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RIO DE JANEIRO
2018
Michele de Souza Senra
Rio de Janeiro
2018
Michele de Souza Senra
Dedico este trabalho ao meu filho Breno Willians,
inspiração para a minha vida.
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus por me iluminar e guiar meus passos. Agradeço à minha
querida orientadora, Drª Thelma Sydenstricker Álvares, por ser uma pessoa tão extraordinária
e humana. Aos pais dos meus pacientes, por acreditarem no meu trabalho, em especial a todos
os meus anjos azuis que me ensinam a cada dia a ser uma pessoa e uma profissional melhor.
Novamente ao meu filho, que veio a essa terra para trazer transformação na minha vida. À
minha mãe e ao meu pai (in memoriam) que estimularam o prazer em fazer música desde a
infância. À minha querida amiga, fonoaudióloga Adriana Fernandes, por fazer a análise do
FEAS nas crianças. Uma profissional que admiro e que me ajudou desde o início de minha
carreira profissional. Te amo, linduda! Ao Thiago Henrique, por ser um auxiliar espetacular nas
sessões com nossos meninos. Às musicoterapeutas, que na época da pesquisa foram minhas
estagiárias: Katilucy e Viviane. Muito obrigada, meninas. Amo vocês. À toda Equipe do
CORA, vocês são fantásticos! À minha querida amiga Hélida Lisboa, que me incentivou a
buscar o mestrado. O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – CÓDIGO DE
FINANCIAMENTO 001.
RESUMO
A presente pesquisa teve como objetivo observar como crianças com autismo se
relacionam com a música quando apresentam transtornos sensoriais. E avaliar as possibilidades
da música na minimização dos impactos que o sistema sensorial deficitário tem sobre essas
crianças. Como metodologia, adotamos uma abordagem qualitativa em um estudo de caso
naturalístico. Participaram deste estudo três crianças com diagnóstico de TEA atendidas pelo
CORA – Centro de Otimização para a Reabilitação do Autista, com idade entre dois e quatro
anos. Como procedimento de coleta de dados, foram utilizadas filmagens das atividades
musicais desenvolvidas por meio da observação participante e livre, e questionários
preenchidos pelos pais. Utilizamos o instrumento FEAS (Functional Emotional Assessment
Scale) para avaliar o nível de desenvolvimento sensorial, motor e emocional dessas crianças;
Aplicamos também, o protocolo de avaliação IMCAP-ND (Individual Music-Centered
Assessment Profile for Neurodevlopmental Disorders) que serviram como base para
observamos as filmagens e execução das propostas de interações musicais improvisacionais e
recriações com o grupo de crianças pesquisadas. Através da pesquisa foi possível perceber que
as sessões de musicoterapia beneficiaram o grupo, uma vez que melhoraram aspectos de
comunicação pré-verbal como, a atenção compartilhada e imitação, por exemplo. E esse
resultado foi possível com a aplicação das técnicas do DIR/Floortime onde respeita as
diferenças biológicas, e auxilia a criança a se regular sensorialmente para ter atenção e interesse
pelo ambiente e pelas pessoas ao redor. Melhorando assim, sua performance de relacionamento.
A pesquisa de campo teve duração de seis meses, com quinze sessões em grupo. Finalizamos a
pesquisa com reflexões e sugestões através das experiências musicais com as crianças do estudo
de caso, e como os desdobramentos deste estudo pode ser uma fonte para futuras pesquisas no
campo da educação musical e musicoterapia.
SENRA, Michele de Souza. The relationship between music and sensory process in the
musical perception of children Autistic Spectrum Disorder: a case study applied in
therapeutic and educational intervention based on the DIR/Floortime. Dissertation (Masters in
Music) – School of Music, Federal University of Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2018.
This study aimed to observe how children with autism relate to music when they
present sensory disorders. And to evaluate the possibilities of music in minimizing the impacts
that the sensory system has on these children. As a methodology, we adopted a qualitative
approach in a naturalistic case study. Three children with a diagnosis of ASD attended by the
CORA - Center for Optimization for Autistic Rehabilitation, aged between two and four years,
participated in this study. As a data collection procedure, musical activities were developed
through participant and free observation, and questionnaires completed by the parents. We used
the FEAS instrument (Functional Emotional Assessment Scale) to assess the level of sensory,
motor and emotional development of these children; We also applied the IMCAP-ND
(Individual Music-centered Assessment Profile for Neurodevlopmental Disorders) evaluation
protocol that served as a basis for observing the filming and execution of proposals for
improvisational musical interactions and re-creations with the group of children surveyed.
Through the research it was possible to perceive that the music therapy sessions benefited the
group, since they improved aspects of pre-verbal communication such as shared attention and
imitation, for example. And this result was possible with the application of the DIR / Floortime
techniques where it respects the biological differences, and helps the child to adjust sensorially
to have attention and interest for the environment and the people around. Improving this way,
your relationship performance. Field research lasted six months, with fifteen group sessions.
We finish the research with reflections and suggestions through the musical experiences with
the children of the case study, and how the developments of this study can be a source for future
research in the field of music education and music therapy.
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11
2 REVISÃO DE LITERATURA ............................................................................ 15
2.1 CONCEPÇÕES E DEFINIÇÕES SOBRE AUTISMO ........................................... 15
2.1.1 Aspectos sensoriais no autismo ............................................................................. 20
2.1.1.1 Sistema Vestibular ................................................................................................... 21
2.1.1.2 Sistema Proprioceptivo ............................................................................................ 22
2.1.1.3 Sistema Tátil ............................................................................................................ 23
2.1.1.4 Sistema Auditivo ...................................................................................................... 24
2.1.1.5 Sistema Visual ......................................................................................................... 26
2.1.2 A relação da música com os sistemas sensoriais ................................................. 29
2.1.3 Ritmo ....................................................................................................................... 31
2.1.3.1 Melodia .................................................................................................................... 32
2.1.3.2 Harmonia.................................................................................................................. 34
2.2 REFLEXÕES SOBRE A DIVERSIDADE, INCLUSÃO E EXCLUSÃO NOS
SISTEMAS EDUCACIONAIS NO SÉCULO XXI: A CONTRIBUIÇÃO DA
MUSICOTERAPIA PARA A EDUCAÇÃO MUSICAL ....................................... 38
2.2.1 Diversidade ............................................................................................................. 40
3 REFERENCIAL TEÓRICO ................................................................................. 42
3.1 CONHECENDO O MODELO DIR/FLOORTIME E SUA APLICABILIDADE
COM OUTRAS ABORDAGENS MUSICAIS ....................................................... 42
3.1.1 DIR .......................................................................................................................... 43
3.1.2 “D” Estágios do Desenvolvimento (GREENSPAN, WIEDER, 2006b, p. 43-51)
.................................................................................................................................. 43
3.1.3 “I” Diferenças Individuais .................................................................................... 46
3.1.4 “R” Relacionamentos afetivos .............................................................................. 47
3.1.5 Floortime ................................................................................................................. 47
3.2 ABORDAGENS E MÉTODOS UTILIZADOS NA MUSICOTERAPIA E
PEDAGOGIA MUSICAL QUE PODEM DIALOGAR COM OS PRINCÍPIOS DO
MODELO DIR/FLOORTIME ................................................................................. 48
3.3 MODELO NORDOFF-ROBBINS .......................................................................... 48
3.4 MUSICOTERAPIA ORFF ...................................................................................... 50
3.5 MÉTODO WILLEMS ............................................................................................. 51
4 METODOLOGIA .................................................................................................. 53
4.1 MÉTODO ESTUDO DE CASO QUALITATIVO ................................................. 53
4.1.1 Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética ............................................................. 54
4.2 ESTRUTURAÇÃO DAS SESSÕES COM AS CRIANÇAS COM AUTISMO .... 54
4.3 PROCEDIMENTOS E INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ................ 55
5 RELATO DOS CASOS ......................................................................................... 59
5.1 JOÃO ....................................................................................................................... 59
5.1.1 Perfil DIR do João ................................................................................................. 60
5.1.2 IMCAP-ND primeiras impressões de João pré-teste .......................................... 62
5.2 ALEXANDRE ......................................................................................................... 63
5.2.1 Perfil DIR do Alexandre ........................................................................................ 64
5.2.2 IMCAP-ND primeiras impressões de Alexandre Pré-teste ................................ 66
5.3 EDSON .................................................................................................................... 67
5.3.1 Perfil DIR do Edson ............................................................................................... 67
5.3.2 IMCAP-ND primeiras impressões de Edson Pré-teste ....................................... 70
5.4 ANÁLISE DOS VÍDEOS ........................................................................................ 70
5.4.1 Vídeo 1 – Edson ...................................................................................................... 70
5.4.2 Vídeo 2 – Alexandre ............................................................................................... 71
5.4.3 Vídeo 3 – João......................................................................................................... 71
5.4.4 Vídeo 4: João e Edson ............................................................................................ 73
5.4.5 Vídeo 4.1: João, Edson e Alexandre ..................................................................... 73
5.4.6 Vídeo 5: Edson, João e Alexandre ........................................................................ 74
5.4.7 Vídeo 6: Edson, Alexandre e João ........................................................................ 75
5.4.8 Vídeo 7: João e Edson ............................................................................................ 75
5.4.9 Vídeo 8: João e Alexandre ..................................................................................... 76
5.4.10 Vídeo 9: João, Alexandre e Edson ........................................................................ 76
5.4.11 Vídeo 10: Preparando-os para uma atividade relacionada a um projeto do
CORA ...................................................................................................................... 77
5.4.12 Vídeo 11 – A apresentação do Concerto Azul ..................................................... 78
5.4.13 Vídeo 12: Edson, Alexandre e João ...................................................................... 79
5.4.14 Vídeo 13: Família ................................................................................................... 80
5.4.15 Vídeo 14: Edson e João .......................................................................................... 81
5.4.16 Vídeo 15: último encontro ..................................................................................... 81
5.5 Discussão dos dados ............................................................................................... 82
6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 87
7 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 90
8 APÊNDICE A - TERMOS DE CONSENTIMENTO LIVRE ESCLARECIDO
(TCLE).....................................................................................................................94
9 APÊNDICE B – FICHA DE ANAMNESE .......................................................... 95
10 APÊNDICE C – QUESTIONÁRIO DE HISTÓRICO SENSÓRIO-MOTOR
................................................................................................................................100
11 APÊNDICE D - FORMULÁRIO DE ADMISSÃO DO IMCAP-ND .............. 109
12 APÊNDICE E - FEAS (THE FUNCTIONAL EMOTIONAL ASSESSMENT
SCALE) - ESCALA DE AVALIAÇÃO FUNCIONAL EMOCIONAL ......... 119
13 ANEXO A - APROVAÇÃO DO COMITÊ DE ÉTICA .................................. 120
11
1 INTRODUÇÃO
mais restrito. Encontrei poucas bibliografias estrangeiras sobre este tema, mas foram
esclarecedoras e nortearam meu trabalho. Segundo Momo, Silvestre e Graciani (2012):
Abrimos espaço para uma breve reflexão a respeito da inclusão escolar, e o conceito
de diversidade que se contrapõe à palavra inclusão. Outro ponto abordado é o papel do
Musicoterapeuta como um agente de apoio a educadores musicais no espaço escolar. Nos
últimos anos muito se tem discutido sobre as práticas inclusivas de pessoas com autismo,
porém, ainda esbarramos em alguns preconceitos por parte da sociedade como um todo. O
ensino de conteúdos pedagógicos nas escolas segue um padrão pré-estabelecido, o que, na
maioria das vezes, não atende às necessidades de pessoas com alguma deficiência. A educação
na diversidade deveria oportunizar a todos os alunos a mesma igualdade de aprendizado. Mas
como seria possível atender esta demanda quando o currículo é padronizado? Por outro lado, a
musicoterapia, no campo da educação poderia ser um aliado na educação musical?
Ainda na revisão de literatura apresentamos a filosofia da abordagem
DIR/Floortime (GREENSPAN; WIEDER, 2006) que possibilita uma avaliação do
desenvolvimento, e assim podemos ter uma melhor compreensão de como esses indivíduos se
relacionam com o outro, e, dessa forma, fornece aplicação das técnicas que podem ser utilizadas
para terapias de uma forma geral, mas também para a musicoterapia e educação musical. O
objetivo desta técnica é ajudar a criança a alcançar seu potencial de desenvolvimento através
de jogos musicais, facilitando sua forma de se relacionar e/ou se comunicar, que são algumas
das dificuldades apresentadas em pessoas com TEA. Este modelo de intervenção também é
base desta pesquisa. Neste mesmo capítulo, apresentamos técnicas da musicoterapia e da
educação musical que são pautadas na psicologia do desenvolvimento e psicologia humanistas,
que são pilares do modelo DIR/Floortime. As técnicas apresentadas são: o modelo para
musicoterapia Nordoff-Robbins (CARPENTE, 2009), Musicoterapia Orff (GATTINO, 2015)
e o método de educação musical de Willems (FONTERRADA, 2008).
No terceiro capítulo, a metodologia da pesquisa é apresentada uma abordagem
qualitativa para a análise e coleta de dados. O estudo de caso com um grupo de três crianças
com autismo que participaram de sessões de musicoterapia em um período de três meses,
individualmente e em grupo, será apresentado.
Para a de coleta de dados utilizamos as filmagens das sessões. As entrevistas com
os pais dessas crianças que foram retiradas dos protocolos de avaliação FEAS e IMCAP-ND
para complementar o processo de análise e resultados das intervenções de musicoterapia. Para
isto, contamos com a observação e avaliação do FEAS realizado por uma fonoaudióloga, a
aplicação do protocolo IMCAP-ND e intervenção terapêutica foi feita por mim e por um
estudante de psicologia, formando assim uma triangulação importante neste processo de
pesquisa de campo.
14
2 REVISÃO DE LITERATURA
Kanner (1943) descreveu, pela primeira vez, o que hoje conhecemos por autismo.
Em sua pesquisa com 11 crianças, percebeu que, apesar de apresentarem sintomas que
lembravam os de pacientes com esquizofrenia (obsessividade, estereotipia e ecolalia1), existiam
outros pontos que divergiam e diferenciavam esse diagnóstico. Essas particularidades
individuais, que variavam conforme o grau de comprometimento, chamaram a atenção de
Kanner. Uma dessas características era a incapacidade das crianças de se relacionarem com o
outro ou estabelecer estas relações a um nível normal, além do isolamento presente desde o
início da vida. Mais tarde, porém, Eisenberg e Kanner (1956) observaram que algumas crianças
apresentavam os sintomas após o primeiro ano de vida. Para Leboyer (1987), o grande feito de
Kanner foi de distinguir o autismo da esquizofrenia.
Temple Grandin (1947-) uma das pessoas com Transtorno do Espectro Autista mais
conhecidas no mundo, foi diagnosticada com autismo aos quatro anos de idade. Autora de
diversos livros, conferencista internacional, Temple Grandin transcendeu suas limitações, e por
isso, muitos pais e profissionais procuram por respostas:
Muitas pessoas me perguntam: “Quando você soube realmente que era autista?”
Como se houvesse um momento definidor na minha vida, uma revelação do tipo antes
e depois. [...] Como eu, a psiquiatria infantil ainda era nova naquela época. As palavras
autismo e autista mal configuravam na tentativa inicial da Associação Americana de
Psiquiatria (AAP) de padronizar os diagnósticos psiquiátricos na primeira edição do
DSM, publicada em 1952, quando eu tinha 5 anos. (GRANDIN; PANEK, 2015, p.
17)
1
Obsessividade (refere-se aos interesses por assuntos restritos), estereotipia (movimentos repetitivos, exemplo:
balançar as mãos) e ecolalia (repetição de palavras ou frases, “um eco”).
16
Desde então, os estudos sobre o autismo têm por base o trabalho de Kanner (1943,
1949, 1954, 1955, 1956, 1968, 1973). Leboyer (1987) explica que no DSM-III2 (1989) foi
definido o sistema de classificação, incluindo a tétrade clássica: isolamento social, distúrbio na
comunicação verbal e não-verbal, idade de surgimento e a imutabilidade. No entanto, Ornitz e
Ritvo (1976) ressaltavam a importância de incluir os distúrbios sensoriais, motores e do
desenvolvimento como sintomas primários e não como sinais associados, como era descrito no
DSM-III. Já para Assumpção (1995), é difícil mensurar o que é um sintoma primário e um
sintoma secundário, visto que ainda não se sabe os fatores causais envolvidos no transtorno:
Ainda não se sabe o que causa, e nem mesmo se há cura para o autismo. “Na
ausência de marcador biológico definido, o diagnóstico de autismo é [...] uma decisão clínica
subjetiva” (GATTINO, 2015, p. 13). Por este motivo, Grandin e Panek (2015) defendem
pesquisas científicas que analisem o cérebro de pessoas com autismo a fim de encontrar
respostas que levem a um diagnóstico mais preciso: “A questão não é identificar este ou aquele
cérebro como pertencente a uma pessoa autista ou neurotípica. É encontrar um agregado que
ajude a identificar áreas de interesse potencial que possam ser biomarcadoras” (GRANDIN;
PANEK, 2015, p. 45).
Caso se descubra um marcador biológico para identificação desta síndrome,
certamente evitará diagnósticos errôneos e aumentar as possibilidades para que cientistas
descubram uma forma de reverter os sintomas autísticos. Mas devido à natureza híbrida do
autismo, será que é possível chegar a uma conclusão? Segundo Grandin e Panek (2013), o
autismo se manifesta de várias maneiras e nenhuma pessoa com autismo é igual à outra. “Por
que deveríamos esperar que a genética do autismo fornecesse uma correspondência um-pra-um
entre mutação e diagnóstico?” (GRANDIN; PANEK, 2015, p. 65).
Há uma movimentação por parte de cientistas do mundo inteiro na solução deste
mistério, e está cada vez mais próximo de se comprovar, através da genética, defeitos neurais e
fatores ambientais. Os pais estão cada vez mais empenhados em descobrir uma cura, uma
2
Manual diagnóstico e estatístico dos distúrbios mentais (American Psychiatry Association – Associação de
Psiquiatria Americana).
17
solução rápida e eficaz. Conheço de perto esta angústia. Já presenciei situações de mães que
vivem em uma corrida frenética por medicações, tratamentos experimentais, drogas ilegais e
dietas que possam solucionar manifestações desagradáveis do autismo, tais como: ausência de
sono, seletividade alimentar severa, agressão, agitação excessiva, entre outros. Leboyer (1987)
ressalta um ponto importante na complexidade do autismo: “O autismo é um distúrbio de
desenvolvimento a tal ponto complexo que nenhum modelo, nenhuma abordagem clínica,
metodológica ou terapêutica poderia, por si mesmo, abranger a verdade” (LEBOYER, 1987, p.
7).
O mais recente Manual de Diagnóstico de Transtornos Mentais DSM-5 (APA,
2014), corrobora com a pesquisa de Ornitz e Ritvo (1976), incluindo nos comportamentos de
padrões repetitivos as dificuldades no processamento de informações sensoriais (conforme
descrito no Quadro 1). Além disso, substitui as diferentes subdivisões que constavam no DSM-
IV, como: Autismo, Síndrome de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento – Não
especificados, para Transtorno do Espectro Autista, abrangendo então, as subdivisões que eram
classificadas no antigo manual.
Ao observarmos o Quadro 1, percebemos que os problemas sensoriais foram
inseridos como sintoma primário, pois muito dos comportamentos inadequados estão ligados
diretamente à dificuldade de resposta a um estímulo sensorial. Por exemplo, meu filho não
suporta som de latido de cachorro (hiper-reatividade3 ao som específico: latido de cachorro), o
que o leva a um estágio de fuga e medo, correr e tapar os ouvidos, pois, segundo seu próprio
relato, “dói o ouvido”. Grandin (2013) também relata seu pavor frente a som de alarmes,
segundo sua descrição “uma sensação dentro do meu crânio como a dor do obturador (dentista)”
(p. 77). Para Greenspan e Benderly (1999) reações semelhantes à de meu filho e de Temple
Grandin, apesar de ter uma base biológica, as emoções influenciam diretamente o
desenvolvimento cognitivo:
Essas crianças, que sofrem alguns dos problemas mais sérios de pensamento e
linguagem que possamos imaginar, de base biológica, podem nos ensinar muito pela
observação de como aprendem a pensar, se relacionar e comunicar. [...] fraca
capacidade para processar sons, compreender palavras e executar movimentos
sequenciais. [...] vagueiam sem rumo; agitam os braços compulsivamente; esfregam
um determinado ponto no tapete de forma intermitente; abrem e fecham portas
repetidas vezes; arrumam meticulosamente, pequenos objetos rigorosamente retas - ,
mas quase não apresentam capacidade de respostas às tentativas mais básicas de
comunicação. (GREENSPAN; BENDERLY, 1999, p. 31)
3
Indivíduo que reage a um estímulo de forma mais intensa que o normal.
18
Quadro 1 – Critério de diagnósticos para Transtorno do Espectro Autista (F.84.0). Dados parciais extraídos dos
critérios de diagnóstico do DSM-5 (APA, 2014, p. 50).
CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para interação social.
específicas, cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento.
4
Hiporreatividade: Ausência ou fraca reação a um estímulo. Hiperreatividade: Alta reação a estímulos.
19
Quadro 2 – Níveis de gravidade do Transtorno do Espectro Autista. DSM-5 (APA, 2014, p. 52).
Independente dos níveis em que se encontram, todas as pessoas com TEA possuem
dificuldades nas capacidades de comunicação social e padrões de comportamento. Um
20
Kranowitz (2005) explica que os sistemas sensoriais são compostos pelas sensações
externas: auditivo, visual, olfativo, gustativo e tátil, e as sensações internas: Vestibular (orelha
interna) - esse sistema nos localiza no espaço; propriocepção (músculos e articulações) é o
sistema que dá a sensação do movimento, também informa a proporção de força que devemos
empregar em uma ação, ou seja, ele é a sensação muscular. Portanto, segundo as autoras Momo,
Silvestri e Graciani (2012):
Berger (2002, p. 65) sugere que o uso de uma cama elástica pequena combinada
com a música para manter a continuidade rítmica é uma contribuição inestimável para que o
cérebro compreenda a entrada auditiva. Segundo a autora, esse exercício ajuda na internalização
do ritmo, pois estabelece “novas referências homeostáticas5 da estimulação motora adaptativa”
(BERGER, 2002, p. 65, tradução nossa).6 Para crianças que apresentam baixo tônus muscular,
o bom funcionamento do sistema vestibular pode manter o equilíbrio e organizar as respostas
posturais permitindo uma correta modulação motora que ajuda os movimentos do corpo mais
suaves.
Crianças com problemas de integrar o sistema vestibular podem apresentar as
seguintes reações, conforme sua resposta ao estímulo (GOODRICH; OLIVEIRA, 2009, p.
370):
a) Hiper-reatividade: medo excessivo em se deslocar, seja na bola de terapia ou quando
muda de postura;
b) Hiporreatividade: não demonstra perceber quando mudada de postura. Falta de
consciência de movimento no espaço, sem antecipação de queda, ou tem confiança
exagerada no cuidador.
5
Homeostática – refere-se ao equilíbrio dos sistemas biológicos.
6
“New homeostatic references adaptive motor pacing”.
23
7
Sistema Nervoso Central
8
O sistema de proteção ou defensividade tátil nos alerta e nos protege de algum estímulo que possa nos machucar.
9
O sistema discriminatório nos ensina que tipo de sensação estamos sentindo.
24
demonstrar habilidades musicais, tais como, ouvido absoluto, não gosta de ser tocado para
demonstrar como manipular um instrumento, por exemplo. Aprende com facilidade, mas
conforme toca o instrumento (ukulelê, pandeiro etc.), logo atira o mesmo para o alto e corre de
forma desorganizada. Emocionalmente instável. Tem muito prazer em estar no setting
terapêutico. Porém, se seus pais ou qualquer outra pessoa diferente estiver na sala, ele se recusa
a executar o que já sabe fazer tão bem. Ele tem inabilidade em compartilhar com o outro suas
descobertas. Embora sua motivação tenha aumentado ao longo dos três anos de atendimento,
ainda precisa de regulação emocional e sensorial/motora. Greenspan e Wieder (2006) sugerem,
para acomodação de defensiva tátil, atividades que envolvam pressão profunda associada a
grandes movimentos como salto, pular de uma cama elástica, por exemplo, para que a criança
reestabeleça o controle do próprio corpo.
Observo que muitas pessoas generalizam a questão do toque, quando se fala em
uma pessoa com autismo. A ideia de que “o autista não gosta de ser tocado” advém talvez de
falta de informação, e leva a esses conceitos errôneos. Hoje o que compreendemos sobre
defensiva tátil nos ajuda a perceber que quando uma pessoa com autismo reage com negação
ao toque, trata-se de uma defensiva tátil. E esse comportamento não é um sintoma que todas as
pessoas com autismo apresentem, pois depende da sua resposta ao toque, que também pode ser
de hiporreatividade. Nesse caso, a pessoa com autismo não tem problema com o abraço, e em
alguns casos, está sempre em busca do toque, que é outro perfil de modulação sensorial. Meu
filho, por exemplo, sente a necessidade de apertar e acariciar o braço das pessoas, como se fosse
um gato em busca de aconchego.
Berger (2002, p. 70) acredita que a musicoterapia contribui para apaziguar o
estresse e a ansiedade em casos de defensiva tátil, isso porque o cérebro responde a música por
sua constância de melodia e ritmo, e a amígdala, o tálamo e o hipotálamo determinam que
entrada auditiva seja mais segura. Para a autora, essas funções favorecem a descarga de
neurotransmissores inibitórios, como a dopamina, e sedativos químicos que acalmam e
minimizam os impactos no sistema. Além disso, as vibrações do som atuam como uma
massagem tátil que o cérebro interpreta como algo calmante, dissipando o medo e a ansiedade,
fazendo com que a criança dentro do Espectro Autista esqueça por um momento sua
sensibilidade tátil. A motivação para fazer música tende a substituir o desconforto tátil.
do som acontece internamente. Desse modo não temos como controlar totalmente o que
ouvimos. Segundo Bruscia (2000, p. 45): “A musicoterapia é centrada no som. Ela enfatiza a
modalidade sensorial da audição – ela é orientada pelo ouvido”. Para Berger (2002) ouvir
música se assemelha a uma realidade virtual, pois ambas são intangíveis e provocam
sentimentos e emoções em suas respostas. Sendo assim, a música pode ser definida como uma
expressão artística abstrata. “Música é emoção pura” (BERGER, 2002, p. 80, tradução nossa).10
As características espaciais de um estímulo sonoro são codificadas com diferenças
temporais entre os dois ouvidos. O cérebro organiza essas informações para fornecer uma
imagem sonora precisa. Assim como no processo visual, onde os olhos digitalizam uma
determinada cena, o processo auditivo passa por uma atividade de verificação semelhante
(BERGER, 2002).
Para Berger (2002), o Musicoterapeuta pode encontrar dificuldade em saber
exatamente qual dos elementos musicais, como: ritmo, melodia, harmonia, está recebendo
atenção. Berger (2002) supõe que alguns pacientes podem registrar e perceber o som de forma
distorcida e processar a música de forma peculiar. Esses fenômenos aparecem em casos de
hiperacusia, quando há uma sensibilidade aguçada a determinados sons, ou disacusia, uma
condição na qual determinado som pode produzir dor ou desconforto. “A falta de audição
binaural estereofônica11 intensifica ainda mais a ineficiência da audição ambiente” (BERGER,
2002, p. 84, tradução nossa).12
Algumas crianças com autismo têm sua capacidade de filtrar determinadas
intensidades sonoras reduzidas, fazendo uma modulação ineficaz dos registros do som. Por
exemplo: som de um latido de cachorro, a um nível suportável para qualquer pessoa, pode ser
muito perturbador e causar dor em indivíduos com distúrbios no processamento auditivo. A
reação é de medo e fuga, a pessoa busca tapar os ouvidos formando uma proteção. Nascimento
(2009) sugere para esses casos o processo de dessensibilização:
10
“Music is pure emotion”.
11
Filtragem de frequências e localização do som.
12
“A lack of binaural stereophonic hearing further intensifies the inefficiency of ambient hearing”.
26
fornece estímulos sonoros abrangendo uma ampla gama de funções auditivas complexas. O
estímulo musical pode alterar as adaptações auditivas. Se o Musicoterapeuta realizar uma
avaliação abrangente do processamento do som, compreenderá com mais precisão os
comportamentos inadequados frente aos estímulos auditivos fornecidos em uma sessão, por
exemplo.
Bang (1991, p. 25) explica que “o ritmo da fala é um movimento rítmico dos órgãos
da fala [...] ouvimos os movimentos da fala, e dessa maneira, a audição é um processo sensório
motor”. Dessa forma, o estímulo musical com o movimento aumenta as funções “sensório-
motoras auditivas e vibratórias” (Ibid., p. 25), resultado na melhora das funções básicas da fala
e da linguagem.
Berger (2002) afirma que o rastreamento auditivo é um processo complexo porque
envolve os déficits de linguagem receptiva e expressiva. Além disso, crianças com autismo
podem apresentar outros problemas associados, como déficits oral-motor, em um atraso de
linguagem, prejudicando sua capacidade de imitar e sequenciar os sons verbais. Por isso, as
intervenções de uma sessão de musicoterapia podem ser a de propor atividades de escuta com
foco no treinamento do cérebro para ouvir, recordar e imitar sons sequenciais de forma
eficiente. Como e o que se ouve irá determinar as respostas fisiológicas frente aos estímulos
sonoros.
No caso de crianças que apresentam baixa resposta a estímulos auditivos, resulta
em situações como: não atender quando chamado (parece não escutar); indiferença a ambientes
com movimento e som; por exemplo, pode-se tocar um instrumento e a criança não reagir, nem
como o corpo, e nem mesmo olhar na direção da emissão do som; apresentar dificuldades com
o ritmo e não se orientar por pistas auditivas (MOMO; SILVESTRE; GRACIANI, 2012).
Domingos (2009) explica este processo:
Um paciente pode ter uma audiometria (medição da audição) normal, mas não
necessariamente “escutar bem”. Por exemplo, crianças com déficit de atenção podem
ter uma medição normal da audição, mas não conseguem concentrar-se e apresentam
muita dificuldade para ler. O problema está no processo de “escuta”, e não no processo
de “ouvir”. (DOMINGOS, 2009, p. 117)
Leme (2009) explica que o sistema visual pode depender da integração com o
sistema vestibular porque “contribui para os movimentos oculares compensatórios,
mantenedores da estabilidade do esquema visual quando a cabeça é movida” (p. 36).
27
Para Momo, Silvestre e Graciani (2012), outras integrações são importantes, como
entre os sentidos visual e auditivo:
13
Em português tem uma versão como Brilha, brilha estrelinha.
28
[...] a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por
um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar
e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão,
organização, e outros objetivos terapêuticos, no sentido de alcançar necessidades
físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A musicoterapia objetiva
desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que ele/ela possa
alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma
melhor qualidade de vida pela prevenção, reabilitação ou tratamento. (FEDERAÇÃO
MUNDIAL DE MUSICOTERAPIA, 1996)
14
A dispraxia está relacionada a uma disfunção motora de ordem neurológica, que impede o cérebro de responder
aos movimentos corretamente.
30
Berger (2002) ressalta questões sobre figura-fundo15 da audição. A autora diz que
quando uma canção é tocada, mesmo sem letra, nosso instinto é se concentrar na melodia. O
ritmo é um dos elementos que são internalizados quase que instintivamente. Com relação à
harmonia, ela seria a figura-fundo, pois somente pessoas treinadas como músicos, por exemplo,
têm a habilidade e foco para se concentrar nos detalhes. Pessoas com autismo, que apresentam
déficits sensoriais auditivos, talvez não tenham a percepção de profundidade e localização do
som. Berger (2002, p. 102) explica que a harmonia tem uma estrutura arquitetônica vertical
tornando-se uma parede de fundo composta por tons sobrepostos em camadas. Esses sons
verticais movem-se com a melodia horizontalmente ao longo do tempo da canção. Os acordes
adicionam uma perspectiva de profundidade. As frequências mais baixas requerem uma atenção
maior na audição do que as frequências mais altas. Dominar essa discriminação, ou seja, ser
capaz de coordenar os aspectos motores da audição é uma base importante para
compreendermos como aprendemos a ter fluência na linguagem.
Para Berger (2002), mesmo que o ritmo seja um estímulo que obtém uma resposta
fisiológica imediata de movimento, uma pessoa com incapacidade de planejamento motor terá
uma resposta física ao som de forma atípica. Isso porque o processamento simultâneo dos
sistemas vestibular, proprioceptivo, auditivo e visual não estão integrados e organizados. Tocar
um instrumento musical envolve uma entrada multissensorial e requer, além das entradas
proprioceptivas-tátil, o planejamento motor. A autora sugere que exercícios de música e
15
Refere-se à habilidade de filtrar o estímulo auditivo que interessa na presença de outros estímulos ruidosos e
competitivos. Sua inabilidade gera desatenção e modifica o comportamento da criança.
31
movimento, como os, projetados por Jaques Dalcroze e Carl Orff, podem regular e estimular o
sistema ineficiente de pessoas com autismo (BERGER, 2002, p. 109):
[...] Ter que ouvir mudanças rítmicas e pistas de música traz foco auditivo,
monitoramento, desenvolvimento de figura-fundo, percepção de profundidade, a
discriminação e a tolerância de som. [...] Quanto mais o corpo torna-se ritmicamente
organizado [...], mais toda a funcionalidade do sistema se organiza e é gerenciável,
porque o cérebro pode finalmente relaxar e fazer o seu outro trabalho. (BERGER,
2009, p. 109, tradução nossa)16
Nesse contexto, Berger (2002) acredita que o musicoterapeuta tem nos elementos
musicais uma importante ferramenta no que se refere ao tratamento de distúrbios sensoriais que
acometem a população com autismo. Os elementos musicais ritmo, melodia e harmonia quando
utilizados individualmente ou agrupados podem organizar os sistemas da seguinte forma:
2.1.3 Ritmo
“Cada ser humano tem seu próprio ritmo, seu tempo biológico deve ser respeitado”
(BARANOW, 1999, p. 15). De acordo com Berger (2002), internalizar ritmo deve ser um dos
objetivos terapêuticos para a integração sensorial, pois o processo de aplicação de estímulos
rítmicos pode auxiliar na regulação e alinhamento dos ritmos internos como o pulso, batimentos
cardíacos, pressão arterial, etc. Concomitantemente, quando o ritmo interno está se regulando,
a cognição e a linguagem influenciam positivamente nessa relação de entrada rítmica externa
persistente. Em suas observações clínicas, Berger (2002) percebeu que quando a criança com
autismo internaliza os ritmos desenvolve a atenção compartilhada e organização do
comportamento, foco visual e auditivo, além de melhorar as funções adaptativas do
planejamento motor. O corpo ritmicamente organizado tem respostas fisiológicas mais
gerenciáveis. Seguindo esta linha de raciocínio, Nascimento, Ikuta e Carvalho (2009) afirmam
que “Através dos estímulos rítmicos musicais, a percepção qualitativa da sucessão dos tempos
marcados sugere ordem e organização, além da percepção temporal” (Ibid., p. 121).
Borchgrevink (1991) explica que o senso rítmico é preservado mesmo quando a
pessoa apresenta um déficit na linguagem e fala, pois, são capazes de discriminar diferentes
padrões rítmicos. Porém, crianças que apresentam dificuldades em processar e responder
adequadamente aos estímulos sensoriais, e fazer essas sinapses cerebrais, podem não ter este
senso rítmico preservado (BERGER, 2002). Nesse contexto, Gattino (2015) sugere que
16
“[...] Having to listen for rhythmic changes and music cues brings about auditory focus, tracking, figure-ground
development, depth perception, discrimination and sound tolerance. [...] The more the body becomes rhythmically
organized [...], the more the entire functionality of the system becomes organized and manageable, because the
brain can at relax and do its other work”.
32
algumas pessoas com autismo apresentam dificuldades com o ritmo com base em pesquisas
recentes de estudos da anatomia cerebral de indivíduos com autismo:
Berger (2002) adverte para o cuidado com alguns atributos básicos do ritmo, como
o pulso, por exemplo. Ela explica que a observação do pulso e do ritmo interno de cada paciente
precisam ser analisados a fim de auxiliar no desenvolvimento funcional do planejamento motor
e internalização rítmica. E que o mesmo serve para outros profissionais como fonoaudiólogos
e terapeutas ocupacionais, que podem se beneficiar da aplicação do pulso rítmico para alcançar
bons resultados. Um exemplo da utilização do pulso rítmico seria o MIT (Melodic Intonation
Therapy) muito eficiente para o tratamento de afasia.
Ikuta (2009) acredita que o conhecimento da neurociência aplicada à música pode
tornar-se uma ferramenta muito importante para a compreensão de como um indivíduo se
relaciona com o ritmo:
A estimulação rítmica pode ajudar nos casos de hipotonia até influenciar a atividade
muscular aumentando os tônus. Os músculos podem fazer-se mais ativos e podem
melhorar seu trabalho eficientemente se os movimentos são sincronizados com o
ritmo. (FEDERICO, 2016, p. 103)
2.1.3.1 Melodia
que motoramente envolve ritmo da respiração e som vocal. A música é a extensão simbólica
dos sentimentos de alegria (em riso) e da tristeza (como o choro) (BERGER, 2002, p. 119). A
autora sinaliza que em qualquer distúrbio, transtorno ou disfunção essas chamadas simbólicas
são preservadas estando disponíveis no repertório de comunicação humana.
Acerca da evolução biológica e sensorial da linguagem como forma de
comunicação e expressão, Álvares explica: “A voz, como gesto sensorial, torna-se a expressão
primogênita da arte sonora. Diferentemente de outros animais que podem emitir sons, o homem
carrega, em sua expressão vocal, um simbolismo abstrato significativo” (ÁLVARES, 2016, p.
75).
Berger (2002) entende a melodia como uma evolução das chamadas humanas que
se assemelham a prosódia de um discurso. A melodia é uma comunicação instintiva do estado
emocional cheia de contornos e mudanças de tons. Berger (2002) explica que não há
necessariamente um processamento cognitivo na compreensão das flexões verbais de um
discurso. Berger (2002) exemplifica que um bebê inicialmente não tem uma compreensão da
palavra “Não”, porém o registro vocal e o ritmo da palavra expressam o conceito negativo da
palavra emitida. Assim como ocorre na música, uma canção em tom menor pode evocar um
sentimento de tristeza, assim como, uma canção em tom maior pode evocar um sentimento
oposto, como o da alegria. Sendo assim, esses contornos melódicos podem acalmar ou excitar
as respostas de um sistema.
Berger (2002, p. 121) explica que o mesmo não ocorre em recém-nascidos quando
os pais lhe apresentam uma canção de ninar. A combinação de fluxo melódico, ritmo lento e
vocalização dos pais consegue manter a atenção do bebê, permitindo que o cérebro o interprete
como um estado de segurança, diminuindo as respostas de fuga e acalmando o bebê para dormir.
A melodia desempenha um papel fundamental não só na emoção e na auto
expressividade, mas determina o rastreamento auditivo, auxilia na discriminação e na
ampliação das capacidades de memória auditiva. Além disso, uma melodia, ainda que tenha um
ritmo simples, pode ser usada como a função de melhorar o aprendizado da fala, principalmente
de crianças com autismo. O uso da melodia tem um papel fundamental na indução da expressão
prosódica vocal, tornando a terapia mais dinâmica, pois acrescenta um conteúdo emocional e
significativo para a criança (BERGER, 2002, p. 122). Com relação à melodia Gattino (2015)
adverte que:
Ainda que no Autismo exista uma capacidade intacta para a percepção global de
melodias simples, a percepção de melodias complexas (melodias ascendentes e
descendentes executadas ao mesmo tempo) está significadamente prejudicada. A
dificuldade de juntar diferentes estímulos para formar uma imagem ficou conhecida
34
no Autismo em função dos prejuízos que essas pessoas têm para juntar diferentes
elementos de uma expressão facial e identificar um sentimento a partir da imagem
global do rosto da pessoa. (GATTINO, 2015, p. 22)
2.1.3.2 Harmonia
Álvares (2016) fala a respeito da teoria da expressão, como uma das teorias da origem da
música:
Para Berger (2002), os sons são processados no cérebro não somente por via
intelectual, por intuição. Porém, para o musicoterapeuta, o conhecimento sobre as funções dos
sistemas vestibular e propriocepção configuram uma grande ajuda para a compreensão de como
o cérebro da criança com autismo recebe as mensagens adequadas através das entradas de
estímulos nos músculos e articulações, ou seja, como o corpo responde fisicamente aos
estímulos musicais. Isso porque devemos levar em conta como o cérebro tem a capacidade de
reprogramar e reter novas informações sensoriais e dar continuidade a esta adaptação funcional
e desenvolvimento de novas referências homeostáticas (BERGER, 2002, p. 132).
Berger (2002, p. 133) alerta para alguns aspectos sensoriais que podem ser
observados durante as primeiras seis sessões de musicoterapia (Quadro 3).
Berger (2009, p. 136) justifica porque a música é uma necessidade para o tratamento
de integração sensorial. A música desenvolve respostas cognitivas e emocionais e nível
intuitivo e adaptativo, tanto nos níveis subcorticais quanto nos corticais. A autora reforça que a
musicoterapia trabalha com o que está lá, e não com o que está faltando. Ou seja, fornece novas
entradas para que o cérebro possa ajudar a expandir o conhecimento em todos os níveis (Quadro
4). Como a música é uma intervenção multissensorial, tem a vantagem de ser capaz de atingir
vários sistemas sensoriais. Podemos exemplificar a ação de tocar um tambor: tocar este
instrumento envolve alternação dos movimentso bilaterais dos braços, manter uma pulsação
rítmica exige um planejamento motor, verificação visual e sensações táteis combinadas ou em
conjunto para a execução da tarefa.
Berger (2009, p. 152) adverte que adaptação sensorial não é sinônimo de cura, mas
sim a definição de novos pontos de referencia homeostática17, ou seja, novos padrões de
informações fisiológicas para o cérebro e o sistema nervoso fazendo com que o corpo e a mente
reajam melhor aos estímulos. A Adaptação nesse caso é um ajustamento de um sistema caótico.
17
A palavra homeostática vem de homeostase, que neste contexto significa o equilíbrio do corpo em seus sistemas
sensoriais, biológicos e sociais.
36
Reações ao som Como a criança reage fisicamente a O terapeuta pode perceber que
determinados sons? O ritmo altera o existe uma hiper ou
movimento do corpo? Tem medo ou hiporresponsividade ao som.
fuga a determinado som? Ignora
qualquer estímulo sonoro?
Atributos do corpo Como essa criança se move? É muito As tensões podem indicar
ansiosa ou inquieta? Faz muita insegurança vestibular.
estereotipia, ou muitos movimentos
frente aos estímulos sonoros?
Movimento Observou se existe equilíbrio? A criança Podem indicar problemas
pode controlar o corpo para iniciar ou vestibular, proprioceptivas e táteis
terminar uma atividade de movimento? com impacto no planejamento
Qual o nível de tônus muscular? Os motor e equilíbrio.
movimentos são lentos, rápidos,
espáticos? Flexiona e estende os
membros de forma confortável? Será
que o corpo está se movendo dentro do
ritmo da música? Consegue coordenar
os braços bilateralmente? Tem
sustentação no pulso?
Afeto e comportamentos Existe algum elemento específico da As avaliações e determinações
psicofisiológicos música que contribui para uma reação nesta área são importantes para o
emocional de aversão com relação ao comportamento de aprendizagem
timbre ou volume? Existe animação com necessária na escola. Muitas vezes,
certos ritmos e passividade com outros? o musicoterapeuta pode detectar se
uma pessoa funciona melhor em
uma ou outra posição, a fim de
aliviar problemas sensoriais e
físicos.
Fatores emocionais A música estimula o sistema límbico, A música fornece o formato certo
relacionados com problemas provocando reações emocionais que que emprega elementos e
sensoriais induzem a motivação e vontade de fazer instrumentos adequados, que
escolhas e assumir novos padrões podem ser estimulantes e
sensoriais. A musicoterapia também agradáveis o suficiente para ajudar
oferece uma oportunidade para induzir a um sistema a se acalmar e relaxar
cognição do cérebro esquerdo, usando o (redução do fluxo de cortisol
lado direito do cérebro para estimular o induzindo o fluxo de dopamina).
hemisfério esquerdo para que ambos Outra sugestão é que "conexão" ou
possam trabalhar cooperativamente. "relacionamento" é realmente o
primeiro passo no caminho para a
determinação de objetivos e
intervenções que podem induzir
adaptações funcionais permanentes
que permeiam todas as áreas do
funcionamento humano, para a
criança com autismo.
37
Piano Emite grande quantidade de vibrações Colocar a criança sentada em cima do piano
sonoras que estimulam várias sensações. E para permitir a sensação da vibração para
impacto sobre os sistemas tátil e entrada de estímulo tátil e proprioceptivo.
proprioceptivo. A reverberação dos tons vibracionais é uma
estimulação direta dos processos auditivos
internos.
Teclados Redução da quantidade de vibrações que Ideal para crianças com hiperacusia ou outras
permeiam a sala sensibilidades auditivas.
Proporcionam exploração de timbres e
discriminação auditiva.
Xilofones, sinos Requerem atenção visual e coordenação Planejamento motor, aumenta a probabilidade
musicais e olho-mão. de mudanças adaptativas através de jogos que
metalofones Informações de planejamento visual e adcionam tons e ritmos.
físico para o cérebro.
Instrumentos de Muitas crianças com autismo apresentam Gaitas, flautase outros instrumentos de sopro
sopro défictis motor-oral dificultando na ajudam na respiração (controle do diafragma)
produção da fala. impactando na fala e linguagem,
planejamento oral-motor. Instrumentos que
pressionam os lábios podem ser benéficos
para sensações de vibração nos lábios. Uma
consideração importante na seleção de
instrumentos sopro é a sua capacidade para
produzir som sem esforço, e assim, aliviar
possíveis impedimentos a uma tarefa de sopro
que poderia agravar os problemas sensório-
motoras e orais.
38
Freire (2001) defende, que em uma democracia justa, as diferenças devem ser
respeitadas e ensinadas como direito de igualdade para todos. E que este é um processo de
ideologia, que na prática social fará com que aos poucos aprendamos a conviver com as
diferenças. Não nascemos com o aprendizado, mas aprendemos a nos tornar parte deste ideal.
“O desafio que se coloca para nós, educadores, é construir um espaço escolar onde a diferença,
de qualquer natureza, possa existir” (JESUS; EFFGEN, 2012, p. 20).
Para Jesus e Effgen (2012), a formação do professor deve se dar de forma
continuada, para potencializar as práticas pedagógicas. Embora essas diretrizes educacionais
estejam determinadas por lei, a realidade ainda é de segregação para os alunos com
necessidades especiais:
E por que essas barreiras ainda existem? Crochik (2012) explica que a sociedade é
contraditória no que tange a inclusão, pois ao mesmo tempo em que deseja o progresso, por
outro lado tem um ímpeto regressivo:
Zoía (2006) acredita que, a partir do momento em que a sociedade está pautada pelo
respeito à diversidade e pelo convívio com esta pluralidade, estaremos mais preparados para
uma sociedade de igualdade e justiça social. E que é dever do professor tratar das relações em
sala de aula para que as crianças sejam educadas apreciando as diferenças.
Pimentel (2012, p. 140) acredita que a inclusão também depende do grau de
conhecimento do professor sobre as deficiências (peculiaridades), não perceber as
potencialidades dos alunos, e a falta de flexibilidade nas adaptações curriculares, o que gera o
39
Para que o professor de música atinja seus objetivos pedagógicos, Louro (2015)
sugere que o profissional se dedique à formação complementar, com ênfase em conhecimentos
de psicologia cognitiva, desenvolvimento motor e emocional e noções das especificidades do
aluno em questão. Apesar de reconhecer que esses saberes são fundamentais para a
musicalização de crianças com autismo, devo salientar que esses aportes teóricos fazem parte
da práxis do musicoterapeuta. E, nesses casos, a musicoterapia poderia dialogar com a educação
musical. O exemplo disso, podemos citar a psicopedagogia que surgiu para sanar questões
clínicas, como dificuldades de aprendizado, para dar um suporte à pedagogia. Existem crianças
com autismo aptas a educação musical, porém algumas delas possuem entraves no
desenvolvimento significativo que cabe a musicoterapia ser a ponte entre a relação musical e a
criança, pois nesse caso a música tem a função de reabilitar. A inclusão necessita de uma ação
em conjunto, onde diversos atores podem conferenciar em busca de alcançar diversos objetivos,
40
pois a criança não é um ser fragmentado. Portanto, o diálogo entre pais, professores e terapeutas
deve acontecer em prol do bem-estar do aluno. Ter esse entendimento não se trata de uma
exclusão e tirar a oportunidade do aluno a uma educação musical inclusiva, mas oportunizar a
esta criança um suporte da musicoterapia para prepará-la para um ambiente de aprendizado.
Isso não configura um conflito entre áreas para dificultar o avanço pedagógico musical, e sim
uma aliança entre a educação musical e a musicoterapia para lidar com a diversidade.
Existe uma separação clara entre a musicoterapia e a educação musical. O que
distingue as áreas são seus objetivos, que definem seu papel empírico (PASSARINI; AOKI;
PREARO; ANDRADE, 2012). Porém, os autores ressaltam que o entrelaçamento dos
conteúdos propostos pela educação musical também norteia os princípios da musicoterapia. A
proposta é de refletir sobre a interdisciplinaridade da musicoterapia em estimular a
singularidade da criança e explorar suas capacidades criativas e exploratórias da música para
uma auto expressão emocional de seus conteúdos internos. Para Bang (1991, p. 21), “Em muitos
casos, a musicoterapia vem a ser o único meio viável de se obter resultados terapêuticos e
pedagógicos”. De acordo com o autor, os objetivos da musicoterapia estão focados no cliente e
nas suas necessidades, e que, a partir desse olhar a interação musical se inicia.
2.2.1 Diversidade
O paradigma com o qual trabalhamos não se baseia nas necessidades especiais, nos
diagnósticos ou déficits, mas, sim, na percepção das diferenças como algo inerente à
natureza humana; sejam elas associadas a um diagnóstico, ou não. Partimos do
pressuposto de que o ser humano possui uma natureza complexa que se manifesta de
diversas maneiras e que inclui o sofrimento psíquico (transtorno/doença mental), a
deficiência sensorial, física e intelectual. (ÁLVARES; AMARANTE, 2016, p. 17)
A criança deveria ser considerada primeiro como uma pessoa, logo como um
indivíduo “criança” (um ser indivisível) e por último tratar a necessidade especial que
elas têm. A deficiência acompanha a pessoa, como tal não podemos pensar que uma
pessoa com miopia é um óculos ou que um surdo é um audifono. A criança não é
paralítica, a criança tem uma tenaz paralisia. (FEDERICO, 2016, p. 32)
3 REFERENCIAL TEÓRICO
Este modelo abriu a porta para uma compreensão mais completa da interconexão de
emoções e intelecto. A maioria das teorias cognitivas não explicou a forma de
promover os mais altos níveis de pensamento reflexivo, porque eles têm ignorado o
papel da emoção. (GREENSPAN; WIEDER, 2006a, p. 41, tradução nossa)18
Este programa foi desenvolvido para que as famílias possam se relacionar com a
pessoa no Transtorno do Espectro Autista, estimulando relações que visam a ampliar a
capacidade da criança dentro do espectro autista a pensar e ser criativa (GREENSPAN;
WIEDER, 2006b). Para os autores, a eficácia do modelo pode ser comprovada com o avanço
das tecnologias na medicina, onde imagens do cérebro mostram mudanças na estrutura e função
do cérebro de crianças com autismo após tratamento com a abordagem DIR/Floortime. Isso
enfatiza que o autismo não é uma condição fixa, mas sim se constitui em uma realidade
dinâmica, onde ela possa progredir à medida que recebe os estímulos adequados.
O modelo DIR/Floortime prima pelo interesse da criança mesmo quando ela está
envolvida em seu comportamento de auto estimulação. Pois o engajamento é extremamente
importante e se desenvolve antes mesmo do desenvolvimento da linguagem ou da comunicação,
“[...] a maior parte do aprendizado nos primeiros anos de vida ocorre por meio da interação
18
“This model has opened the door to a fuller understanding of the interconnectedness of emotions and intellect.
Most cognitive theories have not explained how to promote the highest levels of reflective thinking, because they
have ignored the role of emotion”.
43
humana” (GREENSPAN; WIEDER, 2006a, p. 66, tradução nossa).19 A criança precisa estar
motivada e engajada para se relacionar com o outro de forma que essas experiências prazerosas
forneçam uma gama de aprendizado, modulação e regulação interna (GREENSPAN; WIEDER,
2006a).
3.1.1 DIR
19
“[…] most learning in the early years of life occurs through human interaction”.
20
“Our DIR model allows us to integrate emotional, social, intellectual, and educational goals for each child”.
44
21
“All of this progress is built on emotional interactions that become increasingly complex, leading to higher
levels of intelligence”.
22
“As toddlers go from islands of intentional behavior to whole patterns of multiple problem-solving exchanges,
these exchanges become part of their self-definition”.
45
Eles também agora usam símbolos para manipular ideias em suas mentes sem
realmente ter que realizar ações. Isto permite uma maior flexibilidade nos raciocínios,
pensamento e resolução de problemas. Linguagem e utilização de símbolos tornam-
se mais complexos a partir do início desta fase até o fim do período seguinte,
movendo-se através dos seguintes níveis: - Palavras e ações são utilizados em
conjunto ideias; - Palavras se referem ao corpo: “meu estômago dói”.- Em vez de
ações, palavras são usadas, para se converter em intenções: “Acertei você”.
(GREENSPAN; WIEDER, 2006a, p. 49, tradução nossa)24
23
“[...] because images acquire meaning through many emotionally relevant experiences and exchanges”.
24
“They also now use symbols to manipulate ideas in their minds without actually having to carry out actions.
This allows new flexibility in reasoning, thinking and problem-solving. Language and the use of symbols become
more complex from the beginning of this stage to the end of the following one, moving through the following
levels:- words and actions are used together ideas;- words convey bodily: “my stomach hurts”.- Instead of actions,
words are used, converting intent: ‘Hit you’”
46
Greenspan e Wieder (2006a) propõem que a terapia deve ser centrada na criança,
ou seja, seguir suas motivações para um melhor engajamento e observar os entraves do
25
“Ideas can also help explain emotions (“I'm happy because I got a toy”) and organize knowledge of the world”.
26
“It helps us to understand the relationship between the ability to adapt and pathological symptoms in each baby
or toddler”.
27
“These differences are tied to the stages of development in the following way: children are born with sensory
and motor systems, but these systems need to be hooked up and working together. What helps those sensory and
motor patterns connect at higher and higher levels is emotion. In other words, a child's sense impressions get
connected to her actions through her emotions”.
47
desenvolvimento que esta criança carrega em si. Bang (1991) corrobora com o princípio da
musicoterapia centrada no sujeito, onde, no primeiro momento, é feita uma avaliação para que
as atividades musicais escolhidas atendam às necessidades específicas do paciente, “criando
música em ambas as situações e ouvindo-a ativamente, com o objetivo de um desenvolvimento
posterior favorável” (BANG, 1991, p. 20).
O “R” refere-se à última etapa da avaliação para descrever a forma como a criança
se relaciona com seus cuidadores, e sobre os problemas sensório-motores podem afetar
profundamente o emocional e o relacionamento de uma criança com TEA (GREENSPAN;
WIEDER, 2006b). Segundo os autores, o objetivo de avaliar as três etapas “D”, “I” e o “R” é
para nortear os terapeutas sobre como criar estratégias de intervenção e oferecer suporte aos
pais e/ou seus cuidadores. Uma abordagem funcional permite ao terapeuta/educador avaliar e
considerar cada um dos desafios funcionais da criança individualmente. Para Greenspan e
Wieder (2006b), com interações adequadas ao desenvolvimento da criança à possibilidade dela
ser “afetada” é muito grande.
3.1.5 Floortime
Para Greenspan e Wieder (2006b), a técnica Floortime tem como princípio engajar
a criança nas interações, para que ela possa atingir as capacidades dos seis níveis de
desenvolvimento. No Floortime, os jogos e brincadeiras não são totalmente estruturados porque
primeiro o adulto segue a liderança da criança, ou seja, seus interesses para que depois de
engajados no jogo possam expandir essa experiência. Segundo os autores, o objetivo do
Floortime deve ser a construção de uma relação afetuosa para que facilite o compartilhamento
de atenção, interação e comunicação. Na técnica Floortime, os autores enfatizam etapas
principais que devem ser consideradas nas interações com a criança (GREENSPAN; WIEDER,
2006b):
1) Observação: observar a criança é essencial para compreendê-la (expressões
faciais, tom de voz, gestos, postura corporal e uso ou falta de palavras).
2) Juntar-se: após observar como a criança responde ou interage com o meio, o
terapeuta ou cuidador pode se aproximar da criança na medida certa através de gestos, tom de
voz e afeto.
48
verbal não é o mais importante, e sim as vivencias musicais que aprofundam o engajamento
com a criança. Carpente (2009), porém, alerta que devemos considerar também alcançar outros
objetivos, como por exemplo, melhorar os níveis de deficiência sensorial e motor para que as
metas de desenvolvimento musical (no sentido de experiência musical) sejam alcançados.
O modelo Nordoff-Robbins é dividido em quatro estágios de desenvolvimento
terapêutico: 1) Exploração; 2) Conflito/crise/descoberta; 3) Consolidação e 4) Desligamento.
Para Aigen (1998, p. 82, tradução nossa), estes estágios “oferecem uma maneira de quebrar e
entender melhor um processo contínuo, orgânico em unidades distintas”28, ou seja, dar-se por
uma visão holística dos resultados traçando um mapa ou perfil para orientar na intervenção,
destacando aspectos importantes. Aigen (1998) ressalva que os estágios não podem limitar
nossa compreensão do desenvolvimento emocional da criança, mas sim nos direcionar no
sentido de entendermos as ações da criança avaliada.
Carpente (2009) percebeu em sua vivência profissional que ofertar canções
familiares às crianças como uma abordagem mais estruturada, traz segurança e facilita a
comunicação, visto que a comunicação e o relacionamento são fatores que implicam na
interação com uma criança com autismo. A recriação, técnica comum utilizada em
musicoterapia, ou seja, reproduzir uma canção já composta, abre as possibilidades de
estabelecer um vínculo para depois partir para uma improvisação.
Para Carpente (2009), as semelhanças entre as abordagens Nordoff-Robbins e
DIR/Floortime é que ambas envolvem improvisação, criatividade, espontaniedade, afetividade
e uma interação prazerosa, explorando a ludicidade. No entanto, o autor diz que a principal
diferença consiste na avaliação do perfil sensorial, que não é feita no modelo Nordoff-Robbins,
e que neste item o Floortime se propõe a utilizar brinquedos sensoriais e simbólicos nas
interações. O objetivo do Floortime é ajudar a criança a subir a escada do desenvolvimento. Na
abordagem Nordoff-Robbins, o terapeuta primário (responsável por tocar o instrumento
harmônico), tem como função observar a criança e seguir sua liderança usando a música como
um meio de alcançar objetivos. Nesse momento, o terapeuta envolve-se em várias tentativas de
improvisação carregadas de afeto a fim de auxiliar a criança em uma regulação e facilitar seu
desenvolvimento. Gattino (2015) explica que, para o bom desenvolvimento desta relação
terapêutica, é necessário um grande conhecimento musical, pois o modelo exigirá do
musicoterapeuta a “capacidade de organizar a dinâmica musical para conseguir, por meio da
28
“They offer one way to break down and better grasp a continuous, organic process into discrete units”.
50
combinação de notas [...] e pela organização ritmica, incentivar e inserir a criança na atividade”
(GATTINO, 2015, p. 65).
Para Carpente (2009), as duas abordagens estão focadas na criança como o centro
ativo no processo terapeutico. Ambas se concentram no processo criativo e no relacionamento
entre o terapeuta e a criança. Além disso, os modelos respeitam as diferenças individuais de
cada criança. Gattino (2015) descreve esse processo de respeito à individualidade da criança no
modelo Nordoff-Robbins, o que também condiz com os preceitos da abordagem
DIR/Floortime: “[...] Nesse modelo, não há indução da criança para que o que ela tem que fazer.
O musicoterapeuta dá algumas indicações sobre o que a criança cantará ou realizará, mas a
resposta dependerá dela” (GATTINO, 2015, p. 65).
Assim, ouvir (ouir) designa a função sensorial do órgão auditivo, escutar (écouter),
a reação emotiva que se segue ao impacto sonoro exterior e entender (entendre) se
refere à tomada de consciência dos sons que tocaram o ouvido, de forma ativa e
reflexiva (compreensão). (PAREJO, 2011, p. 97, grifos do autora)
reflexas), em seguida segue para concha ótica (sede das emoções) e por último ao cérebro. Para
Benezon (1985), o trabalho de Willems integra a musicoterapia e a educação musical.
53
4 METODOLOGIA
Segundo Ventura (2007), a pesquisa empregando o estudo de caso surgiu das áreas
de medicina e psicologia, explicando assim patologias estudadas. Em seguida, o estudo de caso
passou a fazer parte das pesquisas qualitativas em ciências humanas. A autora explica que o
estudo de caso pode ser realizado com um único sujeito, um caso clínico, ou múltiplos incluindo
outros indivíduos. Neste contexto, este estudo é de natureza múltipla onde analisamos três
crianças com TEA que estão em tratamento no CORA (Centro de Otimização para a
Reabilitação do Autista). A instituição escolhida é uma associação sem fins lucrativos, que atua
desde 2010 no tratamento especializado desse público em específico.
De acordo com Ventura (2007), para os estudos de caso naturalísticos ou
qualitativos consideram fundamentais as seguintes características:
No entanto, Ventura (2007) adverte para o cuidado com a análise de estudos de caso
para “eliminar o viés de estudo é elaborar um plano de estudo de caso que previna prováveis
equívocos subjetivos” (VENTURA, 2007, p. 386). Utilizamos nesta pesquisa recursos do
método quantitativo para análise a aplicação dos dados que são as avaliações FEAS (Functional
Emotional Assessment Scale) e IMCAP-ND (Individual Music-Centered Assessment Profile for
Neurodevlopmental Disorders).
O campo de estudo escolhido para esta pesquisa é o CORA, uma associação sem
fins lucrativos, que atende cerca de 40 crianças e jovens com autismo. Esta instituição foi
fundada no ano de 2010 por pais de crianças com Transtorno do Espectro Autista, pois os
mesmos sentiam a necessidade de um lugar onde seus filhos e outras crianças da comunidade
da Penha tivessem um centro de apoio e atendimento terapêutico. As atividades terapêuticas
realizadas no CORA são: Terapia Ocupacional, Arteterapia, Psicologia, Fonoaudiologia e
Psicomotricidade. Não tem, até o momento, no setor de reabilitação, a musicoterapia.
55
Convidamos três crianças com TEA, com idades entre dois a três anos, usuárias do
programa de terapias do CORA para participarem deste estudo de caso. O critério de escolha
foi: 1) estar matriculado no CORA; 2) ter idade entre 2 a 4 anos de idade; 3) não ter uma
experiência anterior com musicoterapia. Os pais assinaram o TCLE (Apêndice A) e
preencheram os formulários do FEAS (Apêndice E) e IMCAP-ND (Apêndice D). A escolha
deste grupo de crianças se deu pelo fato de que receberam diagnóstico recentemente, logo, os
distúrbios sensoriais e motores são mais evidentes pelo pouco tempo em que estão recebendo
estímulo terapêutico.
I Atenção Musical
Reage
Focaliza
Lembra
Segue
Inicia
Lenta Média Rápida Lenta Média Rápida Lenta Média Rápida Lenta Média Rápida
Preferência
Eficiência
Perceptual
Auto
regulação
5.1 JOÃO
João é uma das crianças que são atendidas pelo Centro de Otimização para a
Reabilitação do Autista – CORA. Recebeu o diagnóstico de autismo com 1 ano e 8 meses.
Quando iniciamos a pesquisa, João estava com 3 anos e 6 meses. No CORA, João faz
Fonoaudiologia, Psicomotricidade e Terapia Ocupacional.
João é uma criança que chama muita atenção pela beleza. Seus lindos olhos azuis,
pele alva como a neve, cabelos castanhos escuros. Seu olhar é meigo, e seu sorriso cativante.
No dia em que conheci João ele estava chorando e bem irritadiço por conta do tempo em que
ficou esperando para entrar na sala. Quando comecei a tocar o violão e a cantar, parou de chorar
instantaneamente. Seus pais relataram que música é algo que desperta sua atenção e por isso a
musicoterapia seria uma boa opção para o tratamento de seu filho.
Segundo o relato da mãe, apesar da gravidez não ter sido planejada, trouxe muita
alegria para seus pais. Após seu nascimento, conforme João crescia, sua mãe começou a
perceber que havia algo de errado com seu desenvolvimento. Ela atribui essa observação por
ter uma filha de um casamento anterior e por sua experiência como professora de educação
infantil. Tais dúvidas estavam relacionadas a forma como João se relacionava nas brincadeiras,
como por exemplo, não esboçava reação quando seus pais jogavam um brinquedo para que ele
pegasse. Além disso, apresentava um comportamento ritualístico para dormir: ouvir uma
música enquanto mamava na mamadeira, e uma posição para dormir, que se alterasse essa
posição não aceitava e começava a chorar. Outra situação que deixou sua mãe apreensiva além
da agitação, quando ganhou um pinguim de brinquedo, que girava e tocava música, João se
interessou apenas pelo mecanismo do brinquedo que o fazia girar. Esse mesmo brinquedo
acabou por machucá-lo na manipulação, porém, João não esboçou nenhum incomodo ou dor.
João também não respondia ao chamado de seus pais, mas, como havia feito o teste
da orelhinha ao nascer, sua mãe acreditava não se tratar de uma surdez. Tais questionamentos
a fizeram procurar diversos pediatras em busca de umas respostas, e todos diziam que não havia
nada, embora seu corpo apresentasse uma leve hipotonia e atraso motor para sentar e andar.
Como não estava conformada com a situação, a mãe de João procurou um neuropediatra, que,
60
apesar de concordar com o atraso do desenvolvimento de João, disse que não era nada grave e
que poderiam voltar no prazo de seis meses.
Inconformada, a mãe procurou um especialista pela Marinha, onde seu esposo é
militar. No dia da consulta, o pai de João embarcou para o Haiti. Apesar da ausência de seu
marido, por motivo de trabalho, sentiu-se acolhida pela equipe médica que finalmente lhe ouviu.
Segundo relato da mãe, o diagnóstico foi um alívio porque encontrou as respostas para suas
dúvidas e a partir deste momento teria um direcionamento no tratamento de seu amado filho. O
pai só soube do diagnóstico quando desembarcou em Belém. E, desde então, tem sido um
parceiro fiel no acompanhamento das terapias e do desenvolvimento do filho.
A partir desta entrevista inicial, João foi selecionado para a pesquisa e foram
gravadas as sessões para análise.
TOTAL ESCORE 23
Toque 19 2 8 5 4
Movimento 17 7 3 2 5
Visual 4 2 2 0 0
Auditivo 3 0 0 2 1
Hab. Relacionadas 4 3 0 0 1
Ao nível de
atividades
Organização 7 4 2 1 0
Socioemocional 7 0 3 2 2
No que diz as percepções ao toque, João apresenta uma média sensação aos
estímulos apresentados. Podemos, então, com base na pontuação, perceber que o toque não é
algo que o desregule tão facilmente. Diferentemente, o movimento é algo que João tanto busca
(por exemplo: rodar em torno do próprio eixo, adora brinquedos como carrossel), quanto evita
(por exemplo: escalar, pular, apresenta medo de altura).
Na categoria visual e auditiva, João apresenta baixa resposta, enquanto nas
habilidades relacionadas ao nível de atividades João responde muitas vezes em situações como:
estar sempre em movimento, inquietude para se sentar em uma cadeira (manter-se parado), e
62
apresenta comportamento compulsivo. Com relação à sua organização29 sua resposta é mais
intensa quando se trata de mudanças de rotina, alternar atividades, necessita de apoio para
iniciar tarefas, sua atenção é reduzida, distraindo-se então facilmente durante as atividades. Na
categoria socioemocional, João demonstra em algumas situações estar ansioso ou medroso, às
vezes não coopera e tem acessos de birras.
No que diz respeito à análise qualitativa, a especialista em DIR/Floortime percebeu
que João demonstra atenção e iniciativa quando interessado em alguma atividade, o que
podemos perceber no vídeo 3 quando João está interagindo no teclado. João busca sensações o
tempo todo com o objetivo de se regular e motivação interna, uma vez que, como demonstrado
no vídeo 3, João apresenta agitação motora e atenção reduzida. Em outros momentos, corre
fazendo o flapping (balançar as mãos), deita-se no chão ou roda no próprio eixo.
Segundo a fonoaudióloga que participou da avaliação do FEAS para esta pesquisa,
esses comportamentos evidenciam que João tem um perfil de busca sensorial, ou seja, busca
sensações de movimentos como, por exemplo, girar em torno do próprio eixo. João compartilha
de forma sutil sua atenção ao que é prazeroso através de olhares de referência social com todos
os presentes. Quando o outro está disponível afetivamente, João se sente confortável e confiante
para iniciar interação. Mostra muito desejo de experimentar coisas novas e estar com o outro,
mas precisa organizar seu comportamento e planejamento motor para que isso aconteça mais
frequentemente e cada vez mais consistentemente.
Em dupla com Edson ficou claro que tem potencial para a socialização, mostrou
isso em risadas e movimentos direcionados. Nas intervenções, por sugestão da fonoaudióloga
focamos nos primeiros níveis de desenvolvimento, ou seja, trabalhamos para melhorar os níveis
de regulação e interesse pelo mundo, engajamento e comunicação de duas vias.
Para calcular a média dos escores, somam-se todos os subitens de cada escala e os
divide por 4, com exceção da escala inter-relação musical que é dividida por 8. Com isso
chegamos à média de cada escala. Ao observamos os escores da escala MEARS podemos
perceber que João exibe resposta musical a metade do tempo quando se trata da atenção
musical, pois expressa esse afeto quando olha para o terapeuta e reage com o corpo (Quadros
11 e 12).
29
Refere-se ao item avaliado no questionário sensório motor sobre organização de tarefas e comportamento.
63
MEARS
Escalas Frequência Apoio Meios
I Atenção Musical 3 2.4 I, V, M
II Afeto Musical 2.5 2.4 I,V,M
III Adaptação ao jogo 2 2.4 I,V,M
musical
IV Engajamento 1.5 2.4 I,V,M
musical
V Inter-relação musical 1.75 2.4 I,V,M
5.2 ALEXANDRE
TOTAL ESCORE 27
Como o escore total foi de 27 (Figura 13), podemos perceber que Alexandre
apresenta déficit significativo em cinco de seis níveis de desenvolvimento, indicativo para
deficiência. Esses dados quantitativos estão relacionados à observação das três primeiras
sessões de Alexandre, tanto individualmente quanto em grupo (vídeos 2, 4 e 5). Entretanto,
buscamos o olhar subjetivo desta avaliação, que justifica a abordagem qualitativa da pesquisa.
No questionário sensório motor buscamos compreender como Alexandre se
comporta frente a um estímulo sensorial, por exemplo, se sua reação é: a) muitas vezes; b) às
vezes; c) raramente ou c) nunca. As dez categorias avaliadas são: 1) Toque; 2) Movimento; 3)
Visual; 4) auditivo; 5) Gustativo e Olfativo; 6) Habilidades relacionadas ao nível de atividade;
7) Alimentação; 8) Organização; 9) Hora de dormir; e 10) Socioemocional.
65
MEARS
Reage 1 1 1 1 1 1
Focaliza 1 1 1 1 1 1
Lembra 1 1 1 1 1 1
Segue 1 1 1 1 1 1
Inicia 1 1 1 1 1 1
67
5.3 EDSON
Entretanto, buscamos o olhar subjetivo desta avaliação, justificado pela abordagem qualitativa
da pesquisa.
TOTAL ESCORE 27
MEARS
Escalas Frequência Apoio Meios
I Atenção Musical 3 3 V
II Afeto Musical 2.75 2.25 V
III Adaptação ao jogo 2.5 3.4 V
musical
IV Engajamento 1 3.4 M
musical
V Inter-relação musical 0.25 3.4 M
menor, Edson apresenta comportamento de fuga (desregulação), até porque o volume de voz
aumenta. Mesmo quando a harmonização está em tom maior causa tensão em Edson, que corre
mais uma vez.
Analisando qualitativamente os fenômenos ocorridos nesta sessão podemos
observar que Edson conseguiu se conectar afetivamente, pois é observado no vídeo que ele se
expressa facialmente, principalmente através de um olhar marcante, seu envolvimento
emocional com o jogo. O corpo também expressa todas as emoções vivenciadas nesta primeira
experiência musical.
30
O balanço plataforma, é muito utilizado por especialista em Integração sensorial. Ele tem um formato retangular,
e tem a capacidade para aguentar o peso da criança e do terapeuta.
72
de correr porque espera que a música siga o mesmo andamento de seu movimento, o que denota
uma capacidade de conduzir ideias musicais no jogo. Foi então que percebemos que João estava
no comando do jogo, e assim, conforme os preceitos do modelo DIR/Floortime, seguimos a
liderança da criança, o que facilita o vínculo paciente e terapeuta. E, nessa corrida, João vocaliza
a vogal “i” junto com o estagiário.
Na música popular “Samba-lelê”, João começa a marcar o pulso com as mãos, a
musicoterapeuta oferece o pandeiro, mas João rejeita o instrumento preferindo sentir a música
com o próprio corpo. Ressaltamos aqui que na avaliação da fonoaudióloga, que foi posterior a
gravação deste vídeo ela identificou que João tem um perfil de buscador sensorial, ou seja, ele
busca a sensação do movimento o tempo todo.
Utilizando uma das técnicas de empatia31 de Bruscia (1998) nos sincronizamos com
os movimentos de João improvisando ao instrumento, como no momento em que ele move o
bumbum. Como resposta a esse estímulo, ele se aproxima do estagiário e mais uma vez inicia
um jogo onde abaixa e levanta ao som do teclado. Fica nítido para os terapeutas a capacidade
de João de se conectar com os elementos musicais, não só imitando com o corpo, como
consegue antecipar as respostas musicais e finalizar também.
Aos 2:19 min do vídeo, a terapeuta faz fraseados nas regiões mais agudas do
teclado, João inicia brincadeiras com o estagiário com movimentos de subir e levantar (como
uma brincadeira de morto e vivo). No momento em que a musicoterapeuta faz uma
improvisação tonal tocando a sequência das notas Dó2, Dó3, duas notas simultâneas: 3º e 5º
grau (Mi e Sol), João que estava girando no chão, para e direciona os ouvidos ao som do
instrumento. A musicoterapeuta adiciona tensão para ver sua reação acrescentando na
improvisação um acorde em Si diminuto. João vira-se para outro lado, e com as mãos ele marca
no chão o pulso para interromper aquele caminho melódico e redirecioná-lo para o que deseja,
que é brincar com o corpo (música e movimento). Se pensarmos na música como metáfora,
onde o som grave leva o corpo para baixo, o som agudo eleva o corpo, podemos considerar que
João prefere os sons agudos, intensidade forte e andamento de andante a allegro.
Depois, João puxa nossas mãos para fizéssemos uma roda. Inicialmente ele nos une,
mas não consegue se integrar a roda. Mas notavelmente ele quer unir as mãos dos terapeutas
para formarem uma roda. Sua necessidade maior é rodar sozinho, mas, à medida que seu corpo
se regula ao ritmo (enquanto tocamos e cantamos a música na roda), consegue participar da
atividade.
31
A técnica de empatia é quando o musicoterapeuta imita e sincroniza com o que a criança está fazendo.
73
Este vídeo marca o primeiro encontro de João e Edson. O objetivo da sessão, nesse
primeiro contato, era facilitar a integração entre a dupla. No primeiro momento, oferecemos um
tambor para que eles dividissem e embarcassem em uma brincadeira de troca de turno. A
dificuldade em dividir o instrumento partiu mais de Edson, que retirava a mão do João do
tambor. Quando ao comando verbal da musicoterapeuta e do apoio visual, João consegue
realizar, porém, Edson está tão focado em si que não compartilha a atenção, o que faz com que
João desista da brincadeira e se isole. Por outro lado, Edson interage no jogo com a terapeuta
imitando a brincadeira rítmica por pouco tempo.
Depois de um tempo, João tenta entrar no jogo rítmico, porém Edson toma o tambor
de suas mãos novamente. Assim, João desiste e começa a correr pela sala e procura outro espaço
em que possa marcar o pulso sem a presença do colega, e o faz no escorrega que tem no final
da sala. Com essa atitude, João atrai a atenção de Edson que começa a imitá-lo e os dois correm
pela sala, rindo um com o outro.
Para diminuir o isolamento e manter o grupo mais próximo dos terapeutas, foi
necessário desmontar a piscina de psicomotricidade. Ainda assim, quando Alexandre chegou
na sala se isolou em uma das peças (escorrega). Edson se isolou com o tambor e João se
aproximou do estagiário que tocava “A galinha pintadinha” ao violão.
João repete o padrão das outras sessões, ao fazer do escorrega um tambor. Isso
demonstra uma habilidade interessante na escala de desenvolvimento do DIR/Floortime,
quando a criança consegue fazer jogos imaginativos.
A musicoterapeuta sinaliza com comando verbal e apoio visual para que Alexandre
toque o tambor, porém, ele começa um choro de irritação. O ambiente está cheio de estímulos
(ruídos diferentes, vozes, instrumentos, outras crianças etc.) como os quais Alexandre não
consegue lidar.
João começa a girar em torno do próprio eixo, interagindo com a música. Alexandre
corre para outro canto da sala e deita no tatame, se isolando mais uma vez.
Para atrair a atenção dos três, utilizamos o recurso visual das bolinhas de sabão. A
princípio, conseguimos reunir João e Edson, e, depois de um tempo, Alexandre se aproximou
para estourar as bolinhas. Edson e João, depois de um tempo, se cansam da brincadeira e cada
74
um pega um tambor, enquanto Alexandre consegue regular seu humor com as bolhas de sabão.
Em seguida, pela primeira vez, Alexandre fica atento à música que o estagiário está tocando.
Em mais uma tentativa de fazer um jogo musical coletivo, usamos o tambor, visto
que dois dos meninos tinham um interesse especial pelo tambor, para facilitar essa interação.
No início, os três corriam pela sala, sem dar atenção ao estímulo musical. O ambiente que foi
escolhido para fazer a pesquisa era desfavorável com relação ao tamanho do espaço. Isso
facilitava a dispersão, e, por vezes, causava frustração da musicoterapeuta e do estagiário. Por
esse motivo, escolhemos novamente a brincadeira rítmica, sincronizar o ritmo com o
movimento corporal dos participantes.
O primeiro a se aproximar do tambor foi João, que observou o movimento das mãos
da musicoterapeuta, mas, em seguida, saiu. Usando apoio vocal, a musicoterapeuta atrai a
atenção de Alexandre que imita a terapeuta no jogo rítmico com o tambor, mas esse
compartilhamento de atenção é bem reduzido e ele logo sai. Ao fundo da imagem, podemos
perceber João girando em torno do próprio eixo, mesmo quando não estamos tocando música.
Fazendo um som de “shhhh”, a musicoterapeuta consegue a atenção de João, que para de rodar.
Essa atenção também é reduzida, e logo João começa a correr pela sala. A musicoterapeuta
persiste no jogo batendo no tambor e fazendo o som “shhhh”. Por vezes, João volta a atenção
para a terapeuta e volta a rodar. Então, o estagiário complementa o jogo com percussão vocal e
adiciona o som do pau de chuva. Com isso, conseguimos atrair a atenção de Alexandre, que se
aproxima do tambor e toca. Ele sai por duas vezes para dar uma corrida e volta ao tambor.
Quando ele se dispersa por um período maior de tempo, diminuímos a intensidade do som, e
essa estratégia faz com que Alexandre volte para o instrumento e olhe para a musicoterapeuta.
Alexandre segura as mãos da terapeuta e levanta para o alto. Neste momento, iniciamos um
jogo de levantar as mãos, abaixar e tocar no tambor. Alexandre começa a interagir com a
brincadeira com muita alegria. Adicionamos ao jogo um glissando com a voz, e Alexandre,
olhando para o rosto da musicoterapeuta começa a imitar o som. Edson acha o jogo divertido e
se aproxima da musicoterapeuta para que ela faça o mesmo com ele. Então nesta brincadeira,
conseguimos manter por um bom tempo a atenção de Alexandre e Edson. O mesmo não
aconteceu com João, que se manteve distante. Todos os parâmetros sonoros foram utilizados
nesta sessão, como variações de intensidade (iniciando com menos intensidade e depois
aumentando), de frequência, de timbre e de duração.
75
Enquanto Alexandre e João estão dispersos pela sala, Edson está sentado com o
estagiário em um jogo com instrumentos de percussão. Quando Edson foca atenção em rodar o
tambor de um lado para o outro, o estagiário começa a vocalizar Lá-lá-lá-lá com os guizos e
uma cesta de plástico. Edson começa a marcar pulso com a baqueta, mas como se fosse um
movimento estereotipado, aproximando a baqueta dos olhos. Depois, pega o cesto e coloca na
cabeça como se estivesse se escondendo. Com um toque suave, o estagiário brinca com os
guizos batendo no cesto e cantarolando Lá-lá-lá. Edson tira o cesto e começa a rir. João se
aproxima do estagiário querendo sua atenção tocando em sua barba. Como o estagiário não
corresponde, pois está envolvido na brincadeira com Edson, João sai e volta a correr pela sala.
O estagiário transforma em um jogo de “achei, Lá-lá-lá”.
Depois desse momento, Edson e o estagiário se direcionam para o teclado. A
musicoterapeuta aproveita a brincadeira que Edson e o estagiário estão fazendo no teclado para
integrar Alexandre ao jogo. Alexandre corre e volta para a musicoterapeuta, mas não responde
ao estímulo da música que o estagiário está fazendo no teclado. Observamos que seu interesse
está em apenas correr de um lado para o outro, embora, em alguns momentos, sorria para a
musicoterapeuta quando ela lhe faz cosquinhas, ou quando ela mostra o tambor.
Fizemos uma barreira na sala com alguns puffs, com o intuito de diminuir o espaço
e tentar centrar os três como em uma roda de música, mas o desafio é grande, até porque
percebe-se a necessidade do movimento de correr que ambos apresentam. A musicoterapeuta
tenta fazer com que João pegue na baqueta para tocar no tambor, enquanto o estagiário toca no
teclado uma música improvisada que sincronize com os movimentos dele. João deita no chão,
recusando-se a imitar o apoio visual e vocal que a musicoterapeuta oferece. Em seguida,
levanta-se e vai até ao estagiário mexer em sua barba. Em seguida, senta em uma cadeira
rotatória e começa a girar. Nota-se que João está sempre em busca do movimento quando se
trata de estímulo musical. Nossa impressão é de que ele percebe a música como um movimento
circular, e, mesmo se pararmos a música, esse som reverbera em sua mente, o que faz com que
continue a girar mesmo quando a música para. Ao final, os três disputam tocar no teclado com
o estagiário.
Iniciamos a sessão com uma música popular infantil “Cachorrinho está latindo”.
Edson balança os braços marcando o pulso da música, enquanto João corre e bate com os braços
na divisória. Depois, Edson se aproxima do estagiário que está ao violão e os dois entram em
um jogo de improvisação rítmica.
Quando o estagiário começa a tocar “Cai, cai, balão”, João começa a girar. Depois,
ele deita no chão balançando o bumbum come se estivesse se movendo no tempo da música.
Depois, a musicoterapeuta pega o ukulelê e faz um jogo cantando até “1, 2, 3 e já”
para que forneça a necessidade que os meninos têm de correr, mas adicionando funcionalidade
na brincadeira para estimular competências como: compartilhar atenção, desenvolver laços
afetivos, melhorar a ansiedade. Os dois meninos entram no jogo, porém, João mantém a atenção
compartilhada por um tempo reduzido, em comparação com Edson que participa por mais
tempo no jogo, trocando muitos olhares com a musicoterapeuta.
consolidando a níveis diferentes. Já havíamos limitado o espaço, mas, ainda assim, a preferência
do trio era sempre em torno da brincadeira de correr, que, ao nosso ver, sem uma mediação, é
uma brincadeira que isola. Para correr não precisa necessariamente do outro ou de regras.
Inicialmente, a musicoterapeuta planeja uma sessão que se aproxima do modelo
Nordoff-Robbins, onde um terapeuta fica com um instrumento improvisando e o coterapeuta
fica como apoio da criança, oferecendo suporte visual e corporal para que a criança toque no
tambor. A primeira tentativa foi com o João, mas ele não demonstrou interesse em segurar a
baqueta. João demonstra uma preferência em tocar a barba do terapeuta, talvez pela textura que
o atrai.
A musicoterapeuta ficou com o ukulelê enquanto o estagiário ofereceu apoio verbal
e físico a João. A musicoterapeuta tenta a brincadeira do “1,2,3” e já, mas quem se aproxima é
o Edson e interage na brincadeira. O estagiário oferece o suporte físico, mas João não reage ao
estímulo espontaneamente. Durante essas tentativas, Alexandre se isola no final da sala sentado
ou deitado.
Mudamos a estratégia do improviso para a técnica de Recriação, o que faz com que
João se aproxime da musicoterapeuta para ouvir a canção. Depois, Edson explorava com o olhar
na direção dos terapeutas e ambiente enquanto tocava o tambor. Em seguida, João começou a
abraçar e beijar a musicoterapeuta.
Alexandre sai do isolamento quando começamos a utilizar o teclado. Esse é o
instrumento com que Alexandre mais se identifica e gosta de explorar o som das teclas. O
estagiário expressa afeto com o rosto para que Alexandre interaja no jogo musical. Alexandre
canta vogais ao som do teclado, tocando as notas de forma ascendente. Mas, ao mesmo tempo
que troca com o estagiário, perde o foco apertando os botões do teclado.
5.4.11 Vídeo 10: Preparando-os para uma atividade relacionada a um projeto do CORA
Edson não queria entrar na sala de terapia. Estava choroso e irritado. Foi preciso a
mãe entrar com ele para que se acalmasse. Quando parou de chorar, a mãe saiu da sala.
João se aproxima do teclado e desperta o interesse de Edson que olha para o
instrumento. Quando o estagiário lhe oferece uma baqueta, Edson joga no chão como se
dissesse “não é isso que quero”. Então se aproxima de João para tocar no teclado, quando
percebe que o amigo não lhe dá atenção e espaço, vai para o outro lado do teclado. A
musicoterapeuta oferece então cadeira para que os dois sentassem próximos ao instrumento. A
musicoterapeuta pega um tambor e se aproxima dos dois para iniciar um jogo musical. Edson
se irrita com a musicoterapeuta e levanta o braço para bater na terapeuta, protestando com a
intervenção dela que iniciou uma cantiga. A terapeuta oferece a baqueta para Edson, mas ele
joga no chão. A musicoterapeuta tenta brincar com a situação utilizando o recurso de afeto
vocal, e se aproxima do teclado, mas Edson, ainda muito irritado, briga com a terapeuta.
Por outro lado, João não se incomoda com a interferência do estagiário, permitindo
que o mesmo toque com ele. Salientamos que nesta atividade, João tem se mantido sentado e
envolvido no instrumento por mais tempo. Em outras sessões é comum observarmos João
correndo de um lado para o outro.
Edson se estressa com a terapeuta novamente e sai do teclado. Para se regular,
Edson começa a correr pela sala.
Em seguida, João sai do teclado e começa a correr pela sala. Também neste
momento, Alexandre chega na sala. O estagiário improvisa no teclado a fim de sincronizar com
o ritmo corporal das crianças. A terapeuta tenta dar um suporte físico a Edson para que ele se
integre no jogo. Ela o conduz até o teclado e o tambor para que ele se sente. Edson está mais
calmo e começa a bater no tambor. Este foi um grande desafio nesta sessão, tentar fazer com
que os três ficassem sentados e focados nos instrumentos para fazermos música. Edson sai do
80
colo da terapeuta e senta no chão. A terapeuta vira o tambor em direção ao Edson para dar o
suporte visual para que ele tome a iniciativa de tocar. Ele toca no tambor, depois no chão, e
então se afasta novamente.
Enquanto isso, João se mantém distante dos terapeutas e da brincadeira. A terapeuta
se levanta para dar suporte físico a João para que ele se integre ao grupo. Ela consegue fazer
com que João sente no puff e deixa o tambor ao seu alcance. Porém João demonstra desinteresse
e se levanta. A terapeuta não desiste e volta com o suporte físico para que ele sente na cadeira,
no entanto, João novamente sai da cadeira. Dos três, o único que se mantém no instrumento é
Alexandre. Observamos as diversas tentativas frustradas da musicoterapeuta em manter o trio
focado em uma atividade, pois tanto Edson quanto João, têm uma necessidade de regulação
interna para ter interesse em focar. Edson até imita o ritmo proposto pelo estagiário com a
baqueta, mas permanece afastado.
Mesmo quando Alexandre sai do teclado, ele está inserido no jogo musical, pois
pega a baqueta para tocar o tambor. Aos 12:00 minutos do vídeo a musicoterapeuta aposta
novamente, através do suporte físico, em unificar o grupo. Edson se aproxima do teclado, mas
João prefere ficar livre pela sala.
A proposta desta sessão foi fazer uma roda de música com os familiares das
crianças. Edson não teve problema em ficar sentado com a mãe. João não queria ficar sentado
com o pai, e Alexandre não atendia aos comandos de sua avó para se sentar na roda. Então, a
avó se levanta e vai buscar Alexandre. João se aproxima do pai para fazer carinho em seu rosto.
Neste momento, iniciamos com cantigas de roda para que os pais e as crianças interagissem
com as canções entoadas e tocadas pelos terapeutas. No minuto 2:00 do vídeo, Alexandre
mantem-se focado tocando o tambor, João ora deitado, ora em pé e Edson tentando sair do colo
da mãe que tenta mantê-lo sentado sob os protestos irritados de Edson. A terapeuta oferece o
ukulelê a Edson que se irrita o chuta o instrumento.
O pai de João oferece um instrumento de percussão a ele, mas o mesmo não
demonstra interesse em explorá-lo. Edson continua irritado porque sua mãe o obriga a
permanecer sentado na roda, quando na verdade ele quer ficar livre pela sala. Ressaltamos que
não instruímos, neste primeiro momento, o que os pais deveriam fazer. Deixamos os pais livres
para depois analisarmos o vídeo e darmos um feedback a eles depois.
Para modificar um pouco a dinâmica e incorporarmos mais movimento, a
musicoterapeuta sugeriu uma roda. Embora João goste de girar em torno do próprio eixo, não
81
gosta de participar de atividades de roda. No entanto, no minuto 5:10, João fica do centro da
roda girando, e até se abaixa no momento que cantamos “miau”. Quando repetimos a canção,
João, por iniciativa própria volta para a roda segurando na mão de seu pai e da terapeuta. Após
a roda, deixamos os três livres para vivenciarem as músicas da maneira que quisessem se
expressar (pulando, correndo...).
mas João se mantém apático por estar aparentemente sonolento. Então, a terapeuta senta no
chão e lhe oferece colo, assim João explora as cordas do ukulelê.
Depois a musicoterapeuta improvisa no ukulelê com acordes maiores, com base no
som que Edson reproduz vocalmente. Alexandre faz o estagiário de “cavalinho” ao som da
música. Percebemos que João por breves momentos toca o tambor. Finalizamos este momento
musical que foi muito prazeroso, tanto para as crianças quanto para os terapeutas, uma vez que
todos nós estávamos conectados pela música.
Com base no Quadro 21, a média de João teve discreta mudança. Suas preferências
por dinâmicas e andamento de médio à rápido permaneceu. Sua necessidade pelo movimento e
percepção do ritmo são compatíveis com sua busca sensorial de se movimentar em torno do
próprio eixo, apresentando assim uma resposta musical ocasionalmente.
Com relação aos aspectos sociais e interativos, analisando o vídeo 4.1, João está
disputando com Edson o tambor, e Edson domina o instrumento. Então, João procura outro
objeto para representar o tambor. E isso nos fez pensar sobre sua capacidade de simbolizar.
Ao longo das sessões João conseguiu ter uma relação afetuosa com a
musicoterapeuta e o estagiário. Quando não conseguia participar das interações musicais, usava
o abraço e beijo para chamar a atenção dos terapeutas.
As mudanças em Edson foram significativas, principalmente no que diz respeito ao
toque. Edson demonstrou afeto e prazer em estar com seus colegas em diversos momentos. Em
uma ocasião em que estávamos conversando com os pais, Edson foi dar um abraço e um beijo
em João. Como João não retribuiu, Edson deu um tapa no amigo devido à sua frustração. Esse
comportamento demonstra que Edson foi capaz de perceber que seu gesto de carinho foi
rejeitado. Embora bater não seja um comportamento apropriado, isso nos mostra o quanto ele
deseja ser aceito pelo outro. E isso é um comportamento comum, a busca pela aceitação da
sociedade.
No vídeo 1, percebemos que a harmonia vocal provocou uma reação de fuga/medo
em Edson para se aproximar dos terapeutas. Fosse em tom menor ou maior, a harmonização
não foi bem recebida por Edson naquele primeiro encontro. Vale ressaltar que Berger (2009)
adverte quanto ao uso de harmonia em crianças que apresentam sensibilidade auditiva. Apesar
deste comportamento de fuga, Edson permaneceu no jogo. Ao passo que quando diminuímos o
84
volume de voz, Edson se sentiu seguro para se aproximar do tambor quando recebeu o comando
vocal. Utilizamos a técnica de improvisação clínica de redirecionamento32 (CARPENTE, 2013,
p. 14), pois os terapeutas ofertaram mudanças na intensidade e sem harmonia para envolver
Edson jogo musical.
No Quadro 22, podemos traçar um comparativo das evoluções perceptivas e
cognitivas de Edson com relação as propostas musicais.
Edson apresentou uma mudança mais significativa que João, o que quer dizer que
sua resposta musical ocorreu em boa parte do tempo. Conseguiu expandir suas habilidades
através da imitação e engajamento não só com os terapeutas, mas também com seus colegas de
grupo.
A participação em grupo foi muito importante para Edson, pois sua capacidade
imitação foi estimulada, ou seja, indicando um bom funcionamento dos neurônios espelhos33.
De acordo com Gattino (2015), essa habilidade de imitação costuma estar prejudicada porque
os neurônios-espelho de pessoas com Transtorno do espectro Autista não funcionam
adequadamente. A consequência deste mau funcionamento é o prejuízo na atenção
compartilhada. “Em contrapartida, os neurônios espelho funcionam normalmente em autistas
no que se refere ao processamento musical” (GATTINO, 2015, p. 27). O que reforça que a
música, quando bem aplicada, não é prejudicial ao desenvolvimento de pessoas com TEA, uma
vez que, apesar dos prejuízos que o Transtorno causa no desenvolvimento cerebral da pessoa
com autismo, o processamento musical está preservado.
No vídeo 14, Edson conseguiu improvisar por meio vocal e instrumental com a
musicoterapeuta, demonstrando uma evolução com relação ao primeiro vídeo em que não
conseguia se aproximar corporalmente dos terapeutas, e não vocalizava nada. Seu limiar
32
Quando o musicoterapeuta impõe mudanças dos elementos musicais para ajudar a criança a ser mais ativa na
participação do jogo musical.
33
Os neurônios-espelho são células localizadas no córtex pré-motor. Eles permitem que imitemos o
comportamento e ação de outro indivíduo por meio de observação.
85
auditivo, que era mais sensível a determinados sons e a elementos como harmonia melhorou.
Conseguiu participar sem estresse de um concerto musical, onde o maior estímulo eram os
diversos sons do ambiente como, a plateia, os músicos, os cantores, e vinte e nove crianças nas
coxias ou no palco.
Alexandre iniciou a terapia com muito isolamento, falta de interesse pelos
instrumentos, aparentando não perceber o som dos instrumentos. Seu interesse inicial era
apenas no movimento do balanço para se regular, e em atividades visuais, como a bolinha de
sabão, por exemplo. Segundo Carpente (2013), se a criança está no nível de desenvolvimento
sensório-motor sua experiência musical pode ficar comprometida, uma vez que ela não
consegue iniciar ou formar ideias musicais. Percebemos, então, nessa experiência, que observar
e compreender as necessidades de Alexandre foi fundamental para que ele conseguisse se
envolver e se relacionar com a música e com os terapeutas.
No vídeo 5, vimos o primeiro lampejo de que Alexandre estava começando a se
interessar pelas sessões de musicoterapia. Com o apoio visual/gestual, Alexandre imitou a
expressão vocal da musicoterapeuta e começou a se atentar ao som. No decorrer das sessões
seguintes, Alexandre passou a explorar todos os instrumentos, principalmente o teclado.
Consegue permanecer mais tempo sentado ao instrumento. Essa mudança também refletiu em
sua avaliação do IMCAP-ND, como descrito no Quadro 23.
De forma geral, os três ainda buscam o movimento de correr, e essa é a forma que
interagem um com o outro e se auto regulam. Porém, Edson e Alexandre aumentaram o tempo
de atenção em atividades que exigem sentar em roda, ou explorar um instrumento. Para João,
isso ainda é um desafio.
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6 CONCLUSÃO
observar, e nos juntávamos as propostas que a própria criança trazia, aí sim conseguíamos
respostas positivas. Formávamos um círculo fluido de comunicação a partir desta interação. Se
existe uma “receita de bolo” que nos diga como interagir com essas crianças, poderia dizer que
o afeto é a base, observar como se relacionam com o meio e, a partir desse momento,
planejarmos juntos com a criança diversas formas de expandirmos o conhecimento.
Esta pesquisa também pode contribuir para futuras pesquisas em educação musical
e/ou musicoterapia para pessoas com TEA, uma vez que este tema é pouco abordado em
literatura nacional. Pesquisas com este viés, aliado às neurociências, podem nos indicar como
essas pessoas reagem a determinados estímulos, e como seu cérebro responde à música.
90
7 REFERÊNCIAS
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Janeiro: Enelivros, 2004.
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BRASIL. Lei n. 10.436, 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais -
Libras e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, Subchefia para
91
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GATTINO, Gustavo Schulz. Musicoterapia e autismo: teoria e prática. São Paulo: Memnon,
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TOMATIS, Alfred A; VILAIN, Jacques. O ouvido à escuta da música. In: RUUD, Even
(Org.). Música e Saúde. São Paulo: Summus, 1991.
Seu(a) filho(a) está sendo convidado(a) a participar de uma pesquisa que será realizada no
Centro de Otimização para a Reabilitação do Autista – CORA. Esta pesquisa faz parte do
projeto de mestrado da área Música, Educação e Diversidade da Universidade Federal do Rio
de Janeiro.
O objetivo deste trabalho é oferecer aulas de música para crianças com autismo para avaliar se
o desempenho musical pode ser afetado por distúrbios do processamento sensorial (quando a
criança apresenta hipersensibilidade ou hiporreatividade a um estímulo sensorial).
O estudo trará os seguintes instrumentos para coleta de dados: Anamnese, Questionário de
Histórico Sensório motor e Formulário de admissão do IMCAP-ND (Perfil de Avaliação
Individual Músico-Centrada dos Transtornos do Neurodesenvolvimento).
A pesquisa será realizada entre os meses de ............................. e as aulas de música serão
oferecidas às segundas –feiras no horário .................................
As informações obtidas através dessa pesquisa como coleta de dados, filmagens e fotografias
feitas referente à pesquisa, submete o sujeito, a estudos científicos, pesquisas e apresentações
de trabalhos em congressos da área, preservando o sigilo absoluto dos envolvidos e gratuidade
das aulas.
Salientamos que, os participantes podem sair da pesquisa se sentirem a necessidade do mesmo.
Você receberá uma cópia deste termo onde consta o telefone das pesquisadoras, podendo tirar
suas dúvidas sobre o projeto, agora ou a qualquer momento.
Declaro que entendi os objetivos de minha participação na pesquisa e concordo com a minha
participação e de meu(minha)
filho(a)______________________________________________________.
Local e data:____________________________________________
Contato com os pesquisadores: Thelma Sydenstricker Álvares Tel. (21) 98847-9727; Michele
Senra Tel.(21) 98635-8116. Rua Honório Bicalho, 102 – Penha – RJ/RJ CEP: 21020-002.
Dados pessoais:
Nome Criança: ______________________________________________________________
Data de nascimento: ___/___/_____
Endereço:___________________________________________________________________
___________________________________________________________________________
Tel: ________________
Gestação:
Mãe teve:
Depressão? _________________________________________________________________
Sangramento? _______________________________________________________________
Queda? ____________________________________________________________________
Hipertensão? ________________________________________________________________
Diabetes? __________________________________________________________________
Parto:
Apgar: _________
Desenvolvimento:
Sentou: ____________________________________________________________________
Andou: ____________________________________________________________________
Histórico Médico:
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Avaliação da queixa:
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Rotina:
Atividades da criança:
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Apresenta diferentes expressões faciais como alegria, tristeza, surpresa? Sempre apresentou?
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Conversa?
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Tem maneirismos com dedos das mãos? Já teve? Ou outros comportamentos “estranhos”?
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Pais: ______________________________________________________________________
Instruções: Marque um X na resposta que achar mais pertinente. Caso tenha algum
comentário sobre alguma das questões, escreva ao lado da mesma, por favor. Obrigada.
TOQUE:
16- Parece excessivamente sensível a dor e fica incomodado (a) com pequenos cortes?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
17- Mostra uma necessidade incomum de tocar certas texturas, superfícies e brinquedos?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
19- Tem dificuldade em planejar quanta força usar? Exemplo: acaricia um animal com
muita força.
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
MOVIMENTO:
1- Fica ansioso (a) ou estressado (a) quando seus pés saem do chão?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
VISUAL:
AUDITIVO:
1- Torna-se distraído (a) ou tem problemas quando cercado (a) por muito barulho?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
GUSTATIVO E OLFATIVO:
2- Parece incomodado (a) com cheiros que a maioria das outras pessoas não nota?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
HABILIDADES RELACIONADAS
NIVEL DE ATIVIDADE:
O seu filho (a)...
ALIMENTAÇÃO:
4- Costumar babar?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
ORGANIZAÇÃO:
2- Perde-se facilmente?
Muitas vezes ( ) Às vezes ( ) Raramente ( ) Nunca ( ) Não se aplica ( )
HORA DE DORMIR:
SOCIO – EMOCIONAL:
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Assinatura do responsável:
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Familiar/Responsável:
Empregador: Telefone comercial:
Celular: Telefone residencial:
Endereço: Cidade:
Estado: CEP:
Endereço de Email: Encaminhar para:
HISTÓRICO DA FAMÍLIA
Adotado? Idade da adoção?
País de nascimento:
Número de irmãos: Data de Nascimento:
1) 1)
2) 2)
3) 3)
4) 4)
HISTÓRICO MÉDICO
Médico principal: Telefone:
Endereço: Cidade:
Estado: CEP:
Endereço de Email: Telefone:
Lista de medicamentos: 2)
3) 3)
Lista de alergias: 4)
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Usa a linguagem para satisfazer às Sim ( ) Não ( )
suas necessidades?
Se “não”, explique:
A criança fala principalmente por meio de: ( ) palavras isoladas ( ) 2-3 frases
( ) sentenças complexas
Dê um exemplo:
COMUNICAÇÃO
Como a criança se comunica com familiares e
amigos?
Por favor descreva:
COMUNICAÇÃO (CONT.)
A criança consegue compreender e seguir
instruções verbais?
Em caso positivo, descreva:
ASPECTOS SENSORIAIS
A criança é altamente sensível à (ao): ( ) toque ( ) cheiro ( ) paladar ( ) sons
Fica confortável com a sensação de roupas,
tecidos, etc?
Descreva/ Explique:
SENSORIAL (CONT.)
A criança busca ou pede por movimento?
Descreva/Explique:
SÓCIO-EMOCIONAL
Como a criança responde a novas situações e
ambientes?
Descreva/Explique:
114
SÓCIO-EMOCIONAL (CONT.)
A criança prefere brincar: ( ) sozinha ( ) com adultos ( ) com pares ( ) com irmãos
Inicia atividades com pares (crianças da mesma
idade)?
Descreva/Explique
Paixões da criança:
ASPECTOS MUSICAIS
A criança já teve uma experiência prévia em
musicoterapia? Em caso positivo, onde e por
quanto tempo?
A criança já teve aula de música antes? Em caso
positivo, em qual instrumento?
A criança apresenta conhecimentos/habilidades
musicais?
Descreva:
PONTUAÇÃO
I AUTO REGULAÇÃO E INTERESSE PELO MUNDO
1 - Está interessado e atento em brincar com os brinquedos.
2 - Explora objetos livremente (de forma espontânea, criança está
ativamente a procura de objetos).
3 - Permanece calmo no período da brincadeira sem sinais de
sofrimento/estresse (chorar ou lamentar), mostra frustração apropriada.
4 - Fica confortável tocando brinquedos com diferentes texturas.
5 - Fica confortável em ser tocado pelo cuidador.
6 - Gosta de se movimentar em equipamentos (como balanço, escorrega)
ou de jogos de contato físico (pular, empurrar).
7 - É extremamente visual, olhando detalhes dos brinquedos em vez de
usá-los intencionalmente, e foca nos brinquedos, em vez do cuidador.
8 – Mostra-se feliz, contente e afetivo.
TOTAL DE ESCORE
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Escores gerais
A pontuação está em uma escala de dois pontos para a maioria dos itens, exceto quando
indicado, e é:
0 = nada
1 =algumas vezes
2 = presente de forma consistente
NO quando o comportamento não foi observado
Onde indicado para converter uma pontuação, transforme a pontuação da seguinte maneira:
0 torna-se 2
1=1
2 torna-se um 0
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