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Adiváita. A sabedoria que vem do pensamento na não-dualidade.

O significado literal da palavra Religião vem do latim, e significa a religação entre nós e um
poder superior. Religião também, pode ser compreendida como um retorno à realidade de
nossa própria natureza. Todas as religiões têm o mesmo objetivo e, embora a maior parte
delas negue esse fato, todas guardam a mesma verdade.

A doutrina principal do Adiváita postula que apenas o Absoluto, quer dizer, Brahman ou Deus,
é real, e que o mundo e toda criação nele contida é na sua constituição mais íntima uma
aparência ilusória. Toda e qualquer modificação, dualidade, pluralidade, seja objetiva ou
subjetiva, é apenas um julgamento do nosso ego que insiste em nos fazer crer que somos seres
separados uns dos outros, não só humanos entre si, mas que nos ilude em acreditarmos que
somos também separados de todas as formas de vida e energia, como as árvores, os rios,
animais, plantas, insetos, montanhas, florestas, oceanos, e rochas, o que vai exatamente de
encontro ao que chamamos de ecossistema, que é o conjunto formado por todos os
componentes bióticos e abióticos na natureza. No Adiváita, todos fazemos parte de uma única
unidade, Deus, e somos apenas diferentes manifestações dessa Divindade, desse Absoluto,
separados apenas uns dos outros porque criamos o conceito de ego ou o eu de cada um, sem
o qual deixamos de existir. Essa falha de percepção na nossa consciência, faz com que
tenhamos uma certa dificuldade de nos percebermos nos olhos de nossos filhos, de nossos
pais, de nossos animais de estimação, das plantas das quais cuidamos, e de virtualmente cada
emanação de vida, de cada montanha, de cada floresta e de cada ser humano presente na
Terra. Devido ao fato de nos abraçarmos ao nosso ego, como se ele em si próprio fosse a fonte
de nossa vida, consideramo-nos totalmente separados, não só fisicamente mas
espiritualmente de todas as formas de vida, tornando-nos indiferentes e desprezando as
outras pessoas que não sejam nossos afetos, os animais que não nos pertençam, a natureza da
qual não somos parte. E aí erramos e erramos grandemente, pois cada emanação de vida na
Terra, uma vez que tenhamos removido o véu da ilusão do ego, é em si, um ser completo,
onde cada uma é o centro psicológico de sua própria vida, movendo-se livre pela natureza,
guiados por vozes que jamais seremos capaz de escutar, dotados de instintos que nós nunca
possuiremos. Consideramos cada emanação de vida inferior a nós próprios. Desprovidas de
senso de comparação, elas se movem livres e completas, felizes e realizadas, desprovidas de
qualquer noção de ego e sentindo-se profundamente conectadas e como parte de um todo.

Numa área moderna da Biologia, que há décadas estuda o comportamento dos animais,
denominada etologia, ficou constatado por centenas de especialistas, que os animais
claramente são providos de consciência e sentimentos como nós humanos. Eles experimentam
felicidade, alegria e contentamento, expectativa e esperança, assim como também tristeza,
abandono, solidão, perda, saudade e mesmo luto. Mas por serem desprovidos de ego
reconhecem-se intuitivamente como semelhantes, conectados com o meio ambiente em que
vivem como lagos e oceanos, montanhas e vales, florestas e pradarias, e entre eles, não se
julgam nem superiores nem inferiores, nem como presas ou predadores, mas simplesmente
como diferentes emanações de vida, talvez apenas sem a realização de que foram criados à
imagem e semelhança de Deus.

Por isso é que nós humanos nos sentimos tão isolados. Brahman, o Absoluto, ou Deus, mesmo
em nossos momentos de maior desespero e aflição jamais nos deixou. Nós nunca, jamais
fomos abandonados, esquecidos, rejeitados ou julgados por Deus. Ele não só está ao nosso
lado. Ele está dentro de nós. Na filosofia Adiváita, não há dualidade, separatismo ou disputa
entre nós e Deus. Somos únicos e somos todos unos com Deus.
O Absoluto é real e tudo o que nele surge e desaparece é transitório, impermanente e
limitado, portanto, irreal, por mais que isso nos contradiga o pensamento. Nas palavras do
mestre Shankara, o ensinamento Adiváita central é que o Absoluto é real e o universo é
ilusório. O conceito de não-dualidade apregoado pelo Adiváita se torna bem claro quando
afirma que a alma individual é um mesmo aspecto do Absoluto ou Deus. O ser humano e Deus
não são entidades separadas, mas únicas e indissolúveis. Nós, em verdade, somos a própria
manifestação de Deus. Não há sentido buscarmos Deus ou o Absoluto fora de nós, mas que
que há sentido sim em voltarmos os olhos para dentro de nós mesmos e percebermos que nós
e Deus somos idênticos e indissolúveis.

Para o Adiváita, a ilusão e ignorância espirituais não são reais, tratando-se apenas de uma
falsa-percepção. Os upânishadis, que são textos antigos em sânscrito da filosofia hindu, com
mais de cinco mil anos de existência explicam que a ignorância individual é responsável por o
Absoluto se parecer com uma multidão de almas individuais. Assim, devido às nossas
limitações criadas por nós mesmos, acreditamos que somos seres limitados e individualizados,
quando na verdade temos uma existência impessoal e eterna.

Curiosamente, dentro do cristianismo, quando lemos as escrituras da bíblia, no evangelho de


lucas, versículo 17, parágrafos 20 e 21, lê-se das palavras de Jesus a famosa frase “o Reino de
Deus está dentro de vós”, o que significa que o governo de Deus é essencialmente espiritual.
Essa declaração de Jesus ensina que o Reino de Deus se encontra naquele coração que
reconhece verdadeiramente Deus como Rei e Senhor dentro de si. É interessante percebermos
que dentro da onisciência de Jesus, ele trazia em seu coração o conceito de não-dualidade, da
não divisão entre Deus e os que buscam a ele.

A filosofia é outra ferramenta que se utiliza de uma metodologia secular que explora o uso da
razão e da lógica com o intuito de perscrutar o real significado de nossas vidas assim como
explorar a natureza da realidade. Nesse contexto, a filosofia dispensa qualquer conceito de fé.
Paradoxalmente, o objetivo supremo tanto da religião quanto da filosofia é o mesmo. Como
bem apontou o suami Nikilananda, o objetivo da filosofia é a busca pela verdade ao passo que
o objetivo da religião é deus, mas no final da experiência, deus e a verdade são uma e a mesma
realidade.

Adiváita é tanto uma filosofia quanto uma religião no sentido original da palavra. Talvez seja
um dos poucos ensinamentos que proporciona efetivamente um aprendizado gradual que
pode ser absorvido por praticamente todas as pessoas. Esse método de aprendizado consiste
na apresentação sistemática do que poderíamos denominar “graus” ou “níveis” da realidade.
Ao iniciarmos o estudo do Adiváita, é-nos apresentado a realidade em um nível um tanto
rudimentar e mais descritivo, que representa uma situação real. À medida que a nossa
consciência se expande e desenvolvemos a nossa intuição e percepção, a realidade que nos
havia sido apresentada até então, sob uma nova ótica, mostra-se então como ilusória, não
fazendo justiça à nossa nova capacidade de enxergar aquela mesma situação. A cada passo
que damos, adquirimos uma nova percepção da mesma realidade e com isso, começamos a
abandonar preconceitos e ideias falsas e com isso dissipamos a nossa própria ignorância
interior.

Contrariamente ao que costuma dizer o jargão “a verdade está lá fora”, o fato é que a verdade
está dentro de cada um de nós. Para aqueles que por exemplo, desejam ardentemente
descobrir deus, veremos que não se trata de olharmos para fora de nós, fazendo novas
descobertas sobre o universo e especulando qual é o verdadeiro sentido do céu ou
firmamento para onde vamos ao fim de nossa jornada terrestre. Se você começar a se
empenhar realmente em estudar Adiváita, perceberá que descobrir Deus é mais uma questão
de voltar os seus pensamentos para dentro de si e vasculhar a maravilhosa, vasta e rica
natureza interior de que todos nós somos dotados.

Assim, a natureza de nosso estudo doravante implicará na percepção da verdade última – a


verdade de quem nós somos, da natureza que nos cerca e da realidade. Muitos de nós, ao
adquirirmos interesse por esse assunto, procuram, por razões pessoais, em adquirirem uma
apreciação intelectual, lendo inúmeros livros e entabulando discussões intermináveis consigo
próprio. Os diversos mestres de Adiváita pelo mundo afora, encorajam o uso do intelecto, mas
também do uso da percepção interior, do coração, da intuição e do bom senso no encontro
com a verdade que está dentro de cada um de nós. O Adiváita insiste em nos esclarecer que a
verdade não é algo a ser buscado fora, mas a ser percebido dentro, pois ela, a verdade, já está
presente e atuante em nós.

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