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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

CENTRO DE LETRAS E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MÚSICA
MESTRADO E DOUTORADO EM MÚSICA

O ENSINO DE CANTO POPULAR NO BRASIL: UM SUBCAMPO EMERGENTE

CLARA SANDRONI

Rio de Janeiro, 2017


CLARA SANDRONI

O ENSINO DE CANTO POPULAR NO BRASIL: UM SUBCAMPO EMERGENTE

Tese submetida ao Programa de Pós-


Graduação em Música do Centro de
Letras e Artes da UNIRIO, como requisito
parcial para obtenção do grau de Doutor,
sob a orientação do Professor Dr. José
Alberto Salgado e Silva.

RIO DE JANEIRO, 2017


Dedico esse trabalho a meus pais, Cícero e Laura, com todo meu amor.
AGRADECIMENTOS

A minha família, meus pais, tios, irmãos e sobrinho, pelo apoio e a paciência durante
esses anos de estudo.
À Margareth Guimarães Lima pela amizade, carinho, auxílio e apoio permanentes.
Ao querido tio Roberto Athayde que generosamente me ajudou a corrigir as traduções
necessárias.
A minha querida professora Clarisse Szajnbrum por tantos anos de aulas e amizade.
Ao meu orientador José Alberto Salgado pelos ensinamentos e o apoio em todo o
processo de estudos e escrita.
Aos professores Silvio Merhy, Luciana Requião, Avelino Romero, Pedro Aragão,
Sheila Zaguri, Mauro Rodrigues, Cliff Korman e Fábio Adour, por suas participações em
minhas bancas e pelas valiosas correções e sugestões feitas ao meu trabalho em cada etapa e
ao longo dos anos de estudos.
Ao querido professor Samuel Araújo, que deu o primeiro estímulo para o começo de
meus estudos na pós-graduação.
Aos meus amigos queridos que compartilharam esses anos de pesquisa e discussões.
Aos amigos do GEV-RJ que mais uma vez foram grandes companheiros, além de me
ensinaram muito, como sempre.
A todos os professores que tão generosamente colaboraram com essa pesquisa:
Adriana Piccolo, Ana Paula Albuquerque, Analía Chernavsky, Andrea dos Guimarães,
Andrea Dutra, Clarisse Grova, Daniela Gramani, Daniela Rezende, Diana Goulart, Felipe
Abreu, Iva Rothes, Jackei Hecker, Joelma Telles, Liane Guariente, Lívia Nestrovski, Luciano
Simões, Marcelo Rodolfo, Marcia Tauil, Marcos Sacramento, Mari da Costa, Maria de Barros
Lima, Marilene Campos (Leninha), Mauro Rodrigues, Monica Thieli, Patrick do Val, Pedro
Paulo (Pepê) Castro Neves, Priscila Lavorato, Regina Machado, Renata Vanucci, Ricardo
Góes, Roberta Jardim, Suely Mesquita, Suzie Franco, Tato Fischer, Thais Nunes dos
Guimarães, Uliana Dias e Valéria Braga.
Ao amigo Luiz Flávio Alcofra pela sua gentileza e amizade.
A todos o colegas da pós graduação da UNIRIO.
Aos meus alunos da UFMG, que compartilharam conversas e discussões sobre os
meus temas de estudo.
Aos colegas professores de Música Popular da UFMG pelo companheirismo, amizade
e por terem me ajudado a ter mais tempo para estudar.
Aos professores, funcionários e técnicos administrativos da UNIRIO, sempre tão
atenciosos e prontos para ajudar em todos os momentos, desde o aceite ao meu projeto de
pesquisa até à conclusão dessa fase de estudos.
Aos professores, funcionários e técnicos administrativos da UFMG, sempre dispostos
a me auxiliar com paciência e generosidade.
À UNIRIO, ao Instituto Villa-Lobos por todo o apoio.
À CAPES, pela concessão da bolsa de estudos em 2014.
E finalmente a todos os pesquisadores de canto e de música popular que estão
construindo e desenvolvendo o conhecimento sobre o ensino do canto no Brasil.
“Para estufar esse filó
Como eu sonhei

Se eu fosse o Rei”

(“Futebol” de Chico Buarque de Holanda1)

1
“Futebol”. Disponível em < https://www.letras.mus.br/chico-buarque/681103/> Acesso em: 6 de jul. 2017.
SANDRONI, Clara. O ensino de canto popular no Brasil: um subcampo emergente. 2017.
Tese (Doutorado em Música) – Programa de Pós-Graduação em Música, Centro de Letras e
Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro.

RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo geral investigar o desenvolvimento do ensino de canto
popular no Brasil, verificando a hipótese deste se constituir em um subcampo do campo da
música popular brasileira. Como objetivo específico investiguei o ensino de canto popular
presente em dez universidades públicas, suas características, a formação dos professores que
lá lecionam e os aspectos didáticos deste ensino, entre outras, além de professores autônomos;
grupos de estudos/pesquisa; associações profissionais; lista virtual de discussão; escolas
públicas de ensino básico, técnico e tecnológico; escolas municipais e concursos públicos.
Com a utilização da internet e com a ajuda dos participantes do GEV-RJ, busquei encontrar os
possíveis agentes atuantes na área (indivíduos e instituições), e entender quais seriam os
troféus que estariam em disputa, quais os tipos de capital que circularia entre eles, e quais
suas possíveis relações hierárquicas, identificando agentes atuantes, proativos e que
exercessem algum tipo de influência dentro da área. Foi utilizado o método etnográfico com
entrevistas e a análise do discurso dos agentes colaboradores. Para as análises foram
utilizados principalmente os conceitos de análise relacional e de capital simbólico, inerentes
ao conceito de “campo” de Pierre Bourdieu. Os procedimentos realizados durante a pesquisa
foram a observação direta, a observação participante, entrevistas semiestruturadas, a pesquisa
documental e o uso do diário de campo. Entre os principais resultados destacam-se o perfil
artístico performático dos professores colaboradores e sua opção por utilizar como principal
material didático o repertório da música popular brasileira legitimada pela literatura crítica e
histórica produzida no Brasil durante o século XX. Finalmente verifiquei que a área de ensino
de canto popular está em desenvolvimento e pode ser classificada como um subcampo
emergente dentro do campo da música popular brasileira.

Palavras chave: Ensino de canto popular. Música Popular Brasileira. Professor de canto popular.
Universidades públicas. Subcampo/Teoria dos Campos.
SANDRONI, Clara. The teaching of popular singing in Brazil: an emerging subfield. 2017.
Thesis (Doctorate in Music) - Graduate Program in Music, Arts and Letters Center, Federal
University of the State of Rio de Janeiro.

ABSTRACT

This research had as its general goal to investigate the development of popular singing
teaching in Brazil _ verifying whether it constitutes a subfield of the Brazilian popular music
field. As a specific objective, I investigated the teaching of popular singing present in ten
public universities, their characteristics, the training of their teachers and the didactic aspects
of this teaching, including, among others, besides autonomous teachers, study/research
groups, professional associations, virtual mailing lists, public primary, technical and
technological schools, municipal schools and public competitions. With the use of the internet
and with the help of GEV-RJ participants, I tried to find the possible agents in the area
(individuals and institutions) and to understand the trophies that would be in dispute, what
kind of capital would circulate among them and what their possible hierarchical relationships
are, identifying active and proactive agents exerting some type of influence within the area.
The ethnographic method was applied to interviews and discourse analysis of collaborating
agents. For the analyses, I mainly used the notions of relational analysis and symbolic capital
analysis, as inherent in Pierre Bourdieu's concept of ‘field’. The procedures performed during
the research were direct observation, participating observation, semi-structured interviews,
documentary research and the use of a field diary. Among the main results are the artistic
performance profile of the collaborating teachers and their option to use as main teaching
material the repertoire of Brazilian popular music legitimized by the critical and historical
literature produced in Brazil during the 20th century. Finally, I verified that the popular
singing teaching area is in development and can be classified as an emerging subfield within
the field of Brazilian popular music.

Keywords: Popular singing teaching. Brazilian Popular Music. Popular singing teacher.
Public Universities. Subfields/Champ teory.
SANDRONI, Clara. L'enseignement de chant populaire au Brésil: un sous-champ émergeant.
2017. Thèse (Doctorat en Musique) - Post-Graduate Programme en musique, Lettres et Arts
Center, Université fédérale de l'État de Rio de Janeiro.

RÉSUMÉ

Cette recherche a eu comme objectif général d'étudier le développement de l'enseignement du


chant populaire au Brésil, en vérifiant l’hypothèse qu’il constitue un sous-champ du champ de
la musique populaire brésilienne. En tant qu'objectif spécifique, j'ai étudié l'enseignement du
chant populaire présent dans dix universités publiques, leurs caractéristiques, la formation des
professeurs qui y enseignent et les aspects didactiques de cet enseignement, entre autres, outre
les enseignants autonomes, les groupes d'étude/recherche, les associations professionnelles,
les liste de diffusion virtuelle, les écoles publiques primaires, techniques et technologiques,
les écoles municipales et les concours publics. Avec l'utilisation de l’Internet et à l'aide des
participants GEV-RJ, j'ai essayé de trouver les agents possibles dans la région (individus et
institutions), et de comprendre les prix qui seraient en dispute, quel type de capital circulerait
entre eux et quelles sont leurs relations hiérarchiques possibles, identifiant les agents actifs,
proactifs et qui ont exercé quelque type d'influence dans la région. On a utilisé la méthode
ethnographique avec des interviews et l'analyse du discours des agents employés. Pour les
analyses, ont été principalement utilisés les concepts d'analyse relationnelle, habitus et du
capital symbolique, inhérents au concept de « champ » de Pierre Bourdieu. Les procédures
mises en œuvre au cours de l'étude ont été l'observation directe, l'observation participante, des
entrevues semi-structurées, la recherche de documents et l'utilisation d’un journal sur terrain.
Les principaux résultats comprennent le profil artistique performeur des enseignants et leur
option pour utiliser comme matériel pédagogique principal le répertoire de la musique
populaire brésilienne légitimé par la littérature critique et historique produite au Brésil au
cours du XXe siècle. En conclusion, j’ai vérifié que le secteur de l'enseignement du chant
populaire se trouve en développement et peut être classifié comme un sous-champ émergent
dans le champ de la musique populaire brésilienne.

Mots-clés: Enseignement du Chant Populaire/ Musique Populaire Brésilienne/ Professeur de chant


populaire. Universités publiques. Sous-champ/ Théorie des champs.
LISTA DE ABREVIATURAS

EAD Educação à distância


FAP Faculdade de Artes do Paraná
GEV-RJ Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro
IA Instituto de Artes
IFPE Instituto Federal de Pernambuco
MPB Música Popular Brasileira
PV Preparação Vocal
REUNI Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais
UEMG Universidade Estadual de Minas Gerais
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFC Universidade Federal do Ceará
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPB Universidade Federal da Paraíba
UFSCar Universidade Federal de São Carlos
UFSJ Universidade Federal de São João Del-Rey
UnB Universidade de Brasília
UNESPAR Universidade Estadual do Paraná
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNILA Universidade Federal da Integração Latino-Americana

LISTA DE FIGURAS

Fig. 1 - Trecho da partitura de “A Jangada voltou só”, de Dorival Caymmi ................................... 96


Fig. 2 - Trecho da partitura de “Luíza” de Tom Jobim .................................................................... 179
Fig. 3 - Descrição gráfica da participação dos professores nos espaços de mediação...................... 188
Fig. 4 - Conjunto de gêneros musicais de canto popular oferecidos por professores ...................... 189
Fig. 5 - Quadro que representa o subcampo e seus agentes ............................................................. 202

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Lista de itens da pesquisa empírica ............................................................................. 35


Quadro 2 - Pergunta orientadora ................................................................................................... 35
Quadro 3 - Lista que fiz para o início das investigações .............................................................. 36
Quadro 4 - As duas principais áreas de trabalho com a voz cantada ............................................. 37
Quadro 5 - Espaços de identificação do professor de canto popular ............................................. 38
Quadro 6 - As duas primeiras entrevistas realizadas com professores universitários de canto
popular ........................................................................................................................................... 39
Quadro 7 - As duas primeiras entrevistas com professores autônomos ........................................ 39
Quadro 8 - As três entrevistas seguintes ........................................................................................ 39
Quadro 9 - Quadro de professores entrevistados entre Janeiro e maio de 2017 ............................ 40
Quadro 10 - Professores a quem enviei o questionário piloto ....................................................... 41
Quadro 11 - Lista de professores autônomos que responderam o questionário............................ 42
Quadro 12 - Professores autônomos que mandaram algumas respostas por e-mail ...................... 42
Quadro 13 - Periodicidade das reuniões do GEV-RJ entre 2013 e 2017....................................... 46
Quadro 14 - Universidades públicas com ensino de canto popular indicadas por Queiroz .......... 55
Quadro 15 - Universidades particulares e um Conservatório ........................................................ 55
Quadro 16 - Modalidades de aulas de canto popular na UNICAMP............................................. 57
Quadro 17- Lista de universidades públicas elencadas por Queiroz (2009).................................. 66
Quadro 18 - Lista de universidades públicas com ensino de canto popular (depois de 2009) ...... 66
Quadro 19 - Principais temas das perguntas feitas aos professores .............................................. 78
Quadro 20 - Tópicos de repertório para o curso da UNICAMP (de 2009) ................................... 103
Quadro 21 - Lista de conteúdos das disciplinas das aulas da FAP em 2009 ................................. 117
Quadro 22 – Períodos e gêneros musicais estudados no canto popular da UFC............................ 119
Quadro 23 - Disciplinas de canto popular na UFMG/2016............................................................ 122
Quadro 24 - Lista de temas escolhidos na UFMG para as aulas com o canto popular ................. 122
Quadro 25 - Repertório da Performance em Canto Popular na UFMG a partir de 2017 .............. 123
Quadro 26 - Modalidades de cursos com ensino de canto popular ............................................... 128
Quadro 27 - Espaços de ensino de canto popular fora das universidades públicas ....................... 132
Quadro 28 - Concurso UFPB de 2016 ........................................................................................... 150
Quadro 29 - Concurso da UNB de 2010 ........................................................................................ 151
Quadro 30 - Concurso para UFSJ de 2010 .................................................................................... 152
Quadro 31 - Concurso para a UFBA de 2010 ................................................................... 153
Quadro 32 - Concurso UNILA de 2013 ............................................................................ 154
Quadro 33 - Concurso UFMG de 2014.......................................................................................... 157
Quadro 34 - Os Espaços de Mediação ........................................................................................... 161
Quadro 35 - Linhas de pesquisa do grupo de pesquisa Vox Mundi .............................................. 164
Quadro 36 - Lista de livros escolhidos no Grupo de Pesquisa de BH ........................................... 166
Quadro 37 - Divulgação do I Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular ..................... 168
Quadro 38 - Lista dos assuntos discutidos na lista ........................................................................ 171
Quadro 39- Perfil declarado dos profissionais de voz que estão na lista ...................................... 171
Quadro 40 - Mensagem enviada para a lista PV ........................................................................... 172
Quadro 41 - Lista dos sujeitos que responderam na lista PV......................................................... 173
Quadro 42 - Lista de gêneros musicais e de músicos citados pela maioria dos professores de
canto popular das universidades públicas federais ........................................................................ 190
Quadro 43 - Lista de gêneros musicais que também foram citados pelos professores ................. 191
Quadro 44 - Alguns dos gêneros musicais citados apenas por dois professores entrevistados,
como parte dos currículos das universidades públicas brasileiras ................................................. 191

LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Distribuição populacional nas regiões do Brasil ................................................ 77


Tabela 2 - Tabela dos concursos universitários para professor de Canto Popular ............. 148
Tabela 3 - Tabelas das áreas de conhecimento exigidas nos concursos para professor de canto
popular ............................................................................................................................................. 196

LISTA DE ANEXOS

ANEXO A - O “Jogo da MPB” ....................................................................................................... 219


ANEXO B - Questionário sobre ensino de canto popular no Brasil ............................................... 220
ANEXO C - Histórico da Associação Brasileira de Canto (ABC) .................................................. 224
ANEXO D - O decreto do REUNI .................................................................................................. 230
ANEXO E - Atualização do currículo do professor Felipe Abreu .................................................. 232
ANEXO F - Temas das perguntas feitas durante as entrevistas ...................................................... 233
ANEXO G - Concurso da UFPA ..................................................................................................... 234
ANEXO H - Concurso da UFRN .................................................................................................... 235
ANEXO I - Atualizado do currículo de Ana Lúcia de Alcântara Calvente (GEV).......................... 236
ANEXO J - Atualização do currículo de Suely Mesquita (GEV) ................................................... 237
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO................................................................................................................. 13

CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO E MÉTODO DA PESQUISA .................. 23


1.1 O campo da música popular brasileira............................................................. 25
1.2 A teoria dos “campos” como ferramenta de análise........................................ 29
1.2.1 O ensino de canto e a análise relacional............................................ 30
1.3 O trabalho etnográfico e o pesquisador nativo .............................................. 32
1.4 O método da pesquisa empírica ...................................................................... 34
1.4.1 As entrevistas .................................................................................. 38
1.4.2 O questionário ................................................................................ 40
1.4.3 A observação participante ............................................................... 43
1.4.4 A lista de discussão Preparação Vocal ....................................................... 46
1.4.5 A pesquisa documental e o diário de campo.................................... 46

CAPÍTULO 2 - REVENDO A LITERATURA SOBRE O ENSINO DE CANTO


POPULAR......................................................................................................................... 49
2.1 A estética vocal no canto popular no brasil...................................................... 49
2.2 Uma Monografia fundamental ......................................................................... 51
2.3 A análise acústica e interpretativa ................................................................... 53
2.4 O canto popular nas universidades, o caso da UNICAMP............................... 54
2.5 A entrada do músico popular no ensino formal ............................................... 58
2.6 A experiência do grupo GEV-RJ ..................................................................... 61
2.7 Outros trabalhos citados no texto ..................................................................... 62

CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE CANTO POPULAR NAS UNIVERSIDADES


PÚBLICAS BRASILEIRAS ............................................................................................ 65
3.1 Uma reflexão sobre a demanda para o ensino de canto popular................................. 67
3.2 As entrevistas .................................................................................................. 78
3.2.1 O ensino de canto popular na UFPB .......................................................... 78
3.2.2 O ensino de canto popular na UFSJ ........................................................... 87
3.2.3 O ensino de canto popular na UNILA ........................................................ 90
3.2.4 O ensino de canto popular na UFBA .......................................................... 94
3.2.5 O ensino de canto popular na UNICAMP .................................................. 98
3.2.6 O ensino de canto popular na UFSCar ....................................................... 105
3.2.7 O ensino de canto popular na UnB ............................................................. 110
3.2.8 O ensino de canto popular na UNESPAR – Campus II ............................. 113
3.2.9 O ensino de canto popular na UFC ............................................................. 118
3.2.10 O ensino de canto popular na UFMG ....................................................... 119
3.3 Conclusões parciais ..................................................................................................... 124

CAPÍTULO 4 – ANTES E ALÉM DA UNIVERSIDADE ............................................. 129


4.1 O ensino de canto popular no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE) ......... 130
4.2 Ensino básico, técnico e profissionalizante.................................................................. 131
4.2.1 O ensino de canto popular na CEP- EMB .............................................. 133
4.2.2 O canto popular na Escola de Música da UFAL .................................... 135
4.2.3 O canto popular na Escola de Música da UFPA (EMUFPA) ................. 136
4.3. O canto popular em Conservatórios de Música........................................................... 139
4.4 O canto popular em Escolas Municipais...................................................................... 144
4.5 Os professores autônomos e a especialização do ensino ............................................. 145
4.6 Os concursos públicos para professor de canto popular............................................... 147
4.7 Os concursos para as escolas de música da UFPA e da UFRN.................................... 157
4.8 Os Espaços de Mediação ............................................................................................. 160
4.8.1 Grupos de estudos e de pesquisa ............................................................ 161
4.8.2 Associações profissionais ....................................................................... 167
4.8.3 Encontros acadêmicos ............................................................................ 168
4.8.4 Lista de discussão virtual “Preparação Vocal.......................................... 170
4.9 Conclusões parciais .................................................................................................... 173

CAPÍTULO 5 – DISCUSSÃO ......................................................................................... 175


5.1. O uso de métodos de ensino de canto popular brasileiro............................................ 175
5.2 Os Espaços de Mediação e a especialização do ensino................................................ 187
5.3 A legitimação do ensino por meio da escolha do repertório ....................................... 189
5.4 As exigências e os temas dos concursos públicos para o canto popular ..................... 196
5.4.1 Os concursos e suas áreas de conhecimento ........................................... 196
5.4.2 O conteúdo programático das provas ..................................................... 197
5.5 O desenvolvimento da área de ensino de canto popular no Brasil e sua possível 199
configuração em um subcampo do campo da música popular brasileira .........................
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................ 205
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................................................... 211
ANEXOS ....................................................................................................................................... 219
13

INTRODUÇÃO

Sou cantora profissional desde 1981, professora de canto popular autônoma desde
1991 e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desde 2015. Meu
envolvimento inicial com a música surgiu dentro de casa, com minha família, pais e tios,
apreciadores de música e de festa. Desde cedo incentivaram-me a cantar, em duo com minha
mãe1 e mais tarde em dupla com meu irmão Carlos2. Com o passar do tempo a brincadeira
ganhou tons de seriedade e resolvi seguir a profissão artística. Trabalhei profissionalmente em
dupla com meu irmão Carlos Sandroni durante oito anos, desde o primeiro trabalho cantando
em um barzinho, na montagem e estreia de nosso primeiro show Bem Baixinho em 1983, que
resultou no LP Clara Sandroni, até o lançamento do nosso segundo disco DAQUI em 19873.
Esses foram meus anos dourados. Nesse período tive a sorte de trabalhar com músicos e
cantores maravilhosos em shows no Rio e em São Paulo, e viajar pelo Brasil e pelo mundo:
no Brasil pelo projeto Pixinguinha, com os músicos Joyce Moreno4 e Lazinho5; aos EUA, a
Nova York para gravar com o guitarrista Al Di Meola6 em seu disco Tirami Su; a Cuba, com
meu irmão, a convite da cantora Joyce Moreno, onde conheci os músicos Silvio Rodriguez7 e
Pablo Milanés8, entre outros; e a Bogotá na Colômbia, onde eu e Carlos participamos do III
Taller de Música Latino Americana e Caribenha.

1
Laura Sandroni sempre gostou de cantar, na juventude aprendeu a tocar violão para cantar as canções
francesas que amava e anos 1990 montou um show cantando essas e outras músicas francesas, com meu
tio Fernando Sandroni ao piano. Esse show foi registrado no CD Douce France em 2002. É cantora do
grupo Cantores do Chuveiro desde 1999 e tem em seu currículo shows dirigidos por Augusto Boal,
Ricardo Cravo Albim, Dudu Sandroni e Eduardo Dusek. Disponível em
< http://dicionariompb.com.br/cantores-do-chuveiro> Acesso em: 20 de jun. 2017.
2
Carlos Sandroni é violonista, compositor, Doutor em Etnomusicologia e professor da UFPE. Como
músico tem composições cantadas e gravadas por cantores como Milton Nascimento, Leila Pinheiro,
Adriana Calcanhoto e Clara Sandroni entre outros. Lançou seu primeiro CD solo Sem Regresso, em
2014.
3
Ainda nos apresentamos juntos sempre que possível, como aconteceu em turnês que fizemos na França
em 1992, 1994, 1996 e 2008.
4
Joyce Silveira Moreno (1948) cantora e compositora carioca. Disponível em
<https://www.joycemoreno.com/> Acesso em: 16 de jul. 2017.
5
Lazo Matumbi, cantor e compositor baiano de Salvador. Disponível em
< http://dicionariompb.com.br/lazzo> Acesso em: 13 de jul. 2017.
6
Al Di Meola (1954), guitarrista americano. Ficou mias conhecido internacionalmente com o disco
The Guitar Trio de 1996, com John McLaughlin e Paco de Lucía. Disponível em
<https://www.aldimeola.com/ > Acesso em: 13 de jul. 2017.
7
Silvio Rodriguez (1946) nasceu em San Antonio de los Baños, na província de La Habana, em
Cuba. Compositor, violonista e cantor. É um dos artistas mais importantes de sua geração e com Pablo
Milanés, Noel Nicola e Vicente Feliú criou a Nova Trova Cubana “caracterizado pela crítica social, pelo
compromisso com a revolução, pela densidade poética e pela ousadia em termos musicais”. Disponível
em < https://www.brasildefato.com.br/node/8570/ > Acesso em: 13 de jul. 2017.
8
Pablo Milanés (1943) cantor e guitarrista cubano, um dos protagonistas da Nova Trova Cubana.
Disponível em < https://www.brasildefato.com.br/node/8570/ > Acesso em: 13 de jul. 2017.
14

Além de trabalhar com minha turma, colegas da UNIRIO e de fora dela, ainda em
1985, fui convidada a cantar com Milton Nascimento9, no disco Encontros e Despedidas, o
que me trouxe na época maior visibilidade entre a crítica e o público. Na década de 1980 o
Rio de Janeiro surgiu uma nova geração de músicos, muitos dos quais fizeram sua carreira de
forma independente das grandes gravadoras.
Esses músicos eram chamados de independentes ou vanguarda musical carioca, entre
outros títulos, mas a verdade é que nossa trajetória ainda não foi devidamente estudada e
contada10. Para saber de que forma essa história contribuiu para os processos de
desenvolvimento da música popular carioca e brasileira é preciso notar de início que esta
geração teve influências musicais diversas. Parte dela, na qual eu me incluo, foi influenciada
pela Vanguarda Paulista, especialmente pelo grupo RUMO11, e pelos artistas Arrigo
Barnabé12, Itamar Assunção13 e suas bandas. Assisti esses artistas tantas vezes quanto pude e
com sua inspiração me lancei à aventura do profissionalismo, dos shows e em seguida às
gravações de discos e CDs.
Entre 1984 e 2010 lancei onze trabalhos, entre discos e CDs, todos frutos de shows e
turnês realizadas no Brasil, principalmente no Rio de Janeiro. A decisão de voltar a estudar e
cursar o mestrado e o doutorado, a partir de 2011, me afastou do dia a dia de shows, ensaios e
gravações, mas me possibilitou pensar e estudar sobre muitos fenômenos nos quais estávamos
mergulhados, e sendo arrastados pelas marés do sucesso, do fracasso e das paixões. Sem
condições de vir à tona, respirar e refletir sobre os acontecimentos.
Voltar a estudar me permitiu uma pausa para a meditação, uma reconciliação com a
música e com a política, o redescobrimento das teorias sociais, muitas delas agora rebatizadas
com o prefixo neo: neo feminismo, neo marxismo, neoliberalismo, novos ângulos de ver os
fenômenos sociais no século XXI. Permitiu-me também refletir sobre minha prática artística e
9
Milton Nascimento (1942) músico, cantor e compositor. Carioca de nascimento e radicado em
Três Pontas (MG) com um ano e meio. Um dos criadores do movimento “Clube da Esquina”.
Disponível em < http://dicionariompb.com.br/milton-nascimento > Acesso em: 13 de jul. 2017.
10
Em uma pequena crítica, escrita sobre o disco de Alexandre Salles e o meu, no dia 7 de
setembro de 1984, no Jornal do Brasil, Tárik de Sousa fala que somos “Os novos
independentes”, e em julho de 1986 o jornalista Maurício Stycer faz uma matéria de página
inteira no Jornal do Brasil, onde estou incluída, saudando a “A nova música do Rio”. (STYCER,
1984)
11
O grupo RUMO é de São Paulo e começou em 1974. Participaram de sua formação original os
músicos Akira Ueno, Ciça Tuccori, Gal Opido, Geraldo Leite, Hélio Ziskind, Luiz Tatit, Ná
Ozzetti, Paulo Tatit, Pedro Mourão e Zecarlos Ribeiro. Disponível em
<http://www.gruporumo.com.br/index.php?mpg=01.00.00&ver=por> Acesso em: 13 de jul.
2017.
12
Arrigo Barnabé (1951) de Londrina (PR) é compositor, cantor e instrumentista. Disponível em
< http://dicionariompb.com.br/arrigo-barnabe> Acesso em: 13 de jul. 2017.
13
Francisco José Itamar de Assumpção (19489 - 2003). Cantor e compositor. É de Tietê (SP).
Disponível em < http://dicionariompb.com.br/itamar-assumpcao > Acesso em: 13 de jul. 2017.
15

didática de forma mais profunda e proveitosa, pois os resultados desta reflexão poderão ser
compartilhados com os pesquisadores e demais interessados.
Se vem da família o gosto pela música e pelas artes em geral, também recebi uma
herança intelectual e literária que pretendo, de forma muito modesta, que se reflita no trabalho
de pesquisa e de escrita que agora apresento ao leitor.
Esse estudo é a continuidade, no âmbito acadêmico, da investigação realizada por mim
durante o mestrado cursado na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) 14 entre 2011 e
2012. Por meio daquela pesquisa conhecemos os processos de ensino e aprendizado de canto
15
popular no Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro (GEV-RJ) , porém ainda sabemos
muito pouco sobre os processos de ensino e aprendizagem de canto popular no Brasil e em
universidades públicas brasileiras, onde esse ensino já está implantado através de cursos,
habilitações e disciplinas. Essa constatação, em muitos aspectos, me levou a elaborar o
projeto para o doutorado.
No intuito de colaborar para suprir diversas lacunas neste conhecimento realizou-se
uma pesquisa etnográfica sobre os processos de ensino e aprendizagem de canto popular no
país e especificamente, entre quinze professores de dez universidades públicas brasileiras -
UFPB, UFSJ, UFBA, UNILA, UNICAMP, UFSCar, UnB, UNESPAR, UFC e UFMG. Além
da pesquisa documental e da discussão com a literatura realizei uma observação presencial
nas universidades UFPB, UFSCar e UFMG, entrevistas presenciais com os professores da
UFSJ, UFBA, UNILA, e entrevistas virtuais com os professores da UNICAMP, UnB e
UNESPAR.
Nosso objetivo principal foi o de conhecer as práticas de ensino de canto popular no
Brasil e como objetivo específico realizamos uma pesquisa nas universidades públicas citadas
acima e procuramos situar o ensino em universidades públicas dentro da área de ensino de
canto popular no Brasil. Consideramos que esta área de ensino está em desenvolvimento e em
processo de se configurar em um subcampo, de acordo com a teoria dos campos de Bourdieu
(2011). A pesquisa foi realizada através da observação participante, de observação in loco, de
entrevistas com os professores de canto popular (presenciais e virtuais), de questionários e
análise documental.

14
No trabalho “Práticas de ensino de canto popular urbano brasileiro no grupo de estudos da voz
(GEV-RJ) e seus desdobramentos”, tratei das experiências de ensino e de aprendizagem de canto
popular entre os participantes do Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro (GEV-RJ). O
GEV-RJ é um grupo de estudos da voz cantada, com ênfase em canto popular, que existe desde
1990 e do qual faço parte desde o seu início (SANDRONI, 2013).
15
Os professores do grupo GEV-RJ.
16

Para identificar a atuação dos professores dessa área de ensino, além dos professores
das universidades públicas investigadas, também investigamos a atuação de um grupo de
professores autônomos, além das instituições que funcionam como espaços de mediação entre
os professores universitários, autônomos e outros profissionais da voz cantada. Entre estes:
grupos de estudo e de pesquisa; encontros acadêmicos; associações de classe e lista virtual de
discussão na internet.
A observação participante foi utilizada para a pesquisa: no Grupo GEV-RJ; em dois
encontros acadêmicos realizados na UNICAMP e em dois concursos públicos para a vaga de
professor de canto popular (UFPA e UFRN). A investigação sobre as associações
profissionais16 surgiu através de pesquisa documental e da memória que tenho sobre a
participação ativa junto a essas sociedades e seus eventos. O depoimento pessoal foi realizado
para relatar e discutir sobre o ensino de canto popular na UFMG e também para relatar a
experiência do concurso para professor de canto popular na UFMG, do qual eu fui candidata.
Os questionários foram utilizados para a pesquisa junto ao grupo dos professores autônomos.
Ao estudar a hipótese de que, nos últimos quarenta anos, um subcampo de ensino de
canto popular vem se configurando no país, utilizamos como principal referencial teórico os
conceitos formulados por Pierre Bourdieu em sua teoria dos campos. Desse ponto de vista
uma área de ensino de canto popular no Brasil poderia se configurar em um subcampo do
campo da música popular brasileira no país. Propor classificar o ensino de canto popular no
Brasil como um subcampo e não simplesmente como uma área (o que também não deixa de
ser), indica mais sobre o processo de análise da pesquisa do que sobre qualquer outro tipo de
conclusão.
Apesar de ainda sabermos muito pouco sobre os processos de ensino e aprendizagem
entre os professores universitários de canto popular no Brasil há exceções nesse quadro de
desinformação, que vêm principalmente dos trabalhos de: Queiroz (2009) sobre o ensino de
canto popular na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), e de Albuquerque (2017),
sobre os currículos no ensino de canto popular no Brasil com foco principal de pesquisa na
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e na Universidade de Brasília (UnB).
De acordo com Piccolo (2003), a partir de 1970 surgem professores de aulas para o
cantor popular e, no final dos anos 1980 apareceu o profissional que se auto define como
professor de canto popular, mas só em 1989 o ensino de canto popular entrou para a
universidade pública a partir de sua adoção pela UNICAMP.

16
Associação Brasileira de Canto (ABC) e Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV).
17

É possível supor que a demanda atual para o ensino de canto popular resultou de
motivos diversos. Um deles seria o surgimento de um movimento coral, principalmente no
Sudeste do país, que investiu no repertório da música popular e demandou preparadores
vocais, que mais tarde, no processo de desenvolvimento de seu trabalho, teriam se tornado
professores/as de canto popular (PICCOLO, 2003). Outro motivo possível teria sido o
aumento da oferta de cantores populares em um mercado pós-bossa-nova, onde cantores e
artistas de “pouca voz” foram requisitados pela indústria fonográfica.
A título de esclarecimento, quando nos referirmos ao canto popular brasileiro,
estaremos falando da prática daquele cantor que tem sido o principal transmissor e divulgador
do repertório cantado da chamada música popular brasileira urbana, aquela música urbana
registrada e divulgada pela indústria cultural no país a partir principalmente dos anos 1920
(SANDRONI, 2000).
Durante nossa pesquisa também iremos discutir os possíveis significados do termo
canto popular, expressão que no Brasil poderia estar abrangendo diversos gêneros musicais
que poderiam se distanciar enormemente uns dos outros, se analisados sobre parâmetros
diferentes como: importância econômica; popularidade; região onde é encontrada; nível de
divulgação pela mídia; reconhecimento da crítica especializada; nível de popularidade em
diferentes classes sociais; gosto entre gerações diferentes, entre outras possibilidades. A título
de introdução sobre essa discussão vamos entender o termo canto popular como parte da
música popular urbana, especificamente o seu repertório cantado. Sobre ela podemos citar a
opinião de Tinhorão, por exemplo, na abertura de sua Pequena História da Música Popular
(1991).

Por oposição à música folclórica (de autor desconhecido, transmitida oralmente de geração
em geração), a música popular (composta por autores conhecidos e divulgada por meios
gráficos, como partituras, ou através da gravação de discos, fitas, filmes ou vídeo-teipes)
constitui uma criação contemporânea do aparecimento de cidades com certo grau de
diversificação social. (TINHORÃO, 1991, p. 1) 17

Por outro lado Sandroni (2004) aponta para o fato de que as designações de música
folclórica, música popular e música erudita não estão livres de polêmicas. De acordo com
Sandroni podemos perceber que “(...) expressões como ‘música popular’ e ‘música folclórica’
não designam realidades naturais e imutáveis, mas como dizem os antropólogos, ‘categorias
nativas’, expressando decupagens do mundo da música particulares aos que as empregam”.
(SANDRONI, 2004, p. 2)

17
Somam-se aos meios de divulgação citados os computadores, celulares, smartphones, entre
outras novas maneiras de ouvir música.
18

Ao comentar as mudanças dos significados que são dados ao termo música popular,
Sandroni conta que, ao chegar à França para uma temporada de estudos, notou uma diferença.
Para eles a música popular seria como a nossa música folclórica, já para nós a música popular
também está ligada ao fenômeno urbano e industrial. Segundo o autor, no Brasil essas
designações se transformaram através dos tempos,

A primeira coisa a notar é que até os anos 1940 usava-se correntemente no Brasil a
expressão “música popular” com sentido similar ao que hoje prevalece na França. O melhor
exemplo deste uso é o livro de Oneyda Alvarenga, Música popular brasileira, lançado em
1947, que dedica apenas 20 de suas 374 páginas à música urbana. Mas a associação do
“popular”, em arte, ao predominantemente rural, remonta a nossos primeiros folcloristas,
como Celso de Magalhães (e seus artigos pioneiros sobre “A poesia popular brasileira”) e
Silvio Romero (e seus livros sobre os Contos e Cantos populares do Brasil). Tal associação
chegou a Oneyda por via de seu mestre Mário de Andrade. (SANDRONI, 2004, p. 2)

Além disso, os conteúdos musicais introduzidos nessas classificações também podem


ser fluidos, migrando entre essas principais designações. No caso, por exemplo, quando
deixam de ser utilizadas em rituais tradicionais e passam a pertencer também a um mercado
musical urbano e à indústria fonográfica.

Além da fragmentação das músicas populares, uma característica importante, e ainda pouco
sublinhada, da cena musical brasileira a partir dos anos 1990, é a relativização da dicotomia
entre aquelas e a “música folclórica”. Isto se deve, em grande parte, a que pessoas
envolvidas com manifestações ditas folclóricas passaram a tomar atitudes não previstas no
papel que a referida dicotomia lhes atribuía. (SANDRONI, 2004, p. 6)

Ainda sobre a utilização de termos no decorrer deste texto, e para definir o ensino de
canto que havia e ainda há nos cursos universitários de música antes da entrada do ensino de
canto popular, usaremos o termo “canto erudito”. Trata-se de um termo genérico, pois nele
está subentendido o ensino de diversos gêneros de música, entre elas: a ópera, a música
clássica, barroca e de concerto, entre outras. Na UFMG, por exemplo, usa-se o termo “Canto”
na área da música erudita e “Canto – Música Popular” para a área de canto popular.
O termo “canto erudito” também foi o escolhido para representar essa área do ensino
de canto no artigo “PB cantado – normas para a pronúncia do português brasileiro no canto
18
erudito” , sobre as normas do português cantado (publicado pela revista Opus, em 2007).
Seus autores, na época eram (e alguns ainda são) professores/as de canto erudito de algumas
das mais importantes universidades do país. São eles: Adriana Kayama (UNICAMP), Flávio
Carvalho (UFU), Luciana Monteiro de Castro (UFMG), Martha Herr (UNESP), Mirna Rubim
(UNIRIO), Mônica Pedrosa de Pádua (UFMG) e Wladimir Mattos (UNESP).

18
“PB cantado – normas para a pronúncia do português brasileiro no canto erudito”, artigo
publicado na revista Opus, vol. 13, número 2, de dezembro de 2007.
19

Estamos cientes que a utilização de termos erudito e popular, para a classificação


musical, não está livre de polêmicas. Como escreveu Roger Chartier “A cultura popular é uma
categoria erudita” (CHARTIER, 1995, p. 179). O autor abre um de seus textos com essa frase
que chama de abrupta, e continua:

Por que enunciar, no começo de uma conferência, tão abrupta proposição? Ela pretende
somente relembrar que os debates em torno da própria definição de cultura popular foram
(e são) travados a propósito de um conceito que quer delimitar, caracterizar e nomear
práticas que nunca são designadas pelos seus atores como pertencendo à "cultura
popular". (CHARTIER, 1995, p. 179)

Chartier esclarece que o conceito de cultura popular foi produzido como uma categoria
erudita, e que se destina a descrever o que se produz fora da cultura erudita e dessa forma o
conceito de cultura popular “(...) tem traduzido, nas suas múltiplas e contraditórias acepções,
as relações mantidas pelos intelectuais ocidentais (e, entre eles, os scholars) com uma
alteridade cultural ainda mais difícil de ser pensada que a dos mundos ‘exóticos’”
(CHARTIER, 1995, p. 179).
Apesar dessas observações, verificamos que os termos erudito e popular, são
utilizados constantemente, tanto no ensino universitário como no ensino autônomo, e não nos
coube, no âmbito desta pesquisa, alterar os termos já utilizados no cotidiano dos professores.
Por outro lado não pretendemos com isso incentivar uma polarização entre o ensino de canto
popular e erudito, bem ao contrário, verificamos que há entre eles muito em comum e muito a
compartilhar.
Em meu mestrado utilizei o termo canto popular urbano brasileiro numa tentativa de
deixar ainda mais claro para o leitor a respeito de qual produção musical estava me referindo,
e também por compreender a dificuldade manifestada por alguns ouvintes em admitir a
coexistência, dentro do termo canto popular brasileiro, de uma canção qualquer da bossa
nova e de um funk carioca, por exemplo. No nosso entendimento as duas obras musicais
poderão ser classificadas como o repertório de um cantor popular, ou de um cantor popular
urbano brasileiro.
Também é importante mencionar que a partir dos anos de 1980, com a era da gravação
digital, o que chamamos de produção musical começou a acontecer também fora do controle
das grandes empresas fonográficas, podendo também ser comercializada numa relação direta
entre o artista produtor e o público consumidor, por intermédio das mais variadas mídias,
como computadores, tabletes, telefone celular, e todos os outros suportes de transmissão para
o som digital (NAKAMO, 2010).
20

Para realizar esta pesquisa decidi utilizar como principal referencial teórico a teoria
dos campos de Pierre Bourdieu (2003; 2004; 2011; 2012; 2013). O sociólogo francês chamou
a sociedade como um todo de campo social e dividiu esse campo social em campos, como o
campo econômico, político, religioso, dentre outros. Sua proposta foi a de que seus alunos e
demais pesquisadores seguissem na busca da existência de campos os mais diversos, tantos
quantos fossem seus objetos de pesquisa (dentro das ciências humanas), e utilizassem o
conceito de campo ou subcampo e todos os conceitos que deles derivam, para suas análises.
No Brasil as teorias de Bourdieu já foram utilizadas na pesquisa sobre música, para a
conceituação de um campo da música popular brasileira, entre outros, pelos autores Morelli
(2008), Paiano (1994), Ortiz (1988) e Ulhôa (1997; 2012).
Logo após essa introdução, no Capítulo 1 vamos apresentar o referencial teórico de
Pierre Bourdieu e esclarecer de que maneira utilizamos esse conhecimento para realizar
nossas análises. Após uma rápida introdução ao tema, falaremos sobre o campo da música
popular no Brasil; sobre a falsa dicotomia entre ensino de canto erudito e popular e a análise
relacional; discutiremos sobre a pesquisa etnográfica, sobre minha condição de pesquisadora
nativa e sobre a observação participante; apresentaremos os instrumentos de pesquisa
utilizados nessa investigação, além de falar sobre as entrevistas e questionários que
realizamos. Apresentarei também o percurso da pesquisa documental e o processo de trabalho
durante a escrita do diário de campo.
No Capítulo 2 apresentarei uma revisão de literatura onde farei um resumo sobre as
pesquisas de Latorre (2003), Piccolo (2003; 2006), Queiroz (2009), Lima (2010) e Sandroni
(2013). Esses trabalhos foram selecionados por mim por tratarem especificamente sobre o
ensino de canto popular e por apresentarem discussões pertinentes ao assunto de que
trataremos em nossa pesquisa.
No Capítulo 3 informaremos sobre a criação dos cursos e habilitações de canto
popular no Brasil e sobre a demanda para esse ensino. Serão relatadas e discutidas as
informações conseguidas sobre os programas de ensino, a escolha do repertório e sobre
algumas tensões encontradas pelos professores de ensino de canto popular. Falaremos
também sobre o ensino de técnica vocal e sobre os espetáculos de final de semestre/ano que
são realizados nas escolas de música.
No Capítulo 4 vamos apresentar informações sobre o ensino de canto popular no
Centro de Educação Profissional Escola de Música de Brasília (CEP-EMB) através da
entrevista realizada com a professora Maria de Barros Lima que, durante dez anos coordenou
o Núcleo de Canto Popular dessa escola. O caso da CEP-EMB é único entre escolas
21

profissionalizantes no país e por isso mereceu nossa atenção especial. Vamos informar
também sobre o ensino de canto popular: na Escola de Música da UFAL; na Escola de Música
da UFPA (EMUFPA); em Conservatórios de Música; e em Escolas Municipais. Em seguida
apresentaremos de forma resumida, informações sobre os concursos para as vagas de
professor de canto popular para as universidades públicas brasileiras. Ainda no assunto sobre
os concursos farei um relato crítico sobre minha participação nas bancas dos concursos da
UFPA e da UFRN.
Também iremos verificar sobre o ensino e aprendizagem de canto popular entre um
grupo de professores autônomos de canto popular, e indagar, com entrevistas e questionários,
sobre a forma como trabalham em sua prática de aulas e também sobre o recente processo de
especialização do ensino de canto popular. Apresentaremos a proposta da existência de
Espaços de Mediação como instâncias de legitimação da área de ensino de canto popular. Nos
Espaços de Mediação incluímos os grupos de estudo e pesquisa, os encontros acadêmicos, a
lista virtual de discussão Preparação Vocal e as associações profissionais.
No Capítulo 5 faremos a discussão final sobre os assuntos apresentados nesse
trabalho abordando os seguintes temas: a utilização ou não de métodos de ensino de canto
popular; a democratização do conhecimento nos Espaços de Mediação; o professor de canto
popular e sua especialização; a escolha do repertório e a legitimidade do ensino e finalmente,
o processo de configuração da área de ensino de canto popular no Brasil em um subcampo de
ensino de canto popular no Brasil.
22
23

CAPÍTULO 1 - REFERENCIAL TEÓRICO E MÉTODO DE PESQUISA

Esta pesquisa para o doutorado tem origem na investigação que realizei durante o
mestrado em música, quando fiz pesquisas sobre os processos de ensino e aprendizagem entre
os professores de canto popular do Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro (GEV-RJ).
Naquele trabalho inicial tentei aplicar a teoria marxista para analisar o grupo 1 GEV-RJ do
ponto de vista da luta de classes, mas a abordagem não me pareceu relevante naquele
momento. Ao tentar compreender o papel do grupo na sociedade brasileira, estudei a teoria
dos campos de Pierre Bourdieu e percebi que seus conceitos poderiam ser utilizados para
desenvolver uma análise mais ampla sobre o ensino de canto popular no Brasil. Ao adotar os
conceitos da teoria dos campos de Bourdieu (2003), vi a possibilidade de identificar o grupo
GEV-RJ como um agente, em busca de espaços de legitimidade social, disputando com outros
agentes os troféus e os ganhos que podem estar acumulados dentro de uma área de trabalho na
sociedade.
Bourdieu considera sua ideia de campo como um espaço social, e divide a sociedade
em campos: econômico, jurídico, científico, o campo artístico entre outros. Nesses campos,
como em um campo de futebol, os indivíduos e as instituições são chamados de jogadores que
disputam entre si os troféus existentes. Esses troféus são os diversos tipos de capital que
circulam nesse campo, a exemplo do capital econômico, mas não só ele. Sobre o campo
político o autor comenta:

Existe, em primeiro lugar, o campo político: os homens políticos, diretamente implicados


no jogo, portanto diretamente interessados e percebidos como tais são imediatamente
percebidos como juízes e partes, logo, sempre suspeitos de produzirem interpretações
interessadas, enviesadas e, por isso mesmo, desacreditadas (...). Vem depois o campo
jornalístico: os jornalistas podem e devem adotar uma retórica da objetividade e da
neutralidade. Segue-se o campo da ‘ciência política’(...) logo depois está o campo do
‘marketing’ político, com os publicitários e os conselheiros em comunicação política, que
cobrem com justificações ‘científicas’ e seus vereditos acerca dos homens políticos.
Finalmente, encontra-se o campo universitário propriamente dito, com os especialistas da
história eleitoral que se especializaram no comentário dos resultados eleitorais. Tem-se
assim uma progressão, desde os mais ‘empenhados’ até aos mais ‘desligados’
estruturalmente estatutariamente: o universitário é o que tem mais distância. (BOURDIEU,
2003, p. 55/56)

Os troféus que serão disputados no campo são caracterizados por Bourdieu como
espécies diferentes de capital. O capital econômico lá acumulado, por exemplo, o dinheiro
que circula no campo, seja ele o salário, a verba, o patrocínio ou o mecenato.

A teoria geral dos campos, que, pouco a pouco, se foi assim elaborando, nada deve, ao
contrário do que possa parecer, à transferência, mais ou menos repensada, do modo de

1
Algumas vezes vou me referir ao GEV-RJ como “grupo”.
24

pensamento econômico, embora, ao reinterpretar numa perspectiva relacional a análise de


Weber, que aplicava à religião certo número de conceitos retirados da economia (como
concorrência, monopólio, oferta, procura, etc.), me achei de repente no meio de
propriedades gerais, válidas nos diferentes campos, que a teoria econômica tinha assinalado
sem delas possuir o adequado fundamento teórico (...) a construção do objeto que exige a
transferência e a fundamenta. (BOURDIEU, 2011, p. 68)

Mas no campo bourdieusiano2 também circulam outros tipos de capital, além do


econômico. Bourdieu utiliza o conceito de capital simbólico, um tipo de capital não medido
pelo valor monetário, mas sim por um valor que pode se expressar de diversas maneiras:
vantagens profissionais e sociais decorrentes do acúmulo de títulos, prêmios, posição social,
reconhecimento público, sucesso pessoal, pertencimento familiar, etc. Ser filho de alguém, ser
amigo de alguém, pode significar a posse de um capital simbólico. Como exemplo Bourdieu
explica: “O titulo profissional ou escolar é uma espécie de regra jurídica de percepção social,
um ser-percebido que é garantido como um direito. É um capital simbólico institucionalizado
(e não apenas legítimo)”. (BOURDIEU, 2011, p. 148)
Os jogadores no campo devem conhecer as regras do jogo, estar preparados para jogar,
porque se não, entre outras “penalidades” podem ser expulsos do jogo. Outros jogadores
querem jogar também e para isso vão lutar pelo direito de entrar no campo. Alguns agentes ao
entrarem, lutarão para mudar as regras existentes, e se tiverem sucesso, poderão se tornar os
novos donos do campo, colocando para fora aqueles que não se adaptarem as novas regras.

Se a estrutura do campo social é definida em cada momento pela estrutura da distribuição


do capital e dos ganhos característicos dos diferentes campos particulares, é certo em todo o
caso que em cada um desses espaços de jogo, a própria definição daquilo que está em jogo
e dos vários trunfos pode ser posta em jogo. Todo campo é lugar de uma luta mais ou
menos declarada pela definição dos princípios legítimos de divisão do campo.
(BOURDIEU, 2011, p. 149/50)

A noção de campo serve para denominar um espaço que tem uma autonomia relativa,
que funciona como um microcosmo que tem suas próprias leis. Da mesma forma que o
macrocosmo, o microcosmo é submetido a leis sociais, porém essas leis não são as mesmas. O
microcosmo não tem como fugir às imposições exercidas pelo macrocosmo, mas tem em
relação a ele alguma autonomia, que é mais ou menos acentuada. Essa é uma das questões
mais importantes para a determinação da existência de um campo ou de um subcampo
(microcosmos): seu grau de autonomia com relação ao grande campo social (Bourdieu, 2004).
A capacidade de jogar é chamada por Bourdieu de habitus. Seria como dizer que o
fulano nasceu para aquilo, e de fato, muitas vezes o habitus está relacionado com a posição

2
Retirei essa expressão do texto de Rodrigo Ribeiro Barreto e Maria Carmem Jacob de Souza,
na apresentação de seu livro “Bourdieu e os estudos de mídia: campo, trajetória e autoria”.
Salvador: Edufba, 2014.
25

familiar, por exemplo: o sujeito nasceu numa família de médicos, estudou medicina e vai
herdar o consultório do pai. O autor explica: “O habitus, como indica a palavra, é um
conhecimento adquirido e também um haver, um capital (de um sujeito transcendental na
tradição idealista), o habitus, a hexis, indica a disposição incorporada” (BOURDIEU, 2011, p.
61). Ao explicar Bourdieu Ulhôa nos diz que:

Por seu lado, a noção de habitus, por admitir que os sujeitos utilizam tanto sua bagagem
herdada ou aprendida quanto sua disposição em agir, permite que se escape a uma análise
mecânica de causa e efeito. (ULHÔA, 1997, p. 6)

Durante o mestrado percebemos um acirramento da disputa pelo espaço no mercado


de trabalho reivindicado pelo professor de cantor popular, desde seu surgimento, a partir dos
anos 1980. Encontramos o possível aluno de canto popular, aquele que seria o cliente do
professor de canto popular sendo disputado também por professores de canto erudito e por
profissionais da fonoaudiologia. A respeito dessa situação podemos ler que:

Os campos, segundo Bourdieu, têm suas próprias regras, princípios e hierarquias. São
definidos a partir dos conflitos e das tensões no que diz respeito à sua própria delimitação e
constituídos por redes de relações ou de oposições entre os atores sociais que são seus
membros (BOURDIEU e CHARTIER, 2012, p. 88).

No propósito de explicar sua teoria, o autor escreve que, para “compreender uma
produção cultural (literatura, ciência, etc.) não basta referir-se ao conteúdo textual dessa
produção, tampouco referir-se ao contexto social contentando-se em estabelecer uma relação
direta entre o texto e o contexto” (BOURDIEU, 2004, p. 20).

Minha hipótese consiste em supor que, entre esses dois polos, muito distanciados, entre os
quais se supõe, um pouco imprudentemente, que a ligação possa se fazer, existe um
universo intermediário que chamo o campo literário, artístico, jurídico ou científico, isto é,
o universo no qual estão inseridos os agentes e as instituições que produzem ou difundem a
arte, a literatura ou a ciência. Esse universo é um mundo social como os outros, mas que
obedece a leis sociais mais ou menos específicas. (BOURDIEU, 2004, p.20)

1.1 O campo da música popular brasileira

Ortiz (1988) define pela primeira vez o “campo da música popular brasileira” e essa
conceituação é discutida nos trabalhos de autores como Paiano (1994) e Morelli (2008) entre
outros. Encontramos coerência entre o campo da música popular brasileira e o surgimento da
área do ensino de canto popular brasileiro, e nossa hipótese é a de que essa área esteja se
configurando em um subcampo do campo da música popular brasileira3.

3
A área de ensino de canto popular poderia pertencer a outros campos como: o “campo da música no
Brasil”; o “campo de ensino de música no Brasil”. Mas, para discutir essas hipóteses seria necessário
inicialmente elaborar o conceito desses campos.
26

Em seu artigo de 2008, Morelli escreve sobre o momento em que o campo da música
popular brasileira teria surgido e discuti com outros autores (citados acima) acerca dos
conceitos de hierarquia, de nacional e de popular na história da indústria e do mercado de
consumo da música popular brasileira.

Para Enor Paiano, foi na década de 1960 que se constituiu um campo da MPB
completamente autônomo em relação ao campo da música erudita, dado o papel exercido
pelos festivais universitários da televisão paulista como instância própria de consagração, e
é interessante observar que os critérios de hierarquização que passaram a vigorar nesse
campo – e que surgiam justamente no momento diagnosticado por Ortiz como de início de
implantação de um mercado moderno de bens simbólicos no País – foram justamente os
critérios de engajamento ou não no processo de construção da nação, lido ainda sob o
prisma do nacional-populismo de esquerda, e de rejeição ou não do mercado mais amplo e
do sucesso comercial. (MORELLI, 2008, p. 88)

Paiano (1994) identifica o surgimento do campo da MPB no final dos anos 1970,
justamente quando o ensino de canto popular dava seus primeiros passos (PICCOLO, 2003;
QUEIROZ, 2009). Esses primeiros passos do ensino de canto popular acontecem no mesmo
momento em que Paiano identifica o surgimento do campo da MPB, já que naquela época
ocorreu uma ampliação do mercado de trabalho para o cantor popular, sendo possível supor
também que se tenham ampliado os mercados paralelos a ele, como o de profissionais de
ensino de canto de qualquer estilo.
A presença do ensino de canto popular também teve seu momento televisivo, nos anos
1990, quando um canal de televisão produziu e levou ao ar o programa Fama, onde jovens
cantores de música popular conviviam confinados em uma casa, com o intuito de competir
por um título de melhor cantor e por uma oportunidade de sucesso na grande mídia. Durante
sua estada na tal casa recebiam aulas de preparação para futuras performances de canto. O
professor de canto popular Felipe Abreu participou do programa com essa função em duas
temporadas seguidas. Segundo o site onde pesquisamos, Fama foi um reality show criado
com o objetivo de revelar novos talentos no cenário brasileiro 4.
Assim o público da televisão brasileira pôde observar também o trabalho de um
professor de canto na preparação de um cantor. Esse momento foi um divisor de águas na
carreira de Felipe Abreu. Com o sucesso do programa de televisão ele ganhou projeção
nacional, suas aulas foram mais requisitadas e ele passou a ser, provavelmente, o professor de
canto popular mais conhecido do Brasil.

4
Disponível em <http://memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/musicais-e-
shows/fama/fotos-e-videos.htm> Acesso em: 14 de jan. 2017.
27

Em entrevista (concedida a mim por e-mail no dia 12 de março de 2017, em sua


residência na cidade do Rio de Janeiro), o professor Felipe Abreu deu o seguinte depoimento5:

Para mim, participar do Fama foi uma experiência singular e de consequências


imprevistas: a exposição era impressionante, numa época em que a internet dava seus
primeiros passos e a TV aberta ainda detinha poder absoluto de penetração e
divulgação. Devemos contextualizar a época (2002): o celular e o computador eram
privilégios das classes A e B, a internet era discada e lenta, as classes C e D só tinham
acesso digital em lan houses, não tinham TV a cabo e ligavam do orelhão6. A TV
aberta e o rádio eram os únicos meios de comunicação de massa realmente universais
no Brasil.
Antes do programa, eu era razoavelmente conhecido no meio vocal no Rio de
Janeiro, e um pouco nas capitais do Sul e Sudeste. Tinha estabelecido para mim
mesmo uma cota máxima de aulas (25 por semana) e fazia ocasionalmente
direção/preparação vocal em gravações e shows.
Porém, o Fama atingiu um público imenso em todos os cantos do país, que de
outra forma jamais conheceria meu trabalho ou o de qualquer um dos outros
professores. Por isso, após o programa, a procura por aulas particulares cresceu
exponencialmente. Eu recebia telefonemas e e-mails diariamente de candidatos a
alunos.

O depoimento de Felipe é um dos indicadores da relação que existe entre a área de


ensino de canto popular e os meios de comunicação de massa. Segundo Morelli (2008) o
campo da música popular brasileira teria se consolidado na época dos festivais universitários,
produzidos e transmitidos pela TV na década de 1960. A autora comenta que os critérios de
hierarquização que estariam vigorando nesse campo eram justamente os de engajamento ou
não no processo que a nação vivia naquele momento “(...) lido ainda sob o prisma do
nacional-populismo de esquerda, e de rejeição ou não do mercado mais amplo e do sucesso
comercial.” (MORELLI, 2008, p. 88)
Esses conflitos aparentemente continuam aparecendo nas aulas de canto popular no
Brasil. Quando o aluno ou o professor têm que escolher o repertório a ser estudado, os
critérios de hierarquização ligados aos conceitos de nacional/populismo e da opção ao

5
O texto completo está no ANEXO G.
6
“Cabina telefônica, geralmente com um abrigo de forma arredondada.” (AURÉLIO, 2017).
Disponível em <https://dicionariodoaurelio.com/orelhao> Acesso em: 29 de ago. 2017.
28

engajamento ou não do repertório de sucesso comercial, citados por Morelli (2008), parecem
ser atuais7.
Ulhôa (2012) também utiliza as teorias de Bourdieu para discutir as noções de
brasileira e de popular da música no Brasil, “(...) especialmente suas noções de ‘campo de
produção' e de ‘habitus’. Este último termo significa a habilidade dos agentes sociais para agir
diante das normas de funcionamento daquele espaço social”. (ULHÔA, 2012, p. 364). A
autora explica que Bourdieu:

Ao analisar a formação do campo literário na França, que se consolida no final do século


XIX, Bourdieu aponta uma estrutura dualista presente tanto no campo da literatura em geral
(em torno do teatro, romance e poesia) quanto no interior de cada subcampo (do teatro, do
romance ou da poesia). De um lado se posiciona uma hierarquia segundo o prestígio num
subcampo da produção restrita e de outro uma hierarquia segundo o lucro comercial num
subcampo da grande produção. Os princípios de diferenciação destes campos, tanto interna
como externamente, são a oposição principal entre “arte” e “dinheiro” e a oposição
secundária entre (...) vanguarda e vanguarda consagrada. O grau de consagração ou
prestígio que distingue as posições no topo das hierarquias depende da antiguidade ou
“envelhecimento” do investimento. (ULHÔA, 1997, p. 7)

Com relação ao processo histórico de criação de um campo autônomo, no caso do


surgimento do campo artístico na França, Bourdieu escreve:

Trata-se, sobretudo, de descrever a emergência progressiva do conjunto das condições


8
sociais que possibilitem a personagem do artista como produtor desse feitiço que é a obra
de arte, isto é, descrever a constituição do campo artístico (no qual estão incluídos os
analistas, a começar pelos historiadores da arte, mesmo os mais críticos) como o lugar em
que se produz e se reproduz incessantemente a crença no valor da arte e no poder de criação
do valor que é o próprio artista. O que leva a arrolar não só os índices de autonomia do
artista (aqueles que a análise dos contratos revela, como o aparecimento da assinatura, da
competência específica do artista ou do recurso, em caso de conflito, à arbitragem dos
pares, etc.), mas também a índices de autonomia do campo tais como a emergência do
conjunto das instituições específicas que condicionam o funcionamento da economia dos
bens culturais: locais de exposição (galerias, museus, etc.), instância de consagração
(academias, salões, etc.), instâncias de reprodução dos produtores e dos consumidores
(escolas de Belas-Artes, etc.), agentes especializados (comerciantes 9, críticos, historiadores
da arte, colecionadores, etc.), dotados das atitudes objetivamente exigidas pelo campo e de
categorias de percepção e da apreciação específicas, irredutíveis às que têm curso normal
na existência corrente e que são capazes de impor uma medida específica do valor do artista
e de seus produtos. (BOURDIEU, 1989, p. 289)

As palavras de Bourdieu sugerem a explicação sobre as regras gerais de existência de


um campo autônomo e no caso da música popular brasileira, esse conjunto das instituições
específicas como ele mesmo enumera seriam: os locais de exposição – teatros, rádio,
televisão; instâncias de consagração - os festivais, as premiações, etc.; instâncias de

7
Essa discussão será realizada no Capítulo 5.
8
A palavra feitiço utilizada aqui pelo autor relaciona-se com o exemplo sobre o qual ele falava
anteriormente em seu texto.
9
Comerciantes de arte, os marchands.
29

reprodução – as escolas, os professores, etc.; agentes especializados - críticos, marchands,


historiadores, colecionadores, etc.

Para Bourdieu um campo intelectual e artístico se constitui quando se torna autônomo para
organizar e reger a produção, circulação e consumo de bens simbólicos. É quando se libera
de normas e leis pertencentes a outros campos de poder (econômico, político e religioso).
Isso acontece quando um sistema de relações de produção numa determinada área (seja a
arte culta, seja o mundo acadêmico, seja o mundo do samba) passa a ditar suas regras de
funcionamento e avaliação próprias. (ULHÔA, 2012, p. 365)

1.2 A teoria dos “campos” como ferramenta de análise

Agora vamos investigar a área de ensino de canto popular e analisá-la a partir da teoria
dos campos.

A noção de campo é, em certo sentido, uma estenografia conceptual de um modo de


construção do objeto que vai comandar – ou orientar – todas as opções práticas da pesquisa.
Ela funciona como um sinal que lembra o que há que fazer, a saber, verificar que o objeto
em questão não está isolado de um conjunto de relações de que retira o essencial das suas
propriedades. (BOURDIEU, 2011, p. 27).

O autor adverte acima que ao analisar o objeto de estudos, através de seus agentes ou
instituições, em relação aos outros agentes que atuam neste mesmo campo, pensemos
relacionalmente, pois só desta maneira poderemos entender suas características individuais,
por exemplo, sua posição hierárquica, sua forma de acúmulo de capital econômico, seus
diversos tipos de capital simbólico, enfim, suas maneiras próprias de exercer um papel dentro
do campo social.

A força de um agente depende dos seus diferentes trunfos, fatores diferenciais de sucesso
que podem garantir-lhe uma vantagem em relação aos rivais, ou seja, mais exatamente,
depende do volume e estrutura do capital de diferentes espécies que possui. (BOURDIEU,
2013, p. 53)

Para realizar nossa análise tentaremos localizar os agentes (indivíduos e instituições)


atuantes na área do ensino de canto popular no Brasil e analisá-los relacionalmente. Para
conhecer o professor de canto popular, analisamos suas relações com os outros agentes, que
compartilham e disputam com ele os mesmos capitais econômicos e simbólicos.

A teoria do campo orienta e comanda a investigação empírica. Obriga a formular a questão


de saber a que é que se joga nesse campo (...) o que está em jogo, quais os bens ou as
propriedades procuradas e distribuídas ou redistribuídas, e como é que se distribuem, quais
são os instrumentos ou as armas que se deve ter para jogar com hipóteses de ganhar e qual
é, em cada momento do jogo, a estrutura de distribuição dos bens, ganhos e trunfos, ou seja,
do capital específico (a noção de campo é, como vemos, um sistema de questões que se
especificam constantemente). (BOURDIEU, 2013, p. 54)
30

Ao observar a área do ensino de canto quando surge o professor de canto popular,


podemos supor que o capital específico acumulado começou a ser redistribuído. Se antes esse
capital era apenas do professor de canto erudito, passa então a ser repartido com esse novo
professor, de canto popular. Bourdieu (2013) diz que a estrutura da distribuição de bens, os
trunfos e ganhos, que chama de capital específico de um campo, é alterada quando novos
agentes começam a entrar no campo. No caso da área de ensino de canto no Brasil, o
professor de canto popular aparece como esse novo agente, que luta para entrar na área e
reivindica para si parte do capital que lá circula.

1.2.1O ensino de canto e a análise relacional

A análise relacional (BOURDIEU, 2011), me ajudou a superar algumas dificuldades


identificadas durante a pesquisa de mestrado. Minha visão sobre a área de ensino de canto
estava polarizada em torno de duas áreas profissionais, ao acreditar na existência de uma
dicotomia entre o ensino de canto erudito e de canto popular. Em minha pesquisa de mestrado
desenvolvi informações e argumentos que afastavam essas duas modalidades de ensino de
canto, para provar a independência de um em relação ao outro.
Até então se dizia exatamente o contrário: o ensino do canto popular seria dependente
do ensino do canto erudito, segundo professores, colegas e literatura sobre o assunto. Mas
meus estudos no grupo GEV-RJ e minha experiência como cantora e professora de canto
popular, me levavam a pensar de maneira diferente. Essa visão dicotômica começou a se
transformar de fato quando percebi que, se por um lado o ensino de canto popular tem
adquirido cada vez mais o status de profissão, por outro, todos os caminhos do ensino de
canto no Brasil tem se cruzado e se relacionado através dos tempos, e que isso parece tender a
acontecer cada vez mais e de forma mais intensa.
Para entendermos melhor as disputas que podem ocorrer dentro dos campos e para
ilustrar uma das disputas características desse jogo no campo, Bourdieu sugere que
identifiquemos os agentes como: agentes dominantes, também chamados pelo autor de first
movers e os dominados ou challengers.

Os primeiros estão em posição de impor, geralmente sem nada fazer para isso, a
representação da ciência mais favorável aos seus interesses, ou seja, a forma ‘conveniente’,
legítima, de jogar e as regras do jogo, portanto da participação no jogo. Estão
comprometidos com a estrutura consolidada no campo e são os defensores habituais da
‘ciência normal’ do momento. Detêm vantagens decisivas na competição, entre outras
razões, porque constituem um ponto de referência reconhecido pelos seus concorrentes, seja
o que for que façam ou queiram, são obrigados a tomar posição relativamente a eles, ativa e
passivamente. (BOURDIEU, 2013, p. 55)
31

Desse ponto de vista, essa seria a situação, até há pouco tempo, do ensino de canto
popular (os challengers), diante do ensino de canto erudito (os first movers), no Brasil. Esta
situação está modificando-se devido entre outros fatores, ao esforço dos professores de canto
popular e demais profissionais da voz. Uma dessas frentes de luta tem sido a entrada do
ensino de canto popular nas universidades brasileiras. Até o momento anterior à essa entrada,
o canto erudito era a única área de ensino vocal que participava oficialmente do mundo da
ciência, do mundo universitário (acadêmico). Dessa maneira o agente portador do título de
professor de canto erudito era o único professor de canto a possuir este capital simbólico – a
legitimação acadêmica - e acumulava as diversas vantagens que este tipo de capital simbólico
pode proporcionar.
As universidades onde se ensina a música erudita (e a popular recentemente)
pertencem ao campo do poder universitário (BOURDIEU, 2011, p. 33). Com a entrada do
ensino de canto popular nas universidades, a partir da experiência inicial da UNICAMP em
1989, esse ensino passa a pertencer também ao campo do poder universitário e ao professor
de canto popular passa a ser permitido entrar para o mundo acadêmico, podendo então
reivindicar o acesso aos títulos relativos a esse vínculo como: graduação, mestrado, doutorado
e etc. Dessa maneira ele pode concorrer com os mesmos instrumentos que o professor de
canto erudito, pelo capital científico e de outros tipos, que são disputados neste campo.
A entrada da música e do canto popular como tema de pesquisa nas universidades foi
comentada por um dos maiores professores e pesquisadores da voz da atualidade, o prof.
Johan Sundberg quando do lançamento da primeira edição em português de seu livro A
ciência da voz10. Abaixo vamos citar a parte do texto que fala da diversidade da voz e do
canto diferente do canto lírico.

As pesquisas em voz cantada foram por muito tempo voltadas predominantemente ao canto
operístico, que está longe de ser o mais representativo das manifestações musicais
encontradas no mundo. O fato de o canto lírico envolver grandes demandas vocais e
técnicas específicas cultivadas e reproduzidas em conservatórios, escolas e universidades de
música explicaria a prevalência de estudos desse tipo de canto na ciência vocal. Esse
paradigma tem sido quebrado por novas frentes de pesquisa que se propõem a investigar a
voz em outros segmentos, gêneros e culturas, com estruturas musicais relativamente menos
complexas. Mesmo desprovida das características exuberantes descritas nos capítulos
anteriores, a voz humana ainda reserva surpresas que entretêm e seduzem o ouvinte, as
quais serão contempladas neste capítulo. (SUNDBERG, 2015, p. 267)

Ao escrever esse texto o autor está fazendo julgamento de valor, ao sugerir que o canto
popular é menos exuberante que o canto lírico e que o canto popular teria estruturas musicais

10
Publicado no Brasil em 2015, o livro foi escrito em 1980 e reformulado ao longo dos anos,
sendo que a edição traduzida para o português é de 2007.
32

menos complexas, o que é questionado por vários autores. Blacking (1995), por exemplo,
chama a atenção para a importância de que se analise um sistema musical comparando-o com
símbolos e sistemas sociais que estejam dentro da mesma sociedade, e não que se utilize uma
hipotética teoria universal da música, que venha do nosso próprio sistema musical, para
analisar a música de outra sociedade. Deste ponto de vista não se deve comparar estruturas
musicais de diversas sociedades e culturas, e determina-las como mais ou menos complexas
do que as estruturas musicais ocidentais.
O importante para nossa análise no momento é o fato de que o professor Sundberg
admitiu que um paradigma da ciência foi quebrado e dedicou um capítulo de dezesseis
páginas, no final de seu livro, para falar de estudos sobre os cantos não líricos, que classifica
de maneira genérica como diversidade vocal11.

1.3 O trabalho etnográfico e o pesquisador nativo

Por ter realizado essa pesquisa posso ser chamada de pesquisadora e/ou de etnógrafa,
já as pessoas que têm suas vozes soando nas entrevistas e conversas que serão transcritas
nesse mesmo texto podem ser chamadas de colaboradores, pesquisados, participantes ou
informantes. Observei o uso dessas denominações e escolhi utilizar os termos participantes e
colaboradores por achar que, no caso da minha pesquisa, eles definem melhor o papel das
pessoas que contribuíram com informações, sugestões, opiniões, indicações, críticas e etc.
É possível que se espere, em uma pesquisa como essa, que a fronteira que existe entre
os sujeitos que pesquisam e os sujeitos que participam esteja bem definida e que entre esses
dois tipos de sujeitos exista uma enorme distância, seja ela no nível de conhecimentos,
geográfica, cultural ou até mesmo física. Não é esse o meu caso. Neste trabalho, entre
pesquisador e colaborador há mais evidências de semelhanças do que de diferenças.
Entre as semelhanças há o fato de que, em sua maioria, os colaboradores nessa
pesquisa são professores de música, professores de canto e/ou cantores. Já entre as diferenças
existe, entre outras, a variedade de percursos artísticos e acadêmicos de cada um. O fato é que
somos colegas, pois sou uma professora de canto popular escrevendo sobre professores de
canto popular (em sua maioria). Além disso, depois da pesquisa concluída, espero que nossas
relações profissionais continuem e se intensifiquem através de novas pesquisas, de cursos, ou

11
Em um livro de 246 páginas que trata da voz humana, principalmente no canto lírico.
33

de encontros e congressos sobre canto ou voz. Hoje sou a pesquisadora, amanhã


provavelmente serei uma colaboradora em novas investigações.
Observo também que o pesquisador, ao fazer suas perguntas, ao escolher as
informações que publicará e ao escrever o que pensa ou o que suspeita, revela-se ao leitor e de
alguma forma é pesquisado por ele. Além do fato óbvio no mundo acadêmico de que o que eu
escrevo, imediatamente depois de ser publicado ou disponibilizado na internet, transforma-se
em material de pesquisa de outros estudantes e pesquisadores.

Os textos etnográficos na verdade fazem parte, segundo James Clifford, de um sistema


complexo de relações; eles são pensados simultaneamente como condições e efeitos de uma
rede de relações vividas por etnógrafos, nativos e outros personagens situados no contexto
de relações coloniais. (CLIFFORD, 2011, p. 9)

A citação acima se refere a textos etnográficos escritos antes de 1950 onde entre o
mundo de pesquisadores e o mundo dos informantes, prevaleciam as relações chamadas por
ele de relações coloniais, mas considero seu conteúdo uma contribuição válida também para a
prática etnográfica na atualidade. A distância que existe entre nós (o pesquisador e o mundo
que ele observa) não é a que houve entre etnógrafos do séc. XIX (ou mesmo do início do séc.
XX) e a população que habitava os seus campos de pesquisa empírica.
A situação de proximidade entre o pesquisador e seu objeto de pesquisa me classifica
como uma pesquisadora nativa. O conselho dado pelos professores como uma forma de
superar as armadilhas dessa situação é o de estranhar o conhecido, desnaturalizar os conceitos,
desconfiar do já sabido, de modo a ser capaz de trazer alguma contribuição analítica válida
para essa nova área de conhecimento.
O pouco que compartilhei da realidade de professores e alunos de canto em aulas e
oficinas que ministrei12 em minha cidade natal (Rio de Janeiro), e em outras cidades do Brasil,
não me permite dizer que conheço a realidade dessa área de ensino em sua grandeza, e
acredito que com o resultado dessa pesquisa seremos capazes apenas de visualizar um retrato,
como um ponto de vista momentâneo dessa realidade. Relembro o depoimento do professor
Felipe Abreu falando sobre o quanto a atividade e a realidade profissional do professor de
canto popular está em constante transformação por ser o seu mercado de trabalho, de uma
maneira geral, bastante mutável e inconstante.

12
Rio de Janeiro-RJ (1991-2006), em Curitiba-PR (1992/94/96), em Itajaí-SC (1997), Londrina-
PR (1997), Recife – PE (2014), Belém-PA (2014), João Pessoa-PB (2014), Belo Horizonte - MG
(a partir de 2015) e em São Carlos – SP (2017).
34

1.4 O método da pesquisa empírica

O presente trabalho foi elaborado através de uma pesquisa etnográfica, que investigou
as práticas do ensino de canto popular no Brasil e de forma específica a atuação de
professores de canto popular em universidades públicas brasileiras. Para a contextualização
das práticas de ensino universitário em um espaço social mais amplo de ensino de canto
popular, investigamos outros agentes e instituições: um grupo de professores autônomos de
canto popular; ensino de canto popular em institutos federais, escolas estaduais e municipais;
em conservatórios de música; em duas associações de profissionais da voz; grupos de estudos
e pesquisa sobre o canto popular e a voz cantada; uma lista de discussão virtual sobre voz e
canto e concursos públicos para professor de canto popular.
Utilizamos nessa investigação alguns dos instrumentos do método de pesquisa
qualitativa. De acordo com Silveira e Córdoba (2009) “A pesquisa qualitativa não se
preocupa com representatividade numérica, mas, sim, com o aprofundamento da compreensão
de um grupo social, de uma organização, etc.”. (SILVEIRA E CÓRDOBA, 2009, p. 31, grifo
do autor)

Os pesquisadores que utilizam os métodos qualitativos buscam explicar o porquê das


coisas, exprimindo o que convém ser feito, mas não quantificam os valores e as trocas
simbólicas nem se submetem à prova de fatos, pois os dados analisados são não-métricos
(suscitados e de interação) e se valem de diferentes abordagens. (Silveira e Córdoba, 2009,
p. 32)

De acordo com Minayo (2001) a pesquisa qualitativa responderia a assuntos


específicos e particulares. Dentro das ciências sociais ela responde a questões que não podem
ser quantificadas, “Ou seja, ela trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações,
crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos
processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis”
(MINAYO, 2001, p. 21/22). A autora acrescenta ainda que:

(...) é necessário afirmar que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A
realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de
significados dela transbordante. Essa mesma realidade é mais rica que qualquer teoria,
qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela. Portanto, os
códigos das ciências que por sua natureza são sempre referidos e recortados são incapazes
de a conter. As Ciências Sociais, no entanto, possuem instrumentos e teorias capazes de
fazer uma aproximação da suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedades,
ainda que de forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Para isso, ela aborda o conjunto
de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nos sujeitos, nos
significados e nas representações. (MINAYO, 2001, p. 15)

Os instrumentos de coleta de dados estão apresentados no Quadro 1:


35

Quadro 1 – Lista de itens da pesquisa empírica:

- Entrevista semi estruturada e aberta;


- Questionários13;
- Observação participante;
- Pesquisa em arquivos documentais físicos e virtuais (internet);
- Pesquisa na lista virtual de discussão Preparação Vocal;
- Diário de campo.

Ao início da pesquisa, elaboramos uma primeira pergunta orientadora:

Quadro 2 - Pergunta orientadora:

O que existe como prática de ensino de canto no Brasil e nas universidades públicas
brasileiras, além do ensino de canto erudito?

Para efeito comparativo entre o ensino de canto nas universidades públicas e fora
delas, investigamos um grupo de professores de canto popular autônomo, para ter um olhar
mais amplo desse ensino, e observar como esses agentes, de fora e de dentro das
universidades, poderiam se relacionar. Ao Buscar respostas para essa pergunta inicial,
comecei a pesquisar em algumas direções e nesse processo criei uma lista de caminhos a
trilhar:

13
Optamos por utilizar também um questionário, que apesar de não ser um instrumento da etnografia e
sim da pesquisa quantitativa, se mostrou útil, pois permitiu adquirir informações de professores
autônomos que dela participaram de forma a contextualizar a situação do ensino fora das instituições
públicas, que são o foco principal dessa pesquisa.
36

Quadro 3 - Lista que fiz para o início das investigações:

- Criar uma lista de universidades públicas onde há ensino de canto popular.

- Buscar os nomes de professores particulares (autônomos) de canto popular em todos os


estados do Brasil.

- Procurar os concursos das instituições públicas federais e estaduais para professor de


canto popular.

- Procurar os grupos de estudo e de pesquisa em canto popular.

- Anotar minhas próprias experiências em participações em encontros sobre voz e canto


popular, tanto em atividades acadêmicas como em bancas e concursos.

O início da pesquisa no campo empírico foi marcado pelo convite feito pela professora
de canto popular da UNICAMP, professora Regina Machado, para participar, com ela e mais
duas professoras14, da Mesa Redonda O ensino do Canto Popular, realizada durante o I
15
Encontro de Estudos da Canção e o Canto Popular , no dia 11 de novembro de 2013, na
Escola de Música daquela universidade. Apresentei meu depoimento pessoal e participei de
discussões sobre o tema, observando assim o que foi o início de um movimento interestadual
de discussões e pesquisas sobre o ensino do canto e da canção popular.
Nossa pesquisa seguiu então no recolhimento das informações sobre os temas
arrolados acima, com a utilização da internet e com a ajuda dos participantes do GEV-RJ. Ao
iniciar busquei encontrar os possíveis agentes atuantes na área (indivíduos e instituições), e
entender quais seriam os troféus que estariam em disputa, quais os tipos de capital que
circularia entre eles, e quais suas possíveis relações hierárquicas. Para entender melhor a
relação do ensino de canto das universidades públicas com uma área mais ampla da
sociedade, identifiquei as duas principais áreas de trabalho com a voz cantada (SANDRONI,
2013; BEHLAU e PONTES, 1995; SARVAT, 2012) como sendo:

14
Monica Thieli e Joana Mariz.
15
Mais informações disponíveis em <http://encontrocancaopopular.wordpress.com/>Acesso em:
6 de fev. 2017.
37

Quadro 4 - As duas principais áreas de trabalho com a voz cantada:

- Ensino: canto popular e canto erudito;


- Saúde: trabalho terapêutico e médico.

Iremos investigar outros agentes da área de trabalho da voz cantada, na medida em que
se relacionem mais ou menos com o professor de canto popular, que é o foco principal de
nossa pesquisa. Inicialmente classifiquei esses agentes nos seguintes grupos: os professores de
canto erudito; os profissionais do atendimento terapêutico (fonoaudiólogos); e os profissionais
do atendimento médico (otorrinolaringologistas).
De acordo com Bourdieu (2004), a identificação de agentes dentro de um campo é
uma tarefa que pode ter aspectos múltiplos, tanto quantitativos quanto qualitativos. Por vezes
em suas pesquisas foi fundamental para ele conhecer a atuação de um conjunto completo de
agentes dentro de um campo, por outro, compreendeu que a atuação de apenas um agente foi
determinante para a existência ou a transformação completa de determinado campo.
O campo econômico, por exemplo, pode ter sua estrutura completamente transformada
com a atuação de apenas uma grande empresa. O autor usa como exemplo as descobertas de
Einstein que causaram no campo científico um efeito semelhante ao que uma grande empresa
poderia causar no campo econômico. Uma empresa, ao lançar um produto revolucionário no
mercado destrói as pequenas empresas que não aguentam a concorrência. No campo científico
Einstein teria causado o mesmo efeito, pois, com suas descobertas os físicos atuantes em sua
época tiveram que mudar suas opiniões e se transformarem para não serem expulsos do
campo científico, pois “Einstein, tanto quanto um grande estabelecimento (...) ao baixar seus
preços, lança fora do espaço econômico toda uma população de pequenos empresários”
(BOURDIEU, 2004, p. 23).
Seguindo esse pensamento, e compreendendo que não seria possível nesse momento
identificar e dialogar com todos os professores de canto popular atuantes no Brasil, percebi
que seria determinante sim que eu conseguisse identificar, dentre eles, aqueles que fossem
agentes atuantes, proativos e que exercessem algum tipo de influência dentro da área. Os
agentes entrevistados então foram escolhidos por mim com a ajuda dos participantes do GEV-
RJ seguindo o padrão acima delimitado.
Para facilitar a identificação desses agentes e o futuro processo de análise, listei os
seguintes espaços de trabalho e de troca do professor de canto popular:
38

Quadro 5 - Espaços de identificação do professor de canto popular:

- A sala de aula institucional do ensino público de graduação:


- Universidades públicas.
- A sala de aula particular:
- Escolas, estúdios e residências.
- Outros espaços de convivência:
- Grupos de estudo.
- Associações de Canto.
- Encontros acadêmicos.
- Lista de discussão.
- Concursos públicos para professor de canto popular.

A partir dessa classificação decidi entrevistar todos os professores de universidades


públicas e enviar questionários para um grupo escolhido de professores autônomos. Os
professores autônomos Felipe Abreu, Marcos Sacramento e Suely Mesquita também foram
entrevistados.

1.4.1 As entrevistas

De acordo com Neto (2001), a entrevista seria o procedimento mais comum de um


trabalho de campo.

Através dela, o pesquisador busca obter informes contidos na fala dos atores sociais. Ela
não significa uma conversa despretensiosa e neutra, uma vez que se insere como meio de
coleta dos fatos relatados pelos atores, enquanto sujeitos-objeto da pesquisa que vivenciam
uma determinada realidade que está sendo focalizada. Suas formas de realização podem ser
de natureza individual e/ou coletiva. (Neto, 2001, p. 57)

No caso de nossa pesquisa foram realizadas doze entrevistas com professores


universitários de canto popular – onze semiestruturadas e uma estruturada – além de duas
entrevistas semiestruturadas com professores autônomos, no período de dezembro de 2014 a
março de 2017. A primeira foi realizada em João Pessoa (PB), em dezembro de 2014, quando
me encontrei com a professora de canto Daniela Gramani, da Universidade Federal da Paraíba
(UFPB). Na oportunidade de estar em Recife, Daniela me convidou para realizar uma oficina
de canto popular com seus alunos, e nessa ocasião aproveitei para entrevistá-la.
39

Essa primeira entrevista foi gravada com um aparelho profissional16, durou uma hora e
a transcrição de seu conteúdo outras sete. As demais entrevistas foram realizadas com o
gravador do meu celular17. Com a prática de digitação, o tempo gasto na transcrição das
entrevistas diminuiu. Entre dezembro de 2014 e junho de 2016, realizei quatro entrevistas,
duas delas com professores universitários de canto popular:

Quadro 6 - As duas primeiras entrevistas realizadas com professores universitários de canto popular:

- Professora Daniela Gramani da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).


- Professora Valéria Braga da Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ).

E duas com professores autônomos de canto popular:

Quadro 7 - As duas primeiras entrevistas com professores autônomos:

- Professor Felipe Abreu (RJ).


- Professor Marcos Sacramento (RJ).

Essas quatro primeiras entrevistas foram utilizadas como exemplo para a elaboração
das perguntas a serem feitas nas demais e nos questionários. As entrevistas seguintes foram
realizadas em agosto de 2016, em Belo Horizonte (MG), durante o XXVI Congresso da
ANNPOM18, e em setembro do mesmo ano na cidade de Natal (RGN). Foram entrevistados
os seguintes professores:

Quadro 8 - As três entrevistas seguintes:

- Professor Luciano Simões, da Universidade de Integração Latino Americana (UNILA).


- Professora Ana Paula Albuquerque, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
- Professora Maria de Barros Lima, da Escola de Música de Brasília (EMB).

16
Um Handy Record H4N.
17
Um Sansung Galax SM-G 530 BT.
18
Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música.
40

No dia 30 de janeiro ministrei uma oficina de canto popular para os alunos de


Licenciatura em Educação Musical da UFSCar (SP), convidada pela professora Thais Nunes,
em São Carlos (SP). Além de trabalhar exercícios vocais e de conversar com os estudantes,
aproveitei para fazer, mais uma vez, um jogo que criei com a intenção de estimular, de forma
lúdica, a discussão sobre os gêneros musicais da música popular brasileira, que chamei de
19
Jogo da MPB . Nesse dia, sem tempo para realizar uma entrevista presencial com a
professora Thais Nunes, combinamos de fazer a entrevista em uma data futura, por Skype.
Dias depois, em quinze de Fevereiro de 2017, entrevistei por Skype as professoras
Regina Machado, da UNICAMP e Analía Chernavsky da UNILA, as duas entrevistas pela
forma semiestruturada, com perguntas definidas, mas com liberdade de comentar e dialogar
para permitir o fluir livre da conversa. Em fevereiro de 2017 ainda realizei uma entrevista
com a professora autônoma de canto popular Suely Mesquita, do Rio de Janeiro.
Ao todo, entre fevereiro e maio de 2017, foram realizadas as seguintes entrevistas com
professores universitários:

Quadro 9 – Quadro de professores entrevistados entre janeiro e maio de 2017:

- Professora Regina Machado, da UNICAMP.


- Professora Analía Chernavsky da Universidade Federal da Integração Latino Americana
(UNILA).
- Professora Daniela Resende da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).
- Professora Uliana Dias, da Universidade de Brasília (UNB).
- Professora Thais Nunes, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
- Professora Andrea dos Guimarães, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).
- Professora Liane Guariente da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR).
- Professora Suzie Franco da Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR).

1.4.2 O Questionário

O questionário é um instrumento utilizado em pesquisas quantitativas, como em


inquéritos populacionais e etc. Optei por utilizá-lo com a intenção de saber mais sobre a
atividade dos professores autônomos que participaram dessa pesquisa e assim contextualizar o

19
Descrevo o Jogo da MPB no Anexo A.
41

ensino de canto popular universitário numa área ampla da sociedade.


Alcancei com meu questionário um número de professores inferior às minhas
expectativas, e a intenção de submeter às mesmas a perguntas a todos também não se realizou.
No trajeto da pesquisa mudei algumas das perguntas, pois percebi redundância em algumas
delas, além da necessidade de desdobramentos de outras.
As respostas dos questionários contêm um manancial de informações. Quando os
professores respondem onde estudaram e com quem estudaram, já nos informam sobre a
existência de instituições de ensino e de outros professores. Quando se referem aos cursos
completos ou em andamento nos dão informações sobre as instituições que os promovem.
Essas informações visam mapear os centros de ensino de canto popular existentes no Brasil, e
serão úteis em pesquisas futuras.
Elaborar um questionário para ser respondido por professores de canto popular
autônomos foi uma tarefa difícil e demorada. O primeiro formato de questionário foi
finalizado no dia 26 de abril de 2016 e enviado para alguns professores na intenção de obter
informações e testar a eficácia das perguntas. Esse questionário foi enviado como um
questionário piloto, para cinco professores autônomos, de quatro estados diferentes do Brasil:

Quadro 10 - Professores aos quais enviei o questionário piloto:

- Professora Marcia Tauil de Brasília (DF).


- Professora Diana Goulart de São Paulo (SP).
- Professora Adriana Piccolo do Rio de Janeiro (RJ).
- Professora Renata Vanucci de Belo Horizonte (MG).

Em reunião com o GEV, no dia 16 de abril de 2016, levei minha proposta de


questionário para que o grupo pudesse discuti-la e criticá-la. Durante a discussão recebi uma
sugestão importante do professor Felipe Abreu: eu deveria incluir perguntas específicas sobre
a técnica vocal utilizada pelo professor de canto popular em suas aulas. O primeiro
questionário enviado por mim e que estávamos analisando na reunião não continha perguntas
sobre técnica vocal. A partir daí comecei a elaborar novas perguntas no tema da técnica vocal,
que foram então acrescentadas ao próximo formato de questionário.
Mesmo assim o questionário ainda não estava concluído. Na mensagem em que pedi
respostas aos primeiros sete professores aos quais enviei o questionário, também pedi que
42

fizessem uma leitura crítica e que sugerissem mudanças ou acréscimos. Outros professores
para os quais enviei o questionário prometiam respondê-lo, mas como não o fizeram, percebi
que deveria tentar outro caminho para conseguir ao menos algumas informações. Comecei a
testar, com um dos professores, enviar uma pergunta de cada vez, e o resultado foi satisfatório
porque, pelo menos, consegui respostas para algumas perguntas essenciais.
Entre janeiro e março de 2017 finalizei o quadro de respostas dos questionários tendo
recebido questionários preenchidos por mais onze professores autônomos:

Quadro 11 - Lista de professores autônomos que responderam o questionário:

- Adriana Piccolo (Rio de Janeiro/RJ)


- Andrea Dutra (Rio de Janeiro/RJ)
- Clarisse Grova (RJ)
- Diana Goulart (São Paulo/ SP)
- Iva Rothes (Belém/Pará)
- Jackei Hecker (Rio de Janeiro/RJ)
- Lívia Nestrovski (Rio de Janeiro/RJ)
- Marcelo Rodolfo (Rio de Janeiro/RJ)
- Márcia Tauil (Brasília/DF)
- Marilene Campos (Natal/RN)
- Monica Thieli (São Paulo)
- Patrick do Val (Vitória/ES)
- Priscila Lavorato (Curitiba/PR)
- Renata Vanucci (Belo Horizonte/MG)
- Roberta Jardim (Rio de Janeiro/RJ)

Além deles, os professores abaixo listados responderam algumas perguntas por e-mail:

Quadro 12 - Professores autônomos que mandaram algumas respostas por e-mail:

- Professor Ricardo Góes (Rio de Janeiro/RJ)


- Professor Tato Fischer (São Paulo/SP)
- Professor Pedro Paulo (Pepê) Castro Neves (Rio de Janeiro/RJ)
43

1.4.3 A observação participante

A aproximação com alguns dos colaboradores dessa pesquisa se deu através da


observação participante, que é um dos instrumentos do método da pesquisa etnográfica. A
observação participante foi utilizada durante minha participação no grupo de estudos GEV-
RJ, em bancas de concursos públicos dos quais participei, e nos encontros nacionais de
pesquisa sobre canto e canção popular onde estive presente.
Segundo Clifford (2011, p. 31) o etnógrafo, esse novo cientista, o teórico-pesquisador
do campo acadêmico, teve sua autoridade determinada no período entre os anos 1920 – 1950
“(...) Esse amálgama peculiar de experiência pessoal intensa e análise científica (entendida
nesse período tanto como ‘rito de passagem’ quanto como ‘laboratório’) emergiu como um
método: observação participante”. (CLIFFORD, 2011, p. 31)

Ainda que entendido de formas variadas, e agora questionado em muitos lugares, esse
método continua representando o principal traço distintivo da antropologia profissional. Sua
complexa subjetividade é rotineiramente reproduzida na escrita e na leitura
das etnografias. (CLIFFORD, 2011, p. 31/32)

Clifford chama a atenção para o fato de “(...) os antropólogos sociais modernos


construírem a sua identidade profissional como ‘etnógrafos’”. (CLIFFORD, 2011, p. 8)

Antes de Boas e Malinowski, o etnógrafo não era necessariamente um antropólogo. E vice-


versa. Segundo James Clifford: “Em termos esquemáticos, antes do final do século XIX, o
etnógrafo e o antropólogo, aquele que descrevia e traduzia os costumes e aquele que era o
construtor de teorias gerais sobre a humanidade, eram personagens distintos”... A
identificação entre o etnógrafo e o antropólogo deixa assim de aparecer como um dado, tal
como se apresenta na autocaracterização disciplinar da moderna antropologia social e
cultural, e passa a ser pensada como o efeito contingente de determinado contexto histórico
e intelectual. (CLIFFORD, 2011, p. 8)

O autor descreve a observação participante como uma fórmula que mantém um “(...)
contínuo vaivém entre o “interior” e o “exterior” dos acontecimentos: de um lado, captando o
sentido de ocorrência e gestos específicos, pela empatia; de outro, dá um passo atrás, para
situar esses significados em contextos mais amplos.” (CLIFFORD, 2011, p. 32)

Entendida de modo literal, a observação participante é uma fórmula paradoxal e enganosa,


mas pode ser considerada seriamente se reformulada em termos hermenêuticos, como uma
dialética entre experiência e interpretação. Assim é como os mais recentes e persuasivos
defensores do método o reelaboraram, na tradição que vem de Wilhelm Dilthey, passa por
Max Weber e chega até os antropólogos dos “símbolos e dos significados”, como Clifford
Geertz. Experiência e interpretação têm recebido, no entanto, ênfases diferentes quando
apresentadas como estratégias de autoridade. Em anos recentes, tem havido um notável
deslocamento de ênfase do primeiro para o segundo termo.” (CLIFFORD, 2011, p. 32)

A observação participante no grupo GEV-RJ tem sido a atividade mais longa que tive
durante a pesquisa. Duraram exatos quatro anos, o tempo total de meu doutorado. Porém, não
44

tem sido simples para o GEV-RJ aceitar que um de seus membros tenha passado a exercer
também as funções de observador e pesquisador. Um dos motivos do desconforto foi,
nitidamente, a utilização de um gravador. Gravar nossos encontros, a partir de então, não teve
mais apenas a função de registrar as reuniões para um arquivo que seria consultado apenas por
nós mesmos. A gravação agora teria o intuito de registrar as conversas para futura
transposição para a escrita, leitura, discussão, análise individual (por mim), do próprio grupo,
e finalmente, a exposição dessa análise para terceiros, através da divulgação do texto final da
pesquisa.
A condição negociada com o grupo foi a do meu compromisso em sempre voltar com
o texto produzido para leitura e discussão, propondo assim uma edição dialógica20
(CLIFFORD, 2011). Dessa forma, me comprometi a deixar que cada um decidisse sobre a
mudança ou a retirada de qualquer trecho do texto que fosse relacionado a seu depoimento
pessoal ou ao grupo. Mas realizar uma edição dialógica também não é simples, pois não
depende apenas da vontade do pesquisador.
Para que um texto etnográfico seja realizado em uma edição dialógica é necessário que
o pesquisador consiga que o grupo pesquisado se interesse por sua pesquisa a ponto de querer
realizar um diálogo, algo bem diferente de uma simples aprovação ou consentimento. A
respeito do diálogo e de outros métodos de pesquisa etnográfica, Clifford, em seu artigo sobre
A experiência etnográfica (2011), faz uma resenha crítica sobre o que classifica de quatro
modos de expressão de autoridade etnográfica registrados pela antropologia e pela literatura
do séc. XX “Os modos de autoridade resenhados aqui – o experiencial, o interpretativo, o
dialógico, o polifônico – estão disponíveis a todos os escritores de textos etnográficos,
ocidentais e não ocidentais” (CLIFFORD, 2011, p. 55), e acrescenta que,

Nenhum é obsoleto, nenhum é puro: há lugar para a invenção dentro de cada um desses
paradigmas. Vimos como novas abordagens tendem a redescobrir práticas antes
descartáveis. A autoridade polifônica olha com renovada simpatia para compêndios de
textos em língua nativa – formas expositivas distintas da monografia centralizada num só
tema e ligada à observação participante. Agora que aquelas ingênuas afirmações da
autoridade experiencial foram submetidas à suspeição hermenêutica, podemos antecipar
uma atenção renovada à interação sutil entre componentes pessoais e disciplinares na
pesquisa etnográfica. (CLIFFORD, 2011, p. 55)

O autor argumenta que uma autoridade etnográfica é exercida quando “Uma


complexa experiência cultural é anunciada por um indivíduo” (CLIFFORD, 2011, p. 21), e
em seu livro discute esta autoridade historicamente,

20
Um texto que resulta de uma pesquisa que é feita com base em diálogo com os participantes.
45

Estratégias alternativas de autoridade etnográfica podem ser visualizadas em recentes


experiências feitas por etnógrafos que conscientemente rejeitam cenas de representação
cultural ao estilo do frontispício do livro de Malinowski... O silêncio da oficina etnográfica
foi quebrado por insistentes vozes heteroglotas e pelo ruído da escrita de outras penas.
(CLIFFORD, 2011, p. 22)

Será possível romper com a autoridade etnográfica monofônica? “Uma maneira cada
vez mais comum de realizar a produção colaborativa do conhecimento etnográfico é citar os
informantes extensa e regularmente (...), mas essa tática apenas começa a romper a autoridade
monofônica” (CLIFORD, 2011, p. 51). Essas recentes experiências as quais o autor se refere
são as pesquisas chamadas de pesquisa-ação ou pesquisa-ação-participativa, onde o etnógrafo
atua junto a uma comunidade que se assume como um grupo de indivíduos que exercem o
papel de etnógrafos, pesquisadores de sua própria experiência.
Ainda sobre a realização de uma edição dialógica, observo que o pesquisador pode ter
a intenção sincera de realizar um diálogo com o grupo observado, ou mesmo querer realizar
uma pesquisa-ação com determinada comunidade, mas isso só poderá ser possível com o
consenso e engajamento da comunidade em questão. Propus-me a realizar esse diálogo com
meu grupo de estudos e para isso, durante o processo de elaboração do texto, enviei algumas
vezes meus escritos para o grupo. Recebi alguns retornos de meus colegas, sugestões e
contribuições importantes, mas confesso que minha pesquisa não teve, por parte de todo o
grupo, a atenção que esperava que tivesse.
Compreendo que o tempo que temos nas reuniões é sempre menor do que os assuntos
a discutir, e o meu assunto, o mestrado ou o doutorado, é apenas um entre nove (ou
novecentos) assuntos importantes. Por outro lado percebo também que o grupo não se
esqueceu da minha presença como pesquisadora, ou seja, de que meu olhar estava
permanentemente voltado para as perguntas e dúvidas referentes ao meu trabalho. Dessa
maneira gosto de pensar que o grupo sempre esteve de forma mais ou menos consciente,
dialogando com minha pesquisa e contribuindo para ela. Durante o doutorado consegui
marcar uma reunião para discutir assuntos relativos à minha pesquisa. Além disso, ao todo
durante o doutorado, participei de oito reuniões do grupo:
46

Quadro 13 - Periodicidade das reuniões do GEV-RJ entre 2013 e 2017:

- duas em 2013 ______ 29 de Junho e 20 de Dezembro;


- duas em 2014 ______ 22 de Fevereiro e 1 de Novembro;
- uma em 2015 ______ 28 de Março;
- cinco em 2016 _____ 2 e 16 de Abril; 14 de Maio; 2 e 30 Julho e 21 de Dezembro;
- e quatro em 2017 ___ 4 de Março; 1 de Abril; 10 de Junho; 15 de julho.

A observação participante também foi realizada por mim durante outros tipos de
atividades relacionadas ao ensino/aprendizado de canto popular: nos encontros de estudos
sobre o canto e a canção Popular, realizados na UNICAMP21 e nas bancas de concursos
públicos dos quais participei: em abril de 2014 em Belém (PA) e em setembro de 2016 em
Natal (RGN).

1.4.4 A lista de discussão Preparação Vocal

Participo da lista virtual de discussão Preparação Vocal, sobre a voz e o canto, desde
sua criação pela professora Suely Mesquita (RJ), em 2002. O GEV-RJ tinha encerrado seus
encontros presenciais em 1996 (que voltariam em 2011), e com a criação da lista virtual
voltamos a ter um fórum de troca de informações e discussões muito útil e importante para
todos nós. Uma das primeiras iniciativas em minha investigação foi a de enviar um pedido de
colaboração aos professores de canto popular desta lista.
A lista tem 847 participantes dos quais 60 se auto definem como professores de canto
popular (ou preparadores vocais de canto popular). Recebi um total de 18 respostas, sendo
que 14 desses sujeitos se auto definiram como professores de canto popular: 10 como
professores em instituições de ensino e 4 como professores autônomos.

1.4.5 A pesquisa documental e o diário de campo

A investigação relativa à Associação Brasileira de Canto (ABC), à Sociedade


Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV) e aos concursos para a graduação foi feita através de
pesquisas em sites na internet e através de entrevistas. As informações recolhidas sobre essas
associações serviram para mostrar que a criação da SBLV propiciou um momento (quase uma

21
I e II Encontros de Estudos de Canto e da Canção Popular, realizados na UNICAMP em 2012
e 2015, respectivamente.
47

década), em que os profissionais da área de trabalho com a voz falada olharam para os lados e
se reconheceram como um conjunto de profissionais dependentes e colaboradores entre si.
Foram realizadas ações em conjunto, estudos em congressos e contatos pessoais que nunca
haviam ocorrido antes.
No bojo dessas iniciativas de trabalho em conjunto a ABC teve a oportunidade de ser
criada e teve uma atuação importante para a área de ensino de canto no Brasil, principalmente
durante a década de 1990. A SBLV acabou em fins de 1990, mas a ABC permaneceu com
altos e baixos de atividade, porém continua a ser uma instituição de importância para a área de
ensino de canto no país.
Mantive um diário de campo durante toda a pesquisa, porém não na forma clássica
imaginada, de apenas um caderno de papel escrito a caneta. O meu diário de campo se
espalhou em diversos cadernos, arquivos de computador, notas de celular, folhas soltas e
anotações em bordas de revistas. Em algum momento a maioria dos textos e anotações foi
transcrita para arquivos de computador, mas no meio do caminho alguns pedaços de escrita se
perderam.
Em seu texto sobre a escrita do diário, Salgado (2013) sugere a que “Os sujeitos
podem se valer de um instrumento com longa tradição e múltiplos usos – o diário – para
desenvolver reflexão sobre os problemas da prática, e elaborar conhecimentos e discursos
sobre a experiência” (SALGADO, 2013, p. 1). Escrevendo para estudantes e pesquisadores
que iniciam suas investigações o autor afirmou:

(...) aqui segue o esboço de um instrumento heurístico, baseado na articulação entre a


prática etnográfica do diário de campo e a prática mais geral do diário pessoal, formas de
escrita dedicadas a registrar os acontecimentos, com enfoque ora mais “objetivo” ora mais
“subjetivo”, no discurso altamente variado, mas sempre baseado em exame e expressão –
em ações de conhecimento e verbalização. (SALGADO, 2013, p. 1)

Ao reler meu diário de pesquisa encontrei anotações rápidas, listas de tarefas e listas
de nomes para entrevistar e também desabafos, como em um dia em que só registrei um
pedido de socorro, em letras maiúsculas e com um monte de sinais de exclamação. Mas posso
encontrar também trechos grandes com desenvolvimento de ideias que, mais tarde se
tornaram parte do próprio texto da tese.
De diversas maneiras as anotações constantes sobre a prática me ajudaram a escrever
sobre a pesquisa. Não só pelo registro das atividades cumpridas e a cumprir, mas também
como um espaço de reflexões e de questionamentos não necessariamente transformados em
texto para a tese. Reflexões importantes ao abrir espaço para raciocínios nem sempre passados
para a forma escrita, mas indispensáveis à formulação de novas ideias sobre meu tema.
48

Ademais, o diário serviu como um lugar de desabafo, de livre expressão de emoções e


sentimentos. Mantive o hábito de escrever diários desde a adolescência e talvez por isso meu
diário de pesquisa às vezes foi escrito com cores fortes de tons emocionais. Afinal, um diário
de campo embora repleto de anotações para uma tese, não dispensa tais emoções.

Nas páginas de um diário é possível elaborar experiências vividas ou esboçar outras


possibilidades imaginadas. Encarando assim, um diário revela-se “leitura do mundo”, como
propôs Paulo Freire para o trato da língua escrita – processo de apropriação e também de
responsabilidade. (SALGADO, 2013, p. 10)
49

CAPÍTULO 2 - REVENDO A LITERATURA SOBRE O ENSINO DE CANTO


POPULAR

Nesse capítulo vamos apresentar os trabalhos de Latorre (2002); Piccolo (2003; 2006),
Queiroz (2009), Lima (2010), Sandroni (2013), que tratam do ensino e aprendizagem do canto
popular e cujo conteúdo irá colaborar diretamente com nossas discussões. Comentaremos
outros textos, porém suas ideias serão apresentadas ao longo da leitura, quando seu conteúdo
contribuir diretamente com a discussão. Dessa maneira pretende-se realizar um diálogo
continuado com a produção literária pertinente (SILVA, 2005).

2.1 A estética vocal no canto popular no Brasil

Latorre (2002) propõe uma abordagem pedagógica para o ensino de canto popular. A
autora sistematizou sua experiência de vários anos com esse ensino para suprir a falta de
métodos de ensino para a canção brasileira. Sua grande preocupação é com a produção
musical estandardizada, que ocultaria principalmente do público mais jovem, os estilos vocais
praticados em outras épocas de nossa história musical.
Seu método de ensino consiste em fazer com que o aluno tenha conhecimento, através
de uma escuta orientada do “(...) repertório e da conduta vocal de intérpretes encontrados em
outros períodos da história da moderna canção popular brasileira. Esta abordagem possibilita
aos alunos, ampliar o conhecimento do rico repertório do nosso cancioneiro popular (...)”
(LATORRE, 2002, s/n). O método propõe que o aluno exercite diferentes condutas vocais,
imitando, de forma consciente, cantores de outras épocas. Em suas palavras,

(...) a partir do exercício de imitação consciente das interpretações de outras épocas,


desenvolver suas próprias condutas vocais e construir suas próprias interpretações.
Documentada com expressivos exemplos apresentados, em anexo, os resultados obtidos
com tal abordagem fortalecem a convicção das suas reais possibilidades pedagógicas.
(LATORRE, 2002, s/nº)

Em sua proposta, pela audição e o estudo da história do canto popular do século XX


no Brasil podemos aprender diversos estilos de canto e compreender o porquê cantamos como
cantamos hoje. No primeiro semestre de 2017 experimentei o método de Latorre de escuta de
épocas em minhas aulas e percebi sua eficácia, não somente do ponto de vista do
conhecimento histórico e cultural, mas também do ponto de vista da técnica vocal, ao
proporcionar ao aluno escutar e reproduzir certos tipos de emissão vocal com os quais ele não
50

está familiarizado: o uso de volume vocal com uma laringe baixa1; o uso do vibrato2; e de
outras expressões vocais típicas de gêneros do canto popular no século XX. Sobre esse
aspecto do ensino a autora destaca que:

Outra reflexão a ser tematizada será a questão da interpretação, pela sua importância na
definição dos procedimentos pedagógicos, provocando a inserção do aluno/cantor em todas
as esferas possíveis de entendimento de sentidos e intenções contidos numa canção, e dai
poder extrair possibilidades interpretativas, subjacentes ao universo de uma canção.
(LATORRE, 2002, p.8)

A elaboração dessa proposta de método foi fruto de sua experiência como professora e
cantora, que a levou a ver na história da música popular brasileira os meios para que criasse
“(...) uma prática pedagógica que conduzisse o aluno de canto popular a abrir seu próprio
caminho estético-vocal e assim poder construir sua própria identidade musical interpretativa”
(LATORRE, 2002, p. 7).

A assimilação desses modelos vocais é referenciada pelo ambiente cultural e pelo contexto
histórico correspondentes, aqui designado de escuta de épocas, cujo procedimento analítico
nasceu da necessidade de propor uma alternativa de trabalho pedagógico que revelasse às
gerações mais novas, a riqueza de nosso repertório, tanto de canções como de paradigmas
interpretativos, que servissem de referência para a construção de novas formas de
interpretação. (idem, p.148, grifo do autor)

Esse trabalho é uma leitura obrigatória para os pesquisadores que se interessam pelo
ensino de canto popular. A contribuição de Latorre marca a história do ensino de canto
popular no Brasil. Seu método de escuta de épocas influenciou e influência até hoje diversos
professores de canto popular, principalmente nas universidades públicas que já aderiram à
inclusão da disciplina de canto popular em seus departamentos de música, como iremos
verificar ao longo desta leitura3.

1
“A laringe, que contém as cordas vocais, está situada no pescoço ao nível da 3º à 6º vértebras
cervicais. Forma um tubo contínuo com a traqueia ou tubo-de-ar abaixo e abre-se na porção
laríngea da faríngea acima. Consiste num arcabouço esquelético de cartilagens articuladas,
ligadas conjuntamente por ligamentos e membranas e ativadas por músculos laringianos
intrínsecos.” (GRENNE, 1989, p. 34)
2
Vibrato “É o termo que designa a percepção de uma flutuação do tom durante a emissão de um
som sustentado” (CALVENTE, 2010, P. 83)
3
A leitura de sua dissertação, infelizmente, foi dificultada até há pouco tempo, por não estar
digitalizada, mas, para me ajudar a lê-la, a professora Maria de Barros Lima teve a gentileza de
digitaliza-la e me enviar por e-mail. Também enviou para a própria autora que já poderá então
disponibilizá-la para outros pesquisadores.
51

2.2 Uma monografia fundamental

Piccolo (2003) realizou sua monografia de final do curso de Licenciatura em Música


na UNIRIO incentivada por seus questionamentos como cantora popular e estudante de canto
popular e de canto erudito. Seu tema é o ensino de canto popular e de que maneira ele surgiu.
A autora realizou entrevistas no Rio de Janeiro e em São Paulo, com professores de canto e
com cantores a respeito do ensino de canto, e fez uma discussão sobre a validade e a
estruturação do ensino do canto popular.
Depois de ter estudado por alguns anos com professores particulares de canto popular
a autora resolveu estudar com professores de canto erudito para tentar resolver dificuldades
técnicas não superadas, e se impressionou com a reação dos colegas diante de sua atitude:

Muitos diziam que eu “estragaria minha voz” ou ficaria com a voz “impostada”, por
exemplo. Ficou evidente um fato que eu já tinha percebido antes: há muito preconceito por
parte de adeptos de ambos os estilos. Muitos da técnica erudita acham que “faz mal à voz”
cantar música popular. E muitos adeptos da música popular acham que a técnica erudita faz
a voz impostada ficar “feia”. (PICCOLO, 2003, p. 1)

Investigando sobre o surgimento do professor de canto popular4 e sua didática, a


autora concluiu que há pouca bibliografia dedicada ao assunto, “Além disso, os professores,
quando têm alguma formação de canto, a têm baseada na técnica do canto lírico, já que é a
única que possui alguma sistematização de ensino” (PICCOLO, 2003, p. 2). Piccolo
perguntou aos professores entrevistados a respeito da adaptação da técnica lírica de canto para
o ensino de canto popular que, segundo ela, teria acontecido de forma intuitiva e empírica.
A autora discutiu o conceito de canto popular brasileiro e as diferenças entre canto
popular e canto erudito, com base principalmente nas ideias que o professor Felipe Abreu.
Discutiu também o significado do termo MPB e descreveu a trajetória do cantor popular
urbano brasileiro a partir dos anos 20. Através do diálogo com a literatura e de entrevistas
com os cantores Leila Pinheiro, Elza Soares e Ney Matogrosso e os professores Eliane
Sampaio, Felipe Abreu, Clara Sandroni e Marcelo Rodolfo discutiu sobre o ensino de canto
popular formal e não formal.
Ao indagar aos cantores entrevistados como eles aprenderam a cantar a autora põe em
cheque tanto a premissa do estudo de canto como o conceito de dom.

É por isso que, para o cantor popular brasileiro, soa tão fora de propósito a pergunta: “como
você aprendeu a cantar?”. Elza Soares questiona: “aprender a cantar eu acho uma coisa
muito estranha (...)”. Ney Matogrosso faz uma cara de espanto para depois responder:

4
É importante notar que a pesquisa realizada por Piccolo se refere ao ambiente do ensino autônomo.
52

“cantando”. “Quem sabe, canta, quem canta já nasce sabendo, a gente não tem que aprender
a cantar”, resume Elza. (PICCOLO, 2003, p. 23)

Piccolo comenta que a própria Elza Soares admite fazer algum tipo de esforço ou de
preparação para cantar, quando afirma que “(...) eu acho que cantar é um dom, quem tem dom
só vai aperfeiçoar esse dom” e acrescenta “É na questão do aperfeiçoamento que se pode
perceber uma iniciativa mais consciente por parte do cantor e a maneira particular com que
cada um realiza isso” (PICCOLO, 2003, p. 24). Ela cita também o depoimento de Maria
Bethânia, que diz ter tido sua “escola” nas boates e shows noturnos de Copacabana nos anos
1960,

‘Quando cheguei ao Rio para substituir Nara Leão no show Opinião, fiquei maravilhada
com a quantidade de boates e de música boa que se fazia por lá’, contou. Logo depois, era
ela quem fazia os shows. ‘O público de boate é diferente, vai lá para namorar, e os músicos
ficam livres’, disse em tom de brincadeira. Assim, experimentava todos os tipos de
interpretação e sonoridades. ‘Aprendi tudo ali’, revelou (PICCOLO, 2003, p. 24).

Apesar desses e outros cantores afirmarem o poder do dom e de sugerirem que seu
processo de aprendizagem foi autodidata, ao aprofundar o assunto, a autora descobre que
todos os seus entrevistados, além de terem tido, com maior ou menor frequência, aulas de
canto, também fazem referência a modelos e a práticas de pesquisa e aperfeiçoamento vocal
que, de alguma forma foram inventados por eles ou sugeridos a eles por observação, como
pondera no trecho abaixo:

O treinamento e a prática buscam um objetivo. Daí a importância de nossas referências


culturais e musicais. É a partir delas que buscamos as sonoridades que nos agradam e que
tentamos adaptar e reproduzir. Gal foi atrás da sonoridade proposta por João Gilberto. Elza
diz que ouvia as cantoras de jazz, como Ella Fitzgerald e Sarah Vaughan. Bethânia sempre
teve uma forte influência do teatro em sua carreira, assim como Ney Matogrosso, que
começou fazendo musicais. Leila diz que Elis Regina foi sua mestra maior, assim como
Elizete Cardoso, Maria Bethânia e Nana Caymmi, segundo ela ‘intérpretes raras e absolutas
na arte do canto e da interpretação até hoje’. (PICCOLO, 2003, p. 25)

Quanto às opiniões dos professores de canto entrevistados, todos declaram que as


diversas técnicas de canto erudito europeu são utilizadas de forma não rígida e são misturadas
e adaptadas de acordo com os diversos conceitos de beleza e de eficácia vocal. A professora
Eliane Sampaio, por exemplo, explica que, a partir das aulas que teve com uma professora
sérvia, na Alemanha, desenvolveu seu próprio método de ensino, estudando e pesquisando
“(...) Em busca de uma sonoridade que fosse densa, compacta, brilhante e, de certa maneira,
leve. Uma escola de canto que não deteriorasse o seu instrumento vocal através de uma força
muscular violenta” (PICCOLO, 2003, p. 37).
A conclusão da autora sobre o ensino de canto popular é a de que esse ensino foi
adaptado pelos professores a partir da técnica do canto lírico. Porém, como podemos observar
53

no depoimento abaixo, contribuições de outras áreas de aprendizado parecem ter tido também
importância significativa na elaboração dos métodos de ensino de professores de canto
popular, como relata o professor Felipe Abreu,

Minhas aulas eram baseadas no que havia estudado, com adaptações para o canto popular
(...). As informações tinham que ser ‘traduzidas’ para o linguajar do canto popular. Para
isso contribuiu minha prática profissional como cantor quase exclusivamente popular (em
especial a MPB, o pop e o Jazz), meu contato com músicos populares, minha formação
musical em música popular (harmonia, arranjo, violão, piano), minha informação musical
(ouvir de tudo), minha informação em congressos e seminários de laringologia e voz, e
minhas leituras. (PICCOLO, 2003, p. 37)

O trabalho de Piccolo foi fundamental para o incentivo da investigação sobre o


ensino de canto popular no Brasil e, a nível pessoal foi essencial para que eu tomasse a
decisão de fazer pesquisas sobre esse assunto. A complexidade das questões colocadas em sua
monografia me indicou que haveria um rico caminho de pesquisa a seguir.
Entre os assuntos abordados por ela estão: a falta de material didático para o ensino
de canto popular; a pesquisa sobre os caminhos que levaram ao surgimento do professor de
canto popular; e o relato do processo autodidata vivido pelos cantores entrevistados. Percebi
também a existência de algumas lacunas, uma delas, a falta de conhecimento sobre o ensino
de canto popular nas universidades públicas brasileiras. Por esse motivo meus trabalhos de
pesquisa de mestrado e doutorado devem à pesquisa de Piccolo o incentivo e a indicação de
muitos dos caminhos a percorrer.

2.3 A análise acústica e interpretativa

O principal objetivo do segundo trabalho desenvolvido por Piccolo (2006) é discutir o


conceito de técnica vocal e apresentar os contrastes entre o ensino do canto lírico e do canto
popular brasileiro urbano. A autora aprofunda as pesquisas iniciadas em sua monografia e
declara que sua pesquisa: “(...) tem como objetivos a descrição e a discussão dos processos de
transmissão e aprendizagem do canto popular e do canto lírico” (PICCOLO, 2006, s.n.). Faz
um relato da história da técnica vocal no país, sobre o ponto de vista do ensino e da
aprendizagem, que tem como referência o trabalho desenvolvido por Lucy Green com o
ensino de música popular, além de basear-se em entrevistas feitas com alguns cantores,
durante sua monografia citada anteriormente.
Por meio de entrevistas realizadas com professores de canto, avalia e descreve a
situação do ensino formal e aponta os avanços e as falhas em sua sistematização. Ela discute o
canto, “(...) como um fator de identidade cultural, considerando as questões como tradição e
54

reinvenção, igualdade e diferença, nacionalismo e globalização como alguns dos elementos


formadores dessa identidade.” (PICCOLO, 2006, s.n.).
Com a intenção de criar um material didático baseado no canto popular brasileiro, a
pesquisadora isolou as vozes de cantores em dez fonogramas dos seguintes intérpretes –
Caetano Veloso, Milton Nascimento e Elis Regina - e fez um levantamento de todos os
ornamentos melódicos e efeitos vocais que foram utilizados classificando-os como gestos
vocais. Dessa audição extraiu informações acústicas, perceptivas e também estatísticas dessas
ocorrências para identificar “(...) um conjunto de técnicas na interpretação do canto na música
popular brasileira” (PICCOLO, 2006, s/n).
Para colaborar com o futuro do ensino do canto popular a autora produziu um CD com
material multimídia, com exercícios baseados nos exemplos dos gestos vocais 5. O trabalho de
Piccolo é leitura obrigatória para qualquer um que se interesse pelo ensino de canto popular
brasileiro. O CD com material didático criado por ela, citado acima, é um dos raros
instrumentos didáticos para o canto popular, criado a partir de pesquisa sobre a voz de ícones
do canto popular brasileiro. É uma importante contribuição para nossa área de estudos,
colaborando no delineamento das características do processo de aprendizado do canto
popular, além de ser mais um elemento de legitimação desta área de ensino.

2.4 O canto popular nas universidades, o caso da UNICAMP

Apesar de o ensino de canto popular já estar presente na sociedade brasileira a partir


do final dos anos 1970 (PICCOLO, 2003), sua entrada nos cursos universitários demorou um
pouco mais. Esse assunto é desenvolvido e discutido por Queiroz (2009), que faz um estudo
de caso sobre o ensino de canto popular na UNICAMP. Segundo o autor, o canto popular só
começou a ser ensinado em universidades brasileiras a partir de 1990. Em seu trabalho ele nos
apresenta um quadro das universidades brasileiras onde havia ensino de canto popular em
2009, localiza dez instituições e indica o ano em que essa opção de ensino surgiu.
Nessas dez instituições a criação da disciplina de canto popular percorreu dois
processos principais: em quatro das instituições citadas, primeiro surgiram os cursos de
Bacharelado em Música Popular para que depois então fosse oferecida a disciplina de Canto
Popular.

5
A professora de canto popular Uliana Dias, da UnB, nos informou que utiliza o CD produzido
por Piccolo como material didático.
55

Quadro 14 - Universidades públicas com ensino de canto popular indicadas por Queiroz (2009):

- Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), desde 1989 - Campinas.


- Faculdade de Artes do Paraná (FAP-UNESPAR), desde 2002 - Curitiba.
- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), desde 2009 - Belo Horizonte.
- Universidade Federal da Bahia (UFBA), desde 2009 - Salvador.

Em outras seis instituições a criação das disciplinas de canto popular passou pelo
processo de adaptação de estruturas pré-existentes dos cursos de canto erudito para as
exigências do canto popular “sem, porém, alterar substancialmente a estrutura curricular. Este
paradigma enxerga (...) maior portabilidade do conhecimento erudito para com o popular”
(QUEIROZ, 2009, p. 30). Listo abaixo as seis instituições que completam o quadro
apresentado por Queiroz (2009):

Quadro 15 - Universidades particulares e um Conservatório:

- Faculdade Mozarteum de São Paulo (FAMOSP), São Paulo.


- Faculdade Santa Marcelina (FASM), São Paulo.
- Centro Universitário FAAM São Paulo (FMU - FIAM FAAM), São Paulo.
- Faculdade Integral Cantareira (FIC), São Paulo.
- Faculdade de Música Carlos Gomes (FMCG), São Paulo.
- Conservatório Brasileiro de Música – Centro Universitário (CBM – CEU), Rio de
Janeiro.

Nossa listagem identificou 29 cursos superiores de Canto no Brasil, Quase todos são
classificáveis (por ementas, currículos e documentos oficiais) como cursos de canto
erudito. Foram revisados os currículos disponíveis via web da grande maioria dos 188
cursos de música no país, mas não podemos descartar a possibilidade de alguns destes
cursos estarem realizando experimentos isolados de ensino de canto popular sem que isso
seja aparente pelas nossas leituras das informações oficiais. (QUEIROZ, 2009, p. 30, grifo
do autor)

Queiroz pretendeu “(...) realizar uma reflexão sobre esse experimento de ensino,
levantando e debatendo, sobretudo, as ideias. Especialmente por meio de entrevistas e
convivência direta” (QUEIROZ, 2009, p. 31). Considerei interessante a escolha da frase:
56

“reflexão sobre esse experimento de ensino”, pois nossa pesquisa indica que cada disciplina
ou curso de canto popular no Brasil está realizando sua própria “experiência de ensino”. Esse
assunto será aprofundado no Capítulo 3.
Ao escrever especificamente sobre o Brasil, o autor descreve a criação dos
conservatórios de música do país, a partir do séc. XX, e de como, apesar de serem
responsáveis por responder a demandas de profissionalismo musical, mantiveram também
vivas tradições do passado, guardando, por exemplo, até hoje, a característica de estarem
desconectados do ensino regular.

As transformações advindas do iluminismo também, muito gradualmente, inseriram a


música dentro do contexto da recém inventada escola pública, num movimento de
democratização do conhecimento musical de grandes proporções. Embora os objetivos
principais da escola, ao incluir música em seu currículo, nunca foi o de formar músicos
profissionais, as atividades escolares são recheadas de performances, onde os alunos são
incentivados a realizar apresentações em seus palcos escolares. (QUEIROZ, 2009, p. 64)

Em 1989, no mesmo ano em que é criada a Universidade Livre de Música (ULM) 6,


também surge o curso de Música popular da UNICAMP. Em 2009, época da pesquisa de
Queiroz, a ULM contava com mais de 2.500 estudantes, nos mais variados cursos de
instrumentos e tinha quatro professores de canto popular (QUEIROZ, 2009). Sobre o ensino
de música no Ocidente comenta que,

De forma geral em todos estes países a música se tornou tópico universitário apenas durante
o século XX sendo que a música popular, mesmo nas grandes metrópoles, apenas atingiu
status universitário depois dos anos 50. Destacamos aqui o exemplo referencial da Berklee
School of Music, que foi bastante citada pelas pessoas entrevistadas nesta pesquisa. Sua
primeira turma de graduandos em música popular ocorreu apenas em 1966. (QUEIROZ,
2009, p. 71)

Na UNICAMP, de 1989 (quando o curso foi criado) e até 2007, os alunos de música
tinham o mesmo currículo do Curso de Música Popular, mas a partir de 2008 aconteceu a
divisão em cinco cursos, com currículos diferentes. Um deles foi o de canto popular, chamado
de “Voz – Música Popular”. O cargo de professor de canto popular existe desde o começo do
curso de Música Popular em 1989, e trocou de mãos várias vezes, até que em 2002 passou a
ser ocupado pela professora Regina Machado. “Sobre ela repousou a responsabilidade de
inventar um jeito de ensinar algo que muitos acham não ensinável” (QUEIROZ, 2009, p. 79).
Na UNICAMP as aulas de canto são divididas em três modalidades:

6
Coordenada pelo Centro de Estudos Musicais Tom Jobim, a ULM passou por mudanças e
atualmente chama-se Escola de Música do Estado de São Paulo (EMESP).
57

Quadro 16 - Modalidades de aulas de canto popular na UNICAMP:

- Aula de Canto - que pode ser chamada de “aula de atendimento” ou simplesmente


de Voz;
- Canto na Música Popular - que é uma aula de história do canto popular;
- Produção Musical - aula que na verdade é chamada de “aula de reflexão estética”.

Nas aulas de História da Voz (na canção popular), é abordado um tema por semestre
(no planejamento de 2009) nessa ordem: A Época de Ouro do Rádio; Samba Canção e Bossa
Nova; Festivais, Tropicalismo e Música de Protesto; Clube da Esquina; Música Caipira e
Samba Paulista; Vanguarda Paulista; Música Latino-Americana.
Queiroz entrevistou as professoras Tuca Fernandes da Faculdade de Música de São
Paulo (FMU) e a professora Liane Guariente, da Faculdade de Artes do Paraná (FAP), que o
informaram que nesses cursos são utilizados outros modelos de currículo, mas que guardam
semelhanças entre eles. Na FMU as aulas de História começam com Chiquinha Gonzaga
(1901) até 1928, depois vem o Samba Canção de 1928 a 1957 e na sequência se estudam a
bossa nova e a Tropicália. Também inclui música estrangeira a título de pesquisa. Já em
Curitiba, na FAP, os alunos passam pelas disciplinas “Canto Solista I – ênfase à Música
Brasileira; Canto Solista II – ênfase à Música Internacional; Canto Solista III – definição do
roteiro de espetáculo; Canto Solista IV” (QUEIROZ, 2009, p. 100). Soma-se a isso a
montagem de espetáculos e gravações de CDs.
Queiroz sublinha o fato de que as aulas de História da Voz no Canto Popular na
UNICAMP são basicamente aulas expositivas, onde a escuta é a principal atividade do aluno.
Ele seleciona quatro aulas marcantes:

Podemos destacar quatro exemplos marcantes: 1) a aula do primeiro ano em que é realizada
a escuta do disco “chega de saudade”, de João Gilberto, quase inteiro; 2) a aula de escuta do
disco Tropicália no segundo ano; 3) também no segundo ano a aula de escuta do disco
Clube da Esquina; 4) a aula do terceiro ano em que é escutada uma coleção de músicas
rotuladas como “bregas” dos anos setenta e oitenta. (QUEIROZ, 2009, p. 101)

Além da audição “cada disciplina de história possui uma bibliografia própria apontada
pela professora, sendo que ao menos um livro é dado como leitura obrigatória” (QUEIROZ,
2009, p. 101). A terceira aula, a de “Estética” também é a terceira aula do dia, na parte da
noite, e proporciona aos alunos o debate sobre assuntos relevantes.
58

Enquanto a aula de Voz foi a atividade prática, e a aula de História foi a atividade
expositiva, a aula de Estética será a aula participativa. Embora muitas vezes haja muitas
falas da professora, espera-se que seja realizado um debate, onde todos falam e todos são
protagonistas da troca de opiniões, ideias e reflexões. (QUEIROZ, 2009, p. 102, grifos do
autor)

Soma-se a essas disciplinas a experiência da apresentação de final de ano, onde o


aluno terá que atuar na área da produção, arregimentando os músicos, agendando o auditório,
e na divulgação - com a criação de programas e cartazes - além da locação da sonorização e
etc.

2.5 A entrada do músico popular no ensino formal

Maria de Barros Lima (2010), pesquisa o processo de aprendizado de alunos de canto


popular em uma escola de música profissionalizante em Brasília, e discute as perspectivas dos
alunos de música popular com relação ao ensino e a aprendizagem musical realizada dentro
do contexto formal. Com esta intenção entrevista alunos que entraram no Centro de Educação
Profissional da Escola de Música de Brasília (CEP-EMB) (DF).
A autora comenta também sobre as dificuldades relatadas por alunos e professores em
encontrar uma linguagem de ensino musical que contemple as especificidades dos alunos de
música popular que, ao ingressarem no CEP-EMB, muitas vezes já possuem conhecimentos
musicais práticos que envolvem o fazer musical, a audição e a prática instrumental de nível
profissional. Porém, esses alunos, ao se depararem com um sistema formal de ensino baseado
na herança europeia de leitura e escrita musical, encontram dificuldades, pois nem o seu saber
de músico prático é valorizado, nem o sistema educacional está pronto para incorporar aquele
saber de forma a facilitar um novo aprendizado, desta vez tradicional (Lima, 2010).

A exemplo do que aconteceu no final da década de 80 em outras instituições de ensino de


música do Brasil, a implantação dos cursos de música popular na Escola de Música de
Brasília encontrou um cenário pedagógico marcado por uma herança eurocêntrica, presente
nos conteúdos e nas metodologias, no qual se supervaloriza a escrita musical na formação
de músicos e as práticas de aprendizagem vivenciadas pelos músicos populares em
contextos informais ainda têm pouco espaço (LIMA, 2010, p. 1)

Apesar das dificuldades comentadas acima, em 2010, no Núcleo de Canto Popular


(NCP), os professores buscavam caminhos para realizar mudanças naquela cena pedagógica.
A motivação para que isso acontecesse foi a crescente procura por esse curso por parte de
cantores que já atuavam profissionalmente no cenário musical, e começavam a se interessar
pelo ensino formal de música. A autora comenta que ainda se sabe pouco sobre os motivos
59

dessa demanda7 (LIMA, 2010). Os cursos de canto popular da escola surgiram a partir de
1998. Nessa época a escola tinha 230 professores e 1.841 alunos em 2010 “(...) sendo que 39
professores e 487 alunos são da área de música popular, e 70 alunos e 6 professores integram
o Núcleo de Canto Popular” (LIMA, 2010, p. 1).
Como professora no NCP desde 1999, ela pôde acompanhar alunos de canto que,
mesmo já possuindo conhecimentos musicais adquiridos fora da escola, e sendo já músicos
experientes, sentiam dificuldades com o processo de aprendizado, pois “(...) por não
conhecerem a escrita musical tradicional, foram inseridos em turmas teóricas de iniciantes,
nas quais suas habilidades e conhecimentos anteriores pareciam, segundo os relatos dos
cantores, ser frequentemente ignorados” (LIMA, 2010, p. 2). A respeito desse tema Feichas
(2009) escreve:
A educação musical no Brasil se desenvolveu baseada em princípios eurocêntricos, ou seja,
numa pedagogia que legitima a música de concerto europeia como sendo superior e
marginaliza outros tipos de música. Essa herança pedagógica privilegia não só o repertório
europeu como também as metodologias de ensino da música com foco no ensino da
notação tradicional. Dessa forma considera-se educado musicalmente aquele indivíduo que
sabe ler e escrever música dentro das regras dessa notação. Outros saberes e competências
musicais como, por exemplo, aqueles vindos de práticas informais de aprendizagem sempre
ficaram à margem dos processos considerados válidos pelos conservatórios e escolas de
música. (FEICHAS, 2009, p. 1)

Como exemplo do que pretende analisar, a autora cita o caso da aluna Elaine, que
possuía grande experiência profissional como cantora popular (bares e shows) e, por
indicação de um professor ingressou na CEP-EMB, para o Núcleo de Canto Popular, “Ela
ingressou na Escola, buscando, segundo seu depoimento, conhecimentos musicais, formação
profissional e certificação para o exercício da profissão, inclusive como professora.” (LIMA,
2010, p. 3). Como ela não tinha conhecimentos de teoria e de leitura musical teve que entrar
em uma turma de iniciantes, no Curso Básico, de duração de seis semestres.

Desde o começo, Elaine relatou grande dificuldade com a notação e com o solfejo. Ao
tentar ajudá-la, percebi que a dinâmica de estudo vigente nas classes parecia incompatível
com a maneira como estava habituada a vivenciar a música. Habituada a tirar de ouvido -
prática frequente entre os músicos populares, referida por Green (2001)-, decorava sempre
antes de poder ler. (LIMA, 2010, p. 3)

Elaine abandonou o curso, segundo a autora, pela grande dificuldade de aprendizagem


na Escola, somado a motivos pessoais. O que mais chamou sua atenção para o caso foi o fato
da estudante possuir importantes habilidades (dentro do que a autora classifica como da

7
Esse assunto será abordado no Capítulo 3.
60

tradição do canto popular brasileiro), que pareciam estar bem desenvolvidos na aluna, e
especifica algumas deles:

(...) amplo conhecimento do repertório da chamada MPB, samba, choro, pop rock nacional,
abrangendo estilos bastante variados e diferentes épocas da música popular brasileira;
afinação precisa em melodias complexas (fazem parte de seu repertório compositores como
Chico Buarque, Tom Jobim, João Bosco, cuja obra é marcada pela complexidade
harmônica e melódica); capacidade de improvisar, mantendo-se fiel aos estilos, muitas
vezes em contextos harmônicos cheios de tensões; a capacidade de reinventar
permanentemente as canções em termos melódicos e rítmicos, sendo muito competente no
que os músicos populares chamam de “divisão”; domínio do timbre e da extensão de sua
voz, de forma a adequá-los à execução de estilos diversos da MPB; além disso, domínio de
ornamentos característicos desses estilos. (LIMA, 2010, p.4)

Essa e outras experiências com alunos geraram discussões entre os professores da


CEP-EMB e desencadearam uma série de perguntas sobre o assunto:

(...) por que a Escola não é capaz de acolher experiências tão ricas, ou de complementar a
formação de cantores já atuantes, de forma a ajudá-los a enfrentar os desafios do mercado
de trabalho e certificá-los para o exercício da profissão? Que saberes esses músicos
procuram, o que temos para ensinar, de que forma podemos construir uma relação de
ensino-aprendizagem efetiva? Até que ponto o desconhecimento da instituição de ensino a
respeito do fazer musical e da aprendizagem anterior desses cantores tem dificultado o seu
aproveitamento na Escola e nos levado a deixar de promover a articulação necessária para
que houvesse continuidade em seus processos de desenvolvimento musical?(LIMA, 2010,
p. 4)

O caso relatado acima seria um exemplo de um fenômeno que ocorre em níveis


diferentes de intensidade com alunos de música (popular e erudita): a dificuldade “(...) ou
falta de interesse dos agentes educacionais nas instituições de ensino de música em acolher
conhecimentos adquiridos em ambientes não escolares (...) e articulá-los em relação aos novos
conhecimentos que se deseja transmitir.” (LIMA, 2010, p. 4)
Também foi observado em vários alunos dificuldades para criar uma ligação direta
“entre os conhecimentos oferecidos na Escola, especialmente entre o solfejo e a leitura de
partituras (foco das maiores dificuldades), e as demandas da prática como cantores
populares.” (LIMA, 2010, p. 5)
De acordo com a autora, a busca por adquirir o conhecimento sobre a notação
tradicional por vezes parece ser consequência mais do poder inserido nesse código do que de
reais necessidades geradas na atividade artística e profissional do cantor popular/estudante,

No CEP-EMB, a chegada dos novos cursos da música popular encontrou uma escola
totalmente estruturada em função da formação de músicos de orquestra, banda e coro, e a
conquista de espaços pedagógicos e até mesmo físicos, como veremos mais adiante,
acontece de forma lenta. Parece que a divisão entre o campo popular e o erudito é ainda
marcante, e também que existem questões não superadas de desqualificação da música
popular em relação à música erudita, assim como de desconhecimento sobre o fazer
61

musical dos músicos populares por parte da Instituição. Isso apesar do fato de a música
popular ter cursos regulares na Escola desde 1985. (LIMA, 2010, p. 5)

As experiências relatadas por Lima em uma escola de música profissionalizante


podem colaborar com as discussões sobre o ensino de canto popular a nível universitário, pois
têm muito em comum com essa realidade. Na UFMG tenho observado problemas similares,
alunos que ingressam já trazendo uma bagagem de experiências profissionais e
amadurecimento vocal e auditivo no âmbito da música popular, mas encontram dificuldades
em relacionar esse conhecimento com as exigências do saber musical tradicional que passa a
ser exigido deles no curso universitário.

2.6 A experiência do grupo GEV-RJ

Durante o mestrado pesquisei a respeito do ensino de canto popular ministrado pelos


professores de canto popular do Grupo de Estudos da Voz (GEV-RJ), que existe desde 1990 e
do qual faço parte desde sua fundação. Em minha investigação questionei a forma como esses
professores elaboraram suas técnicas de ensino de canto popular sendo que, em sua formação
inicial em canto, todos estudaram principalmente com professores de canto erudito. Para isso
entrevistei os professores/as do GEV-RJ, gravei reuniões do grupo e pesquisei em seus
arquivos a fim de realizar as análises e discussões com a literatura.
Nos depoimentos percebemos que, além da própria participação no grupo e os anos de
estudo que isso nos proporcionou, cada um dos participantes recorreu a outras fontes de
informações para elaborarem suas didáticas para o ensino de canto popular. Nos depoimentos
encontramos situações diferentes, desde a adaptação do que foi aprendido com professores
eruditos para a voz na música popular, até percursos menos óbvios, por exemplo, o do
professor que utilizou suas aulas de harmonia em violão popular como principal referência
para elaborar sua didática em canto popular (SANDRONI, 2013).
As principais fontes de aprendizado citadas pelos professores entrevistados foram: as
aulas de canto com professores de canto erudito; os estudos no grupo GEV-RJ; a experiência
cantando em corais de repertório eclético; a experiência de trabalho em grupos vocais e
musicais; os diversos cursos de canto realizados em congressos, festivais de música no Brasil
e exterior; as técnicas de Yoga; as aulas de violão popular; as aulas de música popular em
geral e as leituras diversas sobre música, canto e didática em canto (SANDRONI, 2013).
Utilizei o termo “canto popular urbano brasileiro”, que resumi em um misto de um
termo e uma sigla - canto popular UrB – para especificar sobre qual canto eu me referia. Há
uma polêmica, tanto entre os pesquisadores como entre o público em geral, a respeito de quais
62

cantos poderiam ser classificados como canto popular. O canto sobre o qual eu me referi
naquele trabalho é a parte cantada da música popular brasileira, produzida e gravada para ser
veiculada na mídia a partir dos anos 20 do séc. XX em diante (SANDRONI, 2004).
Também adicionei ao texto (em anexo), os currículos dos professores de canto popular
do GEV. Na leitura destes currículos fica evidente que o público alvo desses professores é
principalmente de cantores populares com atuação constante no mercado fonográfico no meio
urbano (SANDRONI, 2013). Ao final do trabalho fiz um resumo do que seriam, no entender
dos professores do GEV-RJ, as principais características de uma aula de canto popular:

- As qualidades vocais próprias do aluno, procurando desenvolver sua personalidade vocal


e utilizando para isso vocalises específicos, que ajudem no seu desenvolvimento e na
superação de seus problemas específicos.
- Uma técnica respiratória baseada numa respiração natural do aluno concomitantemente à
introdução paulatina, se necessário, de noções de apoio respiratório.
- O repertório utilizado é o da música popular e do interesse do aluno, trazido por ele ou
sugerido pelo professor. (SANDRONI, 2013, p. 94)8

Nas conclusões considerei que o ensino de canto popular ministrado por nós do GEV-
RJ, a exceção de um dos participantes9, não derivou de uma adaptação direta das técnicas de
ensino de canto erudito e não há uma descendência direta entre um e outro, e sim, que esse
ensino deriva de um processo mais complexo que contou com a colaboração de diversos
aprendizados no âmbito da música e de áreas profissionais paralelas, com dito na página
anterior.

2.7 Outros trabalhos citados no texto

Além dos textos resumidos e comentados acima, ainda serão citados, entre outros, os
trabalhos seguintes: Goulart (2001) faz uma revisão sobre o material didático existente na área
do canto, e analisa e discute sua aplicação para o ensino de canto popular, com foco principal
na música popular brasileira, além de propor alternativas para esse ensino; Mariz (2013)
analisa a terminologia utilizada por professores de canto para o ensino de técnica vocal. A
pesquisadora entrevistou e acompanhou o trabalho de seis professores de canto nas cidades do
Rio de Janeiro e de São Paulo com abordagens de ensino de voz nas áreas do canto erudito,
popular brasileiro e comercial contemporânea norte-americana; Machado (2015) parte da
aplicação da Semiótica da Canção, de Luiz Tatit, para analisar o comportamento vocal de
algumas das que considera as principais vozes do Brasil, com bases na escuta de fonogramas
8
No texto desta citação escrevi a palavra vocalize com s, mas estou escrevendo atualmente a
palavra vocalize com z, as duas formas são encontradas e aceitas.
9
Esse participante foi o único que relatou que ministra suas aulas de canto da maneira como sua
professora lhe ensinou.
63

gravados por estes cantores e Albuquerque (2017) que além de fazer um levantamento dos
currículos dos cursos de canto popular nas universidades públicas brasileiras, analise e discute
as entrevistas que realizou com os professores de canto popular da UnB e da UFMG.
64
65

CAPÍTULO 3 - O ENSINO DE CANTO POPULAR NAS UNIVERSIDADES


PÚBLICAS BRASILEIRAS

O dito popular Ninguém aprende samba no colégio, citado nos versos de Noel Rosa1,
refere-se ao senso comum de que os sambistas não aprendem seu ofício no ensino formal e
sim na escola da vida, entre bambas, no morro, nos bares e na boemia. Esse parece ter sido o
caso de Noel (de acordo com seus biógrafos2). O ditado popular também faz alusão aos
colégios da época, onde não havia ensino de música popular, ensino de samba e muito menos
formação para bambas. Podemos também pensar na frase citada não como uma referência
ipsis litteris a um colégio, mas ao aprendizado formal nas escolas, faculdades, universidades e
conservatórios da época do Poeta da Vila.
A chamada escola da vida tem um papel importante no aprendizado da música
popular, apesar disto a presença do ensino de musica popular está crescendo nas
universidades brasileiras, a ponto de seus avanços e desafios terem sido o tema do I Encontro
sobre Música Popular na Universidade 3, ocorrido em Porto Alegre (UFRGS) em 11 a 15 de
maio de 2015. O próprio Noel Rosa atualmente é objeto de estudos em escolas e
universidades.
A oferta de ensino de canto popular está crescendo e acompanhando, aos poucos, a
criação e desenvolvimento dos cursos de Licenciatura e em habilitações em Música Popular
no país (QUEIROZ, 2009). Esse aumento do ensino de música popular em instituições de
ensino público está trazendo novos desafios para os professores de música que, em muitas
ocasiões, não estão preparados para receber os alunos que chegam às universidades, oriundos
de experiências musicais aprendidas fora dessas instituições (LIMA, 2010).
Para elencar as universidades que oferecem ensino de canto popular na atualidade
comecei baseando-me nos dados da pesquisa de Queiroz (2009). Segundo ele “a inserção
desta modalidade de Canto na universidade não está se dando de uma forma uniforme, ao
contrário está sendo implementado de muitos modos variados.” (QUEIROZ, 2009, p. 29). Na
maioria dos casos, primeiro se estabeleceu um curso de música popular para depois ser aberta
a disciplina de Canto Popular. O autor elaborou um quadro onde seleciona as universidades, o

1
Noel de Medeiros Rosa, o Noel Rosa (1910 - 1937), compositor, cantor e violonista. Nasceu no bairro
de Vila Isabel, no Rio de Janeiro e ficou conhecido como o Poeta da Vila. Disponível em
<http://dicionariompb.com.br/noel-rosa/biografia> Acesso em: 21 de fev. 2017.
2
Noel Rosa, uma biografia de João Máximo e Carlos Didier. São Paulo: Editora UNB, 1980.
3
O encontro realizou-se entre os dias 11 e 15 de maio de 2015 em Porto Alegre (RGS). Disponível em
<http://www.ufrgs.br/ufrgs/noticias/i-encontro-de-musica-popular-na-universidade-recebe-inscricao-de-
trabalho> Acesso em: 21 de fev. 2017.
66

ano de criação da disciplina de Canto Popular e a cidade onde está localizada. Começaremos
destacando as quatro universidades públicas listadas acima por Queiroz:

Quadro 17- Lista de universidades públicas elencadas por Queiroz (2009):

- Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)


- Faculdade de Artes do Paraná (FAP - UNESPAR)
- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
- Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Depois de 2009, data da publicação de Queiroz, surgiram mais seis universidades


públicas com cursos e/ou disciplinas de canto popular:

Quadro 18 - Lista de universidades públicas com ensino de canto popular (depois de 2009):

- Universidade Federal de São João Del Rey (UFSJ)


- Universidade de Brasília (UnB)
- Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
- Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA)
- Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
- Universidade do Ceará (UFC)

Em sua pesquisa Queiroz (2009) além de identificar os cursos com ensino de canto
popular, também registrou a existência de, ao todo, 29 cursos superiores de canto com ensino
de canto erudito no Brasil, e comenta que é possível que existam aulas de canto popular,
experimentais, e dificilmente detectáveis, em outras escolas, além das que ele identificou
acima. Algo no gênero ocorreu em minha pesquisa, no caso da UFSCar. Descobri que havia
ensino de canto popular, no curso de Licenciatura em Música, porque a professora de lá,
Thais Nunes, tinha sido a primeira professora de canto popular na UFSJ, e foi citada na
entrevista com a professora Valéria Braga, da UFSJ.
Neste capítulo vamos apresentar as entrevistas que realizamos com os professores de
canto popular das seguintes universidades públicas: UFPB; UFSJ; UFBA; UNILA;
67

UNICAMP; UFSCar; UnB; UNESPAR; UFC e UFMG.


Mas antes, vamos refletir sobre alguns dos fatores envolvidos na criação da demanda
pelo ensino de canto popular no Brasil.

3.1 Uma reflexão sobre a demanda para o ensino de canto popular

Abaixo discutiremos à respeito dos motivos da demanda pelo ensino de canto popular
no Brasil. Para isso refletiremos sobre alguns dos fatores que podem explicá-la. Faremos essa
discussão em diálogo com a literatura da área e ouvindo a opinião dos professores de canto
popular. Os cinco fatores elencados para essa discussão são: o surgimento de um novo
paradigma vocal, com a bossa nova; a ampliação do uso da voz para o rock e seus derivados;
a renovação do movimento coral nos anos 1970/80; o aumento da concorrência profissional
no mercado fonográfico e finalmente, o crescimento do mercado do teatro musical no país.
Albuquerque (2017) identifica a demanda pelo ensino de canto popular nas
universidades e cita, como um dos fatores, a existência de indivíduos interessados no canto
popular,

Podemos verificar que uma grande parcela dos profissionais que atua hoje nas
universidades como professores de canto popular, se constitui de um grupo de pessoas que
buscaram a universidade e tiveram que estudar o canto erudito por não encontrarem
alternativa. (ALBUQUERQUE, 2017, p. 22/23)

A pesquisadora citada acima é a atual professora de canto popular da UFBA. Ela


comenta que verificou uma grande demanda pelo ensino de canto popular “(...) podemos
destacar dois fatores relevantes nessa tendência: a crescente competitividade no mercado de
trabalho e a busca por aprimoramento técnico musical e vocal” (ALBUQUERQUE, 2017, p.
23). Concordamos com o comentário de Albuquerque e em seguida vamos refletir sobre esses
e outros possíveis fatores que contribuíram para que surgissem os professores de canto
popular e a demanda por este ensino.
Podemos supor que o primeiro fator foi o surgimento de um novo paradigma vocal que
começou a ocorrer no Brasil a partir da chegada da bossa nova, em 1958, e do lançamento do
disco Chega de Saudade de João Gilberto, em 1959. De acordo com Severiano e Mello
(1995),
A segunda fase da música brasileira começa com o surgimento da bossa nova, em 1958, e
se estende ao final da era dos festivais, em 1972, passando pelo tropicalismo e outras
tendências. É uma fase de renovação e modernização, que introduz novos estilos de
composição, harmonia e interpretação, determinando uma apreciável mudança na linha
evolutiva de nossa canção. (SEVERIANO E MELLO, 1998, p. 15)
68

De acordo com os pesquisadores acima citados, tudo isso foi possível graças a uma
geração de artistas, numerosos e talentosos, que são divididos por eles em duas fases, ou, em
dois escalões. Primeiro o “(...) liderado pelo compositor, pianista e arranjador Antônio Carlos
Jobim4, o poeta Vinicius de Moraes5 e o cantor-violonista João Gilberto (...) detonou o
processo renovador” (SEVERIANO E MELLO, 1998, p. 15). Os autores ainda destacam
outros músicos da bossa nova, como os compositores,

Carlos Lira, Roberto Menescal e Newton Mendonça, o letrista Ronaldo Bôscoli, as cantoras
Sílvia Teles e Nara Leão, e músicos compositores como João Donato, Baden Powell e
Eumir Deodato. Vindos do período anterior, como os líderes do movimento, integram
também a bossa nova figuras como Johnny Alf, Agostinho dos Santos, Lúcio Alves, Dick
Farney e o conjunto Os Cariocas. (SEVERIANO e MELLO, 1998, P. 15)

Do ponto de vista do canto, essa renovação e modernização, que introduziu os novos


estilos da interpretação vocal no mercado fonográfico, significaram de uma maneira geral, a
diminuição do volume vocal e o fim do vibrato constante. Podemos verificar isso ao ouvir as
vozes de João Gilberto (depois de 1958) e Nara Leão6. Segundo os autores essa fase termina
em 1962 “(...) quando acontecem o espetáculo ‘Encontro’, o único a reunir num palco o trio
Jobim-Vinicius-Gilberto, e o legendário show do Carnegie Hall, em Nova York”
(SEVERIANO e MELLO, 1998, p. 15).
A bossa nova abriu o caminho do sucesso para um segundo grupo de artistas que surge
a partir de 1964, concomitantemente aos festivais de televisão. Os autores chamaram esse
grupo de artistas de a turma dos festivais:

Igualmente talentosos, os componentes desta turma são adeptos fervorosos dos princípios
bossa-novistas, idolatram os seus criadores e realizam à sua maneira uma continuação do
movimento. Sobressaem-se no grupo compositores como Chico Buarque, Edu Lobo,
Milton Nascimento, as cantoras Elis Regina, Maria Bethânia, Nana Caymmi, Gal Costa e
um grande número de letrista e músicos compositores. (SEVERIANO e MELLO, 1998, p.
16)

Depois do exemplo de João Gilberto e de outros cantores e cantoras da bossa nova,


cantar música popular urbana brasileira profissionalmente torna-se uma opção real para
músicos que antes, dificilmente teriam conseguido trabalho como cantores no mercado
fonográfico brasileiro. De acordo com Machado (2007) décadas antes do surgimento da bossa

4
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim (1927 - 1994), compositor, arranjador e
instrumentista carioca. Disponível em < http://dicionariompb.com.br/tom-jobim> Acesso em: 9 de jul.
2017.
5
Vinícius da Cruz de Melo Moraes (1913 - 1980), poeta, compositor, teatrólogo, jornalista e
diplomata carioca. Disponível em < http://dicionariompb.com.br/vinicius-de-moraes/biografia> Acesso
em: 9 de jul. 2017.
6
Nara Lofego Leão (1942 – 1989). Cantora Capixaba. Disponível em <
http://dicionariompb.com.br/nara-leao> Acesso em: 9 de jul. 2017.
69

nova, com a sedimentação do samba no começo do séc. XX, os cantores populares desse
gênero já experimentavam parâmetros vocais que iriam se consolidar apenas décadas mais
tarde.

Com a sedimentação do samba como gênero musical, fato que ocorreu entre os anos 20 e
30 do século passado, pudemos verificar que a referência estética para a realização vocal
passou a utilizar mais acentuadamente os parâmetros da fala, produzindo uma emissão
vocal mais coloquial e com menos utilização de vibrato, valorizando a articulação rítmica e
a execução do fraseado musical em detrimento da potência e da dramaticidade,
características da seresta e em que se observavam mais claramente as influências do
belcanto sobre a canção popular. (MACHADO, 2007, p. 25)

Segundo Machado (2007), a bossa nova propôs uma estética onde a voz utilizada na
canção popular retomaria o caminho antes delineado pelo samba, mas com o acréscimo de
uma sofisticação vocal, na qual os elementos rítmicos e aspectos de entoação da fala “(...) o
rigor absoluto na afinação, a não-utilização de vibrato, a exploração da sonoridade das
palavras como mais um elemento de execução rítmica construíram uma aparente
simplificação do cantar” (MACHADO, 2007, p. 25).
A aprovação do público com relação ao estilo bossa nova de cantar não foi unânime.
Existem opiniões que argumentam contra essa renovação, como a que ouvi de uma colega
professora de canto. Do seu ponto de vista, “os cantores de bossa nova não cantam nada e a
bossa nova acabou com o canto popular brasileiro”. Essa opinião, apesar de rejeitar a
renovação vocal trazida pela bossa nova, reafirma sua existência, pois confirma o fim de uma
era onde o cantor era possuidor de uma voz potente e cheia de vibrato, e admite que a bossa
nova acabou com o que ela considerava o canto popular brasileiro, e deu início a uma fase de
cantores que não cantam nada.
A respeito da fase anterior à bossa nova e às mudanças que ocorreriam com a voz do
cantor popular brasileiro, Severiano e Mello comentam,

Prenunciando uma fase de culto à voz, que atingiria o auge em todo o país nos anos trinta,
aumenta a partir de 1927 a produção de discos cantados, que passam a superar por larga
margem os instrumentais. O fato tem tudo a ver com a chegada nesse ano ao Brasil do
sistema eletromagnético de gravação de som, um dos grandes inventos tecnológicos do pós-
guerra. Liberados das limitações da gravação mecânica, que os obrigava quase a gritar para
registrarem suas vozes, os cantores podem agora cantar de forma mais natural, além de
terem um som de muito melhor qualidade na reprodução das gravações. (SEVERIANO e
MELLO, 1997, p. 50)

As possibilidades e vantagens trazidas pela utilização desses novos recursos de


ampliação sonora, porém, não causaram uma transformação imediata na forma de emissão
vocal dos cantores, e sim aos poucos foram transformando (também na medida de seu
desenvolvimento técnico) as possibilidades para a emissão vocal. Como comentado acima, a
70

potência vocal e mesmo a utilização do grito eram essenciais para a gravação do som nos
discos de cera, mas, com o passar dos anos e o desenvolvimento da tecnologia de reprodução
e gravação foi possível observar a utilização cuidadosa e consciente desses recursos técnicos
na emissão vocal dos cantores.
É preciso lembrar também o cantor Mário Reis (1907 – 1981), que marcou sua
presença ainda nos anos 1930 utilizando uma voz de pouco volume e nenhum vibrato7. Ele
era possuidor de uma voz dita pequena, se comparado à voz de seu parceiro de inúmeros
sucessos, Francisco Alves8. Sobre Mário Reis, Menezes comenta:

Outro sambista que desenvolveu um timbre característico para o samba é o cantor Mário
Reis. Membro de uma família da high society carioca do início do século XX, marcou a
história do canto brasileiro com seu estilo “falado”, contrastando com o estilo influenciado
pelo bel canto do teatro de revista e das operetas. Suas gravações feitas em dupla com
Francisco Alves – e o notável contraste entre os timbres dos dois – marcam mais um
momento de grande criatividade timbrística da música brasileira. (Menezes, 2012, p. 109)

Na sequência do sucesso dos intérpretes da bossa nova, na década de 1960 em diante,


esse estilo de cantar é adotado por quase todos os cantores da próxima geração, pertencentes
ao movimento musical conhecido como a era dos festivais (SEVERIANO e MELLO, 1998).
Esse novo estilo vocal vai seguir sendo uma das fortes vertentes do canto popular urbano nos
anos 60/70/80 e aparentemente, ainda está presente tanto no mercado de trabalho do cantor
popular como nas salas de aula de canto popular no Brasil. Ainda de acordo com os autores,

Deve-se às gerações pós-bossa nova e pós-festivais boa parte do que aconteceu de melhor à
nossa música popular no período 1973/1985. Mesmo oprimida pela censura, a maioria de
seus componentes manteve-se em contínua atividade durante esses anos, sendo notória a
sua influência sobre tendências então desenvolvidas. (SEVERIANO e MELLO, 1998, p.
187)

O estilo vocal dos cantores da bossa nova, portanto é adotado, com poucas
modificações, e em maior ou menor grau, pela próxima geração, pelos cantores que fizeram
sucesso nos festivais e na sequência nos demais movimentos musicais que acontecem nos
anos 1960/1970 como a tropicalismo e o Clube da Esquina. A jovem guarda, porém, apesar de
acontecer no mesmo momento e de alguns de seus cantores principais também serem filhos da
bossa nova, segue em outra direção e apenas começa a explorar alguns dos gestos vocais
característicos do rock anglo-saxão, como a utilização da voz com mais volume e com
rouquidão, entre outras características.

7
“É o termo que designa a percepção de uma flutuação do tom durante a emissão de um
som sustentado” (CALVENTE, 2010, p.83)
8
Francisco Alves (1898 – 1952), também conhecido como Chico Viola e o rei da voz. Disponível em
<http://dicionariompb.com.br/francisco-alves/dados-artisticos> Acesso em: 22 de fev. 2017.
71

Os autores comentam ainda que os movimentos musicais ocorridos logo após a bossa
nova e concomitante à era dos festivais, como o tropicalismo e a revalorização do samba
“resultante de reuniões de sambistas iniciadas no restaurante Zicartola e desdobradas em bem-
sucedidos espetáculos como ‘Opinião’ e ‘Rosa de Ouro’” (SEVERIANO e MELLO, 1998, p.
16), teriam revolucionado a MPB, “Mas ao mesmo tempo (...) aconteceu na área da música
pop o crescimento do rock, numa forma aqui denominada de iê-iê-iê, o que originaria o
fenômeno Jovem Guarda”. (SEVERIANO e MELLO, 1998, p. 17)
Mais tarde, com o surgimento do rock nacional dos anos 1980, também chamado de
BRock (DAPIEVE, 1995), começarão a ser ouvidos com mais frequência elementos sonoros
vocais que ainda tinham sido pouco utilizados por cantores populares no Brasil. Esses gestos
vocais9 realizados com uma voz mais pesada e/ou mais rouca deixarão o canto popular
brasileiro cada vez mais distante das características do estilo vocal da bossa nova.
O uso da voz do rock e seus derivados, portanto, torna-se mais comum a partir dos
anos 1980, alargando assim o leque de possibilidades do cantor e nos trazendo, finalmente, a
considerar mais um fator que teria influenciado no aumento da demanda de ensino de canto
popular no Brasil: a explosão musical juvenil ocorrido com o começo do fim da ditadura
militar na década de 1980, com o surgimento dos grupos de rock nacionais, um momento de
efervescência musical (DAPIEVE, 1995). De acordo com Vicente (2002),

De todos os segmentos musicais constituídos ou evidenciados ao longo dos anos 80 o do


rock foi, sem dúvida, o mais importante. O modo como a cena ficou conhecida – rock dos
anos 80 – denota sua especificidade em relação aos momentos anteriores em que o rock
recebeu destaque dentro da produção musical do país. (VICENTE, 2002, p. 118)

Vicente (2002), afirma que o rock nacional estaria expressando o espírito de uma
geração e comenta,

Um dado importante para compreender esse espírito é o de que o BRock foi criado por uma
geração de artistas que, nascida nos anos 60, teve sua formação constituída num momento
em que a indústria já se encontrava razoavelmente articulada no país. Assim, além de
melhor adaptada à lógica do mercado, essa geração dispunha de maior possibilidade de
movimentação entre referenciais históricos, políticos e culturais que, para ela,
apresentavam-se antes de tudo enquanto referenciais da indústria. Outra questão realçada
nesse processo é a da mundialização. Se nos anos 60 o rock suscitava resistências a seu
caráter pretensamente imperialista e colonizador, a questão não se coloca entre os críticos
dos anos 80. Em seu processo de mundialização, ele não só havia se incorporado à
produção nacional, ou seja, formado sua tradição local, como perdido boa parte de suas
identificações de origem (enquanto gênero musical anglo-saxão). Num certo sentido, ele era
mais um dentre todos os outros referenciais disponíveis para os artistas. (VICENTE, 2002,
p. 122)

9
Termo utilizado por Adriana Piccolo em sua dissertação de mestrado de 2006.
72

Se por um lado Vicente esclarece alguns aspectos da força que o rock nacional
adquiriu nos anos 1980 no Brasil, por outro parece secundarizar ou mesmo ignorar as forças
sociais e políticas que atuavam no país naqueles momentos históricos. Saíamos de 20 anos de
ditadura militar e estávamos vivendo a abertura política, no começo da década de 1980, até
1985, ano do fim daquele regime de exceção com o surgimento da Nova República,
inaugurada nas eleições indiretas de um presidente civil em 1985. Sobre isso o autor Fábio
Sales (2009) comenta:

Grupos como Ratos de Porão, Inocentes, Cólera, e mais precisamente no ABC paulista, em
1982, Garotos Podres, retratavam em suas letras a indignação com a ditadura militar da
época, faziam críticas ao sistema governamental, ao capitalismo e a luta pela igualdade
social. (Sales, 2009, p. 2)

Vamos nos deter apenas rapidamente nesse aspecto, pois a discussão sobre o
surgimento do rock e a situação política brasileira da época não é o foco de nossa pesquisa,
porém, é impossível não acrescentar que, apesar de o rock se apresentar como força musical
de maior presença nas rádios e na indústria fonográfica naquela década, houve também, nos
mesmos anos 1980, artistas que desenvolveram seus trabalhos a partir de outras influências
estéticas, em todo o Brasil, e não só em São Paulo, como os que pertenceram à Vanguarda
Paulista, e estavam ligados ao movimento da música independente.
De acordo com Vicente (2002), “Se nos anos 60 o rock suscitava resistências a seu
caráter pretensamente imperialista e colonizador, a questão não se coloca entre os críticos dos
anos 80”. Vicente não esclarece a que críticos ele está se referindo. Para muitos artistas
cariocas que atuaram nos anos 1980 no Rio de Janeiro, como eu, por exemplo, o imperialismo
colonizador americano não havia sido nem esquecido e nem superado e seja por
nacionalismo, ingenuidade ou outros motivos a serem ainda pesquisados, muitos músicos de
minha geração insistiam em produzir uma música ligada às tradições da música popular
brasileira, ainda que também sob a influência mais direta da MPB, do Tropicalismo ou da
recente Vanguarda Paulista.
Na época estávamos inspirados pela música que vinha de São Paulo, principalmente
pelo grupo RUMO, Arrigo Barnabé e Itamar Assunção. Estávamos também próximos a
movimentos musicais de resistência cultural a exemplo do grupo musical Coisas Nossas10 que

10
O grupo Coisas Nossas era composto pelos músicos Integrado por: Luita (Aluísio Didier), violão e
voz; Beto Cazes (Humberto Cazes), percussão e voz; Caola (Carlos Didier), violão e voz; Dazinho
(Edgar Gonçalves), flauta, sax e voz; Henrique Cazes, cavaquinho e voz; Zé Pité (José Carlos Pité ),
piano e voz; Oscar Bolão (Oscar Luiz Werneck Pellon), pandeiro e voz e mais tarde por José Antônio
Nonato. O grupo estreou em 1975 e atuou até 1987. Disponível em http://dicionariompb.com.br/coisas-
nossas Acesso em: 30 de set. 2017.
73

trabalhou no resgate a obra de sambistas antigos como Noel Rosa e Sinhô, e do movimento do
Choro, do Rio de Janeiro, que tinha entre seus principais revitalizadores os grupos Galo
Preto11 e Os Carioquinhas12 entre outros agentes atuantes a exemplo do compositor e
produtor cultural Hermínio Bello de Carvalho, entre outros.
O trabalho desse grupo de músicos e artistas conectados ao Choro e ao Samba no Rio
de Janeiro fez com que essa música se mantivesse viva e em desenvolvimento alimentando o
surgimento de diversas gerações de músicos dedicados a ela. Provavelmente, devido a essa
dedicação, o Choro e o Samba até hoje tem grande presença na cena musical e cultural da
cidade do Rio de Janeiro.
Voltando ao assunto do rock nacional, nesse novo momento musical começou a haver
uma liberação geral dos gêneros musicais – com as novas liberdades democráticas e o fim da
censura prévia - e a juventude, de uma maneira geral ficou, finalmente, livre para fazer uma
música que correspondesse mais aos seus anseios culturais, naquele momento, cada vez mais
ligados às influências anglo-saxônicas ditadas pela cultura pop, onde o rock e seus derivados
musicais estavam ligados a ideias de modernidade e liberdade.
Requião nos informa que o mercado que se destina “(...) ao público jovem também
cresce rapidamente a partir do início dos anos 1980 com o surgimento de um movimento do
rock nacional denominado Brock, com grande sucesso de vendagem”. (REQUIÃO, 2008, p.
100/101). A autora comenta que Vicente (2002), ao fazer sua análise sobre a cena musical na
década de 1980, indica que as grandes gravadoras estavam investindo em segmentos
populares, no jovem urbano das classes populares, “(...) entre eles o ‘popular romântico’, o
‘sertanejo’, a música infantil e o rock brasileiro.” (REQUIÃO, 2008, p. 103)

Esses segmentos valorizavam o chamado “artista de marketing”, que seria aquele que, ao
contrário do “artista de catálogo”, têm um investimento mais baixo, e suas carreiras
costumam ser de fácil ascensão, mas de pouca durabilidade (DIAS, 2000).

Esses gêneros musicais (rock e derivados) demandavam muito mais volume vocal do
que os utilizados na bossa nova. Afinal, realizar esses gestos vocais pode ser difícil para

11
O grupo de samba e choro Galo Preto iniciou suas atividades em 1875 e é atuante até os dias de hoje.
Grupo formado por: Afonso Machado (bandolim), Alexandre Paiva (cavaquinho), Bartholomeu Wiesc
(violão), José Maria Braga (flauta), João Alfredo Schleder (percussão) e Marcos Farina (violão sete
cordas). Disponível em < http://dicionariompb.com.br/galo-preto/obra> Acesso em: 30 de set. 2017.
12
O grupo de choro Os Carioquinhas iniciaram suas atividades em 1977 e gravaram o disco Os
Carioquinhas no Choro mais tarde seus componentes seguiram carreiras solo. O grupo era formado por:
Celso Alves da Cruz (clarinete); Celso José da Silva (pandeiro); Luciana Maria Baptista Rabello
(cavaquinho); Maurício Lana Carrilho (violão); Mário Florêncio Nunes (percussão); Paulo Magalhães
Alves (bandolim); Raphael Baptista Rabello (violão de sete cordas) e Téo de Oliveira (arranjador).
Disponível em http://dicionariompb.com.br/os-carioquinhas/dados-artisticos Acesso em: 1 de out. 2017.
74

muitos cantores, podendo gerar problemas de emissão vocal e até problemas com a saúde
vocal nos menos preparados ou adaptados vocalmente ao estilo de cantar. Essas novas
exigências vocais têm levado o cantor popular a procurar ajuda profissional não só do
professor de canto, mas também do fonoaudiólogo.
Outro fator, identificado por nós no exercício dessa reflexão sobre a demanda pelo
ensino de canto popular no Brasil, é o movimento de renovação coral que se desenvolveu
principalmente na região Sudeste do Brasil, iniciado no final da década de 1970 e que se
dedicou principalmente ao repertório da música popular demandando preparadores vocais.
Esses profissionais, no desenvolvimento de seu trabalho teriam se tornado professores de
canto popular (PICCOLO, 2003). Piccolo ainda acrescenta que,

Não sabemos o quê desencadeou essa procura pelo aperfeiçoamento por parte dos cantores
populares, mas uma hipótese foi o surgimento dos coros de música popular, representado
pelos grupos Garganta Profunda, Céu da Boca e Coro Come, que começaram a se utilizar
de exercícios de técnica vocal. Felipe Abreu participava de corais desde os 14 anos, quando
passou a ter aulas de técnica vocal em grupo em corais de música erudita e popular. Cita o
Coral da Cultura Inglesa (depois Cobra Coral) como o grupo seminal de música coral
popular brasileira, dirigido pelo maestro Marcos Leite. (PICCOLO, 2012, p. 44)

Corroborando essa opinião, não posso deixar de comentar que três, dos sete
13
professores de canto popular do GEV-RJ, cantaram no coral Cobra Coral , regido pelo
maestro Marcos Leite14, que é considerado o grupo seminal da renovação coral dos anos
1970.
Outro desses fatores seria a concorrência profissional em um mercado fonográfico em
desenvolvimento. Com o passar do tempo o aumento da concorrência, devido à crescente
profissionalização desses artistas, tende a aumentar a competitividade no mercado fonográfico
e também a fazer crescer a necessidade do aprimoramento técnico através do apoio do
professor de canto e do fonoaudiólogo. Por outro lado, a atividade docente também é uma
opção de estabilidade econômica para os cantores, criando mais um incentivo para que se
tornem professores de canto popular.

O cantor popular da atualidade enfrenta um mercado complexo e muito, muito competitivo


(...). Nesse contexto de competitividade o cantor popular percebe que tem que se preparar e,
quebrando o preconceito a respeito do “estudo de canto”, ele procura cada vez mais o
professor de canto popular. (SANDRONI, 1998, p.17)

13
O “Cobra Coral” existiu de 1979 a 1983 sob a regência do maestro Marcos Leite.
14
Marcos Leite (1953 - 2002) foi maestro e regente do coral “Cobra Coral” e do grupo vocal “Garanta
Profunda”, entre outros. Foi o principal personagem da renovação do movimento coral a partir dos anos
1970, quando começou a reger o coral da “Cultura Inglesa”, que depois se transformaria no “Cobra
Coral”.
75

O último fator que iremos elencar como um possível gerador da crescente demanda de
ensino de canto popular no Brasil, nas últimas décadas, é o crescimento do mercado de
produção do teatro musical (CALVENTE, 2010), que vem ampliar o mercado de trabalho
para o cantor popular e tem sido, segundo o professor Felipe Abreu, a área do mercado de
trabalho que mais tem empregado seus alunos. Ainda de acordo com o professor Felipe
Abreu, alunos de diversos estados do Brasil tentam ocupar espaços nos elencos dos musicais
produzidos, principalmente, em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Muitos de seus alunos optam por permanecer nessa área profissional (teatro musical),
ao invés de tentar investir na carreira de cantor solista, carreira essa que estaria cada vez mais
distante de uma possibilidade profissional real para os novos aspirantes à carreira artística.
Segundo Felipe Abreu (em entrevista concedida a mim no dia 15 de Fevereiro de 2015, em
seu apartamento, no Rio de Janeiro-RJ),

Felipe Abreu – (...) o mercado de música acabou, virou uma coisa artesanal, como há
cem anos, então aonde tem trabalho é no teatro musical e é uma coisa muito
impressionante porque vejo alguns alunos que tive, que migraram para o teatro
musical, e que não querem nunca mais sair porque lá tem trabalho, tem trabalho!
(ABREU, 2015)

O Teatro Musical vai trazer novas exigências vocais para o cantor e com ele, outro
estilo de técnica vocal vai entrar em cena: o Belting. Essa técnica de canto chegou ao Brasil,
importada das produções dos musicais americanos, e tem se tornado cada vez mais conhecido
e praticado por aqui. A respeito do Belting a professora Mirna Rubim escreve:

A técnica do Belting foi desenvolvida para teatros sem amplificação. Trata-se de uma voz
cantada, projetada, estridente, que tem como objetivo a inteligibilidade do texto falado e
cantado. Enquanto as vozes masculinas são naturalmente mais potentes que as femininas,
pela presença maciça de voz de peito em todas as regiões, o termo Belting começou a ser
utilizado para se referir às vozes femininas que colocavam o registro de peito até notas
muito agudas (Eb4, por exemplo). (RUBIM, 2010, P. 48)

Essa nova realidade de mercado para o cantor popular, o mercado de trabalho em


musicais, traz novas exigências para o professor de canto popular que, muitas vezes, não está
preparado para lidar didaticamente com novos estilos vocais e pode acabar perdendo espaço
de trabalho para outros professores de canto especializados no assunto. De acordo com Rubim
(2010), o aluno familiarizado com a técnica do canto lírico estará bem mais preparado para o
aprendizado da técnica de canto Belting.
De acordo com Mariz (2013),
76

Paralelamente, mais ou menos uma década e meia se passou depois da implementação,


primeiramente em são Paulo e depois no Rio de Janeiro, das franquias de musicais da
Broadway marcando a entrada definitiva da escola norte americana de canto popular no
Brasil. Observa-se claramente a influência dessa escola nos cantores populares brasileiros
mais recentes, pela ornamentação fraseológica típica dos cantores afro- norte americanos,
pelo uso da técnica conhecida como Belting, e pela maior presença do vibrato em geral,
sobretudo nos artistas mais afamados da mídia brasileira. (MARIZ, 2013, p. 9)

Os fatores elencados acima: a mudança do paradigma vocal com a bossa nova; os


novos gestos vocais do cantor de rock, soul e seus derivados; a renovação coral do final dos
anos 1970 no sudeste brasileiro; o acirramento da concorrência profissional e o surgimento do
mercado do teatro musical perpassam um período de tempo relativo aos últimos 59 anos de
nossa história (de 1958 a 2017), e nos ajudam a refletir sobre o porquê do surgimento do
professor de canto popular e sobre a demanda atual por esse ensino, além de contribuírem
para a compreensão do processo de desenvolvimento de uma área de trabalho de ensino de
canto popular no Brasil.
Quando dizemos que a área de ensino de canto popular se desenvolve no Brasil,
compreendemos que esse desenvolvimento não se dá de forma homogênea em todo o
território nacional, da mesma forma que o desenvolvimento econômico e a distribuição
populacional também não são homogêneos neste território. Não entraremos agora na
discussão sobre os motivos do desenvolvimento econômico e social heterogêneo no Brasil,
apenas vamos apresentar algumas informações que poderiam nos ajudar a explicar o fato de
que o ensino de canto popular se concentra nas regiões Nordeste e Sudeste do país.
Na tabela 1, apresentada abaixo, apresentamos os dados divulgados pelo IBGE15,
sobre a distribuição populacional pelas regiões do país, acompanhado pela taxa de
urbanização das regiões, a quantidade de universidades públicas com ensino de canto popular,
e suas siglas, em cada região:

15
Fonte: IBGE. Disponível em < http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/cnv/poptuf.def>
Acessado em: dia 6 de jul. 2017.
77

Tabela 1- Distribuição populacional e taxa de urbanização nas regiões do Brasil.


Brasil e grandes Projeção da Taxa de urbanização16 Universidades
regiões população total públicas com ensino
(% em 2010)
(estimativa para de canto popular
2016)

Brasil 206.114.067 84,36 10

Norte 17.740.418 73,53 ---

Nordeste 56.915.936 73,13 3 (UFPB; UFC; UFBA)

Sudeste 86.356.952 92,95 4 (UFSJ; UFMG;


UNICAMP; UFSCar)

Sul 29.439.773 84,93 2 (UNILA; UNESPAR)

Centro-Oeste 15.660.988 88,8 1 (UnB)

De acordo com a tabela 1, o Sudeste tem o maior índice populacional e também a


maior quantidade de universidades com ensino de canto popular, quatro: UFSJ; UFMG;
UNICAMP; UFSCar. Seguido da região Nordeste, que tem o segundo maior índice
populacional e conta com três universidades com ensino de canto popular: UFPB; UFC;
UFBA. A região Sul, com o terceiro maior índice populacional, conta com duas universidades
com esse ensino: UNILA e UNESPAR, e finalmente, as regiões Norte e Centro-Oeste, que se
equivalem em termos de índice populacional, se diferenciam porque há ensino de canto
popular somente na região Centro-oeste, na UnB.
Vale lembrar que o ensino à distância tem ajudado a suprir as deficiências de ensino de
canto popular em diversas regiões a exemplo das regiões Norte, Centro-Oeste e Sudeste,
atingindo, a partir da UnB, estudantes dos estados do Acre, Goiás, Minas Gerais, Roraima e
Tocantins. Também na UFSCar o ensino à distância atinge estudantes que possam se deslocar
até as unidades educacionais localizadas nas cidades de Pato Branco (PR), São José do Vale

16
Disponível em < http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=POP122> Acesso em: 6 de
jul. 2017.
78

do Rio Preto (RJ), Iguaba Grande (RJ), Senhor do Bonfim (BA), Catalão (GO), Itaqui (RGS)
e em mais dezessete cidades do interior de São Paulo17.

3.2 As entrevistas

As perguntas feitas aos professores durante as entrevistas realizadas versaram


principalmente sobre os seguintes temas:

Quadro 19 – Principais temas das perguntas feitas aos professores:

1 - A demanda pelo ensino de canto popular;


2 - A criação dos cursos e habilitações em canto popular;
3 – A formação dos professores, anterior à docência na universidade;
4 – A entrada e a adaptação dos professores nos cursos de Música;
5 - Os programas de ensino;
6 - A escolha do repertório;
7 - O ensino de técnica vocal;
8 - Os espetáculos de fim de semestre;
9 - Algumas tensões;

3.2.1 O ensino de canto popular na UFPB

Em dezembro de 2014 viajei a Recife (PE) para participar do show de lançamento do


18
CD Sem Regresso , primeiro CD autoral do compositor e violonista Carlos Sandroni, meu
irmão, e a convite dele ministrei uma palestra sobre o ensino de canto popular na UFPE, para
seus alunos e demais interessados. Na mesma oportunidade fui a João Pessoa, a convite da
professora de canto popular Daniella Gramani, ministrar uma oficina de canto popular para
seus alunos e conhecer seu trabalho na UFPB. A oficina foi na parte da tarde, na sala de aulas
do Laboratório de Educação Musical Infantil19 (LEMI), onde Daniella dá suas aulas, e à noite

17
Apiaí, Araras, Bálsamo, Barretos, Cubatão, Franca, Guarulhos, Igarapava, Itapecerica da Serra,
Itapetininga, Itapevi, Jales, Jandira, Jaú, Osasco, São Carlos, São José dos Campos e Tarumã.
Disponível em < http://www.sead.ufscar.br/?page_id=49> Acessado em: 7 de jun. 2017.
18
Onde interpretei as músicas Canção dos Unicórnios e Antes essa música não existia, de sua autoria.
19
Coordenado pela professora Caroline Pacheco e Daniella é a vice-coordenadora.
79

assisti ao show de final de período de sua turma, onde cantaram diversos dos alunos que
haviam participado da minha oficina.
Chegando à universidade fomos direto para a sala de Daniella, onde a oficina seria
realizada, uma sala ampla e cheia de instrumentos musicais, onde também são realizadas
outras aulas de música. Desde o início do trabalho a turma (com vinte e um alunos) me
surpreendeu pelo alto nível de controle e de consciência vocal. Alguns desses alunos já
tinham atuação profissional em João Pessoa, em grupos de Forró e Show-Baile, entre outros
trabalhos.
Eu havia preparado a aula em uma série de etapas a serem cumpridas com eles durante
cerca de três horas, e tive que avançar as etapas mais rapidamente do que programei, pois
verificava que os alunos já dominavam aquelas informações.
Comecei com um aquecimento vocal trabalhando com exercícios iniciais de
ressonância e respiração para o canto. Tudo foi facilmente executado e assimilado por eles,
segui com vocalizes simples que rapidamente foram aumentando de complexidade, sem que
isso fosse difícil para eles. Chequei a exercícios de cânones trabalhando com dinâmica e
expressividade. Passei para a parte da Master Class e ouvi alguns dos participantes cantando
bem e com desenvoltura, apesar de certa timidez, como é comum nessas situações. Fizemos
exercícios de interpretação experimentando cantar utilizando sentimentos diferentes ou
opostos, a cada interpretação20 e também exercícios básicos de expressão corporal21.
Ao final de minha programação ainda tínhamos tempo de aula, então conversamos
sobre canto e música popular, e aproveitei para fazer com eles o Jogo da MPB22, uma
brincadeira que inventei para estimular os alunos a discutir sobre a música popular brasileira.
Percebi que eles tinham conhecimento e opiniões sobre o assunto o que possibilitou uma
discussão animada e proveitosa.
Ao anoitecer, depois de ter feito um lanche da cafeteria do pátio da Escola,
acompanhada de dois alunos de canto popular, tive o prazer de assistir a um show de final de
período dos alunos da professora Daniella Gramani. Foi uma grande e gratificante surpresa.

20
Nesse exercício proponho que o aluno cante uma música expressando alegria, e depois cante a mesma
música expressando tristeza. Variando tantos sentimentos quantos conseguir definir. Após o exercício
ele volta a cantar como cantou a primeira vez, da sua maneira e então vai tentar inserir nessa
interpretação alguns dos momentos experimentados durante o exercício. Esse trabalho é excelente para
que o cantor identifique as possíveis emoções que a música pode conter e enriqueça sua interpretação
dando dinâmica à sua performance.
21
Nesses exercícios a proposta era bem simples, o cantor deveria cantar a música escolhida
completamente parado, e depois com determinados movimentos de braços e/ou pernas. É um exercício
interessante para fazer com que os cantores reflitam sobre os movimentos que estão fazendo, às vezes
sem pensar, ou de forma repetitiva, seja qual for a música que estejam cantando.
22
Ver mais no ANEXO A.
80

Em 2014 eu ainda não ensinava na UFMG e nunca tinha assistido a um show de canto
popular com alunos de canto popular de uma universidade. Daniella e seus dez alunos (oito
deles estavam na minha oficina) escolheram o tema viagem para elaborar o roteiro do show, e
a partir desse tema os alunos, junto com a professora, escolheram o repertório. Daniela
montou um show com elementos simples de cenografia e o acompanhamento musical ficou a
cargo de um violonista e dela mesma, na percussão.
Os cantores entravam em cena e contavam suas experiências pessoais de viagens.
Havia ali alunos que vieram de longe para estudar canto popular: da Argentina; do Ceará, e do
interior do estado. Os discursos foram sinceros e emocionantes ajudando a produzir uma
empatia entre a plateia e os cantores que, ao cantar sua canção, já haviam cativado a plateia
com seu relato pessoal. Todos os cantores ficavam no palco o tempo todo, utilizando objetos
cenográficos como malas de viagem e pequenos bancos. Dormi em João Pessoa e na manhã
seguinte nos encontramos para conversar.
A entrevista com a professora Daniella Gramani foi a primeira realizada para a
pesquisa e serviu de parâmetro para todas as outras. Comecei perguntando a Daniela (em
entrevista concedida a mim no dia 10 de Dezembro de 2014, na Escola de música da UFPB,
em João Pessoa - PB) sobre a criação do curso de música popular e sobre sua entrada na
UFPB. Segundo ela, alguns professores da Licenciatura e do Bacharelado em Música já
atuavam na música popular. O Radegundis23 trompetista e professor da Licenciatura e do
Bacharelado em Música também era um virtuose em música popular e no improviso.
Os professores que também tinham atuação na música popular se reuniram, e como
apoio do REUNI24 fizeram o curso de Música Popular. Ainda pelo REUNI aconteceu a
ampliação da Licenciatura e a escola recebeu verba para a construção de um prédio. De
acordo com Albuquerque,

Após a implantação do curso superior em Música Popular, modalidade Sequencial de


Formação Específica, em 2009, o curso de Licenciatura em Música da UFPB, numa
perspectiva de reformulação curricular, começa a oferecer o ensino do canto popular como
uma de suas duas habilitações Instrumento/Canto. Tal inclusão visou atender, sobretudo, a
uma demanda emergente (...) em diversos contextos, apontados em pesquisa realizada por
docentes dessa instituição. (ALBUQUERQUE, 2017, p. 48)

23
Radegundis Feitosa, trompetista e professor do Departamento de Música da UFPB e um dos
responsáveis pelo processo de idealização e construção da Sala de Concertos da UFPB que leva seu
nome. Disponível em <http://www.ufpb.br/content/ufpb-inaugura-sala-de-concertos-radegundisfeitosa>
Acesso em: 7 de jun. 2017.
24
No ano de 2007 a Presidência da República publicou um decreto que instituiu o “Programa de Apoio
a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais”, chamado de REUNI. Disponível
em <http://reuni.mec.gov.br/> Acesso em: 21 de fev. 2017.
81

Os cursos de música popular em universidades brasileiras e a subsequente adoção da


disciplina de Canto Popular em alguns deles parece vir em resposta a uma demanda social,
específica para esse tipo de ensino. Perguntei a Daniela sobre a existência dessa demanda

Daniella Gramani – (...) eu tinha alunos de todos os cursos, mas a minha disciplina era
canto, não era canto popular, mas eu fui lidando com esses alunos, eu abracei essa
demanda, uma demanda muito grande na cidade, muito grande, todo mundo querendo
ter aulas! (GRAMANI, 2014)

Filha de músicos eruditos, a professora Daniella Gramani teve contato com a música
desde muito cedo, passando pelo aprendizado de diversos instrumentos como: violão, piano,
percussão e flauta, entre outros. Desde cedo também teve a experiência de cantar em um coral
com propostas cênicas, típico dos corais dos anos 1980, influenciados pelo movimento de
renovação coral desencadeado no Rio de Janeiro pelo maestro Marcos Leite.
Daniela fez o magistério para começar a trabalhar dando aulas para as crianças, Nesse
período morava em Campinas (SP) e teve aulas de canto popular com Carmina Juarez, e
também cantava com o padrasto (músico e arranjador) que a chamava para cantar e testar seus
arranjos. Mudou-se para Curitiba e foi fazer sua graduação em Pedagogia (não concluída). No
Conservatório de Música Popular de Curitiba seguiu estudando diversos instrumentos, além
de prática de conjunto, harmonia e teoria. Teve aulas também com o maestro Marcos Leite e a
professora de canto Liane Guariente, entre outros.
Seu curso de graduação foi em Educação Artística Habilitação em Música, na FAP25.
Nessa época ela participou do Brasileirão, grupo coral com regência de Marcos Leite, e logo
depois formou o trio vocal Noivas do Alfredo. A partir desta experiência começou seu
interesse por fazer arranjos.
Logo após fundou o grupo Mundaréu, grupo que ainda hoje trabalha com a base
musical da cultura popular brasileira, a exemplo do Fandango. Mas o grupo não pretendia
fazer um resgate cultural do Fandango, a proposta era criativa e misturava diversos gêneros da
música popular brasileira. Daniella se declara encantada pelas vozes da cultura popular e cita
os aboios do Boi Bumbá, o som aberto das vozes femininas que quase não articulam as
consoantes. Tudo isso era fonte de inspiração vocal.

25
Atualmente chamada de UNESPAR – Campus II, de Curitiba.
82

Na FAP, Daniella Gramani fez sua Especialização em Música Popular. Ela considera
muito importantes em sua formação os trabalhos artísticos e de produção nos grupos Noivas
do Alfredo e Mundaréu, que diz terem sido sua escola.
Daniella Gramani entrou na UFPB em 2009 para dar aulas no curso Sequencial em
Música Popular, que é uma espécie de curso técnico, mas que tem funcionado também, na
prática, como um curso preparatório para a graduação. Com o passar do tempo e das
necessidades da Escola, ela passou a dar aulas também na Licenciatura, onde trabalha
atualmente. A professora explica que o curso Sequencial é uma modalidade diferente de
graduação, pois são somente dois anos de curso e que não dá direito a fazer a pós-graduação.
O concurso prestado por Daniella Gramani foi para a vaga de Canto Popular para o
curso Sequencial, porém, atualmente ela trabalha também no curso de Licenciatura em Canto
Popular. Após entrar para dar aulas no Sequencial ela começou a dar aulas de canto também
para alunos do Bacharelado, porém, esses alunos tinham todas as outras disciplinas na área da
música erudita. Inicialmente a professora fazia parte da equipe do Bacharelado, sendo a única
professora que lidava com conteúdos de música popular por meio das aulas de canto. Mais
tarde foi convidada a ministrar aulas na Licenciatura e sua condição foi a de trabalhar apenas
com ensino de canto popular e não com ensino de canto erudito26.
A professora diz que teve que lutar para trabalhar apenas com o canto popular e que
em função dessa conquista, seus alunos agora vão se formar em Licenciatura Habilitação em
Canto Popular. Nessa batalha, segundo ela, os alunos ajudaram muito, se engajaram. Já o
programa do curso foi elaborado por ela por meio da experimentação, numa construção que
diz ter sido solitária. Primeiro ela montou um programa baseado na história da MPB, e foi até
as composições do Guinga e os anos 1990. A professora faz questão de escolher o repertório
que os alunos vão cantar. Ela acredita em repertórios que tragam questões técnicas e de
interpretação que desafiem o aluno e que o façam crescer.
Sobre sua escolha de repertório Daniella Gramani comenta que inicialmente montou o
currículo a partir das informações que adquiriu na leitura dos trabalhos de Regina Machado27,
da Consiglia Latorre28, da história da MPB,

Daniella Gramani – (...) eu fiz: Era do Rádio, Tropicália, passando por entre esse
repertório que eu via que era uma coisa necessária. Esse rádio e essa televisão não
chegaram tão fortes aqui, a gente percebe. (GRAMANI, 2014)

26
Chamado lá apenas de Canto.
27
Professora de Canto Popular da UNICAMP.
28
Professora do curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Ceará (UFC).
83

Daniella refere-se à impressão que tem de que esses movimentos musicais brasileiros,
registrados nos livros sobre a história da música popular brasileira, não aconteceram de forma
tão nítida em João Pessoa, por exemplo, ou em outras regiões do país, como aconteceram no
Sudeste, em especial no Rio de Janeiro e em São Paulo. Apesar de adotar o livro A Canção no
Tempo de Severiano e Mello (1995), como guia sobre a história da música popular brasileira
no século XX, como todos os professores de canto popular universitários têm feito em maior
ou menor grau, Daniella filtrou, entre todos os gêneros da música popular, aqueles que
considerou pertinentes para apresentar a seus alunos.
Com essas palavras, ela parece questionar se a história da música popular brasileira
29
que adotamos não seria Rio centrica , uma história com foco principal no mercado
fonográfico no sudeste brasileiro, especialmente no Rio de Janeiro, e pergunta se a história da
música não teria sido diferente em outras regiões do país.
Esse questionamento só se aprofundou quando um aluno perguntou a ela quem que foi
João Gilberto. Daniella percebeu que teria que explicar bem mais do que isso, teria que fazer
um programa de escuta para que seus alunos entendessem como eram as vozes antes da bossa
nova, para que fosse possível a eles entenderem o significado da maneira com que João
Gilberto e outros cantores da bossa nova passaram a cantar.
Apesar de basear seu programa de ensino nas épocas e movimentos da música popular
brasileira, a professora Daniella gosta de trabalhar, logo no primeiro semestre, com o
30
repertório do disco Ihu da Marlui Miranda31, um disco com músicas indígenas. Segundo
ela, a escuta deste repertório causa um choque nos alunos, pois é um território cultural onde
nenhum deles tem vivência e, como é uma novidade para eles, todos ficam nivelados.
No curso Sequencial, Daniella também utiliza o repertorio dos Vissungos, com o canto
de escravos, e o CD que da Clementina de Jesus32 com produção do Hermínio Bello de
Carvalho33. E monta shows deste repertório com seus alunos.

29
Com a expressão Rio centrica ampliei o conceito de euro centrismo, que se refere à ideia de que a
Europa seria o centro do mundo. Fiz um paralelo, aplicando a mesma ideia em relação ao Rio de Janeiro
quando é visto como sendo o centro do Brasil.
30
Ihu – Todos os sons de Marlui Miranda (1995) Disponível em
<https://www.youtube.com/watch?v=3dS2fUcHhzg&list=RD3dS2fUcHhzg#t=28> Acesso em: 20 de
dez. 2016.
31
Marlui Nóbrega Miranda nasceu em Fortaleza, Ceará, em 1949. Desde 1974 se dedica à pesquisa das
tradições da música de povos indígenas da Amazônia. Disponível em
<http://www.cantorasdobrasil.com.br/cantoras/marlui_miranda.htm> Acesso em: 7 de maio. 2017.
32
Cantora e compositora, Clementina de Jesus (1902-1987), natural do Rio de Janeiro. Aprendeu cantos
de trabalho, partido-alto, ladainhas e jongos, corimás e ponto de candomblé em casa com seus pais.
Começou sua carreira artística aos 63 anos de idade lançada pelo letrista e produtor musical Hermínio
Bello de Carvalho. Disponível em <http://dicionariompb.com.br/clementina-de-jesus/biografia>.
Acesso em: 22 de fev. 2017.
84

Nessa escolha do repertório para as disciplinas de canto popular, há gêneros musicais


que não são incluídos. Essas exclusões adquirem aspectos variados em cada curso dos que
investigamos nesta pesquisa. A música gospel é um desses tipos de música. A professora
Daniella Gramani comenta que tem uma demanda muito grande dos religiosos e que durante
as provas para entrar no curso, deixa uma música de livre escolha, justamente para que possa
perceber as tendências musicais dos candidatos. Nos casos em que ela percebe que o aluno
canto no estilo vocal do Belting ou do gospel, ela avisa ao aluno que o seu trabalho é com a
música popular brasileira e com as músicas da cultura popular.
Também perguntei a professora Daniella Gramani se ela, em algum momento,
identificou dificuldades ou mesmo preconceito em relação ao canto popular em sua escola e
ela admitiu que no início percebeu que houve um “estranhamento”,

Daniella Gramani - (...) um grande estranhamento! [risos] (...) o curso era noturno, a
princípio, o que causava menos atrito, mas mesmo assim (...) os alunos da música
popular são considerados, ah, os alunos mais... (GRAMANI, 2014)

A professora não completa a frase, mas entendemos pelo depoimento que o processo
de adaptação do curso de canto popular não foi simples. A autora comenta em seguida que
para entrar no curso Sequencial não há uma prova difícil de teoria musical, como nas provas
dos alunos de Bacharelado e Licenciatura. O motivo disto é que a proposta do PPC do curso
Sequencial é a formação do profissional que já atua normalmente em música, e que de fato é
essa a demanda.
Daniella trabalha técnica vocal em horários específicos para o atendimento dos alunos
e em relação às demandas técnicas:

Daniella Gramani – (...) essas aulas normalmente são conversas, ou eu peço: Vocês
tem alguma questão técnica? E o aluno diz - quero trabalhar minha extensão. Eles
sempre querem trabalhar a extensão não é? Então você me diz antes que eu trago os
exercícios já para você, ou repertório, já te digo qual música darei para a gente
trabalhar isso, entendeu? Mas normalmente o que eles querem é conversar, você
reparou? Eles gostam de conversar não é? (GRAMANI, 2014)

É verdade. Na oficina que eu havia ministrado para seus alunos no dia anterior
conversamos muito. Suas dúvidas principais foram a respeito de suas carreiras artísticas,
33
Nasceu no Rio de Janeiro em 1935, é compositor, produtor musical, escritor e poeta. Disponível em
<http://dicionariompb.com.br/clementina-de-jesus/biografia>. Acesso em: 22 de fev. 2017.
85

sobre como lidar com os músicos com os quais trabalham e sobre as rotinas de estudo.
Daniella exige que seus alunos estudem vinte minutos diários de técnica vocal. Ela monta um
roteiro de estudos específico para cada aluno e vai acompanhando o progresso semanal de
cada um deles. Além disso, indica leituras e bibliografia.
Daniella Gramani realiza espetáculos com suas turmas no final de cada ano e recitais
individuais de alunos ao final do curso. No último semestre há uma disciplina cujo conteúdo é
a montagem de um show. Daniella utiliza a oportunidade de preparação do show do aluno
para orientá-lo nos aspectos da produção executiva e musical. Apesar de o aluno ficar com a
responsabilidade executiva da montagem do espetáculo, com a orientação da professora, a
escolha do repertório é dela. Daniella admite que é muito mandona e questiona-se sobre a
eficácia didática dessa opção, mas, ainda não abre mão de escolher o repertório que acha mais
proveitoso para o aluno. Durante o curso ela sempre sugere que o aluno trabalhe com um
repertório que conhece menos, dessa forma pretende sempre tirar o aluno de sua zona de
conforto. No último semestre, porém, o aluno é livre para escolher cantar o que quiser.

Daniella Gramani – (...) eu já tive um aluno evangélico que fez basicamente [um
show] de música evangélica, colocando uma coisa ou outra [diferente]. Aí é o recital
dele, porque o recital é a passagem para fora, normalmente é o primeiro show dele, e
esse material vira um CD, vira um DVD (...). (GRAMANI, 2014)

Em 2015 a UFPB contratou mais uma professora de canto popular para o curso de
Licenciatura. A professora Daniella Rezende começou a dar aulas na UFPB em 2016 e em sua
entrevista (concedia a mim em 31 de março de 2017, em sua casa, na cidade de João Pessoa,
por Skype), relatou sobre sua formação em música e em canto.
Daniela Rezende começou a estudar canto aos 16 anos e ao longo da vida tem tido
experiências de estudo de canto lírico, popular e de jazz americano. No Brasil estudou com os
professores: Mariana Farah; Isa Taube; Consiglia Latorre; Ná Ozzetti; Paulo Brito; Gladys
Pierre; Cindy Borgani e Mirna Rubim. Estudou também nos Estados Unidos com as
professoras Dominique Eade, do New England Conservartory, e Jeanne LoVetri, no primeiro
módulo da sua formação Somatic Voice Work. Na França, já em 2011, teve a oportunidade de
estudar com o professor de jazz David Linx. Em 1998 Daniela Rezende ingressou na
UNICAMP, no curso de Música Popular, mas a escola estava sem professor de canto popular
na época,
86

Daniela Rezende – (...) tivemos alguns workshops no primeiro semestre com a


professora Consiglia Latorre e outras professoras convidadas e a partir do segundo
semestre passamos a ter aulas coletivas [em trios] com a professora Consiglia Latorre.
(REZENDE, 2017)

Paralelo à graduação em Música Popular na UNICAMP onde acompanhava as aulas


coletivas com a professora Consiglia Latorre a partir do segundo semestre de 1998, Daniela
teve aulas de canto com professores particulares de fora da universidade, estudando com Ná
Ozzetti em 1998 e com Paulo Brito na escola Voice em 1999. Ao interromper as aulas de
canto popular com Paulo Brito passou a estudar canto Lírico com Gladys Pierre já no ano
2000. Durante quatro anos, após a graduação ela estudou canto com a norte-americana Cindy
Borgani, período em que teve contato com o Jazz e o sistema de ensino da Berklee School of
Music.
Finalmente em agosto de 2007 iniciou algumas aulas particulares com Mirna Rubim,
antes de ingressar no mestrado em Práticas Interpretativas, na UNIRIO, em 2008. Estudou
durante dois anos com a professora Mirna Rubim tendo aulas particulares individuais e neste
mesmo período foi professora assistente na disciplina canto complementar, durante um ano e
meio, com um repertório exclusivamente popular.
Quando entrou na UFPB Daniela Rezende encontrou o curso estruturado pela
professora Daniela Gramani, que estava preparando-se para sair para quatro anos de licença
para realizar seu doutorado no Canadá. Havia então, além de Gramani, uma professora
substituta, a professora Gabriela Ricci e as três dividiram um total de vinte e sete alunos de
canto popular. Antes da entrada de Daniela Rezende na UFPB, o curso de canto popular
estruturado pela professora Daniella Gramani estava organizado em função da montagem de
espetáculos.
Daniela Rezende mudou a forma de trabalho e montou um curso onde prioriza a
transcrição da canção popular, e utiliza a Técnica Alexander34, que aprendeu durante sua
estadia na França, para trabalhar a consciência corporal dos alunos. A professora pretende
criar uma nova estrutura para o curso, mais focado na realidade local. Daniela Rezende e
Daniella Gramani conversaram sobre essa reestruturação do curso.

34
A técnica foi criada por Frederick Matthias Alexander (1869-1955) e seu objetivo principal é o de
promover uma reeducação psicomotora. Disponível em < http://tecnicadealexander.com/tecnica.php >
Acesso em: 12 de jul. 2017.
87

Daniela Rezende – (...) ela falou que tentou estruturar [o curso de canto popular] pelos
períodos da música, da história da canção, mas depois cansou de trabalhar com isso e
preferiu trabalhar com outras coisas olhando para realidade aqui do Nordeste, (...) tem
um aluno que é índio, vem de uma tribo, e tem um cenário bem diferente do meu, e
então se a gente fechar o programa de canto popular em um curso de história da
canção considerando apenas o eixo sudeste, ali, a gente perde muito. (REZENDE,
2017)

Daniela Rezende pretende estruturar o curso de canto popular com bases no


desenvolvimento musical e técnico do aluno, no sentido de torná-lo autônomo para trabalhar
qualquer repertório. Também perguntei a ela como definiria o canto popular.

Daniela Rezende – (...) nossa, eu achei super difícil, porque pode ser tanta coisa não é?
(...) é uma responsabilidade grande como professora de canto, os alunos que vêm te
perguntar: qual que é a verdade professora, o que está certo? Ou o que tá errado?
(REZENDE, 2017)

Daniela me respondeu com outras perguntas. Diversos professores tiveram


dificuldades em responder essa pergunta. Na maioria das vezes a pergunta gerou mais
perguntas do que respostas e acabou funcionando na verdade como uma provocação para a
discussão.

3.2.2 O ensino de canto popular na UFSJ

Conheci a professora de canto popular Valéria Braga da UFSJ (MG), em um show do


qual participei, em Belo Horizonte (MG), cantando com os professores da Escola de Música
da UFMG. Nessa altura eu já lecionava canto popular na UFMG e Valéria Braga era
conhecida de diversos colegas que se apresentavam comigo. Foi um encontro rápido, mas que
nos possibilitou fazer contato para marcar uma entrevista.
Um pouco depois, em junho de 2015, estive na casa de sua mãe em Belo Horizonte, no
bairro de Santa Tereza. A professora Valéria Braga (em entrevista concedida a mim no dia 25
de junho de 2015, em sua casa em Belo Horizonte - MG) abre de duas a três vagas para canto
popular por ano e afirma que os cursos de canto e de violão popular são os mais procurados
naquela instituição.
Graduou-se no curso de Licenciatura Artística com Habilitação em Música–
Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG) e se formou em 2006. Antes de prestar o
88

vestibular Valéria já cantava no grupo vocal Nós e Voz. Queria estudar música popular, mas
as universidades de Belo Horizonte, na época, só ofereciam cursos de música erudita. Seus
estudos de canto popular foram realizados com o professor Eládio Pérez- González 35, e com a
professora Babaya36, esta última na escola Babaya de Canto37. Nessa mesma escola em que
estudou, começou a dar aulas de canto popular. Valéria Braga relata também que, durante as
férias, aproveitava oportunidades para fazer cursos livres e dessa maneira pôde ter aulas de
canto com as professoras Martha Herr38 e Lúcia Passos39.
Com relação ao processo de entrada e ajuste do professor na universidade na qual vai
trabalhar, o caso da UFSJ me pareceu o mais inusitado. Sua particularidade reforça a ideia da
existência de uma demanda por ensino de canto popular nas universidades públicas
brasileiras. O caso ocorreu da seguinte maneira: houve um concurso para professor de Canto
na UFSJ (MG), e a candidata aprovada, ao assumir o cargo, declarou-se professora de canto
popular. Justificou o ocorrido por entender ter feito um concurso para professor de Canto – e
não especificamente para professor de Canto Erudito.
A reação dos colegas foi muito razoável. Já que haviam aprovado um professor de
canto popular, abririam o vestibular para os alunos de canto popular. Dessa maneira, por um
caminho enviesado, surgiu o ensino de Canto Popular no curso de Licenciatura em Música da
UFSJ, sendo a primeira disciplina de música popular da Escola de Música de lá.
Na UFSJ a professora Valéria Braga adota o repertório da música popular brasileira,
de acordo com os períodos históricos e os movimentos musicais mais conhecidos, não com
uma cronologia rígida, mas com base na história contada pelos críticos e estudiosos do
assunto. De maneira similar à UFPB, a professora percebe que os alunos não conhecem

35
Na Fundação de Educação Artística de 1982 a 1990. Eládio Pérez- González nasceu no Paraguai e
veio para o Brasil em 1947 para estudar em São Paulo. Teve formação musical, vocal e teatral
desenvolvida também nos Estados Unidos, na Alemanha e na França. Disponível em
<http://www.uai.com.br/app/noticia/musica/2016/02/21/noticias-musica,177299/eladio-perez-gonzalez-
e-homenageado-por-seus-90-anos-de-uma-vida-dedic.shtml>Acesso em: 4 de jul. 2017.
36
Maria Amália Moraes. Disponível em < http://dicionariompb.com.br/babaya> Acesso em: 29 de ago.
2017.
37
Disponível em <https://www.babayacasadecanto.com.br/> Acesso em: 9 de abr. 2017.
38
Martha Herr (1952 -2015) nasceu nos Estados Unidos, onde estudou nas universidades de Nova York
e Michigan. No Brasil deu aulas na UNESP, dirigiu o grupo de pesquisa Expressão Vocal na
Performance Musical. Não se limitou à atividade e desenvolveu um trabalho importante com a música
coral, como o Coral do Amazonas. Disponível em
<http://cultura.estadao.com.br/noticias/musica,martha-herr-viveu-uma-vida-em-defesa-do-canto-e-da-
nova-musica,10000001012> Acesso em: 12 de jul. 2017.
39
Lúcia Passos é mineira e se radicou no Rio Grande do Sul onde trabalha como professora de Técnica
Vocal Para Coros, também é cantora e professora de Canto. Disponível em
<http://www.oficinademusica.org.br/professores/lucia-passos-preparacao-vocal/27/> Acesso em: 12 de
jul. 2017.
89

cantores e compositores importantes como Dorival Caymmi, ou o grupo Novo Baianos, cuja
obra será objeto de estudos durante a montagem de espetáculos de final de semestre.

Valéria Braga – (...) o que eles escutam aqui tem muito de sertanejo universitário (...)
semana passada, por exemplo, teve exposição, e exposição em cidade do interior é um
evento, e a cidade inteira vai, e aí - dupla sertaneja - eles sabem cantar e eles vão e
tudo (...). (BRAGA, 2015)

Apesar disso a música sertaneja não é foco de estudos em sala de aula. Nem o
40
universitário nem o de raiz 41. Mesmo assim a professora propôs para uma de suas alunas
que montasse um show com o repertório de música caipira. A banda (duas violas caipiras e
percussão) e a cantora interpretaram Renato Teixeira, Almir Sater e vários clássicos da
música caipira. Ambas, aluna e professora estabeleceram uma diferença nítida entre música
caipira e música sertaneja, valorizando a primeira por ser de raiz e desvalorizando a segunda,
a música chamada de música sertaneja ou de sertanejo universitário.
Uma das características do ensino de canto popular na UFSJ é a inclusão de um
repertório regional nas aulas. A seresta é valorizada e também reproduzida em sua forma
tradicional de apresentação: como deve ser feita, na rua, à noite, debaixo da sacada de uma
casa de sobrado, com muita tradição e romantismo. Dessa forma a primeira apresentação do
aluno é em forma de seresta, no centro histórico da cidade de São João. A professora monta
um grupo instrumental com violão, flauta e bandolim, com estudantes e os professores
participam também.

Valéria Braga – (...) no semestre passado eu escolhi fazer um repertório infantil, eles
tiveram que passar pela experiência de lidar com o público infantil e fizeram um show
todo interativo. Eles tiveram que brincar muito, com muita cor, e aí eles vão
experimentando espaços diferentes que [é o que] vai acontecer na vida profissional
deles. (...) Eu acho que eles têm que cantar baile, tem que cantar na rua, tem que cantar
no teatro, eles tem que cantar em bar, sabe, e é muito próximo da vida deles, como vai
ser (...). (BRAGA, 2015)

40
Segundo entendi a partir da vivência que tenho tipo com os cantores e alunos de canto popular na
UFMG, a música chamada de sertanejo universitário deriva do sertanejo, mas é mais moderna, e não se
limita aos pressupostos do gênero sertanejo mais antigo. Esse é um assunto que carece de pesquisa.
41
O termo refere-se à música sertaneja mais característica, mais antiga, também chamada de música
caipira.
90

Como o ensino de canto popular chegou às universidades, conservatórios e escolas de


música da mesma forma que o ensino da música popular, depois de décadas de existência do
ensino de música erudita nessas instituições, perguntei aos professores se eles identificavam
algum tipo de dificuldade a respeito desse convívio, algum tipo de preconceito com o ensino
ou com o aluno de canto popular. Valéria acha que havia certo preconceito em relação aos
alunos de canto popular e chegou a ouvir que - o povo do canto popular não sabe nada, sabe
no máximo um arpejo de Sol maior.
Valéria está lutando para mudar essa visão e diz que já está mudando. Ela percebe que
alunos de outras habilitações têm tido cada vez mais interesse em estudar canto popular e em
participar dos shows de seus alunos.
As aulas de canto popular na UFSJ são individuais e sempre começam com um
aquecimento corporal, seguido de exercícios de aquecimento vocal. Os exercícios não são
muito variados, e são aplicados no sentido de desenvolver as qualidades vocais dos alunos e
de resolver problemas técnicos específicos, sempre a partir do repertório cantado.

3.2.3 O ensino de canto popular na UNILA

A UNILA42 foi aberta em 2012 e é a mais recente universidade brasileira. O professor


Luciano Simões começou a trabalhar na instituição em 2014 e a professora Analía
Chernavsky em 2013. A UNILA43 tem a particularidade de ser uma universidade bilíngue e,
segundo o professor Luciano Simões, a única no Brasil. Sua proposta é a de reforçar os laços
do Brasil com a América Latina.
Conheci o professor de canto Luciano Simões da UNILA (PR), durante o XXVI
Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música (ANPPOM)
realizado em Belo Horizonte, em agosto de 2016. Assisti sua comunicação sobre o canto
Belting e logo após fomos almoçar acompanhando um grupo de participantes do Encontro.
Nesta oportunidade conversamos uma entrevista semiestruturada onde fiz algumas perguntas

42
“Sua missão institucional é a de formar recursos humanos aptos a contribuir com a integração latino-
americana, com o desenvolvimento regional e com o intercâmbio cultural, científico e educacional da
América Latina, especialmente no Mercado Comum do Sul (Mercosul). A vocação da UNILA é o
intercâmbio acadêmico e a cooperação solidária com países integrantes do Mercosul e com os demais
países da América Latina. Os cursos oferecidos são em áreas de interesse mútuo dos países da América
Latina, sobretudo dos membros do Mercosul, em áreas consideradas estratégicas para o
desenvolvimento e a integração regionais.” Disponível em
<https://www.unila.edu.br/conteudo/institucional> Acesso em: 10 de jul. 2017.
43
A Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), criada pela Lei nº 12.189/2010, é
um órgão de natureza jurídica autárquica, vinculada ao Ministério da Educação, com sede e foro na
cidade de Foz do Iguaçu, Estado do Paraná.
91

básicas versando sobre os seguintes temas: formação; entrada na universidade; demanda pelo
curso; programa de curso e métodos de ensino.
Perguntei ao professor Luciano Simões (em entrevista concedida a mim no dia 24 de
agosto de 2016, em Belo Horizonte), sobre a demanda pelo ensino de canto popular na
UNILA, e fui informada que, a cada ano, entram 5 alunos o que dá um total de 20 alunos no
curso de Canto dessa instituição. A UNILA existe há cinco anos e a disciplina de Canto
também. Esse curso tem a particularidade de ensinar música erudita e popular ao mesmo
tempo, inclusive na disciplina de Canto. A procura pelo curso de Canto é grande e cerca de
80% dos desses alunos são cantores populares.
O professor Luciano Simões começou cantando canto popular nos anos 1980, aos 17
anos. Depois cursou de Farmácia na USP entrou para o CORALUSP, onde começou a ter
aulas e canto e de piano erudito, e assim, aos poucos, se interessou em fazer da música a sua
profissão.
Luciano Simões – (...), durante cinco anos eu continuei cantando canto popular, (...) ao
mesmo tempo em que estudava canto lírico. Foi uma época difícil porque eu não
conseguia entender aonde as duas coisas se encaixavam. Essa é uma experiência que é
muito importante pra mim hoje, quando eu lido com os meus alunos (...).

Decidido a estudar canto lírico, iniciou esse curso de graduação na UNESP, com a
professora Marta Herr. Nessa época começou a reger coros (após ter cantado por muitos anos
no CoralUSP), e em seguida foi fazer o mestrado em Regência Coral nos Estados Unidos, na
Michigan State University. Na sequência fez o Doutorado em Canto Lírico e ainda um
segundo mestrado em Musicologia na mesma instituição. O título de sua pesquisa de
mestrado foi: Brazilian Middle-class Music: Tradition, Hybridity and Community in the
Development of MPB (2008).
Na UNILA a característica internacional explica a escolha do repertório bilíngue. Já
sua outra característica única, a de ensinar música popular e erudita ao mesmo tempo, explica
o outro aspecto da escolha de repertório, que faz com que os alunos estudem músicas do
repertório popular e erudito ao mesmo tempo. A escolha do repertório para ser trabalhado
com o aluno foi feita dando preferência aos gêneros e estilos musicais considerados por eles
historicamente importantes e relevantes: bossa nova; MPB tradicional; Era do Rádio; o samba
tradicional; baião; os gêneros do Sul e do Centro-Oeste do Brasil; tango; pasillo; rancheiras;
cumbia; polca; guarania; chamamé; chacareira e etc.
92

O objetivo do curso é que o aluno conheça pelo menos uma canção de cada região da
América Latina ou de cada época. O professor se declara preocupado com o fato de que
alguns dos alunos ingressantes alunos nunca terem ouvido falar de Chico Buarque. Durante o
semestre seus alunos irão estudar no mínimo seis canções: da MPB; da Música Popular Latino
Americana (MPLA); do jazz norte americano,

Luciano Simões – (...) ele não vai conhecer um repertório de Standards maravilhoso,
mas ele vai ter contato. Outra vai ser uma canção de câmara brasileira e outra uma
canção de câmara em espanhol. (SIMÕES, 2016)

Na UNILA os alunos variam o tipo de estudo durante as semanas, entre erudito e


popular, nos dois primeiros anos do curso. Depois optam por uma das duas áreas de estudo.
Perguntei ao professor Luciano Simões como ele trabalha a técnica vocal com seus alunos. A
respeito deste assunto, contei a ele sobre minha experiência com aulas de canto, que estudei
durante dezessete anos com a professora Clarisse Szajnbrum, cantora de música barroca, que
só trabalhava comigo meu próprio repertório de música popular. Disse a ele que eu teria uma
enorme dificuldade em projetar minha voz produzindo vibrato ou realizando uma impostação
que fosse erudita ou lírica. Perguntei a ele como avalia essa dificuldade para os seus alunos.

Luciano Simões – (...) exatamente, esse é um ponto ainda a ser resolvido, (...) porque
até agora eu estou falando com você somente sobre repertório, você percebeu que eu
não toquei em técnica, não é? Porque técnica é um assunto muito mais complicado
(...). (SIMÕES, 2016)

Luciano então trabalha a técnica vocal de um ponto de vista básico para que todos
tenham bom controle respiratório e flexibilidade do trato vocal, para ficarem mais aptos a
cantar vários estilos e depois poderem escolher o que desejam. O professor atualmente está
focado no estudo da pedagogia vocal norte americana da música popular, com base no livro
de 2014 “O atleta vocal” 44.
Apresentarei em sequência a entrevista que realizei com a professora Analía
Chernavsky. Eu já tinha algumas informações sobre seu trabalho a partir da entrevista que fiz
com o professor Luciano Simões, com quem ela divide a responsabilidade do ensino de canto
naquela instituição. Finalmente, depois de algumas tentativas de contato, em março de 2017
conseguimos conversar por Skype. Sua formação em canto foi mais relacionada à experiência
44
The Vocal Athlete: Application and Technique for the Hybrid Singer. Wendy Leborgne and Marci
Rosenberg. San Diego: Plural Publishing, 2014.
93

prática, cantando profissionalmente em bares e em corais. Ela só teve aulas de canto a partir
da graduação em Música Popular na UNICAMP entre 2000 e 2003.
Analía Chernavsky (em entrevista concedida a mim, por Skype45, de sua casa em Foz
do Iguaçu (PR), no dia 17 de março de 2017) contou que sua formação inicial em música foi
com o piano, que estudou desde criança. Apesar de sempre ter cantado, seu estudo formal
com o canto só começou na graduação em Música Popular na UNICAMP. Com respeito à
pergunta sobre a existência, ou não, de preconceito com o aluno ou com o ensino de canto
popular, a professora Analía Chernavsky considerou que não é o caso da UNILA, inclusive
por que lá a presença de cantores populares no curso de canto chega a 80%.

Analía Chernavsky – (...) a palavra talvez não seja preconceito, (...) pode existir
alguma tendência a considerar mais difícil o repertório de canto lírico e, portanto, os
cantores líricos seriam cantores mais bem preparados já, tem isso, mas, não creio que
exista um preconceito. (...) na minha formação na UNICAMP, onde tinha um curso de
canto lírico e um curso de musica popular, com professores de canto popular, aí sim
havia preconceito entre os cantores líricos e os populares de ambos os lados (...).
(CHERNAVSKY, 2017)

A professora reconhece que pode haver uma tendência geral a considerar o repertório
de canto lírico mais difícil, e por isso, os alunos de canto lírico entrariam na escola com mais
preparo do que os de canto popular.
É curioso como esse discurso se repete, e como parece ser aceito por muitos
professores de canto, inclusive de canto popular. Quem pensa desta maneira ignora que o
aprendizado de canto popular tem um processo longo, que se inicia muito antes do sujeito
pretender se candidatar a uma vaga em uma graduação nas escolas de música popular.
Normalmente começa na família e/ou na comunidade a qual o cantor pertence como estamos
verificando nos depoimentos de diversos dos professores de canto popular que entrevistamos
aqui.
Quando o indivíduo inicia um processo de aprendizado mais consciente, mas ainda
sem aulas formais de canto, muitas vezes ele é considerado pelos professores entrevistados
como autodidata, porém Paulo Freire (1987) discute o conceito de autodidatismo quando
afirma que os homens não aprendem sozinhos e sim entre eles e em sociedade.

45
Skype é um aplicativo de comunicação a distância disponível pela internet.
94

Por outro lado, a opinião de que os alunos de canto popular, ao entrarem na escola de
música, sabem menos do que os alunos de canto erudito, em geral é uma referencia ao
conhecimento da leitura e escrita de partituras, ou seja, saberes herdados da música tradicional
europeia. A prática do cantor popular, em geral, está mais ligada à audição e à memória
auditiva do que da dependência de uma partitura.
Perguntei também a professora Analía Chernavsky, da UNILA, sobre as aulas de
técnica vocal ministradas por ela, e soube que ela tem buscado aprimorar suas aulas aplicando
uma nova tabela de exercícios. Ela prepara uma tabela específica de exercícios para cada
semana de aulas, onde trata de assuntos como: aquecimento; respiração; consoantes surdas e
sonoras, de manipulação da laringe e etc., de forma diferente a cada semana. Dessa maneira
ela garante que a cada semana os alunos entrem em contato com diferentes tipos de exercícios
e que as aulas não caiam em uma repetição que pode se tornar maçante. A professora acha
importante oferecer um leque amplo de exercícios para o aluno, para que ele possa escolher a
melhor maneira de aquecer sua própria voz.

Analía Chernavsky – (...) se você não dá o exemplo de outros exercícios eles não vão
atrás, eles não têm outros exemplos por aqui, então se você fala: olha você pode
aquecer com o vvzzz ou com o humm [fazendo os sons]. Eles não fazem isso, por isso
(...) eu vou variar para que eles criem seu próprio repertório de exercícios depois eles
vão procurar, experimentando e achando: olha, legal, minha voz aquece melhor assim,
consigo estender melhor a minha voz com esse exercício, consigo praticar articulação
melhor com esse (...).(CHERNAVSKY, 2017)

3.2.4 O ensino de canto popular na UFBA

Estive pela primeira vez com a professora de canto popular da UFBA, Ana Paula
Albuquerque em maio de 2015, em Campinas (SP), durante o II Encontro de Estudos do
Canto e da Canção Popular, nessa época Ana Paula morava em Campinas, onde realizava seu
mestrado na Escola de Música da UNICAMP. Ela fazia parte da coordenação do referido
Encontro. Conversamos um pouco e combinamos realizar uma entrevista, que só viria a
acontecer em 2017.
Em agosto de 2017 Ana Paula veio a Belo Horizonte (MG) para participar do XXVI
Congresso da ANPPOM e hospedou-se em minha casa. Participamos do congresso e tivemos
oportunidade de conversar bastante durante os cinco dias de sua estadia em BH. Nesta ocasião
fizemos duas sessões de entrevistas para minha pesquisa.
95

A professora Ana Paula Albuquerque (em entrevista concedida a mim, em minha casa
em Belo Horizonte (MG), nos dias 17 e 18 de agosto de 2016) declarou que começou a cantar
ainda bem pequena, com três anos de idade, e com seis essa atividade se intensificou na igreja
que sua família frequentava. Mais tarde, com dezesseis anos, como não tinha outra opção de
formação, entrou no curso básico de canto lírico da UFBA (em 1998), um de curso de quatro
anos preparatório para a graduação, que cursou logo depois, em canto erudito.
Em paralelo aos estudos, Ana Paula começou a desenvolver-se profissionalmente
cantando música popular em uma orquestra free dance46, essa foi sua escola. Lá permaneceu
cantando por nove anos. Nesta orquestra teve oportunidade de cantar de tudo: de jazz a valsa e
ao axé. Na sequência formou um quinteto musical, o Bahia Samba Jazz, cujo repertório era
mais focado na música brasileira, mas com improvisação, na linguagem do samba jazz. Seus
estudos formais continuaram com uma especialização em Educação do Ensino Superior e com
o mestrado em Canto Popular na UNICAMP, com a orientação da professora Regina
Machado.
O plano de aulas montado por Ana Paula para seus alunos começa com um semestre
onde o repertório é de escolha livre. A professora pretende com isso conhecer a história
musical pessoal de cada aluno. Neste semestre o aluno basicamente produz textos e canta. A
partir do segundo semestre a professora propõem o repertório seguindo a linha dos
movimentos e das épocas na história da música popular brasileira.

Ana Paula Albuquerque – (...) eu acho até que eu preciso pensar em outras formas, (...)
eu sinto que meu currículo é um pouco fechado. Eu sigo aquela linha, lá da história do
canto da música popular fonográfica brasileira, eu vou seguindo – samba – culto à voz
– anos dourados – na verdade, (...) agora deixo mais amplo também, mas não é tão
aberto. (ALBUQUERQUE, 2016)

O repertório escolhido também contempla o repertório regional: o Samba de Roda, e a


música Afro-Baiana. Como exemplo, a professora cita os trabalhos que montou sobre o
repertório dos compositores Roberto Mendes e Capinam, este último com a participação do
próprio artista no espetáculo.
Quando perguntei a ela sobre a presença de um repertório mais comercial (ou de
massa), em seu trabalho com os alunos, ela respondeu que, no primeiro semestre deixa os
alunos livres para cantarem o que quiserem inclusive músicas mais comerciais. Em uma

46
Música para dançar, típica das discotecas, muito popular nos anos 1970.
96

dessas oportunidades um dos alunos teria apresentado um repertório de rock, e em outra, um


repertório de axé. Essa aluna cantou o axé clássico dos anos 1980.
Mais uma vez verificamos a música chamada de comercial sendo utilizada como
repertório para as aulas em uma situação de exceção, com o subtítulo clássico, ou seja,
repertório de quase quatro décadas. Aqui se reafirma a importância de manter um
distanciamento temporal na escolha do repertório a ser trabalhado com os alunos.
Ana Paula Albuquerque também relatou que tem experimentado novos caminhos de
construção da voz,

Ana Paula Albuquerque - (...) através de exercícios mais experimentais pautados em


Roy Hart47, nos estudos dele, no desvendar da voz também, e peguei algumas coisas
das aulas da Regina [Regina Machado da UNICAMP], (...) esses exercícios (...) com
trechos das canções. Eu acho isso o máximo. (...), por exemplo, uma canção (ela
canta) “A jangada saiu com Chico Ferreira e Bento” 48. (ALBUQUERQUE, 2017)

Fig. 1 - Trecho da partitura de A jangada voltou só, de Dorival Caymmi.

A professora considera esta uma melodia complexa para o aluno aprender “de
primeira”. Por isso vai tocando, experimentando os tons, primeiro de uma forma bem livre e
depois trabalhando a ressonância e outros aspectos da emissão vocal.
Ana Paula trabalha com elementos corporais e com exercícios experimentais. Muitas
vezes, no início das aulas, os alunos questionam sobre se esses seriam mesmo exercícios de
uma aula de canto. Em resposta ela contrapõe com a pergunta: o que é uma aula de canto pra
você? Ela percebe que o aluno entra na universidade com a expectativa de ter aulas no que
chama de padrão da aula do canto erudito, onde a professor toca vocalizes ao piano e os
alunos repetem. Sua proposta é a de sempre partir da música, de priorizar o canto.
A cada semestre o aluno tem que preparar de três a quatro canções. Em vez de utilizar
a partitura, a professora utiliza a tatitura, que é uma espécie de planilha, proposta por Luiz

47
Mais informações sobre estão disponíveis em <https://www.vocaloide.com/single-
post/2017/02/17/Roy-Hart-Theatre> Acessado em: 8 de abr. 2017.
48
Trecho da canção A jangada voltou só de Dorival Caymmi, do LP Caymmi e seu violão da Odeon, de
1859. Disponível em < http://www.dorivalcaymmi.com.br/ > Acesso em: 9 de jul. 2017.
97

Tatit (1996) para analisar uma canção, na tatitura cada linha horizontal corresponde a uma
nota musical e a letra vai sendo escrita de acordo com sua melodia (TATIT, 1996).
Ana Paula comenta que seus alunos demonstram muita ansiedade sobre suas próprias
vozes, e perguntam a ela: qual que é a minha voz? Ela sempre devolve a pergunta dizendo que
é ele quem tem que saber sobre sua voz. Para isso vai ao piano e verifica a tessitura49, do
aluno e depois pede que ele pesquise sobre o assunto. Já no sétimo semestre a turma estuda
jazz e a professora pede que eles façam a transcrição do improviso de uma cantora, e neste
caso é utilizada uma partitura tradicional.
Ana Paula também trabalha com leitura e discussão de textos com seus alunos, e citou
os seguintes trabalhos que conheceu em seu curso na UNICAMP: O grão da voz 50, de Roland
51
Barthes; Introdução à poesia oral do Paul Zumthor; e ainda um texto sobre a voz e a
corporeidade 52 sobre a obra de Demétrio Stratos.
Na mesma época em que entrevistei a professora Ana Paula Albuquerque, também fui
entrevistada por ela, que pesquisava para escrever sua dissertação de mestrado. Ela me fez a
seguinte pergunta: como você define o canto popular? Quando fui entrevista-la revidei a
pergunta,

Ana Paula Albuquerque – (...) eu tive uma resposta da Daniela Gramani, ela falou
assim, - canto popular é aquela coisa toda que não é popular - que é o que a gente
coloca no currículo, e acaba sendo tudo o que não é de fato o canto popular (...).
(ALBUQUERQUE, 2016)

A resposta de Daniela revela que ela entende a música popular contemplando um


repertório que abarca também as músicas de tradição oral, chamada por alguns autores de
música folclórica. Ana Paula acha que existem inúmeras respostas possíveis para a pergunta -
o que é canto popular? Porém, lembrou que temos que eleger qual canto popular estudaremos
na academia. Além de toda a lista de gêneros de canto popular urbano, registrados na história
da música popular brasileira, e adotados nas escolas, Ana Paula acrescentaria, no recorte do
ensino de canto popular na Bahia, o canto do aboio, o samba de roda e os cantos de terreiro.

49
A tessitura é “o conjunto de notas, da mais grave até a mais aguda que o indivíduo consegue produzir
com qualidade musical, onde se encontra a melhor sonoridade, a emissão mais natural e,
consequentemente, a maior expressividade.” (CALVENTE, 2010, p. 80).
50
O livro traz entrevistas com o escritor francês Roland Barthes, feitas entre 1962 e 1980.
51
Introdução à Poesia Oral de Paul Zumthor da Editora UFMG, 2010.
52
Aqui Ana Paula se refere ao livro de Janete el Haouli e Eduardo Peñuela Cañizal, Demétrio Stratos:
en busca de la música-voz .
98

Esses cantos de tradição oral, citados por ela, podem parecer mais folclóricos para nós,
dos centros urbanos da região Sul, mas para os artistas da Bahia talvez estejam presentes no
repertório urbano da cidade de Salvador.

Ana Paula Albuquerque – (...) eu fiquei aqui pensando, quantos vocalizes eu fiz
pegando esses cantos das lavadeiras, das ganhadeiras53. (ALBUQUERQUE, 2016)

Para trabalhar o desenvolvimento vocal de seus alunos a professora cria vocalizes a


partir de motivos musicais e de canções, a exemplo do método que Regina Machado
(UNICAMP) a ensinou. Ela cita o trecho de uma canção de autor anônimo, arranjada pelo
músico João Donato54: “cala boca menino, menino, seu pai logo vem”. No exercício todos
cantam e a professora vai alterando as tonalidades e propondo que os alunos experimentem
emissões vocais diferentes.
Ana Paula também considera importante que o aluno de canto popular se apresente
com regularidade no palco para um público assistente, como faz o cantor em sua profissão,
fora da universidade.

Ana Paula Albuquerque - (...) eu comecei fazendo as apresentações nos teatros, nesse
formato mesmo de show, aí de repente todo mundo agora faz, o que eu acho muito
bacana. Então, [na disciplina] Prática de Conjunto são feitos vários shows! Tem cantor
sempre não é? [na] Big-Band, semestre passado foi um show lindo, maravilhoso, que
eles fizeram com músicas de Luiz Gonzaga (...). (ALBUQUERQUE, 2016)

3.2.5 O ensino de canto popular na UNICAMP

Segundo Queiroz, a entrada do ensino de canto popular nas universidades acompanha


a entrada do ensino de música popular nesses espaços e a primeira universidade pública que
adotou o ensino de canto popular em seu curso de música foi a UNICAMP em 1989

53
O grupo As Ganhadeiras de Itapuã surgiu de uma iniciativa cultural, em março de 2004, “nos
terreiros das casas de Dona Cabocla e de Dona Mariinha, onde um grupo de pessoas motivadas pelo
interesse no fortalecimento da identidade cultural de Itapuã se reunia semanalmente para trocar
informações sobre as antigas tradições do lugar. As principais consequências daquelas rodas de
conversa e samba, foram: a compilação de um repertório de cantigas e sambas de roda e a criação do
grupo AS GALINHADEIRAS DE ITAPUÔ. Disponível em
<http://ganhadeirasdeitapua.blogspot.com.br/p/historia.html > Acesso em: 4 de jul. 2017.
54
João Donato de Oliveira Neto (1934) é de Rio Branco (AC) e mudou-se para o Rio com sua família
em 1945. Iniciou sua carreira profissional em 1949. É compositor, pianista e cantor. Participou do
movimento musical da bossa nova. Disponível em http://dicionariompb.com.br/joao-donato/dados-
artisticos Acesso em: 30 de 1go. 2017.
99

(QUEIROZ, 2009). Sobre esse acontecimento, o professor Rafael dos Santos fez o seguinte
depoimento:

Houve naquela época muita resistência. Muitos questionamentos. Primeiro de ser música
popular um assunto acadêmico. Será música popular realmente assunto acadêmico? Né? E
segundo: por que deveria ser separada da música erudita? Por que não vinculada? Havia
essa preocupação com a mobilidade dentro do curso, então não foi aprovada como curso,
mas como modalidade dentro do curso de música. Você tinha modalidade regência
composição instrumento e música popular. (QUEIROZ, 2009, p. 111)

Queiroz também comentou sobre o contexto internacional, principalmente no mundo


anglo-saxão, onde a música popular aos poucos foi descoberta como assunto acadêmico:

Muitos depoimentos e a reportagem citada fazem referência a este pioneirismo da Unicamp


no contexto brasileiro, mas ao mesmo tempo relativizam esse ineditismo ao situar esse
processo em meio a uma tendência mundial de estudos acadêmicos em música popular. Já
havia muitas universidades e faculdades com cursos de música popular principalmente em
países anglo-saxônicos. Além disso, começava a haver uma crescente atividade de pesquisa
em ciências humanas, letras e artes, dedicada à música popular, com grande número de
artigos científicos e o surgimento de revistas e entidades voltadas para o assunto.
(QUEIROZ, 2009, p. 112)

O campo científico brasileiro foi influenciado pelo campo científico anglo-saxão, onde
os estudos de música popular estavam surgindo e causando grande impacto nos estudos
sociais da época. Essa realidade foi fundamental para a aprovação do novo curso na
UNICAMP. Aqui podemos observar uma das qualidades gerais de um campo: seu grau de
autonomia. O poder de refração de um campo específico em relação ao campo social pode
demonstrar um grau de autonomia grande, já sua permeabilidade com relação aos fatos
ocorridos no campo social demonstraria sua fraqueza como campo autônomo (BOURDIEU,
2011).
De acordo com Queiroz, o curso universitário de Música Popular da UNICAMP
surgiu a partir de um modelo de ensino da universidade americana Berklee. Esse fato
demonstra que o grau de permeabilidade do campo científico brasileiro em relação ao campo
científico internacional mostrou-se grande, e isso é uma das características geral de um campo
científico. Essa característica não é apenas do campo científico brasileiro. A permeabilidade
dos campos nacionais com relação aos campos internacionais, quando se trata de ciência, é
uma das características própria desse tipo de campo (BOURDIEU, 2011).
O ensino de música popular na UNICAMP teve início em 1989, a partir de uma
intensa mobilização de professores, como iremos verificar em seguida. Segundo o professor
Rafael dos Santos, a ideia da criação do curso de música popular na UNICAMP teria surgido
em 1987 e para elaborá-la foi formada uma equipe chamada de grupo de estudos de música
100

popular “(...) do qual fazia parte o Ney Carrasco que tinha acabado de se formar, o Eduardo
Andrade, o Valter Krausche, Paulo Pugliesi, eu e Ricardo Goldemberg” (QUEIROZ, 2009, p.
111). Foi feito um trabalho de preparação com reuniões, textos e artigos que procuravam
explicar e justificar a proposta perante uma instituição tradicionalista e da qual se esperava
muita resistência à ideia.
O professor Eduardo Anderson D. Andrade relata em entrevista que o curso de música
popular da Berklee foi usado como modelo, “(...) mas não podíamos transpor a Berklee então
o curso de música popular é uma versão mulata, como dizia Silveira Sampaio” (QUEIROZ,
2009, p. 112). Essa adaptação foi então ponderada com as experiências dos músicos
brasileiros: a vivência de músico da noite de Paulo Pugliese e de Rafael Santos e a
experiência de produtor de estúdio do próprio Eduardo Anderson. Segundo o depoimento de
Hilton Jorge Valente, o ensino de música popular na UNICAMP foi uma experiência pioneira
“(...) e nós nos apoiamos no conteúdo das escolas de música existente principalmente nos
Estados Unidos. Principalmente a Berklee” (QUEIROZ, 2009, p. 115).
No caso da UNICAMP, no começo do ensino de canto popular o enfoque no jazz foi
questionado e o conteúdo do curso foi direcionado então para a música popular brasileira,
como conta a professora Regina Machado, que fez parte da segunda turma de alunos de canto
popular do curso:

Havia um enfoque para o jazz. O modelo foi pensado a partir do modelo da Berklee, e isso
foi motivo de protesto de um grupo de alunos, havia um grupo identificado com aquele tipo
de estudo, mas havia outro grupo do qual eu fazia parte inclusive que não se conformava
com aquele negócio de entrar numa universidade brasileira pra estudar música popular e
acabar estudando jazz (QUEIROZ, 2009, p.124).

Outros aspectos enfatizados durante a criação do curso foram: a importância da


tecnologia na execução e desenvolvimento da música popular e a necessidade de que o curso
tivesse relação com o mercado de trabalho (QUEIROZ, 2009). Quase vinte anos depois a
professora Regina Machado concorda:

Aquele artista em estado contemplativo, só dedicado à criação, sem se vincular ao mundo


terreno, bem (...) espaço pra isto não existe mais. Essa ideia que a realização artística pode
estar desvinculada do mundo dos homens é um equivoco. (QUEIROZ, 2009, p. 118)

Estive no Instituto de Artes da UNICAMP, que sedia a Escola de Música, em duas


oportunidades: os dois Encontros de Estudos do Canto e da Canção popular, realizados
respectivamente em novembro de 2013 e em maio de 2015. No primeiro deles participei da
mesa de abertura do evento, cujo tema foi O ensino de Canto Popular e no segundo apresentei
101

uma comunicação sobre minha pesquisa de doutorado. Nessas ocasiões conversei com a
professora Regina Machado, além de ter escutado seu depoimento durante a mesa de abertura
do primeiro encontro, cuja discussão relato parcialmente no Capítulo 4.
A entrevista que realizei com a professora Regina Machado só veio a acontecer em
fevereiro de 2017 e de forma remota. Eu já conhecia o trabalho de Regina através das
entrevistas concedidas por ela à pesquisa de Piccolo (2003) e de Queiroz (2009) e dos eventos
citados anteriormente. De acordo com a entrevista feita por Piccolo (2003), a procura pelas
aulas de canto na UNICAMP cresceu muito nos últimos tempos, e na opinião de Regina
Machado: “(...) porque as pessoas estão descobrindo a possibilidade de realização artística
através da voz.” (PICCOLO, 2003, p. 32).
Respondendo a pergunta que fiz sobre a demanda atual pelo canto popular na
UNICAMP, Regina Machado (em entrevista concedida a mim, no dia 15 de Fevereiro de
2017, em São Paulo - SP, por Skype), respondeu que essa demanda vem crescendo nos
últimos anos.

Regina Machado – (...) quando eu entrei (...) como docente, a gente tinha uma média
de dois alunos por vaga, um aluno por vaga, agora a gente tem (...) uma média de 17
candidatos por vaga. (MACHADO, 2017)

Antes de fazer a graduação em Música Popular na UNICAMP Regina estudou violão


popular, harmonia, canto, e fez cursos na área da psicologia da música e da musicoterapia.
Sua graduação foi em Música Popular na UNICAMP. Ainda durante a graduação teve aulas
de canto popular com Luciana Souza, mas durante um semestre apenas. Com a saída de
Luciana, e sem professor, Regina trabalhou a prática do canto popular com a professora Elisa
Zein e de canto lírico com a professora Adriana Kayama, esta última durante todo o curso de
graduação.
Após a graduação Regina Machado concluiu seu mestrado (2007) e seu doutorado
(2012) em Linguística na UNICAMP desenvolvendo sua pesquisa sobre a Semiótica da
Canção, sob a orientação do professor Dr. Luiz Tatit. Em 2008 organizou no Canto do
Brasil55, um grupo para ter aulas sobre cantos harmônicos e improvisação vocal com Stenio
Mendes56. Nessa época desenvolveu um trabalho importante para o aprendizado da

55
Escola de canto criada por ela em 1994, em atividade até hoje em São Paulo ver mais informações em
www.cantodobrasil.com.br.
56
É músico, compositor, arte-pedagogo, e desenvolve a percussão corporal, olhando para o desempenho
criativo, com sons e impulsos musicais que atravessem as fronteiras de nosso senso comum, para
102

improvisação através de sequências minimais, bem como de uma prática sobre cantos
harmônicos57. Em 2011, também no Canto do Brasil, fez um curso sobre a Técnica de
Viewpoints58 com Marcelo Gama. Segundo ela, esses dois trabalhos foram fundamentais na
constituição de um redirecionamento em sua atuação como professora e nas práticas do canto.
Regina Machado entrou para a docência na UNICAMP em 2002 e permanece na
instituição até hoje. Lá já havia ensino de canto popular desde 1989, mas somente a partir de
sua entrada esse curso adquiriu regularidade. Em 2015 houve um novo concurso na
UNICAMP para professore de canto popular, mas desta vez para o cargo de Magistério
Superior, com exigência de doutorado. Mais uma vez Regina Machado foi classificada em
primeiro lugar e permaneceu como professora de canto popular no Instituto de Artes, mas
agora em nova carreira acadêmica.
O estudo do repertório nas aulas de Canto na Música Popular (que é oferecido do I ao
VII semestre) História da Voz na Canção Popular do curso de Voz – Música Popular59 da
UNICAMP, com a professora Regina Machado, compilado por Queiroz (2009, p. 99)
apresenta as seguintes informações:

resgatar o que chama de "musicalidade instintiva". Disponível em


<http://www.iar.unicamp.br/acontece/materias/musicalidadeinstintiva.php > Acesso em: 4 de jul. 2017.
57
O canto harmônico ou difônico é a realização, de forma simultânea, de dois sons por uma só pessoa.
58
O treinamento Viewpoints é apresentado pelas diretoras de teatro Anne Bogart e Tina Landau como
uma filosofia, traduzida em técnica, para formar performers “através de um tipo de construção em grupo
e criação de movimento para o palco” (BOGART; LANDAU, 2005). Contudo, nota-se que as autoras
não apresentam o treinamento como uma técnica, mas sugerem que os Viewpoints “agregam princípios
que se relacionam e que poderiam auxiliar os atores e os dançarinos a adquirir mais vivacidade,
desenvolver a criação em grupo e a presença cênica”. (WACHOWICZ, 2016, s/p)
59
Disciplina oferecida na graduação em Música Popular, sendo obrigatória para os alunos de Voz
Popular e eletiva para todos os demais.
103

Quadro 20 - Tópicos de repertório para o curso da UNICAMP (de 2009):

Primeiro Ano
1º Semestre: A Época de Ouro do Rádio
2º Semestre: Samba Canção e Bossa Nova

Segundo Ano
1º Semestre: Festivais, Tropicalismo e Música de Protesto
2º Semestre: Clube da Esquina

Terceiro Ano
1º Semestre: Música Caipira e Samba Paulista
2º Semestre: Vanguarda Paulista

Quarto Ano
1º Semestre: Jazz
2º Semestre: Música Latino-Americana

Perguntei a professora se esse quadro de conteúdo de ensino dos semestres permanecia


o mesmo desde 2009, e soube que o estudo do jazz, que havia no primeiro semestre do quarto
ano foi substituído pelo estudo da música latino americana. Na época da entrevista dada à
Queiroz, em 2009, a professora abriu, durante dois anos consecutivos, um semestre para a
escuta e a análise do comportamento vocal no jazz. Depois, porém, incluiu a música latino
americana e retirou o jazz,

Regina Machado – (...) você pode até estudar [o jazz] também, mas você precisa
estudar a música brasileira. É uma questão básica. A estrutura [do curso] em si
permanece a mesma (...). Dentro desse estudo sobre a canção brasileira a gente tem um
semestre dedicado à manifestação local, ou seja, o samba paulista e a música caipira,
que são manifestações de raiz e que tem um eixo, uma raiz comum. (...) depois no
sexto semestre é a Vanguarda Paulista e depois a música latino americana, a música
dos países da América Latina que tem um diálogo profundo com a música brasileira.
(MACHADO, 2017)

Perguntei a ela sobre a existência de preconceito com o estudante de canto popular ou


mesmo com o curso de canto popular. Regina aventou a possibilidade de que haja não um
preconceito com o aluno de canto popular, mas sim, um preconceito mútuo entre os alunos de
canto popular e de canto erudito. O que ela identifica claramente, e contra o que ela vem
104

trabalhando, para que deixe de existir, é um preconceito e uma disputa entre músicos e
cantores.

Regina Machado – (...) isso eu acho que ainda tem um pouco – ah, os canários60 – e a
gente vem trabalhando (...) de que maneira? Trazendo os músicos para o processo de
criação de espetáculo, de trabalho sobre performance, porque muitas vezes os músicos
acabam tendo uma atuação que ignora um pouco o fato de estar num palco.
(MACHADO, 2017)

Dessa maneira então, atualmente os conteúdos dos semestres são distribuídos de forma
semelhante, mas um pouco diferente:

Primeiro ano:
- 1º semestre: Surgimento e Consolidação do Samba.
- 2º semestre: Renovação do Samba-canção e Bossa Nova.

Segundo ano:
- 3º semestre: Festivais, Jovem Guarda e Tropicalismo.
- 4º semestre: Clube da Esquina.

Terceiro ano:
- 5º semestre: Música Caipira e Samba Paulista.
- 6º semestre: Vanguarda Paulista.

Quarto ano:
- 7º semestre: Canção latino-americana (recorte sobre a música da Argentina,
Chile, Colômbia, Peru, Cuba e México).
- 8º semestre: estudo de repertório definido pelo aluno, que deve apresenta-lo em
forma de roteiro com o objetivo de realizar show musical na finalização do período de
estudo;

O trabalho específico de técnica vocal é feito uma vez por semana, em aulas de duas
horas, com a realização de exercícios e audição, onde o aluno canta e pode ser interrompido
pela professora para correções e/sugestões. A professora destaca que a aula de técnica vocal
não é um evento isolado.

Regina Machado – (...) ela se complementa nas aulas de Canto na Música Popular
(onde trabalhamos processos de escuta) e na aula de Tópicos Especiais (nas quais
trabalhamos o processo de reflexão crítica e ação cênica). Sendo assim, o trabalho de
voz se faz em um total de 5h semanais.

60
Isso é uma referência ao passarinho que tem um canto melodioso e elaborado. Mas pode ser também
um comentário pejorativo, sugerindo que o cantor, como o Canário, só sabe cantar.
105

Uma das formas de trabalhar a técnica vocal é na Master Class, onde o aluno
apresenta o repertório e ela faz observações e sugestões à sua performance. Recentemente
Regina conheceu o trabalho da professora americana Jeanie LoVetri e comentou que a
professora trouxe muitas novidades a respeito do ensino de canto, mas que também
reconheceu trabalho de LoVetri elementos já conhecidos e comuns à sua prática, a exemplo
do trabalho com postura e com o relaxamento corporal em prol de uma boa emissão vocal.
Porém, Regina acha que a sonoridade vocal do aluno deve estar ligada à estética da canção
brasileira.

Regina Machado – (...) eu não acredito que seja possível separar, e aí talvez eu divirja
um pouco dela, no sentido de que a busca estética é fundamental para te ajudar a
encontrar o seu som. (MACHADO, 2017)

Nos exercícios a professora Regina Machado busca a liberdade vocal para tentar
quebrar dogmas, pois tem visto que muitas vezes os alunos entram na universidade na
expectativa de um formato de aula individual, que chama de aula clássica de canto. E Regina
já não ministra suas aulas dessa maneira há muitos anos. No começo do ano letivo a
professora sempre explica a seus alunos seu ponto de vista de que uma universidade pública,
de um modo geral, não é um lugar para esse tipo de aula.
Em seu trabalho docente ela prioriza as experiências coletivas, na intenção de provocar
trocas mais profundas entre os alunos, sem deixar de dar atenção aos processos individuais.

Regina Machado – (...) eu aprendo muito olhando o outro, não é? E aprendo nesse
processo de trocar, de aprender a fazer vendo o outro fazer, de me observar melhor por
causa do contexto coletivo. (...) Não me detenho enfaticamente sobre a questão
respiração, (...) tento a trabalhar isso da maneira mais natural possível, pois um corpo
equilibrado, sem tensões, certamente produzirá uma respiração fluida, capaz de suprir
a realização musical/vocal. (MACHADO, 2017)

3.2.6 O ensino de canto popular na UFSCar

Em fevereiro de 2017 estive em São Carlos (SP) e combinei, com a professora Thais
Nunes, realizar uma palestra sobre canto popular para seus alunos da UFSCar. Quando
cheguei ao auditório onde seria realizado o encontro com a turma, Thais estava terminando
uma aula ensaiando um coral com seus alunos. Finalizado o ensaio e enquanto chegavam mais
alunos, Thais e eu conversamos um pouco sobre suas atividades na UFSCar. Não haveria
106

tempo hábil para realizar uma entrevista completa após minha palestra, então combinamos de
conversar por Skype assim que possível.
A professora Thais Nunes da UFSCar (em entrevista concedida a mim, por Skype, de
sua casa em São Carlos (SP), no dia sete de abril de 2017), me contou que aprendeu música
em casa, com sua mãe. Estudou piano erudito a partir dos quatro anos e mais tarde participou,
com outras crianças, das turmas de percepção e teoria musical que sua mãe ministrava em
casa. Na adolescência criou um grupo vocal com duas de suas irmãs e começou a fazer
arranjos, ouvir as gravações para aprender as linhas melódicas, inventar outras linhas
melódicas, e essa prática fez despertar a vontade de continuar estudando e fazer um curso
superior em música, em 1998.
Na época em que foi estudar na UNICAMP, apesar de haver o curso de canto popular,
não havia professor. Para suprir essa falta, os professores de canto erudito ministravam aulas
de técnica vocal, a exemplo da professora Adriana Kayama, além de outros professores
convidados. Depois, com a entrada da professora Consiglia Latorre, finalmente começou a ter
aulas voltadas para o canto popular.
Após a graduação, concluída em 2001, fez aulas de canto com a professora Ana Luíza,
em São Paulo e com a professora Regina Machado, durante o mestrado na UNICAMP. Thais
acha que não teve muitos professores ou muito tempo de aula de canto, mas que isso foi
compensado com muito estudo individual, muita leitura sobre o assunto, além da prática do
canto, também fundamental em seu processo de aprendizagem.
Thais Nunes entrou em 2009 para dar aulas na UFSCar, depois de prestar um concurso
para a vaga de professora no curso de Educação Musical, porém esse concurso não designava
as disciplinas que seriam ministradas. Era um concurso muito aberto. Previa aulas no curso de
Educação à Distância, com a qual ela já vinha atuando na UFSCar, mas ainda não oferecia a
disciplina de canto popular, que foi criada depois.
Desde 2001 já atuava como professora de canto popular, tendo ainda sido professora
da Universidade Livre de Música Tom Jobim (ULM), hoje Escola de Música do Estado de
São Paulo (EMESP) de 2004 a 2006. Foi também docente efetiva da Universidade Federal de
São João Del Rey (UFSJ) de 2006 a 2009, onde criou todas as disciplinas de canto popular no
curso de Licenciatura em Música.
A disciplina de canto popular foi incluída no curso da UFSCar, na modalidade á
distância, por sugestão de Thais Nunes. Para seu trabalho a professora escolhe o repertório
baseando-se em um panorama da música popular do séc. XX, dos anos 1930 até o início dos
107

anos 1990. Ela tem restrições ao ensino dos gêneros musicais chamados comerciais e/ou “de
massa”, entre eles: heavy metal, axé, rap, funk e sertanejo universitário.
Questionei sua decisão de excluir esse conteúdo musical do currículo e sua resposta
foi a de que seu tempo de aulas com os alunos do curso de Educação à Distância é limitado e,
como os alunos sabem muito pouco sobre a música brasileira do século passado, ela se sente
com uma missão: que eles tenham ao menos um panorama da música popular do século XX
até o início dos anos 1990.
Suas escolhas de repertório são baseadas em livros de história da canção popular
brasileira, e pelo fato de esses autores não abordarem os gêneros mais comerciais surgidos
após os anos 1980, ela também acaba deixando-os de lado. Porém, quando há uma demanda
por parte dos alunos, por orientação em gêneros musicais que não estão no currículo, a
professora os orienta.

Thais Nunes – (...), por exemplo, eu estou agora numa situação (...), dando Canto no
curso presencial. Eu chamo de Canto, mas é Voz e Expressão II. A gente parte dos
anos trinta e vai até o início dos anos sessenta, mas ele [o aluno] canta rock, ele canta
country, então, no final da aula ele vem sempre falar comigo:

Aluno – olha estou cantando essa música na minha banda, me dá uma dica, olha, deixa
eu te mostrar esse cantor, o que ele está fazendo...

Thais Nunes - (...) então a gente sempre dialoga, ele canta uns trechos para mim e eu
dou algumas dicas de como ele pode melhorar naquilo em que ele está atuando no
momento. Não tem a proposta dentro da disciplina, mas, por exemplo, os alunos às
vezes me procuram fora do horário de aula e eu não deixo de dar um suporte de como
ele pode estar dentro daquilo que ele já está fazendo na vida dele profissional,
aproveitando coisas técnicas que a gente está vendo e dar alguns caminhos para ele.
(NUNES, 2017)

Thais considera que o assunto sobre a inclusão de músicas consideradas comerciais no


currículo do curso poderá ser discutido no futuro. Ela acha que há um retorno positivo por
parte dos alunos sobre o repertório que escolhe atualmente, a exemplo de um de seus alunos
que declarou que nunca pensou que fosse cantar um samba, e que passou a gostar deste estilo
musical.
108

Para a escolha do repertório com o qual trabalha baseou-se na música brasileira que já
tem material histórico e analítico publicado, passando pelo samba, o samba dos anos 1930,
1940, samba canção e bossa nova. Apesar de considerá-lo como um formato que começa a
ficar ultrapassado, Thais ainda o adota, por receber um retorno positivo de seus alunos. No
curso a distância é possível trabalhar, ainda, com a canção de protesto e o tropicalismo. No
curso presencial, por conta da possibilidade de desenvolver projetos de extensão é possível
abordar música do Clube da Esquina e a grande diversidade musical dos anos de 1970.
Conforme mencionado anteriormente, nesta modalidade o nome da disciplina é Voz e
Expressão, mas a abordagem é de canto popular.
As aulas são divididas entre atividades corporais, técnica vocal, repertório e
apreciação. Na atividade de apreciação são selecionados gravações para a escuta coletiva e a
observação do comportamento vocal do cantor. Nesta ocasião o aluno tem a oportunidade de
trazer para a escuta coletiva cantores que gosta, para que sua voz e sua interpretação possam
ser analisadas em conjunto.
A professora divide o curso de Educação à Distância (EAD), com a professora Andrea
dos Guimarães, que inclusive é sua irmã. Andrea teve uma formação muito parecida com a de
Thais, pois também estudou musicalização, teoria e piano erudito com sua mãe. Mais tarde, já
morando em Uberlândia entrou para o Conservatório Estadual Cora Pavan Capparelli61 onde
continuou os estudo de piano erudito e começou a estudar canto lírico com a professora
Terezinha Tavares (durante três anos).
Mesmo tentando outro caminho profissional diferente da música durante dois anos,
Andrea continuou estudando no Conservatório e aos 19 anos largou a engenharia e prestou
vestibular para música em Uberlândia. Estudou canto lírico durante dois anos na Universidade
Federal de Uberlândia, com Malu Mestrinho, mas começou também a estudar harmonia
popular com Sérgio Freitas e a cantar nos barzinhos da cidade. Aos 21 anos, finalmente,
prestou o vestibular para estudar Música Popular na UNICAMP e mudou-se para Campinas
(SP).

61
“O Conservatório Estadual de Música Cora Pavan Capparelli foi fundado pela professora Cora Pavan
de Oliveira Capparelli com a proposta de criar uma escola de música que pudesse oferecer aos
estudantes de arte de Uberlândia, os benefícios de uma instrução formal e regulamentada. Em 13 de
Julho de 1957, com a devida autorização do Conselho Federal de Educação, foi fundado o
Conservatório Musical de Uberlândia, que passou a manter os cursos de instrumentos regulamentares na
época.” Disponível em < https://www.conservatoriouberlandia.com.br/histrico> Acesso em: 2 de jul.
2017.
109

Primeiro a professora Andrea tornou-se tutora no curso de Licenciatura em Música à


Distância, depois se candidatou à vaga de professora voluntária e foi aprovada no processo
seletivo no mesmo curso da EAD.

Andrea dos Guimarães – (...) a prova na verdade é mais uma aula, você tem uns temas
para desenvolver, (...) tem a análise (...) eu preparei todos os temas e na hora fui
sorteada com um, como acontece no concurso da presencial. Comecei a dar aula como
professora voluntária, eu fiquei encarregada de duas disciplinas e a Thais de outras
duas e aí a gente acabou dividindo a área.

O professor do EAD recebe uma bolsa de pesquisa da Capes62 e é encarregado de dar


determinada disciplina, elaborar seu conteúdo, orientar os tutores, elaborar as provas, e as
diversas atividades do curso. Se o tutor tem alguma dúvida mais específica, que não consegue
resolver, ele entra em contato com Andrea. Às vezes os alunos entram diretamente em contato
com ela. Andrea percebeu que a participação do professor é fundamental, que ele não pode
deixar a responsabilidade somente com o tutor.

Andrea dos Guimarães – (...) porque se não a coisa fica muito solta, os alunos ficam
desestimulados, então você tem que estar o tempo inteiro incentivando, instigando o
aluno a estudar, convidando o aluno a estudar, enfim, é um trabalho que exige um
tempo, (...) até maior do que quando a gente dá aulas presenciais entendeu?

A professora Andrea dos Guimarães é responsável pelas disciplinas Canto I e II e


explicou-me que elaborou os conteúdos das matérias junto com a professora Thais Nunes:
“pensamos em desenvolver um trabalho que mapeasse um pouco a história da canção
brasileira e do canto dentro dessa história da música popular brasileira” (NUNES, 2017).
Na EAD o aluno tem que desenvolver uma atividade por semana: uma atividade de
técnica vocal; o fórum de discussão ou uma interpretação. Cada semana os alunos têm que
focar em uma dessas atividades. A disciplina de Canto I aborda a história do canto e a história
dos cantores da primeira parte da Época de Ouro até 1945 e a obra de Dorival Caymmi. O
Canto II traz o samba canção, a música regional nordestina, a pré-bossa nova e bossa nova.
No Canto III (da professora Thais), é abordado o repertório dos anos 1960, com os Festivais

62
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) é uma fundação do
Ministério da Educação (MEC), e seu papel é fundamental na expansão e consolidação da pós-
graduação stricto sensu (mestrado e doutorado) no Brasil. Disponível em
< http://www.capes.gov.br/historia-e-missao> Acesso em: 12 de jul. 2017.
110

da Canção e também algumas canções de compositores dos anos 1970 e no Canto IV os


alunos gravam e trabalham com arranjos vocais.
Também fazem parte do currículo: uma abordagem da técnica vocal que é utilizada pra
cantar música brasileira; a discussão sobre a estética de cada época; e o tipo de recurso de
interpretação que esses cantores usavam.
Andrea não utiliza métodos de ensino específicos, mas se quer ilustrar algum exemplo
que dá a seus alunos, procura informações nos livros que têm como uma base de
conhecimento. Os exercícios que utiliza são elaborados por ela com a referência do que
aprendeu estudando canto lírico. Além disso, ela sugere as seguintes pesquisas e leituras: O
Tao da Voz (1999); o Canto Werbeck63 e Richard Miller (1996). Mas acrescenta que todos os
exercícios são testados e experimentados por ela antes de serem indicados para seus alunos.

3.2.7 O ensino de canto popular na UnB

Conheci a professora de canto popular Uliana Dias na UNICAMP, durante o II


Encontro do Canto e da Canção Popular, quando assisti sua comunicação sobre os cantos
circulares 64. Naquela ocasião anotei seu contato de e-mail e combinei que a procuraria para
realizar uma entrevista.
Uliana Dias (em entrevista concedida a mim no dia 7 de abril de 2017, em sua casa, de
Brasília – DF, por Skype), professora da UNB, formou-se em Música Popular na UNICAMP.
Ela já era formada em Sociologia pela mesma universidade, mas sempre quis trabalhar com
música. Na Escola de Música teve a experiência de cantar em diversos corais como o Zíper na
Boca, do Instituto de Artes da UNICAMP, em um madrigal e em grupos vocais diversos.

Uliana Dias – (...) a universidade era uma delícia porque a gente cantava de qualquer
jeito [risos], então a minha vivência é muito prática e mais na música popular, minha
formação é muito mais informal também. Eu fiz conservatório em adolescente, fiz

63
“A Escola do Desvendar da Voz foi fundada em 1924 na Suíça por Valborg Werbeck Svärdström
(1879-1972), sob a orientação do antropósofo Rudolf Steiner, que reconheceu este método como um
caminho terapêutico e artístico.” Disponível em <http://institutorudolfsteiner.org.br/antroposofia/canto-
werbeck/> Acesso em: 4 de jul. 2017.
64
“As circlesongs, assim denominadas pelo músico Bobby McFerrin, são prática essencialmente vocais
e coletivas em que a base é a composição espontânea (improvisação) por um líder que distribui vozes
pelas sessões de um grupo. McFerrin criou, em 1997, um grupo vocal de 12 pessoas (Voicestra) para
servir de apoio às suas criações musicais.” (DIAS, 2015). Disponível em
<http://abemeducacaomusical.com.br/conferencias/index.php/xxiicongresso/xxiicongresso/paper/view/1
271> Acesso em: 9 de set. 2017.
111

flauta, sempre quis fazer música, me aproximar da música, mas era daquelas pessoas
que não tinha tanto acesso assim (...). (DIAS, 2017)

A professora Uliana Dias teve que lidar com os aspectos do ensino de técnica vocal e
da emissão vocal ao se deparar com suas funções de professora nos programas de Ensino à
Distância (EAD). Ela percebeu que teria que lidar com um público muito diverso, do interior
do país; do Acre; Goiás; Minas Gerais; Roraima e Tocantins. Em sua opinião esse público
ouve uma grande diversidade de música, muitas delas diferentes das que os professores estão
acostumados a ouvir na universidade. Ela sempre teve a preocupação, do ponto de vista da
educação musical, de formar o professor que vai lidar com a formação musical atuando na
educação básica. Ela se perguntava: o que ele precisa trabalhar em sua voz? Neste sentido seu
pensamento não era o de trabalhar a técnica em si, mas sim o de demonstrar ao aluno a
diversidade vocal do universo musical brasileiro.
Uliana Dias entende que a técnica vocal pode estar a serviço da saúde vocal, mas não
considera que uma técnica vocal possa resolver todas as demandas da diversidade vocal
brasileira. Ela acha que sua formação em Ciências Sociais a deixou mais à vontade diante
dessa diversidade e das diversas abordagens vocais que podem advir dessa realidade.

Uliana Dias - (...) um manual básico de curso de canto? (...) gosto do livro da Malu
Cooper e Diana Goulart, Por todo o canto, que já tem essa pegada da diversidade,
apesar de ser muito do Rio de Janeiro - no choro, na bossa, mas pelo menos tem o
reggae, tem o pop, tem o rock, que já ajuda você a abrir. (DIAS, 2017)

Outro material didático citado por ela foi a Dissertação de Adriana Piccolo (2006),
onde há um catálogo de expressividades vocais. Uliana Dias quer mostrar para os alunos que
existe uma diversidade musical, e que eles não precisam ser iguais a ninguém. Ela quer que
eles descubram a própria voz. No trabalho de Piccolo (2006) ela encontrou a descrição de
gestos e expressividades vocais que utilizou de base para o material da aula prática da
disciplina Canto 1.
Para a parte inicial das aulas (anterior aos exercícios vocais), ela utiliza exercícios
comumente chamados de exercícios de relaxamento, que aprendeu nas aulas de teve, que são
preparatórios para o aquecimento corporal e vocal. Ela encontrou outros exercícios no livro
112

Tao da voz, de Stephen Chun-Tao Cheng65. O livro apresenta diversos exercícios de bem
estar, de postura, e ajuda o praticante a entender o fluxo da energia vocal.

Uliana Dias – (...) eu chamava atenção para essas questões de diversidade e de você
ser um construtor, de achar sua voz. (...) a gente, como professor de EAD, também tem
que mostrar o mundo e dizer: segue aqui, segue aí. (...). São orientações a partir do que
tem disponível na bibliografia, de interesse, do que funciona pra você, de como os
alunos vão respondendo. (DIAS, 2017)

Na última parte de seu depoimento a professora Uliana Dias parece resumir uma
percepção comum entre os professores entrevistados: de que não há apenas uma referência de
ensino para a técnica vocal em canto popular. Verificamos que os professores estão
construindo sua maneira de ensinar, seus métodos, a partir de experiências com o
desenvolvimento da própria voz e com o trabalho com os alunos, utilizando a bibliografia
disponível e adaptando a didática existente às particularidades encontradas em cada
universidade, em cada região do país.
Além disso, percebemos o interesse permanente dos professores em aperfeiçoarem-se,
através de leitura, pesquisa, participação em cursos e etc., para melhorar sua prática de ensino,
seja da técnica vocal, seja do repertório a ser estudado. Percebi também que nenhum professor
citou especificamente a utilização, em suas aulas, de partituras para a realização dos
exercícios de técnica vocal, que parecem ser realizados por meio da audição seguida de
emissão vocal, sempre com base na imitação ou esperimentação.
Além da professora Uliana Dias, o professor Alexei Queiroz também dá aulas de canto
popular na UnB. As aulas presenciais são de sua responsabilidade. Conheci o Professor
Alexei Queiroz no I Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular, na UNICAMP, em
2012. No II Encontro, em 2015, assisti sua comunicação e conversamos rapidamente. Não foi
possível entrevista-lo para minha pesquisa atual, mas consegui informações sobre sua
formação e sua participação no curso presencial da UnB na pesquisa de Albuquerque (2017),

(...) professor do curso de Licenciatura em Música, na UnB, desde 2010. (...) Sua
experiência na docência foi como monitor de algumas disciplinas. Enquanto fazia a
graduação, ministrou aulas em escolas particulares e também oficinas livres. (...) Como
cantor, Alexei Queiroz possui dois discos gravados, todos com canções compostas por ele.
Começou cantando música popular brasileira com os amigos, trabalhando composições
próprias. Em sua trajetória artística, passeou por diversos gêneros e estilos musicais, como
rock, reggae, samba, música latino americana, música caribenha. (ALBUQUERQUE, 2017,
p. 34)

65
O Tao da Voz de Stephen Chun-Tao Cheng, Editora Rocco, 1999.
113

Com relação às aulas presenciais de canto popular da UnB, ministradas por ele:

Alexei afirma ter se baseado no formato de currículo da professora Regina Machado para
sua construção curricular, principalmente no que diz respeito aos recortes dos períodos na
história do canto popular brasileiro. Em sua dissertação de mestrado, pesquisou os
pensamentos e procedimentos de ensino do canto popular na Unicamp e decidiu aplicá-los
em seu planejamento curricular. (ALBUQUERQUE, 2017, p. 71)

O professor Alexei Queiroz organiza suas aulas dividindo os conteúdos “(...) em três
eixos principais: teoria e contextualização histórica, técnica vocal e performance” (idem, p.
81). O repertório vai ser escolhido a partir dos períodos históricos, que o professor chama de
clássicos. São eles: começo do século XX; Era do Rádio; samba canção; fossa; bossa nova;
movimentos regionais; tropicalismo; Clube da Esquina; jovem guarda e rock Brasil - BRock.
Além dos clássicos, segundo a pesquisa de Albuquerque, o professor também utiliza o samba,
forró, sertanejo e rock, para determinar parâmetros e habilidades expressivas nos conteúdos
programáticos (ALBUQUERQUE, 2017).

3.2.8 O ensino de canto popular na UNESPAR – Campus II

Antes de conseguir contato com a professora Liane Guariente, conversei com a


professora Suzana Franco de Souza Ribeiro, professora temporária de canto popular na
UNESPAR Campus II – Faculdade de Artes do Paraná de 2015 e 2016. Suzie Franco, como
gosta de ser chamada (em entrevista concedida a mim por Skype, no dia 2 de abril de 2017,
em sua casa em Curitiba - PR), além de ter me concedido essa entrevista, mandou respostas a
um questionário que lhe enviei ainda em 2016, perguntando detalhes sobre sua formação e
outros aspectos de seu trabalho como professora de canto popular. Abaixo vou apresentar suas
respostas de ambas as origens.
Conheci Suzie Franco nos anos 1990, participando das atividades realizadas pelo
Conservatório de Música Popular Brasileira de Curitiba, quando fui ministrar aulas de canto
popular no Festival de Verão promovido por aquela instituição, a convite do professor
Roberto Gnattali. A professora Suzie Franco relata que teve aulas de canto por quinze anos
interruptos. Começou aos 18 anos estudando canto erudito com a professora Sira da Silva,
trabalhando com o repertório de música antiga entre 1985 e 1986 (renascença e medieval).
Entre 1988 e 1991 fez sua graduação em Educação Artística na Faculdade de Artes do Paraná
(FAP/PR). Depois estudou com Elke Beatriz Riedel66, também trabalhando repertório de
canto erudito. Paralelamente, fez oficinas de canto popular com: Clara Sandroni, Ná Ozzetti,

66
Professora de canto lírico da UFRN. Disponível em
<https://sigaa.ufrn.br/sigaa/public/docente/producao.jsf?siape=1279611> Acesso em: 4 de jul. 2017.
114

Liane Guariente, Regina Lucatto, Rita Peixoto, Izabel Padovani, Felipe Abreu, Suely
Mesquita, Ana Cascardo, entre outros67.
Suzie cursou canto erudito na graduação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná
(EMBAP), mas não concluiu. Seu diploma de graduação é em Licenciatura em Música na
Faculdade de Artes do Paraná (FAP). Sua atuação profissional, antes de passar a ministrar
aulas de canto popular, esteve bastante ligada com o canto popular. Suzie relata que cantou
em vários grupos e bandas, coros cênicos, bares e também gravou muitos jingles, antes de dar
aulas.
Suzie foi professora de canto popular no Conservatório de Música Popular Brasileira
(CMPB) durante dez anos, entre 2005 e 2015, em Curitiba (PR) e tem tido uma atividade
intensa como cantora no grupo vocal Tao do Trio e no grupo Vocal Brasileirão. Começou a
dar aulas em 1992, logo depois de terminar sua graduação em Música. Relata que começou a
dar aulas porque queria ter essa experiência, apesar de não encontrar muito material
disponível sobre o canto popular que a pudesse embasar para tal. Desde então não usa
nenhum método específico, mas vem fazendo um apanhado de tudo o que já leu e aprendeu
nos cursos que fez ao longo da vida.
Durante o ano em que deu aulas na FAP, ministrou doze horas por semana de aulas
para setenta alunos, e as aulas eram sempre coletivas. Na disciplina de Canto Solista tinha de
10 a 15 alunos, em duas aulas seguidas. As aulas de canto para Artes Cênicas e Musicoterapia
eram maiores e não tinham como foco o canto individual. Nesse período, relata que só
trabalhou com a música popular brasileira e citou os seguintes gêneros musicais: samba;
bossa; baião; xote; valsas brasileiras; toadas e canções variadas, entre outros.
Com relação à escolha do repertório, normalmente elege um ou dois compositores a
serem trabalhados no bimestre. O direcionamento para a escolha do repertório é dela e a
escolha da canção é dos alunos. Além de Suzie Franco o curso conta com os professores
André Ricardo e Liane Guariente. Normalmente são três professores da cadeira de canto, mas
um deles migrou para o ensino de Etnomusicologia.

67
Ná Ozzetti é cantora e professora de canto paulista e participou do grupo RUMO, um dos integrantes
do movimento da Vanguarda Paulista, nos anos 1980; Liane Guariente é professora de canto na
UNESPAR – Campus II, Curitiba (PR); Regina Lucatto é cantora e regente coral e canta no grupo vocal
Garganta Profunda; Rita Peixoto (1954-2006), cantora carioca e professora de canto, nos anos 1980
participou do grupo Chama de Banda e do grupo Arranco de Varsóvia nos anos 1990. Gravou dois
discos com seu marido Carlos Fuchs; Izabel Padovani é professora de canto e de Técnica Alexander e
vivi em Campinas (SP); Felipe Abreu e Suely Mesquita são professores de canto popular, membros do
GEV-RJ e vivem no Rio de Janeiro (RJ); Ana Cascardo é professora de canto popular mineira e
radicada em Curitiba (PR).
115

Perguntei a Suzie se os professores citados são de canto popular. E por sua resposta
entendi que os professores da FAP são professores de canto que dão aulas para diversos
cursos, inclusive no Bacharelado em Música Popular. Como a ementa do curso é muito
ampla, cada professor pode direcionar o conteúdo do curso para sua área de formação ou
interesse.

Clara - você dava aula na linha da música popular?

Suzie Franco – (...) totalmente (...). A Liane também, eu vi algumas coisas do trabalho
dela e conheci o trabalho da Liane Guariente de antes, e ela pega bastante coisa de
popular, realmente ela vai por essa linha.

Clara - e você deu aulas lá em 2015 e 2016. Chegou a perceber lá na FAP que havia
uma demanda por canto popular?

Suzie Franco – (...) na verdade a gente apresenta um plano de curso, como qualquer
outro professor, mas não existe essa obrigatoriedade de se trabalhar a música popular,
infelizmente. (FRANCO, 2017)

No início fiquei confusa com relação ao depoimento da professora Suzie Franco. Por
que ela teria que ser taxativa sobre ensinar canto popular em um Bacharelado de canto
popular? Isso não seria o esperado? Mas não é assim que funciona lá. Como a ementa é
ampla, o professor, mesmo o temporário, tem liberdade para trabalhar com a área de canto
como quiser. A professora que substituiu a Suzie (que havia ficado em segundo lugar no
concurso para professor temporário) tem formação erudita e está trabalhando com os alunos
do Bacharelado em Música Popular o repertório de árias de ópera e com técnicas eruditas de
canto. Por esse motivo é que Suzie teve que ser taxativa com relação as suas opções didática
pelo canto popular. Ela relata que logo que começou a dar aulas houve estranhamento por
parte dos alunos.

Suzie Franco – (...) há um desconhecimento enorme, é uma mistura, é uma clientela


bem eclética, tem todos os níveis de gosto e de experiência, enfim, mas eles se
encantaram.

Suzie apresentou aos alunos um compositor de música popular brasileira por bimestre,
trabalhando sobre suas composições. A professora também participa de duas listas de
116

discussão sobre canto na internet: a lista virtual Voz Teoria e Prática, criado por Ana
Cascardo e da lista Preparação Vocal criada por Suely Mesquita.
Sobre os desafios que enfrenta como professora de canto popular, Suzie considera que
um deles é o de quebrar o padrão repetitivo de interpretação imposto pela grande mídia e
amplamente absorvido por muitos cantores. Em sua opinião muitas vezes os cantores
assumem padrões interpretativos que não correspondem às suas características naturais, à sua
personalidade. Nesses casos ela trabalha para que o próprio aluno possa achar sua identidade
vocal.
Sua opinião parece corresponder a assuntos tratados na pesquisa da professora
Consiglia Latorre (2002), que desenvolveu o método da escuta de épocas justamente por
considerar que seus alunos estavam repetindo padrões vocais estranhos aos da música popular
brasileira. A última pergunta que fiz à professora Suzie Franco foi sobre qual seria sua
definição de canto popular.

Suzie Franco - para mim, é o canto que trabalha uma estética que difere da do canto
erudito em alguns pontos importantes: proximidade com a voz falada, liberdade de
divisão rítmica e de dinâmica, amplo espectro de interpretações, variações melódicas,
intimidade com o microfone, amplo uso de voz mista, uso de falsete (principalmente
masculino), clareza das palavras, etc. (FRANCO, 2017)

A professora Liane Guariente é uma das docentes efetivas da UNESPAR – Campus II,
a antiga FAP. Soube pela primeira vez a seu respeito durante a entrevista que fiz com a
professora Daniela Gramani, que estudou em ela. Suzie Franco me ajudou a encontrá-la e
finalmente consegui contatá-la através de redes sociais. Propus a ela que fizéssemos uma
entrevista por Skype, e finalmente combinamos que enviaria a ela algumas perguntas para
serem respondidas por mensagem de e-mail.
A professora Liane Guariente (em entrevista concedida a mim por e-mail, de Curitiba -
PR, no dia 7 de abril de 2017) formou-se em Educação Artística com Habilitação em Música
pela Faculdade de Educação Musical do Paraná (FEMP), em 1985. Antes disso, iniciou seus
estudos de canto no Coral do Colégio Estadual do Paraná em 1977 e estudou canto lírico na
Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Ela não concluiu seus estudos em canto lírico.

Liane Guariente – (...) Estávamos saindo do processo ditatorial, o espaço universitário


convocava a linguagens mais ousadas e o canto lírico não foi suficientemente
inspirador para mim. Pena, eu tendo a dizer hoje (...). (GUARIENTE, 2017)
117

Em 1996 conheceu o grupo Terra Sonora, constituído por 13 músicos de sua cidade, e,
em 1997 passou a fazer parte do elenco e fazer um trabalho que foi chamado de transcrições
fonéticas.

Liane Guariente – (...) Não havia partituras disponíveis para o que se desejava de
repertório. (...) eu me encarreguei dos ‘textos’, mosaicos sonoros que nos garantiram
oito álbuns nesses anos em que estamos juntos. Daí nasceu uma versatilidade para a
voz de canto, uma espécie de crooner do Leste Europeu, da Ásia e de vários lugares
sem sair no meu. A minha voz ficou meio esquizofrênica e ao mesmo tempo lúcida de
suas têmperas, um exercício que recomendo em minhas classes de canto!
(GUARIENTE, 2017)

Na pesquisa de Queiroz (2009) a professora Liane Guariente explica que organizou as


ementas para a disciplina de Canto Solista em: “(...) um total de duzentas e quarenta horas,
com programas que oportunizam reflexão, treinamento, escolha de repertório e montagem de
espetáculo” (QUEIROZ, 2009, P. 99). No Quadro 21 reproduzo apresento o conteúdo das
disciplinas:

Quadro 21 – Lista de conteúdos das disciplinas das aulas da FAP em 2009:

Canto Solista I – ênfase à Música Brasileira;


Canto Solista II – ênfase à Música Internacional;
Canto Solista III – definição do roteiro de espetáculo;
Canto Solista IV – montagem de espetáculo e gravação de CD.

A professora Liane Guariente trabalha com seus alunos no que chama de via de mão
dupla, ou seja, em diálogo. Procura conhecer o universo cultural de cada um e explora esses
contextos. Segundo ela pode trabalhar em qualquer vertente da música popular brasileira se
surgir a oportunidade. E também inclui nessas possibilidades o trabalha com a música que
chama de Étnica.

Clara - dentro da música brasileira tem algum gênero que você não trabalha com os
alunos?
118

Liane Guariente - (...) vou cantando o que é possível em um meio onde o aprendizado
musical acontece via meios de comunicação e, em especial, o que se aprende nas
igrejas e seus vários credos. (GUARIENTE, 2017)

Quando a professora propõe o repertório, escolhe trabalhar com a música brasileira do


século XX até a Tropicália, e se tiver oportunidade segue até os anos 1970 e 1980. Se for
possível trabalha também com música regional e das etnias que formaram o Brasil.

3.2.9 O ensino de canto popular na UFC

O curso de Licenciatura em Música da Universidade Federal do Ceará (UFC) foi


criado em 2006 e seu currículo foi reformulado em 2015, quando o ensino de canto popular
foi incluído como disciplina.

O curso de Licenciatura em Música da UFC teve início no ano de 2006, sendo reformulado
em 2015 com a inclusão do ensino do canto popular como uma de suas formações.
(ALBUQUERQUE, 2017, p. 55)

Apesar de o curso ser anterior à implementação do REUNI, ele aproveitou de seus


benefícios para contratar novos professores, com a ampliação do programa de bolsas para os
estudantes, entre outros. A característica única desse curso é a de que os estudantes não fazem
provas de habilidade específica para entrar no curso de música. (ALBUQUERQUE, 2017)
Além dessa particularidade, “Nesse programa, a prática da expressão vocal aparece
como eixo de formação para o futuro professor, independentemente de seu instrumento
escolhido” (ALBUQUERQUE, 2017, p. 56). Nos dois primeiros anos do curso os estudantes
participam das disciplinas Canto Coral e Técnica e Expressão Vocal 1, 2 e 3. Já os que
escolhem o canto popular como seu instrumento principal, ainda cursam as disciplinas de
Canto na Música Popular I, II e III. “Essa disciplina, segundo a professora Consiglia Latorre,
foi ampliada, com a criação de Canto na Música Popular IV e V.” (idem)
Na UFC os alunos que optam por canto popular como seu instrumento cursam a
disciplina Canto, na Música Popular, de I a V. Segundo Albuquerque (2017), na ementa da
disciplina, nos níveis I, II e III, consta “o estudo sistemático teórico-prático do universo
autoral e do comportamento vocal presente na canção popular brasileira urbana (...)”
(ALBUQUERQUE, 2017, p. 56), com os seguintes gêneros:
119

Quadro 22 – períodos e gêneros musicais estudados no canto popular da UFC.

- Período de 1920 até a bossa nova;


- Canção latino-americana;
- Jazz norte-americano;
- Canções étnicas de variados povos;

A ementa acrescenta ainda que o objetivo do estudo é a aplicação no repertório que


possa ser desenvolvido nos variados contextos da educação musical, com “o estudo
progressivo técnico e interpretativo adequado à estética vocal do canto popular do Brasil,
através de exercícios de vocalização com material extraído dessa canção popular” (idem, p.
56).

3.2.10 O ensino de canto popular na UFMG

O curso de Música Popular foi implantado na Escola de Música da UFMG em 2008 e


por lá passaram vários professores de canto popular, no esquema de professores temporários
ou convidados, até que em 2014 foi aberto o concurso para contratar um professor definitivo.
Eu tive a oportunidade de me tornar professora de Canto Popular da UFMG em janeiro e em
março de 2015 comecei a lecionar. Já como professora na Escola de Música da UFMG68
entrevistei meu colega, professor de música popular Mauro Rodrigues, que participou
ativamente da elaboração da proposta de criação da Habilitação em Música Popular. A
entrevista foi realizada em uma sala da Escola.
Na entrevista (concedida a mim no dia 20 de Outubro de 2016, na Escola de Música
da UFMG, em Belo Horizonte), perguntei ao professor Mauro Rodrigues como surgiu a
Habilitação em Música Popular e se ele reconhecia a existência de uma demanda, em Belo
Horizonte, por esse tipo de curso. Segundo ele, a articulação para a criação da Habilitação em
Música Popular nesta instituição começou em 1994.

Mauro Rodrigues - (...) havia dentro da Escola de Música uma visão de que era
necessária a inclusão dos conteúdos de música popular, tanto do ponto de vista de
alguns professores, como do corpo discente. Então a universidade criou, na época, (...)

68
Comecei a trabalhar na UFMG em janeiro de 2015.
120

o programa do artista visitante, que visava trazer pessoas de fora da universidade para
interferir no currículo. (...) O grupo Uakti69 teve por dois anos como contratado, o
Claudio Dauelsberg70, o Rudi Berger71, o Toninho Horta72, o André Mehmari73 (...)
teve um monte de gente assim, que veio aqui através desse programa. Isso interferia na
rotina da Escola trazendo um conteúdo de música popular, e teve também um
programa de professor visitante. (RODRIGUES, 2016)

Esse processo de construção do curso gerou a necessidade de uma reforma curricular.


Havia uma comissão que se reunia para pensar a Musicoterapia e a Música Popular, nessa
época,

Mauro Rodrigues - (...) dai começaram esses projetos que depois foram implantados
com o REUNI74. Esse trabalho evidenciou a necessidade de uma reforma curricular
que coincidiu com a proposta da universidade de flexibilização curricular, porque os
currículos eram muito fechadinhos, só tinha disciplina obrigatória. Quando foi feita a
reforma curricular, o currículo não foi implantado, mas foram criadas as disciplinas de
música popular que eram: arranjo, improvisação e transcrição. (...) então durante um
período de uns três anos a gente experimentou rítmica, por exemplo, que era uma
disciplina, experimentou como dar essas disciplinas, o que significavam essas
disciplinas, qual o funcionamento delas dentro da Grade de Música como disciplinas
optativas. Quando veio o REUNI, a gente já tinha o projeto e já existiam as
disciplinas, então a implantação do curso foi relativamente simples porque já existia
como um percurso optativo. (RODRIGUES, 2016)

Clara – por onde vocês sentiram que havia demanda? Por parte dos alunos, por parte
dos jovens aqui de BH, para criar esse curso de música popular?

69
Grupo mineiro de música instrumental que existiu de 1978 a 2015.
70
Pianista, arranjador, compositor, educador e produtor musical, é professor doutor na UNIRIO.
Disponível em < http://claudiodauelsberg.com.br/ > Acesso em 12 de jul. 2017.
71
Rudolf Berger nasceu em Viena na Áustria. É violinista e compositor. Disponível em:
http://dicionariompb.com.br/rudi-berger/biografia Acesso em: 12 de jul. 2017.
72
Antônio Maurício Horta de Melo nasceu em 1948 em Belo Horizonte (MG). É violonista, compositor,
arranjador e cantor além de ser uma dos participantes do “Clube da Esquina”. Disponível em <
http://dicionariompb.com.br/toninho-horta >Acesso em: 12 de jul. 2017.
73
André Ricardo Mehmari (1977) de Niterói (RJ) é pianista. Em 1998 foi vencedor do I Prêmio Visa de
MPB Instrumental. Gravou com artistas como Ná Ozzetti e Monica Salmaso, além de gravar e
participar em diversos outros CDs. Disponível em
< http://dicionariompb.com.br/andre-mehmari/discografia > Acesso em: 12 de jul. 2017.
74
Ler o projeto do REUNI no ANEXO 6.
121

Mauro Rodrigues – (...), por exemplo, o pessoal que vinha estudar sopros: saxofone,
trombone, trompete, o campo de trabalho para esse pessoal, com repertório da música
erudita é: ou ser concertista ou trabalhar numa orquestra. Belo Horizonte nessa época
[só] tinha uma orquestra e os lugares estavam [ocupados] (...) então, o resultado disso
é que eles ficavam estudando uma coisa e na hora de ir para o campo de trabalho eles
iam para outra coisa, iam tocar nos conjuntos. (RODRIGUES, 2016)

Como sou a professora de canto popular da UFMG, darei meu depoimento pessoal
para relatar sobre o ensino de canto popular nesta instituição. Posso resumir minha formação
em música e em canto, até antes de minha entrada na UFMG em 2015, em quatro pontos mais
significativos: 1) meus estudos de canto com a professora Clarisse Szajnbrum, por dezessete
anos consecutivos, entre 1981 e 1997; 2) minha formação acadêmica – graduação em Música
Popular na UNIRIO, Mestrado em Música na UFRJ e doutorado em andamento na UNIRIO;
3) a participação no grupo de estudos da voz, o GEV-RJ, desde 1990; e finalmente, minha
carreira de cantora de música popular, que se iniciou oficialmente em 1981.
Pelo contato que tive com os estudantes de música popular da UFMG percebi que
grande parte deles já desempenha a função de músico, com seus instrumentos e/ou com sua
voz, em graus diferentes de profissionalismo, em bandas, grupos, como solistas,
compositores, arranjadores, regentes e etc. O curso universitário veio então para eles para
aprofundarem o nível de conhecimento, facilitar a profissionalização e em alguns casos, como
uma etapa para uma possível carreira universitária de professor e/ou pesquisador.
Ao entrar na UFMG, esperava ter turmas de Performance e de Prática de Conjunto,
pela indicação dos conteúdos das provas do concurso que realizei. Mas, logo na primeira
reunião com os professores de Música Popular, percebemos que havia uma demanda de
alunos para que eu abrisse uma turma da disciplina Grandes Grupos Instrumentais (GGI), pois
havia uma grande quantidade de alunos (cerca de dez), que participava do GGI com o grupo
da Big-Band, sem muita oportunidade de cantar, pois os temas musicais realizados pela Big-
Band eram mais instrumentais do que vocais.
Foi proposto também que eu abrisse uma turma chamada Grupo Vocal, para tentar
atrair alunos que estivessem interessados em cantar em grupo, ou mesmo grupos de alunos
que já cantassem juntos, para os quais eu poderia dar orientação. Comecei então a dar aulas
no primeiro semestre de 2015, ministrando as seguintes disciplinas para cantores:
122

Quadro 23 - Disciplinas de canto popular na UFMG/2016:

- Performance em Canto (A, B, C e D).


- Grupo Vocal em Música Popular.
- Prática de Conjunto para Cantor Popular com Banda.
- Grandes Grupos Instrumentais em Canto Popular.

A partir de 2016 adicionei mais uma disciplina, a de Improvisação, direcionando os


estudos para o canto popular, e a partir de 2017 deixei de oferecer as disciplinas de Grupo
Vocal e Prática de Conjunto, mantendo então: Performance em Canto (duas turmas, uma vez
por semana), Grandes Grupos Instrumentais em Canto popular (uma turma, duas aulas por
semana) e Improvisação (uma turma uma, vez por semana), e acrescentando a disciplina de
Iniciação à Pesquisa, a partir de 2018.
Logo no começo do trabalho com as disciplinas de canto popular na UFMG, desde
2015, propus aos alunos que a escolha do repertório fosse feita de uma forma relativamente
livre, deixando que eles selecionassem as músicas a partir das épocas da música popular
brasileira ou de temas gerais. Dessa forma fui conhecendo os alunos e experimentando
soluções de escolha de repertório para o curso. Ao fim dos semestres montamos shows com
os cantores e músicos convidados, no caso das disciplinas só de cantores, e com cantores e
músicos da própria disciplina, no caso da disciplina Prática de Conjunto. Os temas escolhidos
nesses períodos (2015 - 2016) foram:

Quadro 24 - Lista de temas escolhidos na UFMG para as aulas com o canto popular:

- A religiosidade musical brasileira.


- A música de Tim Maia.
- A música caipira.
- A música nordestina.
- Os musicais de Chico Buarque.

A partir do primeiro semestre de 2017, decidi que a disciplina de Performance seguiria


um plano de aulas em que o repertório escolhido passasse por diversas épocas, movimentos e
123

gêneros da música popular brasileira. No Quadro 25 apresento o conteúdo atual de repertório


das aulas para os quatro semestres obrigatórios da Performance em Canto Popular:

Quadro 25 – Repertório da Performance em Canto Popular na UFMG a partir de 2017:

- 1º semestre: foco de estudos na música popular cantada na primeira década do


século XX, de 1901 a 1945, passando por três momentos principais: 1) a modinha e o
Lundu (1901 a 1916); 2) o samba e a marchinha (1917 a 1928); 3) a Época de Ouro
do rádio (1929 a 1945).

- 2º semestre: foco em dois momentos principais da música cantada: 1) o Baião e a


Fossa (1946 a 1957); 2) a Bossa Nova (1958 a 1972).

- 3º semestre: foco no repertório dos movimentos musicais pós-bossa nova; na era


dos festivais; e nos movimentos musicais como a Jovem Guarda, a Tropicália, o
Clube de Esquina, a Onda Nordestina, Novos Baianos e outros.

- 4º semestre: foco nos movimentos musicais dos anos 1980 até a produção
contemporânea: 1) o BRock dos anos 1980; 2) o Caipira e o Sertanejo; 3) o Brega; 4)
a música Soul: Rock, Reggae, Rap, Heavy-metal, Funk; 5) o Pagode e o Axé.

Quando entrei para a UFMG já havia entrevistado a professora Daniela Gramani da


UFPB e assistido o show de final de semestre de seus alunos e estava imbuída da ideia de
realizar shows com meus alunos. Além disso, logo que comecei a dar aulas os próprios alunos
pediram para cantar em um show de final de semestre.
O primeiro show que montamos foi no palco da Praça de Serviços, no campus da
UFMG, onde há uma lona a exemplo da lona da de um circo, que fica permanentemente
montada servindo para diversos tipos de atividades. Juntamos todos os alunos de canto (das
diversas disciplinas), o que causou certa confusão, apesar de ter dado certo. Já no segundo
semestre, com mais experiência, começamos a planejar as apresentações logo no começo do
semestre para evitar as dificuldades enfrentadas anteriormente. Realizamos três shows ao
todo, com as turmas de: Grandes Grupos Instrumentais em Canto Popular (GGI CP); de
Grupo Vocal e de Prática de Conjunto.
124

Realizar três shows no final do mesmo período letivo despendeu muito tempo para os
ensaios diminuindo assim o tempo de aula para outros conteúdos do programa. Já em 2016
resolvi montar os shows somente no final do ano, para poder concentrar as aulas do primeiro
semestre nos conteúdos das disciplinas. Mesmo assim, a vontade de cantar em cena foi tanta
que acabamos fazendo um ensaio aberto, com amplificação sonora, para apresentar o
repertório que trabalhamos no período. No final de 2016, devido à ocupação75 da Escola de
Música pelos alunos, as aulas foram interrompidas no dia primeiro de novembro, impedindo
que nos apresentássemos.
Até agora tive poucas informações com relação a possíveis eventos de preconceito
com os alunos de canto popular ou com relação ao próprio canto popular na UFMG. Mas é
interessante perceber que, com a minha entrada na UFMG, pela primeira vez os alunos de
canto popular utilizaram o auditório da Escola de Música para seus receitais, já que antes
somente os alunos de canto erudito tinham essa prática.

3.3 Conclusões parciais

Percebemos que os relatos coletados durantes as entrevistas apresentadas acima


reforçam não somente a ideia da existência de uma demanda social pelo ensino de canto
popular, mas também a existência de lutas para que o ensino de canto popular ocupe um
espaço de legitimidade institucional. Vejamos:

1) No caso do concurso da UFSJ, quando uma professora de canto popular passou no


concurso que foi pensado para um professor de canto erudito, o problema foi resolvido com a
adaptação da vaga para o ensino de canto popular;

2) A professora da UFPB foi chamada para dar aulas de canto na Licenciatura, mas
por sua insistência e firmeza no propósito de trabalhar com o canto popular, conseguiu tornar-
se professora de Canto Popular no curso de Licenciatura em Música;

3) Na UNILA, o professor Luciano Simões está se adaptando às características do


curso de Canto que parece estar “mais voltado para o canto popular”, e procura resgatar toda a
sua experiência como cantor popular para se adaptar ao novo desafio e, da melhor maneira
possível, trabalhar com o ensino de canto em sua universidade.

75
A ocupação da Escola de Música da UFMG começou no dia 1 de novembro de 2016 e durou até o
final do período letivo. As aulas perdidas foram compensadas nos meses de janeiro e fevereiro.
125

4) Na UFSCar e na UFC as disciplinas de canto popular foram criadas pelas


professoras após já estarem ministrando aulas no curso de Licenciatura.

Com relação ao perfil de estudo dos professores colaboradores da pesquisa há uma


variação entre formações com um perfil mais formal ou mais informal. Na formação
acadêmica dos professores entrevistados, em nível de graduação, verificamos que os
professores de canto popular da UNICAMP, UFMG, UnB, UFSCar, um dos professores da
UNILA e uma das professoras da UFPB fizeram o Bacharelado em Música Popular;
professoras da UFPB, da UFSJ e da UNESPAR se formaram em Educação Musical com
Habilitação em Música; um dos professores da UNILA e da UFBA fizeram seus Bacharelados
em Música e a professora da UFC fez seu bacharelado em Comunicação Visual.
A respeito de sua formação, com relação a cursos de pós-graduação, por exemplo, os
professores da UFBA, UNILA, UFMG, UFPB, UnB e UFSCar têm mestrado em Música. A
professora da UNICAMP fez seu mestrado em Linguística (com tema na canção popular) e
professoras da UnB e uma da UNILA fizeram mestrado em História. Com relação ao
doutorado; as professoras da UFMG, da UFSCar e da UNILA têm doutorado em Música; a
professora da UNICAMP fez doutorado em Linguística (com tema na canção popular); o
professor da UNILA fez seu doutorado em Artes Musicais.
No aspecto da atuação do professor como cantor e em atividades artísticas,
identificamos que todos os colaboradores têm experiências em grupos musicais, corais e
atividades de canto solista (como em shows, gravações de discos, CDs e etc.). Muitas vezes
essa experiência prática começou ainda na infância.
Entre os professores entrevistados a multiplicidade de experiências de ensino,
performances musicais, de produção, de participação em cursos livres de formação e o estudo
institucional em graduações, entre outras, parecem terem se somado para criar o preparo
pessoal necessário ao passo decisivo em direção ao trabalho do ensino superior.
No aspecto da escolha do repertório, observamos que os professores de canto popular
de universidades públicas, por meio de seus programas de aula, aplicam estratégias didáticas
diversas para apresentar o repertório da música popular a seus alunos. Apesar da inclusão no
currículo dos principais movimentos musicais urbanos da música brasileira do séc. XX76 ser
quase unanime, há diversidade na maneira de apresenta-los aos estudantes. Encontramos
também particularidades regionais em todos os currículos de canto popular que analisamos,
onde houve a adoção de gêneros musicais característicos de cada região. Na UNICAMP, por

76
História musical registrada por pesquisadores e críticos na literatura acadêmica e outras.
126

exemplo, a música produzida pela Vanguarda Paulista, o samba paulista e a música caipira
são estudadas, e na UFPB o forró é um gênero que merece destaque. Nessas escolhas fora do
cardápio nacional, também encontramos abordagens criativas, como a da professora Daniela
Gramani (UFPB), que, durante certo período escolheu a música indígena como assunto para o
começo do trabalho com seus alunos.
Sobre as escolhas que indicam a importância do repertório regional, Albuquerque
comenta que,
Nota-se, por exemplo, que os conteúdos regionais em geral estão representados em parcela
ainda pequena nos currículos. Como podemos verificar, a maior parte dos cursos que
oferece formação em canto popular pauta-se pelo recorte da canção urbana brasileira e
baseia-se no programa desenvolvido na Unicamp. (ALBUQUERQUE, 2017, p. 62)

Já a exclusão da música considerada de cunho comercial do repertório oferecido aos


alunos é generalizada nas disciplinas de canto popular no ensino público de graduação no
Brasil. As exceções estão das aulas da UFMG e da UnB, onde os professores incluem em seus
programas de aula gêneros musicais considerados comerciais ou de massa.
A exclusão de alguns gêneros de música popular brasileira, quando ocorre, parece ser
causada diversos motivos, entre eles: o julgamento por parte do professor sobre o que é bom
ou ruim na música popular brasileira; o entendimento sobre a necessidade de ter um
distanciamento histórico para que o gênero musical possa ser estudado; o não conhecimento
sobre esses estilos de música, dentre outros.
Essa exclusão parece dividir a música popular brasileira em dois grandes grupos: um
grupo de musicas importantes ou boas, que merecem atenção e estudo, e outro, de músicas
ruins, que não merecerem atenção ou estudo e que aparecem em aula somente quando
solicitado pelo aluno. Esse assunto será aprofundado no Capítulo 5.
Sobre as possíveis tensões surgidas pela entrada da música e do canto popular nas
escolas de música, lembramos o que disse o professor Rafael dos Santos, no início deste
capítulo em entrevista que concedeu a Queiroz (2009), sobre a implantação do curso de
Música Popular na UNICAMP em 1989: o fato causou resistência e questionamentos. Os
professores da Escola de Música na época se perguntavam se a música popular realmente
seria um assunto acadêmico e se sim, porque seu ensino deveria ser desvinculado do ensino
de música erudita. Recentemente ouvi o comentário – a música é uma só - a respeito dessa
discussão na área do ensino de música, entre professores de música, e verifico que essa
polêmica não parece ter sido superada até hoje.
Pode haver também uma disputa por espaço físico: entram mais professores e muitas
vezes ou não há espaço sobrando na escola, ou, por algum motivo o compartilhamento do
127

espaço que existe é dificultado. Às vezes também pode haver um misto de desconhecimento e
desrespeito em relação ao aluno de canto popular, pois parece pairar sobre ele certa
desconfiança à respeito de sua capacidade musical. Muitas vezes o aluno de canto popular é
julgado por colegas e professores com parâmetros que não são os principais em sua prática: a
destreza em leitura melódica e harmônica e a escrita de partituras.
Percebemos também que a situação do estudante de canto popular, com relação a seu
local de estudo e aos seus colegas, é diferente em cada universidade, e essas diferenças, em
certa medida irão fazer com que a reação do meio com relação à sua presença seja diferente
também. Na UNICAMP, onde o ensino de canto popular é mais consolidado, a professora não
percebe preconceito, já na UNILA, onde os alunos estudam canto popular e erudito ao mesmo
tempo, e aonde 80% dos alunos vêm da área da música popular e pretendem continuar no
canto popular, a professora não percebe nenhum tipo de preconceito.
Um dos aspectos didáticos mais constantes no ensino de canto popular nas
universidades é a montagem de espetáculos no final de semestre ou do ano letivo, onde os
alunos são avaliados pelos professores e vivem a experiência de cantar em público, além de
cuidarem de diversas etapas da produção executiva dessas apresentações. No caso dos alunos
recém-ingressados na UFSJ, a professora Valéria Braga propõe que eles façam uma Seresta.
No depoimento da professora Thais Nunes, da UFSCar, podemos verificar que o fato
de haver a prática de montagem de shows no final dos períodos de ensino em quase todas as
disciplinas de canto popular não é uma coincidência e sim a consequência do trabalho
desenvolvido pela professora Consiglia Latorre nos anos em que trabalho na UNICAMP.
Além da influência nos programas de ensino de canto popular, a UNICAMP forma
professores que atuam em diversas universidades do país: UFSCar (uma delas); UNB (os
dois); UNILA (um deles); UFPB (uma delas).
O canto popular está sendo oferecido em seis modalidades de cursos apresentadas no
Quadro 26 (ALBUQUERQUE, 2017):
128

Quadro 26 - Modalidades de cursos com ensino de canto popular:

Bacharelado em Música Voz – Música Popular (Habilitação) – UNICAMP.

Bacharelado em Música Popular (Execução) – UFMG, UNESPAR e UFBA.

Licenciatura em Música (como disciplina) – UFPB, UFSJ, UnB, UFC e UFSCar.

Bacharelado em Práticas Interpretativas em Canto – UNILA.

Licenciatura na Educação à Distância – UFSCar e UnB.

Albuquerque (2017) apresenta um gráfico onde demonstra o aparecimento do ensino


de canto popular nas universidades públicas entre 1989 e 2016, registrando um momento
especial, em torno do ano de 2010, quando quatro universidades – UnB, UNILA, IFPE e UFC
- adotam o ensino de música popular (com canto popular), “todos beneficiados pelo projeto de
reestruturação das universidades, o Reuni, que abre suas portas para o ensino da música
popular.” (ALBUQUERQUE, 2017, p. 37).
Também é interessante observar que quatro universidades públicas federais têm cursos
de música popular, porém não oferecem o ensino de canto popular em seu quadro disciplinar,
são elas: UNIRIO; UFCE; UFRGS e UFPEL (Albuquerque, 2017).
A entrada dos professores nas universidades, apesar de ter sido feita através de
concurso, nem sempre significou um caminho direto para a atividade na disciplina de canto
popular. Em alguns casos houve um caminho complexo e difícil, onde a vontade de um ou de
mais indivíduos foi determinante para que a disciplina de canto popular existisse.
Sobre o ensino de técnica vocal nas disciplinas e cursos, e a utilização de métodos para
esse ensino verificamos que há bastante variedade, tanto no nível de importância dada à
utilização de métodos de ensino como ao tipo de método e de abordagem didática. Já com
relação à realização de espetáculos e shows, parece haver unanimidade sobre a necessidade de
realização e de sua importância didática. No Capítulo 5 serão realizadas discussões a respeito
dos temas tratados acima.
129

CAPÍTULO 4 – ANTES E ALÉM DA UNIVERSIDADE

Este capítulo traz informações sobre assuntos e eventos relacionados ao ensino de


canto popular que ocorrem no âmbito externo à sala de aula do ensino universitário. Esses
eventos se relacionam também com o professor de canto popular autônomo, a situação do
professor antes de sua atuação docente no ensino universitário. Trataremos também dos
assuntos e eventos que ocorrem além do ensino público universitário de canto popular.
Por meio de relatos e análises incluídos neste capítulo pretendemos contribuir para o
conhecimento das principais características da área de ensino de canto popular no Brasil.
Verificamos que os professores de canto popular, universitários ou não, se encontram em
espaços de estudo e trocas de informações, em congressos acadêmicos, em grupos de estudos
e de pesquisas, em listas de discussão, entre outros. Chamaremos esses lugares de encontro de
Espaços de Mediação.
De acordo com o Dicionário Aurélio1, a palavra mediação pode significar: Dividir ao
meio; Intervir acerca de; Ficar no meio; Passar-se (entre dois fatos ou duas épocas).
Refletindo sobre o sentido de espaços que ficam no meio e entre, propomos o conceito de
Espaços de Mediação para discutir sobre os espaços que existem além da sala de aula, onde
ocorrem articulações e trocas entre professores de canto universitários, autônomos e outros
profissionais e estudantes da área da voz cantada.
O conceito de mediação tem sido utilizado por diversos autores. Processos de
mediação podem ser realizados por agentes que atuam como facilitadores entre obras de arte e
o público, como no exemplo onde Coutinho (2013) trata a questão da mediação com relação à
cultura e ao acesso a ela. A autora discute a formação de educadores como mediadores
culturais, especificamente sobre a formação daqueles educadores que estão atuando onde
existem ações educativas em centros culturais e em museus.

O campo das práticas de mediação cultural que trato aqui é o campo que lida com o
segmento exclusivo da alta cultura, ou seja, com obras de arte, objetos e bens culturais
patrimoniais que se colocam em exposição em museus e centros culturais. (COUTINHO,
2013, p. 152)

Em seu livro Dos meios às mediações: comunicação, cultura e hegemonia, Jesús


Martin-Barbero utiliza o conceito de mediação para investigar os processos políticos e sociais
dos anos 1970 a 1990, fase de regimes autoritários e de lutas de libertação na América Latina,

1
Disponível em <https://dicionariodoaurelio.com/busca.php?q=media%C3%A7%C3%A3o> Acesso
em: 6 de maio 2017.
130

(...) processos de constituição do massivo para além da chantagem culturalista que os


converte inevitavelmente em processos de degradação cultural. E para isso, investigá-los a
partir das mediações e dos sujeitos, isto é, a partir das articulações entre práticas de
comunicação e movimentos sociais. (MARTÍN-BARBERO, 1997, p. 17)

Por sua vez, Gomes (2001) analisa os problemas levantados por Hermano Viana em
seu livro O Mistério do Samba onde este autor discute sobre a passagem entre dois momentos
da história do samba no Brasil: o primeiro quando este gênero musical é perseguido e
criminalizado e o segundo quando ele é alçado a símbolo da cultura nacional do país. Vianna
argumenta que nesse processo os sujeitos chamados por ele de mediadores culturais teriam
criado uma ponte entre a cultura popular e a cultura de elite, possibilitando a mudança acima
indicada.

Para Hermano Vianna, o samba teria sido elevado ao status de símbolo nacional favorecido
por um contexto cultural (não situado temporalmente de forma clara, mas aparentemente
delimitado entre as décadas de 1910 e 1930) em que ganhava força o interesse por “coisas
nacionais”. Beneficiando-se deste interesse, o samba teria chegado à sua condição atual, o
que teria sido possibilitado na prática pela ação de “mediadores culturais”, que levariam
fragmentos da “cultura popular” a uma “cultura de elite” que desconheceria em boa parte os
elementos desta “cultura popular”. (GOMES, 2001, p. 526)

Em nossa pesquisa estamos chamando de Espaços de Mediação aos lugares de


encontro entre profissionais da voz cantada, espaços de estudo e pesquisa que existem por
iniciativa dos próprios indivíduos, com apoio institucional ou não. Encontramos, a partir de
nossa investigação, diversos Espaços de Mediação onde os professores de canto, estudantes,
cantores e profissionais da voz cantada e falada se encontram. São eles: grupos de estudos e
pesquisa; associações profissionais; encontros acadêmicos e listas de discussão sobre a voz
cantada. Este assunto será abordado com mais detalhes no item 4.8 deste capítulo.

4.1 O ensino de canto popular no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE)

Vamos iniciar o capítulo informando sobre o ensino de canto popular no Instituto


Federal de Pernambuco, o IFPE Campus Belo Jardim, onde também há ensino de canto
popular no nível de graduação. Segundo Albuquerque (2017, p. 53) “O curso de Licenciatura
em Música, do campus de Belo Jardim, cidade conhecida como ‘Terra dos Músicos’, foi
implementado após o assunto ser debatido dentro da comunidade e escolhido unanimemente
dentre todas as propostas apresentadas”.

O curso de Licenciatura em Música é ministrado no sistema acadêmico flexível (sistema de


créditos), através do qual o estudante cursa o mínimo de 142 créditos para integralização do
curso, distribuídos ao longo de um período mínimo de quatro anos e máximo de oito anos,
incluindo obrigatoriamente o estágio supervisionado. (ALBUQUERQUE, 2017, p. 54)
131

Uma das formações disponibilizadas no IFPE é a de canto popular, com seis vagas
anuais, entre as quarenta e cinco vagas disponibilizadas anualmente. As disciplinas
obrigatórias do curso são: Fisiologia da Voz; Expressão Cênica e Instrumento/Canto de I a
VIII (ALBUQUERQUE, 2017). A proposta de repertório do curso é bem ampla e segue o
padrão dos movimentos musicais registrados na bibliografia crítica que vem sendo utilizada
também pela maioria dos professores das universidades pesquisadas, qual seja,

(...) repertório da música popular brasileira do período de 1930 a 1945, com a renovação do
samba e os cantores do rádio, música regional, samba-canção, marchinhas carnavalescas,
samba, sambas de breque, sambas sincopados, jazz, bossa nova, cantoria, canções dos
Festivais da Canção, canções em espanhol, movimentos ocorridos na época da ditadura
militar no Brasil, canções dos Novos Baianos, movimentos regionais a partir da década de
70, canção em outro idioma de livre escolha, samba novo, brega, rock nacional, canção de
musical nacional ou internacional, músicas do final do século XIX, modinhas e lundus.
(ALBUQUERQUE, 2017, p. 55)

4.2 Ensino básico, técnico e profissionalizante.

Apresentarei agora algumas informações relativas ao ensino de canto popular no


ensino público a nível básico, técnico e profissionalizante. A professora Thais Nunes
(UFSCar), em sua entrevista, nos informou que o ensino de canto popular em universidades
particulares e em conservatórios de São Paulo conta com bons profissionais em seus quadros
docentes. Ela citou universidades particulares, o Conservatório de Música de Tatuí2 e a Escola
de Música do Estado de São Paulo (EMSP – Tom Jobim) 3.
No quadro abaixo enumero alguns espaços, além dos cursos de graduação em
universidades públicas federais, onde professores atuam com ensino de canto popular. No
Quadro 27 darei informações sobre cada um dos itens elencados:

2
O Conservatório chama-se oficialmente Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos C,
mas é conhecido nacionalmente como Conservatório de Tatuí. Foi criado por lei estadual em 13 de abril
de 1951 e fundado oficialmente em 11 de agosto de 1954. Disponível em
<http://www.conservatoriodetatui.org.br/quem-somos/> Acesso em: 6 de maio 2017.
3
A trajetória da EMESP Tom Jobim teve início em outubro de 1989. O reitor e primeiro presidente do
conselho foi o compositor Antonio Carlos Jobim. Por um longo período foi conhecida como
Universidade Livre de Música (ULM) e teve sede no bairro do Bom Retiro. Em 2001, com a
transferência das atividades de Bom Retiro para o prédio localizado na Luz, a Escola foi rebatizada
como Centro de Estudos Musicais Tom Jobim e, posteriormente, com o seu nome atual: Escola de
Música do Estado de São Paulo – Tom Jobim (EMESP Tom Jobim). Em 2009, a Organização Social
Santa Marcelina Cultura passou a administrar a Escola. Foram realizadas melhorias no espaço físico,
qualificação das relações trabalhistas (pela efetivação e contratação de professores, por processo
seletivo e em regime da CLT) e a estruturação de uma nova proposta pedagógica, com ênfase nas aulas
de instrumento e na prática coletiva de música. Disponível em
<http://emesp.org.br/escola/historiaemesp#.WQyo87IrLIU> Acesso em: 5 de maio 2017.
132

Quadro 27 – Listas de espaços de ensino de canto popular fora das universidades públicas:

1) Ensino básico, técnico e profissionalizante.


2) Conservatórios de Música.
3) Escolas Municipais.

Não apresentaremos um quadro completo de ensino de canto popular no ensino básico,


técnico e profissionalizante, iremos apenas indicar alguns exemplos escolhidos para ilustrar
esse ensino. Um deles é escola estadual EMESP Tom Jobim. A professora Thais Nunes
chegou a dar aulas lá por um período e comenta que os alunos eram pessoas que já estavam
atuando no mercado de trabalho, como cantores de bandas e de jingles.
Atualmente a EMESP tem três professores de canto popular que trabalham com a
música brasileira, são eles: professora Andrea dos Guimarães que dá aulas lá desde 2008;
professora Magali Mussi e o professor Zé Luiz Mazziotti. Andrea ressalta que os três
trabalham com abordagens didáticas diferentes, ela e a professora Magali Mussi trabalham
com base no repertório da música popular brasileira, mas a professora Magali Mussi tem um
foco maior no trabalho de coaching (que também exerce fora da escola), preparando o aluno
para programas de TV, gravação em estúdio, e com jingles. Já o professor Zé Luiz Mazziotti,
por ter uma longa vivência com a profissão de canto popular, aborda o ensino de uma forma
mais prática.

Andrea dos Guimarães – (...) é uma vivência prática. Ele nunca estudou técnica na
vida dele, então toda a forma como aborda com os alunos é em cima da interpretação,
é de uma maneira bem livre, ele sempre se baseou na prática (...) (GUIMARÃES,
2017)

A EMESP foi a primeira escola pública de que temos notícia a ter o ensino de canto
popular em seu quadro de disciplinas. De acordo com Queiroz (2009), essa novidade teria
influenciado a decisão dos professores da UNICAMP a criarem seu curso de música popular
em 1989.
133

4.2.1 O ensino de canto popular na CEP- BEM

Nesse subitem, vamos apresentar informações sobre o ensino de canto popular no


Centro de Educação Profissional Escola de Música de Brasília CEP-EMB4, principalmente
por meio de duas entrevistas que realizei com a professora de canto popular Maria de Barros
Lima, quando nos encontramos na cidade de Natal (RN), na ocasião em que participávamos
de uma banca do concurso público para contratar um professor de canto popular para a Escola
de Música da UFRN.
Durante dez anos Maria de Barros Lima coordenou o Núcleo de Canto Popular
daquela instituição. A CEP-EMB é uma escola ligada à rede pública e à educação
profissional, com os níveis básico e técnico. A oportunidade de trabalhar com a professora
Maria de Barros não podia acontecer em melhor hora. Durante meu mestrado li a dissertação
escrita por ela, sobre o ensino formal e informal na Escola de Música de Brasília. E na ocasião
de meu doutorado, fiz questão de reler seu trabalho5. O convívio durante o concurso deu rosto
e personalidade à escritora, e me deu a oportunidade de entrevistá-la pessoalmente,
permitindo também que eu presenciasse o trabalho de uma educadora experiente na área de
ensino de canto popular. Relatarei a experiência de minha participação na banca do concurso
da UFRN no item 4.5 deste capítulo.
Na CEP-EMB, o ensino de canto popular começou em 1991 e logo tomou proporções
de departamento, pois foram contratados vários professores devido a enorme quantidade de
alunos. A professora de canto popular Maria de Barros Lima (em entrevistas concedidas a
mim nos dias 15 e 16 de Setembro de 2017, no Hotel Praiamar, em Natal - RN) declarou ter
percebido naquela época que havia uma demanda local por esse ensino,

Maria de Barros Lima – (...) muita gente vinha procurar [dizendo] - eu já canto, eu já
tenho essa prática – vinham em busca de formação (...) eu acho que eles queriam um
lugar para encontrar os seus iguais, encontrar a sua galera, falar sobre aquilo que eles
faziam. (LIMA, 2016)

Em 1990 ela recebeu a incumbência de ministrar as aulas de canto popular, pela


necessidade eminente e por ser a professora com mais experiência no assunto. Na época já
havia um núcleo de música popular recém-começado, mas tinha apenas os professores de
bateria, piano popular e guitarra.

4
Fundada em 1963 e seu primeiro diretor (1963-1985) foi o maestro Levino de Alcântara. Disponível
em <http://www.emb.se.df.gov.br/cepemb/historico#heading1> Acesso em: 2 de jan. 2017.
5
Sua dissertação faz parte de minha revisão de literatura, no Capítulo 2.
134

Na CEP-EMB também foram realizadas reuniões e conversas entre professores para


tomar as decisões sobre que tipo de currículo adotar. Os professores elaboraram então
ementas para cada semestre definindo um repertório básico, considerando tanto gêneros da
música brasileira como aquisições técnicas a serem desenvolvidas pelos alunos. Ao entrar na
escola o aluno passa por uma avaliação e no caso de ser considerado mais adiantado, já é
encaminhado para um nível superior do curso.
A professora (aposentada em 2011), além de dar aulas de canto popular, foi
coordenadora do Núcleo de Canto Popular da CEP-EMB de 1991 a 2011. A respeito da
escolha do repertório para o estudo dos alunos, perguntei se eles têm liberdade de escolha ou
se o repertório é previamente determinado. Maria explicou que eles trabalham com uma
coleção de repertório feito a partir de Songbooks. Para isso são escolhidas as canções da
música popular brasileira que a escola considera que um aluno do nível técnico deveria saber.
Maria utilizou o termo Standards da MPB, para indicar qual seria o repertório
escolhido, e explicou que muitos dos músicos que estavam e ainda estão no Núcleo de Música
Popular da escola estudaram nos Estados Unidos e fizeram cursos ligados ao jazz e já tinham,
no curso de guitarra, por exemplo, uma lista de Standards do jazz escolhidos à la Real Book6,
à la universidades americanas.
No caso do Núcleo de Canto Popular a maior parte das músicas era dos Songbooks do
Almir Chediak7, mas tinha também uma produção de professores da escola que escreveram e
cifraram o repertório que não encontravam já escritos.

Maria de Barros – (...) é um trabalho que está sempre em andamento porque, a gente
não conseguiu abarcar tudo que queria e duvido que chegue o dia em que se consiga
isso. (LIMA, 2016)

Minha curiosidade foi a de saber quais as músicas que estavam incluídas neste Real
Book. Os professores escolhiam o repertório que consideravam relevantes dentro da história
da música popular brasileira. De forma provocativa perguntei se a música Segura o Tchan
havia sido escolhida. A resposta foi negativa. Maria explicou que as escolhas se baseavam nos
Songbooks e que quando queriam algo que não estava escrito, em geral eram escolhidas

6
“O livro surgiu nos anos 70 a partir de uma necessidade dos músicos da época, mais especificamente
para os que estudavam na Berklee College Of Music (...) O Real Book veio para padronizar as
partituras, logo todos teriam a mesma versão.” Disponível em
<http://trocaodisco.com.br/2016/04/jazz.html> Acesso em: 30 de ago. 2017.
7
Almir Chediak (1950-2003) publicou uma coleção de Song books de mais de 25 livros com o
repertório da música popular brasileira. Disponível em <http://www.lumiar.com.br/abertura/intro_.htm>
Acesso em: 16 de nov. 2016.
135

canções consideradas mais nobres, a exemplo das canções do Clube da Esquina e do Egberto
Gismonti,

Maria de Barros – (...) mas não, Segura o Tchan nunca, não consigo ver o pessoal
escrevendo. (LIMA, 2016)

Os professores da CEP-BEM consideram relevante que o repertório estudado pelos


alunos esteja escrito em uma partitura, com a melodia e a cifra, para que o aprendizado esteja
ligado também à leitura melódica e harmônica. As marchinhas do Braguinha estão incluídas e
também foram transcritas música do mundo pop.
Também perguntei sobre a possível existência de tensões entre os colegas, com a
chegada do canto popular na Escola. Certas tensões as quais o aluno de canto popular pode
estar exposto ao entrar em uma escola de longa tradição na música erudita tradicional.
Segundo Maria de Barros, a grande demanda8 pelo ensino de canto popular na CEP-BEM tem
garantido a continuidade do ensino e as conquistas realizadas na área da música popular.
Em seu início o Núcleo de Canto Popular ocupou um espaço que já pertencia ao
ensino de canto erudito e a disputa pelo espaço físico foi acirrada, fazendo com que os
professores de canto popular tivessem que trabalhar em espaços variados e sem estrutura, um
depósito próximo ao auditório, uma sala sem piano, até conseguirem uma sala própria e
depois a aparelhagem de som tão necessária ao trabalho. Dessa forma, através das conquistas,
a professora avalia que o Núcleo de Canto Popular foi marcando sua posição e ganhando
legitimidade.

4.2.2 O canto popular na Escola de Música da UFAL

Depois de fazer contato, através de redes sociais, com a professora Marilene da Silva
Costa, da Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), enviei um
questionário que foi respondido por ela e devolvido para mim no dia 13 de março de 2017.
A professora Mari da Costa, como gosta de ser chamada, mora em Maceió e dá aulas
na Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), onde é professora
substituta da disciplina de Canto Popular. Atualmente tem oito alunos e ministra aulas
coletivas com até quatro alunos por turma. Quanto a sua formação ela destaca que estudou
canto erudito com a professora Maria de Fátima de Brito e fez Pós em Educação Musical e
Ensino de Artes, além de ter frequentado vários cursos de extensão. Porém considera que sua
principal escola no canto popular foi sua vivência de quase vinte anos com o canto popular.
8
O número de candidatos para o curso pode chegar a 190 estudantes.
136

A professora está frequentando o Curso Técnico de Arte Dramática, e pretende que as


disciplinas que cursa a capacitem para atividades complementares ao canto como a direção
cênica; técnica e expressão vocal para atores; expressão corporal entre outras. Mari da Costa
começou a ministrar aulas de canto em 2012, no programa PRONATEC do Governo Federal.
Com relação à utilização de métodos de ensino ou livros que a orientassem para a didática no
canto popular ela cita os livros e trabalhos de Diana Goulart; Regina Machado; Luiz Tatit;
Clara Sandroni; Tutti Baê; Irmãos Vitale9; Johan Sundberg; Cris Delano; Jairo Severiano;
Tinhorão; Zuza Homem de Melo; Mara Behlau e Silvia Pinho10, dentre outros.
Com relação ao repertório musical para o trabalho com seus alunos a professora segue
a ementa do projeto do curso, seguindo a linha temporal da história da música popular
brasileira indo dos anos 1930 aos anos 1980. O processo de escolha do repertório é
participativa:

Mari da Costa – (...) antes da escolha do repertório estudamos um pouco da história


daquele período, seus compositores e intérpretes, assim os alunos conseguem ter uma
contextualização e a partir disto, juntos, vamos construindo o repertório dentro do
respectivo período proposto. (COSTA, 2017)

A professora Mari da Costa considera que não tem sido fácil trabalhar na área de canto
popular dentro da escola, apesar de todo o apoio que recebe da estrutura educacional,
principalmente por estar ainda no início. Apesar de considerar que em sua cidade há bons
profissionais, ela acha que falta um conhecimento sobre a utilização correta da voz e dos
cuidados com a saúde vocal.

4.2.3 O canto popular na Escola de Música da UFPA (EMUFPA)

A professora Joelma de Almeida e Silva Bezerra realizou o concurso para a vaga de


professora de canto popular na UMUFPA em abril de 2014, foi nomeada e empossada em
janeiro de 2015. Tive a oportunidade de conhecer a professora Joelma Telles (nome artístico)
durante o referido concurso, pois participava da banca. Na situação do concurso não pude
conversar pessoalmente com a candidata, mas assisti atentamente suas provas e percebi nela um
grande potencial para o cargo que pleiteava.

9
É a mais tradicional editora de música brasileira, criada em 1923, sediada atualmente em São Paulo.
Disponível em < https://www.vitale.com.br/institucional/editora.asp > Acesso em: 9 de jul. 2017.
10
Fonoaudióloga, do Instituto da Voz Silvia Pinho (INVOZ), São Paulo. Disponível em
< https://www.facebook.com/invoz > Acesso em: 9 de jul. 2017.
137

Joelma Telles (em entrevista concedida a mim via e-mail, no dia 4 de fevereiro de 2017,
da cidade de Belém - PA) contou que aprendeu a cantar ouvindo música em fitas cassete e no
rádio, onde os grandes intérpretes da MPB cantavam e tocavam. Essas teriam sido suas aulas.
Por meio do rádio conheceu cantores e músicos e cita Dalva de Oliveira, Carmen Miranda,
Aracy de Almeida, Elis Regina, Zizi Possi, Jane Duboc, Fafá de Belém, Nana Caymmi, Maria
Betânia, Gal Costa, Rita Lee, João Bosco, Chico Buarque, Gilberto Gil e muitos outros.
Com pais músicos11, Joelma fez sua primeira graduação em Ciências Econômicas pela
União das Escolas Superiores do Pará (UNESPA), concluído em 1992, e em seguida cursou a
graduação em Educação Artística – Habilitação em Música na UFPA, concluída em 1997. Seu
Mestrado foi em Artes, pelo Programa de Pós-graduação em Artes da UFPA
(PPGARTES/UFPA), concluído em 2015.
Sua atividade musical começou ainda na escola onde cantava acompanhada por seu
violão. Ganhou muita experiência com sua colaboração no Coro Cênico com a professora Ana
Maria Souza, de quem se tornou assistente. Para colaborar ainda mais com seu trabalho junto
ao coral, migrou do violão para o estudo do piano, com o professor Altino Pimenta.
Joelma Telles também frequentou cursos em Belo Horizonte: de técnica vocal com
Ataulfo Nascimento (técnico vocal do famoso coral Ars Nova - MG) e de regência com
Ângela Pinto Coelho (maestrina). Participou também de Festivais de Inverno em Poços de
Caldas, São João Del Rey e Londrina, onde teve a oportunidade de estudar e cantar com o
regente coral Marcos Leite.
Em 2015 e 2016, Joelma já estava em plena atividade docente na EMUFPA e lecionou
as disciplinas de Linguagem Musical I e II/ Canto Coral distribuídas em 04 turmas, 01 no
turno da manhã e 03 no turno da tarde. Além disso, em 2015 a professora Joelma e a escola
ganharam experiência, com a criação do projeto de extensão Introdução ao Canto Popular,
para o início das atividades com as disciplinas de canto popular que começaram dois anos
depois, em 2017.
Sobre a literatura lida sobre o canto cita A Técnica da Voz Cantada de Claire Dinville
e os livros da Tutti Baê, Clara Sandroni, Marcos Leite, Cris Delano, além das publicações do
grupo GEV (RJ), entre outros. Sobre a utilização de métodos de ensino de canto a professora
relata não utilizá-los especificamente, mas que, desde 2014 tem lido teses, artigos e livros
sobre o tema, focando no ensino de canto popular, provavelmente por incentivo do concurso
que prestou naquele ano.

11
Sua mãe cantava no coro e seu pai tocava violino “de ouvido”, na Igreja Batista do bairro,
138

Joelma Telles – (...) trabalho com a mostra vocal dos alunos e a partir da escuta dessa
voz, busco (...) as possibilidades de trabalho disponíveis para essa voz. Tento sempre
partir da necessidade mostrada pelo aluno (...). (TELLES, 2017)

Além disso, ela iniciou um trabalho de observação do desempenho dos alunos que, a
meu ver, futuramente poderia se transformar em material didático,

Joelma Telles – (...) em 2015 iniciei um trabalho de observação, estudo e escrita do


perfil de público que busca se candidatar aos projetos de extensão Introdução ao Canto
Popular. Tenho alunos que estão no projeto desde 2015, que agora passaram para o
curso técnico, continuo a observá-los. Tudo que observo, escrevo. Acredito que assim
estarei registrando o passo a passo dessa forma de ensino e da institucionalização do
curso. (TELLES, 2017)

Em 2015 foram abertas 20 vagas para o projeto de Extensão Introdução ao Canto


Popular e em 2016 esse número subiu para 50. O primeiro processo seletivo para o Curso
Técnico de Canto Popular da Escola de Música da UFPA realizou-se em janeiro de 2017. Das
181 inscrições 15 vagas foram preenchidas. Com relação ao repertório a ser trabalhado com o
aluno Joelma cita: balada; pop; rock; samba; bossa-nova; canção e repertório de músicas dos
filmes e musicais da Disney12. Também são estudadas músicas do repertório do pop inglês,
canções em espanhol e versões internacionais de bossa nova e da canção francesa.
De acordo com Joelma a música e o cantor popular deveriam ser mais respeitados no
âmbito acadêmico e as instituições de ensino ainda não estão preparadas para o saber
diferenciado que a música popular proporciona.

Joelma Telles – (...) a convivência em uma mesma instituição do erudito e popular, a


meu ver poderia ser bem mais salutar. (TELLES, 2017)

Completando a resposta e sem que eu tivesse perguntado, a professora relatou


situações de preconceito com o canto popular, na ocasião em que ouviu de outra professora a
seguinte frase: canto popular, minha filha, se aprende no chuveiro, para quê oferecer em uma
escola de música? Joelma pensa até hoje nesta frase e pergunta-se até que ponto as
instituições estão preparadas para inovar e respeitar as diferentes formas de ensino musical. A
professora deixa algumas perguntas no ar, como uma provocação para futuras discussões:

12
Músicas dos musicais produziods pela Disney.
139

Joelma Telles – (...) o quê ou quem define o que é esse canto? A academia, a indústria
fonográfica ou o público que é brasileiro? Vivemos em um país de grandes dimensões
e exigir uma unidade é algo impossível se pensarmos nas inúmeras possibilidades de
gêneros (...) o que diríamos da forma de cantar do sertanejo universitário, do brega,
tecnobrega, da música dita gospel no Brasil, do funk, do pagode, da bossa, do axé e
muitos outros? (TELLES, 2017)

Fiquei impressionada com a quantidade de inscrições para o primeiro curso técnico de


canto popular da Escola de Música da UFPA, 181 inscrições! E achei interessante o conteúdo
do curso ter sido gerado durante a experiência de dois anos no projeto de extensão de
introdução ao canto popular. Quando estive em Belém e participei da banca que escolheu a
professora Joelma Telles para a vaga de professora de canto popular para a UMUFPA pude
perceber o grande interesse que o ensino de canto popular gerava entre os colegas e
candidatos.

4.3 O canto popular em Conservatórios de Música.

Através dos questionários que enviamos para professores de canto popular autônomos,
encontramos algumas informações sobre o ensino de canto popular em diversos
conservatórios de música. Tivemos oportunidade de conversar com a professora Andrea dos
Guimarães, que trabalha no Conservatório de Música de Tatuí, que apresentaremos em
seguida.

a) Conservatório de Música de Tatuí13

A professora Andrea dos Guimarães, da UFSCar, também dá aulas de canto popular


no Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos de Tatuí (SP). Lá o curso tem a
duração de cinco anos e o perfil dos alunos é profissional ou em vias de se profissionalizar.
Os alunos têm aulas de canto individuais e o resto da grade é comum para todos.
Em 2008 todo curso foi reestruturado e uma nova diretoria foi empossada. Todos os
professores foram demitidos para serem recontratados através de um processo seletivo.
Andrea fez e passou no novo processo seletivo, continuando a dar aulas no Conservatório, só
que agora com mais dois professores de canto popular. Quando Andrea começou a dar aulas
em Tatuí, há quatorze anos (2003), o curso ainda era essencialmente instrumental e ela foi a
responsável por montar toda a parte da estrutura das aulas de canto popular.

13
Conservatório Dramático e Musical Dr. Carlos de Campos.
140

Andrea dos Guimarães – (...) na época eu senti uma necessidade muito grande de
abordar a música brasileira porque os alunos que chegavam já cantavam, mas não
conheciam nada de música brasileira, praticamente. Muitos vinham do baile (...)
alguns da música pop, outros da música erudita. Na verdade o [conteúdo do] curso da
UFSCar veio desse curso de Tatuí, que é: abordar o canto popular com enfoque na
música brasileira.

Para determinar o conteúdo do repertório ela começou baseando-se no livro de


Severiano e Melo A Canção no Tempo. A professora estuda com seus alunos os períodos
musicais e alguns dos intérpretes das diversas épocas como: Era do Rádio; Dorival Caymmi;
os compositores e os cantores de samba canção; a música regional nordestina; o samba dos
anos quarenta; a pré-bossa nova e bossa nova; a canção de protesto; os festivais; a tropicália;
o Clube da Esquina. O curso também aborda os compositores e intérpretes dos anos 1970.
Perguntei a Andrea se ela aborda os gêneros musicais chamados de comerciais, a
exemplo da música sertaneja ou do sertanejo universitário, o brega, o romântico, o funk, o
axé, o heavy metal, o rock. A resposta foi negativa. Depois dos anos 1970 a professora aborda
a produção musical da Vanguarda Paulista, e os compositores Guinga14 e Rosa Passos15.
Como o curso do Conservatório de Tatuí sempre foi muito ligado à música
instrumental e principalmente à música do Hermeto Pascoal16, no penúltimo semestre de aulas
a professora trabalha com a voz na música instrumental, fazendo vocalizes e abordando a voz
dentro desta estética, que diz ser completamente diferente da estética da música com letra com
a qual trabalha.

Andrea dos Guimarães – (...) comecei incluindo as composições de Hermeto, mas


também recorro um pouco à obra de Egberto Gismonti, assim como ao choro
instrumental e alguns Standards de jazz que não tem letra, sugerindo aos alunos que
procurem ouvir os trabalhos de cantores que utilizam este recurso das vocalizações
sem palavras.

Os recitais de final de curso são abertos ao público. Antes as provas semestrais eram
feitas na cantina e agora são feitas no Salão Villa Lobos, pois os recitais sempre foram feitos

14
Carlos Althier de Souza Lemos Escobar (1950) é compositor e violonista carioca. Disponível em
<http://www.guinga.com/index.php/about-biografia> Acesso em: 10 de jul. 2017.
15
Rosa Passos nasceu na Bahia e é cantora, compositora e violonista. Disponível em
<http://www.rosapassos.com.br/> Acesso em: 25 de set. 2017.
16
Hermeto Pascoal (1936) nasceu em Lagoa da Canoa, em Alagoas. Disponível em
<http://dicionariompb.com.br/hermeto-pascoal/biografia> Acesso em: dia 10 de jul. 2017.
141

no Teatro Procópio Ferreira ou no Salão Villa Lobos. Neste salão a professora tem acesso a
algum material de som e luz.
A professora Andrea, a professora Ana Malta e o professor Edmo Perandim ministram
aulas para cerca de 40 alunos. O curso de canto em Tatuí está em uma fase de reestruturação.
Começaram a tentativa de abordar o ensino de jazz devido a uma necessidade manifestada
pela área da prática de conjunto. Segundo a professora Andrea, a maior dificuldade dos alunos
de canto popular é conseguir uma inserção adequada nas aulas de prática de conjunto. Ela
vem observando essa dificuldade em diversas escolas onde tem trabalhado, além do
Conservatório de Tatuí, nas Faculdades Sousa Lima17 e Cantareira em São Paulo, e na Escola
de Música do Estado de São Paulo (EMESP Tom Jobim). A professora identifica uma grande
dificuldade dos professores em escolherem músicas com tons e andamentos adequados ao
aluno de canto popular. Cantar fora de sua tessitura ou em um andamento inadequado para a
pronúncia da letra pode ser difícil ou mesmo impossível para o cantor.
Entendi bem o que a professora Andrea disse e me solidarizei com ela. Em minha
experiência profissional com músicos instrumentistas, muitas vezes me deparei com situações
idênticas. É comum os músicos instrumentistas não percebem que o andamento está, ou
acelerado ou lento demais, dificultando a pronúncia adequada da letra por parte do cantor. E
quanto ao tom, é comum que o instrumentista queira priorizar o tom original da composição,
um tom que lhe pareça mais fácil para tocar, ou mais apropriado para seu instrumento. É o
caso do violonista que pode querer evitar o uso de pestanas18, ou que gosta de tocar em tons
que possibilitam o uso de cordas soltas19 como o tom de Mi maior (E), por exemplo.
Já deixei de gravar uma canção porque os compositores exigiam que eu cantasse no
tom em que ela foi composta, mas que era muito agudo para mim. Aparentemente a falta de
conhecimento sobre a voz do cantor faz com que muitos ainda achem que o cantor bom é
aquele que canta em qualquer tom, e isso é uma falácia.
Devido a diversos acontecimentos deste gênero os professores realizaram uma série de
reuniões com a coordenação pedagógica para conseguir que o curso seja interessante para
todo o mundo, e que o cantor se sinta mais a vontade para participar das aulas de prática de
conjunto. A professora considera que ainda há muito preconceito com o cantor popular,
situação que ela está tentando reverter.

17
Faculdade e Conservatório Sousa Lima, desde 1981. Disponível em <https://souzalima.com.br/quem-
somos/5195-2/> Acesso em: 10 de jul. 2017.
18
É o nome da técnica onde se aperta todas as cordas do violão com um dedo só.
19
A corda solta no violão tem mais volume sonoro do que uma que está sendo pressionada pelos dedos
para a formação de um acorde.
142

Andrea dos Guimarães – (...) já que a universidade e outros conservatórios (...)


abriram espaço para que o cantor estude de uma forma sistemática, como todos os
outros instrumentos, a gente tem que abraçar essas pessoas, e não cada vez mais minar
a vontade delas estudarem. O cantor realmente pode ter mais dificuldade em entender
harmonia. Se ele não toca um instrumento harmônico ele vai ter mais dificuldade, mas
ele está lá para isso, para estudar, então enfim, (...) é sempre uma luta.

Andrea lembra que ainda há, da parte dos cantores, um desinteresse em aprender
harmonia ou escrita e leitura musical, com a desculpa de que cantar já bastaria, já seria
suficiente para seguir sua carreira profissional. Comenta também sobre a posição dos
instrumentistas com relação ao cantor que, frequentemente, durante eventos artísticos, podem
se sentir em segundo plano, ao perceberem que a atenção do público e da mídia é direcionada
ao cantor, quando está em cena, pois muitas vezes o cantor é identificado como o protagonista
daquele evento. Segundo ela,

Andrea dos Guimarães – (...) existe um ranço sabe, é uma besteira na verdade, (...)
pode ser que historicamente isso faça sentido, há muito tempo atrás, como os cantores
tratavam os instrumentistas que os acompanhavam e tudo mais, mas acho que agora as
coisas estão mudando não é?

Andrea relata que tem visto mais cantores interessados em estudar e que acha que a
escola deve ser um lugar onde exista mais generosidade, onde se entenda qual é a
especificidade de cada instrumento, da voz, pois considera estes conflitos como uma guerra
desleal.

Andrea dos Guimarães – (...) dentro de uma aula de prática de conjunto tem muito
mais instrumentistas do que cantores, muito mais gente que detém um conhecimento
parecido. Vamos pensar assim, se puser um guitarrista, um pianista e um baixista, eles
já lidam há mais tempo com a harmonia do que o cantor e o baterista.

Relato para ela sobre as soluções que encontramos na UFMG, onde criamos uma
disciplina de prática de conjunto específica para o cantor popular e músicos instrumentistas,
para que todos possam aprender a trabalhar juntos, dialogando sobre suas dúvidas e
dificuldades. Andrea então comentou que durante as conversas que os professores estão tendo
em Tatuí, o coordenador pedagógico pensou no mesmo tipo de solução, a criação de uma
disciplina de prática de conjunto focada na performance do cantor popular.
143

Outro problema que a professora identifica é a insistência em que o aluno faça


improvisos vocais, como um estudante de instrumento, independente do nível de estudos que
o cantor já tenha desenvolvido. Ela relembra que há poucos exemplos de cantores de música
popular brasileira que praticam o improviso, e por isso, o estudo e desenvolvimento deste
recurso podem ser mais demorados para o aluno de canto.
Mais uma vez relatei a ela minha experiência na UFMG, onde criamos uma disciplina
de improviso para o cantor popular. Como não há material didático para ensino de improviso
vocal na música popular brasileira, comecei baseando-me na dissertação da Lívia Nestrovski,
sobre o canto da Leny de Andrade20. A autora situa o início do improviso no canto popular
brasileiro com a Leny, que se manteve fiel ao scat singing, como a Elza Soares. Segundo ela a
maioria dos outros cantores adaptou esse improviso para uma linguagem nacional utilizando
sonoridades como sabadabadas e ziriguiduns. Este teria sido o caminho nacional do que
improviso no canto popular brasileiro.
Comentei também sobre a utilização do jazz como conteúdo de ensino nas escolas de
música no Brasil, e do meu espanto ao ouvir de um professor de música que o jazz seria um
estilo de música brasileira, no mesmo nível que a bossa nova, o samba, e a Era do rádio, por
exemplo.

A preocupação de Andrea é com o entendimento e o diálogo.

Andrea dos Guimarães – (...) a gente pode não pensar todos da mesma forma, mas
vamos conseguir chegar a um lugar onde a gente dialogue um pouco, com o nosso
pensamento musical e tudo mais, e que fique equilibrado.

Um dos motivos das reuniões entre os professores do Conservatório de Tatuí é uma


divergência entre o próprio corpo docente de canto popular. O assunto parece ter começado
quando um dos professores levantou a questão de que a escola deveria preparar o aluno para o
mercado de trabalho.
Para a professora Andrea dos Guimarães primeiro seria necessário travar uma
discussão sobre qual é esse mercado de trabalho. Como professora, ela sempre tentou dar um
embasamento para os alunos no âmbito da música popular brasileira, para que eles tivessem
condições de cantar um repertório diferente do que é cantado nas bandas de Baile. Sua

20
Leny de Andrade Lima (1943). Cantora. Disponível em < http://dicionariompb.com.br/leny-andrade>
Acesso em:10 de jul. 2017.
144

experiência é a de receber diversos alunos com problemas vocais causados pela prática de um
repertório inadequado, fora da tessitura, e de estilos muito variados.
Ela sempre se chocou com o fato de os alunos que chegavam para estudar não
conhecerem nada de música brasileira. Diante disto ela se pergunta - que tipo de mercado de
trabalho é esse? É um mercado de trabalho que vai cantar jazz? Que vai cantar rock, que vai
cantar o que?
Comentei com ela que se eu fosse pensar no mercado de trabalho hoje, em Belo
Horizonte (MG), pelo relato que meus alunos fazem, teríamos que centrar as aulas em
Sertanejo universitário, música pop americana cantada em inglês, funk e um pouco de MPB,
chamada por eles de música de barzinho, pois é esse o mercado de trabalho da maioria dos
meus alunos de canto popular. Andrea comentou que estão pensando em oferecer um leque de
possibilidades de aulas aos alunos, onde cada professor possa centrar seu assunto onde tem
mais experiência.

Andrea dos Guimarães – (...) então é isso, a gente vai negociando e vai tentando achar
os caminhos possíveis.

Além dos relatos sobre o Conservatório de Tatuí recebemos informações, por meio da
lista virtual de discussão Preparação Vocal, de que há ensino de canto popular em outros
conservatórios de música: Conservatório de Música de Curitiba21 (PR), onde as professoras
Suzie Franco22 e Ana Cascardo ministram as aulas; Conservatório de Música Popular de
Itajaí23 (SC) onde a professora Giana Cervi24 ministra suas aulas; Conservatório
Pernambucano de Música25, em Recife (PE); e no Teatro Carlos Gomes em Blumenau (SC)
onde a professora Mareike Valentin dá aulas.

4.4 O canto popular em Escolas Municipais.

Na busca que fiz na internet, por concursos para professor de canto popular no ensino
público no Brasil, também me deparei com concursos para vagas de professor de canto

21
Mais informações disponíveis em: http://www.conservatoriodempb.com.br/ Acesso em: 10 de jul.
2017.
22
Há Mais de dez anos.
23
Mais informações disponíveis em < http://www.itajai.sc.gov.br/c#.WWP1J-vyvIU> Acesso em: 10 de
jul. 2017.
24
Há aproximadamente dezesseis anos.
25
Mais informações disponíveis em < http://www.conservatorio.pe.gov.br/> Acesso em: 10 de jul.
2017.
145

popular nas escolas dos seguintes municípios: Gaspar26(SC) em 2003; Joinville27 (SC) em
2009; Porto Feliz28 (SP) em 2011; Olinda29 (PE) em 2011; Contagem30 (MG) em 2013 e
Brasília31 (DF) em 2014.

4.5 Os professores autônomos e a especialização do ensino

A maioria dos professores universitários que entrevistamos praticou o ensino de canto


de forma autônoma antes de passar em concursos públicos para os cargos que ocupam
atualmente. O profissional autônomo é aquele que ensina em casa, em estúdios ou em escolas
de música privadas, entre outros espaços. Para conseguir trabalhar e atrair o aluno para suas
aulas, ele depende principalmente de estratégias pessoais. Não é exigido desses professores
que tenham formação universitária ou outros títulos acadêmicos. Abaixo vamos apresentar
alguns aspectos característicos deste tipo de ensino.
Apesar de não ser exigido do professor autônomo que tenha qualquer tipo de diploma
como de graduação ou pós-graduação, dos dezenove professores autônomos que colaboraram
em nossa pesquisa, seis deles têm graduação em música. O interesse pelo estudo também se
reflete na participação em diversos cursos e oficinas de música, de canto e também de
trabalhos corporais relacionados com o canto. A maioria deles estudou canto popular e canto
erudito com diversos professores, tanto dentro como fora de cursos universitários.
O primeiro professor autônomo que entrevistei foi Marcos Sacramento32. Marcos (em
entrevista concedida a mim no dia 15 de abril de 2015, em seu apartamento em Santa Tereza
no Rio de Janeiro), me disse que é cantor profissional desde a década de 80 e em torno de
1987 ministrou aulas de canto durante três anos consecutivos. Em 2015 resolveu retomar a

26
Disponível em <http://www.ibam.org.br/media/arquivos/listagens-concurso/gaspar13-pspm-
docs.pdf> Acesso em: 5 de ago. 2016.
27
Disponível em <https://www.pciconcursos.com.br/concurso/prefeitura-de-joinville-sc-774-vagas>
Acesso em: 26 de jun. 2017.
28
Disponível em <https://www.pciconcursos.com.br/concurso/prefeitura-de-porto-feliz-sp-78-vagas>
Acesso em: 3 de maio 2017.
29
Disponível em <http://docplayer.com.br/5285629-Concurso-publico-prefeitura-municipal-de-
olinda.html> Acesso em: 5 de ago. 2016.
30
Disponível em <https://www.pciconcursos.com.br/concurso/prefeitura-de-contagem-mg-91-vagas>
Acesso em: 3 de maio 2017.
31
Disponível em <http://www.iades.com.br/inscricao/upload/107/2014051611406425.pdf> Acesso em:
3 de maio 2017.
32
Marcos Sacramento é cantor, compositor e, desde 2010, vem atuando também no teatro musical
brasileiro. Com mais de 30 anos de carreira já lançou 16 álbuns, sendo seis deles trabalhos solo e dez
em duos com Carlos Fuchs, Clara Sandroni, Luís Filipe de Lima, Nilze Carvalho, Soraya Ravenle, Zé
Paulo Becker, além de participar em 17 coletâneas musicais. Disponível em
< https://www.marcossacramento.com.br/> Acesso em: 19 de jul. 2017.
146

atividade de aulas e ministrou uma Master Class, para inaugurar e divulgar essa retomada.
Compareceram 33 alunos em um salão amplo de um Centro Cultural33 no Cosme Velho (RJ).
A Oficina durou duas horas e a atividade principal, depois das apresentações e
exercícios de aquecimento vocal, foi feita na forma de um jogo. O professor Marcos sugeriu
que uma das alunas cantasse algo de seu repertório pessoal e a aluna escolhida cantou Eu e a
brisa34. Em seguida pediu que ela desassociasse a melodia da letra, para que falasse a letra
esquecendo completamente a métrica proposta pela melodia, fazendo um recitativo.
Normalmente é muito difícil para o cantor abandonar o condicionamento da métrica melódica
e dizer a letra em forma de prosa. Ao fazê-lo o aluno descobre sentidos do texto que nem
havia suspeitado e que muitas vezes ficam mascarados pela prosódia.

Marcos Sacramento – (...) eu queria que os alunos falassem o texto, independente da


melodia, e isso foi muito difícil, (...) [com outra aluna] pedi que ela (...) falasse a letra
de Basta de clamares inocência 35 e ela não conseguia. (SACRAMENTO, 2015)

Quando, finalmente, a aluna voltou a cantar a letra com a melodia própria, o resultado
saltou aos ouvidos, a mudança foi grande e todos ficaram empolgados com o resultado. Nessa
experiência compartilhada por Marcos, a escolha do repertório foi do aluno, pois no jogo
proposto pelo professor seria importante que o aluno cantasse uma música que conhecesse
bem e que a letra estivesse decorada.
Na prática de Marcos, assim como na de outros professores autônomos de canto
popular36, a escolha do repertório a ser trabalhado nas aulas sempre é dos alunos, porém
alguns professores limitam essa escolha a apenas alguns gêneros de música popular,
especificamente ao repertório dos movimentos musicais historiados por Severiano e Mello
(1985; 1986). As exceções podem ocorrer quando o aluno traz para a aula o repertório de seu
show, gravação ou peça teatral, que pode ser autoral, inédito ou em outros idiomas.
Com relação à classificação vocal do aluno, a maioria dos professores não classifica as
vozes de maneira rígida, como é a tradição no ensino de canto erudito. Apenas um
participante declarou fazer a classificação vocal de maneira tradicional, porém, os professores
não deixam de dar importância ao assunto. Com relação ao tipo de aula (individual ou

33
Centro Cultural Austregésilo de Athayde.
34
Alfredo José da Silva (1929 - 2010), carioca, Johnny Alf foi cantor e compositor. Surgiu um pouco
antes da bossa nova e participou intensamente do movimento. Disponível em
< http://dicionariompb.com.br/johnny-alf/dados-artisticos > Acesso em: 19 de jul. 2017.
35
Música de Angenor de Oliveira (1908 - 1980), o Cartola. Compositor e cantor de samba carioca.
Disponível em < http://dicionariompb.com.br/cartola/dados-artisticos > Acesso em: 19 de jul. 2017.
36
Como verificamos nas respostas que recebemos de nossos questionários.
147

coletiva) a maioria dos professores declara ministrar aulas individuais, com exceção aos
trabalhos com coros, grupos vocais, em oficinas ou outros trabalhos de preparação vocal de
grupos de cantores.
Os professores autônomos, diferente dos professores universitários que entrevistamos,
em sua maioria, deixam a escolha do repertório para o aluno. É o aluno que traz sua bagagem
musical pessoal e, a partir dela, vai engajar o professor no trabalho com determinados tipos de
repertórios. Em função dessa demanda crescente de ensino em alguns estilos musicais
chamados de mais comerciais começaram a surgir professores especializados.
Em nossa investigação encontramos professores que têm se especializado em
determinados gêneros musicais, como é o caso da professora Viviam Veríssimo que é
especialista no gênero de canto gospel. Com experiência de ensino há mais de 13 anos, ela
criou a escola de música popular Musicanto 37, em Niterói (RJ) e lá trabalha com uma equipe
de mais seis professores.
Outro exemplo é o trabalho que o professor Ariel Coelho38 vem desenvolvendo em
relação à técnica de canto para o rock. O professor tem promovido cursos sobre sua
especialidade de ensino em diversas cidades do Brasil e parece estar suprindo uma demanda
existente, principalmente entre jovens cantores de rock, sobre o ensino de técnicas específicas
de emissão vocal para o estilo.
A fonoaudióloga Janaína Pimenta39 tem desenvolvido pesquisa sobre a produção
sonora do canto no estilo do axé, acompanhado a carreira da cantora Ivete Sangalo e
encontrando soluções técnicas importantes para garantir a saúde vocal desta cantora. Também
ouvimos durante nossa participação nas reuniões do grupo de estudos GEV-RJ, relatos sobre
professores especializados no estilo da música sertaneja (na região central do Brasil), e no
estilo do samba carioca.

4.6 Os concursos públicos para professor de canto popular

O concurso público é a porta de entrada para o trabalho nas universidades e escolas


públicas, é uma das possibilidades do professor autônomo se tornar um professor universitário
ou do ensino básico, técnico e profissionalizante. Nesse item apresentaremos as informações
encontradas a respeito de concursos públicos para professor de canto popular em

37
Mais informação disponível em <http://escolamusicanto.com.br/> Acesso em: 19 de jun. 2017.
38
Mais informação disponível em < http://arielcoelho.com.br/> Acesso em: 19 de jun. 2017.
39
Disponível em <http://www.crefono4.org.br/noticias/noticia/961/ivete-sangalo-e-fonoaudiologia--
uma-relacao-de-sucesso> Acesso em: 8 de abr. 2107.
148

universidades públicas brasileiras. A pesquisa foi realizada através de buscas na internet e de


depoimentos dos professores que participaram desses concursos.
Na Tabela 2 estamos apresentando informações sobre os concursos que encontramos
realizados entre 2001 e 2016, para professor de Canto Popular em universidades públicas.
Nesta Tabela constarão: o nome da universidade; o Estado a que pertence e o ano em que foi
realizado.

Tabela 2 – Lista de concursos universitários para professor de Canto Popular:


INSTITUIÇÃO SIGLA ANO

Universidade Estadual de UNICAMP 2001


Campinas
Universidade Federal de UFSCar 2006
São Carlos
Universidade Federal da UFPB 2009
Paraíba
Universidade de Brasília UnB 2009

Universidade Federal da UFBA 2010


Bahia
Universidade Federal de UFSJ 2010
São João Del Rey
Universidade de Integração UNILA 2013
Latino Americana
Universidade Federal de UFMG 2014
Minas Gerais
Universidade Estadual de UNICAMP 2014
Campinas
Universidade Federal da UFPB 2016
Paraíba

Dos oito concursos elencados acima encontramos na internet apenas seis editais, e
abaixo vamos apresentar alguns dados relativos a eles. Ao lado apresentaremos as
informações que conseguimos em entrevistas com os professores que ocuparam as vagas
oferecidas. Como não encontramos informações relativas aos concursos da UNICAMP e da
UFPB, teremos apenas os depoimentos dos professores que passaram em primeiro lugar e
ocuparam os cargos.

a) Os concursos da UNICAMP

A professora Regina Machado prestou esse concurso em 2001 e nos informou que fez
três provas: prova prática, onde tocou violão e cantou; prova teórica; e prova didática com
149

ponto sorteado. No lugar da prova de títulos houve uma avaliação curricular pela experiência
profissional. Em 2001 Regina ingressou na UNICAMP para a carreira de Magistério Artístico
(MA). Essa carreira ainda existe no Instituto de Artes, porém não têm sido muito frequente
que os professores ingressem na faculdade por meio dela. O mais comum tem sido os
processos de provas de títulos. O concurso de MA valorizou, além da graduação, seus vinte
anos de experiência como professora e cantora. Em 2014 Regina Machado participou de mais
um concurso na UNICAMP, para continuar sendo a professora de canto popular, mas dessa
vez para a carreira de Magistério Superior.

b) Os concursos da UFPB

No ano de 2009 a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) em João Pessoa realizou o


concurso para professor de Canto Popular para seu recém-criado curso Sequencial. Não
encontramos o edital do concurso na internet, mas a partir do depoimento da professora
sabemos que o concurso exigia apenas o título de graduação. Daniella foi a única a apresentar
o título de mestrado na área de música.

c) O concurso da UFPB de 2016

Em 2016 a UFPB realizou mais um concurso para vaga de professor de canto popular.
É o mais recente concurso para professor de canto popular em nível de graduação, e tem
algumas diferenças significativas com relação aos concursos apresentados anteriormente. A
começar pela área de conhecimento: ela foca no próprio ensino de canto popular e não em
outras funções dentro da área da música popular como nos outros concursos, ou em canto
popular e erudito como na UNILA. Além disso, a forma como as exigências de saberes da
área de conhecimento foram elaboradas, pressupõe a existência de métodos de ensino.
Reparem abaixo no item Conteúdo e vejam os itens descritos:
150

Quadro 28 – Concurso UFPB de 2016:

UFPB – 201640

Área de conhecimento:
Canto Popular e metodologia de ensino do Canto

Conteúdo:

1. Respiração no canto popular: dos aspectos fisiológicos às dimensões interpretativas.


2. Pesquisa em canto popular no Brasil: tendências, características e desafios.
3. A voz na trajetória da música brasileira até a Bossa Nova: principais nomes,
características estilísticas e transformações interpretativas.
4. A voz na história da música brasileira, da Bossa Nova à Nova MPB: principais nomes,
características estilísticas e transformações interpretativas.
5. Formação e prática do cantor popular: inter-relações entre a universidade e o campo de
trabalho.
6. 15 exercícios para o cantor popular: descrição, objetivo dos exercícios, conteúdos
trabalhados e adaptações possíveis.
7. Aquecimento e desaquecimento vocal para o cantor popular: estruturação, objetivos e
exercícios indicados.
8. A busca da saúde vocal: hábitos saudáveis e indesejados na prática do cantor popular.
9. Trabalhando a interpretação de uma canção com o cantor popular: aspectos a serem
abordados, sugestões de exercícios, o corpo do cantor popular como forma de expressão.
10. O ensino do canto popular em diferentes espaços educacionais: características,
possibilidades e desafios 41.

Requisito básico:

Graduação em música, com habilitação em canto e mestrado em música ou áreas afins; OU


Graduação em Música e mestrado em canto, com experiência de atuação na música popular
brasileira há pelo menos dois anos.

d) Os concursos da UnB

Em 2009, em Brasília (DF), foram realizados dois concursos, um para a vaga de -


Educação Musical: canto popular - e outro para a vaga de - Educação Musical: educação à
distância. O concurso que conseguimos encontrar na internet, apresentado abaixo, foi o
primeiro, o de canto popular para o ensino presencial, onde o professor Alexei Queiroz

40
Disponível em <https://pt.scribd.com/doc/309880415/edital-UFPB> Acesso em: 29 de ago. 2016.
41
Disponível em
<http://www.progep.ufpb.br/sites/default/files/Conte%C3%BAdos%20Program%C3%A1ticos%202016
%20-%20Geral_0.pdf> Acesso em: 4 de jan. 2017.
151

classificou-se em primeiro lugar. No outro concurso, para a educação à distância, a candidata


classificada foi a professora Uliana Dias.

Quadro 29 - Concurso da UNB de 2010:

UNB - 200942

Área do Concurso:
Educação Musical: Canto Popular

Vagas:
- 01 (uma) vaga no cargo de Professor Adjunto;
- 01 (uma) vaga para o cadastro reserva para o cargo de Professor Assistente.

Provas:
a) Prova de Títulos de caráter classificatório, com peso 1;
b) Prova Didática de caráter eliminatório e classificatório, com peso 1;
c) Prova Escrita de conhecimentos de caráter eliminatório e classificatório, com peso 2;
d) Prova Oral para Defesa de Conhecimentos de caráter eliminatório e classificatório, com
peso 2;
e) Prova Prática de caráter eliminatório e classificatório com peso 2.

Requisito básico:
a) Professor Adjunto: ser portador do título de Doutor na área de Música ou área cuja tese
apresente temática na área de música ou educação musical, com experiência comprovada no
ensino e aprendizagem musical e no canto popular.

b) Professor Assistente: ser portador do título de Mestre na área de Música ou área cuja
dissertação apresente temática na área de música ou educação musical, com experiência
comprovada no ensino e aprendizagem musical e no canto popular.

e) O concurso da UFSJ

Em 2010 foi realizado o concurso da Universidade Federal de São João Del Rey (MG)
que admitiu a professora Valéria Braga para o cargo de professora de Canto Popular.

42
Disponível em
<https://www.google.com/webhp?sourceid=chromeinstant&rlz=1C1WPZA_enBR666BR667&ion=1&e
spv=2&ie=UTF-8#q=concurso+professor+de+canto+popular+na+UNB> Acesso em: 3 de jan. 2017.
152

Quadro 30 – Concurso para UFSJ de 2010:

UFSJ – 201043

Área de conhecimento:
Canto Popular e Educação Musical
Provas:
I - Prova escrita (eliminatória)
II - Prova didática (classificatória)
III - Prova de título (classificatória)
IV - Prova de defesa do Plano de Trabalho (classificatória)
V - Prova prática (eliminatória);
Programa:
1. Canto popular como habilitação do curso de Licenciatura em Música: Justificativas,
propostas e metodologias.
2. Procedimentos didáticos para o ensino do canto popular em aulas individuais e em grupo.
3. A relação entre técnica e interpretação musical: implicações para o desenvolvimento do
músico-educador.
4. Diversidade e adequação de repertório e material didático para o ensino do canto popular
em cursos de licenciatura em música.
5. Cultura popular, mídia e música – implicações para a Educação Musical.
6. Técnica Vocal, expressão corporal e dicção para o canto popular.
7. Música na escola regular: uma proposta a partir da canção popular.

Requisito básico:
Doutorado/Mestrado/Graduação com pelo menos um título específico
na área de música.

f) O concurso da UFBA
No Quadro 31 seguem as informações sobre o concurso da UFBA, de 2010:

43
Disponível em <http://www.ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/secop/2010/CPD067.pdf> Acesso
em: 5 de ago. 2016.
153

Quadro 31 - Concurso para a UFBA de 2010:

UFBA – 201044

Área de conhecimento:
Canto e administração para músicos

Provas:
I – de títulos, com peso dois;
II – didática, com peso quatro;
III – teórico-prática ou escrita, com peso quatro.

Pontos:
1- Billie Holiday e Ella Fitzgerald: paralelos técnicos e estilísticos;
2- A contribuição técnico-interpretativa de Elis Regina para o canto popular brasileiro;
3- Técnica vocal para música popular: características e estratégias de ensino;
4- Estratégias para improvisação vocal sobre sequências harmônicas;
5- O canto de João Gilberto;
6- Música na era digital: administração de carreiras para músicos; (ponto que caiu foi
esse).
7- Autogerenciamento de carreira: planejamento artístico e elaboração de projetos.

Requisito básico:
Graduação em Música

g) O concurso da UNILA 2013

A professora Analía Chernavsky relata, sobre o concurso do qual participou, que


lembra ter feito todo tipo de provas e que, a respeito da prova prática, apesar de não ser
obrigatório, cantou metade do repertório em espanhol e metade em português. O fato de ela
ser argentina e ter o espanhol como língua materna ajudou na escolha. A professora se recorda
de ter cantado o seguinte repertório: três canções de Manuel de Falla; duas serestas de Villa-
Lobos; duas peças venezuelanas de câmara; e no repertório popular fez um tango, uma valsa
brasileira e um samba, Deixa a menina de Chico Buarque. O recital durou entre 40 e 50
minutos.

44
Disponível em <https://www.pciconcursos.com.br/concurso/ufba-universidade-federal-da-bahia-ba-
91-vagas> Acesso em: 29 de ago. 2016.
154

Quadro 32 - Concurso UNILA de 2013:

UNILA 2013 45
Área de conhecimento:
Canto

Provas:
Prova escrita
Prova didática
Prova prática
Prova de títulos

Pontos para as provas escrita e didática:


1. O canto e suas particularidades técnicas em diferentes gêneros e estilos musicais latino
americanos.
2. Higiene da voz e filosofia do aparelho fonador no ensino de Canto.
3. Características estilísticas e interpretativas do canto no repertório latino-americano da
música de concerto dos séculos XX e XXI.
4. Características estilísticas e interpretativas do canto no repertório latino-americano da
música popular.
5. Interfaces entre a música popular e a música de concerto latino-americana na prática e no
ensino de canto.
6. A construção da interpretação no ensino de canto. As inter-relações entre análise,
apreciação e criação musical.
7. Abordagens e metodologias de ensino de canto: visão crítica.

Titulação mínima exigida:


Mestrado em Música ou áreas afins.

h) O concurso da UFMG de 2014


O primeiro concurso para a vaga de professor de Canto Popular foi realizado em 2013
e por desistência do candidato aprovado foi necessário realizar um novo concurso em 2014.
Participei do concurso para professor de canto popular na UFMG quando de sua abertura pela
segunda vez. Informei-me sobre os trâmites necessários e documentos exigidos e comecei a
preparar uma pasta com a comprovação da titulação com tudo o que eu já havia feito e
estudado na música, que fosse possível comprovar.
Tenho guardados, com algum nível de organização, recortes de jornais e revistas com
anúncios dos shows que realizei e também de meus trabalhos como professora de canto.
Também estavam guardados meus diplomas de cursos, contratos e todo o tipo de

45
Disponível em
<https://unila.edu.br/sites/default/files/files/Edital%20Especifico%20-%20M%C3%BAsica%20-
%20Canto.pdf> Acesso em: 3 de jan. 2017.
155

documentação sobre minha carreira. Esse sempre foi um costume da família. Dessa maneira
pude comprovar meus trabalhos profissionais desde o fim dos anos 1970.
Não foi fácil rever praticamente 35 anos de vida artística, ler críticas e relembrar tantas
situações e relações. O mais trabalhoso foi condensar o conteúdo de cerca de 20 pastas de
documentos em apenas uma pasta, pois só pude aproveitar para meu currículo, as matérias de
jornais com datas visíveis, e escolhi, dentre diversas matérias, uma sobre cada temporada,
show ou lançamento de disco. Tive então que preencher uma pasta com esse material na
ordem exata do currículo Lattes, como exigido pelo edital. Ao final de duas semanas consegui
finalizar o trabalho e partir para estudar os pontos propostos para as provas.
Todo processo do concurso foi difícil e trabalhoso. A parte mais fácil pra mim foi a
escolha do repertório para a prova prática, a de canto. Depois de conseguir a participação do
pianista Itamar Assieri, realizamos dois ensaios e já estávamos prontos. Já havia feito diversos
shows com Itamar então foi como diz o ditado, mão na luva.
A preparação da prova didática foi o maior desafio. Cada candidato deveria preparar
uma aula com duração de cerca de 40 minutos e explanar sobre seu conteúdo dirigindo-se aos
professores da banca. Cinco pontos seriam sorteados quando do início das provas e então
teríamos que preparar as cinco aulas e esperar pelo tema sorteado em cima da hora.
O ponto sorteado para a prova didática foi justamente o que me pareceu mais difícil,
sobre a prática de conjunto e o improviso no canto popular. No dia 11 de agosto de 2014, na
abertura da banca, às nove da manhã, com o sorteio feito, tive a sorte de ter minha prova de
canto marcada para as 16h, assim tive tempo de voltar pra casa, onde estava hospedada, e
descansar até as 14:30h, o que foi providencial, pois o Itamar estava com febre (depois
soubemos que ele estava com pneumonia!).
Enfim, minha prova didática foi marcada com um dia de intervalo, ou seja, passei a
terça-feira finalizando minha apresentação. Aquele dia de espera foi oportuno para que eu
pudesse refinar minhas ideias, porém a tensão era tão grande que passei o dia todo com uma
dor de cabeça tão forte que nem cedia com medicamento.
Apesar da dor de cabeça, continuei estudando e, durante as pesquisas na internet,
encontrei exemplos musicais que me auxiliaram bastante e ajudaram a “colorir” minha
apresentação para o dia seguinte. Usei como base minha própria experiência na UNIRIO, nas
aulas de prática de conjunto ministradas pelo querido amigo e professor Roberto Gnattali nos
anos de 1981/82. Naquela época a turma criou um grupo que chamamos de Orquestra de
Senhoritas. Lá tive a oportunidade de conviver com instrumentistas, e de cantar com eles
antes de me transformar em uma cantora de carreira, que trabalha com uma banda que a
156

acompanha. Ali na aula de prática de conjunto estávamos todos na mesma situação: éramos
estudantes de música sob a regência de um professor e maestro, trabalhando em um repertório
onde todos éramos os intérpretes, sem que sobre nós já pairasse o fantasma das hierarquias.
Quanto à improvisação, achei na dissertação de mestrado de Lívia Nestrovski (2013),
as informações e conceitos nos quais me baseei. Durante a pesquisa para as aulas revi a
década de 1970, quando Caetano Veloso lançou o disco Transa, Gal Costa gravou Falsa
Baiana e os Novos Baianos cantaram ... Enquanto corria a barca, momento em que o
improviso vocal (diferente do scat singing de Leny de Andrade), ganhou destaque entre a
turma de vanguarda da canção popular brasileira da época e invadia os ouvidos da minha
geração. Esse repertório para mim, durante anos e ainda hoje, ecoou como um grito de
liberdade musical.
A banca foi muito simpática e até relaxada num primeiro momento, quando da sua
abertura e durante o sorteio dos horários para as provas dos candidatos. Na hora das provas,
porém, as expressões de nada, os olhares para baixo, para o lado, para a tela do computador,
foram constantes. Eu já estava preparada para isso, por minha experiência de participação
como banca no concurso de 2014 em Belém (PA). Naquela ocasião fui instruída por meus
colegas a não me expressar, não falar, muito menos bater palmas, enfim, não manifestar
minhas impressões e sentimentos para os alunos, e manter essa postura não foi fácil.
Percebi que a postura dos professores de uma banca, muito comentada pelos
candidatos de concursos em geral, sempre como uma coisa negativa, pode ser justificada pela
necessidade da criação de um distanciamento entre os avaliadores e os candidatos, para que as
avaliações possam ser isentas, e para que os candidatos não criem expectativas, positivas ou
negativas para suas notas, devido a possíveis simpatias ou implicâncias pressupostas.
Quando finalmente era eu a fazer as provas, lembrei bem dessas premissas e ao
começar a cantar, depois de uma rápida e infrutífera tentativa de contato visual com a banca,
tentei evitar olhar para os professores diretamente e mirei na parede atrás deles, como se ali
houvesse uma grande público me assistindo. Dessa maneira pude me soltar, relaxar e cantar
como num show. Com minha atitude acho que a banca também relaxou.
Na prova didática a situação foi um pouco diferente, tive que olhar pra eles e eles pra
mim. Apenas um professor passou a prova toda olhando para seu computador, ou pelo menos
é essa a minha lembrança. Nessa prova optei por não usar o PowerPoint e fiz um discurso
direto para a banca, a partir de fichas que preparei para mim mesma, de forma a me orientar
nos assuntos e nos tempos. Quando em preparava para as provas pedi a opinião de um amigo,
professor universitário, sobre como apresentar o PowerPoint e ouvi o seguinte:
157

- O que não pode fazer é ficar lendo para banca o que está escrito na tela! A tela pode
servir para um apoio com os temas e as informações, mas o que você vai falar tem que ter
outro conteúdo. Se não fica muito repetitivo e chato, parece um trabalho de estudante.
Levei o maior susto porque era exatamente isso que eu ia fazer! Então mudei tudo e
como disse, preparei fichas e fui desenvolvendo os conteúdos. Inclusive os temas musicais
que eu citei, em vez de reproduzir em um aparelho de som, eu mesma cantei. Após o final das
provas aguardei o resultado na casa onde estava hospedada e no dia seguinte soube que havia
passado em primeiro lugar.
Na UFMG, a partir de 2008 e até 2014, foram contratados professores temporários de
canto popular. O primeiro concurso para professor efetivo de canto popular aconteceu em
201346 e o segundo em 2014. No Quadro 33 veremos algumas informações sobre o concurso
realizado pela UFMG em 2014:

Quadro 33 - Concurso UFMG de 2014:

UFMG – 201447

Áreas de conhecimento:
Canto/Música Popular

Perfil desejado do candidato:


O candidato deve ter bom domínio prático e teórico do canto, devendo ser capaz de lecionar,
além de dar aulas específicas de canto e técnica vocal, outras disciplinas do curso de Música
Popular.

Provas:
I - Prova de títulos
II - Prova didática
III - Prova prática
Requisito básico:
Mestrado em Música ou áreas afins

4.7 Os concursos para as escolas de música da UFPA e da UFRN

Recentemente tive a oportunidade de participar da banca de dois concursos para a vaga


de professor de canto popular em escolas de nível técnico e tecnológico: em 2014 na Escola

46
Houve um candidato único que foi aprovado mas desistiu de assumir o cargo.
47
Disponível em <http://concursos.face.ufmg.br/files/112/edital285_DOU19052014.pdf> Acesso em:
21 de ago. 2016.
158

de Música da UFPA (EMUFPA) e em 2016 na Escola de Música da UFRN (EMUFRN).


Nesse subitem farei um relato dessas experiências.
O concurso da EMUFPA48 aconteceu em abril de 2014, às vésperas da Páscoa. Além
de mim estavam na banca a professora de canto erudito Drª. Dione Colares e o professor de
piano Dr. Alexandre Contente, ambos da EMUFPA. A área de conhecimento determinada
pelo concurso foi - Canto Popular - e foram realizadas as provas de: escrita; didática; prática;
defesa de memorial e prova de títulos. Com relação ao requisito básico para participar do
concurso as possibilidades foram bem amplas, pois foi pedida apenas a comprovação na
Graduação em Música ou em Educação Artística com habilitação em Música. Também foi
aceita a graduação na área de Linguística, Letras e Artes, Ciências Humanas e Ciências-
Sociais e Humanidades. Nesses casos foi exigida uma Pós-Graduação em Música49.
Os candidatos tinham formações e experiências profissionais que variavam entre o
canto erudito, o canto popular e a regência coral, basicamente. A candidata aprovada fez sua
graduação em canto erudito, é regente coral com larga experiência em coro cênico e também
cantora e professora de canto popular.
Esta foi minha primeira experiência em bancas de concurso público e tive que contar
com a ajuda e os conselhos de meus colegas, principalmente para ajustar meu comportamento
em relação aos candidatos. A primeira prova, de escrita, correu com tranquilidade, não fosse
uma candidata que, no último minuto, antes de entregar a prova concluída, brincou que estava
desmaiando, o que me assustou bastante na hora.
A segunda prova foi a prova didática, onde cada candidato deveria apresentar uma
aula de canto popular. As compreensões sobre esse ponto da prova variaram um pouco.
Houve candidatos que ministraram uma aula, como se os professores da banca fossem seus
alunos, outros explanaram sobre como dar uma aula, outro candidato fez uma espécie de
palestra sobre o ensino de canto popular. Nessa terceira etapa podíamos e devíamos fazer
perguntas aos candidatos, foi um dos momentos em que tivemos a possibilidade de ter uma
conexão mais direta com eles.
A terceira prova foi a Prova Prática. Ouvimos os candidatos se apresentarem cantando,
cada qual com músicos acompanhando sua performance. Quatro candidatos se apresentaram
com grupos musicais e um deles se apresentou apenas com um músico ao violão. Tiveram que
cantar músicas em português, em inglês e em uma terceira língua estrangeira, além de

48
Mais informações sobre o concurso no Anexo G.
49
Disponível em
<http://ceps.ufpa.br/daves/ICA%20-%202014/M%20Edital%20ICA%202014EBTT.pdf> Acesso em:
29 de ago. 2016.
159

demonstrar capacidade de realizar improviso vocal em alguma das músicas do repertório. A


quarta prova foi a defesa de memorial, onde cada candidato apresentou sua trajetória e
defendeu seu currículo.
Já no concurso da Escola de Música da UFRN, realizado em setembro de 2016, a área
de conhecimento foi: Canto Popular e Prática de Conjunto. As provas realizadas foram em
caráter eliminatório: escrita; didática; defesa de memorial; projeto de atuação profissional e a
prova de títulos. Como requisito básico para a participação no concurso foi pedido apenas a
Graduação em Música50.
A banca foi composta pela professora Drª. Maria Clara Gonzaga, professora de piano
da UFRN, e a professora Ms. Maria de Barros Lima, professora de canto popular do CEP-
EMB e eu. Esse foi um concurso bem desafiador, pois a cada prova foram encaminhados
diversos recursos pelos candidatos, que nos obrigaram a pensar e a discutir entre nós bem
mais do que teria sido necessário se os recursos não tivessem existido, o que demandou um
tempo enorme.
A primeira prova foi a escrita e devido a uma polêmica a respeito do conteúdo da
primeira questão, e após o anúncio das notas, uma série de recursos foram encaminhados.
Seguimos então para a prova didática, que foi realizada no auditório da Escola, onde os
candidatos dariam uma aula de canto popular para uma aluna voluntária51. A situação de uma
prova, onde o candidato desenvolve sua performance de professor ou de cantor diante de uma
banca é, de qualquer maneira, no mínimo, estranha. É uma situação que pode gerar
nervosismos que levem a erros ocasionais, mas apesar de tudo isso, as provas correram com
tranquilidade e evidenciaram claramente a experiência e os métodos de aula dos candidatos.
Logo após o anúncio das notas da prova prática recebemos mais recursos, e partimos
finalmente para a defesa de memorial com os candidatos que se classificaram para essa parte
final. Nesse ponto das provas julgávamos já conhecer um pouco mais os candidatos, porém,
ao ler os textos entregues por eles, os quais seriam apresentados e defendidos durante aquela
prova, verificamos que o que pensávamos à respeito dos candidatos nem sempre correspondia
exatamente com o que constava em seus currículos.
A situação geral do concurso ficou um pouco tensa após um dos candidatos
vandalizou o documento oficial de anúncio das notas das provas que estava pregado no
quadro de avisos. Isso aconteceu duas vezes seguidas. Durante as provas de defesa de

50
Disponível em
<http://assets.agrobase.com.br/concursos/wp-content/uploads/2016/05/edital-003-2016-do-concurso-
p%C3%BAblico-da-ufrn.pdf> Acesso em: 14 de ago. 2016.
51
Foi sempre a mesma aluna em todas as provas.
160

memorial tivemos que ter um segurança da universidade na porta da sala de provas, pois dois
candidatos insistiam em assistir as provas, o que era proibido pelo edital. Tudo isso gerou uma
grande tensão em todos nós, porém, a segurança que tínhamos sobre nossa capacidade e a
importância do nosso trabalho falaram mais alto, e conseguimos seguir em frente até a
conclusão de todo o processo. Finalmente a decisão da universidade foi de anular o concurso.
A boa notícia que recebemos um ano depois foi a de que um novo concurso foi
realizado, com outra banca de professores, mas, com os mesmos candidatos (menos dois deles
que já estavam contratados por outras escolas), e a candidata aprovada foi a mesma que
aprovamos no primeiro concurso.
Outro aspecto dos concursos que gostaria de comentar mais uma vez é o da postura
dos professores da banca. Durante as provas eu fui orientada a falar com os candidatos
somente o necessário, ficar impávida, a não me manifestar nem positiva e nem negativamente
em relação a eles. Foi uma tarefa difícil, principalmente para mim. Como era minha primeira
experiência em bancas de concursos públicos, tinha vontade de aplaudir, de rir e de dar
parabéns aos candidatos. Mas aprendi, ao fim das contas, que qualquer manifestação dos
professores da banca pode atrapalhar o candidato ou levá-lo a crer que foi bem ou foi mal na
prova, criando nele uma frustração ou uma expectativa que poderia colaborar negativamente
para o seu desempenho. Aprendi que quando a banca fica lá, impávida diante dos candidatos,
que escrevem, cantam ou dão aulas, não é por falta de interesse nele, e sim por respeito a ele e
às regras do concurso.

4.8 Os Espaços de Mediação

Como relatamos no início deste capítulo, estamos chamando de Espaços de Mediação


aos lugares onde os profissionais da voz cantada se encontram, por iniciativa própria, para
estudar, pesquisar e trocar informações sobre a voz cantada, com apoio institucional ou não. A
partir de nossa investigação encontramos diversos Espaços de Mediação. Essas relações de
troca formalizadas em encontros de diversas modalidades começaram a ocorrer ainda nos
anos 1990. No Quadro 34 mostraremos uma lista desses eventos e em seguida vamos
descrever o que sabemos sobre cada um deles:
161

Quadro 34 - Os Espaços de Mediação:

- Grupo de Estudos/Pesquisa:

- Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro – GEV-RJ


- Grupo de estudos do Método Herz (Rio de Janeiro/RJ)
- Grupo de pesquisa Vox Mundi da UNICAMP (Campinas/SP)
- Grupo de Estudos “Vocal SP” (São Paulo/SP)
- Coletivo de professores de canto (Belo Horizonte/MG)
- Grupo de Estudos da Canção Popular da UFSCar (São Carlos/SP)
- Grupo de Pesquisa de BH da UFMG (Belo Horizonte/MG)

- Associações profissionais:
- Associação Brasileira de Canto (ABC)
- Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV)

- Encontros acadêmicos:
- I Encontros sobre o Canto e a Canção Popular (UNICAMP- Nacional)
- II Encontros sobre o Canto e a Canção Popular (UNICAMP- Nacional)

- Lista de discussão Preparação Vocal.

4.8.1 Grupos de estudos e de pesquisa

Abaixo apresentaremos as informações que coletamos sobre grupos de estudos/pesquisa


dedicados à voz cantada e ao canto popular.

a) Grupo de Estudos da Voz do Rio de Janeiro – GEV-RJ

Como foi comentado na introdução, o GEV-RJ é um grupo de estudos da voz, com


ênfase no canto popular, sediado no Rio de Janeiro e que existe desde 1990. O grupo
atualmente tem nove membros e eu faço parte dele desde o começo. Seus participantes
trabalham na área da voz cantada e falada e se definem principalmente como cantores/as,
preparadores/as vocais, professores/as de canto e fonoaudiólogos/as. Em nossas reuniões são
tratados os mais diversos assuntos com relação à voz cantada, à fisiologia da voz e às
pesquisas científicas sobre a voz cantada. Mantemos também uma intensa troca a respeito de
aulas, acompanhamento de alunos, de pacientes e de todos os assuntos pertinentes ao ensino
de canto.
162

Acompanhei e registrei, através da pesquisa do mestrado, as atividades do GEV- RJ do


seu início em 1990 até 2013. Na pesquisa atual estarão incluídas as informações sobre as
atividades do GEV-RJ entre 2013 e 2017. Todos os participantes do GEV continuam
trabalhando e estudando, participando de encontros, ministrando e participando de oficinas,
cursos de formação e outros tipos de atividades que envolvam o estudo sobre a voz.
Em termos de formação acadêmica, a partir de 2013, verifiquei que dois participantes
concluíram sua graduação em fonoaudiologia e que eu, além de estar cursando o doutorado,
mudei meu status de professora autônoma para professora universitária (UFMG). Na sessão
de anexos o leitor poderá encontrar uma atualização de dois currículos dos professores do
GEV-RJ. Os currículos completos, até o ano de 2013, estão nos anexos de minha dissertação
de mestrado.
O grupo se reuniu quatorze vezes, entre agosto de 2013 e julho de 2017, e seguiu com
seus estudos e discussões sobre voz e canto, mantendo a atualização sobre as descobertas e
pesquisas sobre a anatomia e a fisiologia da voz e sobre o ensino de canto popular. Abaixo
relato alguns dos assuntos das reuniões que realizamos. Os professores citados participantes
do grupo estarão com a sigla GEV ao lado de seus nomes.

- Tivemos a participação especial da professora de canto Joana Mariz52, que


apresentou o seu trabalho de doutorado: Entre a expressão e a técnica: a terminologia
do professor de canto: um estudo de caso em pedagogia vocal de canto erudito e
popular no Eixo Rio-São Paulo.
- Apresentação do livro Desafinando a Escola, recém-lançado, no qual a professora
Glória Calvente (GEV) escreveu o capítulo “To sing or not to sing”;
- Conversamos sobre o trabalho com a técnica corporal de Pilates desenvolvido pela
professora Wendy Leblanc53.
- Devolução da Oficina54 que Ana Calvente e Cecília Spyer (GEV) realizaram no
SESC de Copacabana (RJ), de 27 a 20 de agosto de 2013;

52
Joana Mariz é professora de canto erudito e popular na Faculdade Santa Marcelina (FASM).
Disponível em <https://fasm.academia.edu/JoanaMariz/CurriculumVitae> Acesso em: 24 de jun. 2017.
53
Mais informações: Disponível em <https://www.pilatesanytime.com/instructor-bio/77/Wendy-
LeBlanc-Arbuckle-Pilates-Teacher> Acesso em: 24 de jun. 2017.
54
A oficina é direcionada a todos aqueles que desejam experimentar as potencialidades de sua voz, nos
aspectos da voz falada e da voz cantada. Através de uma oficina prática, os alunos aprenderão a
conhecer melhor o seu processo vocal e integrar o trabalho vocal ao trabalho corporal visando melhorar
sua expressão ao falar e cantar. Com Ana Calvente e Cecília Spyer. Ana Calvente é fonoaudióloga,
especialista em voz, mestre em Artes Cênicas pela UNIRIO e cantora do Grupo Vocal Equale. Cecília
Spyer é cantora, professora de canto e preparadora vocal. Disponível em
<http://www.sescrio.org.br/programacao/27/08/13/fala-e-canto> Acesso em: 24 de jun. 2017.
163

- Sobre o nervosismo do cantor em cena;


- Sobre o uso de medicamentos e sobre alimentos que podem fazer mal ao cantor.
- Recebemos o devolutivo feito por Felipe Abreu (GEV), sobre o curso da professora
Mirna Rubim sobre o Belting.
- Discutimos sobre o 1º Congresso Brasileiro online de Voz Profissional Cantada, que
ocorreu de 26 a 30 de outubro de 2015.
- Recebemos o devolutivo sobre o I Encontro de Estudante da Voz, realizado na Casa
das Artes de Laranjeiras (CAL), pelo Estúdio Voce, da professora de canto Mirna
Rubim.
- Discutimos sobre a elaboração do questionário, que eu enviaria em seguida para os
professores autônomos que concordaram em participar de minha pesquisa de
doutorado.
- Apresentei minha pesquisa de doutorado ao grupo. Fiz um relato sobre meus
objetivos e métodos e discutimos sobre as entrevistas e questionários que iria realizar;
conversamos sobre o canto evangélico55 e o fato de que temos pouco contato com
esses estudantes, principalmente porque eles não nos procuram.
- Tivemos um encontro de final de ano, de caráter social, que contou com a visita de
um ex participante do GEV, nosso colega professor de canto Kaleba Villela.

- Recebemos a visita da fonoaudióloga especialista em voz Cristiane Magacho, que


nos apresentou seu trabalho sobre aplicação da dermatoglifia56 à voz cantada, tese que
ainda será defendida na PUC SP.

b) Grupo de estudos do Método Herz

Nas respostas a dois questionários, que enviei para os professores autônomos,


verifiquei a existência de um grupo de estudos chamado Grupo de Estudos do Método Herz.
Ao responder as perguntas sobre a relação com outros professores de canto, o Participante 15
respondeu que participa toda semana de um grupo de estudo com sete professoras do mesmo
método. Revelou também que tem feito parcerias com outras professoras que trabalham com
o mesmo método onde dois ou mais professores compartilham o processo de aprendizado de
um aluno.

Participante 15 – (...) este formato tem enriquecido muito ambos os lados: o das
professoras, por complementar sua escuta/percepção acerca de tal aluno, contribuindo

55
Repertório praticado por cantores evangélicos em seus cultos e atividades ligadas á sua religião.
56
É o estudo científico das impressões digitais.
164

também para a identificação de seus pontos fortes e pontos de atenção em sua atuação
como professora.

Ela considera que o aluno que aceita e deseja este formato de aulas ganha em vários
aspectos: passa a ter mais de um interlocutor abordando o mesmo assunto de forma particular,
o que pode resultar em uma escuta mais rica. Também há uma assimilação mais rápida e mais
completa, além do aumento da qualidade do processo de ensino-aprendizagem.

c) Grupo de Estudo Vox Mundi

O grupo de pesquisa Vox Mundi – Grupo de Estudos da Voz Popular Midiatizada,


Erudita e dos Povos Tradicionais - do Instituto de Artes (IA) da UNICAMP57 foi criado em
2013 e é liderado pela professora de canto popular Regina Machado. Em sua ficha de
inscrição no site do CNPq58, no item Repercussões dos trabalhos do grupo, está escrito:

O grupo desenvolve atividade teórico-prática, através de reuniões semanais para leituras, discussões e
apresentações de seminários. Como resultado desses processos de pesquisa, seus membros vem
participando de Congressos, além de terem organizado o I Encontro do Canto e da Canção Popular
ocorrido no ano de 2013 na Universidade Estadual de Campinas (apoio FAPEX e Secretaria de Cultura
de Campinas) e o II Encontro do Canto e da Canção Popular, também ocorrido na UNICAMP no ano de
2015 (apoio FAPESP, FAEPEX e Secretaria de Cultura de Campinas). Neste ano de 2016 seis membros
do grupo tiveram trabalhos aprovados para apresentações durante o XXVI Congresso da ANPPOM
59
ocorrido em Belo Horizonte.

Suas linhas de pesquisa são:

Quadro 35 - Linhas de pesquisa do grupo de pesquisa Vox Mundi:

- Canto e canção popular midiatizada – estudos e significação.


- Comportamento vocal – técnica e interpretação.
- Estudos sobre metodologia de ensino do canto popular.
- Musicologia cultural (etnomusicologia).
- Performance.

O grupo Vox Mundi tem seis pesquisadores e sete estudantes inscritos. No mesmo site

57
Disponível em: <https://www.iar.unicamp.br/pesquisa/grupos-de-pesquisa> Acesso em: 5 de jan.
2017.
58
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
59
Disponível em: <https://www.iar.unicamp.br/pesquisa/grupos-de-pesquisa> Acesso em: 5 de jan.
2017.
165

do CNPq60 encontramos mais cinco grupos de pesquisa com a palavra canto ou voz em seu
título, porém observamos que todos estão ligados ao uso da voz cantada na área da música de
concerto e na de canto coral erudito. A professora Regina Machado (UNICAMP) relata que o
Voz Mundi é um grupo de atuação acadêmica, de forma mais restrita, e é formado por seus
orientandos de mestrado e doutorado. O trabalho está ligado às leituras que desenvolvem, à
pesquisa de cada um, e que há cada vez mais uma tendência de trabalhar na pós-graduação na
mesma direção da área de pesquisa do orientador.

Regina Machado – (...) o único trabalho que está um pouco fora dessa curva é o da
Isabel Padovani que é sobre a Técnica Alexander, embora se relacione completamente
com a questão do cantar, mas não se relaciona com a análise cancional, com o
comportamento vocal. (MACHADO, 2017)

d) Grupo Vocal SP

A participante 7, respondendo ao questionário, relatou que faz parte do grupo de estudos


com professores de canto de São Paulo o Vocal SP. O foi formado por iniciativa das
professoras Monica Thieli, Monica Marzola e Joana Mariz. Segundo a professora Regina
Machado, que também faz parte, o grupo discute a respeito da voz cantada, do ensino, e
também realiza iniciativas como a vinda da Jeanie LoVetri61 que deu o Level one de
formação.

Regina Machado - (...) o Vocal SP reúne profissionais que são ligados à academia e
outros que não são. Professores autônomos que dão aulas em suas casas ou que dão
aulas em suas escolas, fonoaudiólogos, enfim, é um grupo diverso nesse sentido, mas
que tem essa preocupação de discutir o tema e de, além disso, possibilitar, se articular
para realizar encontros que sejam produtivos para o assunto e para as pessoas
interessadas. (MACHADO, 2015)

e) Coletivo de professores de canto

A participante 2 ao responder o questionário, nos informou sobre a existência de um


coletivo de professores de canto em Belo Horizonte (MG), onde participam também
professores de outras áreas das artes. Segundo ela participam do grupo professoras do método

60
Disponível em: <http://dgp.cnpq.br/dgp/faces/consulta/consulta_parametrizada.jsf.> Acesso em: 7 de
maio 2017.
61
A professora americana Jeanie LoVetri tem vindo ao Brasil frequentemente ministrar oficinas de
canto.
166

Feldenkrais e do teatro. Em seus estudos o grupo explora técnicas diversas, corporais e vocais.
Trabalham também com improvisação, catarses, e formas expandidas do instrumento
corpo/voz.

f) Grupo de Estudos da Canção Popular da UFSCar (São Carlos/SP)

Este grupo de estudos foi criado recentemente, com a participação da professora de


canto popular Thais Nunes (UFSCar). O grupo já está registrado no CNPq e tem três linhas de
pesquisa: performance, pedagogia e análise. A linha de análise pode ser histórica, sociológica,
ou de semiótica da canção. Na medida em que os estudos forem desenvolvendo-se as áreas de
pesquisa podem ser subdivididas.

g) Grupo de Pesquisa de BH da UFMG (Belo Horizonte/MG)

Criei o Grupo de Pesquisa de BH no segundo semestre de 2015. Chamei para


participarem meus alunos de graduação e demais interessados em estudar métodos de ensino
de canto popular. O grupo se propôs a examinar inicialmente cinco livros disponíveis no
mercado na época, com métodos e exercícios para o estudante de canto popular. No Quadro
36 apresento os títulos escolhidos:

Quadro 36 – Lista de livros escolhidos no Grupo de Pesquisa de BH:

- Por Todo o Canto: Coletânea de Exercícios de Técnica Vocal, de Diana Goulart e


Malu Cooper (2000).

- Método de Canto Popular Brasileiro: para vozes médio-agudas e médio-graves, em


dois volumes de Marcos Leite e Celso Branco (2001).

- Mais que nunca é preciso cantar – noções básicas teóricas e práticas de canto
popular, de Cris Delano (1999).

- Canto uma expressão – princípios básicos de técnica vocal, de Tutty Baê e Monica
Marzola (2000).

- 260 dicas para o cantor popular – profissional e amador, de Clara Sandroni (1998).

Na primeira fase de estudos, de agosto de 2015 a setembro de 2016, fizemos a leitura e


os exercícios propostos pelos dois primeiros títulos do quadro acima. Utilizamos a método da
pesquisa participativa, e no final de cada semestre fizemos uma reunião de avaliação dos
trabalhos. No segundo semestre de 2016 tivemos que interromper os trabalhos por causa da
167

ocupação da Escola de Música e no início de 2017 eu pedi um intervalo dos trabalhos para
que pudesse terminar o doutorado. Planejo retomar os encontros do grupo a partir de outubro
de 2017.

4.8.2 Associações profissionais

Participei da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz (SBLV) desde seu início. Ela
foi criada na década de 1990 e teve o intuito de promover a aproximação entre os
profissionais da voz – otorrinos, fonoaudiólogos e professores de canto. A iniciativa na época,
além de inédita, foi saudada pelo médico Dr. Marcos Sarvat como sendo uma forma
inovadora de associação, um fórum para a troca de ideias, conhecimentos e experiências
(SANDRONI, 2013). Por ocasião do primeiro congresso da SBLV foi criada a Associação
Brasileira de Canto (ABC), em 1991.
A SBLV não durou muito tempo, existiu apenas durante a década de 1990, e a respeito
de sua extinção Dr. Sarvat lamentou-se e comentou que muito havia se perdido pelo
afastamento entre médicos e fonoaudiólogos “(...) por distúrbios de comunicação e
desavenças sobre atribuições e competências, até hoje mal ou não resolvidas, levando à
transformação da SBLV em ABLV62 (...)” (SARVAT, 2010, p. 1). De acordo com Mariz
(2013):
“O novo impulso de interesse foi influenciado também pela aproximação entre médicos
otorrinolaringologistas, fonoaudiólogos e profissionais do canto, marcadamente dos anos
90, com a criação da Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz. Embora modificada de
seu formato original em 1995 e agora restrita apenas a médicos, a SBLV fomentou o
surgimento de cursos e encontros com perfil interdisciplinar, como os que até hoje vem
sendo ministrados por fonoaudiólogos, professores de canto, etnomusicólogos e por vezes
cientistas e professores de fora do Brasil” (MARIZ, 2013, p. 8)

Participei da criação da Associação Brasileira de Canto63 (ABC), fundada em 1995.


Naquela ocasião tentou-se realizar, pela primeira vez no Brasil, uma articulação permanente, a
nível nacional, entre professores de canto, e também entre os professores de canto e os outros
profissionais da área da voz, como fonoaudiólogos e otorrinolaringologistas. O impulso inicial
para sua criação veio das professoras Eliane Sampaio (UNIRIO), Vera Canto e Mello e das
fonoaudiólogas Maryse Müller e Ruth Bompet, que logo arregimentaram um grupo de sócios
fundadores para a empreitada. Foram convidados então a participar cantores eruditos e
populares, além de fonoaudiólogos e médicos otorrinolaringologistas.

62
Associação Brasileira de Laringologia e Voz. Disponível em <http://www.ablv.com.br/> Acesso em:
12 de jul. 2017.
63
Sou uma das sócias fundadoras da ABC.
168

A Associação Brasileira de Canto foi fundada em 1995, durante o III Congresso Brasileiro
de Laringologia e Voz – I Encontro Brasileiro de Canto, no Rio de Janeiro, tendo entre
seus sócios fundadores cantores, professores de canto lírico e popular, maestros, co-
repetidores e fonoaudiólogos. É afiliada oficialmente à mais importante associação de
canto do mundo, a NATS (National Association of Teachers of Singing - EUA). A ABC é
uma entidade cultural sem fins lucrativos que visa promover e divulgar o conhecimento,
pesquisa e prática da arte, técnica e ensino do canto em eventos, cursos, congressos, recitais
64
e fomentar as iniciativas de colaboração multidisciplinar sobre a Voz. (ABC, sem data, p.
1)

Fiz parte diretoria da ABC65 no biênio 1999/2001, e participei da organização do I


Encontro Brasileiro de Canto (1995), do II Encontro Brasileiro de Canto (1997), e do III
Encontro Brasileiro de Canto (2000). A criação da ABC foi uma experiência desafiadora e
muito proveitosa para mim, pois me proporcionou participar da organização de uma
instituição nacional onde pude conhecer diversos profissionais da voz e do canto. Durante
esse período estreitei ainda mais meus laços de amizade e trabalho com Felipe Abreu e Alza
Alves, meus colegas da vida artística e do GEV-RJ. Participei da organização de cursos,
encontros e congressos e publiquei meu primeiro artigo O canto popular na universidade na
revista “A Voz no Século XXI” publicada pela ABC em 2002.

4.8.3 Encontros acadêmicos

Estive no I Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular realizado em


dezembro de 2013 na Escola de Música Popular da UNICAMP66, onde participei da mesa de
abertura sobre o ensino de canto popular apresentando um resumo de minha pesquisa de
mestrado67. O encontro foi assim descrito no texto de divulgação na internet:

Quadro 37 - Divulgação do I Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular:

O "I Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular" reúne, de 11 a 15 de


novembro, no Instituto de Artes (IA) da Unicamp, no Espaço Cultural Casa do Lago,
no Instituto de Economia e na Concha Acústica do Parque Portugal (Taquaral),
em Campinas, artistas, pensadores, pesquisadores, produtores e jornalistas para tratar
o tema do canto e da canção popular no Brasil. A abertura do evento será às 10 horas,
no auditório do IA. (...). O evento é aberto a interessados e está sob a
responsabilidade da professora Regina Machado.

64
Disponível em <http://www.abcanto.com/p/historico.html> Acesso em: 27 de ago. 2013.
65
Mais informações no ANEXO E.
66
Disponível em <https://encontrocancaopopular.wordpress.com/>Acesso em: 21 de jun. 2017.
67
Cujo tema foi o ensino de canto popular no grupo GEV-RJ.
169

Sua programação68 foi dividida em quatro dias de intensa atividade: aulas abertas;
encontros com palestrantes; mesas redondas e shows. Por lá estiveram profissionais cantores,
professores e músicos como Luiz Tatit; Susana Salles; Joana Mariz; Carlos Rennó; Dante
Ozzetti; Lucina e Monica Thieli, Martha Ulhôa, entre outros.
A mesa da qual participei foi composta por quatro professoras de canto popular, de
diferentes situações profissionais e com diferentes perspectivas a respeito do ensino de canto.
Foram elas Regina Machado, Joana Mariz, Monica Thiele e eu69. A ocasião foi excelente para
travar contato com essas e outras/os professores de canto e de conhecer mais de perto suas
ideias.
Dois anos depois, em maio de 2015, o Instituto de Artes (IA) da UNICAMP realizou o
II Encontro de Estudos de Canto e da Canção Popular e minha participação desta vez foi no
formato de comunicação, como é comum nos congressos acadêmicos. Fiz uma comunicação
sobre minha pesquisa de doutorado e sobre a possível existência de um “campo de ensino de
canto no Brasil”, com ênfase nos principais aspectos da pesquisa até então realizada.
Ao chegar ao auditório onde seriam feitas as comunicações, encontrei diversos colegas
que só conhecia de nome e por ler seus trabalhos: O Prof. Alexei Queiroz, cuja dissertação fez
parte da revisão de literatura da minha dissertação, formado em canto popular na UNICAMP
e que hoje leciona canto popular no curso de licenciatura da UNB; a Prof.ª Ana Paula
Albuquerque da UFBA, que estava na organização do Encontro e hoje cursa o mestrado em
canto popular com a Prof.ª Regina Machado, na UNICAMP; a Professora Uliana, da UnB,
que ministra o curso de Canto Popular à distância; outros colegas professores de canto, alunos
de canto, fonoaudiólogos, jornalistas, e de outras proveniências profissionais que se
relacionam com o canto e a canção popular.
O texto de apresentação do II Encontro de Estudos do Canto e da Canção Popular
publicado no site do evento diz o seguinte:

Dando continuidade à iniciativa de promover, dentro do espaço da universidade, um


encontro entre artistas, pesquisadores, estudantes de graduação e pós-graduação, o
Grupo de Pesquisa Vox Mundi e o Instituto de Artes convidam a todos para realização
do II ENCONTRO DE ESTUDOS DO CANTO E DA CANÇÃO POPULAR que vai
ocorrer de 18 a 23 de maio de 2015 no Auditório do Instituto de Artes da UNICAMP.

68
Disponível em < http://encontrocancaopopular.wordpress.com > Acesso em: 19 de jun. 2017.
69
Regina Machado é a professora de Canto Popular Brasileiro do curso de Música Popular Brasileira da
UNICAMP (SP), Joana Mariz é professora de canto erudito e popular da Faculdade Santa Marcelina
(SP), e Monica Thiele é professora de técnica vocal na escola de música Espaço Musical (SP).
170

Nesta segunda edição, além das aulas abertas, oficinas, mesas-redondas e shows
receberemos resumos para apresentação no formato Comunicação. A programação
completa e outras informações estão no Website criado para o evento que pode ser
conferido AQUI.70

4.8.4 Lista de discussão virtual Preparação Vocal

A pesquisa que realizei nos arquivos da lista Preparação Vocal foi toda feita via
internet, pois não há arquivos registrando suas atividades que não sejam virtuais. Para
esclarecer vários aspectos sobre esta lista conversei com a professora Suely Mesquita (em
entrevista concedida a mim no dia 22 de dezembro de 2016, em sua casa, no Rio de Janeiro).
A lista Preparação Vocal foi criada em 2000, pela professora de canto popular Suely
Mesquita71 na intenção de ter uma comunicação mais ágil entre os profissionais da voz e do
canto, mas que desde o começo incluiu também os estudantes.
A lista então se iniciou com as pessoas que aceitaram os convites da professora, dentre
elas os participantes do GEV-RJ, a fonoaudióloga Mara Behlau (SP), o otorrinolaringologista
Dr. Marcos Sarvat (RJ), a cantora Veruschka Mainhard, entre outros profissionais da área de
canto e da voz.

Suely Mesquita – (...) eu convidei todo mundo que eu respeitava que eu conhecia,
muita gente aceitou. A proposta era uma lista de discussão entre nós, meio que uma
extensão on-line do GEV, com a ideia de grupo de estudos, uma referência para os
estudantes, que poderiam ali fazer perguntas e ter respostas confiáveis. (...) durante um
tempo em que não se tinha informação disponível, nem em livro, nem em nenhum
lugar, sobre voz, principalmente para o canto popular (...).

Os principais assuntos discutidos na lista são:

70
Disponível em: <http://www.guiacultural.unicamp.br/agenda/m%C3%BAsica/ii-encontro-estudos-
canto-cancao-popular> Acesso em: 2 de jan.2017.
71
Participante do GEV-RJ.
171

Quadro 38 – Lista dos assuntos discutidos na lista:

- aquecimento e desaquecimento
- classificação de vozes
- contra tenores
- registro de voz masculina e falsete
- apoio respiratório
- Belting
- indicação de professores de canto e outros cursos
- indicação de bibliografia
- uso de ear monitor e protetor auricular para cantores
- técnicas de heavy metal
- informação sobre testes para musicais
- preparação vocal em estúdio
- relacionamento inter profissional (cantor + prof. de canto + fono + otorrino +
produtor musical + diretor musical)
- rouquidão
- sulco, pólipos e outras alterações de pregas vocais
- pigarro, rinite e manifestações alérgicas
- relacionamento do cantor com o otorrino
- música vocal
- auto- exigência dos cantores
- voz gravada

Analisando o perfil dos participantes de uma sub amostra da lista contendo apenas os
sujeitos que se auto definem como profissionais da área cantada e de acordo com as presenças
registradas até 2014, elaborei o Quadro 39 com informações a respeito da qualificação dos 82
participantes da lista que se declaram como profissionais:

Quadro 39- Perfil declarado dos profissionais de voz que estão na lista:

Professores de canto e preparação vocal para o cantor popular ___________ 60


Preparação vocal para coral ______________________________________ 12
Professor de canto erudito/lírico ___________________________________ 3
Professor de canto erudito e popular ________________________________ 3
Fonoaudiólogos que fazem preparação vocal para cantor ________________ 2
Médicos otorrinolaringologistas ____________________________________ 2
172

72
A lista de discussão virtual Preparação Vocal tem 847 participantes, deste total
apenas 82 declaram-se profissionais e dentre eles 60 se auto definem como professores e/ou
preparadores vocais na área do canto popular. Como sou participante desta lista, o primeiro
passo que dei para encontrar professores de canto popular para enviar meu questionário, foi
encaminhar um convite para todos os membros (o que foi feito no dia 16 de maio de 2014),
chamando os professores para que participassem da nossa pesquisa. No Quadro 40 reproduzo
o texto que enviei:

Quadro 40 - mensagem enviada para a lista Preparação Vocal:

Queridos amigos da lista PV, sou cantora e professora de canto popular e estou iniciando
uma pesquisa de doutorado na UNIRIO onde pretendo discutir sobre o ensino de canto
popular no Brasil. Para começar, estou tentando saber quem está dando aulas de canto
popular no Brasil e aonde (particular? Instituição? escola? Igreja? etc.). Se você dá aulas de
canto popular, por favor, me diga seu nome, cidade, e-mail e instituição (se for o caso). Esse
é o início da pesquisa, talvez mais tarde você receba um questionário, que poderá responder
ou não, ficará ao seu critério participar de qualquer etapa que for proposta.
Obrigada pela sua atenção
Abraços,
Clara Sandroni

Em resposta recebi 18 mensagens73, e no Quadro 41 apresento a qualificação dos


sujeitos que responderam meu convite:

72
Os participantes da lista são classificados pela sua idealizadora como: cantor popular, cantor erudito,
professor de canto, preparador vocal, regente de coral, professor de música, aluno de canto, amante da
música, curioso, interessado etc.
73
As respostas completas estão no Anexo C.
173

Quadro 41 - Lista dos sujeitos que responderam na lista PV:

Total:
- quatorze professores de canto.
- três fonoaudiólogos.
- um estudante de doutorado que estava fora do país.

Dos quatorze professores de canto popular:


- dez deles trabalham em instituições de ensino.
- quatro são professores autônomos.

Quanto às suas competências:


- doze deles se autodefiniram como professores de canto popular.
- dois deles como professores de canto popular e lírico.

Dois dos professores se autodefiniram como professores de canto popular e erudito.


Esse fenômeno, relativamente novo, foi um dos primeiros aspectos que chamou minha
atenção para a necessidade de procurar aspectos relacionais, segundo a proposta de Bourdieu
(2011), para conseguir realizar uma análise realista durante a pesquisa sobre a área de ensino
de canto popular no Brasil.
Por meio das respostas que recebi da lista PV identifiquei professores autônomos em
Florianópolis (SC), São Paulo (SP), Niterói (RJ) e o ensino de canto popular na Escola de
Música do Teatro Carlos Gomes em Blumenau (SC), no Conservatório de MPB em Curitiba
(PR) e na Escola Técnica de Artes da Universidade Federal de Alagoas (UFAL).

4.9 Conclusões parciais

Neste capítulo mostramos os resultados de nossa pesquisa realizada no âmbito interno


e externo às graduações em canto popular nas universidades públicas brasileiras. Para isso
investigamos, ainda na esfera do ensino público, a presença do canto popular em: institutos
federais; escolas de música federais, estaduais e municipais e em conservatórios de música.
No âmbito externo às universidades investigamos o trabalho do professor autônomo.
Verificamos que os professores autônomos de canto popular em sua maioria deixam
que os alunos escolham o repertório que desejem para os trabalhos em aulas, diferente dos
professores das universidades públicas que determinam o repertório que deverá ser estudado
em seus planos de aula ou nas ementas dos cursos. Além disso, o ensino autônomo de canto
popular parece tender à especialização, principalmente nos gêneros ditos mais comerciais
174

como o rock, o samba, o axé e o sertanejo. A profissão de Coaching também tem sido uma
opção a mais no trabalho de professores autônomos de canto popular.
A respeito dos concursos públicos para as vagas para o ensino de canto popular nas
universidades públicas brasileiras, apresento quadros com os principais aspectos de diversos
concursos e discuto sobre alguns dos temas eleitos para a elaboração de perguntas feitas nas
provas escritas. Verifiquei nos casos expostos, a falta de bibliografia que pudesse embasar as
respostas pedidas aos professores, deixando que os mesmos respondessem com base em sua
própria experiência. Também relato minha participação em duas bancas de concursos
públicos realizados em escolas de nível técnico de universidades públicas.
Propomos a ideia de Espaços de Mediação, onde os professores do serviço público,
privado e os professores autônomos se encontram entre eles e com outros profissionais que
trabalham na área da voz cantada para estudarem e realizarem trocas frutíferas para o
desenvolvimento do ensino de canto em todas as áreas. Para realizar esta discussão utilizamos
o conceito de capital simbólico desenvolvido por Bourdieu (2011) e vamos propor, no
Capítulo 5, que cada um desses dois principais tipos de professores acumulam espécies
diferentes de capital simbólico, e estão sujeitos a espécies diferentes de hierarquias, mas nos
espaços de mediação seu capital simbólico acumulado se iguala e a hierarquia proveniente de
sua área de trabalho original se anula em prol de uma aliança que favorece a ambos.
Percebemos que os espaços de mediação têm sido fundamentais para o
desenvolvimento e a expansão do ensino do canto popular em todos os níveis, e os indivíduos
que trabalham na área de ensino de canto popular, além de estarem ocupando os espaços
legitimados pela sociedade, também estão criando mais espaços para sua atividade
profissional.
175

CAPÍTULO 5 - DISCUSSÃO

Neste último capítulo do texto, serão discutidos os seguintes assuntos abordados nos
capítulos anteriores:

1) O uso ou não de métodos de ensino de canto popular brasileiro e sua elaboração;


2) Os Espaços de Mediação, as possibilidades de desenvolvimento e de formação do
professor de canto popular e a especialização do ensino;
3) A legitimação do ensino através da escolha de um repertório;
4) As exigências e os temas dos concursos públicos para o canto popular;
5) A área de ensino de canto popular no Brasil e sua possível configuração em um
subcampo.

5.1. O uso de métodos de ensino de canto popular brasileiro

Antes de entrar na discussão específica sobre a escrita e utilização de métodos para o


ensino de canto popular brasileiro, é necessário esclarecer sobre o uso dos termos método,
metodologia e metodização. Percebemos que há acepções diversas sobre essas palavras, fato
que pode dificultar nosso diálogo sobre o assunto.
Investigamos o sentido dos termos e encontramos que: se o método é uma forma de
fazer, um caminho a ser percorrido para se chegar a um resultado, a metodologia é o estudo
dos métodos, já a metodização é tornar metódico, organizar, sistematizar (LETRAS, 2008). E
é dessa maneira que iremos utilizar essas palavras na discussão que se inicia abaixo. Segundo
Gerhardt e Silveira (2009),

(...) metodologia é o estudo da organização, dos caminhos a serem percorridos, para se


realizar uma pesquisa ou um estudo, ou para se fazer ciência. Etimologicamente, significa o
estudo dos caminhos, dos instrumentos utilizados para fazer uma pesquisa científica.
(GERHARDT e SILVEIRA, 2009 p. 12)

Vamos encontrar propostas de caminhos para o ensino de canto popular brasileiro em


diversos autores com os quais estamos dialogando neste trabalho, alguns deles nominam suas
propostas como métodos, outros apenas propõem exercícios e estratégias de ensino, como
veremos em seguida. Apesar disto, em muitos dos trabalhos acadêmicos que tivemos a
oportunidade de ler encontramos explanações sobre a falta de estrutura do ensino de canto
popular brasileiro (PICCOLO, 2003; LOTORRE, 2003; MACHADO, 2007; QUEIROZ,
2009). Um dos motivos elencados para a existência dessa lacuna didática seriam as
176

dificuldades impostas pela grande diversidade de estilos da música popular brasileira, que
dificultaria sobremodo a elaboração de métodos e a estruturação do ensino para o canto
popular brasileiro. Em sua pesquisa Piccolo (2006) conclui que não é só o ensino do canto
popular que não está sistematizado no Brasil, mas também o do canto erudito.

O que pudemos verificar é que nem mesmo o ensino do canto lírico é sistematizado no
Brasil. Não há um consenso sobre resultados sonoros almejados nem exatamente quantas
escolas europeias existem e o que elas representam. O que temos, no ensino do canto
popular ou lírico, são adaptações de uma técnica importada, que por sua vez também parece
estar longe de um consenso. Os cantores ensinam como aprendem e, de acordo com suas
referências estéticas e o seu gosto pessoal, criam seu próprio método de ensino.
(PICCOLO, 2012, p. 46)

A respeito da pedagogia vocal ou da falta dela para o canto popular brasileiro, Mariz
(2013) em seu trabalho sobre a terminologia do professor de canto nas áreas do canto erudito
e do canto popular, afirma que “(...) nos últimos 25 anos, surge a preocupação em se
estruturar uma pedagogia própria para as diversas variedades de canto popular, fator que
acrescenta novos desafios e contribuições à terminologia do canto”. (MARIZ, 2013, p. 4).
Nas informações levantadas em nossa pesquisa, a partir das entrevistas apresentadas
no Capítulo 3, verificamos que os professores de canto popular das universidades públicas, no
aspecto da técnica vocal para o cantor popular, não adotam amplamente um único método de
ensino de canto, mas utilizam sim, diversas publicações, chamados de métodos ou não, para
fins didáticos específicos. Por outro lado muitos deles estão pesquisando sobre novos métodos
de canto, para sua aplicação em aulas. Outro caminho que estão seguindo é o de criar seu
próprio método, através do estudo e da pesquisa sobre voz e técnica vocal.
Abaixo vamos destacar alguns relatos sobre uso de métodos de ensino e de técnica
vocal para o ensino de canto popular brasileiro. A professora Analía Chernavsky, por
exemplo, relatou utilizar em suas aulas diversos métodos, tanto de canto popular como de
canto erudito. O que faz é a adaptação de conteúdos dos métodos que lhe interessem de
maneira específica, para sua utilização na prática de canto popular.
Com relação ao método de canto popular brasileiro Por todo o canto de Goulart e
Cooper (2000), ao utilizar alguns exercícios, a professora dispensa a audição do CD que
acompanha o livro, por não achar interessante fazer os exercícios ouvindo um playback.
Também não gosta de exercícios com letra para a realização dos vocalizes,

Analía Chernavsky – (...) acho que para isso tem repertório, eu trabalho também com
exercícios sobre o repertório e também alguns métodos clássicos do canto lírico (...),
mas não peço uma colocação lírica da voz, porque o aluno pode treinar a agilidade
177

com qualquer voz não é? Com a voz colocada para o lírico ou com a voz do canto
popular, com a voz da fala, então eu escolho alguns exercícios e toda a semana eu
aplico um novo grupo de exercícios e depois a gente trabalha o repertório. (...) eu não
gostaria de aplicar um único método e por isso que eu peguei várias coisas de outros
métodos. (CHERNAVSKY, 2017)

Outro exemplo de método de canto popular comentado pela professora é o livro de


Baê e Marzola Canto uma expressão (2000), onde acha que há exercícios bem pensados,

Analía Chernavsky – (...) eu acho que são interessantes e acho bom também a gente
usar exemplos da literatura de ensino de canto popular. Porque eu posso achar muitas
vezes o mesmo vocalize num método de canto lírico, mas porque não a abertura
também para o método pensado para o canto popular? (CHERNAVSKY, 2017)

Analía cita também o livro Voz e Canto: fisiologia e arquitetura da fonoaudióloga


Aline Tafarelo em parceria com a cantora Shirley Espíndola, além de métodos de canto lírico
como o 50 vocalizzi de Edgar Cezare e Herbert Polconi, salientando mais uma vez que pensa
livremente nos exercícios, adaptando-os para o uso com cantores populares.

Analía Chernavsky - (...) mesmo o próprio Vaccai, eu acho que tem alguns exercícios
super interessantes para o canto popular também. O estudante de canto popular é
perfeitamente capaz de realizar o exercício com a sua voz e que esse exercício seja
positivo no seu desempenho como cantor popular, então eu utilizo também esses
exercícios para qualquer tipo de canto. (CHERNAVSKY, 2017)

Perguntei a Analía se ela percebia haver alguma tendência em seu trabalho como
professora de canto. Ela relatou que quando começou a dar aulas seguia mais pela sua própria
experiência e, à medida que começou a ter mais contato com outros professores, absorveu
outros conhecimentos, o que ajudou em seu crescimento como professora. Ela se sentiu
impactada quando percebeu que o ensino do canto lírico estava pautado pela realização de um
repertório. Para ela isso foi um descobrimento.
Apesar de já trabalhar com níveis de ensino, como nas disciplinas Canto 1, Canto 2, e
etc. onde o aluno tem que cumprir determinado repertório, ainda não estava completamente
claro para ela a função do repertório no processo didático,
178

Analía Chernavsky – (...) claro que à medida que avançavam os semestre de


graduação, tanto o professor como você mesmo ia buscando repertórios que fossem
mais difíceis, e com habilidades que você tinha que desenvolver, mas não é tão claro
como é no canto lírico, que você tem as peças específicas: uma ária antiga, uma ária
romântica, uma peça contemporânea (...). (CHERNAVSKY, 2017)

Ao perceber com clareza a função da escolha das peças, por períodos e por nível de
dificuldade, como é usada em cursos de canto erudito, a professora adotou o mesmo processo
com seus alunos de canto popular. Analía percebe que há uma tendência à metodização em
seu trabalho, ela está organizando sua forma de dar aulas e criando um método próprio de
trabalho.

Analía Chernavsky – (...) você me pegou depois de uma reestruturação brutal da


minha maneira de dar aula. Passei por um processo (...) e eu acho que está dando certo
por enquanto. (CHERNAVSKY, 2017)

Já a professora Valéria Braga (UFSJ) utiliza, para a disciplina Didática em Canto


Popular, os livros Por todo Canto de Goulart e Cooper (2000), Mais que tudo é preciso cantar
de Delano (1999), e também apostilas dos cursos que fez na Escola de Canto Popular da
professora Babaya1. Na UFBA a professora Ana Paula Albuquerque tem experimentado
novos caminhos para o que ela chama de construção da voz, e cita o autor Roy Hart e seus
estudos sobre o desvendar da voz. Também declara que aprendeu muitas coisas com a
professora Regina Machado, da UNICAMP.
Já a professora Regina Machado, que já tem uma experiência de ensino consolidada,
não deixa de estar aberta para novos aprendizados e tende a focar em exercícios com os quais
trabalha a busca de uma liberdade vocal, e também quer quebrar dogmas. Ela considera que a
aula coletiva é uma oportunidade de realizar trocas muito mais profundas, sem que se deixe
de ter uma observação individual.
O interesse do professor Luciano Simões (UNILA) nesse momento está focado na
moderna pedagogia vocal americana. O livro ao qual ele se refere é de 2014 e chama-se O
atleta vocal. A professora Daniella Gramani (UFPB) tem horários específicos para receber
seus alunos para atendimentos individuais e nesses momentos trata das questões de técnica e
emissão vocal, de maneira pessoal, e pergunta sobre as dificuldades que o aluno está
1
Escola de Canto popular criada em 1991, em Belo Horizonte. Disponível em
<https://www.babayacasadecanto.com.br/> Acesso em: 20 de mar. 2017.
179

encontrando indicando exercícios e trabalho sobre o repertório, para ajudar o aluno a superar
esses problemas.
Quando se trata de exercícios vocais para o cantor popular, os chamados vocalizes,
parece haver uma concordância entre os professores em utilizar tanto exercícios oriundos de
métodos eruditos, adaptados para o cantor popular, quanto exercícios de métodos de canto
popular, ou mesmo exercícios de criação própria, muitas vezes baseados no repertório da
música popular que o próprio aluno está estudando. Diversas vezes, em minhas aulas de canto
com a professora Clarisse Szajnbrum2, os trechos de música que eu estava estudando eram
transformados em vocalizes. O objetivo era trabalhar detalhadamente os trechos em que eu
encontrava dificuldade na execução da articulação, de intervalos, de altura, velocidade,
expressão, afinação e etc.
Assim, por exemplo, um trecho da canção Luíza de Tom Jobim: “... pra te esquecer,
Luíza”, era isolado e tornava-se um exercício, que como um vocalize, ia variando as
tonalidades em direção ao grave e ao agudo, para que eu me familiarizasse auditivamente e
fisicamente com o intervalo e me acostumasse com sua emissão. Na Fig. 2 transcrevo o trecho
da música, a partir da nota ré até a nota ré uma oitava acima:

Fig. 2 - Trecho da partitura de Luíza de Tom Jobim.

O mesmo tipo de procedimento vem sendo feito por muitos dos professores que
entrevistamos. A professora Regina Machado da UNICAMP, por exemplo, desenvolveu toda
uma série de exercícios com esse método, aproveitando o repertório da música popular
brasileira, ela seleciona trechos de canções e trabalha com eles: técnica; afinação; articulação
e rítmica. Esses exercícios são chamados por ela de Caymmianas, Jobinianas, Buarqueanas, e
etc.
Verificamos também durante a pesquisa, que os professores se utilizam de uma grande
diversidade de métodos, livros de exercícios e propostas didáticas. De onde concluímos que o
estudo de métodos não serve como um caminho único e inquestionável para o trabalho e sim
como fonte de orientações diversas, como material de onde se retiram exercícios de forma a

2
Entre os anos de 1983 e 1997 no Rio de Janeiro.
180

variar as opções de trabalho com os alunos e onde encontrar caminhos de pesquisa para o
aprimoramento técnico, artístico e didático.
Durante a mesa redonda sobre o ensino de canto popular realizada durante o I
Encontro sobre a canção e o canto popular da Escola de Música da UNICAMP, realizou-se
um debate sobre a utilização de métodos de ensino para o canto popular brasileiro. Discutimos
a respeito da validade da utilização de métodos formalizados - em livros e apostilas - ou do
ensino não formalizado – sem livros e apostilas. As opiniões mostraram-se divergentes.
As professoras que estavam na Mesa comigo afirmaram não utilizarem métodos para
ministrar suas aulas de canto. Admitiram sim terem estratégias didáticas e aulas planejadas,
porém, sem o compromisso de seguir determinado método de tal ou qual professor. A
argumentação utilizada por elas é a de que a escrita ou o acompanhamento de um método para
o ensino de canto popular traria um engessamento, tornando rígido um conhecimento que
deveria estar em constante transformação.
Esse método, portanto, aprisionaria a maneira de trabalhar, que deixaria de estar, por
esse motivo, em estado de contínuo desenvolvimento, o que seria o desejado. Essa opinião
também é compartilhada por outros professores de canto popular. No grupo GEV-RJ, por
exemplo, diversos participantes declaram não utilizarem métodos (SANDRONI, 2013). Por
outro lado, um dos professores do GEV-RJ incentiva o uso de método de canto popular Por
todo o canto de Goulart e Cooper (2000), para professores iniciantes que ainda não tem uma
forma de trabalho própria e estabelecida, ou para professores de regiões do país onde haveria
pouca tradição e/ou oferta de ensino de canto popular.
Durante a entrevista que realizei com o professor autônomo de canto popular Felipe
Abreu (RJ) voltei a falar sobre os métodos e descrevi para ele a discussão que foi travada na
minha banca do ENSAIO I da UNIRIO3, quando o prof. Dr. Silvio Merhi defendeu
ardentemente a importância de que se escrevam métodos para o ensino de canto popular ou de
música em geral, e acrescentou que entende a decisão negativa de escrever métodos como
parte de uma luta, travada no campo do ensino, onde o professor tenta reter para si
informações a respeito de sua didática de trabalho e evita democratizar as suas ideias através
de publicações. Com esse argumento ele fez referência explícita a Bourdieu que afirma que
todas as mudanças no campo social só ocorrem através de lutas (BOURDIEU, 2003).
Segundo ele, a postura de não escrever métodos seria como uma atitude de
preservação de conhecimento, onde as estratégias de luta por posições de poder dentro do

3
Na UNIRIO o doutorando passa por duas etapas de qualificação, chamadas de ENSAIO I e
ENSAIO II, antes da banca de qualificação que é anterior à banca da defesa.
181

campo levariam o professor a guardar para si seus conhecimentos, a criar mistérios sobre seus
métodos, obrigando assim o aluno a ir até ele, e só assim, em contato pessoal, através de aulas
ou cursos (oficinas, workshops), tomar conhecimento de seu trabalho didático. Relatei
também a Felipe essa mesma polêmica, quando foi travada na Mesa Redonda do I Encontro
de Estudos de Canto Popular e da Canção em Campinas. Abaixo reproduzo parte da conversa
que tivemos sobre esse assunto:

Felipe Abreu – (...) eu acho que isso é uma visão. Imediatamente me ocorre pensar
numa outra coisa que é o fato de que um método congela você no tempo. Não como
uma defesa de território. Se você não formaliza um método terá a permissão de avançar,
mudar de ideia, ter outras ideias, perceber seus erros, corrigir seus erros e obviamente
adaptar o seu método a cada pessoa. Isso é claro que não vale para alguém que dá aula
em grupo, pois a possibilidade de individualização do método é complicada. (ABREU,
2015)

Argumentei que poderíamos trocar o termo método para ideias para aulas de canto
popular ou de sugestões para o estudo do canto popular. De qualquer modo o que se escreve
é um momento que se registra e por meio deste registro pode-se discutir, a informação é
democratizada, e ela pode ser revista e ter diversos volumes. Minha opinião é a de que se
escrevemos podemos corrigir ou negar, e teremos a chance de evoluir numa discussão mais
ampla, em nível nacional sobre metodologia da música popular. Por enquanto temos pouca
coisa para ler. Temos propostas de exercícios como o método de Leite e Branco (2000) e da
Goulart e Cooper (2000), etc.
Felipe comentou sobre o professor Arial Coelho que está fazendo um curso de
formação, de um ano, com uma proposta de método completa, porém ainda não publicou seu
método4.

Felipe Abreu – (...) tem essa questão muito complexa que é como você transforma a
experiência de dar uma aula de canto em linguagem escrita, acho isso uma coisa muito
complexa, não é fácil. Existe uma bibliografia grande de métodos e eu vejo como é uma
coisa que é fácil de entender errado. A linguagem escrita é muito limitada em relação ao
trabalho que o professor de canto faz. (ABREU, 2015)

4
Na época dessa conversa ele ainda não havia publicado seu método.
182

Concordamos que qualquer coisa escrita é redutora, mas que pode servir como um
apoio, um estímulo. Para quem vive mais isolado dos centros de comunicação, um livro pode
ser uma luz que incentive o pensamento e o estudo. Felipe concorda sobre a escrita a respeito
da teoria do canto e cita o livro de Antonio Juvarra, uma voz dissonante na Itália, que é um de
seus livros preferidos Riflessioni Figurati sul Canto.

Felipe Abreu – (...) são pensamentos sobre técnica e até sobre metodologia,
pensamentos que recorrem a analogias sobre física, matemática, cultura e acho que
isso tem sentido quando você faz uma coisa que lança ideias assim, meio Baudrillard 5.
Lança ideias e as pessoas vão então poder pensar, refletir sobre essas ideias. Não tem
nenhum exercício, nada, [somente] ideias, é um dos meus livros preferidos, realmente
adoro esse livro, e esse cara tem travado batalhas incríveis com outros professores de
universidades italianas, têm rixas tremendas, eu acompanho na internet. (ABREU,
2015)

Durante nossa conversa expliquei a Felipe minha preocupação com o fato de que
alguns dos mais importantes professores de canto popular não estão escrevendo, fato que pode
deixar o estudante de canto popular sem maiores opções de informação qualificada. O
professor Felipe Abreu foi convidado diversas vezes para escrever um método de canto
popular, e sempre recusou esses convites. Ele não quer escrever porque não acredita que o
desenvolvimento de métodos seja um avanço, e exemplifica sua opinião a partir do exemplo
do jazz americano, que segundo ele, acabou, pois ficou congelado no tempo.

Felipe Abreu – (...) quando você faz uma prática artística como o canto, que depende
de uma prática corporal, eu acho que você acaba formando pequenos autômatos de
modelos de imitação, não que os modelos de imitação não existam sem isso, porque
existem, mas acho que você ajuda a formar mais. (ABREU, 205)

Em sua experiência, como professor de canto popular brasileiro, ele tem recebido em
todos esses anos, muitos cantores estrangeiros, especialmente da França, dos Estados Unidos,
da Finlândia e da Suécia. Esses cantores vêm em busca, segundo Felipe, “(...) de uma
tentativa de descongelamento do que (...) aprenderam. De uma informação que não seja
acadêmica, no sentido pejorativo”.

5
Jean Baudrillard (1929-2007).
183

Felipe Abreu – (...), além disso, eu tive uma experiência de ter escrito, uma apostila,
há muito anos, 25 anos atrás, e depois é claro, fui rever e vi que não era aquilo, que eu
já tinha mudado de ideia. (ABREU, 205)

Se por um lado o professor Felipe Abreu se mostrou avesso a escrever métodos ou a


utilizá-los, por outro ele é um dos professores autônomos que mais tem contribuído para a
pesquisa sobre o ensino de canto popular, inclusive sobre a criação de uma escola de canto
popular brasileiro. De acordo com nossa pesquisa o ensino de canto popular está em fase de
estruturação e podemos identificar nesse processo alguns conhecimentos inerentes a esse
ensino, já elaborados, e que pertencem ao acervo cultural brasileiro. Estamos nos referindo à
extensa gama de informações e estudos sobre a história da música popular brasileira.
Todos os professores universitários entrevistados declararam utilizar, como base para
a montagem de seus currículos, a história dos movimentos musicais brasileiros, registrada na
literatura crítica produzida por autores como Severiano e Mello, José Ramos Tinhorão, Ary
Vasconcelos, Sérgio Cabral, Rui Castro, entre outros.
Esse material, disponível a todos os professores e utilizado por eles até mesmo de
forma inconsciente, é uma das bases para a estruturação do ensino de canto popular brasileiro,
e que já tem sido utilizado de forma prática, na elaboração dos currículos dos cursos de
graduação. O acervo da música popular brasileira também tem sido fonte constante de
inspiração para a criação de exercícios, como vocalizes, que já fazem parte das aulas dos
professores universitários, e isso parece ser na prática, um método de ensino. Nas respostas
sobre o ensino de técnica vocal, verificamos que os professores declaram trabalhar com
diversos métodos e exercícios aprendidos em ocasiões diversas além de desenvolverem um
instrumental próprio, adquirido em experiências pessoais.
No Capítulo 3 a professora Ana Paula Albuquerque (UFBA) comentou que seus
alunos, muitas vezes, entram na graduação com expectativas de aulas padronizadas,

Ana Paula Albuquerque - (...) tem muito esse padrão da aula do canto erudito, da
pessoa ficar ali tocando vocalizes e os alunos repetindo. Então eu penso assim, vamos
começar da música, música, cantar! Então cada estudante, eles preparam três, quatro
canções durante o semestre. (ALBUQUERQUE, 2016)

A professora relaciona a prática de “ficar tocando vocalizes e o aluno repetindo” com


uma coisa antiga e ultrapassada, e em contraposição a isso propõe que sua atenção se volte ao
184

repertório, no caso o repertório da música popular brasileira, e a partir desse repertório é que
ela vai trabalhar com seus alunos,

Ana Paula Albuquerque - primeiro o aluno canta e depois você vai direcionando, (...)
como é que você pode chegar e compreender esses processos, porque eu penso nessa
técnica falando em ciências da voz, como algo com uma base (...). (ALBUQUERQUE,
2016)

Aqui a professora indica o uso dos saberes de uma nova linha de pesquisa e ensino
chamada de Pedagogia Vocal, que se baseia no conjunto de pesquisas na área chamada de
Ciência da Voz6.
Apesar de haver o comentário constante sobre a falta de estruturação do ensino de canto
popular brasileiro, já existem algumas publicações no país que se propõem a serem métodos
de canto popular. Abaixo vou descrever resumidamente seus conteúdos. Um deles chama-se
Método de canto popular de Leite e Branco (2000). Esse livro se propõe a ensinar canto
popular apresentando ao estudante diversas canções compostas em diversos estilos da música
popular brasileira e em cada uma delas propondo o exercício em intervalos – de segundas;
terças maiores; terças menores; quartas; quintas justas; quintas diminutas; sextas maiores e
menores e sétimas maiores e menores – exatamente como faz o Vaccai 7, famoso livro italiano
de exercícios de canto lírico.
Antes de apresentar os exercícios, os autores dedicam algumas páginas para orientar os
estudantes em sua realização e defender seu projeto de método brasileiro escrito para vozes
populares brasileiras, que afirmam serem diferentes, do ponto de vista didático, das vozes
eruditas europeias. Segundo os autores as vozes populares brasileiras devem ser divididas em
vozes médias agudas e médio graves, femininas e masculinas, pois a divisão tradicional das
vozes em quatro principais registros – soprano; contralto; tenor e baixo – estaria distante da
realidade vocal das vozes populares brasileiras.
No livro Por Todo o Canto (2000), as autoras Goulart e Cooper, criaram exercícios
vocais com base em estilos de músicas brasileiras, como a bossa nova, o samba, o frevo, o
pop e etc., o livro vem acompanhado de um CD, onde há gravações dos exercícios, os
vocalizes, com acompanhamento instrumental.

6
Ver em Sundberg (2015).
7
Nicolau Vaccai (1790 - 1848) italiano, compositor (especialmente de óperas) e professor de
canto. Lançou o seu “Método prático” em 1832.
185

O livro de Baê e Marzola Canto, uma expressão (2000), também se propõe a ser um
método de canto popular que procura abarcar o ensino de forma ampla, oferecendo ao leitor,
além de exercícios, explicações sobre a prática do canto. Um CD com 57 exercícios
acompanha o livro. O livro de Delano, Mais que tudo é preciso cantar (1999), também
oferece um misto de exercícios, dicas e entrevistas com músicos e profissionais da saúde
vocal. O livro também vem com um CD de áudio com exercícios. Já o livro 260 dicas para o
cantor popular – profissional e amador (1998), escrito por mim, não é nem um método e nem
propõe exercícios, apenas oferece dicas abordando diversos assuntos ligados à produção da
voz e do canto popular, de uma forma bem ampla.
Apesar da existência dessas publicações, os professores e pesquisadores da área de
canto popular seguem insatisfeitos a respeito do nível de estruturação do ensino de canto
popular no Brasil e reclamam por mais informações. A esse respeito Latorre (2002) afirma
que:
Uma das primeiras preocupações constatadas e que serviu de ponto de reflexão básico de
minha proposta de ensino, foi a ausência de uma escola de ensino do canto popular
brasileiro. Para suprir o estudo do desenvolvimento técnico-vocal e estético-interpretativo,
buscavam-se os procedimentos metodológicos vindos de escolas de canto bem estruturadas,
a exemplo dos métodos voltados para o repertório do canto lírico e jazzístico. (LATORRE,
2002, p. 5)

A professora Consiglia Latorre afirmou que há quinze anos, houve uma mobilização
de cantores, maestros e professores, em função da ausência de uma escola de canto popular
brasileiro e indicou a existência de uma “profunda reflexão sobre esta questão, já resultando
em algumas iniciativas, revelando empenhos convergentes para suprir aquela carência”
(LATORRE, 2002, p. 6), provavelmente se referindo também a essa onda de publicações
citadas acima, que ocorreram próximo ao ano da conclusão de seu mestrado.
Piccolo também identificou, há onze anos, a existência de um processo de
sistematização do ensino de canto popular em curso e procurou chamar à responsabilidade os
professores de canto para a realização dessa tarefa histórica.

À medida que um método de ensino para o canto popular é discutido e está sendo utilizado,
há que urgentemente se pensar, estudar e analisar, antes de tudo, a sua prática. Que música
é essa? Que cantor é esse? Que recursos ele usa? De que maneira? Por que quando a
aprendizagem passa a ser realizada também através do ensino formal, ela passa a ser fruto
do conhecimento de quem ensina também. O professor, portanto, tem a responsabilidade de
transmitir um conjunto de ideias sobre o canto popular que esteja de acordo com seu modo
de fazer. O fato de que a música popular tem sido aprendida por meios não formais, não
quer dizer que ela não possui características muito bem definidas. (PICCOLO, 2006, p.
49/50)

A autora disse estar ao lado dos professores para defender que a escola brasileira possa
formular logo a sistematização de seu legado, cujo conteúdo descreve como o estudo dos
186

gêneros “(...) as análises das canções, o estudo do repertório e a investigação de todos os


recursos interpretativos utilizados por nossos cantores, transformando esses saberes, o quanto
antes, em material didático” (PICCOLO, 2006, p. 52). Nesse sentido ela comenta que o
professor Felipe Abreu mostra o caminho quando diz que, se não há um método elaborado e
testado, de maneira informal já existem vários, que estariam ligados aos gêneros musicais e
acrescenta como deve ser (PICCOLO, 2003). Entrevistando o professor Felipe Abreu em sua
pesquisa de 2003, Piccolo recebe a resposta de que, para que se consolide uma Escola de
Canto popular brasileiro, o caminho está:

1) na pesquisa permanente e divulgação dos princípios anátomo-fisiológicos da voz falada e


cantada, como a laringologia, a fonoaudiologia e o canto os definem.
2) na aceitação de que sempre coexistirão estéticas distintas no que se refere aos vários
cantos populares brasileiras, e que isso é natural e benfazejo.
3) no dar-se conta de que o empirismo não pode substituir o conhecimento científico e
técnico.
4) no dar-se conta de que uma metodização da técnica não pode ser um "gesso" artístico,
"mumificando" as experiências e descobertas individuais e de grupos, no que se refere à
estética vocal.
5) na ideia de que a técnica vocal existe para SERVIR à arte vocal, e não é um fim em si
mesma.
6) no fato de que o objetivo final de qualquer técnica vocal é salvaguardar a saúde vocal do
indivíduo e dar-lhe as ferramentas para conseguir atingir seus objetivos artísticos.
7) na percepção de que só haverá uma relativa unificação de métodos em canto popular
quando houver uma demanda acadêmica nesse sentido. (PICCOLO, 2003, p. 86)

Conversando com Felipe, na última reunião do GEV8 antes da defesa da tese, quando
ele e outros colegas fizeram comentários sobre o meu texto, mais uma vez discutimos sobre a
elaboração de métodos para o canto popular, mas desta vez Felipe já havia lido o rascunho do
meu trabalho. Dentre as correções e sugestões que Felipe propôs, aceitei a de utilizar o termo
polifonia para descrever a possibilidade da existência de diversos métodos de ensino de canto
popular, e não apenas um que pretendesse englobar o ensino de canto popular como um todo.
Felipe citou Latorre (2002) ao dizer:

Felipe Abreu – (...) o fato de não haver métodos não significa que não existam práticas
que são como métodos [Latorre (2002)]. Isso é um ponto de conclusão (...) no seu
trabalho. Eu acho que existe certa presunção de que no exterior existam métodos
consagrados, o que não é verdade. (...) eu tenho vários alunos que foram a Berklee e
com cada professor estudaram uma coisa diferente. Vai para outro professor e já não é
mais nada daquilo. É um pouco ilusória essa ideia de que em um curso de canto
internacional conhecido existe uma coisa toda pronta. E (...) lá no trabalho da Piccolo

8
Do dia 15 de julho de 2017.
187

sobre o ensino de canto erudito no Brasil, ela também diz que cada um faz de um jeito.
(ABREU, 2015)

Clara – e quando o pessoal diz que não existe (...) uma pedagogia consolidada [para o
canto popular], não é que não tenha, é que ainda não está escrita, então que se escreva!

Felipe Abreu – (...) será que a resposta não estará em que esses métodos sejam
regionais ou locais? E não uma coisa de um método que vai ser escrito, vai ser adotado
nacionalmente? (ABREU, 2015)

Concordei com ele em relação ao fato de que os aspectos regionais de ensino de canto
popular, se levados em consideração, podem ser importantes para que haja essa polifonia,
várias vozes contribuindo para o enriquecimento da elaboração de uma pedagogia do canto
popular brasileiro.

5.2 Os Espaços de Mediação e a especialização do ensino

Como apresentado no Capítulo 4, a troca direta e pessoal de experiências entre os


profissionais da voz cantada tem ocorrido através de diversos tipos de eventos como: grupos
de estudo e de pesquisa; encontros e congressos acadêmicos; associações de profissionais da
voz cantada e falada e listas virtuais de discussão. Os grupos de estudos têm reunido
professores, fonoaudiólogos e estudantes, (entre outros interessados na prática e no estudo da
voz e do canto) para a prática do estudo coletivo. Recentemente a UNICAMP realizou dois
encontros sobre o canto popular e a canção (2012 e 2015), onde a pesquisa sobre em ensino
de canto popular no Brasil, a canção e o canto popular foram os assuntos principais9. Esses
espaços de discussão e pesquisa são instâncias de legitimação de uma área de ensino de canto
popular que a cada vez se desenvolve e fortalece mias por meio dessas atividades.
Chamamos essas instâncias de Espaços de Mediação. Ao participarem desses eventos
constatamos que esses profissionais têm realizado uma aliança em benefício da troca mútua
de informações e de experiências. Nesses espaços de mediação, os professores de canto
popular e outros profissionais da área, se igualam em termos de função e hierarquia e podem
conversar e discutir sobre o ensino de canto compartilhando seus conhecimentos10.

9
As informações colhidas a respeito desses eventos estão no Capítulo 1 e 4.
10
No GEV-RJ, por exemplo, a proposta é estudar juntos sobre os assuntos de nosso interesse e não há a
intenção de concordar, de chegar a uma ideia comum, de escolher qual ideia é a melhor. Temos
propostas diferentes de trabalho e opiniões diferentes sobre vários assuntos, ou seja, há pluralidade de
opiniões. No nosso grupo o saber e as dúvidas são compartilhados e não há a necessidade de eleição ou
188

A hierarquia lá exercida tem uma fonte de legitimação própria, ela é exercida a partir
de negociações entre os seus participantes e não herdada diretamente do campo do qual o
agente é oriundo – dentro do grupo de estudos o professor universitário não é mais importante
do que o professor autônomo. Nos grupos de estudos os agentes fazem alianças, pois a
participação no grupo é por si só um reconhecimento de que necessitam uns dos outros.
Dessa maneira o capital simbólico oriundo da atividade artística e da atividade
acadêmica é compartilhado em prol de um ganho mútuo. O próprio pertencimento a um grupo
de estudos significa a aquisição de um valor, uma espécie de capital simbólico, que o agente
levará de volta com ele como um trunfo, ao seu espaço de origem.
Os Espaços de Mediação são espaços de convergência de saberes oriundos de “campos
diversos”, onde o poder da hierarquia, mais característico do campo acadêmico, e o acúmulo
do capital artístico, mais característico do campo artístico, perdem o seu valor intrínseco e
passam a representar mais um lugar de origem do que um símbolo de valoração.

Professores Espaços de Professores


universitários mediação autônomos

Fig. 3 - Descrição gráfica da participação dos professores nos espaços de mediação.

Temos observado também que professores de canto popular vêm expandido seu
território profissional, provavelmente em busca de melhores condições de trabalho, ao
somarem à sua capacitação profissional outras formações, como a formação na área da
fonoaudiologia através do estudo institucional. Outros parecem estar respondendo a uma
demanda do mercado por especialização no ensino de alguns estilos específicos de música
popular. No grupo GEV-RJ, por exemplo, dois professores de canto popular formaram-se em
fonoaudiologia, uma professora está se profissionalizando no trabalho de Coach11, uma

indicação de cargos ou ideias para ocupar lugares hierarquicamente superiores a outros. Talvez isso seja
o principal motivo de nossa longevidade enquanto grupo.
11
“Coaching significa tirar um indivíduo de seu estado atual e levá-lo ao estado desejado de
forma rápida e satisfatória. O processo de Coaching é uma oportunidade de visualização clara
dos pontos individuais, de aumento da autoconfiança, de quebrar barreiras de limitação, para que
as pessoas possam conhecer e atingir seu potencial máximo e alcançar suas metas de forma
objetiva e, principalmente, assertiva.” Disponível em
<http://www.ibccoaching.com.br/portal/coaching/o-que-e-coaching/> Acesso em: 8 de abr.
2017.
189

fonoaudióloga fez seu mestrado sobre a voz no teatro musical e eu busquei a pós-graduação
em Etnomusicologia.
Durante esta pesquisa identificamos também a existência de professores que se
especializaram em diversos estilos de música popular como: o rock, o samba, o sertanejo, e o
gospel. Não por acaso, estes são alguns dos gêneros musicais classificados por professores
durante essa pesquisa como sendo mais comerciais.
O fato de professores de canto popular estarem sendo percebidos no mercado como
especialistas em algum dos gêneros musicais citados acima, me fez pensar se eu e outros
professores de canto popular não somos também especialistas em um grupo de musicas onde
não entram: axé, sertanejo, heavy-metal, funk, rap, entre outros. Podemos supor que esse
professor, como eu, poderia vir a ser chamado de professor de MPB, termo entendido aqui
como abarcando os gêneros que estão descritos e catalogados na história “oficial” da música
popular brasileira como: o samba; a bossa-nova; o repertório dos festivais da canção; da
Tropicália; do Clube da Esquina; da onda nordestina dos anos 70/80; e o rock Brasil. Essa
classificação de ensino – professor de MPB - ainda carece de pesquisa para que possamos, ou
não, utilizá-la.

sertanejo
rock

Ensino de canto popular samba


gospel
MPB?

Fig. 4 - Conjunto de gêneros musicais de canto popular oferecido por professores.

5.3 A legitimação do ensino por meio da escolha do repertório

Como foi apresentado no Capitulo 4, a escolha do repertório a ser trabalhado com


alunos nos cursos de canto popular nas universidades públicas, em geral está pré-estabelecido,
seja pela ementa, o programa do curso ou pelo plano de aula do professor. Na maioria dos
casos relatados, a escolha da música a ser cantada é feita a partir de um conjunto das músicas
autorizadas, que pertencem aos movimentos musicais ou aos momentos musicais
considerados, por quem os escolhe, como legítimos.
190

A maioria dos professores universitários de canto popular baseia sua escolha de


repertório em uma espécie de mapa genealógico da música popular brasileira que, por sua
vez, foi elaborado por críticos e pesquisadores a partir de estudos da história dos movimentos
musicais dos séculos XIX e XX. Identificamos esse mapa dos movimentos musicais presentes
com mais ou menos força, em todos os currículos, ementas e planos de aula dos cursos
universitários que pesquisamos.
No Quadro 42 vamos enumerar os movimentos musicais, gêneros12 e artistas que
foram citados pela maioria dos professores universitários em nossa pesquisa como pertencente
ao grupo de músicas e compositores autorizados:

Quadro 42 - Lista de gêneros musicais e de músicos citados pela maioria professores de canto popular das
universidades públicas federais:

- Época de Ouro do rádio


- samba canção
- bossa nova
- festivais
- tropicalismo
- música de protesto
- Clube da Esquina
- onda nordestina
- música caipira
- samba paulista
- Vanguarda Paulista
- Clementina de Jesus
- MPB tradicional
- samba tradicional
- baião
- Gêneros do Sul do Brasil
- Centro Oeste do Brasil
- Hermeto Pascoal
- Egberto Gismonti
- marchinha
- mundo pop
- serenata
- Chiquinha Gonzaga
- Guinga

12
“Um gênero musical é ‘um conjunto de eventos musicais (real ou possível), cujo curso é regido por
um conjunto definido de regras socialmente aceitas’”. (FABBRI, 1981, p. 52)
191

No Quadro 43 estão os gêneros musicais que não pertencem a esse “mapa


genealógico” oficial, mas que foram citados na pesquisa:

Quadro 43 - Lista de gêneros musicais que também foram citados pelos professores:

- Música chamada de Brega


- Jazz
- Música Latino-Americana
- Música indígena
- Forró
- Canto dos escravos (Vissungos)
- MPLA (música popular latino americana)

Já alguns gêneros musicais classificados por parte dos professores como de massa ou
comerciais, aparecem citados apenas nos planos de aulas de duas universidades, a UnB e a
UFMG. Podemos supor que essas músicas sejam, basicamente, alguns derivados do rock e
outros estilos locais, entre outros, que adquiriram projeção nacional como:

Quadro 44 - Alguns dos gêneros musicais citados apenas por dois professores entrevistados, como parte dos
currículos das universidades públicas brasileiras:

- heavy metal
- funk
- rap
- axé
- sertanejo
- sertanejo universitário

Por outro lado, a decisão de incluir algumas ou todas as músicas citadas acima
dependerá mais do empenho de professores e alunos, pois ainda há pouco material didático ou
histórico para suprir a adoção de uma bibliografia especializada. Já o estilo gospel, não foi
citado em nenhum currículo ou plano de aulas.
Com relação à prática vocal do gospel, encontramos no trabalho de Latorre (2002)
algumas considerações que tentam justificar sua exclusão completa das disciplinas de canto
popular,
Essa escuta hegemónica, difundida por influentes meios de comunicação de massa, é
caracterizada pelo uso de recursos vocais estranhos às condutas da tradição do cantar
brasileiro, cuja procedência acha-se profundamente enraizada na fala popular. Um dos
exemplos mais flagrantes é o uso indiscriminado do vibrato em quase todas as sustentações
192

das vogais nas finalizações das palavras e frases, chegando a alterar a dicção e a prosódia
da canção brasileira, e denotando uma clara influência da música gospel norte-americana"
(LATORRE, 2002, p. 149)

A autora chama o tipo de entoação vocal, comum aos participantes dos concursos de
televisão que assistia no momento em que escreveu seu trabalho em 2003, de espécie de vício
vocal e afirma que “(...) se está perdendo o referencial cultural de um determinado tipo de fala
ou de entoação vocal brasileiras.” (LATORRE, 2003, p. 149)

Além do distanciamento dos referenciais culturais de nossa prosódia, outra característica


revelada pela estética vocal estandardizada, é a falta de memória de expressivos momentos
do nosso cancioneiro. Como consequência, falta aos jovens intérpretes, outras referências
vocais contidas na tradição musical brasileira, o que contribui para a adoção de
estereótipos, e consequente ausência de exploração vocal e interpretação mais pessoal.
Renuncia-se à tradição do cantar brasileiro e priva-se do uso da voz, como expressão
sensível individual, pela adoção de modelos estandardizados, impostos por modismos do
mercado. (LATORRE, 2003, p. 152)

Parece haver um consenso subentendido a respeito de manter a chamada música de


massa/comercial fora dos currículos universitários. Uma das justificativas para essa opção é o
fato desses estilos musicais terem sido mais difundidos recentemente, dos anos 1990 para cá,
e ainda não haver uma análise histórica a respeito deles. Os dois volumes do livro A Canção
no tempo, por exemplo, são de 1997/8 respectivamente, e analisam a história da música
popular brasileira urbana até o começo dos anos 1980. Mas os motivos atribuídos pelos
professores para essa exclusão são mais variados. Abaixo cito algumas opiniões dos
professores entrevistados sobre esse assunto:

Luciano Simões (UNILA) - a primeira decisão foi tirar a música de massa. Tudo que
seja música (...), comercial, a gente achou que não precisa comtemplar num curso
acadêmico. (SIMÕES, 2016)

Maria de Barros Lima (EMB) – (...) tudo isso estava muito baseado nos Songbooks,
nas coisas que já tinha escrita. Quando o pessoal resolvia escrever alguma coisa,
geralmente escolhiam algumas coisas consideradas mais nobres como Clube da
Esquina que não tinha nada escrito. (LIMA, 2016)

Valéria Braga (UFSJ) – (...) o funk, o axé, ainda não mexi nisso. (...) os alunos não
trazem. (BRAGA, 2015)

O ensino de canto popular nas universidades públicas trabalha, na maioria dos casos,
com repertório produzido pelos artistas e movimentos musicais reconhecidos pelos críticos e
193

historiadores musicais ou optam por estabelecer uma data no tempo, como até os anos 1990,
por exemplo, como um limite temporal válido para que possam considerar os movimentos
como históricos. De acordo com a professora da UnB, as escolhas do repertório nos cursos de
música têm variado com o tempo:

Uliana Dias – (...) o público vai mudando e o que é legitimado na grade curricular
também vai mudando. Se antes era só erudito, com a música popular veio o jazz, na
primeira fase (...) e depois do jazz (...) eu me lembro [de um cara] (...), era o cara que
alimentava a gente de bibliografias e CDs, a gente almoçava e ouvia tudo. Ai ele
falava [sobre] a galera da música popular de 1989. Eu estava lá no IA [Instituto de
Artes da UNICAMP] nos anos 1990 e ele falava:

– Engraçado, antes era muito mais o pessoal do jazz, agora tem um pessoal muito da
MPB, que chega.

E agora nos anos 2000 tem outra diversidade - que eu já nem sei mais qual é. Aí eu
pergunto para a galera, e eles ouvem coisas que, nossa, eu nem estou ligada, porque eu
não estou dando mais aula individual, nem para jovens, assim adolescente, aí de
repente a gente se descola da realidade, não ouve mais rádio direito, e aí a gente vê que
vai mudando, esse negócio de repertório (...). (ULIANA, 2017)

Em sua opinião a universidade é um campo de legitimação, e a reprodução dos valores


que determinam o que é bom e o que é ruim pode ser problemática,

Uliana Dias – (...) para mim a universidade é para acolher as diversidades e a gente
criar. No campo da arte a gente tem é que criar outras possibilidades, e acolher as
diferenças, lidar com isso cientificamente, artisticamente (...). (ULIANA, 2017)

A esse respeito a pesquisadora Lucy Green argumenta que,

Atendendo a que a música popular é exatamente isso – popular, e que a sua origem e
desenvolvimento acontece fora de qualquer sistema formal de ensino, julgo que os
educadores poderiam dar mais atenção a esse tipo de música e daí tirar algum benefício
para si e para seus alunos, analisando com mais profundidade, valorizando as
aprendizagens dai decorrentes e as atitudes e valores dos que a ela se dedicam. Se
continuarmos a ignorar este gênero de práticas, atitudes e valores, corremos o risco de
afastar a educação musical daquele brilho e entusiasmo que diariamente atrai tantos
músicos e ouvintes para a música popular. (GREEN, 2000, p. 67)
194

O que leva professores de canto popular a reconhecerem a validade de algumas


músicas para o ensino nas universidades e a desqualificarem outras para o mesmo ensino? A
discussão a respeito do valor de gêneros musicais no Brasil não é nova e tem um longo
percurso de estudos que nos remete ao começo do séc. XX, com o surgimento de um mercado
fonográfico de música popular no país.
Travassos (2000) nos dá indicações para pensarmos sobre esse assunto em duas
direções. Uma, sobre a situação do Brasil como país colonizado (dependente econômica e
culturalmente de outros países) e outra, ao conflito interno entre a cultura da elite e a do povo.
Nas palavras dela:

Duas linhas de força tencionam o entendimento da música no Brasil e projetam-se nos


livros que contam sua história: a alternância entre reprodução dos modelos europeus e
descoberta de um caminho próprio, de um lado, e a dicotomia entre erudito e popular, de
outro. Como uma espécie de corrente subterrânea que alimenta a consciência dos artistas,
críticos e ouvintes, as linhas de força vêm à tona, regularmente, pelo menos desde o século
XIX. Mobilizadas por dinâmicas culturais mais amplas, de que a música é parte, ou
fermentadas no campo musical, com energia para vazar sobre outros domínios da cultura,
elas se manifestaram de maneira dramática em alguns momentos da história.
(TRAVASSOS, 2000, p. 7)

A autora se refere especialmente a movimentos como o romantismo, o modernismo e a


vanguarda dodecafônica, da segunda metade do séc. XX, e acrescenta que essas “linhas de
força” estavam presentes também nos debates feitos a respeito da bossa-nova, na época do
tropicalismo e no período chamado de canção de protesto. Em período mais recente, essas
linhas de força surgem na produção de artistas como Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal,
que, com sua obra musical “(...) problematizam a separação entre erudito e popular, bem
como na discussão desencadeada pela transformação da música caipira em sertanejo-country e
pelas metamorfoses do samba.” (TRAVASSOS, 2000, p. 7/8)

Em todos esses momentos, pesa ora o eixo dado pela polarização entre nacional e
cosmopolita, ora aquele traçado entre as opções contraditórias de elitismo e populismo. Em
alguns casos, tentou-se resolver as tensões simultaneamente, como ocorreu no modernismo:
ali a cultura brasileira foi repensada em sua particularidade e em relações com outras
culturas, ao mesmo tempo em que artistas oriundos das elites e da burguesia procuravam
estabelecer um novo modo de relacionamento com as culturas do povo. (TRAVASSOS,
2000, p. 8)

Alguns dos músicos eruditos que participaram não só da Semana de Arte Moderna de
1922, mas também da proposta de “(...) nacionalização artística idealizada com ardor
combativo e seriedade intelectual por Mário de Andrade” (TRAVASSOS, 2000, p. 10),
adotaram pseudônimos para assinar suas produções de música popular como maxixes, tangos,
valsas, fox, boleros, marchas, choros e sambas. Entre eles a autora cita Francisco Mignone e
Guerra Peixe. O próprio Mignone explica: “É que naquelas priscas eras do começo do século,
195

escrever música popular era coisa defesa e desqualificante mesmo” (TRAVASSOS, 2000, p.
11)

Os pseudônimos são curiosos em autores que tentaram aproximar tradições populares e


música artística, compondo com inspiração em congadas e maracatus, dobrados e cânticos
de xangô. Ocultaram seus nomes quando faziam música que eles mesmos consideravam
popularesca, comercial e transitória, cuja qualidade artística e técnica não os satisfazia.
Ademais, ela poderia fechar-lhes as portas no meio restrito e exigente da música de
concerto, com poder para desqualificar produções e produtores identificados como
populares. (TRAVASSOS, 2000, P. 12)

Esses conflitos discutidos acima, que ocorrem em um país colonizado como foi o
Brasil, que ainda é dependente econômica e culturalmente de outros países, e os conflitos
internos entre a cultura da elite e a do povo, parecem ainda estar fortemente presentes nas
discussões e nas opções tomadas sobre o assunto da escolha do repertório que deve orientar os
estudos de canto popular nas universidades brasileiras.
A escolha de um repertório legitimado pela escrita histórica e pela crítica especializada
é feita por motivos variados, seja no intuito da defesa do patrimônio cultural nacional, seja
pela segurança que o distanciamento histórico e a referência bibliográfica podem
proporcionar, entre outros. Apesar da legitimidade dessas opções, novas experiências estão
sendo feitas no ensino universitário de canto popular. Na UNICAMP a professora Regina
Machado está começando essa discussão através do debate sobre a canção que está sendo
produzida hoje.

Regina Machado – (...) eventualmente pode surgir como uma discussão por causa de
alguma leitura. Não são tópicos estudados, aliás, estou repensando um pouco sobre
isso no sentido de incluir, não exatamente o estudo sobre o funk ou o axé, mas sobre a
canção popular hoje, para onde ela andou, que diálogos ela está estabelecendo (...).
(MACHADO, 2017)

Na UFPB a professora Daniella Gramani propôs a seus alunos pesquisarem a era do


rádio e a era da internet, abrindo assim a pesquisa dos alunos para a diversidade musical que a
modernidade está oferecendo a eles, como comentado anteriormente pela professora Uliana
Dias da UNB.
196

5.4 As exigências e os temas dos concursos públicos para o canto popular

5.4.1 Os concursos e suas áreas de conhecimento

A primeira informação que chamou nossa atenção, a respeito dos conteúdos dos
concursos apresentados no Capítulo 4, foi a diferença nos conteúdos das provas. Essas
diferenças são determinadas pelo tipo de área de conhecimento, que é o assunto do concurso.
Cada curso de Música estabelece suas prioridades e define as exigências dos concursos de
acordo com suas necessidades. Dessa maneira, apesar de todos serem professores de canto
popular, suas competências se diferem para que se somem no cumprimento das necessidades
dos departamentos nos quais irão trabalhar. Apresentamos a Tabela 3 com destaque para esse
aspecto dos concursos:

Tabela 3 – Lista das áreas de conhecimento exigidas nos concursos para professor de canto popular:

UNIVERSIDADE ANO ÁREA DE CONHECIMENTO

UFSCar 2006 Educação Musical

UNB 2009 Educação Musical –


Canto Popular

UFSJ 2010 Canto Popular e Educação


Musical

UFBA 2010 Canto e administração


para músicos

UNILA 2013 Canto

UFMG 2014 Canto/Música Popular

UFPB 2016 Canto Popular e


metodologia de ensino do
Canto
197

Portanto, como os cursos se dividem em Licenciaturas e Bacharelados, as áreas de


conhecimento, exigem ou não os saberes relativos à Educação Musical, além de
conhecimentos na área especifica Canto Popular. O concurso da UFSCar, por exemplo, foi
para Educação Musical somente, mas ao assumir o cargo de professora, Thais Nunes
atualizou a ementa do curso incluindo o canto popular em seu currículo, na disciplina
chamada de Expressão Vocal. O caso da UNILA, que pede somente Canto, ele é um curso de
Bacharelado que ensina canto popular e erudito ao mesmo tempo.

5.4.2 O conteúdo programático das provas

Com relação aos programas das provas de canto popular, nos deparamos com
conteúdos programáticos que podem ter gerado dificuldade para os candidatos, pois
percebemos que existem temas e/ou perguntas para as quais ainda não existem respostas
consolidadas em bibliografia, como por exemplo, o tema abaixo, apresentado para os
candidatos na prova da UFSJ de 2010.

1 - Canto popular como habilitação do curso de Licenciatura em Música:


Justificativas, propostas e metodologias (prova da UFSJ de 2010).

Para responder a essa questão o candidato teria que elaborar suas justificativas e suas
propostas relacionando o escasso material didático sobre o canto popular com o bem mais
numeroso material disponível da área de Educação Musical. Já na parte de metodologias, o
candidato teria que descrever vários métodos, relacioná-los e apresentar o resultado desse
estudo, já que, como vimos anteriormente, a metodologia é o estudo dos métodos. Mesmo
supondo que nesse item o termo metodologias estivesse querendo significar métodos, a tarefa
continuaria difícil devido à escassa bibliografia sobre o assunto. Segundo a professora Valéria
Braga, que fez essa prova e teve que responder as perguntas,

Valéria Braga – (...) a professora Heloísa Feichas daí da UFMG (...) me ajudou muito a
pensar no concurso e no material que eu deveria estudar. Fiz alguns textos sobre os
temas, mas não achei material sobre tudo. Esse [o ponto que apresentamos acima], por
exemplo, fiz a partir da minha experiência. Na prova, foi sorteado somente um tema e o
que caiu foi: Música na escola regular - uma proposta a partir da canção popular (...).
(BRAGA, 2015)
198

As dificuldades para os candidatos continuam, como vemos, nos temas do mesmo


concurso, abaixo:

2. Procedimentos didáticos para o ensino do canto popular em aulas individuais e em


grupo.
4. Diversidade e adequação de repertório e material didático para o ensino do canto
popular em cursos de licenciatura em música.
6. Técnica Vocal, expressão corporal e dicção para o canto popular.

Para elaborar respostas sobre os pontos 2 e 4, excetuando a pesquisa na escassa


bibliografia sobre técnica vocal para o cantor popular, os candidatos tiveram que criar novas
teorias a partir de sua própria experiência.
Nos pontos da prova da UFBA, de 2010, a dificuldade para os candidatos não foi
menor. Nessa prova aparece uma pergunta sobre o repertório da música popular americana, na
questão onde o candidato é requisitado a responder sobre a técnica e o estilo de canto de duas
grandes cantoras de jazz:

1. Billie Holiday e Ella Fitzgerald: paralelos técnicos e estilísticos;

Parece-me que o conhecimento do tema acima está mais na alçada de um crítico de


jazz, do que de um professor de canto popular que vive e atua no Brasil. Ainda mais em se
tratando de um professor que irá trabalhar majoritariamente com o repertório brasileiro. Esse
assunto remete à outra questão que também me causa estranheza, o fato de nos editais e nos
cursos e habilitação de canto popular não haver a palavra brasileiro. A falta do termo
brasileiro teoricamente determinaria uma abertura absoluta em relação a procedência
geográfica e cultural deste canto popular, possibilitando que essa disciplina tratasse de cantos
populares de todas as partes do mundo.
Sabemos pelos editais e currículos apresentados na pesquisa, que não é exigido, dos
candidatos ou dos estudantes, que dominem o conhecimento do canto popular internacional
como um todo. Porém, não há uma definição clara de qual repertório se trata. O fato é que
encontramos o repertório estrangeiro fazendo parte de temas das provas e de planos de aulas
em mais de uma situação. Como no caso do concurso para professor de canto popular para a
escola de música da UFPA, do qual eu participei em abril de 2014. Nesse concurso os
candidatos tiveram que cantar uma música em inglês, e outra em francês, italiano ou espanhol.
Além de ter que demonstrar saber realizar um improviso vocal no estilo do jazz americano. O
199

improviso também foi exigido dos candidatos no concurso da Escola de Música da UFRN, do
qual eu participei.
É possível que parte dos conteúdos dos programas das provas dos concursos de canto
popular esteja sendo transportado dos editais de canto erudito para os editais dos concursos de
canto popular, pois, no caso do canto erudito os candidatos devem ser capazes de cantar em
diversos idiomas estrangeiros como o francês, o italiano, o espanhol e o inglês, para se
mostrarem capazes de executarem futuramente um repertório que é majoritariamente
internacional. Esse já não é o caso do canto popular.
Nos editais dos concursos para as vagas de professor de canto popular, que
apresentamos no Capítulo 4 podemos verificar questões que envolvem o conhecimento sobre
o repertório e mesmo sobre a história de ícones da música americana. Além dessas
encontramos perguntas cujas respostas ainda não existem em uma bibliografia da área, ou
seja, os candidatos, muitas vezes, e devido à escassez de bibliografia especializada, tiveram
que escrever sobre sua própria experiência de professores.

5.5 O desenvolvimento da área de ensino de canto popular no Brasil e sua


possível configuração em um subcampo do campo da música popular brasileira

Por meio desta pesquisa procuramos evidenciar a existência de uma área de ensino de
canto popular que vem se desenvolvendo desde fins de 1970 no Brasil (PICCOLO, 2003;
2006), se faz presente na vida dos profissionais de canto popular por meio da atuação dos
professores autônomos, em especial no Sudeste brasileiro (SANDRONI, 2013), e se expande
para a universidade transpondo as barreiras da academia e englobando dez universidades
públicas a partir de 1989 (QUEIROZ, 2009). Os professores de canto popular vêm ocupando
espaços de trabalho cada vez mais institucionais, em escolas, conservatórios e universidades,
e através dessa ocupação dando legitimidade para o exercício de sua profissão.

De uma maneira mais geral, a evolução dos diferentes campos de produção cultural para
uma maior autonomia é acompanhada por uma espécie de retorno reflexivo e crítico dos
produtores sobre a sua própria produção, que os leva a retirar dela o princípio próprio e os
pressupostos específicos. (BOURDIEU, 2011, p. 296).

De acordo com Bourdieu, estamos provavelmente desde o começo dos anos 2000
(com o início da publicação de trabalhos acadêmicos sobre o ensino de canto popular),
realizando um retorno reflexivo. Saber sobre o grau de autonomia em que essa área se
encontra nos revelaria até que ponto ela poderia ser chamada de campo ou de subcampo.
Relembrando Bourdieu, “Todo campo é lugar de uma luta mais ou menos declarada pela
200

definição dos princípios legítimos de divisão do campo”. (BOURDIEU, 2011, p. 149/50).


Portanto, se encontrarmos agentes lutando13 pela ocupação de espaços legítimos de atuação
dentro de uma área de trabalho social, é possível que estejamos diante de um campo ou de um
subcampo formado ou em formação.
Estamos supondo que a primeira luta travada no início da criação da área de ensino de
canto popular foi a luta pela legitimidade deste ensino. Apesar do preconceito ainda existente,
essa etapa parece ter sido superada, visto tanto a existência do professor de canto popular
autônomo desde fim dos anos de 1970 (PICCOLO, 2003), quanto à inclusão do ensino de
canto popular nas universidades brasileiras desde 198914 (QUEIROZ, 2009).
Porém, se o ensino de canto popular no Brasil já é uma atividade legitimada, o como
ensinar e o quem pode ensinar canto popular (na área do ensino autônomo), ainda não é, e
talvez este seja o principal motivo das lutas internas travadas dentro desta área. A luta pelo
direito de entrada em um campo é uma das características universais dos campos, ou seja, a
primeira luta que se trava dentro de um campo é a luta pelo direito de entrada (BOURDIEU,
2011, p. 41)
É mais simples entender esse aspecto da teoria dos campos quando pensamos em uma
universidade: para pertencer a uma devemos conquistar títulos acadêmicos; realizar provas;
sermos aprovados em concursos e etc. Porém, o direito de entrada na área de ensino de canto
popular também precisa ser conquistado pelo professor autônomo, que, para poder entrar no
campo precisa ser reconhecido como igual por seus pares profissionais e ser respeitado pelos
estudantes de canto popular que serão seus clientes.
O capital artístico neste caso terá um peso importante, pois é preciso saber sobre o
currículo deste professor: em que espaços ele se apresentou? Com que artistas ele trabalhou?
Já registrou sua voz em fonogramas, e quais? Já realizou espetáculos como cantor? Quem
foram seus alunos? Em que instituições ele já ministrou aulas ou cursos?
Para a realização de um concurso público o capital artístico também irá se somar ao
capital acadêmico. Todos os professores universitários de canto popular, entrevistados para
esta pesquisa, por exemplo, já tinham carreiras ou trajetórias artísticas antes de ingressar para
a docência, e essas experiências contaram a seu favor.
A área de trabalho do ensino de canto popular parece estar dividida basicamente em
duas subáreas, a dos professores autônomos, no ensino privado, e a dos professores

13
Quando nos referimos a lutas e disputas, não estamos falando de rivalidades pessoais ou brigas entre
profissionais nesta área e sim pelas lutas travadas por profissionais por espaços de trabalho, por
reconhecimento profissional e por legitimidade.
14
Ver o Capítulo 3 sobre o ensino de canto popular nas universidades brasileiras.
201

universitários (e demais concursados) no ensino público. Verificamos que para o trabalho na


maior parte da área de ensino de canto popular no país, a parte ocupada pelos professores
autônomos15, não é cobrado um diploma, uma taxa sindical (ou algo assim) para que se possa
exercer a profissão, porém para se firmar como professor o sujeito terá que provar sua
capacidade de cantar e de dar aulas de canto popular, terá que ter o habitus16.
Se o professor autônomo consegue entrar no campo, se ele tem o habitus para tal, é
porque ele soube se comportar como um professor de canto: preparar seu espaço para
ministrar suas aulas; receber seu cliente com a formalidade exigida; utilizar instrumentos
musicais, o piano, o violão ou a aparelhagem sonora, para ministrar suas aulas; utilizar os
jargões da área, a linguagem própria de um professor de canto e, finalmente, assumir o
discurso próprio da área como forma de legitimação. Se ele é um professor de canto popular
com graduação em Música ou Licenciatura em Artes com Habilitação em Música, ele pode se
candidatar para disputar as raras vagas universitárias para esse ensino. E essa disputa tem sido
uma das mais acirradas dentro desta área.
O capital específico que está distribuído no hipotético subcampo também tem
características próprias: quanto ao capital econômico, ele se dividirá basicamente entre
salários (professor universitário) e pagamento de aulas (professor autônomo); O capital
simbólico está legitimado nos diplomas acadêmicos e de formação livre, e nas produções
artísticas. Este tipo de capital simbólico pode ser conquistado por ambas as categorias de
professores. O professor autônomo está lutando para conquistar espaços de trabalho em
escolas, estúdios, universidades privadas ou mesmo (e frequentemente) em sua própria casa. E
está lutando também por vagas no ensino público onde a segurança financeira é um dos
troféus disputados.
Outra pergunta que devemos fazer a respeito de um novo campo é sobre os seus
limites. Segundo Bourdieu (2011, p. 132) “o limite de um campo é o limite dos seus efeitos
ou, em outro sentido, um agente ou uma instituição fazem parte de um campo na medida em
que nele sofrem efeitos ou que nele os produz”. Na Figura 5 vamos indicar alguns dos agentes
que pertencem à área de ensino de canto no Brasil:

15
O número de professores de canto popular autônomos é bem maior do que o número de
professores universitários no ensino público federal. Durante nossa pesquisa contamos mais de
150 professores autônomos e apenas 14 (mais dois temporários), professores de universidades
públicas federais.
16
Apresentamos a noção de habitus no Capítulo 1.
202

Espaços de mediação:

Professores de - Grupos de estudos e de Professores


universidades e pesquisa. autônomos: em
de outras - Encontros universitários. escolas,
instituições - Congressos e associações conservatórios,
profissionais. estúdios privados
- Lista de discussão PV. ou em casa

Fig. 5 - Figura que representa o subcampo e seus agentes.

Os limites deste hipotético subcampo, propostos na figura acima, apesar de concretos e


virtuais, a qualquer momento podem se expandir abarcando outros espaços como a televisão,
por exemplo. Como vimos no exemplo do programa Fama17, quando um agente externo, no
caso a televisão, influenciou a área de ensino de canto popular a ponto de, subitamente,
promover um de seus agentes ao posto de professor mais famoso do país, alterando assim o
equilíbrio interno do subcampo.
A partir do exemplo do programa Fama, e de toda a produção artística que um
professor de canto popular pode possuir de capital simbólico podemos imaginar como o
campo da música popular brasileira pode influenciar o hipotético subcampo de ensino de
canto popular. Ser um cantor famoso pode ser um grande trunfo na luta por espaço de trabalho
na área de ensino de canto popular.
Com a observação acima chegamos à outra lei dos campos: para que uma área se
configure em um campo ou subcampo ela precisa ter autonomia com relação aos outros
campos (BOURDIEU, 2011). O campo ou o subcampo deve provar seu poder de refração. Se
um hipotético subcampo está sendo fortemente influenciado pelos acontecimentos ocorridos
no campo ao qual pertence, a ponto de seu equilíbrio interno poder ser alterado, sem que seus
agentes tenham força para impedir, estará caracterizada sua falta de autonomia, ou seja, ele
ainda não é um subcampo autônomo.

17
Citado nas páginas 4 e 5 do Capítulo 1.
203

Durante a pesquisa verificamos outro elemento que nos fez questionar sobre o nível de
autonomia da área de ensino de canto popular no Brasil. É o fato de que ele não se chame
ensino de canto popular brasileiro e sim apenas de canto popular, este detalhe parece existir
para permitir que gêneros musicais populares de outros países também façam parte do
conteúdo programático dos cursos. Como mostramos no Capítulo 3, no conteúdo dos
programas dos cursos na UNILA, UFBA, UNESPAR e na UFC, pelo menos um dos
semestres é dedicado ao estudo do jazz. Isso demonstra que ainda há uma grande influência
das escolas de música popular americanas na área de ensino de canto popular no Brasil.
Porém, a exemplo do que foi comentado, os alunos de canto popular podem encontrar
dificuldades em adaptar-se às exigências de uma aula de Prática de Conjunto, por exemplo,
onde seja esperado deles que improvisem ao estilo de um cantor de jazz. Por outro lado o
ensino de gêneros da música internacional como o jazz, o bolero, o tango ou tantos outros
gêneros musicais tão importantes e influenciadores da música brasileira, não deveriam ter um
espaço equivalente para seu ensino nos curso de música no Brasil?
Entendi a partir da realização desta pesquisa, que as escolas americanas de ensino de
música popular foram o primeiro modelo para a criação das escolas de música popular em
universidades públicas no Brasil, pois os americanos sistematizaram seu ensino da forma
como ainda não fizemos com a música popular no Brasil. Justamente por esse motivo
importamos esse modelo. Porém, além da cantora Dolores Duram18 e outros cantores da época
pré-bossa nova (entre os anos 1940 e 1950) que adotaram o scat singing, não é comum
encontrarmos na história do canto popular brasileiro outros cantores que seguissem esse
modelo depois dos anos 1960, além de Leny de Andrade, cantora que permanece fiel a esse
estilo até os dias de hoje (NESTROVSKI, 2013). Talvez por esse motivo seja raro encontrar
atualmente alunos de canto popular que estejam familiarizados com essa prática.

18
Adiléa da Silva Rocha (1930 - 1959) cujo nome artístico é Dolores Duram nasceu no Rio de
Janeiro e começou a atuar no teatro ainda cedo, com 12 anos, devido a necessidades financeiras
de sua família. Gravou o primeiro disco em 1951, com 21 anos. Além de cantora foi compositora
e gravou músicas em parceria com Vinícius de Moraes e Tom Jobim. Em 1959 gravou a música
que compôs sozinha, “A noite do me bem”, que fez grande sucesso. Até hoje é uma das cantoras
mais homenageadas da MPB. Disponível em < http://dicionariompb.com.br/dolores-
duran/dados-artisticos> Acesso em: 2 de set. 2017
204
205

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho nosso objetivo foi conhecer práticas de ensino de professores de canto
popular no Brasil e especificamente nas universidades públicas brasileiras. Os agentes e
instituições investigadas, além dos professores das universidades públicas foram: um grupo de
professores autônomos; grupos de estudo e de pesquisa; encontros acadêmicos; associações de
classe; lista de discussão na internet e concursos públicos.
No Capítulo 1 apresentei o principal referencial teórico desta pesquisa e em seguida
descrevi o método da investigação, detalhando os processos de pesquisa realizados nos
últimos quatro anos de trabalho. Os conceitos da teoria dos campos de Bourdieu surgiram
para me ajudar a compreender não só o desenvolvimento da área de ensino de canto popular
no Brasil como também as relações que os professores têm tido entre eles e com os diversos
níveis institucionais e agente que compõem esta área de trabalho.
Fizemos uma pesquisa etnográfica utilizando: a observação direta; a observação
participante; entrevistas; questionários; análise documental e a escrita em forma de diário de
campo. Nossa pergunta inicial foi: O que existe como prática de ensino de canto no Brasil, e
em universidades públicas, além do ensino de canto erudito? A análise dos discursos dos
professores de canto popular revelou detalhes sobre sua formação educacional, aspectos de
seu processo de entrada para o ensino universitário, suas opções didáticas e os principais
problemas e tendências que identificam no exercício da docência. As entrevistas revelaram
também aspectos relacionados com a demanda pelo ensino de canto popular, os preconceitos
enfrentados por alunos e professores de canto popular e as estratégias utilizadas por eles para
a superação desses preconceitos.
No Capítulo 2 apresentamos resumos críticos dos trabalhos de Latorre (2002); Piccolo
(2003; 2006), Queiroz (2009), Lima (2010), Sandroni (2013). Esses trabalhos foram
escolhidos por tratarem diretamente sobre o ensino de canto popular, em universidades e fora
delas. A pesquisa de Latorre (2002) com sua proposta de escuta de épocas influencia até hoje
os processos de ensino adotados pelos professores universitários de canto popular. As
pesquisa de Piccolo (2003) discutiu o processo de surgimento do ensino de canto popular a
partir de entrevistas com professores do Rio de Janeiro e de São Paulo e seu trabalho de
dissertação em 2006 analisou os gestos vocais de três importantes cantores da MPB com a
finalidade de gerar material didático para o ensino de canto popular brasileiro. O trabalho de
Queiroz (2009) investigou profundamente o ensino de canto popular na Escola de Música da
UNICAMP. Lima (2010) investigou e discutiu sobre o aprendizado formal e informal de
206

estudantes de música popular em uma escola pública de ensino profissional em Brasília (DF),
CEP – EMB. No meu trabalho de mestrado finalizado em 2013, investiguei o processo de
ensino e aprendizagem entre os professores de canto popular de um grupo de estudos sobre
voz e canto, o GEV-RJ.
No Capítulo 3 apresentei iformações e as entrevistas que fiz com professores de canto
popular de dez universidades públicas brasileiras: UFPB; UFSJ; UFBA; UNILA; UNICAMP;
UFSCar; UnB; UNESPAR; UFC e UFMG. Observamos que a formação acadêmica desses
professores, em nível de graduação, variou principalmente entre: cursos de Bacharelado em
Música Popular - UNICAMP, UFMG, UnB, UFSCar, UFPB; de Licenciatura em Artes com
Habilitação em Música - UFPB, UFSJ e UNESPAR; e de Bacharelado em Música – UNILA e
UFBA.
Antes e paralelamente aos cursos de graduação, esses professores universitários, além
de estudarem música de formas e em graus diferentes, tiveram experiências artísticas e
performáticas ligadas à música, majoritariamente à prática da música popular.
Em relação à demanda pelo ensino de canto popular nas universidades públicas
brasileiras, verificamos que esta tem sido permanente e em alguns casos crescente.
Constatamos que as disciplinas de canto popular já existiam nos cursos de música, antes da
entrada destes professores, nos casos da UFSJ, UNICAMP, e UFMG. E nos casos da UFPB,
UFBA, UNILA, UFSCar, UnB e UFC, os professores entrevistados foram os primeiros
docentes a preencher essas vagas. Na UFPB, UFSCar e UFC, a disciplina de canto popular
nos cursos de graduação em Licenciatura em Música foi criada a partir da decisão e esforço
das próprias professoras entrevistadas.
Sobre a utilização de métodos para o ensino de canto popular, ficou claro que os
professores não utilizam os mesmos métodos em comum, mas sim métodos distintos, além de
referências didáticas diferentes. Alguns dos livros mais citados foram: A canção no tempo de
Severiano e Mello (1997; 1998); Por todo o canto de Goulart e Cooper (2000); Canto uma
expressão de Baê e Marzola (2000); Mais que nunca é preciso cantar de Delano (1999);
Método de canto popular de Leite e Branco (2001); The Structure of Singing de Miller (1996)
e O Tao da voz de Cheng (1999).
No Capítulo 4 apresentei informações e discussões à respeito do ensino de canto
popular que ocorre fora das salas de aula da graduação nas universidades públicas. Discuti
alguns aspectos dos concursos públicos realizados na área do ensino de canto popular,
inclusive dois deles dos quais participei, e propus o conceito de Espaços de Mediação para
analisar a atividade de grupos de estudo e pesquisa, associações profissionais, encontros
207

acadêmicos e listas virtuais de discussão sobre a voz e o canto.


No Capítulo 5 concentrei as discussões sobre o material apresentado nos capítulos
anteriores propondo a ideia de que os Espaços de Mediação são instâncias de luta e de
legitimação do ensino de canto popular e que a escolha do repertório feito pela literatura
especializada para contar a história da música popular brasileira legitima o ensino de canto
popular nas universidades públicas. Analiso também a área de ensino de canto popular no
Brasil e seu processo de desenvolvimento em direção a uma possível configuração desta área
em um subcampo do campo da música popular brasileira.
Ainda neste capítulo apresento uma discussão sobre as escolhas de repertório feitas
pelos professores de canto popular para seu ensino e o que os levaria a adotar algumas
músicas e a desqualificarem outras para compor o quadro de músicas estudadas por seus
alunos. Para realizar esta discussão apresentei as ideias que Travassos (2000) apresentou à
respeito do valor de gêneros musicais no Brasil. Relembro com a citação ao texto de
Travassos, que esta não é uma discussão nova, e ao contrário, já tem um longo percurso de
estudos que nos leva ao começo do séc. XX, com o surgimento de um mercado fonográfico de
música popular no país.
Em seu texto Travassos nos orienta no sentido de pensarmos sobre esse assunto em
duas direções: o do Brasil como país colonizado e dependente econômica e culturalmente de
outros países e o conflito interno entre a cultura da elite e a do povo. De acordo com a autora,
essas duas linhas de força vem tencionando o entendimento sobre a música no país e se
projetam nos livros que tem contado sua história: uma tendendo a alternância entre a
reprodução de modelos culturais europeus e a descoberta de um caminho próprio e a outra
criando uma dicotomia entre o erudito e o popular.
Com relação à técnica vocal, foi visto que a criatividade para a elaboração de
exercícios é um recurso utilizado pela maioria dos professores e o repertório da música
popular brasileira é referência constante para o trabalho didático e fonte de inspiração para a
criação de vocalizes e outros exercícios. A utilização de vocalizes de canto erudito adaptados
para o ensino de canto popular também é comum.
O relato dos professores a respeito da escolha do repertório utilizado em suas aulas
demonstrou que eles se baseiam principalmente no conceito de épocas e de movimentos
musicais, elaborado por críticos e historiadores da música popular brasileira ao longo do
século XX. É possível supor que essa utilização derive do exemplo de ensino da UNICAMP,
iniciado pela professora Consiglia Latorre, que elaborou o método de escuta de épocas, em
sua dissertação de mestrado de 2002.
208

Encontramos uma variação entre os cursos de canto popular a respeito da estabilidade


de seus conteúdos programáticos. Em algumas universidades como na UFPB, UFBA,
UNILA, UFSCar, UnB e UFC, esse conteúdo parece estar bem consolidado, já em outras
como a UFPB e a UFMG, os programas de ensino de canto popular ainda estão em elaboração
ou em experimentação. Essa situação coincide com a recente entrada de seus professores
atuais. Por outro lado a maioria dos professores declara estar em permanente processo de
elaboração e questionamento com relação aos seus processos didáticos e a respeito da maneira
de ensinar técnica vocal. Da mesma maneira os professores parecem estar abertos a pequenas
adaptações nesses programas.
Com relação à escolha do repertório para o trabalho com os alunos, há uma visão
majoritária de que a música considerada comercial não deve ser ensinada nas universidades
ou nas escolas. Também há professores que consideram que, além da utilização do conteúdo
oferecido pela ampla literatura existente sobre a história da música popular brasileira, é
importante que o professor abrace a demanda do aluno e que inclua nos planos de aulas a
diversidade musical na qual este aluno está inserido, mesmo que essa música seja rotulada de
comercial.
A realização de recitais, espetáculos e/ou shows ao final do semestre ou do ano letivo
é uma prática comum nas disciplinas de canto popular, ficando clara a importância que se dá
nesta área para a prática da expressão artística e performática aberta ao público, como
elemento de formação de seus alunos. Também foram relatadas algumas tensões no processo
de adaptação dos recentes cursos de canto popular nas escolas de música onde outros cursos
de música já existiam anteriormente. Esse processo de adaptação parece necessitar de mais
discussão e debate.
Localizamos também algumas lacunas no conhecimento sobre o ensino de canto
popular. Percebemos, por exemplo, que sabemos pouco sobre o conhecimento em relação à
saúde vocal dos alunos, ou sobre o pedido de exames laringológicos, antes ou após as provas
exigidas para que o aluno venha a entrar na universidade.
O fato de que treze dos quinze professores investigados serem mulheres nos chamou a
atenção, pois aponta para a existência de um possível viés de gênero no ensino de canto
popular, que mereceria ser investigado.
Outra lacuna identificada durante a pesquisa diz respeito à compreensão sobre como e
por que o jazz está incluído no conteúdo programático do ensino de canto popular em algumas
universidades públicas brasileiras. Senti a necessidade de pesquisar mais sobre esse assunto,
entender como e por que o jazz é ensinado pelos professores de canto popular: os alunos
209

cantam temas em inglês? Trata-se de praticar o improviso jazzístico nos temas brasileiros ou
em temas cantados em inglês? Esses e outros aspectos desse ensino não ficaram esclarecidos e
merecem uma pesquisa mais aprofundada.
Sabemos que o primeiro curso de música popular da UNICAMP foi pensado a partir
do modelo de escola de música popular americano, especificamente a escola de música de
1
Berklee, e que foram feitas adaptações que geraram uma “versão mulata” para o curso de
música popular no Brasil. Com vinte e oito anos de experiências acumuladas com o ensino da
música popular nas universidades brasileiras, e com as discussões que podemos realizar sobre
os currículos e programas dos cursos, em particular do ensino de canto popular, talvez
tenhamos condições de discutir sobre esse ensino de forma a considerar a possibilidade de
redimensionar a influência da música popular americana nos cursos de música popular no
Brasil.
Ao final da investigação, percebemos, à luz da teoria dos campos de Bourdieu, que a
área de ensino de canto popular no país está em desenvolvimento e que podemos considerá-la
como um subcampo emergente. Nossa investigação demonstrou também que os agentes deste
subcampo emergente estão lutando pela legitimação e pela estabilidade econômica de sua
profissão nas diversas instâncias onde atuam.
Apesar de disputarem entre colegas por escassas vagas no ensino público e em um
mercado cada vez mais amplo de ensino privado, estão aliados na busca de conhecimento
sobre o ensino de canto e engajados no processo de afirmação de uma escola de canto popular
brasileiro de caráter polifônico, onde a contribuição de cada uma das vozes atuantes têm sido
e será fundamental para a consolidação deste subcampo de ensino música no Brasil.

1
Expressão utilizada pelo professor Eduardo Anderson D. Andrade e citada por nós no Capítulo
3, página 102, terceiro parágrafo.
210
211

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2016. Gravação digital (55 min).

BRAGA, Valéria. Entrevista realizada em sua residência, em Belo Horizonte, 2017.


Gravação digital (70 min).

CHERNAVSKY, Analía. Entrevista realizada em sua residência, por Skype. Foz do


Iguaçu, 2017. Gravação digital (50 min).

DIAS, Uliana. Entrevista realizada em sua residência por Skype. Brasília, 2017.
Gravação digital (60 min).

FRANCO, Suzie. Entrevista realizada em sua residência por Skype. Curitiba, 2017.
Gravação digital (45 min).

GRAMANI, Daniella. Entrevista realizada na Escola de Música da UFPB. João Pessoa,


2015. Gravação digital (60 min).

GUIMARÃES, Andrea dos. Entrevista realizada em sua residência por Skype. São
Paulo, 2017. Gravação digital (60 min).

LIMA, Maria de Barros. Entrevista realizada no Praiamar Natal Hotel & Convention.
Natal/RN, 2016. Gravação digital (80 mim).

MACHADO, Regina. Entrevista realizada por Skype, na Escola de Música da


UNICAMP. São Paulo. 2017. Gravação digital (60 min).
218

MESQUITA, Suely. Entrevista realizada em sua residência. Rio de Janeiro, 2017.


Gravação digital (65 min).

NUNES, Thais. Entrevista realizada em sua residência (por Skype). São Carlos, 2017.
Gravação digital (60 min.)

RESENDE, Daniela. Entrevista realizada por Skype em sua residência. João Pessoa,
2017. Gravação digital (50 min).

SACRAMENTO, Marcos. Entrevista realizada em sua residência. Rio de Janeiro, 2016.


Gravação digital (52 min).

SIMÕES, Luciano. Entrevista realizada durante o XXVI Congresso da ANPPOM, Belo


Horizonte, 2016. Gravação digital (45 min).

ENTREVISTA VIA E-MAIL

GUARIENTE, Liane. Publicação eletrônica [mensagem pessoal]. Mensagem recebida


por clarasandroni19@gmail.com em dia 7 de abril de 2017.

DISCOS

Caetano Veloso. Transa. Rio de Janeiro: Polygram. 1972. 1 LP (ca. 42 min.)

Carlos Sandroni. Sem Regresso. Recife: independente, p2014. 1 CD (ca. 42 min.).

Clara Sandroni. Clara Sandroni. Rio de Janeiro: independente, p1984. 1 LP (ca. 42


min.). UNI – 001.

_____. Daqui. Rio de Janeiro: independente. p1987. 1 LP (ca. 41 min.). UNI – 002.

Gal Costa. A todo vapor. São Paulo: Philips. p.1971. 1 LP.

Novos Baianos. Acabou Chorare. Rio de Janeiro: Som Livre. P.1972

João Gilberto. Chega de Saudade. São Paulo: Odeon Records, p1958. 1 LP (ca. 42
min.)

Milton Nascimento. Encontros e despedidas. Rio de Janeiro: Barclay. p1986. 1 LP (ca.


42 min.)

TRECHOS DE PARTITURAS

Antônio Carlos Jobim. Luíza: Songbook Tom Jobim. Rio de Janeiro: Lumiar Editora. 1994. 1
partitura ( p. 90). Voz e piano.

Dorival Caymmi. A jangada voltou só. São Paulo: E.S. Mangione. 1941. 1 partitura (p. 2).
Voz e piano.
219

ANEXOS

ANEXO A

O JOGO DA MPB

Tive a oportunidade de estar na Universidade Federal da Paraíba (UFPB), em João


Pessoa, entre seis e dezesseis de dezembro de 2014, a convite da professora de canto popular
Daniela Gramani, para ministrar uma oficina de canto popular para alunos de canto e outros
interessados. Encontrei um grupo com 21 alunos, a maioria com carreira artística iniciada no
mercado de música popular de João Pessoa, trabalhando com grupos de Forró e com Show-
Baile principalmente. No final da oficina propus aos participantes de fizéssemos o Jogo da
MPB e o resultado foi muito interessante, como sempre tem sido. O Jogo da MPB é uma
brincadeira que tenho proposto a colegas e a alunos em oportunidades diversas. Trata-se do
seguinte: em uma cartolina ou em uma folha de papel, delimito um grande círculo que chamo
de Território Brasileiro. Dentro desse circulo então, delimito outro círculo menor que chamo
de MPB. A brincadeira proposta é a de perguntar aos presentes quais gêneros musicais eles
escreveriam dentro do conjunto Território Brasileiro e quais eles escreveriam dentro do
conjunto MPB. Ou mesmo se eles criariam novos conjuntos e quais. Os resultados são os
mais díspares entre grupos diferentes de participantes e o que importa neste jogo não é o
resultado e sim a discussão que é gerada.
No caso dos participantes da oficina em João Pessoa, havia uma noção bem definida e
consensual sobre o que entendiam por música popular brasileira e por MPB, e concordamos
nessas definições, o que é raro (os termos música popular brasileira e MPB, como discutimos
brevemente na introdução desse trabalho, podem ser usados no mesmo sentido). A conversa
pegou fogo. A maioria dos participantes era muito falante e cheia de opinião, o que muito me
agradou. Logo depois da oficina fui assistir a apresentação de final de curso da turma da
professora Daniela, e vi e ouvi cerca de dez alunos (oito deles estavam na oficina) cantando
muito bem e com muita propriedade. Vozes lindas, e principalmente um trabalho bem feito,
apesar de simples, bem acabado, com conceito, com cenário, figurinos, adereços e direção
artística. Fiquei muito emocionada e impressionada com o resultado.
Outros resultados do Jogo da MPB foram gerados em oportunidades variadas: com a
minha turma de doutorado em 2013, na UNIRIO; em uma Oficina de canto popular
organizada pela Escola de Música da Universidade Federal do Pará (EMUFPA) em Belém; e
em 2014 e com minha turma de Canto Popular A na UFMG em 2015.
220

ANEXO B

Questionário sobre ensino de canto popular no Brasil

Clara Sandroni
Doutoranda da UNIRIO
Professora de Canto Popular da UFMG
clarasandroni19@gmail.com

Caro professor/a, obrigada por aceitar responder esse questionário. Suas respostas irão
contribuir para meu trabalho de doutorado sobre o ensino de canto popular no Brasil.
Ao responder a essas perguntas, sinta-se à vontade para dar respostas livres e longas.
Você também pode criticar as perguntas ou sugerir outras perguntas. Caso queira responder
pessoalmente algumas delas poderemos marcar uma conversa por Skype ou por outro meio
virtual.

Dados pessoais
Nome completo:
Nome artístico:
Data de nascimento:
Cidade onde mora:
e-mail:

1 - Sobre sua formação em canto


- Teve aulas de canto popular? Com quem?

- Teve aulas de canto erudito ou lírico? Com quem?

- Cursou alguma graduação ou pós? Quais?

- Frequentou cursos livres de canto?

- Qual ou quais destacaria como mais influentes para você?

...........................................

Nas duas próximas perguntas, caso tenha currículo na Plataforma Lattes basta
informar, se não, pode responder.

_________________ Redigiu artigos, TCC, dissertação ou tese sobre voz cantada? Foram
publicados ou estão disponíveis on-line? Especifique:
221

________________ Que outros cursos ou aprendizados foram relevantes para sua formação
como professor de canto.

.....................................................

- Está fazendo algum curso de canto nesse momento? Especifique:

- Participa de algum grupo de estudo presencial ou virtual sobre canto popular? Qual e desde
quando?

2 - Sobre sua atuação como professor/a


- Quando começou a dar aulas de canto e por quê?
- Tem vínculos com alguma instituição universitária ou escola pública ou privada? Se sim,
qual e desde quando?
- Realizou concurso ou prova para esse cargo? Por acaso tem guardado o link do edital ou
uma cópia da prova ou seus conteúdos, que pudesse me enviar?
- Ministra aulas por Skype?

3 - Sobre sua didática


- Quais as principais tendências didáticas que identifica no seu trabalho?
- Utiliza algum método em suas aulas? Qual ou quais?
- Utiliza aparelharem de som em suas aulas (microfones, caixas de som, etc.)
- Ministra aulas individuais, coletivas ou ambos? De até quantos alunos?
- Quantos alunos têm?
- Qual a duração de sua aula individual? E a de grupo?
- Você poderia indicar algum livro sobre canto ou sobre voz que foi importante na sua
formação como professora de canto?

4 - Sobre o trabalho com outros profissionais


- Relaciona-se com outros professores de canto em sua cidade?
- Trabalha em equipe com otorrinolaringologistas e/ou fonoaudiólogos?
- Trabalha em equipe com profissionais de áreas afins?

5 - Sobre saúde vocal


222

- Solicita consulta otorrinolaringológica e exame de videolaringoscopia antes de começar a


dar aulas para seus alunos?

- Se não, em que casos você indica que seus alunos façam essas avaliações ou exames?

6 - Sobre técnica vocal:


- Utiliza algum tipo de aquecimento vocal ou corporal com seus alunos?

- Utiliza exercícios e conceitos do canto erudito nas suas aulas?

- Utiliza falsete com seus alunos homens?

- Utiliza voz de cabeça com suas alunas mulheres?

_____sobre a classificação vocal em canto popular:


- Você classifica as vozes dos seus alunos de forma tradicional ou de alguma outra forma?

- Isso influência em alguma coisa a sua prática?

___ sobre a emissão vocal dos exercícios:


- Sobre a emissão vocal, como você diferencia suas aulas de canto popular de uma de aula
canto erudito?

___ sobre respiração e apoio:


- Você interfere na respiração de seus alunos?

- Trabalha de algum modo conceito de respiração e apoio? Sim ou não?

7 - Sobre escolha de repertório


- Qual tipo de repertório trabalha com seus alunos?
- Trabalha com música internacional? Qual?
- Trabalha com música popular brasileira? De quais gêneros?
- A escolha do repertório é sua ou deles?

8 - Sobre sua atuação como cantor/a


- Teve alguma atuação como cantor/a antes de dar aulas de canto?
- Permanece com sua atuação como cantor/a e professor/a ao mesmo tempo?
223

9 - Gostaria de sua opinião sobre:

- Quais os principais desafios que enfrenta em sua profissão de professor/a?


- Quais as principais tendências didáticas você identifica no seu trabalho?
- Como você definiria o canto popular brasileiro?

10 - Concordaria em ser entrevistado pessoalmente ou por Skype ou


outro aplicativo qualquer de conversa on-line como o Gmail ou
outros?

Endereço para contato on-line: _


224

ANEXO C

Histórico da ABC2

Histórico

A Associação Brasileira de Canto foi fundada em 1995, durante o III Congresso Brasileiro de
Laringologia e Voz – I Encontro Brasileiro de Canto, no Rio de Janeiro, tendo entre seus
sócios fundadores cantores, professores de canto lírico e popular, maestros, co-repetidores e
fonoaudiólogos. É afiliada oficialmente à mais importante associação de canto do mundo, a
NATS (National Association of Teachers of Singing - EUA).
A ABC é uma entidade cultural sem fins lucrativos que visa promover e divulgar o
conhecimento, pesquisa e prática da arte, técnica e ensino do canto em eventos, cursos,
congressos, recitais e fomentar as iniciativas de colaboração multidisciplinar sobre a Voz.

Show no antigo "Jazz Club" no Hotel meridiano, Leme em outubro de 2005. Na data
da fundação da Associação Brasileira de canto durante o III Congresso brasileiro de
Laringologia e voz. Francis e Olivia Hime, Eliane Sampaio e Mirna Rubin (à direita),
Clara Sandroni (à esquerda) e Vera do Canto e Mello (centro).

Desde sua fundação tem realizado workshops, campanhas da Semana Nacional da Voz,
recitais, congressos e seminários dentre os quais, destacam-se:

2
Disponíve em: <http://www.abcanto.com/p/historico.html> Acesso em: 27 de ago. 2013.
225

I Encontro Brasileiro de Canto (1995), realizado no Rio de Janeiro, em joint venture com a
Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz, com destaque para workshops e palestras de
nomes como Marília Pêra, Inácio de Nonno, Pedro Bloch, José Miguel Wisnik, Paula Toller e
dos professores americanos Marvin Keenze e Jean Westerman Gregg (presidente da
NATS). No show/recital de encerramento tivemos as participações de Paula Toller, Olivia
Hime, Clara Sandroni, Maude Salazar, Felipe Abreu e o grupo Arranco de Varsóvia. Dentre
os cantores líricos contamos com Neide Thomas, soprano, Amin Feres, baixo, Inácio de
Nonno, barítono.

II Encontro Brasileiro de Canto (1997), realizado em São Paulo, em joint venture com a
Sociedade Brasileira de Laringologia e Voz, com destaque para palestras como a do maestro
Abel Rocha e da professora Eliane Sampaio.

III Encontro Brasileiro de Canto (2000), realizado no Rio de Janeiro, com mais de 50
palestras e workshops de diversos nomes do canto erudito, popular e coral brasileiros, com
destaque para nomes como Larry Fountain, Carol McDavit, Martha Herr, Claudio
Botelho e do professor J. Timothy Caldwell (USA).

I Congresso Brasileiro de Canto (2002), realizado no Rio de Janeiro, com mais de 40


palestras e workshops de eminentes nomes do canto, laringologia, fonoaudiologia, regência,
terapias corporais de todo o Brasil, com destaque para a atriz-cantora Marília Pera e para os
convidados especiais, professores de canto Elizabeth Howard (EUA) e Marvin Keenze
(Westminster Choir College – EUA).

I Encontro Regional da Associação Brasileira de Canto (2004), realizado em Salvador (BA),


com a presença de vários representantes estaduais da ABC de todas as regiões do Brasil.
Houve palestras, mesas redondas e masterclasses, recitais e shows destacando-se a presença
dos profs. Vera do Canto e Mello, Mirna Rubim, Eliane Sampaio, Moacyr Costa Filho, Elke
Beatriz Riedel.

IV Encontro Brasileiro de Canto (2005), realizado em São Paulo (SP), com discussão e
aprovação de normas de pronúncia neutra para o Português Brasileiro no Canto Erudito. Mais
de cem participantes votaram na tabela final aprovada em assembleia, atualizando, pela
226

primeira vez, as normas de pronúncia estabelecidas no Congresso da Língua Nacional


Cantada, presidido por Mario de Andrade em 1937.

Workshops:
Nestes nove anos de atividade, a ABC realizou inúmeros workshops, sendo que em 2004
celebrou-se um convênio para a realização de workshops mensais no Conservatório Brasileiro
de Música (CBM-RJ). Entre as oficinas oferecidas pela ABC aos seus associados e ao público
geral, destacamos, entre outras:
• Masterclass de Co-Repetição, com o Prof. Dr. Ricardo Ballestero, co-repetidor da Houston
Grand Opera (EUA)
• Fisiologia da Voz Essencial para Cantores, com a Prof. Dra. Mirna Rubim
• Vox Sana in Corpore Sano, com os Profs. Eliane Sampaio e Edmundo Dias
• O Método “Vocal Power” da Prof. Elizabeth Howard, com a Prof. Vera do Canto e Mello
(no RJ e em SP)
• Repertório Erudito Anglo-Americano, com a Prof. Martha Herr
• Masterclass “O Corpo em Cena na Ópera”, com a Prof. Laura de Souza
• Técnica Vocal para o Canto Popular, com o Prof. Felipe Abreu
• Preparação Vocal para Corais, com a Prof. Veruschka Mainhard
• A Voz na Música Popular Brasileira, com a Prof. Clara Sandroni
• Cuidando da Saúde da Voz e Aprendendo a Ver uma Videolaringoscopia, com o
laringologista Dr. Marcos Sarvat
• Questões Controversas de Técnica Vocal, com a Prof. Vera do Canto e Mello
• Análise Acústica Computadorizada da Voz Cantada, com a Fga. Maryse Müller
• Técnica e Interpretação nas Canções de Musicais da Broadway, com a prof. de canto Carol
McDavit e o maestro Larry Fountain

Campanhas da Semana Nacional da Voz


• A ABC participou ativamente como instituição apoiadora da SEMANA NACIONAL DA
VOZ, com divulgação nacional, em 1999 e 2000, reunindo-se a entidades médicas e
paramédicas que têm a voz como seu principal objeto, mobilizando escolas de música e
professores de canto a fazer avaliações gratuitas de voz cantada para a população geral,
organizando ainda o concerto de encerramento e colaborando com a veiculação na mídia (TV,
rádio e jornais) dessas campanhas.
227

Apoio e representação em eventos


• Entidade apoiadora dos consagrados 1º, 2º e 3º Fóruns Rio A Cappella de Música Vocal (RJ,
2001, 2002, 2003).
• A representação oficial nos seguintes eventos:
- 2º Congresso Mundial da Voz (1999-SP)
- 4º Congresso Brasileiro de Laringologia e Voz (1997- SP)
- 5º Congresso Brasileiro de Laringologia e Voz (1999 - SP)
- 6º Congresso Brasileiro de Laringologia e Voz (2001- GO)
- 1º Encontro da Palavra Cantada (RJ-2000).
- 1ª Reunião Pró- Consenso de Voz Profissional (RJ-2001)

Recitais:
A ABC promoveu recitais com seus associados e convidados, destacando-se as participações
de Mirna Rubim, Carol McDavit, Larry Fountain, Gina Martins, Maurício Moço, entre muitos
outros.

Publicações:
A ABC distribui entre seus associados um Boletim Informativo Bimestral desde 1999,
encontrando-se agora no seu quinto ano, com notícias sobre os mais variados eventos (cursos,
concursos, lançamentos, recitais, etc) sobre canto, contando em cada número com um artigo
inédito e exclusivo, escrito por uma eminente personalidade da pedagogia vocal, acústica
vocal, laringologia, fonoaudiologia, etc.
A ABC publicou também, em 2002, a Revista “A Voz no Século XXI”, veiculada no
Congresso Brasileiro de Canto, com cerca de 30 artigos exclusivos sobre os mais variados
temas, destacando-se Técnica Vocal; Respiração; Neuro-Fisiologia do Canto; Voz de Higiene
Vocal; O Canto Feminino no Ocidente; Formantes Vocais e Formante do Cantor; a Polêmica
do Belting; Técnica para Coros; Dicas para Ensaios, Shows e Gravações; o Movimento da
Música Vocal a Cappella na Califórnia; Pedagogia Vocal no Brasil; O Canto Popular na
Universidade; Técnica de Alexander e Canto; Voz Falada e Voz Cantada; a Medicina e o
Canto; Vocalises para o Canto Popular; Os Aspectos Legais da Pirataria na Música e outros.
Aproximadamente 1.500 pessoas se beneficiaram com os eventos realizados pela ABC.

Institucional
228

Diretoria de 2010 a 2012


Presidente: Vera Maria do Canto e Mello
Vice-Presidente: Eliane Maria de Oliveira Sampaio
1ª Secretária: Maryse Müller
2º Secretário: Diego Timbó
1ª Tesoureira: Noêmia Maestrini
2º Tesoureiro: Christiano Marques
Diretoria de 2007 a 2009
Presidente: Jorgina Martins Pires
Vice-Presidente: Cristina Nino Biscaia
1ª Secretária: Doriana Mendes Reis
2º Secretário: Ciro Fernandes D´Araujo
1ª Tesoureira: Regina Coeli Nunes Coimbra
2º Tesoureiro: Homero Antonio Strini Velho
Diretoria de 2005 a 2007
Presidente: Dra. Mirna Rubim
Vice-Presidente: Martha Herr
1º Secretário: M. Moacyr Costa Filho
2ª Secretária: Marina Considera
1ª Tesoureira: Dra. Cristina Biscaia
2ª Tesoureira: Maryse Müller
Diretoria de 2003 a 2005
Presidente: Vera Maria do Canto e Mello
Vice-Presidente: Martha Herr
1º Secretário: Felipe Abreu
2ª Secretária: Maryse Müller
1ª Tesoureira: Irandy Garcia Rosa
Diretoria de 2001 a 2003
Presidente: José Hue
Vice-Presidente: Ruth Staerke
1ª Secretária: Karla Boechat
2ª Secretária: Irandy Garcia Duarte da Rosa
1º Tesoureiro: Leonardo La Greca
2º Tesoureiro: Edmundo Dias
229

Diretoria de 1999 a 2001


Presidente: Vera Maria do Canto e Mello
Vice-Presidente: Carol McDavit
1º Secretário: Felipe Abreu
2ª Secretária: Maryse Müller
1ª Tesoureira: Clara Sandroni
2ª Tesoureira: Cristina Biscaia

Diretoria de 1997 a 1999 (reeleita)


Presidente: Eliane Maria de Oliveira Sampaio
Vice-Presidente: Vera Maria do Canto e Mello
1º Secretário: Joaquim Inácio de Nonno
2ª Secretária: Jorgina Martins Pires
1ª Tesoureira: Maria Olivia Levenroht Hime
2ª Tesoureira: Mirna Moura Rodrigues

Diretoria de 1995 a 1997


Presidente: Eliane Maria de Oliveira Sampaio
Vice-Presidente: Vera Maria do Canto e Mello
1º Secretário: Joaquim Inácio de Nonno
2ª Secretária: Jorgina Martins Pires
1ª Tesoureira: Maria Olivia Levenroht Hime
2ª Tesoureira: Mirna Moura Rodrigues

A ABC é uma entidade cultural sem fins lucrativos que visa promover e divulgar o
conhecimento, pesquisa e prática da arte, técnica e ensino do canto em eventos, cursos,
congressos, recitais e fomentar as iniciativas de colaboração multidisciplinar sobre a
Voz. Seja Bem-vindo ao nosso Site!
230

ANEXO D

O decreto do REUNI

Presidência da República 3

Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

DECRETO Nº 6.096, DE 24 DE ABRIL DE 2007.

Institui o Programa de Apoio a Planos de


Reestruturação e Expansão das Universidades
Federais - REUNI.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso VI,
alínea “a”, da Constituição, e considerando a meta de expansão da oferta de educação

o
superior constante do item 4.3.1 do Plano Nacional de Educação, instituído pela Lei n 10.172, de 9
de janeiro de 2001,

DECRETA:

o
Art. 1 Fica instituído o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais - REUNI, com o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e
permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura
física e de recursos humanos existentes nas universidades federais.

o
§ 1 O Programa tem como meta global a elevação gradual da taxa de conclusão média dos
cursos de graduação presenciais para noventa por cento e da relação de alunos de graduação em
cursos presenciais por professor para dezoito, ao final de cinco anos, a contar do início de cada
plano.

o
§ 2 O Ministério da Educação estabelecerá os parâmetros de cálculo dos indicadores que
o
compõem a meta referida no § 1 .

o
Art. 2 O Programa terá as seguintes diretrizes:

I - redução das taxas de evasão, ocupação de vagas ociosas e aumento de vagas de ingresso,
especialmente no período noturno;

II - ampliação da mobilidade estudantil, com a implantação de regimes curriculares e sistemas


de títulos que possibilitem a construção de itinerários formativos, mediante o aproveitamento de
créditos e a circulação de estudantes entre instituições, cursos e programas de educação superior;

III - revisão da estrutura acadêmica, com reorganização dos cursos de graduação e atualização
de metodologias de ensino-aprendizagem, buscando a constante elevação da qualidade;

IV - diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente não voltadas à


profissionalização precoce e especializada;

V - ampliação de políticas de inclusão e assistência estudantil; e

3
Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6096.htm >
Acesso em: dia 7 de out. 2016.
231

VI - articulação da graduação com a pós-graduação e da educação superior com a educação


básica.

o
Art. 3 O Ministério da Educação destinará ao Programa recursos financeiros, que serão
reservados a cada universidade federal, na medida da elaboração e apresentação dos respectivos
planos de reestruturação, a fim de suportar as despesas decorrentes das iniciativas propostas,
especialmente no que respeita a:

I - construção e readequação de infra-estrutura e equipamentos necessárias à realização dos


objetivos do Programa;

II - compra de bens e serviços necessários ao funcionamento dos novos regimes acadêmicos; e

III - despesas de custeio e pessoal associadas à expansão das atividades decorrentes do plano
de reestruturação.

o
§ 1 O acréscimo de recursos referido no inciso III será limitado a vinte por cento das despesas
o o
de custeio e pessoal da universidade, no período de cinco anos de que trata o art. 1 , § 1 .

o o
§ 2 O acréscimo referido no § 1 tomará por base o orçamento do ano inicial da execução do
plano de cada universidade, incluindo a expansão já programada e excluindo os inativos.

o
§ 3 O atendimento dos planos é condicionado à capacidade orçamentária e operacional do
Ministério da Educação.

o
Art. 4 O plano de reestruturação da universidade que postule seu ingresso no Programa,
respeitados a vocação de cada instituição e o princípio da autonomia universitária, deverá indicar a
o
estratégia e as etapas para a realização dos objetivos referidos no art. 1 .

Parágrafo único. O plano de reestruturação deverá ser aprovado pelo órgão superior da
instituição.

o
Art. 5 O ingresso no Programa poderá ser solicitado pela universidade federal, a qualquer
tempo, mediante proposta instruída com:

o
I - o plano de reestruturação, observado o art. 4 ;

II - estimativa de recursos adicionais necessários ao cumprimento das metas fixadas pela


o
instituição, em atendimento aos objetivos do Programa, na forma do art. 3 , vinculando o progressivo
incremento orçamentário às etapas previstas no plano.

o
Art. 6 A proposta, se aprovada pelo Ministério da Educação, dará origem a instrumentos
próprios, que fixarão os recursos financeiros adicionais destinados à universidade, vinculando os
repasses ao cumprimento das etapas.

o
Art. 7 As despesas decorrentes deste decreto correrão à conta das dotações orçamentárias
anualmente consignadas ao Ministério da Educação.

o
Art. 8 Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

o o
Brasília, 24 de abril de 2007; 186 da Independência e 119 da República.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA


Fernando Haddad
Paulo Bernardo Silva

Este texto não substitui o publicado no DOU de 25.4.2007


232

ANEXO E

Atualização do currículo do professor Felipe Abreu (GEV-RJ)

ATUALIZAÇÃO MINI-CURRÍCULO período 2013 a 2017

Além de seguir ministrando aulas particulares de canto, fez a preparação vocal dos CDs dos
seguintes cantores:

- Sam Alves (vencedor da 2a edição do The Voice Brasil; ID, 2013);


- Nina Becker (“Minha Dolores”, 2014);
- Serjão Loroza (“Carpe Diem”, 2014);
- Maria Luiza (“Pequena”, 2014);
- Duda Brack (“É”, 2015);
- Roberta Sá (“Delírio”, 2015 + arranjo vocal);
- Valéria Lobão (“Noel Rosa, Preto e Branco”, 2015; indicado ao Grammy Latino e ao
Independent Music Awards-USA);
- Fernanda Abreu (“Amor Geral” + arranjos vocais, 2016);
- Leo Jaime (single “Charme do Mundo”, 2016);
- João Fenix (“De Volta ao Começo” + arranjos vocais, 2016);
- Maria Luiza Jobim (“Opala”, 2016);
- Monique Kessous (“Dentro de Mim Cabe o Mundo”, 2016);
- Beatrice Mason (“Tributo a Nick Drake” + arranjos vocais, 2017);

Fez também a preparação vocal da cantora Simone para a turnê nacional de seu show “É
Melhor Ser” (2015/2016); de Diogo Nogueira no DVD “Alma Brasileira” (2016) e de Silvia
Machete no DVD “Dussek Veste Machete” (2017).

Fez ainda a preparação vocal do ator Bruno Mazzeo para o longa-metragem “Muita Calma
Nessa Hora 2” (2014) e da atriz Françoise Forton para a peça musical “Um Amor de Vinil”
(2016/2017).
233

ANEXO F

Temas das perguntas feitas durante as entrevistas:

- Sobre sua formação antes do concurso que fez para a universidade.

- Sobre o concurso que fez para dar aulas na universidade.

- Sobre a demanda para o ensino de canto popular na instituição de ensino em que


leciona.

- Ministra aulas para quantos alunos de canto popular?

- Sente algum preconceito com relação aos alunos ou ao ensino de canto popular?

- Participa de algum grupo de estudos?

- Como aborda a técnica vocal com seus alunos?

- Como escolhe o repertório que vai trabalhar com seus alunos?

- Faz alguma restrição com relação ao repertório?

- Utiliza algum método para trabalhar em suas aulas?


234

ANEXO G

Concurso da UFPA

UFPA – 20144

Área de conhecimento:
Canto Popular

Provas:
Prova escrita
Prova didática
Prova prática
Prova de memorial

Requisito Básico:

Graduação em Música ou de Graduação em Educação Artística com habilitação em


Música ou de Graduação em Música e Pós- Graduação em Música ou de graduação em
áreas de Linguística, Letras e Artes; Ciências Humanas; Multidisciplinar
Interdisciplinar-Sociais e Humanidades, com Pós-Graduação em Música.

4
Disponível em:
<http://ceps.ufpa.br/daves/ICA%20%202014/M%20Edital%20ICA%202014EBTT.pdf> Acesso
em: 29 de ago. 2016.
235

ANEXO H

Concurso da UFRN

UFRN - 20165

Escola de Música

Área de conhecimento:
Canto Popular e Prática de Conjunto

Provas:
I – Prova Escrita (fase eliminatória); (4 horas)
II – Prova Didática (fase eliminatória); (60 minutos)
III – Defesa de Memorial e Projeto de Atuação Profissional (fase eliminatória); (30 m)
e IV – Prova de Títulos (fase classificatória).

Requisito básico:
Graduação em Música

5
Disponível em: <http://assets.agrobase.com.br/concursos/wp-content/uploads/2016/05/edital-003-2016-
do-concurso-p%C3%BAblico-da-ufrn.pdf> Acesso em: 14 de ago. 2016.
236

ANEXO I

Currículo atualizado de Ana Lúcia de Alcântara Calvente

Fonoaudióloga especialista em voz

Participou dos cursos:

Belting – Teoria e Prática – ministrado pela Profa. Dra. Mirna Rubim – fevereiro de 2014.

A Ciência da Voz Cantada ministrado pelo Prof. Dr. Johan Sundberg (organizadora)

Práticas Poéticas Vocais V seminário a Voz e a Cena – UNIRIO – setembro 2015

Interfaces entre Voz e Motricidade Orofacial – CEFAC – ministrado pelas Prof. Dra. Irene
Marchesan e Prof. Dra. Sílvia Pinho – outubro 2015.

XIX Simpósio Internacional do CEV: Vocologia 2016 ministrado pelo Prof. Dr. Ingo Titze –
março 2016.

Workshop Atualização em Voz Cantada – Da Fisiologia a Bilboard – ministrada pela Profa.


Ms. Janaína Pimenta – outubro de 2016.

Workshop de Alto Rendimento Vocal – Da Clínica à Performance Vocal – ministrado pela


Profa. Patrícia Antoniazzi – maio 2017.

Participação no grupo vocal:

2013 – atual: Equale

Direção Musical: André Protásio

Gravação de CD:

2016 – Na Onda de João - coral Canto do Rio

2017 – Na Praia de Caymmi - Grupo Vocal Equale


237

ANEXO J

Atualização do currículo de Suely Mesquita (GEV)

Suely Mesquita - tradução do release em inglês para o boletim da Jeanie. Dez 2016

Com Eugenio Dale, lançou o álbum Dio&Baco (2015), com site aqui.

Em 2014 foi entrevistada por Paulinho Moska em seu prestigiado programa de


TV Zoombido, by Paulinho Moska. Suas canções foram gravadas por alguns de seus
parceiros importantes, como Evandro Mesquita, Mário Sève, Moska, Fernanda Abreu,
Pedro Luís e a Parede, Kátia B., George Israel, Celso Fonseca, Leoni, Luís Capucho e
também por cantores brasileiros como Alice Caymmi, Ney Matogrosso, Ceumar,
Daúde, 14BIS e outros. Em 2011, a artista fez shows e palestras nos programas de verão
das universidades americanas UMass Dartmouth e Georgetown. Suas canções foram
estudadas também num curso na UMass Dartmouth. O livro Sexo Puro: A Life in
Brazilian Song (2010), de Bob Gaulke, foi lançado somente em inglês e apresenta as
canções de Suely para o público de língua inglesa. A resenha em português está no site
da livraria Blooks.

Suely faz direção artística e também a direção geral de espetáculos de música. Dá aulas
individuais de canto desde 1984. Criou, coordenou e deu aulas no laboratório
criativo DESCONTROLE NÃO É CAOS (2013 e 2014), no Rio de Janeiro. Também
criou o laboratório Microfone Relâmpago. Como diretora vocal, assina os discos de
artistas brasileiros importantes, como Pedro Luís e a Parede, Farofa Carioca, Gabriel
Moura, Rogê, George Israel etc. É co fundadora do GEV - Grupo de Estudos da Voz do
Rio de Janeiro, criado em 1992 para adaptar o conhecimento do canto clássico e a
abordagem científica da fisiologia vocal ao treinamento do cantor popular. Em 2000,
criou a primeira grande lista de discussão por e-mail sobre canto no Brasil,
preparacaovocal.

Suely conheceu Jeanie LoVetri e seu método, Somatic Voicework™, em 2005, quando
Jeanie veio ao Brasil pela primeira vez. Em 2010 passou a estudar sob a orientação
direta de Jeanie. Em 2010 e 2013, foi assistente e tradutora dos cursos de Jeanie no
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Brasil. Em 2011, Suely certificou-se em Somatic Voicework™ Níveis I, II and III e


ofereceu em NY o curso SINGING BRAZILIAN SONGS. Em 2017, Jeanie volta ao
Brasil para oferecer pela primeira vez o Nível I da certificação e Suely será uma de suas
tradutoras e professoras assistentes.

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