Você está na página 1de 59

Cursos Online EDUCA

www.CursosOnlineEDUCA.com.br

Acredite no seu potencial, bons estudos!

Curso Gratuito Alfabetização


e Letramento
Carga horária: 40 hs
Conteúdo programático:

Introdução
Os conteúdos curriculares na perspectiva social dos usos da escrita
Da prática social ao projeto de letramento
Para concluir, a formação do professor: os mesmos princípios

Considerações sobre a prática pedagógica no ensino da língua

Letramento e suas implicações para o ensino


Alfabetismo/letramento e escola
Práticas e eventos de letramento
Escola e alfabetização
A questão dos métodos de alfabetização
1º momento- a metodização do ensino da leitura
2º momento – a institucionalização do método analítico
3º momento – a alfabetização sob medida
4º momento – alfabetização: construtivismo e desmetodização
Modernidades em alfabetização
Referências
INTRODUÇÃO

Vamos agora para os estudos do letramento que têm como objeto de


conhecimento os aspectos e os impactos sociais do uso da língua escrita (KLEIMAN,
1995). De origem acadêmica, o conceito foi aos poucos infiltrando-se no discurso
escolar, contrariamente ao que a criação do novo termo pretendia: desvincular os
estudos da língua escrita dos usos escolares, a fim de marcar o caráter ideológico
de todo uso da língua escrita e distinguir as múltiplas práticas de letramento da
prática de alfabetização, tida como única e geral, mas apenas uma das práticas de
letramento da nossa sociedade, embora possivelmente a mais importante, até
mesmo pelo fato de ser realizada pela também mais importante agência de
letramento, a instituição escolar.
Talvez tenha sido o contraste estabelecido
entre alfabetização e letramento, desde quando o
conceito começou a circular no Brasil, em meados da
década de 80, o que limitou a relevância e o impacto
do conceito de letramento para o ensino e a
aprendizagem aos primeiros anos de contato do
aluno com a língua escrita, ou seja, àquele período
em que o discente está em processo de aquisição
dos fundamentos do código da língua escrita.
Assim, enquanto professores alfabetizadores se
preocupam com as melhores formas de tornar os seus alunos letrados, os
professores de língua materna se preocupam com as melhores formas de
introduzirem os gêneros, criando-se aí uma falsa dicotomia, pois o aluno da quarta,
sexta ou oitava série do ensino fundamental, assim como o aluno de ensino médio
está também, ao longo de seu processo de escolarização, em processo de
letramento. Aliás, nesse processo, estão todos os que utilizam a língua escrita em
seu cotidiano.
Confrontado com novas necessidades de uso da escrita devido a uma
promoção ou a uma mudança de emprego que lhe exija escrever textos até então
não elaborados por ele, o empregado pergunta a colegas se há modelos desses
textos nos arquivos, analisa os textos disponíveis e, assim, forma algumas
representações sobre o que estaria envolvido naquela produção. Com base nesse
material, tenta uma primeira versão do texto que deve produzir, mostra o resultado a
colegas, escuta seus comentários e faz outra versão se necessário for. No processo,
esse profissional está formando uma representação do gênero desconhecido, a qual
é social, mas também individual e única. São os gêneros as matrizes sociocognitiva
e culturais que permitem participar de atividades letradas das quais nunca antes se
participou.
Esse modo de agir em situações novas, característico da aprendizagem,
deveria ser particularmente verdadeiro nas situações de aprendizagem escolar, pois
na escola existem (ou deveriam existir) possibilidades de experimentação que estão
ausentes de situações mais tensas e competitivas como as do local de trabalho. Por
exemplo, Tápias Oliveira (2006) relata uma experiência de formação em que se
solicitou aos estudantes, no primeiro ano do curso de Letras, que elaborassem
diários de aprendizagem registrando os momentos marcantes do processo:
impressões e sentimentos sobre os momentos mais difíceis, interessantes,
incompreensíveis das aulas. Frente à tarefa de, praticamente, ter de inventar o
gênero, havia alunos que produziam exemplares mais próximos ao diário íntimo e
confessional, como exemplifica o trecho a seguir: Tenho uma certa dificuldade em
ouvir o que o outro pensa, se pensa diferente de mim, e deixá-lo ir até o fim,
permitindo que conclua seu raciocínio. Isso é uma coisa que me angustia um pouco
aqui no Curso e sei que preciso trabalhar, até porque, isso será importante para que
eu me sinta membro do grupo.
Alguns procuravam na correspondência epistolar o modelo do gênero: E
nome do professor, eu gostaria que você fizesse mais atividades como essa (leitura
de exploração), pois é muito importante. Através dessas análises vou
compreendendo melhor toda a sua matéria dada; já outros encontravam em textos
mais próximos do relatório o modelo satisfatório para registrar suas impressões: o
debate é de suma importância, pois através desse debate é que podemos
esclarecer muitas dúvidas existentes e fazer ligação com conceitos já estudados
No contexto do ensino fundamental, Guimarães (1999) relata uma experiência
ao longo de três anos (da 5ª a 7ª série) em que os alunos, frente a uma situação
comunicativa de ter que recomendar, ou não, um livro que tivessem lido
aos seus colegas de turma, experimentaram diversos gêneros até chegarem ao que
pode ser reconhecido como uma resenha padrão (resumo, análise crítica,
recomendação ou rejeição). Nas primeiras tentativas, na quinta série, produziam
textos mais próximos da oralidade, alguns que a autora descreve como bilhetes,
como em...eu ri muito enquanto eu lia o livro principalmente quando ele foge de casa.
O que? Você não sabe do que estou falando?
Então vá depressa a uma livraria para comprar o livro e saber do que estou
falando. Você vai adorar
Já na sétima série, no terceiro ano do projeto, os alunos produziam de fato
resenhas, como o trecho a seguir, retirado de uma delas, ilustra:
Aidan MacFarlane e Ann Mepherson, escritores da Inglaterra, especializados
em problemas de saúde na vida escolar fizeram um grande sucesso, chegando a
transformar as histórias de seus livros em séries da TV inglesa.
―O diário de Susie descreve um diário de uma adolescente de 16 anos que
queria superar o irmão. Em seu diário ela escreve sobre muitas coisas.
Destacaremos alguns como problemas familiares e escolares, paixões, sexo e
drogas.
―O diário de Susie é uma boa leitura para pessoas de várias idades pois há
bastante conteúdo com diferentes assuntos que interessam a todos.
Acredito que é na escola, agência de letramento por excelência de nossa
sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar formas de participação
nas práticas sociais letradas e, portanto, acredito também na pertinência de assumir
o letramento, ou melhor, os múltiplos letramentos da vida social, como o objetivo
estruturante do trabalho escolar em todos os ciclos.

OS CONTEÚDOS CURRICULARES NA PERSPECTIVA SOCIAL DOS


USOS DA ESCRITA

Assumir o letramento como objetivo do ensino no contexto dos ciclos


escolares implica adotar uma concepção social da escrita, em contraste com uma
concepção de cunho tradicional que considera a aprendizagem de leitura e produção
textual como a aprendizagem de competências e habilidades individuais.
A diferença entre ensinar uma prática e ensinar para que o aluno desenvolva
individualmente uma competência ou habilidade não é mera questão terminológica.
Em instituições como a escola, em que predomina a concepção da leitura e da escrita
como conjunto de competências, concebesse a atividade de ler e escrever como um
conjunto de habilidades progressivamente desenvolvidas, até se chegar a uma
competência leitora e escritora ideal, a do usuário proficiente da língua escrita. Os
estudos do letramento, por outro lado, partem de uma concepção de leitura e de
escrita como práticas discursivas, com múltiplas funções e inseparáveis dos
contextos em que se desenvolvem.
Na perspectiva social da escrita que vimos discutindo, uma situação
comunicativa que envolve atividades que usam ou pressupõem o uso da língua
escrita um evento de letramento não se diferencia de outras situações da vida social:
envolve uma atividade coletiva, com vários participantes que têm diferentes saberes
e os mobilizam (em geral cooperativamente) segundo interesses, intenções e
objetivos individuais e metas comuns. Contrasta essa concepção com a que subjaz
às práticas de uso da escrita dentro da escola que, em geral, envolvem a
demonstração da capacidade do indivíduo para realizar todos os aspectos de
determinados eventos de letramento escolar, sejam eles soletrar, ler em voz alta,
responder perguntas oralmente ou por escrito, escrever uma redação, fazer um
ditado, analisar uma oração, fazer uma pesquisa. Daí não serem raros os relatos de
atividades escolares que envolvem escrever uma carta de reclamação ou
reivindicação a alguma autoridade, na qual cada um dos alunos, individualmente, faz
a sua própria carta, em vez de unirem os esforços para produzirem coletivamente
uma carta assinada por todos os membros da turma ou um abaixo- assinado da
comunidade (escola, bairro, cidade) a que pertence a turma. Isso porque, mesmo
focando um problema relevante para a cidadania e para a vida cívica, não era a
resolução do problema conseguir que o governo atendesse à reivindicação - o
objetivo da atividade, mas, simplesmente, a aprendizagem do gênero carta
argumentativa ou reivindicatória.
A prática social como ponto de partida e de chegada implica, por sua vez, uma
pergunta estruturante do planejamento das aulas diferente da tradicional, que está
centrada nos conteúdos curriculares: qual a sequência mais adequada de
apresentação dos conteúdos?. A importância dos conteúdos para a formação do
professor não pode ser suficientemente enfatizada. Entretanto, o conteúdo é alvo:
ele representa os comportamentos, procedimentos, conceitos que se visa
desenvolver no aluno. Não deve ser entendido, parece-me, como princípio
organizador das atividades curriculares. Vejamos por quê.
Nos primeiros anos do primeiro ciclo do ensino fundamental, visa-se
apresentar ao aprendiz todos os aspectos do sistema ortográfico da língua e serão
os diversos aspectos desse sistema os conteúdos a serem ensinados. Isso não
significa, entretanto, que o professor deva planejar suas aulas de modo a apresentar
primeiro o alfabeto, logo as sílabas abertas (ba be bi), depois os encontros
consonantais (bra bre ) e as sílabas fechadas (bar ber ) e assim sucessivamente,
com base num roteiro de apresentação dos diversos elementos desse sistema, desde
as sílabas tidas como mais simples e as regularidades até as
dificuldades ortográficas‖ da tradicional cartilha (que todo professor conhece).
Nesse ciclo, os conteúdos correspondem, basicamente, ao conjunto de
saberes e conhecimentos requeridos em práticas sociais letradas como as de
medição, cálculos de volume, elaboração de maquetes, mapas e plantas (conteúdos
matemáticos) e àqueles necessários para a participação em práticas discursivas de
leitura e produção de textos de diversos gêneros. Para poder ler e escrever, o aluno
precisa reconhecer e usar componentes relativos ao domínio do código, como a
segmentação em palavras e frases, as correspondências regulares de som-letra, as
regras ortográficas, o uso de maiúsculas, assim como componentes relativos ao
domínio textual, tais como o conjunto de recursos coesivos de conexão, de relação
temporal, de relação causal. Nada disso seria relevante se o aluno não conseguisse
também atribuir sentidos aos textos que lê e escreve segundo os parâmetros da
situação comunicativa
Porém, em toda situação comunicativa que envolve o uso da língua escrita ─
em todo evento de letramento há a necessidade de tudo isso e, portanto, SEMPRE
surge a oportunidade para o professor focalizar de forma sistemática algum
conteúdo, ou seja, de apresentar materiais para o aluno chegar a perceber uma
regularidade, praticar repetidas vezes um procedimento, buscar uma explicação.
Nesse caso, o movimento será da prática social para o conteúdo (procedimento,
comportamento, conceito) a ser mobilizado para poder participar da situação, nunca
o contrário, se o letramento do aluno for o objetivo estruturante do ensino.
Quando o conteúdo (qualquer que seja) não constitui o elemento estruturante
do currículo, a pergunta que orienta o planejamento das atividades didáticas deixa
de ser. Qual é a sequência mais adequada de apresentação dos conteúdos
linguísticos, textuais ou enunciativos? Porque o professor, com conhecimento pleno
dos conteúdos do ciclo e ciente de sua importância no processo escolar, passa então
a fazer uma pergunta de ordem sócio histórica e cultural: quais os textos significativos
para o aluno e sua comunidade?
Aliás, no ensino da leitura e da produção de textos representativos de
determinada prática social, a facilidade e a dificuldade de aprendizagem não
dependem apenas da relação letra-som, ou da presença ou ausência de dígrafos,
encontros consonantais e outras dificuldades ortográficas, ou da presença de
elementos coesivos mais, ou menos conhecidos do aluno. Dependem, sobretudo, do
grau de familiaridade do aluno com os textos pertencentes aos gêneros mobilizados
para comunicar-se em eventos que pressupõem essa prática. As letras, sílabas,
palavras e frases não são unidades perceptíveis quando o sistema passa a ser
ensinado a partir de elementos salientes, tanto verbais como não verbais, que se
destacam nos textos (manchetes, títulos, ilustrações).
Nessa perspectiva, os elementos pontuais mais difíceis, ensinados
tardiamente na progressão tradicional, podem aparecer em qualquer etapa do
processo, desde que sejam aprendidos dentro de um contexto significativo. O dígrafo
e o ditongo na palavra dinossauro, por exemplo, não são os elementos que vão
impedir uma criança de desenvolver uma pesquisa escolar sobre esse animal se
essa criança estiver de fato interessada e a atividade bem orientada.
O relato de experiência de Guimarães (1999), em que crianças de quinta série
foram paulatinamente aproximando-se do gênero resenha, também aponta para a
pertinência da abordagem do letramento de atentar para a prática social relevante
para o aluno nos últimos ciclos do ensino fundamental como objetivo estruturante das
atividades curriculares.
Na experiência citada, é claro que era o gênero resenha o objetivo
conteudístico do ensino, mas era a prática social, própria da instituição escolar –
recomendar livros para os colegas da turma, o eixo estruturante das atividades.
Tivesse sido o gênero resenha o elemento estruturante, os alunos talvez fossem
submetidos a aulas sobre o gênero, com sequências explicativas e demonstrações
sobre como abordar os temas, que tipo de linguagem utilizar, como estruturar o
texto, quais os elementos composicionais constitutivos desse gênero (BAKHTIN,
1979). Em vez disso, os alunos foram experimentando com base nos gêneros que já
conheciam e, aos poucos, foram inferindo os elementos relevantes para escrever
seus textos, apoiando-se nas práticas de ler livros, recomendá-los ou criticá-los
(informalmente) para um público conhecido, ouvir e ler comentários críticos de seus
colegas, ler resenhas publicadas, revisar seus textos, reescrevê-los com base nos
comentários dos colegas e, sobretudo, da professora, que certamente tinha em
mente, para guiá-los nesse processo, o conteúdo visado.
Nos PCN para o ensino da língua portuguesa nesses mesmos ciclos (5ª a 8ª
série), também são detalhados conteúdos procedimentais relevantes para a
constituição da proficiência discursiva e linguística do aluno). Um deles, relacionado
à prática de leitura de textos escritos, é a seleção de procedimentos de leitura em
função dos diferentes objetivos e interesses do sujeito (estudo, formação pessoal,
entretenimento, realização de tarefa) e das características do gênero e suporte. São
detalhados, dentre os procedimentos possíveis, vários tipos de leitura, tais como:
• leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de textos para leitura
posterior;
• leitura tópica: identificar informações pontuais no texto, localizar
verbetes em um dicionário ou enciclopédia;
• leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto dado, determinadas
inadequações em relação a um padrão estabelecido

No caso em discussão, os alunos necessariamente desenvolvem e mobilizam


estratégias diferenciadas de leitura segundo as demandas da situação. Diversos
tipos de saberes, valores, ideologias, significados, recursos e tecnologias, entre eles
os saberes estratégicos, precisam ser mobilizados nas práticas de letramento.
O aluno que elabora um bilhete recomendando um livro e justificando sua
recomendação faz uma ‗leitura inspecional‘ quando seleciona, na biblioteca, um
livro para leitura, ou quando procura, no caderno infantil do jornal, a página que traz
resenhas de livros; ele faz também uma ‗leitura tópica‘, de detalhes, quando volta
ao livro lido para copiar uma informação específica que deseja incluir na sua
recomendação ou resenha; faz, ainda, uma leitura de revisão‘ quando lê seu
próprio texto antes de torná-lo público.
A prática social não pode senão viabilizar o ensino do gênero, pois é seu
conhecimento o que permite participar nos eventos de diversas instituições e realizar
as atividades próprias dessas instituições com legitimidade. Numa instituição como
a escola, que, conforme Heath (1986) aponta, supervaloriza as atividades analíticas,
a adoção de qualquer conceito linguístico, textual ou enunciativo, como estruturador
das atividades curriculares, leva quase que inevitavelmente à transformação da
atividade aprender o gênero para agir em sociedade em uma atividade
metalinguística: analisar os textos do gênero para aprender como está formado ou
para aprender a escrever textos segundo o modelo. Saber elaborar uma resenha
quando necessário, segundo os parâmetros da situação comunicativa, é um tipo de
conhecimento radicalmente diferente de saber sobre o que trata uma resenha, qual
o grau de formalidade da linguagem usada, quais as suas partes. O primeiro
pressupõe o segundo, mas o contrário não é verdade.
Assim, o professor que adotar a prática social como princípio organizador do
ensino enfrentará a complexa tarefa de determinar quais são essas práticas
significativas e, consequentemente, o que é um texto significativo para a
comunidade. A atividade é complexa porque ela envolve partir da bagagem cultural
diversificada dos alunos que, antes de entrarem na escola, já são participantes de
atividades corriqueiras de grupos que, central ou perifericamente, com diferentes
graus e modos de participação (mais autônomo, diversificado, prestigiado ou não), já
pertencem a uma sociedade tecnologizada e letrada.
Uma das grandes dificuldades de implantação de um programa que vise ao
desenvolvimento linguístico-discursivo do aluno por meio da prática social reside na
incompatibilidade dessa concepção com a concepção dominante do currículo como
uma programação rígida e segmentada de conteúdos, organizados sequencialmente
do mais fácil ao mais difícil.
Quais seriam os conteúdos a serem ensinados primeiro quando o elemento
estruturador do currículo é a prática social? As práticas de letramento certamente
alteram a lógica tradicional de organização dos conhecimentos. Não são os gêneros
necessariamente unidades que podem ser ordenadas segundo a ideia de que alguns
conteúdos são necessários para a compreensão de outros, embora
possa argumentar-se que há gêneros orais que podem ajudar a manejar os gêneros
escritos, ou que os gêneros que Bakhtin (1979) denomina primários deveriam ser
conhecidos em suas formas inalteradas, anteriores ao seu uso nos gêneros
secundários complexos quando, segundo o autor, perdem suas relações imediatas
com a realidade social.
A resposta para a questão da natureza e progressão dos conteúdos, premente
para o cotidiano do professor na escola tradicional, não é evidente.
Uma possibilidade de resposta é tipológica. A perspectiva social não pode
eximir-se de focalizar o impacto social da escrita, particularmente as mudanças e
transformações sociais decorrentes das novas tecnologias e novos usos da escrita,
com seus reflexos no homem comum. Esse foco necessariamente amplia a
concepção do que venha a ser objeto de leitura, antes reservada para os textos
literários na verdade, os textos extraordinários de poucos passando a incluir os textos
do cotidiano, os textos comuns do dia-a-dia. De fato, eles têm valor pedagógico de
destaque quando são utilizados como recursos pedagógicos para construir a auto
segurança do aluno quanto à sua capacidade de ler e escrever: listas, bilhetes,
receitas, avisos, letreiros, outdoors, placas de rua, crachás, camisetas e buttons de
transeuntes, enfim, a escrita ambiental em sua enorme variedade amplia
significativamente o acervo de textos mais legíveis, devido à sua curta extensão e à
complementação do sentido via imagens acessíveis e imediatamente
compreensíveis.
Outro aspecto que me parece relevante para a seleção curricular é a função
do texto na vida social do aluno, convidando também a ampliação do conjunto de
textos de modo a incluir gêneros próprios do cotidiano do aluno. Embora os textos
das instituições públicas de prestígio forneçam, de direito, grande parte do acervo a
ser incluído, também os textos que circulam em outras esferas, como os da
intimidade doméstica (bilhetes, recados e cartas pessoais; contas, extratos e
cheques; exames, laudos e carteiras de vacinação, boletins de notas e diplomas)
podem vir a ser incluídos: o aluno pode escrever sua história familiar fazendo
legendas e notas para as fotos de um álbum de família e consultando certidões; pode
ler e recortar anúncios; pode fazer os registros de saúde, de educação etc. dos
membros da família, se estiver aprendendo modos de arquivar e registrar
informações, pode ainda agendar, rotular. As funções da escrita no cotidiano, mesmo
que limitadas e finitas, introduzem práticas arquivais, identitárias, de
contato e comunicativas, assim como gêneros que terão uma vida muito útil em
muitas outras práticas sociais.
Visando à ampliação do acervo de textos circulantes na sala de aula, Costa
(2001) relata os resultados de uma experiência de uso de textos pertencentes a dois
gêneros do cotidiano escolar e familiar realizada com crianças na pré-escola, bem
antes da época em que esses textos seriam introduzidos no ensino. O projeto
introduzia a leitura do verbete de enciclopédia e a notícia de jornal a crianças de cinco
e seis anos, ainda não alfabetizadas, visando à familiarização da criança com a
leitura (pelo professor, em rodas de leitura) e produção de textos (coletiva, com o
professor de escriba) desses gêneros.
As crianças utilizavam seus conhecimentos de contos infantis para se
apropriarem desses gêneros: ao fazerem hipóteses sobre uma notícia a partir da foto
jornalística, por exemplo, elas resvalavam do relato factual próprio da notícia (é uma
velhinha com cachorros, está indo para a feira) para a historinha maravilhosa: ―a vó
estava indo na feira comprar ração para os cachorros e no caminho encontrou
um lobo mau, ele comeu tudinho a vó só deixou o chapéu dela.
Transição semelhante acontecia quando as crianças se debruçavam nas
páginas da enciclopédia infantil de animais – a figura do elefante na página motivava
o início de uma historinha sobre esse animal (era uma vez um elefante que....), na
qual era introduzida em seguida a personagem da foca, seguida da girafa, do
hipopótamo, etc. A trama começava a incomodar o pequeno narrador à medida que
novos verbetes com novos animais apareciam, obrigando a criança a introduzir mais
e mais personagens na sua história: sabemos que são justamente esses momentos
de desconforto entre o conhecimento anterior e o novo que detonam a percepção
das diferenças entre os gêneros e a aprendizagem.
Gêneros que circulam nesses dois domínios ─ lar e escola ─ são fortes
candidatos a elementos básicos, fundamentais para a progressão curricular.
Entretanto, mais do que usar a lógica dos blocos fundamentais (básicos, primeiros)
na construção de conhecimentos, no ensino visando à prática social interessa
conceber princípios gerais para a organização do currículo, entendendo que as
atividades de sala de aula, ao envolverem a interação entre professor e aluno (s), e
entre aluno (s) e aluno (s) envolvem tal sorte de fatores de ordem social e pessoal
que os resultados são imprevisíveis.
Na concepção social da escrita, não é a progressão do mais fácil ao mais difícil
o que facilita ou dificulta a aprendizagem, até porque não é possível dizer, com
qualquer grau de segurança, o que torna algo fácil ou difícil a um indivíduo. Se, na
prática social, o aluno se depara com textos não simplificados, numa sala de aula em
que a prática social é estruturante, o aluno deveria também se deparar com os textos
que circulam na vida social: a facilitação, para que ele consiga vencer os obstáculos
que a leitura de tais textos pode apresentar, é o trabalho coletivo: no trabalho com
seus colegas, com diferentes saberes, pontos fracos e fortes, sob a orientação do
docente.

DA PRÁTICA SOCIAL AO PROJETO DE LETRAMENTO

A participação em determinada prática social é possível quando o indivíduo


sabe como agir discursivamente numa situação comunicativa, ou seja, quando sabe
qual gênero do discurso usar. Por isso, é natural que essas representações ou
modelos que viabilizam a comunicação na prática social os gêneros sejam unidades
importantes no planejamento. Isso não significa, entretanto, que a atividade da aula
deva ser organizada em função de qual gênero ensinar.
Se os alunos, no segundo ano do primeiro ciclo, começando a ler e escrever,
estão curiosos sobre a extinção dos dinossauros, essa curiosidade pode impulsioná-
los a aventurar-se pela Internet, ler verbetes de enciclopédias, visitar um museu de
ciências, entrevistar um cientista. Para realizar essas iniciativas, terão de adquirir
familiaridade com a leitura de hipertextos, de verbetes, com a produção de
questionários. O professor poderá, ao guiá-los na leitura e produção de textos
pertencentes a esses gêneros, chamar a atenção, explicar, exemplificar as
características dos textos. Tudo isso é bem diferente de definir de antemão que,
neste ano, serão ensinados hipertexto, verbete e entrevista, nessa ordem,
independentemente do interesse demonstrado pelo aluno e de outras circunstâncias
particulares que apontem a conveniência de uma mudança no planejamento.
A flexibilidade é crucial. Em uma iniciativa de formação continuada de
professores, solicitada pela direção e coordenação pedagógica de uma escola de
ensino fundamental e médio do interior paulista, propusemos, a partir de indicativos
da diretora e de uma das coordenadoras pedagógicas, um projeto de formação
organizado em torno de um projeto escolar para conseguir uma biblioteca para a
escola. Após uma meia dúzia de reuniões entre a equipe universitária e a equipe de
professores da escola, ficou evidente que a maioria dos professores não tinha
interesse ou tempo para participar de um processo de formação que propunha
chegar ao objetivo por meio de atividades que visassem ao letramento científico,
matemático, informático do aluno, cada qual trabalhando segundo sua especialidade,
recursos e saberes. O planejamento inicial foi, então, abandonado, porque trabalhar
com base na nossa concepção de que todos os professores são responsáveis pelo
letramento do aluno requereria outros trabalhos de formação inviáveis no momento.
Demos continuidade ao projeto apenas com os professores de língua
portuguesa; desta vez, acreditávamos que, unidos em torno da ideia de mobilizar a
comunidade escolar para viabilizar a biblioteca escolar, teríamos a participação dos
alunos em diversas práticas letradas visando a essa meta. Entretanto, durante as
reuniões com os professores de português, ficou claro para nós, da equipe
universitária, que havia duas concepções de projeto pedagógico em jogo. Para nós,
o projeto era uma iniciativa que permitiria integrar todos os conteúdos curriculares de
língua portuguesa, das diversas séries participantes; para os professores, constituía
uma atividade complementar às atividades curriculares já planejadas: os professores
continuariam desenvolvendo seu programa, e o projeto da biblioteca seria realizado
quando e sempre que as atividades curriculares já programadas o permitissem.
Novamente, a equipe universitária precisou mudar o planejamento.
Convencidos de que o jornal escolar é um instrumento que permite a integração
curricular via participação cívica do aluno, sugerimos aos professores de língua
portuguesa o engajamento dos alunos na produção de um jornal escolar, com o
primeiro número tematizando a ‗biblioteca ‘. Nesse jornal, eles escreveriam textos
dos gêneros planejados, ou seja, o jornal seria a ferramenta que viabilizaria tanto
a inserção dos alunos em práticas de
letramento diversas quanto a mobilização da comunidade em torno da necessidade
de uma biblioteca escolar.
Havia condições materiais para o projeto ser concretizado: o jornal escolar é
um gênero familiar ao professor, a escola contava com computadores, muitos alunos
tinham familiaridade com a informática; tínhamos um programa de livre acesso para
elaboração de jornais. A ideia teve aceitação imediata por parte dos professores, que
apresentaram a proposta aos alunos, os quais, por sua vez, imediatamente a
abraçaram.
Na concepção de jornal que as duas equipes discutiram, as diferentes seções
do jornal estariam voltadas para a mobilização da comunidade para conseguir a
biblioteca: notícias e reportagens, entrevistas, editoriais, anúncios, cartas, notas.
Todos esses gêneros girariam em torno de temas relacionados à meta, tais como a
história do livro, arquitetura sustentável, mobília ergonômica, elaboração de
catálogos, contato com editoras, etc. Os objetivos específicos da equipe universitária
a formação do professor via prática de projetos de letramento
e os dos professores do ensino médio o ensino de diversos gêneros da
argumentação mediante o ensino de sequências didáticas seriam cumpridos. Por fim,
um planejamento viável, com o qual todos estávamos de acordo.
Aconteceu, entretanto, que, quando os debates para organizar o trabalho para
o primeiro número jornal começaram, os alunos de ensino médio estavam indignados
por causa de uma série de medidas disciplinares tomadas pela direção da escola
que, na perspectiva deles, eram injustificáveis. Continuar com o projeto da biblioteca
tornou-se, de novo, inviável e, assim, a questão de regras, normas e
responsabilidades constituiu-se no grande tema que motivou reportagens,
entrevistas, debates e editorias, permitindo que o professor apresentasse as
sequências argumentativas objetivadas, entre outros aspectos do gênero editorial, e
que os alunos participassem coletivamente segundo interesses e capacidades
individuais.
A escolha do gênero como conteúdo relevante para o ensino não significa que
o gênero deva constituir-se no elemento estruturante das práticas sociais mobilizadas
no projeto, sob o risco de reduzir o objeto de ensino e o trabalho escolar aos seus
aspectos formais e analíticos, como já mencionamos.
A diferença é relevante. O programa Escrevendo o Futuro, financiado pela
Fundação Itaú e coordenado pela ONG paulista Cenpec, organizava um concurso
que premiava o melhor texto de cada um dos gêneros artigo de opinião, relato de
memórias ou poesia, de alunos de quartas e quintas séries das escolas participantes
de todo o país. Uma vez que o gênero era escolhido, várias ações formativas para o
professor eram iniciadas; uma delas consistia no envio de materiais didáticos para
os professores participantes, com descrições acuradas do gênero e de sequências
didáticas (SCHNEUWLY e DOLZ, 2004) para ensiná-lo. Os materiais cumpriam com
excelência os objetivos a que se propunham. Visando ao ensino do artigo de opinião,
por exemplo, uma das orientações era a de escolher, como tema para tal artigo,
algum assunto polêmico que estivesse afetando a comunidade a que pertence o
aluno.
Numa amostra de 160 textos analisados (de um total de mil submetidos em
2006) a maioria reproduzia adequadamente aspectos composicionais do gênero:
havia neles expressão de uma opinião pessoal, em geral sobre algum problema, o
que implicava uma tomada de posição sobre um assunto. Entretanto, nem toda
tomada de posição é polêmica e suscita a necessidade de defesa da opinião.
Posicionar-se contra o problema da violência, ou da pobreza, ou do desperdício das
fontes de energia, é lugar comum. Os alunos que conseguiram, em diversos graus,
aproximar-se da proposta e escrever um artigo de opinião foram aqueles indivíduos
cuja escolha recaiu, de fato, sobre alguma questão controversa que estava
perturbando o tecido social. Em outras palavras, foram os alunos que, confrontados
com alguma situação que dividia a turma, a escola ou a cidade, conseguiam pôr o
gênero a serviço de sua necessidade de tomar partido e de se manifestar
politicamente, assim tornando um exercício de uso ou tentativa de uso do gênero em
uma prática social.
A concepção da escrita dos estudos de letramento pressupõe que as pessoas
e os grupos sociais são heterogêneos e que as diversas atividades entre as pessoas
acontecem de modos muito variados. Essa heterogeneidade não combina muito bem
com a aula tradicional, com um professor dirigindo-se a um aluno médio,
representativo da turma de trinta ou mais alunos interagindo apenas com o professor,
que é o falante privilegiado, foco da atenção de todos, o qual dá sua aula de acordo
com um currículo definido para todas as turmas do ciclo na escola ou no município,
porque um dia, nesse trimestre, semestre ou ano escolar, todos os alunos da turma
serão avaliados segundo parâmetros (também supostamente representativos dos
conhecimentos a serem atingidos na série ou no ciclo) definidos para toda a nação.
Por outro lado, os estudos do letramento nos mostram, e isto é muito
importante para a reflexão curricular, que os eventos de letramento exigem a
mobilização de diversos recursos e conhecimentos por parte dos participantes das
atividades. Isso significa que alguns eventos de letramento voltados para a resolução
de alguma meta da vida social criarão, sem dúvida alguma, inúmeras oportunidades
de aprendizagem para os participantes, todas elas diferentes entre si, segundo as
diferenças existentes entre os indivíduos participantes. Cabe ao professor destacar
e sistematizar aqueles aspectos que fazem parte de seu planejamento semestral,
anual ou cíclico, tantas vezes quanto forem necessárias, para o aluno adquirir
confiança e autonomia com relação ao conteúdo visado.
O projeto pedagógico (DEWEY, 1997; HERNANDEZ e VENTURA, 1998), que
pode abranger desde o grande projeto interdisciplinar da escola que atende a
interesses de diversas turmas até o trabalho em pequenos grupos de uma turma,
pode proporcionar a alunos heterogêneos quanto ao domínio da escrita, com
trajetórias de leitura e de produção textual diferentes, pelas diferentes experiências
com que chegam à escola, uma oportunidade de participação diferenciada e, por
isso, é, na minha opinião, uma prática didática ideal para organizar o trabalho escolar
que leva a sério a heterogeneidade dos alunos e que abre mão de pré- requisitos e
progressões rígidas em relação à apresentação de conteúdos curriculares.
Embora a escola organize suas atividades em torno de temas relevantes, é
interessante pensar nos projetos como projetos de letramento: planos de atividades
visando ao letramento do aluno. Assim, um projeto de letramento se constitui como
um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e
cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato,
circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos, em um
trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua capacidade‖
(KLEIMAN, 2000, p. 238). Isso significa que, seja qual for o tema e o objetivo do
projeto, ele necessariamente será analisado e avaliado pelo professor conforme o
seu potencial para mobilizar conhecimentos, experiências, capacidades, estratégias,
recursos, materiais e tecnologias de uso da língua escrita de diversas
instituições cujas práticas letradas proporcionam os modelos de uso de textos aos
alunos.
É assim que um projeto de letramento de reciclagem de latinhas de alumínio
se distingue de uma campanha de reciclagem de latinhas feita pela associação de
moradores do bairro. No primeiro, o número de latas recolhidas pode ser motivador
para o aluno, mas para o professor a motivação para realizar as atividades reside
nas oportunidades que o projeto cria para fazer cálculos, computar, representar
dados, fazer campanhas publicitárias, preparar anúncios para o rádio, enfim, para
motivar os alunos a participarem de práticas letradas diversas e usarem a língua
escrita. Já a associação de moradores é movida por outros interesses, voltados para
questões ambientais e/ou financeiras.

PARA CONCLUIR, A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: OS MESMOS


PRINCÍPIOS

É evidente que o papel do professor muda na perspectiva de ensino da


alfabetização e da língua materna voltada para a prática social. Um enfoque
socialmente contextualizado pode conceder ao professor autonomia no
planejamento das unidades de ensino e na escolha de materiais didáticos.
O professor assume, nesse caso, um lugar no sistema educacional como
profissional que decide sobre um curso de ação com base na observação, análise e
diagnóstico da situação. Quando o professor opta, ainda, por trabalhar com projetos,
ele passa a decidir questões relativas à seleção dos saberes e práticas que se situam
entre aqueles que são locais, funcionais para a vida na comunidade imediata dos
alunos e os que são socialmente relevantes para a participação na vida social de
outras comunidades e que, um dia, poderão ser utilizadas para a mudança e a
melhoria do futuro do próprio aluno e seu grupo. O professor pode decidir sobre a
inclusão daquilo que pode e deve fazer parte do cotidiano da escola, porque legítimo
e/ou imediatamente necessário, e, por outro lado, sobre a exclusão daqueles
conteúdos desnecessários e irrelevantes para a inserção do aluno nas práticas
letradas que, parece-nos, persistem por inércia e tradição e, por último, decide
também sobre a negociação daquilo que pode não interessar momentaneamente ao
aluno, mas precisa ser ensinado pela sua real relevância em nossa sociedade.
Uma mudança na atuação do professor depende, necessariamente, de
mudanças no curso universitário de formação. Uma delas é uma mudança na
concepção da escrita e nas atitudes em relação às práticas letradas, que sofrem um
processo de naturalização à medida que se avança no processo escolar. As
transformações abrangem a dimensão político-ideológica, uma vez que a
naturalização da escrita obscurece o fato de os usos da linguagem não serem neutros
em referência às relações de poder na sociedade, o que pode contribuir para a
desigualdade e a exclusão, quando a aprendizagem da língua escrita se torna mais
uma barreira social para os alunos que não participaram de práticas letradas na sua
socialização primária, junto à família. O curso de formação deve funcionar, dessa
forma, como um espaço para a desnaturalização, para a efetivação de um paulatino
processo de desideologização da leitura e da escrita.
Um dos objetivos buscados nesse processo é o estranhamento em relação às
próprias práticas, que é necessário para perceber a dificuldade das atividades de uso
da língua escrita e evitar solicitações que podem não fazer sentido para o aluno, mas
que são tomadas como universais pela escola e outras instituições de prestígio. Por
exemplo, nos últimos anos, a receita, o bilhete, os rótulos passaram a frequentar o
livro didático e a sala de aula, sendo frequentemente utilizados para alfabetizar.
Entretanto, ensinar a um grupo de crianças a ler ou escrever uma receita, ou um
rótulo, sem ter construído um contexto que justifique sua leitura ou escrita, em
atividades que poderiam perfeitamente ser feitas com outros textos (não precisamos
de um rótulo de leite condensado para procurar o M de Moça, por exemplo) produz
o efeito de uma tarefa sem sentido e, portanto, muito mais difícil do que aprender a
letra M na cartilha, no contexto de muitas sílabas e palavras com essa letra.
Um efeito também contrário ao pretendido é às vezes produzido quando se
solicita ao aluno ler ou escrever uma receita ou uma instrução quando, primeiro, é
perfeitamente possível mostrar como fazer o prato ou como montar um brinquedo e,
segundo, esta última é a prática realizada na comunidade de origem do aluno. A
escritura de textos como receitas e instruções pode parecer natural para os grupos
altamente escolarizados, mas não são ações que pertencem à ordem natural das
coisas: trata-se de convenções não universais para registrar uma ação. Perceber
essas dificuldades potenciais não é fácil para o professor ou para qualquer um que
já tenha naturalizado a escrita como um outro sistema semiótico (além do gestual,
oral, imagético, etc ).
Partir das práticas letradas e das funções da escrita na comunidade do aluno
significa, entre outras coisas, distanciar-se de crenças arraigadas, como a
superioridade de toda prática letrada sobre a prática oral; aprender e ensinar a
conviver com a heterogeneidade, valorizar o diferente e o singular. Envolve agir como
interlocutor privilegiado entre grupos com diferentes práticas letradas e planejar
atividades que tenham por finalidade a organização e participação dos alunos em
eventos letrados próprios das instituições de prestígio, tais como ler textos literários,
científicos, jornalísticos, assistir a peças de teatro, escrever um livro, fazer uma
exposição artística, organizar um sarau ou uma noite de autógrafos.
Uma disciplina importante para a transformação no curso de formação de
professores foi sugerida por Heath (1983), que propõe o trabalho de um professor
como o trabalho de um etnógrafo, particularmente quando ele ensina alunos de
comunidades com tradições de uso da língua escrita e da língua oral muito diferentes
daquelas dos grupos dominantes (estes últimos bem representados na escola). A
observação dos alunos, na sua grande heterogeneidade, proporciona pistas valiosas
sobre suas práticas sociais de origem, que podem auxiliar o professor na hora de
diagnosticar, planejar e avaliar os processos de ensino e de aprendizagem. Os
saberes construídos com base na observação acurada da situação podem ajudar a
evitar generalizações e a valorizar o singular na hora em que o aluno formula uma
hipótese, dá uma resposta, questiona uma informação, demonstra saberes que
parecem estar na contramão das hipóteses, respostas, informações e saberes
escolares.
Sabendo que os alunos têm bagagens culturais diversificadas como membros
participantes de uma sociedade letrada, fica mais fácil para o professor permitir que
os alunos tomem parte de forma variada das situações, criem táticas diferentes para
lidar com suas limitações ou potencialidades na situação, aportem compreensões
diferentes, devido às suas aprendizagens extremamente variadas, antes mesmo de
ocuparem os bancos escolares e apesar das práticas homogeneizantes aprendidas
na escola. Fica mais difícil, para o professor que aprende e registra a cultura do outro,
negar a existência de práticas culturais diferentes e rejeitá-las a priori, o que torna
menos conflitiva a interação. Daí a pertinência da proposta de ensinar-se, no curso
de formação inicial ou continuada, princípios e técnicas para fazer observações
participantes e analisar as interações observadas, minimizando os filtros
grafocêntricos que impomos nas nossas interpretações do mundo social.
Também a relação com os conteúdos aprendidos no curso de formação é
mutável. Mais do que conceitos específicos a serem aprendidos, o curso deveria
visar ao letramento do professor para o local do trabalho, entendendo, assim, a
escrita como um elemento identitário da sua formação (KLEIMAN, 2001). Isso
significa que, mais do que a aprendizagem de determinados conceitos e
procedimentos analítico-teóricos, que mudam com as mudanças das teorias
linguísticas e pedagógicas, interessa instrumentalizar o professor para ele continuar
aprendendo ao longo de sua vida e, dessa forma, acompanhar as transformações
científicas que tratam de sua disciplina e dos modos de ensiná-la. Assim, a relação
do professor com os conteúdos curriculares se transforma: o currículo deixa de ser a
camisa de força do trabalho escolar e passa a ser visto como uma organização
dinâmica de conteúdos que vale a pena ensinar (e que podem mudar), que levam
em conta a realidade local, seja ela da turma, da escola ou da comunidade e que se
estruturam segundo a prática social.
No ensino universitário, os projetos de letramento fornecem, como nos outros
níveis de ensino discutidos, um meio para instrumentalizar o professor para as novas
funções a serem exercidas, pois, como nos demais níveis, eles se organizam, nesse
contexto de formação, segundo as práticas sociais que são significativas para a vida
acadêmica e profissional, como apontam relatos de experiências de formação inicial
ou continuada que utilizam a pedagogia de projetos.
Tinoco (2006b) descreve a realização de 14 projetos com foco em patrimônios
de cidades do agreste norte-rio-grandense por grupos de professores que cursavam
a disciplina de Estágio Supervisionado em um Programa de Qualificação Profissional
para a Educação Básica oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande do
Norte. Sugeriu-se a esses professores em formação inicial, todos regentes de turmas
nas suas respectivas cidades, com longa experiência de sala de aula, que
inscrevessem suas turmas no Concurso Nacional Tesouros do Brasil, aberto a todos
os estudantes de ensino fundamental e médio
do país, voltado para a valorização do patrimônio brasileiro (Histórico-cultural,
natural, artístico, afetivo).
O projeto de letramento de cada grupo de professores consistiu, assim, nas
aprendizagens necessárias ─ conceitos, práticas de leitura e escrita e gêneros ─ para
orientar os projetos de suas turmas. Por exemplo, uma vez escolhido o patrimônio,
eles deviam orientar a busca de dados em fotos, mapas, folhetos, jornais, enfim, todo
tipo de documento pertinente. Para poder ensinar seus alunos do ensino fundamental
e médio a escolher ou tirar fotos, os professores precisavam entender como
funcionam os textos multimodais. Para inscrever as turmas no concurso ou para
orientar as pesquisas das turmas, precisaram aprender a usar a Internet, e assim
sucessivamente.
Cursos de Pedagogia e de Letras que visem ao letramento profissional por
meio da explicitação de modelos ressignificados em projetos formam professores
cujo perfil corresponde ao de um agente social: um indivíduo que se destaca pelas
suas capacidades mobilizadoras dos recursos e conhecimentos das comunidades
(nesse caso, de aprendizes) em que atua, segundo Kleiman (2006). São capacidades
que complementam e podem substituir, a contento, a posse de conteúdos e teorias
potencialmente obsolescentes.
O agente de letramento é capaz de articular interesses partilhados pelos
aprendizes, organizar um grupo ou comunidade para a ação coletiva, auxiliar na
tomada de decisões sobre determinados cursos de ação, interagir com outros
agentes (outros professores, coordenadores, pais e mães da escola) de forma
estratégica e modificar e transformar seus planos de ação segundo as necessidades
em construção do grupo.
A formação de um professor para atuar como agente de letramento faz novas
e diferentes exigências ao formador universitário: os saberes acadêmicos e a
familiaridade com diversas práticas de letramento, inclusive as acadêmicas, são
ainda importantes, mas essencial é a atitude de um professor, que, sabendo-se em
contínuo processo de letramento, aventura-se a experimentar e, com isso, a
continuar aprendendo com seus alunos, através de práticas letradas que motivam o
grupo todo e atendem, ao mesmo tempo, a interesses e objetivos individuais e,
assim, formam leitores, despertam curiosidades, dão segurança a escritores
iniciantes. Para o professor agir assim um dia, em sua prática, precisamos hoje, em
seu processo de formação, proporcionar modelos desse fazer.
CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DA LÍNGUA

As discussões em torno do tema do


ensino da língua materna, nas séries iniciais,
têm colocado em confronto as expressões
alfabetização e letramento, não como uma
mera disputa semântica, mas como posições
diferentes na abordagem teórico
metodológica do ensino da língua.
Esta disputa teórico-prática,
extremamente profícua, tem-nos obrigado a
analisar com mais profundidade os limites e possibilidades do processo de ensino-
aprendizagem, em uma e outra abordagem. Entretanto, cabe a preocupação com os
desvios e reducionismos, até certo ponto comuns quanto o embate em defesa do
novo encontra pela frente uma tradição muito arraigada. Nestas circunstâncias, não
raro, vale a tese da curvatura da vara, e os contendores levam ao paroxismo os
elementos divergentes de suas concepções.
No caso do embate alfabetização X letramento, vimos emergir uma crítica
necessária e acertada à alfabetização tradicional que descurava qualquer tratamento
da textualidade, centrando-se exclusivamente no ensino fragmentado e mecanicista
do código. Tal crítica se deu, entretanto, antes que se adensasse a divulgação de
uma concepção mais ampla que, superando os métodos tradicionais, resultasse em
práticas pedagógicas mais adequadas e mais exitosas. Disto resultou, em um
primeiro momento, entre os professores alfabetizadores, uma verdadeira febre do
texto‖. A chegada do texto às classes de alfabetização se fez, entretanto, em
abordagens muito precárias, em razão, quer nos parecer, do desconhecimento dos
professores acerca dos fundamentos que informam uma concepção que toma o texto
como eixo do processo de ensino aprendizagem da língua.
Ao mesmo tempo, uma outra dimensão deletéria desse momento foi o
abandono, puro e simples, do desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino
do código. Em consequência, o que se verificou foi um rebaixamento ainda
maior dos resultados da aprendizagem nas séries iniciais aprendizagem esta já
gravemente dificultada por todas as questões sócio-políticas que interferem no
processo educacional e sobre as quais não discorreremos aqui.
Em suma, o que se verificou foi um abandono do ensino do código e,
paralelamente, um trabalho com o texto, como mero pretexto para o estudo de
algumas regras gramaticais, posto verificar-se, entre os professores, um ainda
incipiente domínio de um conhecimento científico adequado à nova abordagem
proposta.
Nesse quadro, é de suma importância o adensamento da discussão sobre o
letramento enquanto concepção do ensino da língua que, sem descurar do trabalho
com o código, transcende os limites estreitos da alfabetização tradicional.
Antes, entretanto, de se discutir qualquer aspecto de tal concepção, há que se
clarear, ainda que em traços rápidos, a própria concepção de linguagem que se toma
como fundamento.
Começamos pela afirmação da natureza histórica e social da linguagem.
Efetivamente, a linguagem, invenção humana, nasce da necessidade que os homens
sentiram de, no processo de trabalho, comunicarem-se entre si, pois, para
estabelecerem relações de intercâmbio ou de cooperação exigidas pelo processo de
produção da existência, impões-lhes a necessidade de comunicar-se. Em
decorrência desta necessidade, produzem a linguagem.
Com o concurso da linguagem, entretanto, o homem não apenas consolida
seus laços societários como acumula conhecimentos transmitindo informações e,
ainda, produz a possibilidade da consciência propriamente humana. A linguagem é
tão antiga quanto a consciência - a linguagem é a consciência real, prática... ensinam
MARX e ENGELS (1998). E, mais adiante, exatamente como a consciência, a
linguagem só aparece com a carência, com a necessidade dos intercâmbios com os
outros homens (pp. 24-5).
De fato, a comunicação, entendida como expressão exterior das ideias, dos
sentimentos, do pensamento, é uma das funções mais importantes da linguagem,
mas não é a única. Outra função, igualmente importante, é a de permitir a
representação mental (ou psíquica) da realidade exterior, ao nível da abstração. Ao
formularmos um pensamento, recorremos ao uso da linguagem.
Como afirmam SPIRKINE e YAKHOT (1975): A unidade da linguagem e do
pensamento dimana da própria natureza do pensamento. O pensamento só se
torna real nas palavras. Enquanto está na cabeça do homem, está como morto,
inacessível aos outros homens.
Marx também disse que a linguagem é a realidade imediata do pensamento.
Mesmo quando pensamos em nós próprios revestimos os nossos pensamentos dum
invólucro verbal. Graças à linguagem, os pensamentos formam-se e transmitem-se
aos outros homens. E graças à escrita, transmitem-se duma geração a outra. Não se
saberia exprimir um pensamento abstrato senão por palavras.
Desde a mais tenra idade do homem, a sua consciência forma-se com base
em palavras, na linguagem, porque é com a ajuda da linguagem que se exprimem os
nossos pensamentos.
No decorrer deste processo, o pensamento alia-se intimamente à linguagem,
fenômeno próprio do homem. É impossível separar a consciência do pensamento,
da linguagem. A linguagem e o pensamento constituem uma unidade orgânica.
Trata-se, neste caso, do pensamento verbal ou lógico-verbal, através do qual,
conforme LURIA (1979), o homem, baseando-se nos códigos da língua, consegue
ultrapassar os limites da percepção sensorial imediata do mundo exterior, refletir
conexões e relações complexas, elaborar conceitos e conclusões, bem como
resolver complexas tarefas teóricas.
Como já afirmamos, em outro trabalho, (KLEIN e SHAFASCHEK, 1990): (...)
é a linguagem enquanto possibilidade de representação, logo de abstração e
generalização das características do mundo exterior, que possibilita a passagem da
consciência sensível à consciência racional, da operação com objetos concretos para
operações com conceitos ou representações.
Nessa perspectiva, a linguagem não só liberta o homem da sua subordinação
ao concreto e imediato, permitindo-lhe operar na ausência dos objetos pela ação de
uma consciência capaz de discernimento e da abstração, como é responsável
juntamente com o trabalho pela própria formação das dificuldades que possibilitem
a realidade dessas operações. Dessa análise decorre uma constatação da maior
importância: tanto a linguagem como a consciência não são faculdades naturais do
homem, não estão dadas pela natureza, nem constituem um dom inato.
São, pelo contrário, fatos históricos, isto é, o resultado da ação coletiva que
os homens desenvolveram, no processo do trabalho, ao longo de sua história.
Assim sendo, nem a linguagem é imutável, única e acabada, nem os
processos de abstração e generalização permanecem invariáveis. Pelo contrário,
determinados que são pelo grau de desenvolvimento do trabalho da mesma forma
que determinam alterações substanciais neste apresentam-se de forma diversificada
em diferentes estágios socioeconômicos.
Ora, uma vez que a possibilidade de realização dos processos mentais mais
elaborados implica a dimensão simbólica da linguagem, não há dúvida de que a
aquisição e o domínio cada vez mais amplo desta, acarretará possibilidades
diferenciadas e, também, cada vez mais amplas de apreensão do conhecimento
historicamente a cumulado, demandando, portanto, o desenvolvimento daqueles
processos.
A linguagem, inicialmente colada à situação prática e aos gestos, foi avançado
em possibilidades de representação, exigidas pela complexificação das relações
sociais de trabalho, até a construção de um sistema de códigos capaz de transmitir
qualquer informação. Esse esforço, de emancipar a linguagem da situação concreta
imediata, ampliando seu grau de abstração, tem, na linguagem escrita o seu produto
mais desenvolvido.
O pensamento verbal é especialmente importante não só porque serve de
base à assimilação e ao emprego dos conhecimentos, como se constitui no meio
fundamental da complexa atividade cognitiva do homem, conforme esclarece LURIA
(1979): O pensamento que utiliza o sistema da língua, permite discriminar os
elementos mais importantes da realidade, relacionar a uma categoria os objetos e
fenômenos que, na percepção imediata, podem parecer diferentes, identificar
aqueles fenômenos que, apesar da semelhança exterior, pertencem a diversos
campos da realidade; ele permite elaborar conceitos abstratos e fazer conclusões
lógicas, que ultrapassam os limites da percepção sensorial; permite realizar os
processos de raciocínio lógico e no processo deste raciocínio descobrir as leis dos
fenômenos que são inacessíveis à experiência imediata; permite refletir a realidade
de maneira imediatamente bem mais profunda que a percepção sensorial imediata e
coloca a atividade consciente do homem numa altura incomensurável com o
comportamento animal.
Ou seja, também o conteúdo da consciência, na sua forma humana mais
desenvolvida, se estrutura como linguagem, isto é, através de signos.
BAKHTIN (1986) reitera essa mesma ideia, nos seguintes termos: não
somente a atividade mental é expressa exteriormente com a ajuda do signo (assim
como nos expressamos para os outros por palavras, mímica ou qualquer outro meio),
mas, ainda, que para o próprio indivíduo, ela só existe sob a forma de signos. Fora
deste material semiótico, a atividade interior, enquanto tal, não existe , ou ainda a
própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a
encarnação material em signos.
Por outro lado, posto ser constituído pelo concurso de signos (ou material
semiótico), o conteúdo psíquico é passível de ser expresso. É, ainda, BAKHTIN que
ensina: toda atividade mental é exprimível, isto é, constitui uma expressão potencial.
Todo pensamento, toda emoção, todo movimento voluntário é exprimível. A função
expressiva não pode ser separada da atividade mental sem que se altere a própria
natureza desta.
Deste modo, o pensamento e a linguagem, embora distintos, mantêm entre si
uma unidade indissociável. Nessa unidade, não é a atividade mental que organiza a
expressão, mas é a linguagem, enquanto expressão, enquanto signo, enquanto
material semiótico que organiza a atividade mental. Nos marcos desta concepção, a
linguagem e a consciência resultantes de um processo de construção social – não
são qualidades inatas do homem.
A consequência imediata desta concepção, para a pedagogia, é a
compreensão de que a linguagem verbal tem um papel fundamental na produção dos
conteúdos da consciência e precisa ser aprendida pelos indivíduos, na sua forma
mais elaborada. Isto implica atribuir ao ensino da língua materna uma importância
que transcende o mero domínio de um instrumento de comunicação.
Por outro lado, ao desnaturalizar‖ a linguagem, tratando-a como processo
social, essa concepção atribui à educação uma função muito mais complexa que
apenas aquela de zelar para que o ambiente seja adequado para o desenvolvimento
normal de pretensas capacidades inatas.
Muito ao contrário, essa concepção proclama, como espinha dorsal da
educação, o processo de ensino-aprendizagem, o que de imediato nega qualquer
prioridade a um ou outro dos sujeitos imediatos da relação pedagógica (professor e
aluno). Ao contrário, atribui papéis e responsabilidades a ambos. O papel do
educador não seria mais o de meramente zelar pelas condições de
aprendizagem, mas de atuar na sua produção, de promovê-las através do ensino. Da
mesma forma, segundo essa perspectiva, o aluno não atinge a aprendizagem se não
atuar ativamente, se não realizar um esforço, um empenho intelectual atento e
constante de apropriação e reflexão sobre os conhecimentos ensinados.
Essa concepção defende, pois, a importância tanto da intervenção pedagógica
intencional e sistematizada, quanto da atividade intelectual e prática do aluno como
fatores que, articulados, constituem a base do processo pedagógico. Tais fatores são
tanto mais reivindicados quanto mais limitadas as condições concretas de existência
do aluno, uma vez que tal limitação reduz, também, a possibilidade de exercício de
práticas sociais mais complexas que envolvem múltiplos conhecimentos.
Essa mesma concepção de linguagem, por outro lado, afirma o princípio
fundamental de que o texto, enquanto unidade discursiva, é o eixo em torno do qual
gira toda a atividade pedagógica do ensino da língua, não apenas nas séries iniciais
como em qualquer nível da escolarização.
Para tanto, há de se tomar o texto enquanto unidade de conteúdo e forma -
em duas dimensões, intimamente articuladas: as determinações sociais da prática
discursiva e os recursos que o código oferece para a constituição do texto e seus
sentidos. Em virtude da natureza linear da exposição discursiva, consideraremos
isoladamente cada dimensão, enfatizando, porém, o alerta de que conteúdo e forma
realizam-se sempre em uma unidade absolutamente orgânica, não sendo possível
separá-los na prática.

DETERMINAÇÕES SOCIAIS DA PRÁTICA DISCURSIVA

Enquanto objeto social, o texto está determinado pelas mesmas leis sociais
que, em uma sociedade de classes, definem os interlocutores, seus papéis sociais,
seus interesses de classe e, sobretudo, a correlação de forças entre tais
interlocutores. Os discursos se constituem, portanto, como expressões de visões de
mundo, de ideologias.
Na esclarecedora formulação de FIORIN (1988): Uma formação ideológica
deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto
é, um conjunto de representações, de ideias que revelam a compreensão que uma
dada classe tem do mundo. Como não existem ideias fora dos quadros da linguagem,
entendida no seu sentido amplo de instrumento de comunicação verbal ou não-
verbal, essa visão de mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada
formação ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de
temas e de figuras que materializa uma dada visão de mundo. Essa formação
discursiva é ensinada a cada um dos membros de uma sociedade ao longo do
processo de aprendizagem linguística. É com essa formação discursiva assimilada
que o homem constrói seus discursos, que ele reage linguisticamente aos
acontecimentos. Por isso, o discurso é mais o lugar da reprodução que o da criação.
Assim como uma formação ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva
determina o que dizer. Há, numa formação social, tantas formações discursivas
quantas forem as formações ideológicas. Não devemos esquecer-nos de que assim
como a ideologia dominante é a da classe dominante, o discurso dominante é o da
classe dominante.
As visões de mundo não se desvinculam da linguagem, porque a ideologia
vista como algo imanente à realidade é indissociável da linguagem. As ideias e, por
conseguinte, os discursos são expressão da vida real. A realidade exprime-se pelos
discursos.
Os tipos de textos, bem como o sentido de um texto, estão marcados por essas
relações sociais e suas contradições, de modo que ignorá-las significa, em grande
medida, inviabilizar as possibilidades de leitura e interpretação mais profundas dos
discursos correntes.
É importante, pois, considerar que os textos e seu conteúdo não são neutros
e nem se produzem de forma neutra, mas se realizam, sempre, sob determinações
sociais, produzindo diferentes resultados, suscitando diferentes reações dos
interlocutores. A título de ilustração, pensemos na frase ―Por favor, alcance-me
aquele pacote. Para sua compreensão, parece suficiente a apreensão de sua
literalidade. O que mais poderíamos entender desse enunciado? Oque mais ele
poderia nos dizer, além do simples fato de que alguém pede um favor a outrem? Ora,
situando-o em determinado contexto, a saber, um diálogo entre um patrão e um
empregado, imediatamente salta aos olhos que esta frase apresenta conteúdos
distintos quanto dita por um ou pelo outro interlocutor. Dita pelo patrão, é uma frase
imperativa; é uma ordem incontestável que o empregado não pode
recusar, sob pena de represália. Dita pelo empregado, é uma súplica, que o patrão
pode ou não atender. No contexto de uma interlocução entre iguais, tal enunciado
contemplaria o direito de escolha do ouvinte, quanto à resposta possível. Sua decisão
estaria marcada por princípios de amizade, de solidariedade, mas, de qualquer
forma, poderia perfeitamente admitir uma recusa justificada, sem quebra da
expectativa implícita na relação de amizade.
Se tomarmos um outro exemplo, a escrita do nome, veremos que em
determinado contexto ela, na condição de assinatura, constitui-se índice de uma
obrigação, de um compromisso cujo alcance muitas vezes nem sequer é claramente
compreendido pelo signatário.
Um outro importante aspecto da dimensão social da prática discursiva refere-
se às variedades de falares em confronto com uma variedade padrão.
Se uma língua não é uniforme, significa que ela apresenta formas variadas,
coexistentes. Uma língua, na verdade, é um conjunto de variedades que se
constituem a partir de peculiaridades próprias de determinadas regiões, de
determinados agrupamentos, de determinada classe social ou segmento de classe,
etc.
Ocorre, no entanto, que em uma sociedade cindida em classes, uma
variedade é assumida como modelo, como a forma ideal, como a forma correta. Essa
variedade passa, então, a ser tomada como a única expressão adequada daquela
língua. O uso de uma variedade sem prestígio social passa a ser mais uma causa de
discriminação e mais uma barreira a informações e conhecimentos veiculados na
variedade padrão.
Cabe perguntar: quem decide qual variedade vai ser assumida como modelo?
Obviamente, quem tem o poder para decidir e impor essa decisão. Parafraseando
Marx, diríamos que a variedade linguística dominante, é a variedade da classe
dominante.
Como explica Sírio Possenti, aquilo que se chama vulgarmente de linguagem
correta não passa de uma variedade da língua que, em determinado momento da
história, por ser utilizada pelos cidadãos influentes da região mais influente do país,
foi a escolhida para servir de expressão do poder, da cultura deste grupo,
transformada em única expressão da única cultura. Seu domínio passou a ser
necessário para ter acesso ao poder.
Conforme Gnerre, entre os fatores que promovem a consolidação de uma
variedade linguística à condição de variedade culta ou padrão destacam-se a
associação desta variedade à modalidade escrita e à tradição gramatical; a
dicionarização dos signos desta variedade e, finalmente, a consideração dessa
variedade como legítima portadora de uma identidade nacional e de uma tradição
cultural.
Esta unicidade imposta resulta em uma forma dramática de reforçar a
desigualdade social por, pelo menos, duas razões. A variedade eleita passa a ter um
poder que não provém dela mesma, mas de seus influentes falantes. Passa, ainda,
a ser objeto de estudo, de zelo e de aprimoramento que a tornam, por um lado, cada
vez mais capaz de expressar um leque maior de elementos e processos da realidade
e, por outro, cada vez mais inacessível aos falantes das demais variedades, as quais
acabam limitadas a um uso mais coloquial e trivial.
Assim, se, por um lado, o poder dos falantes impõe uma variedade como
modelo, esta variedade, desenvolvida ao longo de anos de aprimoramento, torna- se
capaz de incorporar todas as demais e se eleva, ela própria, num dado momento, à
condição de instrumento de poder.
É possível, então, ao falante desta variante, entender o conteúdo dos falares
de todos os demais e a produzir um discurso na língua eleita como ―de todos‖, a
língua da nação, mas em muitos aspectos incompreensível para a maioria dos
falantes.
É evidente, nessa condição, o quanto esta variedade torna-se instrumento útil
ao exercício do poder e à defesa de privilégios. Lembremos, a título de exemplo, o
economês de que não raro se lança mão para convencer o conjunto da população
da necessidade de, mais uma vez, sacrificar-se em nome de um desenvolvimento
cujos benefícios nunca são socializados.
Além disso, é na modalidade eleita que são vertidos os discursos relacionados
à produção mais elaborada das ciências, das artes, da filosofia. Esses discursos vão
constituindo um repertório lexical e se revestindo progressivamente de tal
complexidade estrutural que logram distanciar-se, cada vez mais, dos falares
populares e, evidentemente, distanciar destes falantes o conteúdo que expressam.
Se a variedade padrão, na sua forma oral, vai se tornando progressivamente
inacessível ao conjunto da população, a escrita passa a oferecer mais razões,
ainda, de inacessibilidade: primeiro, evidentemente, pela maior dificuldade de
aprendizagem da escrita, relativamente à linguagem oral; em segundo lugar, porque
se soma a essa dificuldade o nível ainda mais formal e elaborado do discurso escrito
em relação ao discurso oral. Aqueles que dominam amplamente a escrita usam-na
como se se tratasse de uma possibilidade igualmente generalizada, impondo aos
demais, por exemplo, a submissão a compromissos expressos em documentos,
acordos, contratos, constituições, normas, regimentos, receituários, registros cujo
poder e cujo teor a maioria do povo desconhece ou compreende apenas
parcialmente.
Evidentemente, os exemplos aqui citados são apenas ilustrativos e mal
apontam para a dimensão das implicações que a natureza social do texto suscita no
processo de ensino-aprendizagem da língua. Entretanto, são suficientes para deixar
claro que o ensino da língua não pode tangenciar tais questões. Sobretudo, não pode
ignorar a importância do domínio da variedade padrão pelos alunos das classes
populares, bem como do exercício da reflexão crítica acerca dos conteúdos
discursivos, dada sua natureza marcada pelas contradições de classe que permeiam
esta sociedade.

O TEXTO COMO OBJETO LINGUÍSTICO: RECURSOS FORMAIS DO


DISCURSO

O estudo do texto como objeto linguístico implica levar em consideração duas


dimensões que comungam intimamente: o código e o sentido que se quer produzir.
O desenvolvimento do trabalho pedagógico com o código deve estar assentado no
texto, pois aquele nada mais é do que o suporte material para a produção do sentido.
Descolado da produção do sentido, o código perde sua razão de existir. Entretanto,
isto não quer dizer que o estudo do código não precise contemplar conteúdos
específicos, tais como a relação oralidade-escrita, a compreensão da organização da
escrita com referência em um sistema fonético, o princípio alfabético, o
reconhecimento das letras e a compreensão das relações letras-fonemas
(biunívocas, posicionais e arbitrárias), o princípio do registro fixo dos vocábulos, a
acentuação, a pontuação, as notações léxicas, o sinal de parágrafo, a direção da
escrita, a segmentação da escrita, etc..
Como já dissemos, esses conteúdos específicos do código devem ser tratados
de forma articulada com o processo de construção de sentido no texto, construção
esta que não se esgota na memorização dos elementos do código, mas exige, ainda,
e com a mesma importância, o domínio de conteúdos como as características e
determinações da interlocução, intertextualidade, unidade temática, estrutura textual
e segmentação do texto, argumentação, coerência e coesão, adequação lexical
(léxico, sinônimos, antônimos e parônimos), recursos de citação (discurso direto,
indireto e indireto livre), sintaxe de concordância, sintaxe de regência, sintaxe de
colocação, recursos gráficos, além das possibilidades ou limites do uso da norma
padrão, de redundâncias e repetições, ambiguidade, gírias e jargões.
O tratamento articulado desses conteúdos só é possível se o objeto de estudo
é a própria língua em uso real, ou seja, o texto. A metodologia, para tal, envolve
quatro práticas, igualmente articuladas:
1. leitura e interpretação;
2. produção de textos orais e escritos;
3. análise linguística e
4. atividades de sistematização para o domínio do código.
Tais práticas permitem tomar os recursos da escrita como instrumentos de
produção de sentido, e não como entes em si e, sem descurar o domínio do código
essencial nas séries iniciais -, avançam, com o concurso da compreensão das
determinações sociais da prática discursiva, na direção de um letramento mais
efetivo.
Finalmente, cabe considerar que o letramento não se esgota no aprendizado
escolar da língua, mas implica a inserção reiterada e a mais plena possível do sujeito
em práticas discursivas, nas modalidades oral e escrita, correntes na vida
contemporânea.
LETRAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO

Vamos a partir do entendimento do que seja letramento e escolarização


organizar a prática pedagógica com vistas a contribuir de forma mais efetiva para o
desenvolvimento de sujeitos mais autônomos e emancipados, conforme Kleiman
afirma: [...] a transformação das estratégias da escola para ensinar a escrita aos
grupos populares teria essa função legitimadora, assim como a transformação das
estratégias dos cursos universitários para formar professores capazes de atuar em
novos contextos, reestruturados segundo novas concepções de usos da língua
escrita e das funções da escola no ensino desses usos.
Vamos agora então compreender como essas práticas e estratégias da escola
ocorrem na relação dialética com a teoria, e conhecer outras práticas de letramento
externas ao universo escolar e a relação que se dá entre elas.
Em nosso país, a história da alfabetização tem sua face mais visível na história
dos métodos de alfabetização, em torno dos quais, especialmente desde o final do
século XIX, vêm-se gerando tensas disputas relacionadas com "antigas" e "novas"
explicações para um mesmo problema: a dificuldade de nossas crianças em
aprender a ler e a escrever, especialmente na escola pública.
Visando a enfrentar esse problema e auxiliar "os novos" a adentrarem no
mundo público da cultura letrada, essas disputas em torno dos métodos de
alfabetização vêm engendrando uma multiplicidade de tematizações, normatizações
e concretizações, caracterizando-se como um importante aspecto
dentre os muitos outros envolvidos no complexo movimento histórico de
constituição da alfabetização como prática escolar.

Dada tal complexidade e considerando tanto os objetivos deste evento quanto


as urgências específicas deste momento histórico, optei por fazer delimitações no
tema proposto para esta conferência, enfatizando, na história dos métodos de
alfabetização: a disputa pela hegemonia de determinados métodos na situação
paulista, devido ao caráter modelar que se buscou imprimir às iniciativas
educacionais desse estado, a partir dos anos de 1890; e o período compreendido
entre as décadas finais do século XIX e os dias atuais, uma vez que, a partir da
proclamação da República, iniciou-se processo sistemático de escolarização das
práticas de leitura e escrita.

ALFABETISMO/LETRAMENTO E ESCOLA

Para discutir letramento, seja ele escolar ou não, é imprescindível que se tenha
claro o viés que perpassa estes estudos. Soares (2012) usa, no livro
alfabetização e letramento, o termo ―alfabetismo‖ em lugar de letramento,
discorrendo sobre o tema de forma a indicar alguns pressupostos que
eventualmente podem direcionar as pesquisas e reflexões em torno do fenômeno,
independente do vocábulo usado. Atualmente o uso da palavra letramento se
tornou corrente. Com o embate entre denominações, e tendo esse já sido superado,
as questões propostas por Soares já na primeira edição da obra citada, lançada em
2003, ainda sob o termo ―alfabetismo‖.
Conforme Soares (2012, p. 33), [...] o alfabetismo não se limita pura e
simplesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos; implica também, e
talvez principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura
e a escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto social específico.
Compreender como essas práticas e estratégias da escola ocorrem na relação
dialética com a teoria, e conhecer outras práticas de letramento externas ao universo
escolar e a relação que se dá entre elas é também o nosso objetivo.
Ainda segundo a autora, dependendo do contexto e da ideologia que
perpassam as ações de letramento, ele pode servir tanto para a libertação,
emancipação, como para a alienação dos sujeitos.
Diferente da alfabetização, conforme Mortatti (2004), cujo processo pode ser
marcado como algo definido porque há um produto resultante dela, saber ler e
escrever, ainda que seja também, como já foi dito, um processo e, portanto, variável,
o letramento é um continuum que envolve um processo permanente, cujo produto final
não se pode definir nem prefixar.
Assim, considerando as intencionalidades do processo de letramento, e
considerando também que este é permanente, contínuo, torna-se interessante
discutir o quanto o letramento está relacionado à escola, que tipo de letramento é
esse (escolar) e como ele se dá além dos muros dessa instituição que tomou para si
um fenômeno social muito mais amplo do que é possível para um espaço tão
controlado.
Kleiman (2007, p. 1) contribui, nesse sentido, para a compreensão de como o
letramento foi se inserindo nas escolas, talvez mais como conceito do que como
práticas o conceito foi aos poucos infiltrando-se no discurso escolar, contrariamente
ao que a criação do novo termo pretendia: desvincular os estudos da língua escrita
dos usos escolares, a +m de marcar o caráter ideológico de todo uso da língua escrita
e distinguir as múltiplas práticas de letramento da prática de alfabetização, tida como
única e geral, mas apenas uma
das práticas de letramento da nossa sociedade embora possivelmente a mais
importante agência de letramento, a
instituição escolar.
Sob essa perspectiva, o termo que
pretendia, pela sua diferenciação, ampliar o
olhar para um fenômeno que não se
restringe à escola, faz-se presente em toda
a sociedade letrada e acaba sendo
apropriado por essa instância. É importante
observar, nas palavras de
Kleiman, que a autora lembra que mesmo não sendo o letramento exclusivo da
escola, essa é talvez a agência de letramento mais importante em nossa sociedade.
Essa compreensão leva a discutir as relações entre o que acontece dentro da escola
e o que está fora, em se tratando de letramento, permeando o que será feito em
seguida.

PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO

Antes de refletir sobre o letramento escolar e o não escolar, o que,


inevitavelmente se fará abordando eventos e práticas de letramento, é importante
que a significação desses termos seja esclarecida. Assim, parte-se da seguinte
definição: Um evento de letramento é uma situação comunicativa em que os sujeitos
que dela tomam parte se envolvem em atividades da vida social que usam ou
pressupõem o uso da língua escrita. Os eventos de letramento são colaborativos,
pois os diferentes saberes dos sujeitos que neles estão envolvidos
são mobilizados no momento adequado, em função dos objetivos comuns dos
participantes. (SILVEIRA et al., 2012, p. 46).
Street (2010) também explica que um evento é caracterizado quando se pode
afirmar que há uma atividade em que haja escrita, ao passo em que práticas são
constituídas a partir do momento em que seja possível afirmar que há padrões nos
eventos, ou seja, conjuntos de eventos de letramento com um certo padrão formam
práticas de letramento.
Quais são os eventos de letramento que
ocorrem dentro da escola e fora dela? Como são
constituídas as práticas de letramento escolares e as
não escolares? Outra distinção importante para a
discussão proposta é feita a partir de Street (2010), que
explica a diferença entre o modelo autônomo de
letramento e o ideológico, afirmando que no primeiro
considera-se o letramento independentemente do
contexto, como algo separado, por isso ―autônomo.
Já no modelo ideológico, são consideradas as relações e os envolvimentos sociais,
por isso não se pode falar em um único letramento, os letramentos são múltiplos, e
a escolha por uma variedade é também ideológica.
Para Mortatti (2004), o modelo autônomo de letramento ainda prevalece nas
escolas, pois nesse espaço a aquisição da leitura e da escrita é tida muitas vezes
como um processo neutro, que não considera o contexto e o meio social do aluno.
Sob essa perspectiva, pode-se distinguir o letramento escolar do que a autora chama
de letramento social. Para ela, o mais adequado [...] seria distinguir letramento
escolar, que ocorre na escola e não é sinônimo de alfabetização, e letramento não
escolar, que ocorre fora da escola, mas é também social, pois o contexto escolar é
parte do contexto social.
Dessa forma, não se pode negar que o letramento escolar também é social,
se a escola for considerada, como realmente é, uma instituição social, parte de um
contexto maior.
Para discutir a diferença entre os letramentos escolar e não escolar, Mortatti
(2004) lembra a importância dos conceitos de eventos e práticas de letramento, pois
esses conceitos são a base para essa diferenciação. Segundo Mortatti (2004,
p. 113), diferentemente do que ocorre na vida cotidiana, a escola, ao
automatizar as atividades de leitura e escrita, cria eventos e práticas de letramento,
mas com natureza, objetivos e concepções que são específicos do contexto escolar.
Talvez por serem criados especificamente para fins escolares, esses eventos
e práticas levem ao modelo autônomo de letramento. Nesse sentido, seria
interessante que a escola considerasse os letramentos não escolares, dos quais os
alunos participam no dia a dia para aproximar seus eventos e suas práticas,
criados para fins de letramento, do contexto de vida dos alunos, para que suas ações
sejam mais significativas.
De acordo com Kleiman (2007, p. 4) é na escola, agência de letramento por
excelência de nossa sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar
formas de participação nas práticas sociais letradas.
Nesse mesmo sentido, Silveira et al. (2012, p. 46) explicam: Os eventos de
letramento não estão circunscritos ao âmbito escolar, porém é a escola uma das mais
importantes agências de letramento de nossa sociedade letrada, e cabe a ela criar
espaços para que o educando possa experimentar formas de participação (eventos
de letramento) nas práticas sociais letradas.
Assim, a escola pode proporcionar situações de aprendizagem significativa
fazendo uso de eventos de letramento considerados não escolares. Além disso, é
importante destacar que diante dessa perspectiva espera-se que a escola considere
e valorize os usos da língua escrita que os alunos trazem de seu cotidiano.
Para Kleiman (2007), a escola tem a oportunidade de desenvolver atividades
relativas à leitura e escrita bastante significativas, visto que na escola existem (ou
deveriam existir) possibilidades de experimentação que estão ausentes de situações
mais tensas e competitivas como as do local de trabalho.
Assim, os letramentos não escolares poderiam ser levados para a escola,
considerando, que essa está na sociedade, não é um aparte, e por isso mesmo pode
desenvolver suas atividades de forma mais contextualizada. Para que isso seja
possível, é imprescindível que professores e demais membros da instituição escolar
conheçam esse contexto com o qual estão lidando, e no qual estão também
inseridos.
ESCOLA E ALFABETIZAÇÃO

Em nosso país, desde o final do século XIX, especialmente com a


proclamação da República, a educação ganhou destaque como uma das utopias da
modernidade. A escola, por sua vez, consolidou-se como lugar necessariamente
institucionalizado para o preparo das novas gerações, com vistas a atender aos
ideais do Estado republicano, pautado pela necessidade de instauração de uma nova
ordem política e social; e a universalização da escola assumiu importante papel como
instrumento de modernização e progresso do Estado-Nação, como principal
propulsora do esclarecimento das massas iletradas.
No âmbito desses ideais republicanos, saber ler e escrever se tornou
instrumento privilegiado de aquisição de saber/esclarecimento e imperativo da
modernização e desenvolvimento social. A leitura e a escrita Que até então eram
práticas culturais cuja aprendizagem se encontrava restrita a poucos e ocorria por
meio de transmissão assistemática de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou
de maneira menos informal, mas ainda precária, nas poucas escolas do Império
(aulas régias) tornaram-se fundamentos da escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto
de ensino e aprendizagem escolarizados. Caracterizando-se como tecnicamente
ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas a
ensino organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação
de profissionais especializados.
Desse ponto de vista, os processos de ensinar e de aprender a leitura e a
escrita na fase inicial de escolarização de crianças se apresentam como um
momento de passagem para um mundo novo para o Estado e para o cidadão :
o mundo público da cultura letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos
entre si, com a natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que
instaura, enfim, novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir.
No entanto, especialmente desde as últimas duas décadas, as evidências que
sustentam originariamente essa associação entre escola e alfabetização vêm sendo
questionadas, em decorrência das dificuldades de se concretizarem as promessas e
os efeitos pretendidos com a ação da escola sobre o cidadão. Explicada como
problema decorrente, ora do método de ensino, ora do aluno, ora do professor, ora
do sistema escolar, ora das condições sociais, ora de políticas públicas, a recorrência
dessas dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa histórica fundamental não é,
porém, exclusiva de nossa época.
Decorridos mais de cem anos desde a implantação, em nosso país, do modelo
republicano de escola, podemos observar que, desde essa época, o que hoje
denominamos fracasso escolar na
Alfabetização se vem impondo como problema
estratégico a demandar soluções urgentes e
vem mobilizando administradores públicos,
legisladores do ensino, intelectuais de
diferentes áreas de conhecimento, educadores
e professores.
Desde essa época, observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da
necessidade de superação daquilo que, em cada momento histórico, considerava-
se tradicional nesse ensino e fator responsável pelo seu fracasso. Por quase um
século, esses esforços se concentraram, sistemática e oficialmente, na questão dos
métodos de ensino da leitura e escrita, e muitas foram as disputas entre os que se
consideravam portadores de um novo e revolucionário método de alfabetização e
aqueles que continuavam a defender os métodos considerados antigos e
tradicionais. A partir das duas últimas décadas, a questão dos métodos passou a ser
considerada tradicional, e os antigos e persistentes problemas da alfabetização vêm
sendo pensados e praticados predominantemente, no âmbito das políticas públicas,
a partir de outros pontos de vista, em especial a compreensão do processo de
aprendizagem da criança alfabetizanda, de acordo com a psicogênese da língua
escrita.
A QUESTÃO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Analisando, com base em fontes documentais, em relação à questão dos


métodos de ensino inicial da leitura e escrita, desde as décadas finais do século XIX,
vamos dividir esse período em quatro momentos cruciais, cada um deles
caracterizado pela disputa em torno de certas tematizações, normatizações e
concretizações relacionadas com o ensino da leitura e escrita e consideradas novas
e melhores, em relação ao que, em cada momento, era considerado antigo e
tradicional nesse ensino. Em decorrência dessas disputas, tem-se, cada um desses
momentos, a fundação de uma nova tradição relativa ao ensino inicial da leitura e
escrita.
Apresentaremos a seguir cada um
desses quatro momentos cruciais com as
respectivas disputas pela hegemonia de
determinados métodos de alfabetização e,
dentre outros múltiplos aspectos neles
observáveis, menciono o papel
desempenhado pelas cartilhas, que, dada sua
condição de instrumento privilegiado de concretização dos métodos e conteúdos de
ensino, permanecem no tempo e permitem recuperar aspectos importantes dessa
história, contribuindo significativamente para a criação de uma cultura escolar e para
a transmissão da(s) tradição (ões).

1º MOMENTO- A METODIZAÇÃO DO ENSINO DA LEITURA


Até o final do Império brasileiro, o ensino carecia de organização, e as poucas
escolas existentes eram, na verdade, salas adaptadas, que abrigavam alunos de
todas as séries e funcionavam em prédios pouco apropriados para esse fim; eram as
aulas régias, já mencionadas. Em decorrência das precárias condições de
funcionamento, nesse tipo de escola o ensino dependia muito mais do empenho de
professor e alunos para subsistir. E o material de que se dispunha para o ensino da
leitura era também precário, embora, na segunda metade do século XIX, houvesse
aqui algum material impresso sob a forma de livros para fins de ensino de leitura,
editados ou produzidos na Europa. Habitualmente, porém, iniciava-se o ensino da
leitura com as chamadas cartas de ABC" e depois se liam e se copiavam documentos
manuscritos.
Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha
sintética (da "parte" para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das
letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão
de sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a
apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus
sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de
acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras
ou os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler
palavras formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se
frases isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e
ortografia, e seu
ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das
letras.
As primeiras cartilhas brasileiras, produzidas no final do século XIX
sobretudo por professores fluminenses e paulistas a partir de sua experiência
didática, baseavam-se nos métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de
silabação) e circularam em várias províncias/estados do país e por muitas décadas.
Em 1876, data que elegi como marco inicial do primeiro momento crucial
nessa história, foi publicada em Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura,
escrita pelo poeta português João de Deus. A partir do início da década de 1880, o
método João de Deus‖ contido nessa cartilha passou a ser divulgado sistemática e
programaticamente principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito Santo,
por Antônio da Silva Jardim, positivista militante e professor de português da Escola
Normal de São Paulo.
Diferentemente dos métodos até então habituais, o método João de Deus ou
método da palavração baseava-se nos princípios da moderna linguística da época
e consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir
dos valores fonéticos das letras. Por essas razões, Silva Jardim considerava esse
método como fase científica e definitiva no ensino da leitura e fator de progresso
social.
Esse 1o. momento se estende até o início da década de 1890 e nele tem início
uma disputa entre os defensores do "método João de Deus" e aqueles que
continuavam a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da
silabação. Com essa disputa, funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve
necessariamente uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar
metodicamente, relacionado com o que ensinar; o ensino da leitura e escrita é
tratado, então, como uma questão de ordem didática subordinada às questões de
ordem linguística (da época).

2º MOMENTO – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MÉTODO ANALÍTICO


A partir de 1890, implementou-se a reforma da instrução pública no estado de
São Paulo. Pretendendo servir de modelo para os demais estados, essa reforma se
iniciou com a reorganização da Escola Normal de São Paulo e a criação da Escola
Modelo Anexa; em 1896, foi criado o Jardim da Infância nessa escola. Do ponto de
vista didático, a base da reforma estava nos novos métodos de ensino, em especial
no então novo e revolucionário método analítico para o ensino da leitura, utilizado na
Escola-Modelo Anexa (à Normal), onde os normalistas desenvolviam atividades
"práticas" e onde os professores dos grupos escolares (criados em 1893) da capital
e do interior do estado deveriam buscar seu modelo de ensino.
A partir dessa primeira década republicana, professores formados por essa
escola normal passaram a defender programaticamente o método analítico para o
ensino da leitura e disseminaram-no para outros estados brasileiros, por meio de
missões de professores paulistas. Especialmente mediante a ocupação de cargos na
administração da instrução pública paulista e a produção de instruções normativas,
de cartilhas e de artigos em jornais e em revistas pedagógicas, esses professores
contribuíram para a institucionalização do método analítico, tornando obrigatória sua
utilização nas escolas públicas paulistas. Embora a maioria dos professores das
escolas primárias reclamasse da lentidão de resultados desse método, a
obrigatoriedade de sua utilização no estado de São Paulo perdurou até
se fazerem sentir os efeitos da autonomia didática proposta na "Reforma Sampaio
Dória" (Lei 1750, de 1920).
Diferentemente dos métodos de marcha
sintética até então utilizados, o método analítico, sob
forte influência da pedagogia norte-americana,
baseava-se em princípios didáticos derivados de
uma nova concepção de caráter biopsicofisiológico
da criança, cuja forma de apreensão do mundo era
entendida como sincrética. A despeito das disputas
sobre as
diferentes formas de processuação do método analítico, o ponto em comum entre
seus defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa
nova concepção de criança.
De acordo com esse método analítico, o ensino da leitura deveria ser iniciado
pelo todo, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas. No entanto,
diferentes se foram tornando os modos de processuação do método, dependendo
do que seus defensores consideravam o todo: a palavra, ou a sentença, ou a
"historieta". O processo baseado na "historieta" foi institucionalizado em São Paulo,
mediante a publicação do documento Instrucções praticas para o ensino da leitura
pelo methodo analytico – modelos de lições. (Diretoria Geral da Instrução Pública/SP
– [1915]). Nesse documento, priorizava-se a "historieta" (conjunto de frases
relacionadas entre si por meio de nexos lógicos), como núcleo de sentido e ponto de
partida para o ensino da leitura.
As cartilhas produzidas no âmbito do 2o. momento na história da
alfabetização, especialmente no início do século XX, passaram a se basear
programaticamente no método de marcha analítica (processos da palavração e
centenciação), buscando se adequar às instruções oficias, no caso paulista.
Iniciou-se, assim, uma acirrada disputa entre partidários do então novo e
revolucionário método analítico para o ensino da leitura e os que continuavam a
defender e utilizar os tradicionais métodos sintéticos, especialmente o da silabação.
Concomitantemente a essa disputa, teve lugar uma outra relativa aos diferentes
modos de processuação do método analítico, dentre as quais se destaca a travada
entre os professores paulistas e o fluminense João Köpke.
Nesse 2o. momento, que se estende até aproximadamente meados dos anos
de 1920, a ênfase da discussão sobre métodos continuou incidindo no ensino inicial
da leitura, já que o ensino inicial da escrita era entendido como uma questão de
caligrafia (vertical ou horizontal) e de tipo de letra a ser usada (manuscrita ou de
imprensa, maiúscula ou minúscula), o que demandava especialmente treino,
mediante exercícios de cópia e ditado. É também ao longo desse momento, já no
final da década de 1910, que o termo alfabetização começa a ser utilizado para se
referir ao ensino inicial da leitura e da escrita.
As disputas ocorridas nesse 2o. momento fundam uma outra nova tradição:
no o ensino da leitura envolve enfaticamente questões didáticas, ou seja, o como
ensinar, a partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras da criança
a quem ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de
ordem didática subordinada às questões de ordem psicológica da criança.

3º MOMENTO – A ALFABETIZAÇÃO SOB MEDIDA

Em decorrência da autonomia didática proposta pela "Reforma Sampaio


Dória" e de novas urgências políticas e sociais, a partir de meados da década de
1920 aumentaram as resistências dos professores quanto à utilização do método
analítico e começaram a se buscar novas propostas de solução para os problemas
do ensino e aprendizagem iniciais da leitura e da escrita.
Os defensores do método analítico continuaram a utilizá-lo e a propagandear
sua eficácia. No entanto, buscando conciliar os dois tipos básicos de métodos de
ensino da leitura e escrita (sintéticos e analíticos), em várias tematizações e
concretizações das décadas seguintes, passaram-se a utilizar: métodos mistos ou
ecléticos (analítico-sintético ou vice-versa), considerados mais rápidos e eficientes.
A disputa entre os defensores dos métodos sintéticos e os defensores dos métodos
analíticos não cessaram; mas o tom de combate e defesa acirrada que se viu nos
momentos anteriores foi-se diluindo gradativamente, à medida que se acentuava a
tendência de relativização da importância do método e, mais restritamente, a
preferência, nesse âmbito, pelo método global (de contos), defendido mais
enfaticamente em outros estados brasileiros.
Essa tendência de relativização da importância do método decorreu
especialmente da disseminação, repercussão e institucionalização das então novas
e revolucionárias bases psicológicas da alfabetização contidas no livro Testes ABC
para verificação a maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita (1934),
escrito por M. B. Lourenço Filho. Nesse livro, o autor apresenta resultados de
pesquisas com alunos de 1o grau (atual 1ª série do ensino fundamental), que realizou
com o objetivo de buscar soluções para as dificuldades de nossas crianças no
aprendizado da leitura e escrita. Propõe, então, as oito provas que compõem os
testes ABC, como forma de medir o nível de maturidade necessária ao aprendizado
da leitura e escrita, a fim de classificar os alfabetizandos, visando à organização de
classes homogêneas e a racionalização e eficácia da alfabetização.
Desse ponto de vista, a importância do método de alfabetização passou a ser
relativizada, secundarizada e considerada tradicional. Observa-se, no entanto,
embora com outras bases teóricas, a permanência da função instrumental do ensino
e aprendizagem da leitura, enfatizando-se a simultaneidade do ensino de ambas, as
quais eram entendidas como habilidades visuais, auditivas e motoras.
Também a partir dessa época,
aproximadamente, as cartilhas passaram a se
basear predominantemente em métodos
mistos ou ecléticos (analítico-sintético e vice-
versa) e começaram a se produzir os manuais
do professor acompanhando as cartilhas,
assim como se disseminou a ideia e a prática
do período preparatório. Vai-se,
assim, constituindo um ecletismo processual e conceitual em alfabetização, de
acordo com o qual a alfabetização (aprendizado da leitura e escrita) envolve
obrigatoriamente uma questão de medida, e o método de ensino se subordina ao
nível de maturidade das crianças em classes homogêneas. A escrita continuou sendo
entendida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica, que devia ser
ensinada simultaneamente à habilidade de leitura; o aprendizado de ambas
demandava um período preparatório, que consistia em exercícios de discriminação
e coordenação viso-motora e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre
outros.
Nesse 3o. momento, que se estende até aproximadamente o final da década
de 1970, funda-se uma outra nova tradição no ensino da leitura e da escrita: a
alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordinado à maturidade
da criança a quem se ensina; as questões de ordem didática, portanto, encontram-
se subordinadas às de ordem psicológica.

4º MOMENTO – ALFABETIZAÇÃO: CONSTRUTIVISMO E


DESMETODIZAÇÃO

A partir do início da década de 1980,


essa tradição passou a ser sistematicamente
questionada, em decorrência de novas
urgências políticas e
sociais que se fizeram acompanhar de propostas de mudança na educação, a fim de
se enfrentar, particularmente, o fracasso da escola na alfabetização de crianças.
Como correlato teórico metodológico da busca de soluções para esse problema,
introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista sobre alfabetização, resultante
das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita desenvolvidas pela
pesquisadora argentina Emília Ferreiro e colaboradores. Deslocando o eixo das
discussões dos métodos de ensino para o processo de aprendizagem da criança
(sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não como um método novo,
mas como uma revolução conceitual, demandando, dentre outros aspectos,
abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o processo de
alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas.
A partir de então, verifica-se, por parte de autoridades educacionais e de
pesquisadores acadêmicos, um esforço de convencimento dos alfabetizadores,
mediante divulgação massivas de artigos, teses acadêmicas, livros e vídeos,
cartilhas, sugestões metodológicas, relatos de experiências bem-sucedidas e ações
de formação continuada, visando a garantir a institucionalização, para a rede pública
de ensino, de certa apropriação do construtivismo.
Inicia-se, assim, uma disputa entre os partidários do construtivismo e os
defensores quase nunca confessos, mas atuantes especialmente no nível das
concretizações dos tradicionais métodos (sobretudo o misto ou eclético), das
tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de maturidade com fins de
classificação dos alfabetizandos, engendrando-se um novo tipo de ecletismo
processual e conceitual em alfabetização. Quanto aos métodos e cartilhas de
alfabetização, os questionamentos de que foram alvo parecem ter sido
satisfatoriamente assimilados, resultando: na produção de cartilhas construtivistas ou
socioconstrutivistas ou construtivistas-interacionistas; na convivência destas
com cartilhas tradicionais e,
mais recentemente, com os
livros de alfabetização, nas
indicações oficiais e nas
estantes dos professores,
muitos dos quais alegam tê-las
apenas para consulta quando
da preparação de suas aulas; e no ensino e aprendizagem do modelo de leitura e
escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo quando os professores dizem seguir uma
linha construtivista ou interacionista e seus alunos não utilizarem diretamente esse
instrumento em sala de aula.
De qualquer modo, nesse momento, tornam-se hegemônicos o discurso
institucional sobre o construtivismo e as propostas de concretização decorrentes de
certas apropriações da teoria construtivista. E tem-se, hoje, a institucionalização, em
nível nacional, do construtivismo em alfabetização, verificável, por exemplo, nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), dentre tantas outras iniciativas recentes.
Nesse 4º momento ainda em curso , funda-se uma outra nova tradição: a
desmetodização da alfabetização, decorrente da ênfase em quem aprende e o como
aprende a língua escrita (lecto-escritura), tendo-se gerado, no nível de muitas das
apropriações, um certo silenciamento a respeito das questões de ordem didática e,
no limite, tendo-se criado um certo ilusório consenso de que a aprendizagem
independe do ensino.

É importante ressaltar, no entanto, que, também na década de 1980, observa-


se a emergência do pensamento interacionista em alfabetização, que vai
gradativamente ganhando destaque e gerando uma espécie de disputa entre seus
defensores e os do construtivismo. Essa nova disputa, por sua vez, foi-se diluindo, à
medida que certos aspectos de certa apropriação do interacionismo foram sendo
conciliados com certa apropriação do construtivismo; essa conciliação, pelo que
posso observar até o momento, foi subsumida no discurso institucional sobre
alfabetização.
E, dentre a multiplicidade de problemas que enfrentamos hoje a respeito do
ensino inicial da leitura e escrita, as dificuldades decorrentes, em especial, da
ausência de uma didática construtivista vêm abrindo espaço para a tentativa, por
parte de alguns pesquisadores, de apresentar "novas" propostas de alfabetização
baseadas em antigos métodos, como os de marcha sintética.
Devo, ainda, mencionar, pelo menos, dentre essa multiplicidade de aspectos,
as discussões e propostas em torno do letramento, entendido ora como
complementar à alfabetização, ora como diferente desta e mais desejável, ora como
excludentes entre si.

MODERNIDADES EM ALFABETIZAÇÃO

Ao longo do período histórico abordado nos tópicos anteriores, observa-se a


recorrência discursiva da mudança, marcada pela tensão constante entre modernos
e antigos, no âmbito da disputa pela hegemonia de determinados métodos de
alfabetização.
A mudança proposta em cada um dos quatro momentos cruciais exigiu sempre
uma operação de diferenciação qualitativa em relação ao que era sentido como
passado (recente) em cada um desses momentos, mediante a reconstituição
sintética desse passado, a fim de homogeneizá-lo e esvaziá-lo de qualidades e
diferenças, identificando-o como portador do antigo indesejável, decadente e
obstáculo ao progresso , e buscando-se definir o novo melhor e mais desejável ora
contra, ora independente em relação ao antigo, mas sempre a partir dele.
Para viabilizar a mudança, tornou-se, portanto, necessário, em cada um dos
quatro momentos cruciais, produzir uma versão do passado e desqualificá-la, como
se se tratasse de uma herança incômoda, que impõe resistências à fundação do
novo, especialmente quando a filiação decorrente (embora, muitas vezes, não
assumida) da tradição atuante no presente (e, em particular, a tradição decorrente
de um passado recente, sentido como presente, porque operante no nível das
concretizações) ameaça fazer voltarem à cena os mesmos personagens do passado,
que seus herdeiros desejam esquecer, rever ou aprimorar.
No entanto, se houve desejos de mudanças assim como mudanças efetivas,
ao longo dessa história se podem encontrar, também, permanências e semelhanças
indicadoras de continuidades entre os quatro momentos cruciais.
Dentre essas semelhanças e permanências, podem-se observar, por
exemplo, as relacionadas: com a "questão dos métodos", uma vez que, mesmo
postulando a mudança dos métodos de alfabetização, no âmbito dessa querela os
sujeitos se movimentam em torno de um mesmo eixo — a eficácia da alfabetização
é uma questão de métodos —; e com as concretizações impostas pelas cartilhas de
alfabetização, que vão sedimentando, concomitantemente a uma cultura escolar,
certas concepções de língua/linguagem, alfabetização, métodos e conteúdos desse
ensino de leitura e escrita.

Ou, ainda, dentre essas semelhanças e permanências, pode-se observar que,


mesmo se propondo o deslocamento do eixo das discussões dos métodos de
ensino para o nível de maturidade ou o processo de aprendizagem do alfabetizando,
justificado por outras tendências em psicologia como é o caso das resultantes das
pesquisas de Lourenço Filho e das desenvolvidas por Ferreiro e colaboradores,
permanece a psicologia como base teórica com função diretora no ensino da leitura
e da escrita. Ou se podem observar, também, as semelhanças e filiações entre as
várias tendências em psicologia que se apresentam como diferentes entre si,
encontrando-se, porém, algumas delas, assentadas em bases epistemológicas
comuns.
É possível, então, pensar que, no ritmo desse complexo movimento histórico
da alfabetização no Brasil, marcado pela questão dos métodos, a despeito das
mudanças efetivamente ocorridas, a desejada ruptura com a tradição se processa,
muitas vezes, no interior de um quadro de referências tradicional e, por vezes, ao
nível das superestruturas, apenas, indicando a continuidade, no tempo, de certos
ideais centrados na concepção de educação como esclarecimento fim não atingido,
que permanece como parâmetro primeiro a demandar ajustes e meios cada vez mais
eficazes, em cujo âmbito se vai consolidando o interesse pela alfabetização como
área estratégica e cada vez mais autônoma (ainda que limitada) para a objetivação
de projetos políticos e sociais decorrentes de urgências de cada época, ao mesmo
tempo em que se vão produzindo reflexões e saberes que configuram o movimento
de escolarização do ensino e aprendizagem da leitura e escrita e de sua constituição
como objeto de estudo/pesquisa, evidenciando a alfabetização como o signo mais
complexo da relação problemática entre educação e modernidade. Enquanto suposto
e prometido resultado da ação da escola e enquanto rito de iniciação na passagem
do mundo privado para o mundo público da cultura e da linguagem, o ensino
aprendizagem da língua escrita na fase inicial de escolarização de crianças se torna
índice de medida e testagem da eficiência, da ação modernizadora da educação
contra a "barbárie".
É possível, enfim, pensar que, sob o signo da modernidade, ou seja, do tempo
histórico ao longo do qual se observa o movimento aqui apresentado, coexistem
diferentes modernidades, no que se refere à alfabetização, de acordo com o modo
como, em cada um dos momentos: produziram-se o sentimento e a consciência do
tempo então presente; pretendeu-se, com a verdade científica e definitiva,
constitutiva da busca incessante daquele sentido moderno da escola e da educação,
preencher a lacuna entre seu passado e futuro; e buscaram-se os
sentidos do ler e escrever, para se enfrentarem as dificuldades de nossas crianças
em adentrar no mundo público da cultura letrada.

REFERÊNCIAS

BAKHTIN, Mikhail. M. Os gêneros do discurso. In: BAKHTIN, Mikhail. M. Estética


da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1979. 396 p.p.248-293
BAYNHAM, Mike. Literacy Practices. Investigating literacy in social contexts.
Londres: Longman, 1995. 283 p
BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A Reprodução. Elementos para uma
teoria do sistema de ensino. 2ª. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975. 238
p. BRASIL Ministério de Educação. Secretaria de Educação Fundamental.
Parâmetros Curriculares Nacionais. 1º. e 2º. Ciclos: Língua Portuguesa. Brasília:
MEC:SEF, 1997. 144 p.
BRASIL Ministério de Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros
Curriculares Nacionais. 3º. e 4º. Ciclos: Língua Portuguesa. Brasília: MEC:SEF,
1998. 106 p.
COSTA, Deborah C. P. A construção de gêneros secundários na educação infantil.:
a emergência dos gêneros Notícia e Verbete. 140 f. Dissertação (Mestrado) Curso
de Pós graduação em Linguística Aplicada, Unicamp, Campinas, São Paulo, 2001.
CUNHA, Rosana C. da. Jornal escolar: raio de ações, rede de significações. Da
formação do aluno à formação do professor. 55 f. Projeto de Tese (Qualificação em
Linguística Aplicada) Programa de Pós-graduação em Linguística Aplicada.
Unicamp, Campinas, 2007.
CUNHA, Rosana C. O Jornal Escolar: Instrumento para a formação crítica e cidadã.
Revista Intercâmbio. São Paulo: PUC, v. 18, a sair 2008.
DEWEY, John. Experience and Education. New York: Simon and Schuster: A
Touchstone Edition, 1997, 1a.ed 1938; 91 p.
FREINET, C. O jornal escolar. Lisboa. Estampa, 1976. 136 p.
FREIRE, Paulo. Ação cultural para a liberdade. R.J.: Paz e Terra, 1976. 149 p.
GUIMARÃES, Maria Flora. Por uma proposta de articulação de leitura e escrita como
práticas sociais. 141 f. Dissertação (Mestrado), Curso de Pós-graduação em Filologia
e Língua Portuguesa, USP, São Paulo, 1999.
HEATH, Shirley B. Critical factors in literacy development, In: CASTELL, S.; LUKE,
A.; EGAN, K. (Orgs.) Literacy, society and schooling: a reader. Cambridge:
Cambridge University Press, 1986. 352 p. p.209-229.
HEATH, Shirley B. Ways With Words. Cambridge, Cambridge University Press, 1983.
421 p.
HERNÁNDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho.
Porto Alegre: Artes Médicas, 1998, 200 p.
KLEIMAN, Angela B. Modelos de letramento e as práticas de alfabetização na
escola‖. In: KLEIMAN, Angela B. (Org.). Os significados do letramento. Campinas,
S.P.: Mercado de Letras, 1995. 294 p. p. 15-61.
KLEIMAN, Angela B. O processo de aculturação pela escrita: ensino da forma ou
aprendizagem da função? In: KLEIMAN, Angela B.; SIGNORINI, I. (Orgs.) O ensino
e a formação do professor. Alfabetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artmed,
2000. 248 p. p. 223-243.
KLEIMAN, Angela B. Letramento e formação do professor: quais as práticas e
exigências no local de trabalho? In: KLEIMAN, Angela. B. (Org.) A formação do
Professor. Perspectivas da Linguística Aplicada. Campinas: Mercado de Letras,
2001. 342 p. p. 3968.
KLEIMAN, Angela B. Preciso ―ensinar‖ o letramento? Não basta ensinar a ler e
escrever? Campinas: Cefiel - Unicamp; MEC, 2005. 60 p.
KLEIMAN, Angela B. Professores e agentes de letramento: identidade e
posicionamento social. Revista Filologia e Linguística Portuguesa, no. 08, 2006a, p.
409-424.
KLEIMAN, Angela B. Processos identitários na formação profissional: o professor
como agente de letramento. In: CORRÊA, Manoel L. G; BOCH, Françoise. (Orgs.).
Ensino de Língua: representação e letramento. Campinas: Mercado de Letras,
2006b. 232 p. p. 7591.
MACEDO, Maria do Socorro. Interações nas práticas de letramento. O uso do livro
didático e da metodologia de projetos. São Paulo: Martins Fontes, 2005. 306p.
MATENCIO, Maria de Lourdes Meirelles. Referenciação e retextualização de textos
acadêmicos: um estudo do resumo e da resenha. Anais do III Congresso
Internacional da ABRALIN. Rio de Janeiro: UFRJ. 2003, p. 110-120.
OLIVEIRA, Maria do Socorro. Projetos: uma prática de letramento no cotidiano do
professor de língua materna. In: OLIVEIRA, Maria do Socorro; KLEIMAN, Angela B.
(Orgs.) Letramentos múltiplos: agentes, práticas, representações. Natal: EDUFRN,
no prelo.
SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola.
Campinas: Mercado de Letras, 2004,278 p.
STREET, Brian V. Literacy in theory and practice. Cambridge, Cambridge University
Press, 1984. 242 p.
TÁPIAS-OLIVEIRA, Eveline M. Construção identitária profissional no Ensino
Superior: prática diarista e formação do professor. 211 f. Tese (Doutorado) Programa
de Pós graduação em Linguística Aplicada, Unicamp, Campinas, 2006.
TINOCO, Glícia Azevedo. Linguagem escrita como instrumento de legitimação de
cidadania. In: SOARES, Maria Elias (Org.). Pesquisas em linguística e literatura:
descrição, aplicação, ensino. Fortaleza: Universidade Federal do Ceará. Programa
de Pós-Graduação em Linguística: Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste,
2006a, p. 419-422.
TINOCO, Glícia Azevedo. Projetos de ensino como alternativa didática de articulação
entre saberes acadêmicos e saberes experenciais de professores em formação.
Revista do GELNE - Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste. João Pessoa v. 8,
n. 1/2, p. 191206, 2006b.
SCRIBNER, Sylvia; COLE, Michael. The Psychology of Literacy. Cambridge, Mass.
Harvard University Press, 1981, 335 p.
VIGOTSKY, L.S.1984. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
168 p.
KLEIMAN, Ângela B. Processos identitários na formação profissional: o professor
como agente de letramento. In: CORRÊA, Manoel Luiz Gonçalves; BOCH, Françoise
(Org.). Ensino de língua: representação e letramento. Campinas – SP: Mercado de
Letras, 2006.
. Letramento e suas implicações para o ensino de língua materna. Signo.
Santa Cruz do Sul, v. 32 n. 53, p. 1-25, dez, 2007.
MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Letramento, alfabetização, escolarização e
educação. In: MORTATTI, Maria do Rosário Longo (Org.). Educação e letramento.
São Paulo: UNESP, 2004. p. 89-116.
SILVEIRA, Ana Paula Kuczmynda da et al. A análise dialógica dos gêneros do
discurso e os estudos de letramento: glossário para leitores iniciantes. Florianópolis:
DIOESC, 2012.
SOARES, Magda. Alfabetização e letramento. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
STREET, Brian. Os novos estudos sobre o letramento: histórico e perspectivas.
In: MARINHO, Marildes; CARVALHO, Gilcinei
Teodoro (Org.). Cultura escrita e letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010.
TRIVINÕS, Augusto Nibaldo Silva. Introdução à pesquisa em ciências sociais: a
pesquisa qualitativa em educação. São Paulo: Atlas, 2010.

Você também pode gostar