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Guardiões e Exu: as

múltiplas personificações
de Exu no contexto da
Umbanda, e sua inserção
no Universalismo
RESUMO: Numa trajetória pelos centros um-
bandistas presentes em Brasília, esse artigo
depara-se com o Universalismo. Com o obje-
tivo de abordar, de maneira geral, as várias
personificações de Exu dentro da Umbanda,
e, mais especificamente, a sua presença no
chamado Universalismo. O trabalho que lhes
André de Locke Soares Peixoto1 é apresentado leitor, é um tanto quanto sol-
to, nas facetas e formas de se conceber Exu.
É trazido um breve relato etnográfico de sua
presença no ritual litúrgico umbandista e
breves considerações de cunho analítico à
essas observações. Elas ressoam, por enten-
der, as explicações dadas para utilização de
determinados elementos nos rituais de Exu,
por exemplo, as bebidas alcoólicas, charu-
tos e cigarros, e de que forma se encaixam
na lógica universalista.

PALAVRAS- CHAVE: Exu. Umbanda. Univer-


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Universidade de Brasília, Janeiro – 2015 salismo. Guardião.

André de Locke Soares Peixoto Guardiões e Exu: as múltiplas personificações de Exu no contexto da Umbanda, e sua inserção no Universalismo. 98
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“(...) os orixás idealizaram o OS EXUS sos distintos. Concomitantemente, o artigo fazendo o “bem e o mal”. Ou mesmo, “(...)
universo astral e outros espíritos aborda o processo de transfiguração e rein- incorporam nos médiuns para serem dou-
construíram. Pois estes outros terpretação do orixá em território “fom ou trinados e trabalharem a fim de evoluírem
espíritos são chamados de Exus. “Taxado de espírito atrasado, mas também ioruba3”, por parte de pesquisadores e espiritualmente.” (SILVA, 1994, p.123)
São os Exus Cósmicos” (Revista considerado como agente mágico universal. missionários católicos, que lhes atri- A palavra entidade na Umbanda refere-
Umbanda – ano 1 – n°4, 1995). Há umbandistas que distinguem inclusive o buíam preceitos dessa religião para lhes -se, assim como na acepção do dicionário,
Exu pagão (espíritos ‘ainda empedermidos designar características analíticas. Poste- “aquilo que constitui a essência de uma coi-
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PRANDI, 2002. na prática do mal e de atos repulsivos, abje- riormente no Brasil, com as manifestações sa, (...), ente, ser.” (FERREIRA, 1986). Dessa
tos, odioso etc.’) e Exu batizado (que seriam religiosas de Candomblé, e posteriormente maneira, a classificação desse termo refere-
Aqui, a terminologia que con-
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espíritos, que apesar de não ter nenhuma de Umbanda, tal entidade fora, e, é cons- -se à “pessoa viva do morto” (BRANDÃO,
sidera uma ação “louvável”, ou evolução espiritual, reconhecendo o erro tantemente reinterpretada, adequando-se 1994), o que torna a “entidade”, e seu apare-
mesmo “benfazeja”, e seus res- que praticavam agora só praticam o bem às formas várias de se conceber a “figura cimento/manifestação, num culto umbandis-
pectivos opostos e sinônimos, sob orientação de um Guia de elevada lumi- do mal”, na lógica cristã, circundante em ta, a manifestação de um sujeito, pessoa5.
vincula-se às explicações, que nosidade.” (CONCONE, 1987, p. 140). muitos terreiros, principalmente, quando Exu como entidade, que dantes fora
considera a moralidade da Um- se trata especificamente de Umbanda. um indivíduo vivo/encarnado, é reconhe-
banda, vinculada a moralidade O Exu no contexto da Umbanda aparece Se por um lado são entidades que cui- cido em alguns segmentos da Umbanda
cristã e Kardecista (SILVA, 1994), de diversas formas, como “Guardiões” dos dam da proteção dos locais religiosos, e como um indivíduo que quando vivo, situa-
não obstante o ideal de evolução templos religiosos, entidades que estão tidos como sagrados pelos adeptos da reli- va-se entre os marginais, boêmios, malan-
do ser, presente no kardecismo, presente desde a gênese do mundo (Exus gião, são espécies de guardiões, e mantene- dros, assassinos... Sendo seu remanescente
também aparece em consórcio cósmicos2). Assim como entidades vin- dores da “harmonia” ali presente, no campo feminino, as Pomba-giras, mulheres dantes,
com várias manifestações um- culadas às “forças” tidas como das tre- espiritual e material. (SARACENI, 2008) adúlteras, cortesãs, prostitutas, donas de
bandistas ( BIRMAN, 1985). Aqui vas, intercambiados, quando se refere a Por outro lado, agem nas tarefas mal- bordeis etc. (PRANDI, 2002). Mas, que ago-
não cabe elucidar historicamente, um sincretismo, à figura do diabo no Cris- fazejas, ou mesmo, pelo fato de serem ra se manifestam, levando consigo as plu-
ou mesmo um aprofundamen- tianismo (SILVA, 1994) etc. entidades se desenvolvendo e “evoluindo ralidades dos “baixos afazeres mundanos”,
to em tais elementos, pois tais No artigo intitulado Exu, de mensagei- moralmente”, não têm vinculação direta de paixões carnais, desejos, vícios, tal qual,
semânticas carecem de especial ro a diabo, de Reginaldo Prandi, o autor faz e inquebrantável com ações moralmente nas intermediações de relacionamentos
atenção. Fiquemos então á cargo uma perquirição, pelas múltiplas formas o louváveis4, em suas intermediações com correspondidos e não correspondidos etc.
de considerarmos, a moralidade qual Exu foi disposto, em contextos religio- o “mundo dos vivos”, agem dessa forma, Um das distinções dessa entidade

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umbandistas, vinda das práticas/ para as outras, no “panteão dos orixás bra- com aqueles que serão atendidos, quan- umbandista em Brasília, diferente do pes-
formação moral e de crenças, dos sileiro” (PRANDI, 2001), e até mesmo a dife- to na pluralidade que organiza os cultos. quisado, observei que vários consulentes
dirigentes de cada centro. renciação da abordagem da Umbanda para Organizar um culto é empenhar trabalho, e médiuns8 do centro traziam bebidas e
outras religiões é que, ao tomar um dos manual e espiritual, para o êxito das ativi- presentes voluptuosos para o terreiro, que
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Uma outra acepção para o ter- aspectos citados da “personalidade de Exu”, dades a serem realizadas. Porém, as “en- foram entregues, em determinada hora
mo entidade, na sua abrangência agir deforma maligna, “baixa”, ele não será tidades que trabalham”, ou “são trabalha- da sessão para os Exus, no caso, quando
para os tantos outros orixás, em todo caso expurgado ou renegado em das”, designam uma relação médica, um esses se manifestavam. Os consulentes
refere-se a uma “energia”. Que seu processo de manifestação em um cen- tratamento, seja ele a aplicação de pas- procuravam soluções para suas mazelas
em seu sentido “mais puro”, não tro umbandista5. Pois, aquilo que na Umban- ses7, uma conversa fraterna, uma mani- espirituais e materiais, trazendo, com isso
materializa-se num sujeito, ou da se considera mal6, não é tido como um pulação de determinadas plantas... Enfim, os presentes para bem agradá-los, e obte-
pessoa, mas sim, uma essência, combate ativo às “tendências ruins que nos expresso nas diversas formas e métodos rem de tais entidades um respaldo. Mas,
uma vibração, que se desloca en- pertencem”. Ou tão somente, uma aversão de “curar” os doentes “vivos”, ou na “pes- também, a possibilidade de agradecer algo
tre várias outras dimensões. (SA- do bem ao mal, em outras palavras duas po- soa viva do morto”, o trabalho põe-se refe- obtido. Cabe para tal relato o Ensaio Sobre
RACENI, 2013. MATTA E SILVA, laridades que se repelem ou se reprimem. renciado com grande equivalência na lógica a Dádiva de Marcel Mauss: “As relações
2013. Entre outros autores.) Na Umbanda essa dualidade é trabalhada no terapêutica do termo. destes contratos e trocas entre homens e
âmbito do culto, seja por meio da própria Por outro lado, existem os “trabalhos destes contratos e trocas entre homens e
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Optei nesse artigo, a utilização aceitação dessas manifestações, seja pela baixos”, que os Exus são conhecidos por deuses esclarecem todo um aspecto da teo-
do termo “centro”, para designar confraternização que os consulentes têm realizarem. É nele que grande parte do sen- ria do Sacrifico” (MAUSS, 2008. p.73). Com
a localidade onde ocorrem os com elas. Permitindo uma interação dessas so comum, tal qual nas religiões de cunho tal observação, e valendo-se da citação, te-
cultos umbandistas, tendo em duas polaridades em confraternização amis- protestantes e algumas vertentes do cristia- mos que a confraternização dos Exus para
vista a pluralidade de termos tosa dentro do âmbito do culto. nismo, concebem tal entidade. Nas amarra- com os consulentes, em gestos de proximi-
como, tendas, casas, terreiros, Trabalho na Umbanda é, aos poucos, ções, nos contratempos, nas dificuldades e dades afetuosas, e não somente pela troca
roça, etc. o termocentro, busca descoberta no âmbito dessa pesquisa, mazelas várias ligadas as paixões e infortú- de favores, demonstra uma afetividade e
abarcar tal pluralidade. concomitantemente com a categoria posta nios, nos “caminhos fechados (e abertos)” admiração, que os consulentes estabelecem
neste artigo, deve-se pelo menos lhe di- nos vícios etc. Em suma, os trabalhos de para com os Exus, ou como muitos prefe-
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O que na Umbanda se considera recionar possíveis explicações. Trabalho Exu descortinam-se na religiosidade brasi- rem denominar “meu Exu10”.
por “bem e mal”, leva em conta a se apresenta em diversos planos, tanto na leira, revestido de nossas vicissitudes.
presença de elementos católicos relação dos sacerdotes ali presentes para Em determinada visita a um centro

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e kardecistas, em sua formação. UMA DOUTRINA UNIVERSALISTA O que se observa na lógica universa- tos iniciais para se interpretar ou justificar,
A historicidade tal qual a distin- lista é um discurso a respeito da “harmoni- determinados assuntos e práticas rituais.
ção pormenorizada encontra-se Creio que uma explicação pormenorizada zação dos diversos princípios doutrinários É importante destacar que, no Centro Uni-
no artigo “Exu, de mensageiro do que vem a ser o “próprio Universalis- e religiosos”, que compõe tal e tais cultos. versalista da Divina Luz Crística, como já
a diabo. “Sincretismo Católico e mo”, terá que conceber múltiplas acepções Por exemplo, o Hinduísmo terá preceitos dito anteriormente, parte de uma religião
Demonização do Orixá Exu”. de filosóficas, científicas e religiosas, uma vez não abordados, ou até mesmo não aceitos base. Ela irá ser tida como fonte primária
Reginaldo Prandi, 2002. que o próprio termo nos remete a tais cam- pelo Catolicismo, como a crença em outros do saber, cabendo aos outros princípios
pos de compreensão11. deuses... Uma vez que, o Universalismo se religioso-doutrinários “completar” o que ela
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Troca e ou doação energética Porém, para situarmo-nos melhor, propõe unificar ás várias vertentes de pen- não aborda. Ou mesmo reinterpretar as di-
(ARMOND, 1990), ocorrida ge- considera-se a concepção como sendo uma samento, justifica as diferenças de crenças versas crenças religiosas circundantes em
ralmente, pela a imposição de “doutrina” que adere a diversas acepções e lhes atribui importâncias distintas. Para tal centro, a partir da lógica umbandista.
mãos daquele que o realiza, para religiosas distintas, tais como Catolicismo, justificá-las, diz-se que ambas tratam “de Com uma poética um tanto quanto
com o paciente. O aprofunda- Budismo, Hinduísmo, Taoísmo, Kardecis- uma mesma verdade” abordada de forma mequetrefe concluo essa parte, afirmando
mento explicativo e suas ramifi- mo, dentre tantas outras, que se encon- diferente, ou mesmo, que cada religião, que essa doutrina, ao engendrar diferen-
cações, tem nas obras de Allan tram nas religiões e dogmas do Oriente seita, doutrina, filosofia etc., está em busca tes mecanismos de diferentes dogmas,
Kardec, maior respaldo. Cabe quanto do Ocidente. da “verdade12”, e que alguns desses seg- complementando-se e esgueirando-se das
lembrar que as obras de Kardec Tomará uma ótica filosófica científica mentos optam por “caminhos” diferentes diferenças, é tomada como: “uma roda que
são amplamente difundidas den- um tanto quanto peculiar, para conceber, in- para chegarem a um mesmo local. anda sem girar”.
tro da Umbanda. terpretar, e mesmo reinterpretar tais precei- Já a importância destinada a cada
tos e trejeitos religiosos. Com isso, o termo doutrina religiosa, é antes de tudo vincula-
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Designação Kardecista para universalista, dentro do contexto religioso da à formação religiosa dos próprios diri- CENTRO UNIVERSALISTA (CONSIDERA-
“pessoa podendo servir de inter- estudado, será aquela doutrina que parte de gentes, ou daqueles que na casa, são pio- ÇÕES ETNOGRÁFICAS)
mediária entre os Espíritos e os uma religião base (o que é pesquisado de neiros nos trabalhos ali realizados. Dessa
homens” e “toda pessoa que sen- Umbanda), mas que articula-se em outras forma, a religião eleita como base, as- Em um primeiro contato com o Centro Uni-
te, em grau qualquer, a influen- formas de se conceber o mundo e a nature- sume maior importância e representa- versalista da Divina Luz Crística14, localiza-
cia dos espíritos (...) esta qua- za, situando-se em múltiplos credos religio- ção. Seja na fala, nos rituais, nas linhas in- do na Asa Sul (Brasília, DF) houve em certa
lificação não se aplica, senão, sos e linhas filosóficas, tais como científicas, terpretativas para determinados assuntos, medida, um estranhamento, ao compará-lo
àqueles nos quais a faculdade que dialogam com o saber em questão. segue-se na “religião base13”, os pressupos- com outras “casas/tendas” umbandistas. A

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medianímica, está nitidamente começar pelo dia dos ritos públicos, segun- ficam dispostos em cadeira enfileiradas de necem sentados. Os cultos, propriamente
caracterizada, e se traduz por da-feira (20h), o ambiente se encontrava, frente a área de realização do culto. Termi- ditos, são iniciados com uma prece daquele
efeitos patentes de uma certa em minha percepção, como sendo um ar- nado esse processo conjunto, um outro tra- que irá presidir os trabalhos, geralmente a
intensidade. (KARDEC, 2008, cabouço de diversas culturas, muito embo- balhador pronúncia alguns comentários dirigente da casa. Sua fala invoca diversas
o338 e 135,.) ra o culto ainda não tivesse começado. Nas finais, mas sem utilizar nenhum livro, entidades e elementos de outras culturas,
paredes, diversos quadros, com pinturas trazendo tão somente a sua fala como tais como as já mencionadas.
10
Ordep Serra em seu artigo do Sheeva (Mitologia Indiana), do Ramatis instrumento de esclarecimento para os Finda suas considerações e prece,
“No Caminho de Aruanda: a (Kardecismo e Umbanda), um quadro do frequentadores do que ali será realizado. tem-se de fato um “mergulho na Umbanda”,
Umbanda candanga revisita- OM (mantra indiano), um outro quadro de Pode ocorrer também, que aquele que pre- apesar de não se usar atabaques, opção da
da” (Afro-Ásia, UFBA, n 25-6, São Francisco de Assis (Catolicismo), uma sidiu a curta palestra inicial já cumpra tal própria dirigente, a voz repercutida pelo
2001, p. 215- 56), traz uma pequena estátua de Iemanjá. Incensos, flo- papel de esclarecimento, isso não é um “corpo mediúnico” da casa, e pelos que
interessante análise a respeito rais, essências, pomadas, e tantos outros processo que ocorre de maneira absoluta e ajudam no apoio aos trabalhos e aos traba-
da Umbanda e sua relação com artifícios que permeavam a própria Umban- sem modificações. lhadores, e por muito dos frequentadores
a Quimbanda. Considerada, da e outros dogmas. Segundo alguns trabalhadores da mais experientes, “firmam o ponto17”.
como nos mostra o autor, por Antes de iniciar o culto propriamen- casa, esse primeiro momento já é um O Passe que ocorre logo após a “in-
diversos umbandistas, a “linha te dito15, costumeiramente, um dos tra- passo dentro do processo de auxílio para corporação” de alguns médiuns dispostos
negra”, o lado de baixas ma- balhadores da casa tece comentários de aqueles que ali estão procurando algu- nesse círculo, tem seu “início” ao receber
gias na Umbanda, nela se faz cunho moral em forma de palestra para ma ajuda ou conselho de cunho espiritual os consulentes por fileiras, (na disposição
maior alusão à figura de Exu. os frequentadores/visitantes (encontram- ou físico. Pois, a defumação, assim como sequencial das cadeiras em que se encon-
Ordep Serra, relaciona os cul- -se numa média de 50 a 60 pessoas por a palestra, ou mesmo o simples fato de tram), sendo que cada consulente fica à
tos á Exu dentro da Umbanda, sessão), comentários esses, baseados prin- adentrar tal ambiente, fazem parte dos pri- disposição de um “médium/entidade”, que
como sendo um “pedaço da cipalmente na doutrina da Umbanda e do meiros trabalhos realizados tanto pela “es- juntos formam um corredor por onde pas-
Quimbanda” dentro dela. Nesse Kardecismo. Geralmente esse “palestrante piritualidade”, quanto pelos trabalhadores saram os que receberão o passe. Essa de-
ponto, o autor traz elucidativas inicial”, lê e comenta o livro “O Evangelho “vivos”, para a “melhora” dos presentes. fronte ao consulente realiza movimentos
considerações, afirmando que Segundo o Espiritismo”, de Alan Kardec. Em seguida, forma-se um grande cír- sobre seu corpo, mas sem tocá-lo. Variam,
a visão que a Umbanda tem de Nesse meio tempo outro trabalhador culo dos que irão ali desempenhar ativida- desde mãos balançando rapidamente sobre
“bem e mal”, não se restringe da casa, “prepara o ambiente” passando des rituais, não importando uma divisão de o corpo do consulente, até a mãos que se
a uma lógica católica de oposi- um “defumador16” dentre os visitantes, que gênero e ou idade. Os consulentes perma- portam de maneira mais “calma”. Os consu-

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ção “Deus e Diabo” “bem eterno lentes, em pé, ficam parados, e recebem tal da liturgia, e cantam juntos. Agradecem às consultas, colocando os banquinhos, arru-
e mal eterno”, essa vincula-se a aplicação, geralmente de olhos fechados. entidades que ali contribuíram para o tra- mando as ervas, auxiliando os médiuns que
preceitos espiritas que relativi- Têm-se atrás desses médiuns outros não balho e se preparam com uma breve pausa receberam entidades a se posicionarem em
zam o “mal”, tornando-o provi- incorporados que auxiliam a movimentação nos pontos cantados, para a segunda par- seus devidos locais, para assim prestarem
sório e o bem eterno (p. 248). dos consulentes e suas devidas posições te dos trabalhos. Essa segunda parte, no consultas. Quando inicia-se as consultas in-
Porém, não adotando a causa nesse corredor. Finaliza-se o passe quando centro em questão, é destinada para uma dividuais os pontos cantados cessam e dão
espirita por inteiro, tão menos a entidade, tocando levemente o consulen- entidade específica, isto é, em cada reunião lugar à música ambiente, escolhida previa-
á católica, a Umbanda adota a te, lhe reajusta na posição que chegou. pública, após o passe (realizado majorita- mente. Geralmente são Cd’s de pontos de
presença e representatividade Não obstante, a forma que se aplica o pas- riamente pela falange de caboclos), dedica- Umbanda, mantras, músicas New Age ou
do “mal”, como algo passageiro, se é grandemente variada, porém existem -se à segunda parte, apenas para um grupo semelhantes.
mas relacionado a nosso cotidia- elementos que se assemelham. Por exem- de entidades específicas, sendo elas, pre- No caminho de Aruanda: a umban-
no, muito próximo, em alguns plo, alguns sinais feitos com os dedos so- tos-velhos, caboclos, ciganos, e guardiões da candanga revisitada20, o autor cria um
casos, do “bem”. O que se cabe bre a cabeça dos consulentes, posicionar a (Exus). Vale ressaltar que a gira de Exus e esquema analítico do processo litúrgico
na Umbanda “são estratégias al- mão na direção do abdômen dos mesmos, ciganos ocorrem apenas uma vez por mês, para “sessões ordinárias” (momento do
ternativas para lidar com as coi- e seguir a retirada com estalidos de dedos. salvo as festividades. culto, em dias de trabalho comum). Re-
sas situadas em outro marco de Dentro da lógica da casa, e em uma abor- Inicia-se a segunda parte que consiste sumidamente, cada episódio desses aqui
valor. Nessa perspectiva, há que dagem kardecista, os locais em que se po- nas consultas individuais. Uma nova e, a narrados, corresponderia a uma letra, pas-
aderir ao bem, mas não se pode siciona as mãos são nos Chacras: “(...) são priori diferenciada “leva de entidades” espi- sível de subdivisões numéricas para ações
ignorar o mal.” (p. 248). pontos de conexão ou enlace pelos quais rituais, incorporam em alguns médiuns que específicas dentro dos episódios. Juntos,
flui a energia de um a outro veículo ou cor- prestaram consultas. A liturgia é a mesma formariam um esquema, do tipo: A – B – C,
11
Para mais informações http:// po do homem.” (LEADBEATER, 1968, p.19) do início, em forma de círculo canta-se os sendo, A, correspondente ao processo de
www.terreirotioantonio.com.br/ Finaliza-se os passes e com uma li- pontos, e aos poucos, as entidades se ma- abertura, purificação inicial (defumação) e
index.php?option=com_content turgia semelhante a do início, forma-se um nifestam pelos médiuns. Alguns desses ritos preliminares. B, invocação, manifes-
&view=article&id=68:universalis novo círculo, porém, com a permanência trabalhadores que auxiliam na organização tação e celebração. C, atendimento. Com
mo&catid=34:documentos&Item dos pontos cantados, que desde do início do rito, no direcionamento e na prestação isso, o autor possibilita relacionar e compa-
id=55 ) ou para o centro pesqui- não findaram. Esses agora ganham mais de serviços, naquele determinado ins- rar o processo litúrgico, tal qual direcioná-
sado: http://www.divinaluzcristi- forças, pois os que antes estavam incorpo- tante para as entidades, denominados -lo esquematicamente para formas dife-
ca.com/#!universalismo/cxz rados18, agora, retomam ao estado inicial “canbono19”;reorganizam o espaço para as renciadas de outros processos litúrgicos

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Em suma, a noção de verdade dentro da mesma religião. Cabe notar, que (prioritariamente, Preto-Velho e Caboclo). atacadas. Os Exus(guardiões) apresentam
observada, aplica-se a trejeitos após o atendimento (C), segue-se a lógica A primeira é que no dia da gira, em essas formas, para poderem trabalhar sem
religiosos, como é o caso bíblico B* - A* (B*: Despedida, Retirada, Celebra- uma das observações, os médiuns demons- serem notados.” (Depoimento de um dos
de “conhecereis a verdade e a ção; A*: Purificação final, encerramento, travam, seja de forma discreta, certa anima- dirigentes)
verdade vos libertará”. Ritos Pós-Liminares) para o encerramen- ção e ansiedade. Essa distinção dos outros Decorrido a palestra, e passando os
to das atividades. Quando, numa mesma dias de trabalho se confirmava pelos co- momentos após o passe que de certa for-
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Ou “religiões bases”, no plural, sessão outras falanges se manifestam, o mentários que volta e meia se ouvia em cur- ma ocorre como todos os outros dias,
uma vez que o processo de for- esquema muda após C, mas a construção tas entrevistas antes do culto começar, “eita após iniciar-se o momento da gira, as
mação religiosa dos dirigentes inicial é sempre mantida. Como o centro hoje é dia de guardião.” O palestrante, antes mulheres demonstravam certa “sensuali-
de centros podem ser transpas- analisado cada sessão é específica de cada do início da gira, esclareceu aos presentes o dade” muito discreta. Diferente de tantos
sados por outras religiões, como entidade, podemos dizer que o esquema se fato de preferirem o termo guardião, ao in- outros relatos que trazem a imagem das in-
é o caso estudado. Onde a diri- faz de forma análoga, sem alterações. Em vés de Exu, ao passo que tais entidades: corporações de pomba-gira, sempre muito
gente, antes kardecista, se con- suma, encontra-se da seguinte forma: A-B- “diferentemente do que muitos pen- festivas e espalhafatosas21. As “incorpora-
verteu a Umbanda. -C-B*-A* (SERRA, 2001, p. 241). sam, não são agentes de forças malignas, ções” iniciadas se dão com as conhecidas
Por fim, cabe ressaltar que nos dias ou agem para o mal, muito pelo contrário, gargalhadas por parte de alguns que “re-
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Ultimamente o nome fora alte- de culto destinados aos Exus, não se altera são protetores dos locais religiosos e dos ceberam” as entidades. Vale ressaltar que
rado para Fraternidade Universa- os horários de celebração, nem mesmo, o cemitérios. As pombas-gira, não são mu- as gargalhadas são tidas, segundo um dos
lista da Divina Luz Crística. esquema litúrgico para recebê-los. A dife- lheres de vida fácil, ou ligadas a baixas trabalhadores, “para dissipar as emanações
rença se faz nos meandros e performances paixões, são na verdade, exímias conhece- energéticas daqueles que nos querem fa-
15
Aqui atribuo fatos observados desses em relação às outras falanges. doras das paixões humanas. As vestimen- zer mal.” E, são quase sempre sobrepostas
outras vezes. tas pavorosas que os Exus(guardiões) apre- pelos pontos cantados, em uma altura que
sentam no astral, são as ferramentas que sobressai ao som das gargalhadas e alguns
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Uma espécie de incenso, utili- NOS MEANDROS DE EXU (GUARDIÕES) lhe possibilitam, andar em locais densos, bater de pés. Termina-se as primeiras, e
zado para dissipar as energias em verdadeiros infernos. Ou vocês acham mais visíveis incorporações dos Guardiões.
negativas e densas que os que A gira de Exu, denominado também “guar- que um espirito todo cheio de luz, apresen- Feito isso, inicia-se a adequação do ambien-
ali adentram trazem consigo, de- dião”, em justaposição ao centro universalista, tando características angelicais, consegui- te para o trabalho dos médiuns já incor-
vido às interações ordinárias do apresentam certas características que pare- ria andar por entre essas zonas do baixo porados para receber os consulentes. Mas
dia a dia, nos ambientes de tra- cem destacar-se do restante das outras giras astral, sem desperta atenção? E até serem dessa vez, com ascendimento de charutos,

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balho, na rua, algumas vezes em colocação de champanhes em taças, e a é de curta duração, acompanhado por um e tradição cultural diferente dos “outros”,
seus lares, etc. Segundo a lógica distribuição destes para os médiuns. Feito “tapinha” nas costas, que equivale a uma por consequência, as manifestações e per-
local. esses procedimentos, os trabalhadores que “dissipação das energias más que o con- formances dos arquétipos representados
“receberam essas entidades” sentam-se ou sulente traz em si” (informação obtida por serão distintas. Isso está muito bem posto
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“Ponto”, numa explicação sim- permanecem alguns de pé, e recebem os iniciados na doutrina). Feito isso, a entida- nas “Formas Elementares da Vida Religiosa”
plificada, cabe nesse contexto, consulentes por ordem de fichas numéri- de recebe um novo consulente, e inicia-se de Durkheim “ (...) a unidade e a diversida-
como as músicas de devoção, cas, e numéricas preferenciais, que foram a uma nova conversação. Já o recém-saído de da vida social é que produzem, ao mes-
cantadas, para proporcionarem entregues antes do início da palestra. está “livre” da sua ligação ritualística, fi- mo tempo, a unidade e a diversidade dos
ao ambiente, o equilíbrio neces- Os Guardiões atendem um por um cando a cargo de si mesmo se vai para sua reses e das coisas sagradas”.(DUEKHEIM,
sário para o êxito das atividades os consulentes e conversam o necessário casa ou permanece no próprio centro, mas 1996, p.455).
a serem realizadas. Como nos que cada consulente impõe, ou seja, ficam o “meio” não o impulsiona a ficar ou a sair, Concomitantemente a dirigente e fun-
apresenta Prandi, “As cantigas a dispôr das perguntas a serem feitas, na fica a cargo de cada um. Visto que é co- dadora da casa, onde se encontra a pesqui-
de Candomblé e os pontos- maioria dos casos, os consulentes pro- mum uma maioria se retirar. sa (que adveio de uma linha de pensamento
-cantados da Umbanda são ins- curam uma cura de suas mazelas, ou até kardecista e de estudos de outras múltiplas
trumentos de identidade das mesmo o porquê de tais e as devidas pro- religiões), propicia um enorme campo de
entidade.”(PRANDI, 1996, p. 144) videncias a serem tomadas para os males OS GUARDIÕES MUDAM apoio à construção teórica de sua relação
que afligem o emocional de cada um. A en- com o meio religioso em que fortemente
18
Termo que utilizo com certo tidade, por sua vez, aconselha o consulente Sendo a Umbanda uma religião que não de- se apoia, a ponto de fundar seu próprio
desdém, uma vez que os inicia- de forma um pouco enérgica e de curtas tém um livro base de sua doutrina, somen- centro, onde utiliza-se do Universalismo
dos na doutrina não o utilizam frases (característica dos Guardiões, na te livros que ainda não foram compilados para bem expressar essa expansão de fato-
com frequência, pois preferem lógica local). Não sendo rude, mas sendo de forma geral e categórica (uma base para res religiosos, cunhados e anexados numa
utilizar outro termo, “recebem”. (segundo algumas entrevistas) “direto”. Se a Umbanda que fora majoritariamente acei- mesma doutrina base, no caso a Umbanda.
Pois consideram que incorporar o consulente não tiver mais nenhuma per- ta). Os centros e seus dirigentes são pe- A presença da nomenclatura guardião
é o “espíritos tomar o corpo do gunta ou inquietação, e se a entidade não ças fundamentais nesse processo. Se num ao invés de Exu, no centro em questão,
médium.” Eles afirmam que o tiver mais nada a acrescentar à conversa, é centro, como esse que está em pesquisa, lhes atribui uma semântica que lhes rela-
que ocorre, é uma parcial mani- terminado o atendimento com um abraço, o dirigente (sendo ele quem doutrina e en- ciona a seus “afazeres no astral”, e não a
pulação por parte dos espíritos. que a princípio parte da entidade/médium caminha inicialmente os que se interessam seu “peso” histórico (e algumas vezes po-
que estende o braço para tal. Esse abraço por tal credo) tem certa carga de leitura lêmico), no sentido plural do termo que o

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A função de um canbono, diz nome Exu traz consigo. A escolha de um mum), os conselhos e performance corpo- lado, os charutos e sua utilização não se
respeito ao auxilio e prestação nome, ou termo, em relação a outro, entre ral, são todos elementos a se observar para distinguiam do outro centro.
de serviços ás entidades, no tantos aspectos, refletem, também, uma traçar as mudanças de um terreiro para Diferentemente do centro universa-
momento do culto, lhes trazem, forma de balancear os preconceitos advin- o outro, ou para um centro universalista lista, a própria organização dos horários
as ervas quando essas lhes pe- dos de fora da umbanda para com as ma- umbandista. As semelhanças encaixam- e rituais, tal qual dos dias de atendimento
dem, acendem os charutos os nifestações que ali serão realizadas. Dessa -se no plano dos aspectos comuns para se ao público, se dava de maneira distinta. A
cachimbos, trazem o café dos forma, quando se fala que “hoje é gira de identificar tal entidade, mas, as diferenças construção litúrgica obtém grande seme-
pretos vehos, e fazem anotações guardião”, não se tem a mesma carga se- propiciam a singularidade de cada espaço lhança com aquela disposta por Ordep Ser-
e algumas vezes interpretações, mântica ao se dizer “hoje é gira de Exu”. e as relações históricas que constituíram as ra, ao enunciar o culto à falanges distintas,
quando preciso, daquilo que a Concomitantemente, se o viés interpretati- características várias dos Exus, e dos locais num mesmo dia de culto22.
entidade recomenda ao consu- vo do que essa entidade realiza ou repre- em que se manifestam. Ao questionar um dos membros do
lente, quando este não intende, senta “no astral” lhe diz respeito a ser um Raio de Sol sobre o porque de tais entida-
ou quando a recomendação é guardião, chamam-no dessa forma, pois as- des consumirem bebidas alcoólicas obtive:
de suma importância, para ser sim lhes valoriza e respeita, ao passo que CHARUTOS E BEBIDAS DE EXU “Essas entidades ainda estão evoluindo, a
seguida á risca, ou mesmo, um ameniza os estranhamentos vindouros por gente da bebida para elas, esperando elas
agendamento qualquer de retor- parte “dos vivos” e principalmente daqueles Em outro terreio que frequentei por cur- mudarem para melhor cada vez que elas
no ao centro. Podem ser equipa- que lhes “endemonizam”. to período de tempo, também localizado vem aqui. Então hoje elas bebem. Mas di-
rados a enfermeiros que auxilia Os guardiões e ou Exus são com na Asa Sul (Centro Espírita Raio de Sol), minuiu bastante do que era. O que a gente
um ”médico de outro mundo”. isso, dentro da Umbanda, uma mesma deparei-me com uma diferente concepção quer é que elas larguem o vício e evoluam.”
universalidade de opções a “mercê” das de Exu. Nela se destacava um caráter mais A explicação dos charutos atuam na mes-
20
Ordep Serra, “No Caminho de construções “ideológicas espirituais” dos festivo, os Exus eram visto com uma maior ma esfera do centro universalista, “limpe-
Aruanda: a umbanda candanga dirigentes de cada centro. Não obstante, proximidade às relações humanas, a va- za dos consulentes pelas baforadas sobre
revisitada”. Afro-Ásia, UFBA, n os guardiões demonstram ser essa “viga riedade de bebidas alcóolicas era maior, a os mesmos”. Em ambos os centros afirma-
25-6, 2001,p. 241. flexível” nas manifestações afro-brasileiras, proximidade dessas entidades para com os -se que os charutos não são tragados são
porque são neles onde se mais observa es- consulentes se dava de maneira mais joco- postos da “boca pra fora”, com a função
21
Para maiores esclarecimen- sas mudanças doutrinárias. Fumar ou não sa. Os médiuns/entidades consumiam com única de limpeza.
tos, PRANDI, Reginaldo. Exu, de fumar, beber ou não beber, a utilização mais frequência tais bebidas, ofereciam-na No centro universalista o uso de bebi-
mensageiro a diabo. Sincretismo de palavras baixas (na lógica do senso co- algumas vezes para os visitantes. Por outro das é mais contido, sendo sua variedade um

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católico e demonização do orixá vinho e um espumante. Interrogando um rentes acepções surgiu tal questionamento: convite com ar “celebrativo” para direcio-
Exu” Revista USP, nº 50, 2001. dos trabalhadores, ou melhor, num diálogo Por que o álcool em dado local é maligno ná-las a um melhoramento íntimo. Já no
com a “própria entidade” que estava segun- às Entidades, e deve ser expurgado aos outro, além de ser ao contrário, a bebida
22
Ordep Serra, No Caminho de do a linguagem própria do centro, “utilizan- poucos, e no outro ele é instrumento de toma parâmetros de acrisolar os fluídos
Aruanda: a umbanda candanga do o aparelho físico” daquela que é a diri- auxílio para os Exus, para seus trabalhos dos pacientes e espíritos ali presentes.
revisitada. Afro-Ásia, UFBA, nº gente da casa, ao interrogar sobre a bebida de ajuda aos consulentes igualando-se aos Nesse caso, é oferecer ao consulente um
25-6, 2001, p. 215- 56. Vale res- e o charuto, obtive a seguinte resposta: charutos, que em ambos os locais recebem auxílio, não pelo consumo, mas como uma
salta que nesse mesmo trabalho, uma mesma função. espécie de objeto de depuração das “ener-
as características dos Exus, se “O Álcool é algo “volátil23”, com isso ele Pois bem, há certa semelhança que gias não visíveis” que costumam acarretar
assemelham ás observadas. atua no campo físico e no campo espiritual, lhes aproximam. Nesse caso, o álcool, seja prejuízos aos indivíduos.
a gente bebe é para poder ter meios para bebida, ou seja puro, é posto em todo É curioso notar que, o álcool, é um
23
“Que pode ser reduzido a gás ajudar aqueles irmãos que são muito “den- caso como mecanismo de auxílio, seja de aliado para os trabalhadores e para os tra-
ou vapor” – Novo Dicionário sos24”, onde somente a palavra não irá fazer forma direta ou indireta. Isso é, para auxi- balhos, muito embora não seja menciona-
AURÉLIO BUARQUE, 2ªed. Nova ele mudar, por isso utiliza-se a bebida, liar os consulentes ou para auxiliar os espí- do nem direcionado o seu uso (bebidas)
Fronteira 1986. para poder afeta-los e ajuda-los. O cigarro ritos. Ou seja, os consulentes por meio das para os consulentes, em seus dia a dia,
a mesma coisa, sua fumaça atua nos dois entidades são auxiliados, porém, o mesmo muito pelo contrário, prega-se o afasta-
24
“Densos”- Espirito ainda muito campos. Nós somos formados pelos reinos, ocorre de maneira quase contrária no “Raio mento do mesmo, uma vez que “para os
ligados a matéria (segundo visão mineral, vegetal, animal, e como alguns já de Sol”. Os “vivos” são quem prestam “auxí- médiuns, ele atrapalha a comunicação com
local, advindo de uma lógica dizem, hominal. O que nós fazemos é ma- lios” aos que estão sendo postos como fa- os espíritos” e para qualquer outro indiví-
Kardecista). nipular esses fluidos, principalmente os das tor chave no ritual como um todo, no caso, duo, seja trabalhador, seja consulente, ele
plantas, para ajudar os irmãos que preci- as entidades. As diferenças são aquelas já é nocivo. Porém, com a incorporação, ele
sam. Tudo é energia, mais densa ou menos postas, quantidade de bebidas e o porquê é tido (uso bastante moderado, ou não)
densa. (pegou um copo de álcool de cozinha do uso. O porquê do uso, como se pode como ferramenta de auxílio aos problemas
no chão) Veja esse aqui não é pra tomar, é perceber é o foco. individuais tanto no “lado de cá, como no
somente para limpar o ambiente, e as pesso- Se em um centro o uso está no âmbi- lado de lá”.
as carregadas.” to do auxílio dos “vivos para os mortos”, É importante destacar que em am-
consumem-na para ajudar as entidades a bas as casas, em entrevistas, afirmam que
Na perquirição dessas visitas e dife- se libertarem do vício, ou mesmo como um “quem bebe são os espíritos/entidades,

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os aparelhos (médiuns) não ficam com ne- esses elementos demaneira parcialmente É com essas palavras, advindas do primeiro
nhum resquício”. Os charutos, de fato, não aceitável para as curas individuais, tanto congresso de Espiritismo de Umbanda, que
acarretam tanta polêmica. Nas explicações “no lado de cá”, quanto no “lado de lá”. demonstro as inquietações que permeiam
atuam tão somente na limpeza. este trabalho. Sendo até mesmo um dos
primeiros questionamentos a serem postos
No caso da bebida alcoólica, seu uso era CONSIDERAÇÕES FINAIS e ainda buscados ao longo da pesquisa:
justificado argumentando-se que esse tinha onde se encontra as similitudes da Umban-
uma ação e “vibração anestésica e fluídica” da, para definir as suas diferenças, ou me-
devido á sua evaporação, o que propiciava “O conceito alcançado entre nós pelo Espiri- lhor, para definir as diferenças de Exu. Pois
as descargas (limpeza) das pessoas(...) No tismo de Umbanda nestes últimos vinte anos como já demonstrado, tal entidade é “al-
caso da fumaça do fumo ou dos incensos, de sua prática, deu motivo à fundação nesta tamente maleável” dentro da cultura afro-
explicava-se que, sendo esta um gás, pode- capital de elevado número de associações -brasileira, ou restringindo-nos a análise,
ria destruir um fluido mau ou nocivo presen- destinadas especialmente a esta modali- sua maleabilidade se expressa nesses dois
te no ambiente. (Segundo SILVA, Citado por dade de trabalhos, cada qual procurando centros, e até mesmo altamente maleável
cf. Ortiz, 1978, p. 155) desempenhar-se a seu modo, para atender para os adeptos de outras crenças religio-
a um número sempre crescente de adeptos. sas, que permeiam o assunto da crença no
Em ambos os centros os Exus são Sua prática variava, entretanto, segundo os “outro lado”.
conselheiros para muitas das mazelas que conhecimentos de cada núcleo, não haven- Não ignoro a necessidade de reconhe-
se apresentam nos conflitos íntimos de do, assim, a necessária homogeneidade de cer como tal entidade é vista por outras
cada um, valendo-se de elementos que per- práticas, o que dava motivo a confusão por religiões, como no caso do Protestantis-
meiam os ataques e condenações de outras parte de algumas pessoas menos esclareci- mo. Assim como as perspectivas sobre tal
religiões (no caso as bebidas, e charutos), das, com outras práticas inferiores de espi- pesquisa não se abstém as já formuladas
ao passo em que reinterpretam tais utiliza- ritismo.” (Primeiro Congresso Brasileiro do neste pequeno trabalho, pois é importante
ções com conceitos fundados numa lógica Espiritismo de Umbanda: Trabalhos apresen- levantar questões sobre o contexto univer-
que abarca outras e “mais aceitáveis” reli- tados ao 1° Congresso Brasileiro do Espiritis- salista de forma geral, saber como ele se
giões, como o Kardecismo (ORTIZ, 1978). mo de Umbanda, reunido no Rio de Janeiro, dá no contexto social em que está inserido.
Dialogam com o distanciamento das vi- de 19 a 26 de Outubro de 1941 - Federação Questionar as opiniões daqueles que estão
cissitudes, ao passo em que trabalham Espirita de Umbanda, 1942, p.4) dentro desse meio, no âmbito de sua visão

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das outras religiões, enfim, estabelecer Pinheiro25, que reformula a acepção tradi-
uma “ponte” da visão nativa para o censo cional da entidade, dantes demonizada.
comum e articulá-la em uma ótica de cunho
acadêmico.
Já no âmbito dos elementos de Exu
as elucidações ainda muito devem ser pes-
quisadas, pois, descobrir as proximidades
e as diferenças, é uma tarefa de muito
empenho, pois o que está no discurso dos
“envolvidos” muitas vezes não demonstra-
rá o que realmente permeia em tais meios.
Assim como já citado, assimilar tais ques-
tionamentos na lógica do senso comum, e
valer-se dessas opiniões para uma maior
elaboração no campo teórico da figura de
Exu. Por fim, saber demonstrar a imensi-
dão dessa “flexibilidade” de Exu e as opini-
ões que o rodeiam, para inseri-lo dentro de
uma análise pormenorizada da Umbanda
nos dias atuais, tornando-o parâmetro de
análise para o imenso panorama das múlti-
plas possibilidades na Umbanda que cada
vez mais se multiplica, e torna a figura de
Exu, desde um demônio católico, até um
guardião dos locais sagrados.
Essa perspectiva, de guardião, se en-
contra difundida em obras literárias, um-
bandistas, como é o caso do autor Robson

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