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O Egito é um símbolo: representa um lugar que “já foi bom” e deixou de ser. Na etimologia
hebraica, a palavra Egito – mitsraim – quer dizer “lugar estreito”. Há lugares, que outrora
serviram para nosso desenvolvimento e crescimento, se tornam apequenados e limitadores.
Mas, o processo de saída esbarra num limite tão real e profundo como o mar [Vermelho].
Entre o exército mais poderoso do mundo de então e o mar, os hebreus se voltam a Moisés.
O que fazer? Como seguir rumo à “terra prometida”, ao futuro, se entre o presente e ela existe
um fosso, um mar, absoluto. Os portões do passado se fecham, os do futuro não estão abertos
e o corpo experimenta a mais temida das sensações – o pânico de se extinguir.
a) Jogar-se ao mar é a atitude do desespero; não há mais o passado que o definia, nem lhe é
permitido um novo futuro que o redefina. Na busca de um novo “bom”, não se encontra um
novo “correto” e a única saída é pagar o preço de não se ter bancado o “correto” do passado
mesmo que o “bom” fosse inadequado. Desse desespero surge a resignação de que, apesar de
não se voltar ao lugar estreito, jamais se poderá atingir um novo lugar amplo.
b) Aquele que propõe o retorno reconhece o poder do lugar estreito. Esse lugar do hábito é
tão poderoso que foi uma ilusão se deixar levar pelo sonho de sair. Tudo estava errado desde o
início e a proposta de voltar pressupõe uma vida estreita e em conformidade com a realidade
e as limitações que esta impõe.
c) Lutar é a crença de que se poderá fazer do próprio lugar estreito um lugar mais amplo. Se o
lugar estreito é poderoso para impor-se como realidade, o que resta é desafiá-lo, como se a
estreiteza fosse externa e não um processo de relação entre o mundo externo e o interno.
Jamais devemos esquecer que o lugar estreito um dia não o foi.
d) Orar pode ser um recurso para fazer da situação do “novo” uma reprodução do lugar
estreito. Numa aparente resolução das demandas da alma, o corpo exige (decreta?) que a
realidade seja “compassiva”, permitindo que o novo lugar não exija dele uma nova definição
de si. O novo lugar é o velho sem parecer-lhe estreito.
Marchar, dar andamento, a quê? Para onde? Que solução óbvia é essa que a divindade
apresenta, pela qual nenhum acampamento, ou nenhuma perspectiva do corpo, consegue dar
conta de uma saída? Conhecemos o final do relato bíblico: o mar se abre!
Esse profundo ato de confiança em Deus e no processo da vida garante a passagem pelo vazio
que magicamente se concretiza em chão sob nossos pés. O que não existia passa a existir e um
novo lugar amplo se faz acessível. Conhecemos esse processo através de nosso nascimento.
Em determinado momento, o lugar mais maravilhoso, aconchegante e repleto de nutrientes
para o corpo se desenvolver se torna estreito. O útero materno deixa de ser amplo e
se transforma em um mitsraim (Egito). A saída pelas águas a seco é difícil, e pressupõe uma
coragem que só se torna possível se alma e corpo andam de mãos dadas.