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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 3

OS CONTEÚDOS CURRICULARES NA PERSPECTIVA SOCIAL DOS USOS DA


ESCRITA.................................................................................................................................... 5

DA PRÁTICA SOCIAL AO PROJETO DE LETRAMENTO .................................... 12

PARA CONCLUIR, A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: OS MESMOS PRINCÍPIOS


.................................................................................................................................................. 17

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DA


LÍNGUA ................................................................................................................................... 21

LETRAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO .................................. 32

ALFABETISMO/LETRAMENTO E ESCOLA .......................................................... 33

PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO .......................................................... 35

ESCOLA E ALFABETIZAÇÃO ................................................................................. 38

A QUESTÃO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO .......................................... 40

1º MOMENTO- A METODIZAÇÃO DO ENSINO DA LEITURA........................... 41

2º MOMENTO – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MÉTODO ANALÍTICO ........ 43

3º MOMENTO – A ALFABETIZAÇÃO SOB MEDIDA ........................................... 45

4º MOMENTO – ALFABETIZAÇÃO: CONSTRUTIVISMO E


DESMETODIZAÇÃO ............................................................................................................. 47

MODERNIDADES EM ALFABETIZAÇÃO ............................................................. 50

REFERÊNCIAS............................................................................................................ 54
INTRODUÇÃO

Vamos agora para os estudos do letramento que têm como objeto de


conhecimento os aspectos e os impactos sociais do uso da língua escrita (KLEIMAN,
1995). De origem acadêmica, o conceito foi aos poucos infiltrando-se no discurso
escolar, contrariamente ao que a criação do novo termo pretendia: desvincular os
estudos da língua escrita dos usos escolares, a fim de marcar o caráter ideológico de
todo uso da língua escrita (STREET, 1984) e distinguir as múltiplas práticas de
letramento da prática de alfabetização, tida como única e geral, mas apenas uma das
práticas de letramento da nossa sociedade, embora possivelmente a mais importante,
até mesmo pelo fato de ser realizada pela também mais importante agência de
letramento, a instituição escolar.
Talvez tenha sido o contraste estabelecido
entre alfabetização e letramento, desde quando o
conceito começou a circular no Brasil, em meados
da década de 80, o que limitou a relevância e o
impacto do conceito de letramento para o ensino e a
aprendizagem aos primeiros anos de contato do
aluno com a língua escrita, ou seja, àquele período
em que o discente está em processo de aquisição
dos fundamentos do código da língua escrita.
Assim, enquanto professores alfabetizadores se
preocupam com as melhores formas de tornar os seus alunos letrados, os professores
de língua materna se preocupam com as melhores formas de introduzirem os gêneros,
criando-se aí uma falsa dicotomia, pois o aluno da quarta, sexta ou oitava série do
ensino fundamental, assim como o aluno de ensino médio está também, ao longo de
seu processo de escolarização, em processo de letramento. Aliás, nesse processo, estão
todos os que utilizam a língua escrita em seu cotidiano.
Confrontado com novas necessidades de uso da escrita devido a uma promoção
ou a uma mudança de emprego que lhe exija escrever textos até então não elaborados
por ele, o empregado pergunta a colegas se há modelos desses textos nos arquivos,
analisa os textos disponíveis e, assim, forma algumas representações sobre o que
estaria envolvido naquela produção. Com base nesse material, tenta uma primeira
versão do texto que deve produzir, mostra o resultado a colegas, escuta seus

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comentários e faz outra versão se necessário for. No processo, esse profissional está
formando uma representação do gênero desconhecido, a qual é social, mas também
individual e única. São os gêneros as matrizes sociocognitiva e culturais
(MATENCIO, 2003) que permitem participar de atividades letradas das quais nunca
antes se participou.
Esse modo de agir em situações novas, característico da aprendizagem, deveria
ser particularmente verdadeiro nas situações de aprendizagem escolar, pois na escola
existem (ou deveriam existir) possibilidades de experimentação que estão ausentes de
situações mais tensas e competitivas como as do local de trabalho. Por exemplo,
Tápias Oliveira (2006) relata uma experiência de formação em que se solicitou aos
estudantes, no primeiro ano do curso de Letras, que elaborassem diários de
aprendizagem registrando os momentos marcantes do processo: impressões e
sentimentos sobre os momentos mais difíceis, interessantes, incompreensíveis das
aulas. Frente à tarefa de, praticamente, ter de inventar o gênero, havia alunos que
produziam exemplares mais próximos ao diário íntimo e confessional, como
exemplifica o trecho a seguir: Tenho uma certa dificuldade em ouvir o que o outro
pensa, se pensa diferente de mim, e deixá-lo ir até o fim, permitindo que conclua seu
raciocínio /.../.. Isso é uma coisa que me angustia um pouco aqui no Curso e sei que
preciso trabalhar, até por que, isso será importante para que eu me sinta membro do
grupo. (TÁPIAS- OLIVEIRA, 2006, p. 82)
Alguns procuravam na correspondência epistolar o modelo do gênero: E[nome
do professor], “eu gostaria que você fizesse mais atividades como essa (leitura de
exploração), pois é muito importante. Através dessas análises vou compreendendo
melhor toda a sua matéria dada” (TÁPIAS-OLIVEIRA, 2006, p.95); já outros
encontravam em textos mais próximos do relatório o modelo satisfatório para registrar
suas impressões: “[o debate é] de suma importância, pois através desse debate é que
podemos esclarecer muitas dúvidas existentes e fazer ligação com conceitos já
estudados” (TÁPIAS-OLIVEIRA, 2006, p. 144).
No contexto do ensino fundamental, Guimarães (1999) relata uma experiência
ao longo de três anos (da 5ª a 7ª série) em que os alunos, frente a uma situação
comunicativa de ter que recomendar, ou não, um livro que tivessem lido aos seus
colegas de turma, experimentaram diversos gêneros até chegarem ao que pode ser
reconhecido como uma resenha padrão (resumo, análise crítica, recomendação ou
rejeição). Nas primeiras tentativas, na quinta série, produziam textos mais próximos da

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oralidade, alguns que a autora descreve como bilhetes, como em...eu ri muito enquanto
eu lia o livro principalmente quando ele foge de casa.
O que? Você não sabe do que estou falando?
Então vá depressa a uma livraria para comprar o livro e saber do que estou
falando. Você vai adorar /.../. (GUIMARÃES, 1999, p. 77)
Já na sétima série, no terceiro ano do projeto, os alunos produziam de fato
resenhas, como o trecho a seguir, retirado de uma delas, ilustra:
Aidan MacFarlane e Ann Mepherson, escritores da Inglaterra, especializados
em problemas de saúde na vida escolar fizeram um grande sucesso, chegando a
transformar as histórias de seus livros em séries da TV inglesa.
“O diário de Susie” descreve um diário de uma adolescente de 16 anos que
queria superar o irmão /..../. Em seu diário ela escreve sobre muitas coisas.
Destacaremos alguns como problemas familiares e escolares, paixões, sexo e drogas.
/.../
“O diário de Susie” é uma boa leitura para pessoas de várias idades pois há
bastante conteúdo com diferentes assuntos que interessam a todos. (GUIMARÃES,
1999, p. 88)
Acredito que é na escola, agência de letramento por excelência de nossa
sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar formas de participação
nas práticas sociais letradas e, portanto, acredito também na pertinência de assumir o
letramento, ou melhor, os múltiplos letramentos da vida social, como o objetivo
estruturante do trabalho escolar em todos os ciclos.

OS CONTEÚDOS CURRICULARES NA PERSPECTIVA SOCIAL DOS


USOS DA ESCRITA

Assumir o letramento como objetivo do ensino no contexto dos ciclos escolares


implica adotar uma concepção social da escrita, em contraste com uma concepção de
cunho tradicional que considera a aprendizagem de leitura e produção textual como a
aprendizagem de competências e habilidades individuais. A diferença entre ensinar
uma prática e ensinar para que o aluno desenvolva individualmente uma competência
ou habilidade não é mera questão terminológica. Em instituições como a escola, em
que predomina a concepção da leitura e da escrita como conjunto de competências,
concebesse a atividade de ler e escrever como um conjunto de habilidades

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progressivamente desenvolvidas, até se chegar a uma competência leitora e escritora
ideal, a do usuário proficiente da língua escrita. Os estudos do letramento, por outro
lado, partem de uma concepção de leitura e de escrita como práticas discursivas, com
múltiplas funções e inseparáveis dos contextos em que se desenvolvem.
Na perspectiva social da escrita que vimos discutindo, uma situação
comunicativa que envolve atividades que usam ou pressupõem o uso da língua escrita
─ um evento de letramento ─ não se diferencia de outras situações da vida social:
envolve uma atividade coletiva, com vários participantes que têm diferentes saberes e
os mobilizam (em geral cooperativamente) segundo interesses, intenções e objetivos
individuais e metas comuns. Contrasta essa concepção com a que subjaz às práticas de
uso da escrita dentro da escola que, em geral, envolvem a demonstração da capacidade
do indivíduo para realizar todos os aspectos de determinados eventos de letramento
escolar, sejam eles soletrar, ler em voz alta, responder perguntas oralmente ou por
escrito, escrever uma redação, fazer um ditado, analisar uma oração, fazer uma
pesquisa. Daí não serem raros os relatos de atividades escolares que envolvem escrever
uma carta de reclamação ou reivindicação a alguma autoridade, na qual cada um dos
alunos, individualmente, faz a sua própria carta, em vez de unirem os esforços para
produzirem coletivamente uma carta assinada por todos os membros da turma ou um
abaixo-assinado da comunidade (escola, bairro, cidade) a que pertence a turma. Isso
porque, mesmo focando um problema relevante para a cidadania e para a vida cívica,
não era a resolução do problema – conseguir que o governo atendesse à reivindicação -
o objetivo da atividade, mas, simplesmente, a aprendizagem do gênero carta
argumentativa ou reivindicatória.
A prática social como ponto de partida e de chegada implica, por sua vez, uma
pergunta estruturante do planejamento das aulas diferente da tradicional, que está
centrada nos conteúdos curriculares: “qual a sequência mais adequada de apresentação
dos conteúdos? ”. A importância dos conteúdos para a formação do professor não pode
ser suficientemente enfatizada. Entretanto, o conteúdo é alvo: ele representa os
comportamentos, procedimentos, conceitos que se visa desenvolver no aluno. Não
deve ser entendido, parece-me, como princípio organizador das atividades curriculares.
Vejamos por quê.
Nos primeiros anos do primeiro ciclo do ensino fundamental, visa-se apresentar
ao aprendiz todos os aspectos do sistema ortográfico da língua e serão os diversos
aspectos desse sistema os conteúdos a serem ensinados. Isso não significa, entretanto,

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que o professor deva planejar suas aulas de modo a apresentar primeiro o alfabeto,
logo as sílabas abertas (ba be bi), depois os encontros consonantais (bra bre ) e as
sílabas fechadas (bar ber ) e assim sucessivamente, com base num roteiro de
apresentação dos diversos elementos desse sistema, desde as sílabas tidas como mais
simples e as regularidades até as “dificuldades ortográficas” da tradicional cartilha
(que todo professor conhece).
Nesse ciclo, os conteúdos correspondem, basicamente, ao conjunto de saberes e
conhecimentos requeridos em práticas sociais letradas como as de medição, cálculos
de volume, elaboração de maquetes, mapas e plantas (conteúdos matemáticos) e
àqueles necessários para a participação em práticas discursivas de leitura e produção
de textos de diversos gêneros. Para poder ler e escrever, o aluno precisa reconhecer e
usar componentes relativos ao domínio do código, como a segmentação em palavras e
frases, as correspondências regulares de som-letra, as regras ortográficas, o uso de
maiúsculas, assim como componentes relativos ao domínio textual, tais como o
conjunto de recursos coesivos de conexão, de relação temporal, de relação causal.
Nada disso seria relevante se o aluno não conseguisse também atribuir sentidos aos
textos que lê e escreve segundo os parâmetros da situação comunicativa (BRASIL,
1997)
Porém, em toda situação comunicativa que envolve o uso da língua escrita ─
em todo evento de letramento ─ há a necessidade de tudo isso e, portanto, SEMPRE
surge a oportunidade para o professor focalizar de forma sistemática algum conteúdo,
ou seja, de apresentar materiais para o aluno chegar a perceber uma regularidade,
praticar repetidas vezes um procedimento, buscar uma explicação. Nesse caso, o
movimento será da prática social para o ‘conteúdo’ (procedimento, comportamento,
conceito) a ser mobilizado para poder participar da situação, nunca o contrário, se o
letramento do aluno for o objetivo estruturante do ensino.
Quando o conteúdo (qualquer que seja) não constitui o elemento estruturante
do currículo, a pergunta que orienta o planejamento das atividades didáticas deixa de
ser “qual é a sequência mais adequada de apresentação dos conteúdos linguísticos,
textuais ou enunciativos? ” Porque o professor, com conhecimento pleno dos
conteúdos do ciclo e ciente de sua importância no processo escolar, passa então a fazer
uma pergunta de ordem sócio histórica e cultural: “quais os textos significativos para o
aluno e sua comunidade? ”.
Aliás, no ensino da leitura e da produção de textos representativos de

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determinada prática social, a facilidade e a dificuldade de aprendizagem não dependem
apenas da relação letra-som, ou da presença ou ausência de dígrafos, encontros
consonantais e outras “dificuldades ortográficas”, ou da presença de elementos
coesivos mais, ou menos conhecidos do aluno. Dependem, sobretudo, do grau de
familiaridade do aluno com os textos pertencentes aos gêneros mobilizados para
comunicar-se em eventos que pressupõem essa prática. As letras, sílabas, palavras e
frases não são unidades perceptíveis quando o sistema passa a ser ensinado a partir de
elementos salientes, tanto verbais como não verbais, que se destacam nos textos
(manchetes, títulos, ilustrações).
Nessa perspectiva, os elementos pontuais “mais difíceis”, ensinados
tardiamente na progressão tradicional, podem aparecer em qualquer etapa do processo,
desde que sejam aprendidos dentro de um contexto significativo. O dígrafo e o ditongo
na palavra “dinossauro”, por exemplo, não são os elementos que vão impedir uma
criança de desenvolver uma pesquisa escolar sobre esse animal se essa criança estiver
de fato interessada e a atividade bem orientada.
O relato de experiência de Guimarães (1999), em que crianças de quinta série
foram paulatinamente aproximando-se do gênero resenha, também aponta para a
pertinência da abordagem do letramento de atentar para a prática social relevante para
o aluno nos últimos ciclos do ensino fundamental como objetivo estruturante das
atividades curriculares.
Na experiência citada, é claro que era o gênero resenha o objetivo conteudístico
do ensino, mas era a prática social, própria da instituição escolar – recomendar livros
para os colegas da turma – o eixo estruturante das atividades. Tivesse sido o gênero
resenha o elemento estruturante, os alunos talvez fossem submetidos a aulas sobre o
gênero, com sequências explicativas e demonstrações sobre como abordar os temas,
que tipo de linguagem utilizar, como estruturar o texto, quais os elementos
composicionais constitutivos desse gênero (BAKHTIN, 1979). Em vez disso, os
alunos foram experimentando com base nos gêneros que já conheciam e, aos poucos,
foram inferindo os elementos relevantes para escrever seus textos, apoiando-se nas
práticas de ler livros, recomendá-los ou criticá-los (informalmente) para um público
conhecido, ouvir e ler comentários críticos de seus colegas, ler resenhas publicadas,
revisar seus textos, reescrevê-los com base nos comentários dos colegas e, sobretudo,
da professora, que certamente tinha em mente, para guiá-los nesse processo, o
conteúdo visado.

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Nos PCN para o ensino da língua portuguesa nesses mesmos ciclos (5ª a 8ª
série), também são detalhados conteúdos procedimentais relevantes para “a
constituição da proficiência discursiva e linguística do aluno” (BRASIL, 1998, p. 53).
Um deles, relacionado à prática de leitura de textos escritos, é a “seleção de
procedimentos de leitura em função dos diferentes objetivos e interesses do sujeito
(estudo, formação pessoal, entretenimento, realização de tarefa) e das características do
gênero e suporte” (BRASIL, 1998, p. 57). São detalhados, dentre os procedimentos
possíveis, vários tipos de leitura, tais como:
• leitura inspecional: utilizar expedientes de escolha de textos para leitura
posterior;
• leitura tópica: identificar informações pontuais no texto, localizar
verbetes em um dicionário ou enciclopédia;
• leitura de revisão: identificar e corrigir, num texto dado, determinadas
inadequações em relação a um padrão estabelecido

No caso em discussão, os alunos necessariamente desenvolvem e mobilizam


estratégias diferenciadas de leitura segundo as demandas da situação. Diversos tipos de
saberes, valores, ideologias, significados, recursos e tecnologias, entre eles os saberes
estratégicos, precisam ser mobilizados nas práticas de letramento (BAYNHAM, 1995;
SCRIBNER e COLE, 1981; KLEIMAN, 1995; 2006a). O aluno que elabora um
bilhete recomendando um livro e justificando sua recomendação faz uma ‘leitura
inspecional’ quando seleciona, na biblioteca, um livro para leitura, ou quando procura,
no caderno infantil do jornal, a página que traz resenhas de livros; ele faz também uma
‘leitura tópica’, de detalhes, quando volta ao livro lido para copiar uma informação
específica que deseja incluir na sua recomendação ou resenha; faz, ainda, uma ‘leitura
de revisão’ quando lê seu próprio texto antes de torná-lo público.
A prática social não pode senão viabilizar o ensino do gênero, pois é seu
conhecimento o que permite participar nos eventos de diversas instituições e realizar as
atividades próprias dessas instituições com legitimidade. Numa instituição como a
escola, que, conforme Heath (1986) aponta, supervaloriza as atividades analíticas, a
adoção de qualquer conceito linguístico, textual ou enunciativo, como estruturador das
atividades curriculares, leva quase que inevitavelmente à transformação da atividade ─
aprender o gênero para agir em sociedade ─ em uma atividade metalinguística:
analisar os textos do gênero para aprender como está formado ou para aprender a

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escrever textos segundo o modelo. Saber elaborar uma resenha quando necessário,
segundo os parâmetros da situação comunicativa, é um tipo de conhecimento
radicalmente diferente de saber sobre o que trata uma resenha, qual o grau de
formalidade da linguagem usada, quais as suas partes. O primeiro pressupõe o
segundo, mas o contrário não é verdade.
Assim, o professor que adotar a prática social como princípio organizador do
ensino enfrentará a complexa tarefa de determinar quais são essas práticas
significativas e, consequentemente, o que é um texto significativo para a comunidade.
A atividade é complexa porque ela envolve partir da bagagem cultural diversificada
dos alunos que, antes de entrarem na escola, já são participantes de atividades
corriqueiras de grupos que, central ou perifericamente, com diferentes graus e modos
de participação (mais autônomo, diversificado, prestigiado ou não), já pertencem a
uma sociedade tecnologizada e letrada.
Uma das grandes dificuldades de implantação de um programa que vise ao
desenvolvimento linguístico-discursivo do aluno por meio da prática social reside na
incompatibilidade dessa concepção com a concepção dominante do currículo como
uma programação rígida e segmentada de conteúdos, organizados sequencialmente do
mais fácil ao mais difícil.
Quais seriam os conteúdos a serem ensinados primeiro quando o elemento
estruturador do currículo é a prática social? As práticas de letramento certamente
alteram a lógica tradicional de organização dos conhecimentos. Não são os gêneros
necessariamente unidades que podem ser ordenadas segundo a ideia de que alguns
conteúdos são necessários para a compreensão de outros, embora possa argumentar-se
que há gêneros orais que podem ajudar a manejar os gêneros escritos, ou que os
gêneros que Bakhtin (1979) denomina primários deveriam ser conhecidos em suas
formas inalteradas, anteriores ao seu uso nos gêneros secundários complexos quando,
segundo o autor, perdem suas relações imediatas com a realidade social.
A resposta para a questão da natureza e progressão dos conteúdos, premente
para o cotidiano do professor na escola tradicional, não é evidente.
Uma possibilidade de resposta é tipológica. A perspectiva social não pode
eximir-se de focalizar o impacto social da escrita, particularmente as mudanças e
transformações sociais decorrentes das novas tecnologias e novos usos da escrita, com
seus reflexos no homem comum. Esse foco necessariamente amplia a concepção do
que venha a ser objeto de leitura, antes reservada para os textos literários ─ na verdade,

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os textos extraordinários de poucos ─ passando a incluir os textos do cotidiano, os
textos comuns do dia-a-dia. De fato, eles têm valor pedagógico de destaque quando
são utilizados como recursos pedagógicos para construir a auto segurança do aluno
quanto à sua capacidade de ler e escrever: listas, bilhetes, receitas, avisos, letreiros,
“outdoors”, placas de rua, crachás, camisetas e buttons de transeuntes, enfim, a escrita
ambiental em sua enorme variedade amplia significativamente o acervo de textos mais
legíveis, devido à sua curta extensão e à complementação do sentido via imagens
acessíveis e imediatamente compreensíveis.
Outro aspecto que me parece relevante para a seleção curricular é a função do
texto na vida social do aluno, convidando também a ampliação do conjunto de textos
de modo a incluir gêneros próprios do cotidiano do aluno. Embora os textos das
instituições públicas de prestígio forneçam, de direito, grande parte do acervo a ser
incluído, também os textos que circulam em outras esferas, como os da intimidade
doméstica (bilhetes, recados e cartas pessoais; contas, extratos e cheques; exames,
laudos e carteiras de vacinação, boletins de notas e diplomas) podem vir a ser
incluídos: o aluno pode escrever sua história familiar fazendo legendas e notas para as
fotos de um álbum de família e consultando certidões; pode ler e recortar anúncios;
pode fazer os registros de saúde, de educação etc. dos membros da família, se estiver
aprendendo modos de arquivar e registrar informações, pode ainda agendar, rotular. As
funções da escrita no cotidiano, mesmo que limitadas e finitas, introduzem práticas
arquivais, identitárias, de contato e comunicativas, assim como gêneros que terão uma
vida muito útil em muitas outras práticas sociais.
Visando à ampliação do acervo de textos circulantes na sala de aula, Costa
(2001) relata os resultados de uma experiência de uso de textos pertencentes a dois
gêneros do cotidiano escolar e familiar realizada com crianças na pré-escola, bem antes
da época em que esses textos seriam introduzidos no ensino. O projeto introduzia a
leitura do verbete de enciclopédia e a notícia de jornal a crianças de cinco e seis anos,
ainda não alfabetizadas, visando à familiarização da criança com a leitura (pelo
professor, em rodas de leitura) e produção de textos (coletiva, com o professor de
escriba) desses gêneros.
As crianças utilizavam seus conhecimentos de contos infantis para se
apropriarem desses gêneros: ao fazerem hipóteses sobre uma notícia a partir da foto
jornalística, por exemplo, elas resvalavam do relato factual próprio da notícia (“é uma
velhinha com cachorros, está indo para a feira”) para a historinha maravilhosa: “a vó

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estava indo na feira comprar ração para os cachorros e no caminho encontrou um lobo
mau, ele comeu tudinho a vó só deixou o chapéu dela” (COSTA, 2001, p. 134-136).
Transição semelhante acontecia quando as crianças se debruçavam nas páginas
da enciclopédia infantil de animais – a figura do elefante na página motivava o início
de uma historinha sobre esse animal (era uma vez um elefante que....), na qual era
introduzida em seguida a personagem da foca, seguida da girafa, do hipopótamo, etc.
A trama começava a incomodar o pequeno narrador à medida que novos verbetes com
novos animais apareciam, obrigando a criança a introduzir mais e mais “personagens”
na sua história: sabemos que são justamente esses momentos de desconforto entre o
conhecimento anterior e o novo que detonam a percepção das diferenças entre os
gêneros e a aprendizagem (VIGOTSKY, 1984).
Gêneros que circulam nesses dois domínios ─ lar e escola ─ são fortes
candidatos a elementos básicos, fundamentais para a progressão curricular. Entretanto,
mais do que usar a lógica dos blocos fundamentais (básicos, primeiros) na construção
de conhecimentos, no ensino visando à prática social interessa conceber princípios
gerais para a organização do currículo, entendendo que as atividades de sala de aula,
ao envolverem a interação entre professor e aluno (s), e entre aluno (s) e aluno (s)
envolvem tal sorte de fatores de ordem social e pessoal que os resultados são
imprevisíveis.
Na concepção social da escrita, não é a progressão do mais fácil ao mais difícil
o que facilita ou dificulta a aprendizagem, até porque não é possível dizer, com
qualquer grau de segurança, o que torna algo fácil ou difícil a um indivíduo. Se, na
prática social, o aluno se depara com textos não simplificados, numa sala de aula em
que a prática social é estruturante, o aluno deveria também se deparar com os textos
que circulam na vida social: a facilitação, para que ele consiga vencer os obstáculos
que a leitura de tais textos pode apresentar, é o trabalho coletivo: no trabalho com seus
colegas, com diferentes saberes, pontos fracos e fortes, sob a orientação do docente.

DA PRÁTICA SOCIAL AO PROJETO DE LETRAMENTO

A participação em determinada prática social é possível quando o indivíduo


sabe como agir discursivamente numa situação comunicativa, ou seja, quando sabe
qual gênero do discurso usar. Por isso, é natural que essas representações ou modelos

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que viabilizam a comunicação na prática social – os gêneros – sejam unidades
importantes no planejamento. Isso não significa, entretanto, que a atividade da aula
deva ser organizada em função de qual gênero ensinar.
Se os alunos, no segundo ano do primeiro ciclo, começando a ler e escrever,
estão curiosos sobre a extinção dos dinossauros, essa curiosidade pode impulsioná-los
a aventurar-se pela Internet, ler verbetes de enciclopédias, visitar um museu de
ciências, entrevistar um cientista. Para realizar essas iniciativas, terão de adquirir
familiaridade com a leitura de hipertextos, de verbetes, com a produção de
questionários. O professor poderá, ao guiá-los na leitura e produção de textos
pertencentes a esses gêneros, chamar a atenção, explicar, exemplificar as
características dos textos. Tudo isso é bem diferente de definir de antemão que, neste
ano, serão ensinados hipertexto, verbete e entrevista, nessa ordem, independentemente
do interesse demonstrado pelo aluno e de outras circunstâncias particulares que
apontem a conveniência de uma mudança no planejamento.
A flexibilidade é crucial. Em uma iniciativa de formação continuada de
professores, solicitada pela direção e coordenação pedagógica de uma escola de ensino
fundamental e médio do interior paulista, propusemos, a partir de indicativos da
diretora e de uma das coordenadoras pedagógicas, um projeto de formação organizado
em torno de um projeto escolar para conseguir uma biblioteca para a escola. Após uma
meia dúzia de reuniões entre a equipe universitária e a equipe de professores da escola,
ficou evidente que a maioria dos professores não tinha interesse ou tempo para
participar de um processo de formação que propunha chegar ao objetivo por meio de
atividades que visassem ao letramento científico, matemático, informático do aluno,
cada qual trabalhando segundo sua especialidade, recursos e saberes. O planejamento
inicial foi, então, abandonado, porque trabalhar com base na nossa concepção de que
todos os professores são responsáveis pelo letramento do aluno requereria outros
trabalhos de formação inviáveis no momento.
Demos continuidade ao projeto apenas com os professores de língua
portuguesa; desta vez, acreditávamos que, unidos em torno da ideia de mobilizar a
comunidade escolar para viabilizar a biblioteca escolar, teríamos a participação dos
alunos em diversas práticas letradas visando a essa meta. Entretanto, durante as
reuniões com os professores de português, ficou claro para nós, da equipe
universitária, que havia duas concepções de projeto pedagógico em jogo. Para nós, o
projeto era uma iniciativa que permitiria integrar todos os conteúdos curriculares de

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língua portuguesa, das diversas séries participantes; para os professores, constituía uma
atividade complementar às atividades curriculares já planejadas: os professores
continuariam desenvolvendo seu programa, e o projeto da biblioteca seria realizado
quando e sempre que as atividades curriculares já programadas o permitissem.
Novamente, a equipe universitária precisou mudar o planejamento.
Convencidos de que o jornal escolar é um instrumento que permite a integração
curricular via participação cívica do aluno (FREINET, 1976; CUNHA, 2007; 2008),
sugerimos aos professores de língua portuguesa o engajamento dos alunos na produção
de um jornal escolar, com o primeiro número tematizando a ‘biblioteca’. Nesse jornal,
eles escreveriam textos dos gêneros planejados, ou seja, o jornal seria a ferramenta que
viabilizaria tanto a inserção dos alunos em práticas de letramento diversas quanto a
mobilização da comunidade em torno da necessidade de uma biblioteca escolar.
Havia condições materiais para o projeto ser concretizado: o jornal escolar é
um gênero familiar ao professor, a escola contava com computadores, muitos alunos
tinham familiaridade com a informática; tínhamos um programa de livre acesso para
elaboração de jornais. A ideia teve aceitação imediata por parte dos professores, que
apresentaram a proposta aos alunos, os quais, por sua vez, imediatamente a abraçaram
(CUNHA, 2007).
Na concepção de jornal que as duas equipes discutiram, as diferentes seções do
jornal estariam voltadas para a mobilização da comunidade para conseguir a biblioteca:
notícias e reportagens, entrevistas, editoriais, anúncios, cartas, notas. Todos esses
gêneros girariam em torno de temas relacionados à meta, tais como a história do livro,
arquitetura sustentável, mobília ergonômica, elaboração de catálogos, contato com
editoras, etc. Os objetivos específicos da equipe universitária ─ a formação do
professor via prática de projetos de letramento ─ e os dos professores do ensino médio
─ o ensino de diversos gêneros da argumentação mediante o ensino de sequências
didáticas ─ seriam cumpridos. Por fim, um planejamento viável, com o qual todos
estávamos de acordo.
Aconteceu, entretanto, que, quando os debates para organizar o trabalho para o
primeiro número jornal começaram, os alunos de ensino médio estavam indignados
por causa de uma série de medidas disciplinares tomadas pela direção da escola que, na
perspectiva deles, eram injustificáveis. Continuar com o projeto da biblioteca tornou-
se, de novo, inviável e, assim, a questão de regras, normas e responsabilidades
constituiu-se no grande tema que motivou reportagens, entrevistas, debates e editorias,

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permitindo que o professor apresentasse as sequências argumentativas objetivadas,
entre outros aspectos do gênero editorial, e que os alunos participassem coletivamente
segundo interesses e capacidades individuais.
A escolha do gênero como conteúdo relevante para o ensino não significa que o
gênero deva constituir-se no elemento estruturante das práticas sociais mobilizadas no
projeto, sob o risco de reduzir o objeto de ensino e o trabalho escolar aos seus aspectos
formais e analíticos, como já mencionamos.
A diferença é relevante. O programa Escrevendo o Futuro, financiado pela
Fundação Itaú e coordenado pela ONG paulista Cenpec, organizava um concurso que
premiava o melhor texto de cada um dos gêneros artigo de opinião, relato de memórias
ou poesia, de alunos de quartas e quintas séries das escolas participantes de todo o
país. Uma vez que o gênero era escolhido, várias ações formativas para o professor
eram iniciadas; uma delas consistia no envio de materiais didáticos para os professores
participantes, com descrições acuradas do gênero e de sequências didáticas
(SCHNEUWLY e DOLZ, 2004) para ensiná-lo. Os materiais cumpriam com
excelência os objetivos a que se propunham. Visando ao ensino do artigo de opinião,
por exemplo, uma das orientações era a de escolher, como tema para tal artigo, algum
assunto polêmico que estivesse afetando a comunidade a que pertence o aluno.
Numa amostra de 160 textos analisados (de um total de mil submetidos em
2006) a maioria reproduzia adequadamente aspectos composicionais do gênero: havia
neles expressão de uma opinião pessoal, em geral sobre algum problema, o que
implicava uma tomada de posição sobre um assunto. Entretanto, nem toda tomada de
posição é polêmica e suscita a necessidade de defesa da opinião. Posicionar-se contra o
problema da violência, ou da pobreza, ou do desperdício das fontes de energia, é lugar
comum. Os alunos que conseguiram, em diversos graus, aproximar-se da proposta e
escrever um artigo de opinião ─ foram aqueles indivíduos cuja escolha recaiu, de fato,
sobre alguma questão controversa que estava perturbando o tecido social. Em outras
palavras, foram os alunos que, confrontados com alguma situação que dividia a turma,
a escola ou a cidade, conseguiam pôr o gênero a serviço de sua necessidade de tomar
partido e de se manifestar politicamente, assim tornando um exercício de uso ─ ou
tentativa de uso do gênero ─ em uma prática social.
A concepção da escrita dos estudos de letramento pressupõe que as pessoas e
os grupos sociais são heterogêneos e que as diversas atividades entre as pessoas
acontecem de modos muito variados. Essa heterogeneidade não combina muito bem

15
com a aula tradicional, com um professor dirigindo-se a um aluno médio,
representativo da turma de trinta ou mais alunos interagindo apenas com o professor,
que é o falante privilegiado, foco da atenção de todos, o qual dá sua aula de acordo
com um currículo definido para todas as turmas do ciclo na escola ou no município,
porque um dia, nesse trimestre, semestre ou ano escolar, todos os alunos da turma
serão avaliados segundo parâmetros (também supostamente representativos dos
conhecimentos a serem atingidos na série ou no ciclo) definidos para toda a nação.
Por outro lado, os estudos do letramento nos mostram, e isto é muito
importante para a reflexão curricular, que os eventos de letramento exigem a
mobilização de diversos recursos e conhecimentos por parte dos participantes das
atividades. Isso significa que alguns eventos de letramento voltados para a resolução
de alguma meta da vida social criarão, sem dúvida alguma, inúmeras oportunidades de
aprendizagem para os participantes, todas elas diferentes entre si, segundo as
diferenças existentes entre os indivíduos participantes. Cabe ao professor destacar e
sistematizar aqueles aspectos que fazem parte de seu planejamento semestral, anual ou
cíclico, tantas vezes quanto forem necessárias, para o aluno adquirir confiança e
autonomia com relação ao conteúdo visado.
O projeto pedagógico (DEWEY, 1997; HERNANDEZ e VENTURA, 1998),
que pode abranger desde o grande projeto interdisciplinar da escola que atende a
interesses de diversas turmas até o trabalho em pequenos grupos de uma turma, pode
proporcionar a alunos heterogêneos quanto ao domínio da escrita, com trajetórias de
leitura e de produção textual diferentes, pelas diferentes experiências com que chegam
à escola, uma oportunidade de participação diferenciada e, por isso, é, na minha
opinião, uma prática didática ideal para organizar o trabalho escolar que leva a sério a
heterogeneidade dos alunos e que abre mão de pré-requisitos e progressões rígidas em
relação à apresentação de conteúdos curriculares.
Embora a escola organize suas atividades em torno de temas relevantes, é
interessante pensar nos projetos como projetos de letramento: planos de atividades
visando ao letramento do aluno. Assim, um projeto de letramento se constitui como
“um conjunto de atividades que se origina de um interesse real na vida dos alunos e
cuja realização envolve o uso da escrita, isto é, a leitura de textos que, de fato,
circulam na sociedade e a produção de textos que serão realmente lidos, em um
trabalho coletivo de alunos e professor, cada um segundo sua capacidade”
(KLEIMAN, 2000, p. 238). Isso significa que, seja qual for o tema e o objetivo do

16
projeto, ele necessariamente será analisado e avaliado pelo professor conforme o seu
potencial para mobilizar conhecimentos, experiências, capacidades, estratégias,
recursos, materiais e tecnologias de uso da língua escrita de diversas instituições cujas
práticas letradas proporcionam os modelos de uso de textos aos alunos.
É assim que um projeto de letramento de reciclagem de latinhas de alumínio se
distingue de uma campanha de reciclagem de latinhas feita pela associação de
moradores do bairro. No primeiro, o número de latas recolhidas pode ser motivador
para o aluno, mas para o professor a motivação para realizar as atividades reside nas
oportunidades que o projeto cria para fazer cálculos, computar, representar dados,
fazer campanhas publicitárias, preparar anúncios para o rádio, enfim, para motivar os
alunos a participarem de práticas letradas diversas e usarem a língua escrita. Já a
associação de moradores é movida por outros interesses, voltados para questões
ambientais e/ou financeiras.

PARA CONCLUIR, A FORMAÇÃO DO PROFESSOR: OS MESMOS


PRINCÍPIOS

É evidente que o papel do professor muda na perspectiva de ensino da


alfabetização e da língua materna voltada para a prática social. Um enfoque
socialmente contextualizado pode conceder ao professor autonomia no planejamento
das unidades de ensino e na escolha de materiais didáticos.
O professor assume, nesse caso, um lugar no sistema educacional como
profissional que decide sobre um curso de ação com base na observação, análise e
diagnóstico da situação. Quando o professor opta, ainda, por trabalhar com projetos,
ele passa a decidir questões relativas à seleção dos saberes e práticas que se situam
entre aqueles que são locais, funcionais para a vida na comunidade imediata dos alunos
e os que são socialmente relevantes para a participação na vida social de outras
comunidades e que, um dia, poderão ser utilizadas para a mudança e a melhoria do
futuro do próprio aluno e seu grupo. O professor pode decidir sobre a inclusão daquilo
que pode e deve fazer parte do cotidiano da escola, porque legítimo e/ou
imediatamente necessário, e, por outro lado, sobre a exclusão daqueles conteúdos
desnecessários e irrelevantes para a inserção do aluno nas práticas letradas que, parece-
nos, persistem por inércia e tradição e, por último, decide também sobre a negociação
daquilo que pode não interessar momentaneamente ao aluno, mas precisa ser ensinado

17
pela sua real relevância em nossa sociedade.
Uma mudança na atuação do professor depende, necessariamente, de mudanças
no curso universitário de formação. Uma delas é uma mudança na concepção da escrita
e nas atitudes em relação às práticas letradas, que sofrem um processo de naturalização
à medida que se avança no processo escolar. As transformações abrangem a dimensão
político-ideológica, uma vez que a naturalização da escrita obscurece o fato de os usos
da linguagem não serem neutros em referência às relações de poder na sociedade, o
que pode contribuir para a desigualdade e a exclusão, quando a aprendizagem da
língua escrita se torna mais uma barreira social para os alunos que não participaram de
práticas letradas na sua socialização primária, junto à família. O curso de formação
deve funcionar, dessa forma, como um espaço para a desnaturalização, para a
efetivação de um paulatino processo de desideologização da leitura e da escrita.
Um dos objetivos buscados nesse processo é o estranhamento em relação às
próprias práticas, que é necessário para perceber a dificuldade das atividades de uso da
língua escrita e evitar solicitações que podem não fazer sentido para o aluno, mas que
são tomadas como universais pela escola e outras instituições de prestígio. Por
exemplo, nos últimos anos, a receita, o bilhete, os rótulos passaram a frequentar o livro
didático e a sala de aula, sendo frequentemente utilizados para alfabetizar. Entretanto,
ensinar a um grupo de crianças a ler ou escrever uma receita, ou um rótulo, sem ter
construído um contexto que justifique sua leitura ou escrita, em atividades que
poderiam perfeitamente ser feitas com outros textos (não precisamos de um rótulo de
leite condensado para procurar o M de Moça, por exemplo) produz o efeito de uma
tarefa sem sentido e, portanto, muito mais difícil do que aprender a letra M na cartilha,
no contexto de muitas sílabas e palavras com essa letra.
Um efeito também contrário ao pretendido é às vezes produzido quando se
solicita ao aluno ler ou escrever uma receita ou uma instrução quando, primeiro, é
perfeitamente possível mostrar como fazer o prato ou como montar um brinquedo e,
segundo, esta última é a prática realizada na comunidade de origem do aluno. A
escritura de textos como receitas e instruções pode parecer natural para os grupos
altamente escolarizados, mas não são ações que pertencem à ordem natural das coisas:
trata-se de convenções não universais para registrar uma ação. Perceber essas
dificuldades potenciais não é fácil para o professor ou para qualquer um que já tenha
naturalizado a escrita como um outro sistema semiótico (além do gestual, oral,
imagético, etc.).

18
Partir das práticas letradas e das funções da escrita na comunidade do aluno
significa, entre outras coisas, distanciar-se de crenças arraigadas, como a
“superioridade” de toda prática letrada sobre a prática oral; aprender e ensinar a
conviver com a heterogeneidade, valorizar o diferente e o singular. Envolve agir como
interlocutor privilegiado entre grupos com diferentes práticas letradas e planejar
atividades que tenham por finalidade a organização e participação dos alunos em
eventos letrados próprios das instituições de prestígio, tais como ler textos literários,
científicos, jornalísticos, assistir a peças de teatro, escrever um livr(inh)o, fazer uma
exposição artística, organizar um sarau ou uma noite de autógrafos.
Uma disciplina importante para a transformação no curso de formação de
professores foi sugerida por Heath (1983), que propõe o trabalho de um professor
como o trabalho de um etnógrafo, particularmente quando ele ensina alunos de
comunidades com tradições de uso da língua escrita e da língua oral muito diferentes
daquelas dos grupos dominantes (estes últimos bem representados na escola). A
observação dos alunos, na sua grande heterogeneidade, proporciona pistas valiosas
sobre suas práticas sociais de origem, que podem auxiliar o professor na hora de
diagnosticar, planejar e avaliar os processos de ensino e de aprendizagem. Os saberes
construídos com base na observação acurada da situação podem ajudar a evitar
generalizações e a valorizar o singular na hora em que o aluno formula uma hipótese,
dá uma resposta, questiona uma informação, demonstra saberes que parecem estar na
contramão das hipóteses, respostas, informações e saberes escolares.
Sabendo que os alunos têm bagagens culturais diversificadas como membros
participantes de uma sociedade letrada, fica mais fácil para o professor permitir que os
alunos tomem parte de forma variada das situações, criem táticas diferentes para lidar
com suas limitações ou potencialidades na situação, aportem compreensões diferentes,
devido às suas aprendizagens extremamente variadas, antes mesmo de ocuparem os
bancos escolares e apesar das práticas homogeneizantes aprendidas na escola. Fica
mais difícil, para o professor que aprende e registra a cultura do outro, negar a
existência de práticas culturais diferentes e rejeitá-las a priori, o que torna menos
conflitiva a interação. Daí a pertinência da proposta de ensinar-se, no curso de
formação inicial ou continuada, princípios e técnicas para fazer observações
participantes e analisar as interações observadas, minimizando os filtros grafocêntricos
que impomos nas nossas interpretações do mundo social.
Também a relação com os conteúdos aprendidos no curso de formação é

19
mutável. Mais do que conceitos específicos a serem aprendidos, o curso deveria visar
ao letramento do professor para o local do trabalho, entendendo, assim, a escrita como
um elemento identitário da sua formação (KLEIMAN, 2001). Isso significa que, mais
do que a aprendizagem de determinados conceitos e procedimentos analítico-teóricos,
que mudam com as mudanças das teorias linguísticas e pedagógicas, interessa
instrumentalizar o professor para ele continuar aprendendo ao longo de sua vida e,
dessa forma, acompanhar as transformações científicas que tratam de sua disciplina e
dos modos de ensiná-la. Assim, a relação do professor com os conteúdos curriculares
se transforma: o currículo deixa de ser a camisa de força do trabalho escolar e passa a
ser visto como uma organização dinâmica de conteúdos que vale a pena ensinar (e que
podem mudar), que levam em conta a realidade local, seja ela da turma, da escola ou
da comunidade e que se estruturam segundo a prática social.
No ensino universitário, os projetos de letramento fornecem, como nos outros
níveis de ensino discutidos, um meio para instrumentalizar o professor para as novas
funções a serem exercidas, pois, como nos demais níveis, eles se organizam, nesse
contexto de formação, segundo as práticas sociais que são significativas para a vida
acadêmica e profissional, como apontam relatos de experiências de formação inicial ou
continuada que utilizam a pedagogia de projetos (TINOCO, 2006a; 2006b;
OLIVEIRA, no prelo).
Tinoco (2006b) descreve a realização de 14 projetos com foco em patrimônios
de cidades do agreste norte-rio-grandense por grupos de professores que cursavam a
disciplina de Estágio Supervisionado em um Programa de Qualificação Profissional
para a Educação Básica oferecido pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Sugeriu-se a esses professores em formação inicial, todos regentes de turmas nas suas
respectivas cidades, com longa experiência de sala de aula, que inscrevessem suas
turmas no Concurso Nacional Tesouros do Brasil, aberto a todos os estudantes de
ensino fundamental e médio do país, voltado para a valorização do patrimônio
brasileiro (Histórico-cultural, natural, artístico, afetivo).
O projeto de letramento de cada grupo de professores consistiu, assim, nas
aprendizagens necessárias ─ conceitos, práticas de leitura e escrita e gêneros ─ para
orientar os projetos de suas turmas. Por exemplo, uma vez escolhido o patrimônio, eles
deviam orientar a busca de dados em fotos, mapas, folhetos, jornais, enfim, todo tipo
de documento pertinente. Para poder ensinar seus alunos do ensino fundamental e
médio a escolher ou tirar fotos, os professores precisavam entender como funcionam

20
os textos multimodais. Para inscrever as turmas no concurso ou para orientar as
pesquisas das turmas, precisaram aprender a usar a Internet, e assim sucessivamente.
Cursos de Pedagogia e de Letras que visem ao letramento profissional por meio
da explicitação de modelos ressignificados em projetos formam professores cujo perfil
corresponde ao de um agente social: um indivíduo que se destaca pelas suas
capacidades mobilizadoras dos recursos e conhecimentos das comunidades (nesse
caso, de aprendizes) em que atua, segundo Kleiman (2006). São capacidades que
complementam e podem substituir, a contento, a posse de conteúdos e teorias
potencialmente obsolescentes.
O agente de letramento é capaz de articular interesses partilhados pelos
aprendizes, organizar um grupo ou comunidade para a ação coletiva, auxiliar na
tomada de decisões sobre determinados cursos de ação, interagir com outros agentes
(outros professores, coordenadores, pais e mães da escola) de forma estratégica e
modificar e transformar seus planos de ação segundo as necessidades em construção
do grupo.
A formação de um professor para atuar como agente de letramento faz novas e
diferentes exigências ao formador universitário: os saberes acadêmicos e a
familiaridade com diversas práticas de letramento, inclusive as acadêmicas, são ainda
importantes, mas essencial é a atitude de um professor, que, sabendo-se em contínuo
processo de letramento, aventura-se a experimentar e, com isso, a continuar
aprendendo com seus alunos, através de práticas letradas que motivam o grupo todo e
atendem, ao mesmo tempo, a interesses e objetivos individuais e, assim, formam
leitores, despertam curiosidades, dão segurança a escritores iniciantes. Para o professor
agir assim um dia, em sua prática, precisamos hoje, em seu processo de formação,
proporcionar modelos desse fazer.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA NO ENSINO DA


LÍNGUA

As discussões em torno do tema do ensino da


língua materna, nas séries iniciais, têm colocado em
confronto as expressões alfabetização e letramento,
não como uma mera disputa semântica, mas como

21
posições diferentes na abordagem teórico metodológica do ensino da língua.
Esta disputa teórico-prática, extremamente profícua, tem-nos obrigado a
analisar com mais profundidade os limites e possibilidades do processo de ensino-
aprendizagem, em uma e outra abordagem. Entretanto, cabe a preocupação com os
desvios e reducionismos, até certo ponto comuns quanto o embate em defesa do novo
encontra pela frente uma tradição muito arraigada. Nestas circunstâncias, não raro,
vale a tese da curvatura da vara, e os contendores levam ao paroxismo os elementos
divergentes de suas concepções.
No caso do embate alfabetização X letramento, vimos emergir uma crítica
necessária e acertada à alfabetização tradicional que descurava qualquer tratamento da
textualidade, centrando-se exclusivamente no ensino – fragmentado e mecanicista - do
código. Tal crítica se deu, entretanto, antes que se adensasse a divulgação de uma
concepção mais ampla que, superando os métodos tradicionais, resultasse em práticas
pedagógicas mais adequadas e mais exitosas. Disto resultou, em um primeiro
momento, entre os professores alfabetizadores, uma verdadeira “febre do texto”. A
chegada do texto às classes de alfabetização se fez, entretanto, em abordagens muito
precárias, em razão, quer nos parecer, do desconhecimento dos professores acerca dos
fundamentos que informam uma concepção que toma o texto como eixo do processo
de ensino aprendizagem da língua.
Ao mesmo tempo, uma outra dimensão deletéria desse momento foi o
abandono, puro e simples, do desenvolvimento de atividades relacionadas ao ensino do
código. Em consequência, o que se verificou foi um rebaixamento ainda maior dos
resultados da aprendizagem nas séries iniciais – aprendizagem esta já gravemente
dificultada por todas as questões sócio-políticas que interferem no processo
educacional e sobre as quais não discorreremos aqui.
Em suma, o que se verificou foi um abandono do ensino do código e,
paralelamente, um trabalho com o texto, como mero pretexto para o estudo de algumas
regras gramaticais, posto verificar-se, entre os professores, um ainda incipiente
domínio de um conhecimento científico adequado à nova abordagem proposta.
Nesse quadro, é de suma importância o adensamento da discussão sobre o
letramento enquanto concepção do ensino da língua que, sem descurar do trabalho com
o código, transcende os limites estreitos da alfabetização tradicional.
Antes, entretanto, de se discutir qualquer aspecto de tal concepção, há que se
clarear, ainda que em traços rápidos, a própria concepção de linguagem que se toma

22
como fundamento.
Começamos pela afirmação da natureza histórica e social da linguagem.
Efetivamente, a linguagem, invenção humana, nasce da necessidade que os homens
sentiram de, no processo de trabalho, comunicarem-se entre si, pois, para
estabelecerem relações de intercâmbio ou de cooperação exigidas pelo processo de
produção da existência, impões-lhes a necessidade de comunicar-se. Em decorrência
desta necessidade, produzem a linguagem.
Com o concurso da linguagem, entretanto, o homem não apenas consolida seus
laços societários como acumula conhecimentos - transmitindo informações – e, ainda,
produz a possibilidade da consciência propriamente humana. “A linguagem é tão
antiga quanto a consciência - a linguagem é a consciência real, prática...” ensinam
MARX e ENGELS (1998). E, mais adiante, “exatamente como a consciência, a
linguagem só aparece com a carência, com a necessidade dos intercâmbios com os
outros homens” (pp. 24-5).
De fato, a comunicação, entendida como expressão exterior das ideias, dos
sentimentos, do pensamento, é uma das funções mais importantes da linguagem, mas
não é a única. Outra função, igualmente importante, é a de permitir a representação
mental (ou psíquica) da realidade exterior, ao nível da abstração. Ao formularmos um
pensamento, recorremos ao uso da linguagem.
Como afirmam SPIRKINE e YAKHOT (1975): A unidade da linguagem e do
pensamento dimana da própria natureza do pensamento. O pensamento só se torna real
nas palavras. Enquanto está na cabeça do homem, está como morto, inacessível aos
outros homens.
Marx também disse que “a linguagem é a realidade imediata do pensamento”.
Mesmo quando pensamos em nós próprios revestimos os nossos pensamentos dum
invólucro verbal. Graças à linguagem, os pensamentos formam-se e transmitem-se aos
outros homens. E graças à escrita, transmitem-se duma geração a outra. Não se saberia
exprimir um pensamento abstrato senão por palavras.
Desde a mais tenra idade do homem, a sua consciência forma-se com base em
palavras, na linguagem, porque é com a ajuda da linguagem que se exprimem os
nossos pensamentos.
No decorrer deste processo, o pensamento alia-se intimamente à linguagem,
fenômeno próprio do homem. É impossível separar a consciência do pensamento, da
linguagem. A linguagem e o pensamento constituem uma unidade orgânica. ” (p. 54-

23
5).
Trata-se, neste caso, do pensamento verbal ou lógico-verbal, através do qual,
conforme LURIA (1979), o homem, baseando-se nos códigos da língua, consegue
ultrapassar os limites da percepção sensorial imediata do mundo exterior, refletir
conexões e relações complexas, elaborar conceitos e conclusões, bem como resolver
complexas tarefas teóricas.
Como já afirmamos, em outro trabalho, (KLEIN e SHAFASCHEK, 1990): (...)
é a linguagem enquanto possibilidade de representação, logo de abstração e
generalização das características do mundo exterior, que possibilita a passagem da
consciência sensível à consciência racional, da operação com objetos concretos para
operações com conceitos ou representações.
Nessa perspectiva, a linguagem não só liberta o homem da sua subordinação ao
concreto e imediato, permitindo-lhe operar na ausência dos objetos pela ação de uma
consciência capaz de discernimento e da abstração, como é responsável – juntamente
com o trabalho – pela própria formação das dificuldades que possibilitem a realidade
dessas operações. Dessa análise decorre uma constatação da maior importância: tanto a
linguagem como a consciência não são faculdades naturais do homem, não estão dadas
pela natureza, nem constituem um dom inato.
São, pelo contrário, fatos históricos, isto é, o resultado da ação coletiva que os
homens desenvolveram, no processo do trabalho, ao longo de sua história.
Assim sendo, nem a linguagem é imutável, única e acabada, nem os processos
de abstração e generalização permanecem invariáveis. Pelo contrário, determinados
que são pelo grau de desenvolvimento do trabalho – da mesma forma que determinam
alterações substanciais neste – apresentam-se de forma diversificada em diferentes
estágios socioeconômicos.
Ora, uma vez que a possibilidade de realização dos processos mentais mais
elaborados implica a dimensão simbólica da linguagem, não há dúvida de que a
aquisição e o domínio cada vez mais amplo desta, acarretará possibilidades
diferenciadas e, também, cada vez mais amplas de apreensão do conhecimento
historicamente a cumulado, demandando, portanto, o desenvolvimento daqueles
processos.
A linguagem, inicialmente colada à situação prática e aos gestos, foi avançado
em possibilidades de representação, exigidas pela complexificação das relações sociais
de trabalho, até a construção de um sistema de códigos capaz de transmitir qualquer

24
informação. Esse esforço, de emancipar a linguagem da situação concreta imediata,
ampliando seu grau de abstração, tem, na linguagem escrita o seu produto mais
desenvolvido” (p. 23-4).
O pensamento verbal é especialmente importante não só porque serve de base à
assimilação e ao emprego dos conhecimentos, como se constitui no meio fundamental
da complexa atividade cognitiva do homem, conforme esclarece LURIA (1979): O
pensamento que utiliza o sistema da língua, permite discriminar os elementos mais
importantes da realidade, relacionar a uma categoria os objetos e fenômenos que, na
percepção imediata, podem parecer diferentes, identificar aqueles fenômenos que,
apesar da semelhança exterior, pertencem a diversos campos da realidade; ele permite
elaborar conceitos abstratos e fazer conclusões lógicas, que ultrapassam os limites da
percepção sensorial; permite realizar os processos de raciocínio lógico e no processo
deste raciocínio descobrir as leis dos fenômenos que são inacessíveis à experiência
imediata; permite refletir a realidade de maneira imediatamente bem mais profunda
que a percepção sensorial imediata e coloca a atividade consciente do homem numa
altura incomensurável com o comportamento animal (p. 17-8).
Ou seja, também o conteúdo da consciência, na sua forma humana mais
desenvolvida, se estrutura como linguagem, isto é, através de signos.
BAKHTIN (1986) reitera essa mesma ideia, nos seguintes termos: “não
somente a atividade mental é expressa exteriormente com a ajuda do signo (assim
como nos expressamos para os outros por palavras, mímica ou qualquer outro meio),
mas, ainda, que para o próprio indivíduo, ela só existe sob a forma de signos. Fora
deste material semiótico, a atividade interior, enquanto tal, não existe” (p. 51), ou
ainda “a própria consciência só pode surgir e se afirmar como realidade mediante a
encarnação material em signos” (p. 33).
Por outro lado, posto ser constituído pelo concurso de signos (ou material
semiótico), o conteúdo psíquico é passível de ser expresso. É, ainda, BAKHTIN que
ensina: “toda atividade mental é exprimível, isto é, constitui uma expressão potencial.
Todo pensamento, toda emoção, todo movimento voluntário é exprimível. A função
expressiva não pode ser separada da atividade mental sem que se altere a própria
natureza desta. ” (Idem, p. 51).
Deste modo, o pensamento e a linguagem, embora distintos, mantêm entre si
uma unidade indissociável. Nessa unidade, não é a atividade mental que organiza a
expressão, mas é a linguagem, enquanto expressão, enquanto signo, enquanto material

25
semiótico que organiza a atividade mental. Nos marcos desta concepção, a linguagem
e a consciência – resultantes de um processo de construção social – não são qualidades
inatas do homem.
A consequência imediata desta concepção, para a pedagogia, é a compreensão
de que a linguagem verbal tem um papel fundamental na produção dos conteúdos da
consciência e precisa ser aprendida pelos indivíduos, na sua forma mais elaborada. Isto
implica atribuir ao ensino da língua materna uma importância que transcende o mero
domínio de um instrumento de comunicação.
Por outro lado, ao “desnaturalizar” a linguagem, tratando-a como processo
social, essa concepção atribui à educação uma função muito mais complexa que apenas
aquela de zelar para que o ambiente seja adequado para o desenvolvimento normal de
pretensas capacidades inatas.
Muito ao contrário, essa concepção proclama, como espinha dorsal da
educação, o processo de ensino-aprendizagem, o que de imediato nega qualquer
prioridade a um ou outro dos sujeitos imediatos da relação pedagógica (professor e
aluno). Ao contrário, atribui papéis e responsabilidades a ambos. O papel do educador
não seria mais o de meramente “zelar” pelas condições de aprendizagem, mas de atuar
na sua produção, de promovê-las através do ensino. Da mesma forma, segundo essa
perspectiva, o aluno não atinge a aprendizagem se não atuar ativamente, se não realizar
um esforço, um empenho intelectual atento e constante de apropriação e reflexão sobre
os conhecimentos ensinados.
Essa concepção defende, pois, a importância tanto da intervenção pedagógica
intencional e sistematizada, quanto da atividade intelectual e prática do aluno como
fatores que, articulados, constituem a base do processo pedagógico. Tais fatores são
tanto mais reivindicados quanto mais limitadas as condições concretas de existência do
aluno, uma vez que tal limitação reduz, também, a possibilidade de exercício de
práticas sociais mais complexas que envolvem múltiplos conhecimentos.
Essa mesma concepção de linguagem, por outro lado, afirma o princípio
fundamental de que o texto, enquanto unidade discursiva, é o eixo em torno do qual
gira toda a atividade pedagógica do ensino da língua, não apenas nas séries iniciais
como em qualquer nível da escolarização.
Para tanto, há de se tomar o texto – enquanto unidade de conteúdo e forma - em
duas dimensões, intimamente articuladas: as determinações sociais da prática
discursiva e os recursos que o código oferece para a constituição do texto e seus

26
sentidos. Em virtude da natureza linear da exposição discursiva, consideraremos
isoladamente cada dimensão, enfatizando, porém, o alerta de que conteúdo e forma
realizam-se sempre em uma unidade absolutamente orgânica, não sendo possível
separá-los na prática.

DETERMINAÇÕES SOCIAIS DA PRÁTICA DISCURSIVA

Enquanto objeto social, o texto está determinado pelas mesmas leis sociais que,
em uma sociedade de classes, definem os interlocutores, seus papéis sociais, seus
interesses de classe e, sobretudo, a correlação de forças entre tais interlocutores. Os
discursos se constituem, portanto, como expressões de visões de mundo, de ideologias.
Na esclarecedora formulação de FIORIN (1988): Uma formação ideológica
deve ser entendida como a visão de mundo de uma determinada classe social, isto é,
um conjunto de representações, de ideias que revelam a compreensão que uma dada
classe tem do mundo. Como não existem ideias fora dos quadros da linguagem,
entendida no seu sentido amplo de instrumento de comunicação verbal ou não-verbal,
essa visão de mundo não existe desvinculada da linguagem. Por isso, a cada formação
ideológica corresponde uma formação discursiva, que é um conjunto de temas e de
figuras que materializa uma dada visão de mundo. Essa formação discursiva é
ensinada a cada um dos membros de uma sociedade ao longo do processo de
aprendizagem linguística. É com essa formação discursiva assimilada que o homem
constrói seus discursos, que ele reage linguisticamente aos acontecimentos. Por isso, o
discurso é mais o lugar da reprodução que o da criação. Assim como uma formação
ideológica impõe o que pensar, uma formação discursiva determina o que dizer. Há,
numa formação social, tantas formações discursivas quantas forem as formações
ideológicas. Não devemos esquecer-nos de que assim como a ideologia dominante é a
da classe dominante, o discurso dominante é o da classe dominante.
As visões de mundo não se desvinculam da linguagem, porque a ideologia vista
como algo imanente à realidade é indissociável da linguagem. As ideias e, por
conseguinte, os discursos são expressão da vida real. A realidade exprime-se pelos
discursos. ” (pp.32-3).
Os tipos de textos, bem como o sentido de um texto, estão marcados por essas
relações sociais e suas contradições, de modo que ignorá-las significa, em grande

27
medida, inviabilizar as possibilidades de leitura e interpretação mais profundas dos
discursos correntes.
É importante, pois, considerar que os textos – e seu conteúdo – não são neutros
e nem se produzem de forma neutra, mas se realizam, sempre, sob determinações
sociais, produzindo diferentes resultados, suscitando diferentes reações dos
interlocutores. A título de ilustração, pensemos na frase “Por favor, alcance-me aquele
pacote”. Para sua compreensão, parece suficiente a apreensão de sua literalidade. O
que mais poderíamos entender desse enunciado? O que mais ele poderia nos dizer,
além do simples fato de que alguém pede um favor a outrem? Ora, situando-o em
determinado contexto, a saber, um diálogo entre um patrão e um empregado,
imediatamente salta aos olhos que esta frase apresenta conteúdos distintos quanto dita
por um ou pelo outro interlocutor. Dita pelo patrão, é uma frase imperativa; é uma
ordem incontestável que o empregado não pode recusar, sob pena de represália. Dita
pelo empregado, é uma súplica, que o patrão pode ou não atender. No contexto de uma
interlocução entre iguais, tal enunciado contemplaria o direito de escolha do ouvinte,
quanto à resposta possível. Sua decisão estaria marcada por princípios de amizade, de
solidariedade, mas, de qualquer forma, poderia perfeitamente admitir uma recusa
justificada, sem quebra da expectativa implícita na relação de amizade.
Se tomarmos um outro exemplo, a escrita do nome, veremos que em
determinado contexto ela, na condição de assinatura, constitui-se índice de uma
obrigação, de um compromisso cujo alcance muitas vezes nem sequer é claramente
compreendido pelo signatário.
Um outro importante aspecto da dimensão social da prática discursiva refere-se
às variedades de falares em confronto com uma variedade padrão.
Se uma língua não é uniforme, significa que ela apresenta formas variadas,
coexistentes. Uma língua, na verdade, é um conjunto de variedades que se constituem
a partir de peculiaridades próprias de determinadas regiões, de determinados
agrupamentos, de determinada classe social ou segmento de classe, etc.
Ocorre, no entanto, que em uma sociedade cindida em classes, uma variedade é
assumida como modelo, como a forma ideal, como a forma correta. Essa variedade
passa, então, a ser tomada como a única expressão adequada daquela língua. O uso de
uma variedade sem prestígio social passa a ser mais uma causa de discriminação e
mais uma barreira a informações e conhecimentos veiculados na variedade padrão.
Cabe perguntar: quem decide qual variedade vai ser assumida como modelo?

28
Obviamente, quem tem o poder para decidir e impor essa decisão. Parafraseando
Marx, diríamos que “a variedade linguística dominante, é a variedade da classe
dominante”.
Como explica Sírio Possenti, “aquilo que se chama vulgarmente de linguagem
correta não passa de uma variedade da língua que, em determinado momento da
história, por ser utilizada pelos cidadãos influentes da região mais influente do país, foi
a escolhida para servir de expressão do poder, da cultura deste grupo, transformada em
única expressão da única cultura. Seu domínio passou a ser necessário para ter acesso
ao poder. ” (In GERALDI, 1984).
Conforme Gnerre, entre os fatores que promovem a consolidação de uma
variedade linguística à condição de variedade “culta” ou “padrão” destacam-se a
associação desta variedade à modalidade escrita e à tradição gramatical; a
dicionarização dos signos desta variedade e, finalmente, a consideração dessa
variedade como legítima portadora de uma identidade nacional e de uma tradição
cultural (GNERRE, 1978).
Esta unicidade imposta resulta em uma forma dramática de reforçar a
desigualdade social por, pelo menos, duas razões. A variedade eleita passa a ter um
poder que não provém dela mesma, mas de seus influentes falantes. Passa, ainda, a ser
objeto de estudo, de zelo e de aprimoramento que a tornam, por um lado, cada vez
mais capaz de expressar um leque maior de elementos e processos da realidade e, por
outro, cada vez mais inacessível aos falantes das demais variedades, as quais acabam
limitadas a um uso mais coloquial e trivial.
Assim, se, por um lado, o poder dos falantes impõe uma variedade como
modelo, esta variedade, desenvolvida ao longo de anos de aprimoramento, torna-se
capaz de incorporar todas as demais e se eleva, ela própria, num dado momento, à
condição de instrumento de poder.
É possível, então, ao falante desta variante, entender o conteúdo dos falares de
todos os demais e a produzir um discurso na língua eleita como “de todos”, a língua da
nação, mas em muitos aspectos incompreensível para a maioria dos falantes.
É evidente, nessa condição, o quanto esta variedade torna-se instrumento útil ao
exercício do poder e à defesa de privilégios. Lembremos, a título de exemplo, o
“economês” de que não raro se lança mão para convencer o conjunto da população da
necessidade de, mais uma vez, sacrificar-se em nome de um desenvolvimento cujos
benefícios nunca são socializados.

29
Além disso, é na modalidade eleita que são vertidos os discursos relacionados à
produção mais elaborada das ciências, das artes, da filosofia. Esses discursos vão
constituindo um repertório lexical e se revestindo progressivamente de tal
complexidade estrutural que logram distanciar-se, cada vez mais, dos falares populares
– e, evidentemente, distanciar destes falantes o conteúdo que expressam.
Se a variedade padrão, na sua forma oral, vai se tornando progressivamente
inacessível ao conjunto da população, a escrita passa a oferecer mais razões, ainda, de
inacessibilidade: primeiro, evidentemente, pela maior dificuldade de aprendizagem da
escrita, relativamente à linguagem oral; em segundo lugar, porque se soma a essa
dificuldade o nível ainda mais formal e elaborado do discurso escrito em relação ao
discurso oral. Aqueles que dominam amplamente a escrita usam-na como se se tratasse
de uma possibilidade igualmente generalizada, impondo aos demais, por exemplo, a
submissão a compromissos expressos em documentos, acordos, contratos,
constituições, normas, regimentos, receituários, registros cujo poder e cujo teor a
maioria do povo desconhece ou compreende apenas parcialmente.
Evidentemente, os exemplos aqui citados são apenas ilustrativos e mal apontam
para a dimensão das implicações que a natureza social do texto suscita no processo de
ensino-aprendizagem da língua. Entretanto, são suficientes para deixar claro que o
ensino da língua não pode tangenciar tais questões. Sobretudo, não pode ignorar a
importância do domínio da variedade padrão pelos alunos das classes populares, bem
como do exercício da reflexão crítica acerca dos conteúdos discursivos, dada sua
natureza marcada pelas contradições de classe que permeiam esta sociedade.

O TEXTO COMO OBJETO LINGUÍSTICO: RECURSOS FORMAIS


DO DISCURSO

O estudo do texto como objeto linguístico implica levar em consideração duas


dimensões que comungam intimamente: o código e o sentido que se quer produzir. O
desenvolvimento do trabalho pedagógico com o código deve estar assentado no texto,
pois aquele nada mais é do que o suporte material para a produção do sentido.
Descolado da produção do sentido, o código perde sua razão de existir. Entretanto, isto
não quer dizer que o estudo do código não precise contemplar conteúdos específicos,
tais como a relação oralidade-escrita, a compreensão da organização da escrita com
referência em um sistema fonético, o princípio alfabético, o reconhecimento das letras

30
e a compreensão das relações letras-fonemas (biunívocas, posicionais e arbitrárias), o
princípio do registro fixo dos vocábulos, a acentuação, a pontuação, as notações
léxicas, o sinal de parágrafo, a direção da escrita, a segmentação da escrita, etc..
Como já dissemos, esses conteúdos específicos do código devem ser tratados
de forma articulada com o processo de construção de sentido no texto, construção esta
que não se esgota na memorização dos elementos do código, mas exige, ainda, e com a
mesma importância, o domínio de conteúdos como as características e determinações
da interlocução, intertextualidade, unidade temática, estrutura textual e segmentação
do texto, argumentação, coerência e coesão, adequação lexical (léxico, sinônimos,
antônimos e parônimos), recursos de citação (discurso direto, indireto e indireto livre),
sintaxe de concordância, sintaxe de regência, sintaxe de colocação, recursos gráficos,
além das possibilidades ou limites do uso da norma padrão, de redundâncias e
repetições, ambiguidade, gírias e jargões.
O tratamento articulado desses conteúdos só é possível se o objeto de estudo é a
própria língua em uso real, ou seja, o texto. A metodologia, para tal, envolve quatro
práticas, igualmente articuladas:
1. leitura e interpretação;
2. produção de textos orais e escritos;
3. análise linguística e
4. atividades de sistematização para o domínio do código.
Tais práticas permitem tomar os recursos da escrita como instrumentos de
produção de sentido, e não como entes “em si” e, sem descurar o domínio do código –
essencial nas séries iniciais -, avançam, com o concurso da compreensão das
determinações sociais da prática discursiva, na direção de um letramento mais efetivo.
Finalmente, cabe considerar que o letramento não se esgota no aprendizado
escolar da língua, mas implica a inserção reiterada e a mais plena possível do sujeito
em práticas discursivas, nas modalidades oral e escrita, correntes na vida
contemporânea.

31
LETRAMENTO E SUAS IMPLICAÇÕES PARA O ENSINO

https://escolaeducacao.com.br/como-ensinar-seu-filho-a-ler-e-escrever-
melhor/

Vamos a partir do entendimento do que seja letramento e escolarização


organizar a prática pedagógica com vistas a contribuir de forma mais efetiva para o
desenvolvimento de sujeitos mais autônomos e emancipados, conforme Kleiman
(2007, p. 76) afirma: [...] a transformação das estratégias da escola para ensinar a
escrita aos grupos populares teria essa função legitimadora, assim como a
transformação das estratégias dos cursos universitários para formar professores
capazes de atuar em novos contextos, reestruturados segundo novas concepções de
usos da língua escrita e das funções da escola no ensino desses usos.
Vamos agora então compreender como essas práticas e estratégias da escola
ocorrem na relação dialética com a teoria, e conhecer outras práticas de letramento
externas ao universo escolar e a relação que se dá entre elas.
Em nosso país, a história da alfabetização tem sua face mais visível na história
dos métodos de alfabetização, em torno dos quais, especialmente desde o final do
século XIX, vêm-se gerando tensas disputas relacionadas com "antigas" e "novas"
explicações para um mesmo problema: a dificuldade de nossas crianças em aprender a
ler e a escrever, especialmente na escola pública.
Visando a enfrentar esse problema e auxiliar "os novos" a adentrarem no
mundo público da cultura letrada, essas disputas em torno dos métodos de
alfabetização vêm engendrando uma multiplicidade de tematizações, normatizações e

32
concretizações, caracterizando-se como um importante aspecto dentre os muitos outros
envolvidos no complexo movimento histórico de constituição da alfabetização como
prática escolar.

Dada tal complexidade e considerando tanto os objetivos deste evento quanto


as urgências específicas deste momento histórico, optei por fazer delimitações no tema
proposto para esta conferência, enfatizando, na história dos métodos de alfabetização:
a disputa pela hegemonia de determinados métodos na situação paulista, devido ao
caráter modelar que se buscou imprimir às iniciativas educacionais desse estado, a
partir dos anos de 1890; e o período compreendido entre as décadas finais do século
XIX e os dias atuais, uma vez que, a partir da proclamação da República, iniciou-se
processo sistemático de escolarização das práticas de leitura e escrita.

ALFABETISMO/LETRAMENTO E ESCOLA

Para discutir letramento, seja ele escolar ou não, é imprescindível que se tenha
claro o viés que perpassa estes estudos. Soares (2012) usa, no livro “Alfabetização e
letramento”, o termo “alfabetismo” em lugar de letramento, discorrendo sobre o tema

33
de forma a indicar alguns pressupostos que eventualmente podem direcionar as
pesquisas e reflexões em torno do fenômeno, independente do vocábulo usado.
Atualmente o uso da palavra “letramento” se tornou corrente. Com o embate entre
denominações, e tendo esse já sido superado, as questões propostas por Soares já na
primeira edição da obra citada, lançada em 2003, ainda sob o termo “alfabetismo”.
Conforme Soares (2012, p. 33), [...] o alfabetismo não se limita pura e
simplesmente à posse individual de habilidades e conhecimentos; implica também, e
talvez principalmente, em um conjunto de práticas sociais associadas com a leitura e a
escrita, efetivamente exercidas pelas pessoas em um contexto social específico.
Compreender como essas práticas e estratégias da escola ocorrem na relação
dialética com a teoria, e conhecer outras práticas de letramento externas ao universo
escolar e a relação que se dá entre elas é também o nosso objetivo.
Ainda segundo a autora, dependendo do contexto e da ideologia que perpassam
as ações de letramento, ele pode servir tanto para a libertação, emancipação, como para
a alienação dos sujeitos.
Diferente da alfabetização, conforme Mortatti (2004), cujo processo pode ser
marcado como algo definido porque há um produto resultante dela, saber ler e
escrever, ainda que seja também, como já foi dito, um processo e, portanto, variável, o
letramento “é um continuum que envolve um processo permanente, cujo produto final
não se pode definir nem prefixar [...]”. (MORTATTI, 2004, p. 110).
Assim, considerando as intencionalidades do processo de letramento, e
considerando também que este é permanente, contínuo, torna-se interessante discutir o
quanto o letramento está relacionado à escola, que tipo de letramento é esse (escolar) e
como ele se dá além dos muros dessa instituição que tomou para si um fenômeno
social muito mais amplo do que é possível para um espaço tão controlado.
Kleiman (2007, p. 1) contribui, nesse sentido, para a compreensão de como o
letramento foi se inserindo nas escolas, talvez mais como conceito do que como
práticas: [...] o conceito foi aos poucos infiltrando-se no discurso escolar,
contrariamente ao que a criação do novo termo pretendia: desvincular os estudos da
língua escrita dos usos escolares, a +m de marcar o caráter ideológico de todo uso da
língua escrita (STREET, 1984) e distinguir as múltiplas práticas de letramento da
prática de alfabetização, tida como única e geral, mas apenas uma das práticas de
letramento da nossa sociedade embora possivelmente a mais importante agência de
letramento, a instituição escolar.

34
Sob essa perspectiva, o termo que
pretendia, pela sua diferenciação, ampliar o
olhar para um fenômeno que não se restringe à
escola, faz-se presente em toda a sociedade
letrada e acaba sendo apropriado por essa
instância. É importante observar, nas palavras
de Kleiman, que a autora lembra que mesmo
não sendo o letramento exclusivo da escola,
essa é talvez a agência de letramento mais importante em nossa sociedade. Essa
compreensão leva a discutir as relações entre o que acontece dentro da escola e o que
está fora, em se tratando de letramento, permeando o que será feito em seguida.

PRÁTICAS E EVENTOS DE LETRAMENTO

Antes de refletir sobre o letramento escolar e o não escolar, o que,


inevitavelmente se fará abordando eventos e práticas de letramento, é importante que a
significação desses termos seja esclarecida. Assim, parte-se da seguinte definição: Um
evento de letramento é uma situação comunicativa em que os sujeitos que dela tomam
parte se envolvem em atividades da vida social que usam ou pressupõem o uso da
língua escrita. Os eventos de letramento são colaborativos, pois os diferentes saberes
dos sujeitos que neles estão envolvidos são mobilizados no momento adequado, em
função dos objetivos comuns dos participantes. (SILVEIRA et al., 2012, p. 46).
Street (2010) também explica que um evento é caracterizado quando se pode
afirmar que há uma atividade em que haja escrita, ao passo em que práticas são
constituídas a partir do momento em que seja possível afirmar que há padrões nos
eventos, ou seja, conjuntos de eventos de letramento com um certo padrão formam

35
práticas de letramento.
Quais são os eventos de letramento que
ocorrem dentro da escola e fora dela? Como são
constituídas as práticas de letramento escolares e as
não escolares? Outra distinção importante para a
discussão proposta é feita a partir de Street (2010),
que explica a diferença entre o modelo autônomo de
letramento e o ideológico, afirmando que no primeiro
considera-se o letramento independentemente do
contexto, como algo separado, por isso “autônomo”.
Já no modelo ideológico, são consideradas as relações e os envolvimentos sociais, por
isso não se pode falar em um único letramento, os letramentos são múltiplos, e a
escolha por uma variedade é também ideológica.
Para Mortatti (2004), o modelo autônomo de letramento ainda prevalece nas
escolas, pois nesse espaço a aquisição da leitura e da escrita é tida muitas vezes como
um processo neutro, que não considera o contexto e o meio social do aluno. Sob essa
perspectiva, pode-se distinguir o letramento escolar do que a autora chama de
letramento social. Para ela, o mais adequado “[...] seria distinguir letramento escolar,
que ocorre na escola e não é sinônimo de alfabetização, e letramento não escolar, que
ocorre fora da escola, mas é também social, pois o contexto escolar é parte do contexto
social” (p. 113).
Dessa forma, não se pode negar que o letramento escolar também é social, se a
escola for considerada, como realmente é, uma instituição social, parte de um contexto
maior.
Para discutir a diferença entre os letramentos escolar e não escolar, Mortatti
(2004) lembra a importância dos conceitos de eventos e práticas de letramento, pois
esses conceitos são a base para essa diferenciação. Segundo Mortatti (2004, p. 113),
“diferentemente [...] do que ocorre na vida cotidiana, a escola, ao automatizar as
atividades de leitura e escrita, cria eventos e práticas de letramento, mas com natureza,
objetivos e concepções que são específicos do contexto escolar” (p. 113).
Talvez por serem “criados” especificamente para fins escolares, esses eventos e
práticas levem ao modelo autônomo de letramento. Nesse sentido, seria interessante
que a escola considerasse os letramentos não escolares, dos quais os alunos participam
no dia a dia para aproximar seus eventos e suas práticas, “criados” para fins de

36
letramento, do contexto de vida dos alunos, para que suas ações sejam mais
significativas.
De acordo com Kleiman (2007, p. 4) “é na escola, agência de letramento por
excelência de nossa sociedade, que devem ser criados espaços para experimentar
formas de participação nas práticas sociais letradas [...]”.
Nesse mesmo sentido, Silveira et al. (2012, p. 46) explicam: Os eventos de
letramento não estão circunscritos ao âmbito escolar, porém é a escola uma das mais
importantes agências de letramento de nossa sociedade letrada, e cabe a ela criar
espaços para que o educando possa experimentar formas de participação (eventos de
letramento) nas práticas sociais letradas.
Assim, a escola pode proporcionar situações de aprendizagem significativa
fazendo uso de eventos de letramento considerados não escolares. Além disso, é
importante destacar que diante dessa perspectiva espera-se que a escola considere e
valorize os usos da língua escrita que os alunos trazem de seu cotidiano.
Para Kleiman (2007), a escola tem a oportunidade de desenvolver atividades
relativas à leitura e escrita bastante significativas, visto que “[...] na escola existem (ou
deveriam existir) possibilidades de experimentação que estão ausentes de situações
mais tensas e competitivas como as do local de trabalho”. (p. 2).
Assim, os letramentos não escolares poderiam ser levados para a escola,
considerando, que essa está na sociedade, não é um aparte, e por isso mesmo pode
desenvolver suas atividades de forma mais contextualizada. Para que isso seja
possível, é imprescindível que professores e demais membros da instituição escolar
conheçam esse contexto com o qual estão lidando, e no qual estão também inseridos.

37
ESCOLA E ALFABETIZAÇÃO

Em nosso país, desde o final do século XIX, especialmente com a proclamação


da República, a educação ganhou destaque como uma das utopias da modernidade. A
escola, por sua vez, consolidou-se como lugar necessariamente institucionalizado para
o preparo das novas gerações, com vistas a atender aos ideais do Estado republicano,
pautado pela necessidade de instauração de uma nova ordem política e social; e a
universalização da escola assumiu importante papel como instrumento de
modernização e progresso do Estado-Nação, como principal propulsora do
“esclarecimento das massas iletradas”.
No âmbito desses ideais republicanos, saber ler e escrever se tornou
instrumento privilegiado de aquisição de saber/esclarecimento e imperativo da
modernização e desenvolvimento social. A leitura e a escrita — Que até então eram
práticas culturais cuja aprendizagem se encontrava restrita a poucos e ocorria por meio
de transmissão assistemática de seus rudimentos no âmbito privado do lar, ou de
maneira menos informal, mas ainda precária, nas poucas “escolas” do Império (“aulas
régias”) — tornaram-se fundamentos da escola obrigatória, leiga e gratuita e objeto de
ensino e aprendizagem escolarizados. Caracterizando-se como tecnicamente
ensináveis, as práticas de leitura e escrita passaram, assim, a ser submetidas a ensino
organizado, sistemático e intencional, demandando, para isso, a preparação de
profissionais especializados.
Desse ponto de vista, os processos de ensinar e de aprender a leitura e a escrita
na fase inicial de escolarização de crianças se apresentam como um momento de

38
passagem para um mundo novo — para o Estado e para o cidadão —: o mundo público
da cultura letrada, que instaura novas formas de relação dos sujeitos entre si, com a
natureza, com a história e com o próprio Estado; um mundo novo que instaura, enfim,
novos modos e conteúdos de pensar, sentir, querer e agir.
No entanto, especialmente desde as últimas duas décadas, as evidências que
sustentam originariamente essa associação entre escola e alfabetização vêm sendo
questionadas, em decorrência das dificuldades de se concretizarem as promessas e os
efeitos pretendidos com a ação da escola sobre o cidadão. Explicada como problema
decorrente, ora do método de ensino, ora do aluno, ora do professor, ora do sistema
escolar, ora das condições sociais, ora de políticas públicas, a recorrência dessas
dificuldades de a escola dar conta de sua tarefa histórica fundamental não é, porém,
exclusiva de nossa época.
Decorridos mais de cem anos desde a implantação, em nosso país, do modelo
republicano de escola, podemos observar que, desde essa época, o que hoje
denominamos “fracasso escolar na
alfabetização” se vem impondo como
problema estratégico a demandar soluções
urgentes e vem mobilizando administradores
públicos, legisladores do ensino, intelectuais
de diferentes áreas de conhecimento,
educadores e professores.
Desde essa época, observam-se repetidos esforços de mudança, a partir da
necessidade de superação daquilo que, em cada momento histórico, considerava-se
tradicional nesse ensino e fator responsável pelo seu fracasso. Por quase um século,
esses esforços se concentraram, sistemática e oficialmente, na questão dos métodos de
ensino da leitura e escrita, e muitas foram as disputas entre os que se consideravam
portadores de um novo e revolucionário método de alfabetização e aqueles que
continuavam a defender os métodos considerados antigos e tradicionais. A partir das
duas últimas décadas, a questão dos métodos passou a ser considerada tradicional, e os
antigos e persistentes problemas da alfabetização vêm sendo pensados e praticados
predominantemente, no âmbito das políticas públicas, a partir de outros pontos de
vista, em especial a compreensão do processo de aprendizagem da criança
alfabetizanda, de acordo com a psicogênese da língua escrita.

39
A QUESTÃO DOS MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Analisando, com base em fontes documentais, em relação à questão dos


métodos de ensino inicial da leitura e escrita, desde as décadas finais do século XIX,
vamos dividir esse período em quatro momentos cruciais, cada um deles caracterizado
pela disputa em torno de certas tematizações, normatizações e concretizações
relacionadas com o ensino da leitura e escrita e consideradas novas e melhores, em
relação ao que, em cada momento, era considerado antigo e tradicional nesse ensino.
Em decorrência dessas disputas, tem-se, cada um desses momentos, a fundação de uma
nova tradição relativa ao ensino inicial da leitura e escrita.
Apresentaremos a seguir cada um desses
quatro momentos cruciais com as respectivas
disputas pela hegemonia de determinados métodos
de alfabetização e, dentre outros múltiplos
aspectos neles observáveis, menciono o papel
desempenhado pelas cartilhas, que, dada sua
condição de instrumento privilegiado de
concretização dos métodos e conteúdos de ensino, permanecem no tempo e permitem
recuperar aspectos importantes dessa história, contribuindo significativamente para a
criação de uma cultura escolar e para a transmissão da(s) tradição (ões).

40
1º MOMENTO- A METODIZAÇÃO DO ENSINO DA LEITURA

Até o final do Império brasileiro, o ensino carecia de organização, e as poucas


escolas existentes eram, na verdade, salas adaptadas, que abrigavam alunos de todas as
“séries” e funcionavam em prédios pouco apropriados para esse fim; eram as “aulas
régias”, já mencionadas. Em decorrência das precárias condições de funcionamento,
nesse tipo de escola o ensino dependia muito mais do empenho de professor e alunos
para subsistir. E o material de que se dispunha para o ensino da leitura era também
precário, embora, na segunda metade do século XIX, houvesse aqui algum material
impresso sob a forma de livros para fins de ensino de leitura, editados ou produzidos
na Europa. Habitualmente, porém, iniciava-se o ensino da leitura com as chamadas
“cartas de ABC" e depois se liam e se copiavam documentos manuscritos.
Para o ensino da leitura, utilizavam-se, nessa época, métodos de marcha
sintética (da "parte" para o "todo"): da soletração (alfabético), partindo do nome das
letras; fônico (partindo dos sons correspondentes às letras); e da silabação (emissão de
sons), partindo das sílabas. Dever-se-ia, assim, iniciar o ensino da leitura com a
apresentação das letras e seus nomes (método da soletração/alfabético), ou de seus
sons (método fônico), ou das famílias silábicas (método da silabação), sempre de
acordo com certa ordem crescente de dificuldade. Posteriormente, reunidas as letras ou
os sons em sílabas, ou conhecidas as famílias silábicas, ensinava-se a ler palavras
formadas com essas letras e/ou sons e/ou sílabas e, por fim, ensinavam-se frases
isoladas ou agrupadas. Quanto à escrita, esta se restringia à caligrafia e ortografia, e
seu ensino, à cópia, ditados e formação de frases, enfatizando-se o desenho correto das

41
letras.
As primeiras cartilhas brasileiras, produzidas no final do século XIX sobretudo
por professores fluminenses e paulistas a partir de sua experiência didática, baseavam-
se nos métodos de marcha sintética (de soletração, fônico e de silabação) e circularam
em várias províncias/estados do país e por muitas décadas.
Em 1876, data que elegi como marco inicial do primeiro momento crucial
nessa história, foi publicada em Portugal a Cartilha Maternal ou Arte da Leitura,
escrita pelo poeta português João de Deus. A partir do início da década de 1880, o
“método João de Deus” contido nessa cartilha passou a ser divulgado sistemática e
programaticamente principalmente nas províncias de São Paulo e do Espírito Santo,
por Antônio da Silva Jardim, positivista militante e professor de português da Escola
Normal de São Paulo.
Diferentemente dos métodos até então habituais, o “método João de Deus” ou
“método da palavração” baseava-se nos princípios da moderna linguística da época e
consistia em iniciar o ensino da leitura pela palavra, para depois analisá-la a partir dos
valores fonéticos das letras. Por essas razões, Silva Jardim considerava esse método
como fase científica e definitiva no ensino da leitura e fator de progresso social.
Esse 1o. momento se estende até o início da década de 1890 e nele tem início
uma disputa entre os defensores do "método João de Deus" e aqueles que continuavam
a defender e utilizar os métodos sintéticos: da soletração, fônico e da silabação. Com
essa disputa, funda-se uma nova tradição: o ensino da leitura envolve necessariamente
uma questão de método, ou seja, enfatiza-se o como ensinar metodicamente,
relacionado com o que ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma
questão de ordem didática subordinada às questões de ordem linguística (da época).

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2º MOMENTO – A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO MÉTODO
ANALÍTICO

A partir de 1890, implementou-se a reforma da instrução pública no estado de


São Paulo. Pretendendo servir de modelo para os demais estados, essa reforma se
iniciou com a reorganização da Escola Normal de São Paulo e a criação da Escola
Modelo Anexa; em 1896, foi criado o Jardim da Infância nessa escola. Do ponto de
vista didático, a base da reforma estava nos novos métodos de ensino, em especial no
então novo e revolucionário método analítico para o ensino da leitura, utilizado na
Escola-Modelo Anexa (à Normal), onde os normalistas desenvolviam atividades
"práticas" e onde os professores dos grupos escolares (criados em 1893) da capital e do
interior do estado deveriam buscar seu modelo de ensino.
A partir dessa primeira década republicana, professores formados por essa
escola normal passaram a defender programaticamente o método analítico para o
ensino da leitura e disseminaram-no para outros estados brasileiros, por meio de
“missões de professores” paulistas. Especialmente mediante a ocupação de cargos na
administração da instrução pública paulista e a produção de instruções normativas, de
cartilhas e de artigos em jornais e em revistas pedagógicas, esses professores
contribuíram para a institucionalização do método analítico, tornando obrigatória sua
utilização nas escolas públicas paulistas. Embora a maioria dos professores das escolas

43
primárias reclamasse da lentidão de resultados desse método, a obrigatoriedade de sua
utilização no estado de São Paulo perdurou até se fazerem sentir os efeitos da
“autonomia didática” proposta na "Reforma Sampaio Dória" (Lei 1750, de 1920).
Diferentemente dos métodos de marcha sintética
até então utilizados, o método analítico, sob forte
influência da pedagogia norte-americana, baseava-se em
princípios didáticos derivados de uma nova concepção —
de caráter biopsicofisiológico — da criança, cuja forma
de apreensão do mundo era entendida como sincrética. A
despeito das disputas sobre as diferentes formas de
processuação do método analítico, o ponto em comum
entre seus defensores consistia na necessidade de se adaptar o ensino da leitura a essa
nova concepção de criança.
De acordo com esse método analítico, o ensino da leitura deveria ser iniciado
pelo “todo”, para depois se proceder à análise de suas partes constitutivas. No entanto,
diferentes se foram tornando os modos de processuação do método, dependendo do
que seus defensores consideravam o “todo”: a palavra, ou a sentença, ou a "historieta".
O processo baseado na "historieta" foi institucionalizado em São Paulo, mediante a
publicação do documento Instrucções praticas para o ensino da leitura pelo methodo
analytico – modelos de lições. (Diretoria Geral da Instrução Pública/SP – [1915]).
Nesse documento, priorizava-se a "historieta" (conjunto de frases relacionadas entre si
por meio de nexos lógicos), como núcleo de sentido e ponto de partida para o ensino
da leitura.
As cartilhas produzidas no âmbito do 2o. momento na história da alfabetização,
especialmente no início do século XX, passaram a se basear programaticamente no
método de marcha analítica (processos da palavração e sentenciação), buscando se
adequar às instruções oficias, no caso paulista.
Iniciou-se, assim, uma acirrada disputa entre partidários do então novo e
revolucionário método analítico para o ensino da leitura e os que continuavam a
defender e utilizar os tradicionais métodos sintéticos, especialmente o da silabação.
Concomitantemente a essa disputa, teve lugar uma outra relativa aos diferentes modos
de processuação do método analítico, dentre as quais se destaca a travada entre os
professores paulistas e o fluminense João Köpke.
Nesse 2o. momento, que se estende até aproximadamente meados dos anos de

44
1920, a ênfase da discussão sobre métodos continuou incidindo no ensino inicial da
leitura, já que o ensino inicial da escrita era entendido como uma questão de caligrafia
(vertical ou horizontal) e de tipo de letra a ser usada (manuscrita ou de imprensa,
maiúscula ou minúscula), o que demandava especialmente treino, mediante exercícios
de cópia e ditado. É também ao longo desse momento, já no final da década de 1910,
que o termo “alfabetização” começa a ser utilizado para se referir ao ensino inicial da
leitura e da escrita.
As disputas ocorridas nesse 2o. momento fundam uma outra nova tradição: no o
ensino da leitura envolve enfaticamente questões didáticas, ou seja, o como ensinar, a
partir da definição das habilidades visuais, auditivas e motoras da criança a quem
ensinar; o ensino da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão de ordem
didática subordinada às questões de ordem psicológica da criança.

3º MOMENTO – A ALFABETIZAÇÃO SOB MEDIDA

Em decorrência da “autonomia didática” proposta pela "Reforma Sampaio


Dória" e de novas urgências políticas e sociais, a partir de meados da década de 1920
aumentaram as resistências dos professores quanto à utilização do método analítico e
começaram a se buscar novas propostas de solução para os problemas do ensino e
aprendizagem iniciais da leitura e da escrita.
Os defensores do método analítico continuaram a utilizá-lo e a propagandear
sua eficácia. No entanto, buscando conciliar os dois tipos básicos de métodos de

45
ensino da leitura e escrita (sintéticos e analíticos), em várias tematizações e
concretizações das décadas seguintes, passaram-se a utilizar: métodos mistos ou
ecléticos (analítico-sintético ou vice-versa), considerados mais rápidos e eficientes. A
disputa entre os defensores dos métodos sintéticos e os defensores dos métodos
analíticos não cessaram; mas o tom de combate e defesa acirrada que se viu nos
momentos anteriores foi-se diluindo gradativamente, à medida que se acentuava a
tendência de relativização da importância do método e, mais restritamente, a
preferência, nesse âmbito, pelo método global (de contos), defendido mais
enfaticamente em outros estados brasileiros.
Essa tendência de relativização da importância do método decorreu
especialmente da disseminação, repercussão e institucionalização das então novas e
revolucionárias bases psicológicas da alfabetização contidas no livro Testes ABC para
verificação a maturidade necessária ao aprendizado da leitura e escrita (1934),
escrito por M. B. Lourenço Filho. Nesse livro, o autor apresenta resultados de
pesquisas com alunos de 1o grau (atual 1ª série do ensino fundamental), que realizou
com o objetivo de buscar soluções para as dificuldades de nossas crianças no
aprendizado da leitura e escrita. Propõe, então, as oito provas que compõem os testes
ABC, como forma de medir o nível de maturidade necessária ao aprendizado da leitura
e escrita, a fim de classificar os alfabetizandos, visando à organização de classes
homogêneas e a racionalização e eficácia da alfabetização.
Desse ponto de vista, a importância do método de alfabetização passou a ser
relativizada, secundarizada e considerada tradicional. Observa-se, no entanto, embora
com outras bases teóricas, a permanência da função instrumental do ensino e
aprendizagem da leitura, enfatizando-se a simultaneidade do ensino de ambas, as quais
eram entendidas como habilidades visuais, auditivas e motoras.
Também a partir dessa época,
aproximadamente, as cartilhas passaram a se
basear predominantemente em métodos
mistos ou ecléticos (analítico-sintético e
vice-versa) e começaram a se produzir os
manuais do professor acompanhando as
cartilhas, assim como se disseminou a ideia
e a prática do "período preparatório”. Vai-
se, assim, constituindo um ecletismo processual e conceitual em alfabetização, de

46
acordo com o qual a alfabetização (aprendizado da leitura e escrita) envolve
obrigatoriamente uma questão de “medida”, e o método de ensino se subordina ao
nível de maturidade das crianças em classes homogêneas. A escrita continuou sendo
entendida como uma questão de habilidade caligráfica e ortográfica, que devia ser
ensinada simultaneamente à habilidade de leitura; o aprendizado de ambas demandava
um “período preparatório”, que consistia em exercícios de discriminação e
coordenação viso-motora e auditivo-motora, posição de corpo e membros, dentre
outros.
Nesse 3o. momento, que se estende até aproximadamente o final da década de
1970, funda-se uma outra nova tradição no ensino da leitura e da escrita: a
alfabetização sob medida, de que resulta o como ensinar subordinado à maturidade da
criança a quem se ensina; as questões de ordem didática, portanto, encontram-se
subordinadas às de ordem psicológica.

4º MOMENTO – ALFABETIZAÇÃO: CONSTRUTIVISMO E


DESMETODIZAÇÃO

A partir do início da década de 1980, essa


tradição passou a ser sistematicamente
questionada, em decorrência de novas urgências
políticas e sociais que se fizeram acompanhar de

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propostas de mudança na educação, a fim de se enfrentar, particularmente, o fracasso
da escola na alfabetização de crianças. Como correlato teórico metodológico da busca
de soluções para esse problema, introduziu-se no Brasil o pensamento construtivista
sobre alfabetização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da língua escrita
desenvolvidas pela pesquisadora argentina Emília Ferreiro e colaboradores.
Deslocando o eixo das discussões dos métodos de ensino para o processo de
aprendizagem da criança (sujeito cognoscente), o construtivismo se apresenta, não
como um método novo, mas como uma “revolução conceitual”, demandando, dentre
outros aspectos, abandonarem-se as teorias e práticas tradicionais, desmetodizar-se o
processo de alfabetização e se questionar a necessidade das cartilhas.
A partir de então, verifica-se, por parte de autoridades educacionais e de
pesquisadores acadêmicos, um esforço de convencimento dos alfabetizadores,
mediante divulgação massivas de artigos, teses acadêmicas, livros e vídeos, cartilhas,
sugestões metodológicas, relatos de experiências bem-sucedidas e ações de formação
continuada, visando a garantir a institucionalização, para a rede pública de ensino, de
certa apropriação do construtivismo.
Inicia-se, assim, uma disputa entre os partidários do construtivismo e os
defensores — quase nunca “confessos”, mas atuantes especialmente no nível das
concretizações — dos tradicionais métodos (sobretudo o misto ou eclético), das
tradicionais cartilhas e do tradicional diagnóstico do nível de maturidade com fins de
classificação dos alfabetizandos, engendrando-se um novo tipo de ecletismo processual
e conceitual em alfabetização. Quanto aos métodos e cartilhas de alfabetização, os
questionamentos de que foram alvo parecem ter sido satisfatoriamente assimilados,
resultando: na produção de cartilhas “construtivistas” ou “socioconstrutivistas” ou
“construtivistas-interacionistas”; na convivência destas com cartilhas tradicionais e,
mais recentemente, com os
livros de alfabetização, nas
indicações oficiais e nas
estantes dos professores,
muitos dos quais alegam tê-
las apenas para consulta
quando da preparação de
suas aulas; e no ensino e
aprendizagem do modelo de leitura e escrita veiculado pelas cartilhas, mesmo quando

48
os professores dizem seguir uma “linha construtivista” ou “interacionista” e seus
alunos não utilizarem diretamente esse instrumento em sala de aula.
De qualquer modo, nesse momento, tornam-se hegemônicos o discurso
institucional sobre o construtivismo e as propostas de concretização decorrentes de
certas apropriações da teoria construtivista. E tem-se, hoje, a institucionalização, em
nível nacional, do construtivismo em alfabetização, verificável, por exemplo, nos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), dentre tantas outras iniciativas recentes.
Nesse 4º momento — ainda em curso —, funda-se uma outra nova tradição: a
desmetodização da alfabetização, decorrente da ênfase em quem aprende e o como
aprende a língua escrita (lecto-escritura), tendo-se gerado, no nível de muitas das
apropriações, um certo silenciamento a respeito das questões de ordem didática e, no
limite, tendo-se criado um certo ilusório consenso de que a aprendizagem independe
do ensino.

É importante ressaltar, no entanto, que, também na década de 1980, observa-se


a emergência do pensamento interacionista em alfabetização, que vai gradativamente
ganhando destaque e gerando uma espécie de disputa entre seus defensores e os do
construtivismo. Essa “nova” disputa, por sua vez, foi-se diluindo, à medida que certos
aspectos de certa apropriação do interacionismo foram sendo conciliados com certa
apropriação do construtivismo; essa conciliação, pelo que posso observar até o
momento, foi subsumida no discurso institucional sobre alfabetização.
E, dentre a multiplicidade de problemas que enfrentamos hoje a respeito do
ensino inicial da leitura e escrita, as dificuldades decorrentes, em especial, da ausência
de uma “didática construtivista” vêm abrindo espaço para a tentativa, por parte de
alguns pesquisadores, de apresentar "novas" propostas de alfabetização baseadas em
antigos métodos, como os de marcha sintética.
Devo, ainda, mencionar, pelo menos, dentre essa multiplicidade de aspectos, as

49
discussões e propostas em torno do letramento, entendido ora como complementar à
alfabetização, ora como diferente desta e mais desejável, ora como excludentes entre
si.

MODERNIDADES EM ALFABETIZAÇÃO

Ao longo do período histórico abordado nos tópicos anteriores, observa-se a


recorrência discursiva da mudança, marcada pela tensão constante entre modernos e
antigos, no âmbito da disputa pela hegemonia de determinados métodos de
alfabetização.
A mudança proposta em cada um dos quatro momentos cruciais exigiu sempre
uma operação de diferenciação qualitativa em relação ao que era sentido como passado
(recente) em cada um desses momentos, mediante a reconstituição sintética desse
passado, a fim de homogeneizá-lo e esvaziá-lo de qualidades e diferenças,
identificando-o como portador do antigo — indesejável, decadente e obstáculo ao
progresso — , e buscando-se definir o novo — melhor e mais desejável — ora contra,
ora independente em relação ao antigo, mas sempre a partir dele.
Para viabilizar a mudança, tornou-se, portanto, necessário, em cada um dos
quatro momentos cruciais, produzir uma versão do passado e desqualificá-la, como se
se tratasse de uma herança incômoda, que impõe resistências à fundação do novo,
especialmente quando a filiação decorrente (embora, muitas vezes, não assumida) da
tradição atuante no presente (e, em particular, a tradição decorrente de um passado
recente, sentido como presente, porque operante no nível das concretizações) ameaça
fazer voltarem à cena os mesmos personagens do passado, que seus herdeiros desejam

50
esquecer, rever ou aprimorar.
No entanto, se houve desejos de mudanças assim como mudanças efetivas, ao
longo dessa história se podem encontrar, também, permanências e semelhanças
indicadoras de continuidades entre os quatro momentos cruciais.
Dentre essas semelhanças e permanências, podem-se observar, por exemplo, as
relacionadas: com a "questão dos métodos", uma vez que, mesmo postulando a
mudança dos métodos de alfabetização, no âmbito dessa querela os sujeitos se
movimentam em torno de um mesmo eixo — a eficácia da alfabetização é uma questão
de métodos —; e com as concretizações impostas pelas cartilhas de alfabetização, que
vão sedimentando, concomitantemente a uma cultura escolar, certas concepções de
língua/linguagem, alfabetização, métodos e conteúdos desse ensino de leitura e escrita.

Ou, ainda, dentre essas semelhanças e permanências, pode-se observar que,


mesmo se propondo o deslocamento do eixo das discussões dos métodos de ensino
para o nível de maturidade ou o processo de aprendizagem do alfabetizando,
justificado por outras tendências em psicologia — como é o caso das resultantes das
pesquisas de Lourenço Filho e das desenvolvidas por Ferreiro e colaboradores —,
permanece a psicologia como base teórica com função diretora no ensino da leitura e
da escrita. Ou se podem observar, também, as semelhanças e filiações entre as várias

51
tendências em psicologia que se apresentam como diferentes entre si, encontrando-se,
porém, algumas delas, assentadas em bases epistemológicas comuns.
É possível, então, pensar que, no ritmo desse complexo movimento histórico da
alfabetização no Brasil, marcado pela questão dos métodos, a despeito das mudanças
efetivamente ocorridas, a desejada ruptura com a tradição se processa, muitas vezes, no
interior de um quadro de referências tradicional e, por vezes, ao nível das
superestruturas, apenas, indicando a continuidade, no tempo, de certos ideais centrados
na concepção de educação como esclarecimento — fim não atingido, que permanece
como parâmetro primeiro a demandar ajustes e meios cada vez mais eficazes —, em
cujo âmbito se vai consolidando o interesse pela alfabetização como área estratégica e
cada vez mais autônoma (ainda que limitada) para a objetivação de projetos políticos e
sociais decorrentes de urgências de cada época, ao mesmo tempo em que se vão
produzindo reflexões e saberes que configuram o movimento de escolarização do
ensino e aprendizagem da leitura e escrita e de sua constituição como objeto de
estudo/pesquisa, evidenciando a alfabetização como o signo mais complexo da relação
problemática entre educação e modernidade. Enquanto suposto e prometido resultado
da ação da escola e enquanto rito de iniciação na passagem do mundo privado para o
mundo público da cultura e da linguagem, o ensino aprendizagem da língua escrita na
fase inicial de escolarização de crianças se torna índice de medida e testagem da
eficiência, da ação modernizadora da educação contra a "barbárie".
É possível, enfim, pensar que, sob o signo da modernidade, ou seja, do tempo
histórico ao longo do qual se observa o movimento aqui apresentado, coexistem
diferentes modernidades, no que se refere à alfabetização, de acordo com o modo
como, em cada um dos momentos: produziram-se o sentimento e a consciência do
tempo então presente; pretendeu-se, com “a verdade científica e definitiva”,
constitutiva da busca incessante daquele sentido moderno da escola e da educação,
preencher a lacuna entre seu passado e futuro; e buscaram-se os sentidos do ler e
escrever, para se enfrentarem as dificuldades de nossas crianças em adentrar no mundo
público da cultura letrada.

CONCLUSÃO

Nos dias atuais a discussão sobre métodos de alfabetização se faz presente, seja

52
quando se propõe a desmetodização desse processo, seja quando se discutem cartilhas,
seja quando se utilizam, mesmo que silenciosamente, determinados métodos
considerados tradicionais, porém, não se trata de uma discussão nova, nem tampouco
se trata de pensar que, isoladamente, um método possa resolver os problemas da
alfabetização. Mas, por se tratar de processo escolarizado, sistemático e intencional, a
alfabetização não pode prescindir de método (nem de conteúdos e objetivos, dentre
outros aspectos necessários ao desenvolvimento de atividades de ensino escolar).
Em outras palavras, a questão dos métodos é tão importante (mas não a única,
nem a mais importante) quanto as muitas outras envolvidas nesse processo
multifacetado, que vem apresentando como seu maior desafio a busca de soluções para
as dificuldades de nossas crianças em aprender a ler e escrever e de nossos professores
em ensiná-las. E qualquer discussão sobre métodos de alfabetização que se queira
rigorosa e responsável, portanto, não pode desconsiderar o fato de que um método de
ensino é apenas um dos aspectos de uma teoria educacional relacionada com uma
teoria do conhecimento e com um projeto político e social.
Se quisermos mudar ou manter nossa situação presente e projetar outro futuro,
em vista do que foi aqui apresentado não podemos desconsiderar a complexidade do
problema nem o passado desse ensino, ingenuamente supondo que, em relação a esse
passado, possamos, ou efetuar total ruptura, ou, de maneira saudosista, buscar seu total
resgate, como se não tivesse havido nenhum avanço científico, de fato, nesse campo de
conhecimento.
É preciso conhecer aquilo que constitui e já constituiu os modos de pensar,
sentir, querer e agir de gerações de professores alfabetizadores (mas não apenas),
especialmente para compreendermos o que desse passado insiste em permanecer. Pois
é justamente nas permanências, especialmente as silenciadas ou silenciosas, mas
operantes, e nos retornos ruidosos e salvacionistas, mas simplistas e apenas travestidos
de novo, que se encontram as maiores resistências. E é também de seu conhecimento
que se podem engendrar as reais possibilidades de encaminhamento das mudanças
necessárias, em defesa do direito de nossas crianças ingressarem no mundo novo da
cultura letrada, o qual, embora há mais de um século prometido, vem sendo
veladamente proibido a muitas delas, que não conseguem aprender a ler e a escrever;
em defesa, enfim, de seu direito de, por meio da conquista da leitura e escrita e
sobretudo de seu sentido, não serem submetidas ao dever, apenas, de aprender a,
quando muito, codificar e decodificar signos linguísticos, na ilusão de um dia, quem

53
sabe?, poderem finalmente ler e escrever, se permanecerem na escola e se alguém lhes
ensinar, de fato; em defesa de seu direito de, por meio da conquista do sentido da
leitura e escrita, serem resgatadas do abandono da escuridão e da solidão e não
capitularem frente à proibição de ingressarem no novo mundo prometido.

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