele
talvez pudesse nunca mais voltar.
Depois de algum tempo acalmou-se novamente. A sua cólera voltou-se agora contra
os terranos, que tinham culpa de tudo isso.
Olhou para os microrrobô fixamente, e um sorriso satânico transformou-lhe o rosto
magro numa careta.
— Você vai mostrar a eles o que significa querer meter-se com Trinar Molat. Você
e seus bilhões de irmãos! Não vai ser nenhum bárbaro sujo que virá meter as mãos nas
estrelas que pertencem aos senhores da galáxia!
O robô fez continência. Os seus calcanhares diminutos se juntaram audivelmente.
— Sim, Fator II! — rugiu uma voz abafada, que era inteiramente fora de proporção
para com a pequenez daquela máquina.
Trinar Molat sorriu, malévolo.
— Desapareça, anão! — disse ele, e apertou a tecla uma segunda vez.
O robô sumiu.
Nas telas de rastreamento via-se que tanto os maahks como os terranos haviam
recuado para trás do limite em que se consideravam seguros, porque o alcance dos
canhões de polarização invertida de Tamania não passavam do mesmo.
— Isso de nada lhes servirá — murmurou o senhor da galáxia.
Ele ajustou a cruz de mira de um projetor de transmissão sobre a última das naves
esféricas em fuga, ajustou no visor de quantidade o número “dez mil” e girou o ativador.
Aparentemente não aconteceu absolutamente nada.
Mas Molat sabia que o projetor de transmissão, neste instante, transportava os dez
mil microrrobôs para dentro da nave cósmica adversária, onde já deviam estar
rematerializando.
Infelizmente o campo-PT simplesmente não funcionava quando se colocava
qualquer tipo de explosivos dentro da câmera do projetor, caso contrário teria sido até
bem mais fácil destruir os terranos e os maahks.
Porém os microrrobôs alcançariam o mesmo resultado — só que dentro de um
espaço de tempo um pouquinho maior!
***
Alguma coisa brilhando metalicamente, não maior que uma mosca comum terrana,
passou zumbindo, diante do reflexo das lâmpadas dos capacetes, diante do rosto de
Hawk. Um feixe de luz finíssimo e brilhante relampejou na direção do Coronel Fritzsch,
deixando para trás um feio buraco na testa do comandante.
O Coronel Fritzsch lentamente foi ao chão.
Omar Hawk respirou fundo. Depois saltou atrás daquela coisa voejante,
conseguindo pegá-la com a mão.
Ouviu-se um irado zumbido.
Hawk atirou aquela coisa minúscula violentamente ao chão, quando um raio
energético chamuscou-lhe o dedo médio e o indicador da mão direita.
Tinindo, o microrrobô arrebentou, partindo-se completamente.
O oxtornense abaixou-se e olhou, perturbado, aqueles destroços metálicos. Uma
máquina do tamanho de um inseto tinha assassinado o comandante da Maximilian!
Uma forte queimadura no ombro esquerdo fez com que ele se virasse rapidamente.
Desta vez ele não tentou agarrar o atacante novamente. Bateu com a sua direita no
ar, e destroçou aquela coisa em pleno vôo.
Perto dele, Ras Tschubai detonava a sua arma energética. Uma formação de cerca
de dez robôs voadores desintegrou-se inteiramente. Mas também um pedaço da parede
axial transformou-se numa nuvem de gases moleculares.
Omar deu-se conta, horrorizado, que o tamanho diminuto dos microrrobôs
proporcionava-lhes uma superioridade que não devia ser subestimada. Caso eles não se
tivessem espalhado apenas na sala de comando, mas por toda a nave, toda a Maximiliam
acabaria transformando-se num destroço, na tentativa de liquidar esses monstrinhos.
Ele refletiu febrilmente.
Não existiria um meio que danificasse os robôs, mas que conservasse em
funcionamento a aparelhagem da nave espacial...?
O caos na sala de comando entrementes ainda aumentava. Os oficiais atiravam e
praguejavam, correndo atabalhoadamente de um lado para o outro, enquanto feixes
energéticos, finos como agulhas, acabavam pondo um depois do outro fora de combate.
Hawk colocou o teleportador nos ombros e arrastou-se com ele de volta à sala da
computação positrônica de bordo. A eclusa deslizou para um lado, quando ele colocou a
palma de sua mão sobre a placa térmica da fechadura.
Ele trancou-a por dentro, depois de entrar. E agora nem seres humanos nem
microrrobôs conseguiriam mais entrar naquela sala esterilizada, limpa de poeira, do
controle da computação. Ras Tschubai estava em segurança, e talvez o cérebro
encontraria uma solução para a pergunta, de como seria possível aniquilar os robôs, sem
que esta vitória significasse, ao mesmo tempo, uma derrota.
***
Baar Lun encontrava-se, junto com Gucky, no vôo de regresso à Crest III, quando a
notícia da catástrofe na Maximilian os alcançou.
O próprio Perry Rhodan apareceu na tela de imagem do hipercomunicador.
— Eu tenho que lhe pedir um grande favor, Baar Lun — disse ele. — O senhor
poderia voar pra a Maximilian para ver se consegue pôr ordem naquilo...? Aqueles
microrrobôs não desenvolvem energias com as quais o senhor não possa lidar com êxito.
O modular anuiu.
Na tela de imagem frontal ele já estava vendo surgir uma bola diminuta, que refletia
a luz do sol Luum: a Crest III. Ainda há poucos momentos ele se sentira muito feliz por
ter escapado do inferno da Tamania, e poder estar, dentro de poucos minutos, a bordo da
nave-capitânia, que se tornara a sua nova pátria — mas agora já nem pensava mais nisso.
Enquanto ele ainda se despedia a sua mão já estava ativando a alavanca de
desaceleração, puxando-a até o final.
O jato-mosquito parecia, repentinamente, parar em pleno espaço. Uma lança de
chamas de um quilômetro de comprimento saiu das turbinas da proa, tornando-se cada
vez mais curta, na proporção em que o veículo perdia velocidade. Depois entraram em
ação as turbinas de correção de bombordo. O jato foi puxado violentamente para
estibordo colocando-se numa diagonal, quando Baar Lun ligou também a propulsão
principal.
O modular virou-se e olhou nos olhos de Gucky, que retribuiu o olhar cordialmente.
— Sinto muito, baixinho. Ainda vamos ter que fazer outra excursão. Aliás, você
mesmo escutou tudo.
O rato-castor assobiou a melodia de uma música que estava nas paradas de sucesso.
Depois estacou repentinamente, cruzou as mãos sobre a barriga e murmurou
chateado:
— O chefe pelo menos poderia ter me perguntado se eu queria participar desse
negócio!
O modular riu, tranqüilizando-o.
— Isso certamente não passará de uma pequena brincadeira para você, dentuço.
Além disso, você está sob o comando de Rhodan — o que não acontece comigo. A mim,
ele tem que perguntar. A você, não precisa.
— Pois é isso, justamente — resmungou Gucky. — A mim nunca ninguém
pergunta se quero alguma coisa ou não. Este jato-mosquito cósmico não tem a bordo
sequer algumas cenouras!
Espantado, Lun piscou os olhos. Depois riu, roucamente.
— Em compensação, você vai encontrar muitas delas nas despensas da Maximilian.
O rato-castor respirou fundo. Depois abriu a boca e mostrou o seu dente roedor, em
todo o seu tamanho — sinal de bom humor.
— Velocidade, careca! — ordenou ele. — Abra as pernas! Caso contrário esses
microrrobôs idiotas ainda me comem todas as cenouras!
— Abrir as pernas...?
Gucky piou, divertido, rindo do espanto de modular.
— Sim, todo o gás, macaquinho! Põe pimenta no acelerador!
Baar Lun repuxou o lábio inferior, quando deu-se conta do que o rato-castor estava
falando.
— Está bem, só espero que na Terra ninguém fique sabendo que tipo de diálogo
acontece a bordo das espaçonaves terranas — murmurou ele para si mesmo. — Essa
gente sempre acha que nós declamamos versos, em vez de falarmos como falam
indivíduos normais, e quando a gente vai ver...
Gucky ria, matreiro.
— Meus ouvidos estão muito bem apurados, velhão! Por que é que você fica aí
resmungando, homem do mundo tenebroso? Está com medo de minhas respostas? Ora,
deixe-me dizer-lhe uma coisa. O mundo está cheio de sujeira e... ora!
Ele coçou-se demoradamente atrás da orelha esquerda. — Ora, quer saber de uma
coisa? Me esquece! Eu falo como as coisas me saem do bico. O meu maior modelo, Bell,
sempre diz: Aquilo que Goethe costumava levar à boca, nós já temos nas calças há muito
tempo!
Lun encolheu os ombros.
Ele fez uma anotação mental para verificar, algum dia, na enciclopédia, quem era
esse tal Goethe e o que é que ele teria levado à boca. Além disso achava que devia
estudar um pouco melhor o idioma dos terranos. Muita coisa que Gucky dissera — e que
outras pessoas a bordo da Crest III freqüentemente falavam — era-lhe incompreensível.
Muitas vezes ele achava que os terranos entendiam-se entre si numa espécie de código,
que somente nascidos na Terra seriam capazes de entender.
Ele digitou as coordenadas para o rápido vôo linear para dentro do piloto
automático, acionou o controle de ligação dos conversores kalup e ia justamente anunciar
a sua entrada no espaço intermediário, quando seus parassentidos perceberam a formação
de um campo de rematerialização.
Um campo de polarização invertida! — lembrou-se ele, imediatamente.
Sem pensar em mais nada, ele golpeou a placa de ligação para o vôo linear.
O jato-mosquito desapareceu do contínuo quadridimensional, quando uma bomba
atômica de 1.000 gigatoneladas explodiu exatamente no lugar antes por ele ocupado.
Baar Lun viu um raio azul-esbranquiçado que se atirava de dentro da caixa da
programação de vôo linear e deu-se conta de que alguma coisa dera errado.
7

Perry Rhodan e Atlan olhavam, com os rostos tensos, o disco de registros por cima
da mesa cartográfica. Até agora um total de duas mil e cem naves cósmicas da frota
terrana haviam anunciado o surgimento de microrrobôs.
Onze dessas naves já não mais se comunicavam com a Crest há mais de meio
minuto!
O Administrador-Geral reativou o contato com a Maximilian. Um jovem tenente
olhou, de olhos esbugalhados, da tela de imagem. Informou ser o comandante em
exercício da supernave de combate, em substituição ao Coronel Fritzsch e outros trinta e
quatro altos oficiais, que tinham caído na luta contra aqueles diminutos invasores.
— Nada, sir! Baar Lun ainda não deu notícias.
Rhodan olhou, nervoso, o seu cronógrafo.
— Ele já está a caminho de sua nave há mais de meia hora, tenente. Na realidade ele
já devia ter entrado num hangar de Maximilian há um quarto de hora atrás. O senhor tem
certeza de que todas as eclusas estão guarnecidas, tenente?
O oficial ficou ainda um pouco mais pálido. Mas anuiu, valente.
— Certeza absoluta, sir. A nave foi submetida a uma limpeza completa, removendo-
se todos os robôs. Cerca de trezentos homens caíram, durante esta operação. É o que se
pode verificar, pelo menos, até o momento. Faz dez minutos que as guarnições das
eclusas não tiveram mais nenhum contato com o inimigo.
Os ombros de Rhodan como que caíram um pouco para a frente.
— Muito obrigado, tenente — disse ele, em voz baixa. Desligou o
hipercomunicador e virou-se para o arcônida.
— As coisas parece que não vão bem com o modular — nem com Gucky.
Atlan olhou-o fixamente, mas praticamente sem vê-lo.
— Receio que jamais voltaremos a rever nem Lun nem Gucky, amigo. O
rastreamento energético registra a explosão de uma gigabomba na linha de curso do caça
espacial de Lun...
O terrano limpou o suor da testa. Os seus olhos irradiavam um ódio tal, como
jamais Atlan vira neles antes.
— Acalme-se, Perry! — advertiu ele.
Rhodan nem pareceu ouvir. Puxou o microfone da intercomunicação com a frota
mais para perto dele, pigarreou e depois disse com uma voz perigosamente calma:
— Fala Rhodan, a todas as unidades da frota! Dentro de um minuto começa o
ataque de todas as forças, em grupos concentrados. O Plano B-009 continua válido. Os
grupos isolados concentrarão o seu fogo sempre num só lugar do campo energético
defensivo hemisférico. Logo que houver uma brecha, todos os meios de destruição
deverão ser empregados imediatamente. Meta: liquidação definitiva da Tamania!
O arcônida ergueu os ombros.
Com a Tamania, somente poucas pessoas desapareceriam. Talvez até apenas um
único senhor da galáxia estaria no planeta central. Mas era mais do que questionável, se
desta vez se estaria em situação de atravessar aquele campo energético hemisférico —
agora que somente era possível atacá-lo com a metade da frota!
Porém o amigo dificilmente iria ouvir alguma advertência. A provável morte de
Gucky parecia tê-lo abalado terrivelmente.
Atlan também sentiu pena e dor, ao pensar que agora nunca mais teria oportunidade
de conversar com o rato-castor, que Gucky já não mais existia...
Mas ele tornara-se duro, nestes dez e meio milênios, metido em batalhas espaciais,
solidão, mergulhado na própria dor e na alheia. Talvez ele também perderia o controle
quando estivesse completamente sozinho com a sua dor — mas jamais diante dos outros.
Quando aquele minuto se passou e a Crest III colocou-se em movimento,
acompanhada por mil e novecentas outras unidades, o matemático-chefe apareceu diante
do Administrador-Geral.
Hong Kao, normalmente a calma e a cortesia em pessoa, nem perguntou primeiro se
podia falar. Colocou-se diante de Rhodan e disse numa voz cortante, na qual podia ouvir-
se nitidamente um laivo da mais autêntica indignação:
— Sir, chamo sua atenção para o fato de que a operação ordenada trará uma morte
sem sentido para alguns milhares de terranos. O computador...
Perry ergueu-se, irritado.
— O que diz a sua máquina não me interessa, Hong! É o homem quem decide. O
senhor sabe, por acaso, que Gucky e Baar Lun provavelmente morreram, foram
assassinados por aqueles seres que manipulam as armas do planeta Tamania...?
— Estou informado, sir — retrucou Hong Kao um pouco mais baixo que antes. —
Mas mesmo que Gucky esteja morto, o senhor não pode deixar que seu desejo pessoal de
vingança o leve a sacrificar milhares e milhares de seres humanos!
Atlan deu um passo na direção do matemático-chefe.
— Isso é motim, Hong! Volte imediatamente ao seu lugar, ou então enfrente as
conseqüências do seu comportamento. Nós nos encontramos numa batalha!
Hong Kao olhou o arcônida francamente no rosto. E resistiu ao olhar penetrante do
outro. Depois respirou fundo.
— O comando desta nave está nas mãos do Administrador-Geral, sir — disse ele,
friamente. — O senhor não tem autoridade sobre mim!
Atlan ia retrucar alguma coisa, furioso. Fechou os punhos. Mas logo controlou-se
novamente. Repentinamente virou-se, e dirigiu-se, com passadas fortes, em direção à
saída.
O matemático-chefe engoliu em seco. Ele sabia que tinha ofendido mortalmente o
lorde-almirante. E teve que fazer um esforço sobre si mesmo, para não sair correndo atrás
dele, para pedir-lhe mil desculpas.
Mas ele adiou isso para mais tarde.
— Sir! — disse ele, em voz baixa mas firme, para Rhodan. — Antigamente o
senhor teria degradado um comandante que agisse como o senhor está em vias de agir, e
certamente o colocaria diante de uma corte marcial...!
Distraído, Rhodan abria e fechava a fivela magnética do seu cinto de segurança. Os
seus dedos pareciam uma entidade autônoma, que não tinha qualquer ligação com o
cérebro.

De repente o Administrador-Geral acordou do seu estarrecimento. Olhou para o


matemático, como se acabasse de conhecê-lo naquele instante.
— Muito obrigado, Hong — disse ele, terrivelmente cansado. — Fico contente em
saber que tenho um homem tão valente como o senhor a bordo.
De golpe fugiu-lhe todo o cansaço e resignação. Novamente ele puxou o microfone
do intercomunicador interfrota para mais perto de si e deu ordens para uma retirada até a
antiga linha de partida!
Quando interrompeu a ligação e se virou, Hong Kao tinha desaparecido.
Perry Rhodan sorriu.
— Obrigado, Hong — murmurou ele.
***
Quando o jato-mosquito caiu de volta ao espaço normal, Baar Lun sabia que sua
suposição não o enganara. O sistema Luum desaparecera.
— Onde é que nós estamos? — perguntou Gucky, com um fio de voz.
— Isso é uma coisa que eu também gostaria de saber — murmurou Lun. Ele ligou o
registrador de vôo e olhou os diagramas.
Depois de cerca de dez minutos ergueu a cabeça. O seu sorriso parecia artificial.
— Em exatamente dezoito minutos nós deixamos para trás entre treze e dezessete
anos-luz. Infelizmente não conheço a direção de vôo. Dentro do sistema Luum eu voei
sem instrumentos e por avaliação. Mas de acordo com a concentração de estrelas desta
região de Andrômeda, nós não nos encontramos nem nas franjas da galáxia nem
próximos do seu centro.
— Isso quer dizer que jamais vamos achar o caminho de volta?
Baar Lun sacudiu a cabeça.
— Por enquanto é cedo para esse tipo de diagnóstico. Primeiramente terei que fixar
um ponto astrográfico. Talvez, nos mapas, eu reconheça alguma constelação
característica, de modo que, ao fazermos nosso pedido de socorro, pelo menos possamos
irradiar nossa posição aproximada.
— Pedido de socorro? — perguntou o rato-castor, sem entender direito. — Para que
um pedido de socorro, se conhecemos nossa posição? Neste caso, também poderemos
calcular a posição do sistema Luum, e voar até lá sem a ajuda de ninguém!
— Talvez — ou talvez não. Você se esquece aparentemente que eu não tive
qualquer possibilidade de desligar o conversor kalup. Eu tive que esperar, sem nada
poder fazer, até que a programação falsificada do vôo linear tivesse transcorrida. E o que
não se pode desligar também não se pode religar. A última explosão desregulou
completamente o automático. Pode levar meses até que eu encontre a falha. Portanto...
Ele estacou e olhou, irritado, para o disco verde do orientador de freqüência. Uma
linha branca tremeluzia por cima do mostrador.
— Alguém está transmitindo com um aparelho que trabalha normalmente à
velocidade da luz — disse ele, quase engasgando.
O rato-castor assobiou, desafinado.
— E por que não? Por aqui deve haver uma grande quantidade de sistemas solares
habitados nas proximidades. E em planetas civilizados sempre há transmissões de rádio.
O modular riu, irônico.
— Quem é que vai se dar ao luxo de esbanjar energia, e gastar quatro mil e
quinhentos gigawatts para transmissões planetárias?
Gucky não respondeu. Ele nem tentou imaginar que pudesse haver alguém que
desenvolvia uma transmissão interestelar em bases simplesmente na velocidade da luz.
Uma coisa dessas não faria sentido. A não ser que uma cultura ainda relativamente
primitiva estivesse tentando, através de feixe eletrônico dirigido, conseguir contato com
outras raças. Diziam que na Terra do Século Vinte teria havido alguma coisa parecida,
tomada com seriedade, antes da nave arcônida ter sido encontrada na Lua.
— Eu sugiro mudarmos nossa posição, Lun! — disse ele.
Baar Lun anuiu.
— Eu também já pensei nisso. Está bem, vamos tentar!
O comando dos impulsores ainda funcionava sem problemas. O modular girou a
nave fortemente para bombordo e acelerou novamente com força total.
No decorrer de uma hora eles deixaram para trás uma distância bem maior do que
seria necessário para esta experiência. Porém essa coisa com o transmissor desconhecido
parecia estar fora de todas as normas. O receptor continuava captando com a mesma
intensidade como há uma hora atrás. Lun tomou tempo para refletir.
Uma dispersão de tal amplitude seria sem sentido, se com a mesma somente devia
ser alcançado um setor fortemente delimitado do espaço. Conseqüentemente a
transmissão devia estar sendo irradiada em todas as direções ao mesmo tempo!
Indubitavelmente pelo menos dezesseis transmissores encontravam-se na superfície
do planeta, caso contrário haveria oscilações de intensidade.
“Alto lá!”, disse Baar Lun para si mesmo. Oscilações de intensidade deveria haver
de qualquer maneira. Sombras solares e de planetas, fluxos de ondas e gases
interestelares, influenciavam todas as ondas de rádio apenas à velocidade da luz.
A conclusão que se tirava disso, fez aquele problema limpamente aritmético um
problema de natureza geral.
Ondas de rádio sem oscilações de intensidade deviam vir de uma distância muito
curta, no máximo de uma distância que não ultrapassasse 0,8 anos-luz — a distância até o
sol mais próximo.
Um planeta sem sol...?
Baar Lun comunicou suas suposições e o rato-castor apenas anuiu.
— Eu também já pensei nisso. Eu acho que este negócio é suficientemente
importante para lhe darmos toda a nossa atenção. Por favor procure quatro posições
radiogoniométricas. Eu tentarei determinar a posição do planeta.
O modular acelerou novamente. Por quatro vezes ele levou o jato-mosquito a parar,
e quatro vezes Gucky fez a radiogoniometria.
Quando o resultado estava diante deles, aqueles dois seres fisicamente tão diferentes
entreolharam-se por alguns segundos, em total silêncio.
Foi Gucky quem quebrou o mutismo.
— Apenas um total de sessenta milhões de quilômetros. Isto quer dizer que o
planeta desconhecido paira bem no meio do espaço interestelar, sem sol, sem
acompanhante e provavelmente também sem uma atmosfera. A vida ali provavelmente
não poderia vingar, mesmo se algum dia ela já tenha sido possível.
— E por que não? — perguntou Lun, que se lembrava do mundo escuro de Modul,
no qual ele vivera durante centenas de anos, apesar de Modul não ter nenhuma atmosfera
nem qualquer sol que lhe desse calor. — Talvez a situação dos seres ali é semelhante a
dos de Modul. Talvez os sinais de rádio são um pedido de socorro. Vamos voar até lá
para darmos uma olhada!
Gucky não pensou duas vezes.
— Isso é o que faremos sem dúvida alguma!
Baar Lun determinou a rota e empurrou a alavanca do impulsor para trás, até o
fundo.
O caça cósmico dirigiu o seu nariz obtuso da proa em direção à meta, que por
enquanto ainda estava invisível. Somente a chegada ininterrupta dos sinais de rádio
provava que ali havia alguém, um ser inteligente, ou talvez muitos, que com grande
probabilidade estavam em perigo.
***
O tenente que depois das baixas dos oficiais mais graduados tinha assumido o
comando da Maximilian não sabia nada sobre a presença de Hawk e Tschubai.
Foi um puro acaso, que o levou até a central de computação, para procurar pelos
matemáticos. Afinal de contas, a morte imperara por toda a nave, e ele nada podia fazer
pelas vítimas, uma vez que tinha que se ocupar com o comando e controle daquela
supernave de combate.
Porém, para o caso de um novo contato com o inimigo, ele precisava do pessoal
cibernético.
Ficou admirado de encontrar a eclusa, que ia dar na central, fechada por dentro. Mas
nem parou para fazer inúteis tentativas de abri-la, porém saiu rapidamente pela saída de
emergência que não se deixava trancar.
O que ele viu no interior do grande pavilhão o assustou. Deitados no chão, ao
comprido, estavam os quatro cibernéticos de serviço, e junto deles estavam os corpos de
dois estranhos. Um deles ele reconheceu no símbolo do cérebro sobre o peito do traje
espacial. Era Ras Tschubai, um teleportador do Exército de Mutantes. O outro parecia-lhe
estranho, tal como os símbolos que o mesmo trazia na manga, com uma cabeça de
animal, estilizada.
E em cima do joelho direito do homem calvo estava uma mão humana — uma mão
humana solitária, cortada!
Com passos incertos o tenente aproximou-se da mesma e estendeu o braço, para
juntar a mão.
No instante seguinte ele olhou, espantado, para aquele lugar vazio.
A mão sumira!
Ele levou a mão à testa, sacudiu a cabeça e abriu e fechou os olhos, como se
quisesse convencer-se de que não estava sonhando.
Uma mão não podia simplesmente desaparecer!
Já era horrível o bastante que alguém da tripulação tivesse a sua mão arrancada pelo
feixe energético de um microrrobô. E agora esta mesma mão simplesmente se evaporava
no ar!
O tenente ainda não se restabelecera daquele choque, quando foi envolvido por uma
nuvem de gases transparentes. E foi ao chão, com muito barulho.
Depois de algum tempo, Omar Hawk abriu os olhos. Ele deu-se conta
imediatamente do que acontecera, depois que ele penetrara no recinto de computação,
acompanhado de Ras Tschubai.
Os microrrobôs deviam ter reprogramado o autoprotetor do cérebro positrônico, de
modo que depois disso o mesmo veria em cada membro da tripulação, sim, até mesmo
em cada ser humano, um inimigo, reagindo correspondentemente.
“Neurogás!”, pensou ele. “Foram narcotizados com neurogás. Mas eu ainda estou
vivo. Conseqüentemente não existe mais nenhum microrrobô na central do cérebro
computadorizado de bordo! Caso contrário eles teriam me matado.”
Ele ficou pensando em como poderia pôr-se em segurança, bem como a Ras
Tschubai, sem que, ao menor movimento, uma nova dose de gás venenoso fosse
dispersada em sua direção.
“Tschubai!”, pensou ele. “Tschubai é teleportador. Quando ele acordar poderá
teleportar para fora daqui, e desativar o autoprotetor do computador, através dos
controles da sala de comando!”
Mas o mutante precisaria de muito mais tempo do que ele, para recuperar-se do
efeito dos gases.
“Errado!”, passou pelo seu cérebro. “Tschubai é portador de um ativador celular.
Ele acordará mais cedo do que qualquer outro nascido na Terra!”
Omar Hawk esticou o queixo e deste modo fechou o contato que ativava o
telecomunicador do seu capacete.
— Tschubai! — murmurou ele. — Ras Tschubai! Caso esteja consciente, por favor
responda! Mas não se mexa! O automático de proteção do computador foi reprogramado
contra nós.
— Graças a Deus! — ouviu ele, muito baixinho. Era a voz do mutante. — Eu já
estava temendo que era o único ser humano que sobrevivera à ação do neurogás. Mas
naturalmente o senhor, vindo de um mundo extremo, consegue livrar-se destas coisas
bem mais rapidamente que os demais.
O oxtornense respirou, aliviado.
— Teleporte, Tschubai! — murmurou ele. — E desligue a alimentação energética
da aparelhagem de computação da nave!
— Hum! — o teleportador parecia estar refletindo. — Só espero não cair da chuva
no molhado!
— Dificilmente — disse Omar, sorrindo. — Caso os microrrobôs tivessem tomado
a nave, nós não estaríamos mais vivos. Estas maquininhas mortais não ficariam satisfeitas
em nos pôr fora de combate apenas por algum tempo.
— O.K. — veio-lhe a voz de Tschubai. — Eu teleporto!
Hawk escutou o ruído típico, que sempre ocorria quando o ar penetrava no vácuo,
que um mutante teleportador deixava para trás de si ao desaparecer.
Logo em seguida apagou-se parte das lâmpadas de controle, as mesmas que se
encontravam no seu campo de visão.
Ele ergueu-se de golpe, com os músculos retesados para um salto. Porém nada
aconteceu. O automático de segurança realmente não funcionava mais.
Somente agora ele notou que aos quatro cibernéticos, que ele vira pouco antes de
desmaiar, ainda se juntara um quinto homem, um jovem tenente, com o braço esquerdo
chamuscado e esmigalhado.
Entretanto ele não deu maior atenção ao oficial, porém tratou de abrir as trancas da
eclusa-escotilha principal. Do lado de fora Ras Tschubai já o esperava.
O mutante estava com uma cara muito séria. — O que foi? — perguntou Hawk.
Tschubai não respondeu. Em vez disso puxou o primeiro-tenente consigo até a sala de
comando da nave. O rosto de Omar ficou cinza, de tão pálido. Aparelhos derretidos,
destroçados por tiros, telas de imagem e poltronas anatômicas, com mortos em posições
contorcidas, as armas nas mãos — tudo isto fora deixado para trás pelos microrrobôs na
sala de comando.
O segundo choque o alcançou quando ergueu os olhos para as telas da galeria
panorâmica.
Não se via um só traço do segundo planeta de Luum, nem do sol, nem das estrelas
de Andrômeda. Somente véus coloridos, em girândolas, e luzes rodopiantes, cobriam as
telas de imagem.
A Maximilian encontrava-se no espaço linear — e não havia ninguém ali que
pudesse dizer desde quando eles tinham abandonado o contínuo normal!
***
— Quatorze naves cósmicas desapareceram no espaço linear, sir! — avisou Cart
Rudo, o comandante da Crest III.
Perry Rhodan curvou-se, com uma expressão que parecia petrificada, para o
comunicador do computador de bordo.
— Qual é a extensão da probabilidade de que o desaparecimento das quatorze naves
tenha algo a ver com os microrrobôs?
A resposta veio segundos mais tarde.
— Oitenta e quatro por cento de probabilidade positiva. Supõe-se que os robôs
penetram nos sistemas de ligação dos propulsores, ou então dispõem de uma espécie de
“interpretador” que eles enviam aos sistemas de controle, que passam a teleguiar.
— Que tipo de contramedidas...?
O Administrador-Geral emudeceu, quando Cart Rudo deu um grito estridente.
No mesmo instante começaram a tocar as sirenes da aparelhagem de alerta. Vozes
robotizadas safam dos alto-falantes anunciando a invasão de centenas de milhares de
microrrobôs!
Rhodan viu uma nuvem cintilante de objetos metálicos vinda em sua direção.
Arrancou sua arma energética da bandoleira e atirou.
Depois abaixou-se para o microfone do intercomunicador.
— Rhodan à tripulação! As
máquinas da nave serão desativadas. Os
campos energéticos de segurança dos
conversores kalup devem ser
desligados. Todo homem livre deve
lutar contra os microrrobôs invasores.
Em caso de necessidade não se tomará
em consideração nem mesmo as
instalações da nave. Primazia tem a
rápida destruição dos invasores!
Ele jogou-se perto de sua poltrona
anatômica, quando pelo menos uma
dúzia de raios energéticos, finos como
cabelos, mas mortais, passou pelo ar,
rente a seu rosto.
De toda a parte vinha agora o
cantar audível dos campos de irradiação
dos desintegradores das armas
energéticas, o praguejar de homens e o
bufar das armas-laser robotizadas.
O Administrador-Geral saltou para
cima da mesa cartográfica, encostou-se
na imensa pilastra do duto do elevador
central e começou a atirar como um possesso para dentro dos enxames de microrrobôs
voadores, que pareciam estar em toda parte ao mesmo tempo.
Atrás de uma poltrona, ele viu o Lorde-Almirante Atlan ajoelhado, também
atirando. Através da eclusa principal entrou a figura gigantesca do halutense. O corpo de
Icho Tolot era absolutamente insensível contra os finíssimos feixes energéticos das
micromáquinas. Provavelmente ele nem sequer sentia os seus impactos. Mas mesmo
assim ele girava violentamente os seus quatro braços, enquanto atravessava a sala de
comando com seus passos pesados. Centenas de robôs, que se atiraram sobre ele, foram
simplesmente destroçados.
Lentamente aquela agitação geral diminuiu. A tripulação da Crest III verificou que
suas chances de sobrevivência subiriam, se agisse com sangue-frio. O cantar das armas
energéticas desintegradoras diminuiu, mas, em contrapartida, cada tiro dado acertava em
cheio.
Apesar disso, a invasão dos robôs-miniatura continuou rolando. Dos mais diversos
departamentos da nave-capitânia vinham mensagens a respeito de baixas na aparelhagem
e nas máquinas, que deixavam de funcionar. Do posto de comando das máquinas o último
sobrevivente avisava que tinha liquidado todos os robôs invasores, mas que estava
demasiadamente ferido para abrir novamente a escotilha trancada por eles.
Rhodan nada podia fazer para ajudar o homem.
Finalmente, depois de meia hora, a sala de comando estava novamente em
condições, após a destruição dos robôs. As eclusas e escotilhas foram fechadas
hermeticamente, e depois Perry Rhodan voltou ao seu lugar junto à mesa dos mapas
estelares, exigindo, através do intercomunicador, que lhe fossem transmitidos relatos das
situações nas outras naves de sua frota reunida.
E os relatórios vieram.
Também os maahks informaram sobre invasões de robôs. Eles já tinham perdido
mais de mil e cem naves de combate, sendo que novecentas destas durante o ataque a
Tamania.
A frota terrana perdera quarenta e quatro de suas naves.
E tudo indicava que isto era apenas o começo de uma catástrofe.
Havia apenas ainda uma única possibilidade de salvação. E alguns comandantes já
haviam feito uso dela, sem primeiro pedir permissão para tal. Rhodan podia entendê-los.
Quando uma nave cósmica, devido ao ataque dos microrrobôs, parecia ficar inteiramente
fora de controle, só lhes restava ainda uma rápida fuga para fora do sistema Luum. Só
assim podia impedir-se que estes recebessem reforços.
Cada vez mais multinaves saíam de formação, recuando numa fuga em pânico.
O Administrador-Geral reconheceu que não podia hesitar por mais tempo, em
ordenar que todas as unidades batessem em retirada. Ele passou a ordem de retirada a
todos os comandantes das naves, determinando como ponto de reunião um local que
ficava a 0,5 anos-luz de distância do sol Luum.
Com chispas no olhar ele ainda chegou a ver o planeta central dos senhores da
galáxia, antes da Crest III mergulhar no espaço linear.
Mas eles voltariam!
8

O que surgiu na tela de imagem frontal do jato-mosquito não era nenhum planeta.
Uma esfera de trinta quilômetros de diâmetro estava parada, imóvel, no espaço
vazio entre as estrelas de Andrômeda. O rastreador de massa do caça espacial registrou
uma liga desconhecida de metalplástico. O rastreamento energético, entretanto, mal
respondia, com exceção da quantidade energética que fazia funcionar o transmissor de
rádio.
A cinco mil quilômetros de distância, Baar Lun ajustou o jato-mosquito à relativa
imobilidade da esfera.
— Eu sugiro que você, antes de mais nada, teleporte até lá, Gucky — levando-me
consigo.
— Acho que isso será mais seguro — retrucou o rato-castor.
Ele não mostrou qualquer indício de medo. Sua agitação provinha simplesmente de
sua curiosidade. Lá, do outro lado, aparentemente não havia estações de rastreamento,
caso contrário eles teriam registrado nos seus aparelhos os impulsos dos tateadores.
Também a intensidade da transmissão de rádio continuara a mesma. Possivelmente
naquela esfera de aço não se encontrava mais nada além de um transmissor automático.
Lun dobrou o encosto de sua poltrona para frente e deu a mão ao rato-castor.
Gucky deu um assobio estridente — e teleportou!
Eles materializaram aparentemente no Nada — até notarem que simplesmente se
encontravam num recinto completamente escuro. Ao mesmo tempo, ligaram as lanternas
dos seus capacetes.
Aqueles cones de luz, fortemente delimitados, deslizaram por cima de paredes de
metalplástico, sem apainelamento, superfícies brilhantes redondas e protuberâncias que
rebrilhavam, avermelhadas, contra a luz, e pareciam estar embutidas nas paredes.
— Hum! — fez o rato-castor, pensativo. — Eu aposto que esta esfera pode ser
movida, logo que se descubra como funciona o seu sistema de propulsão.
— Você está querendo dizer que nós nos encontramos dentro de uma nave cósmica?
— perguntou Lun, respirando forte.
— Bem, não precisa ser necessariamente uma nave cósmica. Estou pensando que se
trata provavelmente de uma estação cósmica, que tem a capacidade de modificar sua
posição. Mas, ainda assim, eu acho que tudo isto está em flagrante contraste com o fato
de daqui estarem irradiando simplesmente com ondas de rádio apenas à velocidade da
luz. Em minha opinião isto não corresponde absolutamente ao nível da técnica atual.
Ele franziu a testa.
— Um momentinho!
No segundo seguinte ele tinha sumido. Lun percebeu o ruído de uma teleportação e
perguntou-se para onde o rato-castor teria saltado.
Mas neste instante Gucky já estava novamente de volta.
— Nós realmente nos enganamos — murmurou ele.
— Como assim? — perguntou o modular sem entender.
— Ao acharmos que esta esfera era desabitada e que ninguém teria registrado nossa
chegada. As transmissões de rádio foram interrompidas — provavelmente quando nós
materializamos neste recinto...
Instintivamente Baar Lun levou a mão à sua arma energética. Porém o rato-castor
sacudiu a cabeça.
— Não creio que temos alguma coisa a temer, Lun. Pois por aqui não existem
impulsos mentais de nenhum tipo.
— Mas isto é francamente contrário ao que você acabou de afirmar...
— Eu sei — defendeu-se Gucky. — Afinal, não é preciso que sejam seres
orgânicos, que habitam este globo. Talvez sejam robôs estacionários, que procuram um
contato com seres inteligentes.
— Neste caso eles teriam trabalhado com aparelhagem de hiper-rádio! — retrucou o
modular. — A não ser que...
Ele sacudiu a cabeça, porque a idéia que lhe viera era um pouco ousada demais.
— A não ser que eles não tenham interesse em chamar para si a atenção dos
senhores da galáxia ou dos tefrodenses, o que afinal de contas dá no mesmo. Se não estou
muito enganado, nós vamos encontrar aliados por aqui.
Baar Lun de repente estremeceu.
— Em algum lugar uma máquina parou de funcionar. Uma máquina que não utiliza
muita energia, apenas cerca de três megawatts, pelo que estou avaliando.
O rato-castor mostrou o seu dente roedor.
— Isso confirma nossa teoria.
No instante seguinte também ele estremeceu.
— Impulsos mentais! — gritou ele, enterrando as suas unhas no traje especial de
Lun. — Pensamentos confusos. Parece que alguém está sonhando. É impossível
reconhecer uma ordem de idéias concatenadas.
— Você consegue goniometrar o local? — perguntou o modular em voz baixa.
— Já fiz. Dê-me a sua mão, careca!
Quando eles rematerializaram, encontravam-se num recinto cilíndrico, muito pouco
iluminado.
Não conseguiam mexer qualquer membro. Alguma coisa invisível prendia-os ao
lugar em que tinham surgido. Porém não havia qualquer indício de alguma ativa ação
hostil, por isso os dois invasores ergueram os seus olhos para aquele cilindro
transparente, que brilhava azulado, suspenso bem no meio do recinto, pulsando
levemente, como se vivesse.
Porém não foi o cilindro que espantou Gucky e Lun tremendamente, mas sim o
corpo humanóide, que pairava dentro do mesmo. Um ser humano — mas, ainda assim,
não exatamente um homem — pois havia algumas características que mostravam que
aquele era um ser estranho.
E, sobretudo, os seus pensamentos eram heterogêneos! Apesar de não serem
formulados conscientemente, eles demonstravam que este extraordinário ser fisicamente
humanóide crescera numa cultura e civilização inteiramente exóticas. Baar Lun e o rato-
castor tiveram consciência de que aqui eles tinham encontrado algo que, em suas
conseqüências, certamente poderia provocar uma mudança completa no fluxo da história
cósmica! E esperaram...!

***
**
*
O Fator I quis girar para trás a engrenagem da
história galáctica — mandando destruir a nave de
exploração de Thora, que tivera de pousar
emergencialmente no satélite da Terra, antes do
primeiro vôo lunar de Perry Rhodan. Caso este crime do
tempo tivesse tido êxito, o Fator I teria destruído o
embrião da Terceira Potência — impedindo a posterior
existência do Império Solar.
Deste modo, entretanto, um dos últimos senhores
da galáxia luta num combate desesperado contra as
frotas aliadas que atacam Tamania. Como será a
decisão definitiva — você verá no próximo número da
série Perry Rhodan, sob o título “Amok dos
Hibernados”.

Visite o Site Oficial Perry Rhodan:


www.perry-rhodan.com.br

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