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Faculdade de Direito de Lisboa

SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

APONTAMENTOS DE INTRODUÇÃO AO
ESTUDO DO DIREITO
1º SEMESTRE 2010/2011

Docente: Sandra Lopes Luís

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 1


2010/11
Estes apontamentos correspondem à matéria das aulas práticas da cadeira de
Introdução ao Estudo do Direito leccionada às sub-turmas 5 e 6 da Noite, no 1º
semestre do ano lectivo de 2010- 2011. Têm uma finalidade exclusiva de auxílio aos
alunos no estudo para a preparação dos exames.

INDÍCE

CAPÍTULO I: A Ordem Jurídica

1. Ordem natural e ordem social: ordem fáctica; técnica e normativa. Ideia de


normatividade
2. Diversidade de ordens normativas: ordem religiosa; ordem moral; ordem de trato
social e ordem jurídica
3. Relações direito e moral
4. Caracterização da Ordem Jurídica: necessidade/ imperatividade/ coercibilidade/
exterioridade/ estatalidade
5. Os fins do Direito: a Justiça, Segurança Jurídica e Promoção do Bem-estar
Económico, Social e Cultural
6. Sociedade politicamente organizada: Estado; Estado de Direito; realização do
Direito como função do Estado
7. Os meios de tutela pública
8. Ramos de Direito

CAPÍTULO II: Fontes de Direito

1. Considerações gerais sobre Fontes de Direito


2. Costume
3. Jurisprudência
4. Doutrina
5. Lei
6. Direito internacional
7. Princípios fundamentais de Direito
8. Hierarquia das fontes/ normas

CAPÍTULO III: Interpretação

1. A interpretação em sentido restrito

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A. Noção
B. Modalidades de interpretação
a. Critério dos sujeitos/ fontes/ origem ou valor: Interpretação autêntica;
oficial; judicial; doutrinal e particular
b. Critério do objectivo ou fim da interpretação: Subjectivistas/
Objectivistas/Teses mistas; Historicistas/ Actualistas; art. 9 CC
c. Critério dos resultados da interpretação: interpretação declarativa; extensiva;
restritiva; abrogante; enunciativa; correctiva
2. A integração de lacunas
a. Considerações iniciais
b. Lacuna jurídica
c. Integração: analogia legis; analogia júris; norma que o interprete criaria
3. Novas perspectivas metodológicas de concretização ou desenvolvimento do
direito
a. Redução teleológica
b. Extensão teleológica
4. Exemplos práticos e dúvidas da doutrina

CAPÍTULO IV: A Norma Jurídica


1. Noção e estrutura da norma jurídica
2. Características da norma jurídica
3. Classificações de normas jurídicas

CAPÍTULO V: Casos práticos


1. Casos práticos resolvidos sobre Interpretação
2. Casos práticos resolvidos sobre Integração de Lacunas
3. Casos práticos sobre Fontes de Direito e Normas Jurídicas
4. Testes de anos anteriores

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BIBLIOGRAFIA CONSULTADA:

Manuais de Introdução ao Estudo do Direito

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa), 4ª Edição 1998 Europa

América; S J (Santos Justo) 3ª Edição, 2006;

O A (Oliveira Ascensão) 10ª Edição, 1997;

NSG (Nuno Sá Gomes), 2001; CM (Castro Mendes)

1994; BM (Baptista Machado) 15ª Edição, 2006;

AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima – CC anotado);

G T (Galvão Telles) 10ª Edição, 1998; F A (Freitas do Amaral)

2004; PO (Paulo Otero), 1999;

Fernando José Bronze, 2002;

Outros manuais
Castanheira Neves: Metodologia Jurídica – Problemas Fundamentais 1993

Karl Larenz: Metodologia da Ciência do Direito, 4ª Edição 2005

Karl Engisch: Introdução ao Pensamento Jurídico, 10ª Edição 2008

Gomes Canotilho/Vital Moreira: CRP anotada, 2010.

Livros de Hipóteses Práticas

Marcelo Rebelo de Sousa e outros, AAFDL

1998 Carla Amado Gomes, AAFDL 1997

Pedro Ferreira Murias, AAFDL

2001 Daniel Morais, AAFDL 2008

David Magalhães: Noções Fundamentais de Direito, 2010

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Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

CAPÍTULO I: A Ordem Jurídica

Abreviaturas dos nomes de Autores:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima –

CC anotado); G T (Galvão Telles); F A (Freitas do Amaral); PO (Paulo Otero)

Aspectos a abordar:

9. Ordem natural e ordem social: ordem fáctica; técnica e normativa. Ideia de


normatividade
10. Diversidade de ordens normativas: ordem religiosa; ordem moral; ordem
de trato social e ordem jurídica
11. Relações direito e moral
12. Caracterização da Ordem Jurídica: necessidade/ imperatividade/
coercibilidade/ exterioridade/ estatalidade
13. Os fins do Direito: a Justiça, Segurança Jurídica e Promoção do Bem-estar
Económico, Social e Cultural
14. Sociedade politicamente organizada: Estado; Estado de Direito; realização
do Direito como função do Estado
15. Os meios de tutela pública

Ordem natural e ordem social: ordem fáctica; técnica e normativa.

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Ideia de normatividade1

Introdução:

Ideia de que homem é um ser social pois estabelece relações com os outros homens,
logo é necessário que o seu comportamento seja disciplinado por regras de organização
e de conduta. Deve-se fixar uma ORDEM para a sua actuação

Assim surge a necessidade de:

1- Definir ordem

2- Distinguir a ordem social da ordem natural

3- Separar os vários tipos de ordem dentro da ordem social: fáctica/ técnica / normativa

Ordem

ORDEM é a conjugação de vários elementos para a obtenção de uma função comum


(regularidade de actos). Exprime-se por leis que traduzem o encadeamento de condutas
necessárias para consecução dos objectivos em vista. É um dado imediato da
observação sociológica/ é uma realidade.

ORDEM NATURAL: É a ordem que não se dirige ao homem, mas visa explicar os
fenómenos naturais

Ordem natural (ordem do SER)

I) Explica o fenómeno botânico e o equilíbrio dos organismos animais


1 Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascensão/ Nuno Sá Gomes

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II) Exprime-se por leis da física/ da geografia / da genética (ex. lei
o heliocentrismo/ geocentrismo/ lei da gravitação de Newton que explica
porque os corpos caiem na vertical)
III) Exprime-se segundo um princípio da causalidade (causa/ efeito), são
cegas a considerações de valor
IV) A ordem natural não pode ser violada: porque se reconduz a esquemas
mentais de explicação da realidade (visa explicar a realidade) o que pode
acontecer, é que esses esquemas mentais estejam errados se um aspecto
factual contraria o enunciado dessa lei. Neste caso essa lei não se mantém e
procura-se uma nova lei para explicar a realidade
V) As leis da natureza são posteriores aos fenómenos que visam interpretar

ORDEM SOCIAL: é a ordem das condutas humanas. Tem por objecto regular a
actividade humana e as relações entre os membros da sociedade (ideia: não há
sociedade sem normas). Exprime-se através de normas relacionais: regras para
solucionar conflitos

Dentro da ordem social pode-se separar:

a) Ordem técnica

b) Ordem fáctica

c) Ordem normativa

Ordem Técnica (ordem do útil/ vantajoso)

I) Exprime-se por um conjunto de regras que disciplinam a actividade humana


visando a realização de certos objectivos que se querem alcançar
II) São regras condicionais: se, se quiser alcançar algo, é útil que se proceda
segundo uma determinada técnica – meio para atingir um fim - orientam a
acção do homem na sua relação com os meios/ instrumentos para a obtenção
dos fins pretendidos

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III) Não têm imperatividade (não se impõe ao homem/ não sente um dever): caso
o sujeito não queira obter um resultado não violou um dever
IV) Exemplos de regras técnicas: de dança/ construção civil (casas) / fertilização
de solos/ fabrico de carros

Ordem Fáctica

I) Consiste na descrição das condutas humanas e nas previsões de


comportamentos futuros.
II) Tem por objecto a análise da actividade do homem (relações de facto/ ser)
sem que se lhe imponha o modo como ele se deve comportar
III) Exprime-se por leis sociológicas2 e económicas, segundo as quais diante
certas condições certas consequências tendem a verificar-se.
IV) Exemplos: depois de uma guerra a verifica-se uma expansão da natalidade;
lei da oferta e da procura (preços); desvio de emprego para países com mão-
de- obra mais barata; fenómenos migratórios; crime nos grandes centros
urbanos
V) São diferentes das leis naturais porque a convivência dos homens muda
através dos tempos, enquanto que a ordem natural (por exemplo das abelhas)
é sempre a mesma, a sua explicação é que pode mudar (mas o fenómeno é o
mesmo sempre). As leis naturais são exactas e universais, já as leis fácticas
são contingentes, isto é, variam no tempo e no espaço.
VI) É diferente da ordem técnica porque a ordem fáctica traduz meras
enunciações de juízos de valor da actuação do homem, não orientando a
conduta do homem para atingir um fim. Os sociólogos, economistas e
historicistas não têm o propósito de disciplinar formas de conduta, embora as
suas conclusões possam e devam influir na ordenação dos comportamentos.

Ordem normativa (ordem do DEVER SER)

2A sociologia: estuda a formação/ transformação/ e desenvolvimento das sociedades humanas, os seus

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factores económicos, culturais e religiosos

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I) É a Ordem que visa orientar a conduta do homem na relação com os outros
homens. Tem um carácter intersubjectivo: visa disciplinar as suas condutas
fixando o modo como elas se devem processar
II) Corresponde a realidades éticas do ponto de vista do DEVER SER
(diferente da ordem natural – refere-se ao SER)
III) Dirige-se com carácter imperativo à vontade do homem (o homem sente
um dever de não roubar, pois se o fizer terá consequências). Diferente ordem
técnica não se situa num plano axiológico de valores
IV) A ordem normativa é violável porque a conduta do homem pode adequar-se
a ela ou não.
V) Ordem normativa impõe-se à vontade do homem antes dele agir. É anterior
aos actos que pretende regular

Diversidade de ordens normativas: ordem religiosa; ordem moral;


ordem de trato social e ordem jurídica

Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascensão

Dentro da ordem normativa (ordem do DEVER SER/ ÉTICA) podemos separar quatro tipos
de ordens:

1. Ordem de trato social


2. Ordem religiosa
3. Ordem moral
4. Ordem jurídica

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ORDEM DE TRATO SOCIAL

É a ordem definidora das regras de cortesia e de civilidade entre os membros de uma


sociedade. Integra todos os usos e praticas do comportamento social que vai desde o
modo de vestir, modo como nos expressamos, etiqueta e deveres de respeito para com
as outras pessoas. Esta ordem visa facilitar ou tornar mais agradável a convivência
social.

A ordem de trato social tem uma certa vinculatividade para os seus destinatários:
RECEIO DE ENFRENTAR SANÇOES SOCIAIS.

Devem-se separar os usos e práticas sociais que têm um carácter normativo, e que
portanto fazem parte da ordem de trato social, dos que não o têm:

i) Normativos – gozam de uma certa vinculatividade social decorrente da


pressão que o grupo exerce sobre todos os membros para obter um certo
comportamento. A sua não observância é sancionada com uma reacção
social adversa (reprovação/ marginalização), o que depende da cultura em
que se esta inserido. Ex: filas nos autocarros/ casamento noiva vestir de
branco/ luto morte de familiar.
ii) Não normativos - são meros ―comportamentos convergentes que não integram
a ordem de trato social. Trata-se de usos e práticas sociais que traduzem
hábitos sem carácter vinculativo porque a conduta que se afaste deles não é
objecto e pressão ou sanção social. Ex. uso de fato e gravata em provas
orais/ as horas das refeições.

ORDEM RELIGIOSA

Estabelece o relacionamento do homem com as divindades (sentido de


transcendência). Encontra o seu fundamento na fé e tem expressão tanto no
comportamento de cada um perante si próprio como perante as outras pessoas.

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As normas religiosas impõem deveres aos homens na sua relação com Deus: a proibição
de matar, de roubar e amar o próximo (mandamentos da Lei de Deus), são deveres do
crente para com Deus e não para com os outros homens – sentido de transcendência
da regra religiosa – há sanções divinas.

Tal acontece mesmo quando tais normas impõem condutas nas relações entre os
homens. De facto, as normas religiosas podem ter expressão e produzir efeitos nas
relações entre os homens, todavia tal ocorre de modo reflexo, enquanto resultado das
relações entre o crente e as divindades. Ao beneficiar dos mandamentos de Deus, os
nossos semelhantes não são sujeitos activos de um direito religioso imposto ao crente e
estabelecido a seu favor, mas apenas reflexamente beneficiam dele.

-Não se devem confundir com as normas de ordem religiosa, as normas que regulam a
organização e funcionamento das comunidades religiosas dos agrupamentos de
instituições dos crentes das diferentes religiões, pois estas são impostas pela hierarquia e
traduzem-se em regras terrenas e com sanções terrenas.

- Relações entre a ordem religiosa e a ordem jurídica da sociedade civil: o direito da


sociedade civil garante liberdade de culto religioso sem no entanto assumir ele próprio o
conteúdo das normas religiosas.

ORDEM MORAL

Traduz uma ordem normativa que estabelece os deveres de natureza ética visando o
aperfeiçoamento da pessoa quer perante si própria quer no seu comportamento (externo
e interno) em relação aos outros (com todos aqueles com que se relaciona). Implica um
conjunto de preceitos e concepções altamente obrigatórios para a consciência.

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Sanção: peso consciência; remorsos

Caracteriza-se pela interioridade, absolutidade e espontaneidade do dever moral

É uma realidade dotada de alguma imprecisão, por isso podem-se separar três grandes
sectores dentro da moral:

I) Moral de consciência individual: está situada no íntimo da consciência de


cada pessoa, levando-a a seguir a verdade e a praticar o bem, afastando-se do
mal. A consciência individual aparece com uma dupla função: revela a
norma de conduta (ex não matar) e simultaneamente aparece como
instância julgadora do cumprimento ou incumprimento dos seus ditames,
sancionando com remorso ou sentimento de culpa a respectiva violação. 3

II) Moral social ou positiva: comporta o conjunto de preceitos de carácter ético


existente numa determinada sociedade, vigente num momento histórico entre
os seus membros. Temos três tipos de moral social:
a) Moral social própria de cada pais ou de um grupo de países
culturalmente definido que gozam de um idêntico grau de civilização
b) Diferentes tipos de moral social no âmbito interno de cada país: moral
social urbana e rural.
c) Regras morais dotadas de uma tendencial universalidade que
correspondem a uma consciência moral comum. Ex. proibição de matar/
roubar

III) Morais particulares: conjunto de normas morais que pautam a actividade


de certos grupos fechados de pessoas definidas em função da profissão que
exercem. Ex:
a) Ética médica ou bioética: princípios éticos que devem pautar a
investigação cientifica e tecnológica sobre a vida humana (clonagem/
aborto/ eutanásia)
b) Deontologia jurídica ou jornalística: conjunto de deveres de natureza
moral a que se encontram adstritos os juristas ou jornalistas no
relacionamento

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3 Não obstante o seu carácter individual tais preceitos morais assumem relevância social, pois carecem de
sentido para a conduta de um indivíduo que vivesse isolado.

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com os colegas e na sua actividade (respeito direitos liberdades e garantias
das pessoas)

ORDEM JURÍDICA

A ordem jurídica:
Ordena os aspectos mais importantes da convivência
social Exprime-se através de regras jurídicas
Visa a prossecução de valores da Justiça e da Segurança.

As regras jurídicas exprimem a ordem jurídica e têm a seguinte estrutura:


Previsão ou factispecie: prevê um acontecimento ou estado de coisas, ex. danificação de
coisa alheia

Estatuição ou efeito jurídico: consequência para o caso de a previsão não se verificar ex.
obrigação de indemnizar

Subjacente à ordem jurídica esta a ideia de um direito relativamente estável num certo
tempo constituído por um conjunto de normas correlacionadas e harmónicas entre si a
que se denomina Direito Positivo, e ao qual se apontam algumas características que
adiante veremos.

Relações direito e moral

Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascensão

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RELAÇÕES DIREITO E MORAL

1º Separação Direito e Moral

2º Relações de interdependência entre Direito e Moral

1º Separação Direito e Moral (4 critérios)

I) Critério teleológico:

Moral – interessa-se pela relação plena do homem – fim pessoal

Direito – visa a realização da Justiça para assegurar a paz social

necessária à convivência em liberdade

II) Critério do objecto:

Moral: incide sobre a interioridade (motivação dos actos/ intenções do foro


intimo); ocupa-se com o que se processa no plano do pensamento e da
consciência, que são as acções humanas internas.

Direito: atende ao que externamente se manifesta; acção humana depois de


exteriorizada

Critica: este critério desvaloriza a importância que o direito atribui ao


elemento intenção das acções humanas. Porque disciplina acções livres, o
Direito não dispensa a apreciação de factores internos como culpa ou dolo,
isto é não dispensa os motivos da actuação. Por outro lado, este critério
também não
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atende ao relevo que a moral confere ao lado externo: a moral exige a
actuação correctamente manifestada.

III) Critério da Imperatividade:

Moral – Unilateralidade – como visa a perfeição pessoal limita-se a impor


deveres, isto é perante um sujeito moralmente obrigado, não existe uma
outra pessoa a exigir o cumprimento dos seus deveres.

Direito – Bilateralidade – como visa regular as relações sociais segundo a


Justiça, impõe deveres e reconhece direitos correlativos, isto é quem se
encontra juridicamente obrigado face a ele existe outra pessoa que lhe pode
exigir o cumprimento desses deveres.

Critica: nem sempre é assim, pois existem normas que não são susceptíveis
de sanção (direitos que carecem de coercibilidade) ex: obrigações naturais, o
seu cumprimento não é judicialmente exigível. 4

IV) Critério do motivo da acção

Moral é autónoma: os preceitos morais têm a sua fonte na consciência de


quem os deve cumprir (da pessoa que fixa a norma moral), que constitui
também a instancia que decide sobre o seu cumprimento ou incumprimento
(sanção) – O AUTOR DA NORMA MORAL É A PESSOA QUE LHE
DEVE OBEDECER

Direito é heterónomo: A NORMA É FRUTO DA VONTADE DE UM


SUJEITO DIFERENTE. Existe sujeição a um querer alheio.

4 Vide infra a matéria da classificação de normas quanto à sanção e também a matéria da coercibilidade.

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Referidos os principais critérios, conclui-se que nenhum fixa de modo certo e acabado
os limites que sejam do Direito e da Moral. E não raro, concordam os valores morais e
os jurídicos.

2º Relações de interdependência entre Direito e Moral

Influência da Moral sobre o Direito: existem normas jurídicas que têm na moral o seu
fundamento. Exemplos: art. 282 do CC que fixa a proibição de negócios usurários; art.
13 da CRP consagra o princípio da igualdade).

Neste sentido, coloca-se a questão de saber se será é legitimo legalizar soluções morais?
Sim, desde que as normas morais assumam relevância social e não natureza intra-
subjectiva

Recepção do Moral pelo Direito: casos em que as próprias normas jurídicas remetem
expressamente para a moral, isto é as normas morais passam a valer como Direito.

Ex:

O art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do Homem que a CRP acolhe, remete para
―as justas exigências da moral”.

Também no Direito Civil art. 280 CC “ negócios jurídicos cujo objecto ou fim seja ofensivo aos
bons costumes”, apelando à moral social dominante.

Caracterização da Ordem Jurídica: necessidade/ imperatividade/


coercibilidade/ exterioridade/ estatalidade

Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascensão/ Paulo Otero

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Como já afirmamos, subjacente à ordem jurídica está a ideia de um direito relativamente
estável num certo tempo constituído por um conjunto de normas correlacionadas e
harmónicas entre si a que se denomina Direito Positivo5, e ao qual se apontam algumas
características.

Vamos abordar cinco características do Direito ou da ordem jurídica:

1. Necessidade
2. Imperatividade
3. Coercibilidade
4. Exterioridade
5. Estatalidade ou Estadualidade

Necessidade

Enquanto característica do Direito, pode ser encarada de duas perspectivas:

1. Necessidade como imprescindibilidade social do Direito

Parte-se da ideia da natureza social do homem. A institucionalização da sociedade surge


como exigência natural da satisfação de necessidades individuais ou colectivas do
Homem. A existência das relações que se estabelecem entre os membros da sociedade
enquanto expressão da convivência social, determinam sempre a existência de regras
que regulem ou disciplinem a maioria das relações sociais – o direito surge como algo
natural ao próprio estado social do Homem – logo o direito é imprescindível para
efeitos da sobrevivência da sociedade (é uma realidade social inerente à condição
humana).

Esta ideia da necessidade da ordem jurídica para efeitos da sobrevivência ou


subsistência da sociedade e do próprio Homem, diverge das restantes ordens
normativas:

Ordem de Trato Social: a sociedade pode viver perfeitamente sem as regras de trato social,
não obstante ser possível a redução da qualidade de vida.

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5 Direito visto na perspectiva da Ordem Jurídica considerado como um sistema de normas.

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Ordem Religiosa: mesmo que se acredite que a religião é essencial à condição humana,
tal é uma imprescindibilidade individual (sobrevivência espiritual dos homens em
termos individuais) e não social (sociedade consegue viver sem religião).

Ordem Moral: aqui também existe uma imprescindibilidade individual e não social. Para
além da preocupação do direito em transformar certas regras morais em regras jurídicas,
precisamente pela sua imprescindibilidade social – Mínimo Ético -

2. Necessidade como fundamento do Direito

A intervenção sobre inúmeros sectores da vida social só se justifica se existir uma razão
de necessidade ou utilidade que fundamente o Direito.

Esta razão de necessidade fundamenta o limite da fronteira da legitimidade e não


legitimidade da forma de exercício do poder. Ex:

Intervenção jurídico-penal – a incriminação de condutas só deve ocorrer se o


comportamento em causa ofender os valores ou bens essenciais da sociedade (quem
estaciona no passeio não vai preso).

Intervenção fiscal – fixação de impostos não deve ser arbitrária, deve haver uma
fundamentação suficiente.

Imperatividade

A imperatividade atende à ideia de força obrigatória dos actos jurídicos.

As normas jurídicas são imperativas porque a sua essência é a do dever ser: devemos
obedecer-lhes sem a possibilidade de escolhermos livremente entre o seu cumprimento e
não cumprimento.

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Por isso, dir-se-á que o Direito orienta as nossas condutas independentemente da nossa
vontade porque só assim se cumprirá a sua função ordenadora indispensável à
subsistência da sociedade.

A imperatividade é reforçada pela sanção, que é a consequência normativamente


desfavorável prevista para o caso da violação de uma regra e pela qual se reforça a
imperatividade dela. Em toda a ordem normativa há sanções, mas nem toda a regra
jurídica é assistida de sanção.

- Discute-se se todo o direito é imperativo, no sentido de que todos os seus actos têm
natureza obrigatória. A imperatividade não reúne consenso como característica do
direito:

1) Tese imperativista: imperatividade é uma característica do Direito, onde há


imperatividade há Direito, se não há imperatividade não há Direito.
2) Tese anti-imperativista: nem todas as proposições têm natureza imperativa
3) Concepções mistas: síntese das teses anteriores, uma parte dos actos jurídicos
têm natureza imperativa, outros actos, embora não sejam dotados de
imperatividade, devem ser reconhecidos como jurídicos.

Exemplos de actos que não seriam imperativos, seriam os actos que se limitam a consagrar na lei
definições de certos conceitos jurídicos ou mesmo as normas de organização. Todavia mesmo em
relação a estas é possível perspectivar alguma imperatividade:

Normas conceituais: são regras autónomas que só ganham sentido quando conjugadas
com outros preceitos jurídicos que por elas são esclarecidos. Os destinatários das
normas conceituais são os aplicadores do Direito. Os tribunais e a Administração devem
obediência à lei (não podem sob pena de ilegalidade da decisão, recusar aplicar um
conceito legal designadamente através da articulação interpretativa entre a definição em
causa e outras normas que ganham significado à luz desse conceito), e como tal tais
normas gozam de imperatividade para estes órgãos. Ex: 202 CC definição de coisa –
todos os negócios jurídicos que tenham por objecto coisas devem atender a esta
definição.

Normas organizatórias: ex. art 201 CRM, são sempre imperativas para os órgãos em
causa, sob pena de o seu desrespeito ser sancionado com a invalidade.

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Como devemos então entender a imperatividade?

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- O facto de se dizer que toda a ordem jurídica é imperativa, não significa que todos os
actos traduzam imperativos, isto é, que toda a regra jurídica seja um imperativo
indicando uma forma como o homem deve agir. Há regras que participando da
imperatividade da própria ordem jurídica, não representam imperativos tomados
em si. 6

A imperatividade como característica do Direito é somente a imperatividade da


ordem normativa no seu conjunto, pois os actos jurídicos devem encerrar (directa ou
indirectamente pelo seu conteúdo e função normativas), uma determinada
obrigatoriedade susceptível de se projectar sobre um ou vários sujeitos.

Exterioridade

Consiste no facto de as normas jurídicas disciplinarem comportamentos que se


manifestam exteriormente, o que significa que as meras intenções sem manifestação
externa não provocam Direito, embora se dê relevância à consciência para determinar os
motivos que explicam as condutas sociais.

Ex: eu quero roubar este livro – O direito não dá qualquer relevância se não houver
comportamento.

Estatalidade (Pretensa característica)

Monismo Jurídico: o direito é criado e aplicado pelos órgãos estaduais.

Esta teoria é representado por Kelsen na sua obra a Teoria Pura do Direito, onde
considera que o Estado é o Direito (isto é o direito positivo) e que o Direito é o Estado,
enquanto conjunto de normas dotadas de coercibilidade e emanadas das estruturas
decisórias do poder. Reduz a aplicação da norma jurídica ao Estado.

6 Como veremos a propósito da matéria da norma jurídica, há normas de conduta e outras normas que não

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visam directamente regular a conduta do homem.

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Pluralismo Jurídico: nem todo o direito é criado e aplicado pelos organismos estaduais.

O Estado não tem o monopólio da criação do direito nem a exclusividade da sua


aplicação. Há normas jurídicas provenientes por exemplo do Direito Internacional
(Declaração Universal dos direitos do Homem) e do Direito Consuetudinário. Embora
não se duvide que em regra as normas dimanam dos órgãos estaduais que exercem uma
função legislativa, a sua aplicação é feita principalmente pelo poder executivo e as
situações de litígios dirimidas pelos tribunais.

Coercibilidade

Traduz a possibilidade de um aparelho organizado usar a força sempre que uma regra
jurídica seja violada por acção ou omissão, isto para obter do infractor o
constrangimento para o respectivo cumprimento, ou então para sancionar o mesmo
incumprimento.

Coercibilidade é diferente de coacção porque coercibilidade traduz a mera


possibilidade de utilização do uso da força (representa uma coacção virtual ou em
potência).

Coacção é o efectivo uso da força / acto ou facto de se exercer a força.

Exemplos de possíveis expressões de utilização da força em Direito (manifestações de


coacção directa ou indirecta):

1- Sanções patrimoniais ou pessoais


2- Execução forçada sobre património ou pessoa de certa
prestação 3- Detenção pessoal
4- Entrada em domicílio privado
5- Expulsão de certo local
6- Uso de armas de fogo

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7- Uso material de força física através de uma intervenção (militares/ forças policiais)
usando meios violentos sobre as pessoas

Quem pode exercer a força?

O princípio geral é o de que só o Estado o pode exercer coacção. Todavia existem casos
excepcionais em que se permite o uso da força por particulares: meios de tutela privada
como a legitima defesa ou o direito de resistência, casos em que se permite repelir pela
força qualquer agressão verificados certos pressupostos.

Discute-se se a coercibilidade constitui uma verdadeira característica do Direito?

1- Tese Tradicional: O Direito é um conjunto de normas garantidas pela força ou


pelo menos passíveis de serem garantidas pelo uso da força. (1º normas; 2º força).
Esta tese identifica o Direito com o poder do Estado, ― o Direito resume-se à
força‖. O uso da força comporta duas formas de exercício: a) poder de constranger
através da força quem não faz o que deveria ser feito; b) poder de impedir através
da força quem faz o que não deveria fazer. A coercibilidade é característica do
Direito.

2- Tese do Direito como regulador da força: entende que o Direito é um conjunto


de normas que regula o exercício da força (1º força; 2º normas). Toma a força
como elemento do conteúdo das normas jurídicas (o que as distingue das
restantes normas sociais) e não como algo externo situado ao nível da garantia
do cumprimento ou de sancionamento do incumprimento da norma. A coacção
não é simples instrumento de realização do direito, mas é a própria matéria
regulada pelo Direito, as normas jurídicas disciplinam o quando, o como, o
quem do exercício do poder de coacção (pessoas/ condições procedimentos
pressuposto/medida da força).

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 27


2010/11
3- Tese configuradora da força como elemento não essencial do Direito: nega à
coacção e coercibilidade o estatuto de elemento caracterizador do Direito. A
coacção não é elemento essencial do Direito por três razoes:

a) Coacção não é necessária a todo o Direito porque o cumprimento das normas


jurídicas é por regra feita espontaneamente e sem qualquer necessidade de
intervenção da força. A maioria dos destinatários acata as normas jurídicas por
motivos que nada têm a ver com medo da sanção ou exercício da força pelo
Estado.
b) A coacção não existe em todo o Direito: há normas em relação às quais não
existe qualquer possibilidade de exercício da força para obter o seu cumprimento
ou para sancionar o seu incumprimento
c) Coacção não é possível em todo o Direito: questão de saber quem coage o
coactor (a norma que permite o uso da coacção também teria que gozar de
protecção coactiva e assim sucessivamente para assumir natureza jurídica)

Posição a adoptar:

A consideração da coercibilidade como sendo característica do direito, determina a


necessidade de todas as normas para serem jurídicas gozarem da possibilidade de serem
impostas pela força.

Verifica-se que a coacção não é necessária, não existe e não é possível em relação a um número
considerável de normas, que são tidas como tendo natureza jurídica.

Coacção não existe:

Nem todo o direito pressupõe coacção, por exemplo: art. 11 da CRP― os símbolos
da Republica de Portugal são a bandeira e o hinos nacional‖; também não existe
mecanismo coactivo que obrigue o PR a respeitar o art. 136 da CRP onde se estabelece
um prazo 20 dias para promulgar as leis.

Coacção não é possível:

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 28


2010/11
Há regras cuja sanção não pode ser coactivamente imposta, por exemplo se Estado é
condenado a pagar uma indemnização, não é possível usar a força para executar a
sentença jurídica porque quem detém a força é justamente quem está obrigado a pagar.

Coacção não é necessária:

A verdade é que a motivação psicológica ou acatamento da maioria das normas


jurídicas não passara pelo receio das sanções decorrentes do seu incumprimento, mas
antes se devera procurar no entendimento enraizado por um processo de inserção social
da necessidade do respeito de tais normas para a sobrevivência ou melhor vivencia de
todos em sociedade.

Os fins do Direito: a Justiça, segurança jurídica e promoção do bem-


estar económico, social e cultural

Bibliografia: Santos Justo/ Oliveira Ascensão/ Paulo Otero/ MRS

O direito regula as relações da vida social, conjugando interesses conflituantes. Essa


conjugação pode revestir duas formas:

1- Compatibilização dos vários interesses em questão

2- Sacrifício do interesse que deve ceder em relação aos outros mais importantes

O peso que se dá aos fins do Estado, variam de comunidade para comunidade (mais ou
menos democrática), todavia existem fins do Estado universais que são constantes em
toda a parte.

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2010/11
Justiça

Não existe um conceito unitário de justiça. Justiça é um conceito complexo que encerra
uma diversidade de perspectivas de enquadramento.

Segundo postulados da igreja católica, fala-se da ―vontade de Deus no coração dos


homens‖, fala-se também de ―dar a cada um o que é seu‖.

Vamos por isso analisar algumas perspectivas ou modalidades de justiça enquanto fim
do Direito:

1- Justiça comutativa: visa corrigir as desigualdades que possam existir nas


relações entre pessoas privadas e assegurar a equivalência de prestações ou a
equivalência entre dano e indemnização. Tem por base uma ideia de paridade de
posições entre as pessoas nas relações de coordenação (direito privado).
Assenta no princípio da igualdade e reciprocidade.
2- Justiça distributiva: visa assegurar que os bens económicos sociais e culturais
(vantagens que se devem receber da sociedade) não sejam distribuídos pelos
cidadãos e classes de modo assimétrico ou desproporcionado, de modo a não
violentar a natureza idêntica do ser humano. Atende à finalidade de distribuição
e à situação dos sujeitos (méritos e necessidades), conduz a desigualdade de
resultados. É a justiça própria das relações de subordinação e pertence ao direito
público.

A justiça implica algumas ideias ou corolários que ajudam na sua definição:

Principio da igualdade significa que:

a) Se deve tratar igual o que é igual na sua essência: verificando-se uma paridade
de circunstâncias ou situações, o comportamento de todos os membros da
sociedade deve ser julgado segundo as mesmas regras, aplicando-se os mesmos
critérios. Ex: os seres humanos não podem ser discriminados por razoes de
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 30
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sexo, idade, raça,

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religião, estado, situação económica, ideologia ou actividade política (vide art.
13 da CRP).

b) Se deve tratar de modo desigual o que é substancialmente diferente: verificando-


se desigualdade de circunstâncias a justiça subjacente ao princípio da igualdade
exige agora que o tratamento jurídico a dar aos diferentes casos, implique
também desigualdade, pois nada há mais injusto, do que tratar como igual o que
é desigual. Visa-se uma igualdade real em termos sociais (bem estar e qualidade
de vida art. 9 alinea d da CRP) centrada na melhoria das condições das pessoas
mais desfavorecidas. A promoção da justiça social passa por uma correcção das
desigualdades na distribuição da riqueza e rendimento, especialmente através do
sistema fiscal. Ex: criação de leis de investimento para as zonas mais pobres.

Princípio da proporcionalidade: entre as soluções fornecidas pelo direito e as situações


a que aquelas se destinam. Assenta em três ideias:

a) Proibição do excesso ou a necessidade: a justiça passa por o direito não poder impor
sacrifícios ou lesões para além do estritamente necessário e também pela
imprescindibilidade do meio a adoptar em concreto.
Ex: a intervenção da lei penal incriminadora da conduta deve efectuar-se nos
casos em que se coloquem em causa directa ou indirectamente bens ou valores
essenciais da sociedade que sejam objecto de um juízo de reprovação ético-
social – fala-se num princípio de intervenção mínima do direito penal; também
segundo o art 337 CC o exercício da legítima defesa deve obedecer a um
princípio de proibição de excesso, sob pena de ser ilícito (se alguém levanta a
mão para bater, não pegar numa arma e matar).

b) Adequação das soluções às situações reais: impondo ao decisor a aptidão do meio a


usar, tendo em vista alcançar com ele o resultado pretendido.
Ex: art. 562 e 566 CC, a restituição in natura é preferível à indemnização em
dinheiro; também a obrigatoriedade de vacinas a animais atingidos por certa
doença só será uma medida adequada se, se souber que isso é suficiente para a
prevenção da propagação da epidemia a animais.

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c) Ideia de equilíbrio: entre as prestações envolvidas, impondo que os interesses
de uma parte não se realizem à custa do interesse da outra. Exclusão de
soluções que conduzem a desequilíbrios de equivalência das prestações em
termos contratuais ou posições jurídicas em confronto.
Ex: o art. 437 do CC dispõe que no caso de alteração anormal das circunstâncias
em que uma das partes fundou a sua decisão de contratar, pode ocorrer a
resolução ou modificação do respectivo contrato; o art. 428 do CC dispõe que
num contrato bilateral se, se verificar o incumprimento de uma das partes, pode
a outra invocar a seu favor a figura da excepção de não cumprimento.

Principio da imparcialidade: impede que os titulares dos órgãos do poder politico/


Estado se beneficiem a eles próprios, parentes, sócios, colegas quando definem as regras
de Direito, fixando se impedimentos e incompatibilidades dos titulares dos Órgãos da
Administração, de titulares de cargos políticos, juízes (escusas e suspeições). Ex: art.
266 nº2 da CRP

Segurança

Tem subjacente uma ideia de certeza para evitar o caos (desordem/ justiça pelas próprias
mãos) e garantir a paz e a tranquilidade.

O conceito de segurança tem sido um conceito confuso, podemos entendê-lo de três


modos:

1- Como traduzindo o estado de ordem e paz que a ordem jurídica tutela,


prevendo e reprimindo os actos de agressão contra pessoas e bens. É a segurança
através do direito que garante a nossa existência pessoal e social contra ataques e
perturbações.
2- Como traduzindo uma certeza do direito: o que permite prever os efeitos
jurídicos dos nossos actos e em consequência planear a vida em bases firmes e
estáveis. Comporta a previsibilidade de condutas.

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3- Como traduzindo a protecção dos particulares em relação ao Estado (poder).
Ideia de que num Estado de Direito os órgãos devem respeitar os direitos que
integram a esfera dos indivíduos. Esta segurança é tutelada pelo princípio da
legalidade que limita a acção do Estado e também pela independência dos
tribunais que decidem os recursos contra os actos da Administração.

Relações entre a Justiça e a Segurança

O Direito nem sempre traduz situações ideais, muitas vezes exprime soluções possíveis,
surgem, por isso, conflitos de valores ao nível da norma jurídica: sacrificar a Justiça, ou
sacrificar a Segurança em nome da Justiça?

O sacrifício deve ser parcial, não se deve afastar totalmente cada um deles, a ideia é
conjugar ambos. Deve-se obedecer a uma racionalidade na criação do Direito,
procurando regras que conciliem de modo racional os dois objectivos e alcançando
soluções que com maior ou menor cedência de um deles se integrem numa lógica global
de sistema.

Devemos entender que existe uma complementaridade entre estes valores:

- Pois a Justiça exige sempre segurança, não se podendo imaginar uma sociedade
justa sem um mínimo de segurança já instaurada. A justiça assenta sempre no
pressuposto da segurança, dai que potenciais conflitos entre a segurança e a justiça
acabam por se reconduzir a conflitos da justiça consigo mesma, isto é, conflitos de
diferentes perspectivas da tutela jurídica.

- Por outro lado, também a segurança jurídica só se mantém se as normas não


negarem em absoluto a justiça, uma vez que a ordem que garante a paz dada pelas
normas que tutelam a segurança, quando estas sejam injustas, só a mantém e por isso,
tal ordem corre continuamente o risco de ser derrubada pela força (insurreição/
rebelião). A manifestação vazia do poder sendo apenas resultado da força tem um êxito
precário. A segurança não pode resultar da estabilização de um poder arbitrário alheio
ou negador de qualquer intenção ética ou imposto apenas pelo terror.

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Não há uma contradição entre segurança e justiça, mas uma complementaridade, a justiça pressupõe sempre
segurança e a segurança está ao serviço da justiça.

Casos hipotéticos de prevalência da segurança sobre a justiça:

Caso julgado: existe quando um mesmo conflito não pode voltar a ser apreciado
judicialmente. Todavia, sendo a sentença uma obra humana e porque errar é humano
não se afasta a impossibilidade de uma injustiça. Ex: condenado por um crime que não
cometeu

Usucapião: posse do direito de propriedade durante certo tempo permite que o


possuidor adquira a titularidade do direito. Permite a perda do direito por parte do
legítimo proprietário a favor do possuidor que se comporta como proprietário. Sacrifício
da justiça decorrente do título legitimador. Lei valoriza a segurança, estabilidade
decorrente da aparência da situação factual subjacente à posse.

Prescrição: em matéria penal a lei prevê que o procedimento criminal se extingue


decorridos certos prazos depois da prática do crime, extinguindo-se a responsabilidade
criminal. A lei permite que quem cometeu um crime fique impune, não podendo mais
ser julgado por esse facto – prevalência da segurança sobre a justiça, pois a pessoa não
pode ficar eternamente à espera para ser julgado.

Promoção do Bem-estar Económico-social e Cultural

Hoje em dia, o Estado intervém também na vida económica, nas relações sociais e
actividade cultural, isto porque conclui que os mecanismos de mercado não asseguram a
redução das desigualdades existentes na colectividade: assimetrias pessoais, funcionais
e regionais.

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O Estado visa garantir um patamar mínimo de bem-estar por isso, fixa níveis salariais
mínimos, pensões sociais, tendencial gratuitidade de grau de ensino (escolaridade
obrigatória).

Este fim é indissociável

da: 1- Justiça

distributiva
2- Segurança: a tranquilidade pública e a estabilidade do Direito são mais facilmente
concretizáveis numa comunidade onde o bem-estar esteja genericamente
partilhado pelos cidadãos.

Sociedade politicamente organizada: Estado; Estado de Direito;


realização do Direito como função do Estado7

A forma de organização da sociedade pressupõe um Estado.

Noção de Estado: colectividade, ou seja um povo fixo num determinado território que
nele institui por autoridade própria um poder politico, relativamente autónomo.

Na definição de Estado observamos três elementos essenciais que a teoria tradicional põe
em destaque:

1- Povo: é o conjunto de cidadãos ou nacionais de cada Estado, isto é, ligados a um


certo Estado por um vínculo de nacionalidade que lhes reconhece o gozo de
direitos

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7 Bibliografia: Marcelo Rebelo de Sousa/Santos Justo/ Oliveira Ascensão

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políticos. Trata-se de um conceito jurídico-político que não se confunde com o
conceito de:

População: conceito de natureza demográfica – conjunto de pessoas físicas


residentes no território de um Estado, num determinado momento histórico,
sejam elas, nacionais, estrangeiras ou apátridas.

Nação: tem uma natureza cultural (cristalização de valores intelectuais e morais


que um povo encarna e aspira realizar – a cultura manifesta-se na literatura, arte,
religião, musica, moral direito). A nação tem subjacente uma comunidade que
assenta numa convivência mais ou menos longa de homens ligados pela mesma
etnia, língua e tradições sedimentadas naquela convivência.

2- Território: é o espaço onde o povo se rege segundo as suas leis executadas por
autoridade própria e com exclusão da intervenção de outros povos.8
Integra o solo e subsolo (território terrestre); espaço aéreo; mar territorial (no
caso de o Estado ter costa marítima – mar territorial). O território de um Estado
é limitado por fronteiras e define o âmbito de competências no espaço dos seus
órgãos supremos.

3- Poder político: faculdade exercida por um povo de, por autoridade própria,
instituir órgãos9 que exerçam com relativa autonomia a jurisdição sobre um
território, nele criando e executando normas jurídicas e usando os necessários
meios de coacção.

Funções do Estado

8O território proporciona uma ideia de estabilidade, por isso, um povo nómada não tem Estado.
9 Osórgãos são os centros institucionalizado de poderes e deveres que participam no processo de formação
e manifestação de vontade imputável ao Estado.

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Para assegurar os objectivos que constitucionalmente lhe estão atribuídos, o Estado tem
de realizar permanentemente varias actividades a que se chamam funções. 10

As funções do Estado não se encontram todas no mesmo plano, tal é determinado pela
CRP. O poder constituinte gera a CRP que condiciona o poder de revisão constitucional
e as demais funções do Estado.

1º Patamar: - funções primárias/principais ou independentes: as que os órgãos do


poder politico do Estado podem realizar de uma forma essencialmente livre ou
minimamente vinculada: função política e legislativa

2º Patamar – funções secundárias/ subordinadas ou dependentes: função jurisdicional


e administrativa.

Função política: cabe ao Governo (art. 182 da CRP) e traduz-se na definição e


prossecução pelos órgãos do poder político dos interesses essenciais da colectividade,
realizando a cada momento as opções consideradas mais adequadas para o efeito. Visa
criar as condições necessárias para a real fruição de direitos económicos e sociais, ex:
políticas ao nível do funcionamento dos sistemas de saúde, educação e segurança social;
acesso a cargos e funções públicas; actos políticos negociais (acordos de concertação
social, de recuperação de empresas, contratos de investimento).

Função legislativa: traduz-se na prática de actos legislativos pelos órgãos


constitucionalmente competentes na forma prevista na CRP e que revestem a forma
externa de lei.

A função política e legislativa, obedecem à CRP (incluindo leis de revisão


constitucional) e condicionam as funções jurisdicionais e administrativa, estas devem
ser conformes à CRP aos actos políticos e às leis.

10 Cabeaos órgãos realizar os objectivos do Estado, sendo as funções as actividades desenvolvidas pelos
órgãos para alcançar os objectivos que lhe estão constitucional mente cometidos.

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As funções secundárias decorrem das primárias.

Função jurisdicional: consiste no julgamento de litígios resultantes de conflitos de


interesses privados, ou de conflitos entre interesses públicos e privados, bem como na
punição da violação da CRP e das leis. É desempenhada por órgãos independentes,
colocados numa posição de passividade e imparcialidade e cujos titulares são
inamovíveis e não podem ser responsabilizados pelo julgamento das suas decisões.

Função administrativa: consiste na satisfação das necessidades colectivas que por


virtude da prévia opção política ou legislativa se entende que incumbe ao estado
prosseguir. É uma tarefa cometida a órgãos independentes dotados de iniciativa e
parcialidade na realização do interesse público e com titulares amovíveis e responsáveis
pelos seus actos.

As relações entre Estado e Direito

Ao longo da história verifica-se uma luta contra a arbitrariedade e jurisdição da


actividade do Estado. A ideia de justiça sempre esteve presente pois tal seria uma forma
de assegurar a paz:

Estado liberal visa: destruir privilégios do clero; igualdade dos cidadãos perante a lei;
tutelar direitos civis e políticos

Estado social de Direito: preocupa-se com a justiça distributiva e o bem-estar


económico e social e cultural dos cidadãos.

Existem várias doutrinas acerca da relação entre o Direito e o Estado:

1- Doutrina normativista: Kelsen identifica o Estado com o Direito e como tal o


Estado agiria sempre de acordo com o Direito, pelo que não faz sentido o
problema de limitação do Estado pelo Direito. O Direito é anterior e superior ao
Estado
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 40
2010/11
2- Doutrina marxista: também aqui se entende que o Direito se confunde com o
Estado, que não passa dum instrumento nas mãos da classe dominante para
sujeição das outras classes.

Critica a estas doutrinas: o Direito não se confunde com o Estado, mas cabe ao Direito
limitar e legitimar o Estado.

O Direito visa realizar a Justiça. Ao Estado incumbe instituir e garantir a ordem jurídica
que lhe deve obediência. Logo o Estado só pode ser de Direito.

Estado de Direito

O Estado de Direito tem na jurisdicidade a sua essência, o Direito fundamenta-o e define


as suas competências.

Ao longo da história surgiram três etapas contra a arbitrariedade:

1. Luta contra o arbítrio judicial na idade média (abusos dos juízes que tratavam
com brandura os ricos e severa os pobres).
2. Instauração de uma justiça administrativa de controlo dos actos da administração
3. Institucionalização dum controlo jurisdicional das leis: o legislador deve
respeitar um direito superior que a constituição consagra

Percorridas estas fases, ergue-se um Estado material de Direito, que realiza a concepção
personalista da justiça e se caracteriza por quatro notas:

1. O ordenamento jurídico é todo estruturado e tem na lei a sua fonte mais


importante
2. São afirmados e protegidos os direitos humanos: direitos subjectivos públicos
essências ao Estado de Direito
3. A acção administrativa é susceptível de recurso gracioso e contencioso que
tutela os direitos dos administrados

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 41


2010/11
4. A legislação é jurisdicionalmente controlada: garante-se a obediência à CRP e
aos direitos subjectivos públicos.

Faculdade de Direito de Lisboa


SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 42


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Ramos de Direito

Abreviaturas:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); F A (Freitas do Amaral); G T (Galvão

Telles)

Aspectos a abordar:

1. Conceito
2. Critério de distinção entre Direito Público e Privado
3. Classificações

Conceito11
O Direito estadual costuma ser concebido como uma árvore, com o seu tronco e com os
diversos ramos. A árvore representa o conjunto da ordem jurídica, o tronco é
constituído pelos valores jurídicos superiores e princípios gerais comuns a todos os
ramos de Direito e os ramos são as várias partes ou divisões de direito, diferenciadas
em função da matéria que as normas jurídicas regulam (por exemplo direito
constitucional, direito penal, direitos reais, etc).

Cada ramo de Direito tem o seu objecto específico, isto é uma determinada matéria a
que se dedica, que pode ser: os assuntos constitucionais, os crimes e as penas, ou a vida
privada das pessoas. Por isso acaba por ter uma feição particular e um espírito próprio, o
que justifica a sua autonomização.

Tradicionalmente faz-se a distinção entre Direito Internacional e direito interno, todavia


para efeitos de estudo dos ramos do direito vamos cingir-nos ao direito interno, ou
Direito Estadual. Assim, em primeiríssimo lugar surge a distinção clássica que se
estabelece entre Direito Público e Direito Privado. A separação entre estes dois ramos
de Direito é muito antiga vindo já do período romano e o critério distintivo está longe de
ser unânime.

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11 Vide FA p. 215.

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Critério de distinção entre Direito Público e Privado12

São avançados pela doutrina três critérios


distintivos:

1. Critério do interesse
2. Critério da qualidade dos sujeitos
3. Critério da posição dos sujeitos

Critério do interesse

De acordo com este critério as normas de direito público visam proteger os interesses
públicos do Estado e as normas de direito privado visam proteger os interesses dos
privados. Assim a norma administrativa sobre as Câmaras Municipais ou a norma fiscal
sobre o imposto automóvel serve os interesses públicos. Por outro lado a norma civil
sobre o contrato de compra e venda entre particulares ou a norma laboral sobre o direito
dos trabalhadores a férias, são normas que servem os interesses privados de indivíduos.

Crítica: apesar de este critério ser correcto na maior parte dos casos, a verdade é que há
casos em que não o é:

Há normas de direito público que protegem a realização de interesses dos particulares,


por exemplo: as normas de processo civil visam regular os processos que decorrem nos
tribunais judiciais para efectivação de direitos civis ou comerciais pertencentes a
particulares.

Na normas de direito privado que visam proteger na esfera da vida privada dos
particulares certos interesses públicos, por exemplo as normas de direito civil destinadas
a proteger os interesses dos filhos em caso de separação ou divorcio dos pais, 13 ou a
norma que dispõe que na falta de herdeiros, os bens de qualquer pessoa falecida são
atribuídos a título sucessório ao Estado – tais normas são entendidas pelos civilistas como
normas de direito privado simultaneamente de interesse e ordem pública.

12 Vide MRS, FA, NSG


13 O Estado considera ser de interesse público assegurar especial protecção às crianças privadas de um
ambiente familiar normal (art. 69 nº2 da CRP). Por isso, tais normas são de interesse e ordem pública,
mas nem por isso deixam de ser normas de direito privado porque a especial protecção que concedem aos
filhos menores não se traduz na atribuição a estes de poderes de autoridade sobre os pais. Vide FA p.251.
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 45
2010/11
No entanto os autores14 que defendem este critério mitigam a validade das críticas
dizendo que o direito público e privado, apenas predominantemente ou essencialmente mas não
exclusivamente, tutelam respectivamente o interesse público e privado.15

Critério da qualidade dos sujeitos

De acordo com este critério é direito publico aquele que regula as relações em que
ambos sujeitos ou pelo menos um dele são sujeitos públicos, isto é o Estado ou as outras
pessoas colectivas de direito público como as autarquias locais ou institutos públicos.
Por outro lado, é direito privado aquele em que ambos sujeitos da relação são
particulares, isto é indivíduos ou pessoas colectivas privadas como associações,
fundações ou sociedades.

Critica:

Este critério também não serve porque muitas vezes o Estado e os restantes entes
públicos intervêm na vida jurídica exactamente nas mesmas condições em que intervêm
os particulares, estando igualmente sujeito à aplicação das mesmas regras. Por exemplo
o Município de Lisboa pode ser condenado a pagar uma indemnização por danos
causados a um munícipe nos termos gerais do direito privado; o Estado também pode
ser herdeiro de Direito; o Estado pode arrendar, vender ou comprar bens tal como se de
um particular se tratasse, por exemplo adquirir veículos.

Critério da posição dos sujeitos

Surge para responder as insuficiências do segundo critério.

De acordo com este critério não é a qualidade dos sujeitos da relação jurídica que serve
de base à distinção, mas é antes a posição que nela assumem que permite a separação
entre direito público e privado. Assim o direito público é aquele em que o Estado e as
pessoas colectivas de direito público intervêm na sua posição de supremacia enquanto
titulares de jus imperii ou poderes de autoridade. Por outro lado são de Direito privado
as relações em que intervêm os particulares ou mesmo o Estado e outras pessoas
colectivas de direito publico, quando actuem em posição de igualdade ou paridade com
os outros sujeitos.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 46


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14 Com esta posição MRS.
15 Cfr NSG p. 230.

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Assim, quando o Estado expropria um terreno, ou cobra um imposto age munido de
poderes de autoridade, o que justifica a natureza pública das situações jurídicas em
causa, mas já quando compra um automóvel ou arrenda um prédio age em condições de
igualdade com a outra parte, por isso a natureza das relações envolvidas não pode deixar
de ser privada.

Critica:

Invoca-se, por um lado, que o direito privado também regula certas relações em que os
sujeitos se encontram numa situação de desigualdade jurídica, como no caso da filiação
e das relações de trabalho em que os filhos e os trabalhadores se encontram
subordinados aos pais e patrões, e por outro lado, também certas relações de direito
público se desenvolvem em perfeita igualdade, como o caso de convenções jurídicas
entre municípios para a prossecução de interesses comuns são normas de direito
público, mas não se pode dizer que haja nelas jus imperii.16

MRS 17

Entende que o critério da posição dos sujeitos descreve mas não explica o essencial, isto
é a razão pela qual nuns casos o Estado age dotado de poderes de autoridade e noutros
não. MRS entende que em certos casos tais poderes surgem porque está em causa um
interesse que o determina, o que vem explicar os tais poderes ou deveres especiais.
Quando o Estado ou qualquer ente público agem num aposição de autoridade, o que está
em causa é predominantemente a prossecução de poderes públicos. Quando pelo
contrário agem numa posição de paridade está em causa predominantemente um
interesse privado. Conclui deste modo, que é o interesse que traça as fronteiras entre
direito público e privado.

FA18

Defende um critério combinado do interesse e dos sujeitos:

16 Vide NSG p. 232.


17 Vide p. 258.

18 Vide p.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 3


É direito público: o sistema de normas que tendo em vista a prossecução dum interesse colectivo,
conferem para esse efeito a um dos sujeitos da relação jurídica poderes de autoridade sobre o
outro.

É direito privado o sistema de normas que visando regular a via privada das pessoas não
conferem a nenhuma delas poderes de autoridade sobre as outras, mesmo quando pretendam proteger
um interesse público considerado relevante.

NSG 19

Considera que a variedade da tipologia normativa que o direito apresenta implica que os
três critérios apresentados sejam insuficientes para traçar com absoluto rigor as
fronteiras entre direito público e privado. Por isso, propõe um critério combinado que
atende não só ao interesse tutelado, mas também à qualidade dos destinatários das
normas e ainda à posição dos sujeitos da relação jurídica:

a. São normas de direito público as que tutelarem directamente interesses públicos.


São normas de direito privado as que tutelarem directamente interesses privados
b. Especialmente são de direito público as que relacionem juridicamente apenas
entes públicos entre si, tutelando interesses públicos, ou relacionem
juridicamente os entes públicos e os particulares atribuindo àqueles
prerrogativas de autoridade
c. São de direito privado as normas que tutelando directamente interesses privados
relacionem os sujeitos em termos de igualdade jurídica, igualdade esta que se
mantém mesmo no caso de supra-ordenação: filiação e contrato de trabalho

SJ, BM, CM, O A, Nogueira de Brito – defendem o critério da posição dos sujeitos.

Classificações

Direito público

1. p.Direito Constitucional
19 Vide

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19 Vide p.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 4


2. Direito Administrativo: Direito do Urbanismo; Direito do Ambiente
3. Direito Financeiro, Tributário e Fiscal
4. Direito Processual
5. Direito Penal

Direito privado

1. Direito privado Comum ou Civil:20


a. Direito das Obrigações
b. Direitos Reais
c. Direito da Família
d. Direito das Sucessões
e. Direito da Personalidade e Direito de Autor (recentes)

2. Direitos privados especiais


a. Direito comercial
b. Direito do Trabalho

Outros ramos de Direito com naturezas mistas21

1. Direito Internacional Privado (doutrina não é unânime na sua qualificação como


de direito publico ou privado)
2. Direito de Previdência Social
3. Direito Bancário
4. Direito Agrário

Direito penal: 22

Não é unânime a consideração do direito penal como ramo de direito público. O A


entende que os deveres penais são deveres dos indivíduos e o facto de as penas serem
aplicadas judicialmente, não implica que o direito penal regule a actividade do Estado.
Defende que tal actividade poderá apenas respeitar ao processo, mas não ao direito
penal em si.

20 Note-se que a parte Geral do CC (fontes e interpretação) aplica-se ao direito privado e ao direito
público, constituindo assim um ponto de referência obrigatório para qualquer jurista. Da mesma forma a
Teoria Geral do Direito Civil, aplica-se a todos os ramos de Direito Civil, daí a sua não autonomização.
21 Existem áreas do direito em que a demarcação entre direito público e privado é muito difícil de fixar

pois cada vez mais as diferenças entre eles tendem a esbater-se. De facto, o direito publico está com o
passar do tempo a privatizar-se e o direito privado está-se a publicizar devido ao alargamento dos fins do
Estado e do sua intervenção na vida económica social e cultural
22 Vide SJ p. 243 e O A p.347

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A maior parte da doutrina23 entende, todavia, que o direito penal tem a natureza de
direito público, pois sendo o conjunto de normas jurídicas que definem os crimes e
estabelecem as correspondentes penas e medidas de segurança, visa proteger a ordem
jurídica de ataques cuja particular gravidade ofende as condições essenciais da vida
social, o que justifica a aplicação de sanções especialmente graves.

Faculdade de Direito de Lisboa


SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

CAPÍTULO II: Fontes de Direito

23 Vide MRS, SJ, NSG, FA.

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Abreviaturas:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima –

CC anotado); G T (Galvão Telles); F A (Freitas do Amaral)

Aspectos a abordar:

9. Considerações gerais sobre Fontes de Direito


10. Costume
11. Jurisprudência
12. Doutrina
13. Lei
14. Direito internacional
15. Princípios fundamentais de Direito
16. Hierarquia das fontes/ normas

Considerações gerais sobre Fontes de Direito24

1. Noção:

No seu sentido jurídico formal fontes de direito são os modos de formação ou


revelação de normas jurídicas. 25 Segundo NSG fontes são as formas do aparecimento e
manifestação de normas.

Fontes formadoras: são factos normativos que estabelecem direito novo, isto é, criam,
modificam ou extinguem normas jurídicas. Têm natureza constitutiva, são inovadoras.

Ex.: quando uma lei revoga outra lei, ou mesmo um costume inovador.

24 VideFA, SJ, O A
25FA p. 352; também 393 para FA uma coisa é a fonte ou seja o facto jurídico de onde nasce o direito,
outra coisa é o direito nascido dessa fonte, ou seja, uma norma ou um conjunto de normas, por isso a lei
enquanto fonte de direito não pode ser definida como norma.

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Fontes reveladoras: são os factos normativos que desvendam o conteúdo de normas já
em vigor, mas ignoradas pelo público. Têm natureza declarativa, não são inovadoras.

As fontes reveladoras são relevantes para redescobrir as normas jurídicas, cuja fonte ou
texto, não careça de publicação em boletim oficial adequado para divulgação no seio da
comunidade, ou nos casos em que publicadas, tenham caído por completo
esquecimento. Exemplos de fontes reveladoras poderão ser a doutrina e jurisprudência.26

2. Classificação das fontes de direito:

Imediatas: produzem directamente normas jurídicas, sem qualquer subordinação a outra


fonte. De acordo com o CC, são a lei e as normas corporativas.

Mediatas: são aquelas que só são reconhecidas como fontes de direito na medida em
que a lei lhes confere esse valor. De acordo com o CC são assentos, os usos e a
equidade.

Voluntárias: são aquelas que explicitam uma vontade dirigida especificamente à


criação duma norma jurídica. Ex: lei, jurisprudência e doutrina

Não voluntárias: são aquelas que não explicitam uma vontade dirigida especificamente
à criação duma norma jurídica. Ex: costume

3. Consagração legal: art. 1 a 4 do CC

O CC adopta a tese clássica das fontes de direito: 1º lei; 2º costume; 3º jurisprudência;


4º doutrina

Art. 1 CC - Lei e normas corporativas (note-se que a consagração das normas


corporativas como fonte autónoma de direito fundamenta-se em resquícios históricos,
isto é a criação

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26 Vide FA p. 439.

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do sistema corporativo pela CRP de 1933, nunca inteiramente concretizado pelo Estado
Novo)27

Art. 2 do CC – Assentos ( este artigo foi declarado inconstitucional)

Art. 3 do CC – usos ( os usos são fonte de direito na medida em que são acolhidos pela
lei)

Art. 4 do CC – equidade ( esta não é fonte de direito, visto que não é um facto produtor
ou revelador de normas jurídicas, mas um modo de decisão de casos concretos sem
apelo a critérios genéricos).

FA critica a teoria tradicional das fontes de direito e mantém o costume ao lado da lei,
enquanto fontes de Direito devido à sua relevância, não só no direito internacional, mas
também em muitos países (PALOPS) com os quais Portugal mantém fortes relações,
onde o costume é fonte de direito por excelência.

FA: 1º costume; 2º lei; 3º doutrina; 4º

jurisprudência O A também coloca o costume ao

lado da lei.

Costume 28

1. Noção: pratica social reiterada com convicção de obrigatoriedade

Elementos essenciais da noção:

- Corpus ou elemento material/ objectivo: pratica social reiterada ou constante, isto é,


uma prática seguida pelo povo, parte dele ou por certas instituições com uma certa
duração.

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27 Vide FA p.358
28 Vide FA, O A, SJ

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Quanto à duração a lei da Boa Razão no tempo do Marquês de Pombal impunha um
período de 100 anos para validação do costume, F A fala de uma prática desde tempos
imemoriais, isto é, que os homens vivos em certa época não tenham memória de quando
começou a prática habitual.

Este elemento corresponde ao mero uso. Os usos são práticas sociais reiteradas sem
convicção de obrigatoriedade. Não são modos autónomos de criação do Direito porque,
só valem na medida em que a lei os acolher (art. 3 do CC). Por isso, ao contrário do
costume, os usos não têm juridicidade própria. 29

- Animus ou elemento espiritual/ subjectivo: 30


convicção por parte de quem adopta
um costume, de que essa prática é imposta ou permitida pelo Direito. Implica a
consciência ou reconhecimento pelos membros de um grupo social de que há uma
obrigatoriedade jurídica daquela prática, uma consciência de que se deve agir assim e
que tal não deriva apenas de cortesia ou rotina.31 Existe um sentido de cumprimento de
um dever.

A juridicidade do costume, tal como da lei, só existe se houver uma validade normativa
que lhe confira fundamento jurídico, que é dada pela consciência jurídica geral.

Para que o costume seja fonte de direito, é necessário que a norma jurídica por ele
criada seja dotada de sanção no caso de violação (consequência desfavorável). Na Idade
Média algumas sanções por violação de costumes decorriam do próprio Rei, mas na
maioria dos casos resultavam da própria população (morte/ prisão/ torturas/ expulsão da
cidade). Hoje em dia, o incumprimento de costumes internacionais implica várias
sanções: politicas, diplomáticas, económicas e até militares.

Pretensos requisitos do costume (O A):

1. Consagração legal: costume não tem de ser aceite pela lei


2. Imposição pelos órgãos do poder político: não é necessário que o costume seja
imposto pelos órgãos do Estado, e que seja judicialmente aplicado (se a
coercibilidade não é essencial ao Direito, também a valia do costume não

depende do seu acatamento


29 Vide MRS p. 155 onde se refere o art. 885 nº2 do CC como exemplo de relevância dos usos pela lei.

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30Também apelidada de opinio juris vel necessitatis pelos Romanos – convicção de obrigatoriedade ou licitude
juridica de certa prática
31 A oferta do folar da Pascoa não implica uma regra jurídica, o mero uso não se basta ao costume (O A)

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pelos órgãos do Estado). Assim, uma sentença pode decidir contra uma regra
costumeira, que esta em si não é prejudicada – só quando em consequência da
persistência a actuação dos órgãos públicos, forem atingidos ou o uso ou a
convicção de obrigatoriedade, o costume deixa de existir.

2. Relação do costume com a lei

Embora a lei seja a fons juris predominante, ela não esta acima do costume. A
juridicidade do costume radica nos mesmos valores e princípios normativos da
consciência jurídica geral da comunidade.

Logo a relação do costume com a lei, pode ser:


Secundum legem – a norma costumeira e a norma extraída da lei têm o mesmo sentido.
O costume apenas pode ter utilidade interpretativa.

Praeter legem – a norma costumeira não contraria a lei, mas vai além dela pois tem por
objecto matéria que a lei não regula. O Costume pode ter utilidade na integração de
lacunas.

Contra legem – o costume e lei estão em contradição. Por isso, como uma lei pode
revogar um costume, também este pode fazer cessar a vigência de uma lei anterior.

Importa separar o costume contra legem do desuso, pois este, não importa a extinção
da lei. Por exemplo, se as autoridades tolerarem a circulação de motociclistas sem
capacete, a lei não cessou a sua vigência. Só cessará, se, se criar a convicção de que é
lícito proceder assim, isto é, se, se formar um costume contra legem. - No desuso o
repúdio da lei é menos enérgico -

Valia prática do costume por comparação com a lei:

Vantagens – lei: maior certeza e adequação enquanto instrumento de transformação


social/ costume: maior adaptação à evolução social

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Desvantagens – lei: a sua rigidez impede-a de acompanhar a evolução social/ costume:
maior incerteza, pois é de prova difícil dado que exprime uma ordem espontânea da
sociedade.

3. O costume em Portugal 32

Reconhecimento do costume na lei portuguesa:

- Costume secundum legem: lei ignora-o.

- Costume praeter legem: lei ignora-o porque o art. 10 do CC a respeito da integração


de lacunas, não se refere ao costume.

- Costume contra legem: a lei não lhe reconhece qualquer valor jurídico porque não
admite a possibilidade de a lei cessar a sua vigência por força de um costume que lhe é
contrário (art. 7 do CC).

Todavia:

É reconhecido o costume internacional nos artigos 8 nº1 e 29 nº2 da CRP.

E, embora o costume não seja referido nos artigos iniciais dos CC relativos às fontes de
direito, a verdade é que ele está acolhido no art. 348 do CC, onde se prevê a prova do
direito consuetudinário.

Posições dos diferentes autores:

O A:

Pode-se invocar que a prova do costume só será relevante enquanto admitida pela lei,
todavia O A diz que se está a partir de pressupostos errados, pois considera que o valor
do costume depende não do legislador, mas das concepções que adoptarmos sobre a

32 Vide MRS, NSG

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juridicidade do costume. E este está em pé de igualdade com a lei.33 O costume é um
modo de revelação do direito que brota directamente da sociedade e que existe
independentemente da atitude dos governantes em relação a ele.

Todavia pode suceder que o Estado condicione a medida em que os seus órgãos aplicam
o direito costumeiro, gerando-se perturbações sociais graves pelo conflito de
orientações normativas (por um lado a lei, por outro lado o costume). 34
O costume
existe, mas o Estado não lhe confere efectividade.

Esta tensão entre o Direito e o que o Estado aplica, tende a cessar pela derrota de um:

1. Nuns casos pela falta de aplicação coactiva, o costume definhará – as pessoas


acatam a posição dos órgãos públicos que fazem prevalecer a lei.
2. Noutros casos, o costume impõe-se até a proibição da lei ser suprida.

FA:

F A entende também que o costume é uma fonte imediata de direito em Portugal.


Defende as teses pluralistas (pluralismo jurídico) segundo as quais o ordenamento
jurídico tem mais que uma fonte de direito válida. O Direito brota não só do Estado,
mas também de outros organismos e da própria sociedade.

Em defesa do costume como fonte de Direito:

a. O costume tem maior legitimidade democrática porque brota do povo.

b. Existem vários casos em que o costume se afirma como fonte de direito,


nomeadamente ao nível internacional.

c. O costume é também a principal fonte de direito nos PALOPS

d. Em Portugal o costume incide mais na área do Direito Público

Exemplos de costumes:

Internacionais: princípio do pacta sunt servanda; principio do mare liberum

33 Neste sentido, vide também FA.


34 O que sucedeu com os touros de morte em Barrancos.

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Direito constitucional: no Reino Unido a Constituição não é escrita; Em Portugal Jorge
Miranda entende que existem costumes contra legem nos casos de: desvalorização dos
planos; desnecessidade de deliberação para que projectos e propostas de lei sejam
votados na especialidade em Comissão desrespeitando - se o art. 168 nº3 da CRP;
prevalência da categoria Ministro de Estado sobre os demais Ministros em desrespeito
do art. 183 da CRP; aparecimento do Presidente da Câmara Municipal como órgão
autónomo do município contra o art. 150 da CRP.

Direito Administrativo: existe o costume universitário do voto de Minerva (quando o


júri está empatado sobre a nota a atribuir a um aluno, deve decidir a favor do aluno – é
como se Minerva deusa da sabedoria, ajudasse o aluno); no período da queima das fitas
é costume suspenderem se as aulas; também os feriados nos dias 26 de Dezembro e 2 de
Janeiro.

MRS:

A relevância do costume não depende da lei. O costume é uma forma autónoma de


criação do direito que se situa ao lado da lei, não carecendo de consagração legal,
nem de efectiva aplicação coactiva pelos órgãos do Estado.

A importância do costume, enquanto fonte de direito é inegável, nomeadamente ao


nível do Direito Internacional.

O desafio subjacente ao costume, reside em saber se há condições propícias para o seu


florescimento, o que depende de razões históricas e sociais.

Nogueira de Brito:

Exclui que o costume seja uma fonte privilegiada de Direito e sujeita-o à CRP. Embora
reconheça que a lei não está acima do costume enquanto fonte de Direito.

O costume deve ser avaliado à luz dos valores fundamentais da comunidade expressos
na CRP.

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Jurisprudência35

1. Noção:

Entende-se por jurisprudência o conjunto de decisões em que se exprime a orientação


seguida pelos tribunais ao julgarem os casos concretos que lhes são submetidos.

A jurisprudência pode ser considerada como fonte de direito quando a máxima de


decisão ou o critério normativo que conduziu à solução do caso concreto seja
considerado vinculativo perante outro caso da mesma índole.

2. A jurisprudência e os sistemas de Direito

Antes de determinar em concreto as situações em que a jurisprudência pode ser


considerada como fonte de direito, convém analisar o modo como ela é considerada nos
principais sistemas de direito existentes do mundo ocidental.

Sistema anglo - saxónico:

A ele pertencem países como os EUA, Canadá e Grã - Bretanha.

Aqui está consagrado o princípio do precedente judicial de acordo com o qual a


decisão judicial de um caso concreto vincula os tribunais a decidir os casos idênticos
que apareçam no futuro.36

No sistema de precedente a jurisprudência é tida como fonte de Direito porque estando


o juiz vinculado a manter a orientação seguida, da orientação jurisprudencial inicial
resultou uma regra para decisão de novos casos (o juiz decide numa perspectiva
generalizadora – a sua decisão baseia-se num critério normativo).

Sistema romano - germânico

A ele pertencem países como Portugal, França, Alemanha.


35 Vide O A; FA; NSG; S J; MRS; Nogueira de Brito
36 O precedente vincula em termos verticais os tribunais inferiores, e em termos horizontais os tribunais
superiores até ao momento em que o precedente não é alterado/anulado por esse mesmo tribunal. Vide O A
p. 318 e FA com posições diferentes.

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Aqui está consagrado o princípio da liberdade de decisão judicial de acordo com o
qual a decisão judicial de um caso concreto, não constitui precedente obrigatório para o
julgamento de casos idênticos no futuro, quer sejam, perante o mesmo tribunal quer
perante tribunais inferiores ao que decidiu primeiro.

No sistema romanístico a jurisprudência não é fonte de Direito pois a máxima de


decisão dos tribunais não é elevada a regra que deve observar-se noutros casos.

3. Possíveis casos de jurisprudência como fonte de Direito

a. Costume jurisprudencial
b. Decisões dos tribunais superiores, com força obrigatória geral: Assentos e
Acórdãos do TC
c. Jurisprudência uniformizada

a. Costume jurisprudencial

Consiste na repetição de julgados que leva à formação de um costume jurisprudencial.


Tem dois elementos:

Uso – repetição de julgados. Implica um número significativo de casos (diferente da


jurisprudência constante que abrange poucos casos).

Convicção de obrigatoriedade – não só para os juízes que decidem mas também para os
interessados directos no processo (quanto a este último aspecto, separa-se também da
jurisprudência constante).

Da jurisprudência, brotam então novas regras jurídicas, mas O A considera que a fonte
de Direito não é propriamente a jurisprudência, mas antes o costume

b. Decisões dos tribunais superiores, com força obrigatória geral: Assentos e


Acórdãos do TC

Assentos

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Estavam previstos no art. 2 do CC e eram decisões do STJ (Supremo Tribunal de
Justiça) reunido em pleno, que fixavam doutrina com força obrigatória geral, isto é, no
caso de dúvida ou contradição na interpretação de algum preceito legal, o STJ fixava a
interpretação tida por mais adequada, com força imperativa para futuros casos idênticos.
37

Esta força obrigatória geral, traduzia-se no facto de o assento vincular para o futuro os
tribunais (incluindo o próprio STJ), a Administração Pública e todos os cidadãos.

Os assentos eram considerados fonte de Direito, daí a sua inserção no capítulo das
fontes no CC, e por isso eram também publicados no Diário da Republica.

Posteriormente, o acórdão nº 810/93 do TC de 7 de Dezembro veio julgar


inconstitucional em processo de fiscalização concreta a norma do art. 2 do CC por
violação do art. 112 nº 6 da CRP (actual art. 112 nº5).38

Em consequência com a reforma do CPC os assentos foram substituídos pelo


julgamento ampliado de revista, que é um meio de uniformização de jurisprudência pelo
STJ, mas que não vincula os restantes tribunais.

Valor dos assentos: atendendo à sua força obrigatória geral, vinculam todos os aplicadores
do Direito

Acórdãos do TC com força obrigatória geral

Os acórdãos do TC, com força obrigatória geral estão previstos no art. 281 nº1 e 3 da
CRP em sede de fiscalização abstracta e concreta e também em sede de fiscalização
preventiva nos artigos 278 e 279 da CRP.

Surgem ao abrigo da faculdade conferida pelo art. 119 nº 1 g) da CRP e39são publicados
no Diário da Republica no capítulo dedicado às fontes de Direito.

São a única situação em que a jurisprudência em Portugal é entendida como fonte de


Direito, pois a declaração de inconstitucionalidade ou de ilegalidade vincula a todos
para o futuro.

37 O art 763 do Código de Processo Civil de 1936 dispunha que: ― se no domínio da mesma legislação, o
STJ proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão fundamental de Direito, assentem sobre
soluções opostas, pode recorrer-se para o tribunal pleno do acórdão proferido em ultimo lugar‖ ( em pleno
o STJ proferia um assento em relação à questão).
38 Vide FA contra esta posição do TC p. 463
39 FA p.466

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Natureza jurídica das decisões com força obrigatória geral:

Discute-se se tais decisões têm a natureza de lei ou se serão jurisprudência.

Carácter legislativo:

Têm uma prescrição normativa, pois asseguram para o futuro um certo conteúdo
normativo (tanto os assentos como as declarações do TC com força obrigatória geral).

Carácter jurisdicional:

-as decisões com força obrigatória geral têm um carácter vinculado porque são de
emissão obrigatória uma vez verificados os respectivos pressupostos, isto é nunca são
adoptadas por iniciativa do tribunal, mas estão sujeitas ao principio do pedido. Por
outro lado a lei é adoptada por livre iniciativa do legislador, independentemente de
qualquer vinculação a um pedido prévio, pelo que se pode falar numa liberdade
constitutiva da lei.

- Os acórdãos estão subordinados à lei; Diferentemente a lei pode incidir sobre todas as
matérias

- Só a lei pode ser alterada ou suprimida, isto é, tem auto-reversibilidade; os tribunais


não podem livremente revogar as suas decisões com força obrigatória geral, pois o
poder de Direito esgota-se com a declaração com força obrigatória geral. O acórdão
deve ter a estabilidade própria das decisões judiciais

Em conclusão:

A atribuição de força obrigatória geral a uma decisão jurisprudencial não lhe retira
carácter jurisprudencial, dado que também aqui o tribunal exprime um conjunto de fontes
existentes ao declarar qual o direito que se aplica com força obrigatória geral. O
tribunal realiza uma declaração abstracta do direito a aplicar ao caso40, por isso pode-se
dizer que tais decisões servem o direito constituído e não visam proceder a uma
renovação da ordem jurídica, como acontece na lei.

40 Nas restantes situações em que a decisão do juiz não é fonte de Direito, o tribunal declara em concreto o

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direito a aplicar ao caso

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Para MRS, as decisões com força obrigatória geral também são actos jurisdicionais.

c. Jurisprudência uniformizada

Verifica-se quando os Tribunais Superiores, diante casos semelhantes decidem adoptar


as mesmas providências para chegar a modos uniformes de decisão, evitando-se assim,
oscilações e insegurança nas suas decisões e também desperdício de actividade
jurisprudencial na decisão que novos casos idênticos aos já outrora decididos.

Pressupostos para os recursos de uniformização de jurisprudência:

a) Existência de dois acórdãos contraditórios quanto à mesma questão de Direito


b) Identidade da legislação a aplicar
c) Possibilidade de interpor recurso para o Tribunal Superior, em Tribunal Pleno,
do segundo acórdão.41

Valor dos acórdãos de uniformização de jurisprudência:

Não têm força obrigatória geral: vinculam apenas no processo em que são proferidos.

A jurisprudência uniformizada não é fonte de Direito. Os acórdãos uniformizadores de


jurisprudência têm uma eficácia meramente persuasiva, não vinculando os tribunais
inferiores a adoptar uma determinada decisão, tal como acontece no precedente.

Doutrina42

Noção:

A doutrina traduz-se nas opiniões ou pareceres dos jurisconsultos acerca duma questão
de direito expostas em tratados, manuais, monografias, pareceres.

41 Cfr MRS
42 Vide MRS, O A, SJ e FA

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Os jurisconsultos são juristas qualificados, em regra Docentes de direito nas
Universidades.

A doutrina é elaborada pelos teóricos do Direito para ser utilizada pelos práticos do
Direito:

1. Dá a conhecer aos práticos o conteúdo e significado de um certo ordenamento


jurídico positivo (dá parecer sobre a melhor forma de aplicar o direito aos casos
concretos, influenciando os tribunais nas decisões que tomam).
2. influencia os poderes legislativo e judicial no exercício das suas funções.

A doutrina pode ser exercida:

- Por forma individual – influência dominante por exemplo de um certo Professor em


certo ramo de Direito.

- Por forma colectiva - a conhecida ―communis opinio doctorum” (quando se diz a doutrina
é unânime..)

Qual a relevância da doutrina?

Tem variado ao longo do História. Em Portugal houve épocas em que a opinião de um


doutor criava Direito, por exemplo nas ordenações afonsinas a Glosa de Acúrcio ou a
opinião de Bártolo. Também nas Ordenações Manuelinas, na insuficiência da lei, a
opinião de vários autores (a communis opinio doctorum) servia para resolver as dúvidas
existentes e devia ser acolhida e respeitada por todos, nomeadamente pelos
aplicadores do direito.

Hoje em dia a doutrina já não é considerada uma forma de criação imediata e


directa do Direito (o juiz não lhe deve obediência).43 Todavia, a sua influência na vida
jurídica é muito importante, nomeadamente na construção de institutos jurídicos, na
determinação de princípios gerais de direito, na feitura e na interpretação das leis e na
integração de lacunas.

A doutrina tem assim um papel essencial como factor de evolução jurídica, no bom
desempenho das funções legislativa, administrativa e jurisdicional, embora não seja uma
fonte directa de Direito, a verdade é que ela contribui poderosamente para a
determinação

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43 MRS, O A, S J, NSG defendem esta posição. Já F A entende que a doutrina é fonte imediata de direito,
vide p. 431 e ss

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do verdadeiro significado do Direito.44 A sua influência depende da valia intrínseca dos
jurisconsultos, isto é da sua auctoritas ou saber socialmente reconhecido.

Exemplos desta influência da doutrina em Portugal:

-Os ensinamentos de Manuel de Andrade e Antunes Varela contribuíram para a feitura e


conformação do CC.

-Os projectos, escritos e críticas à jurisprudência de Marcello Caetano influenciaram o


nosso direito administrativo, até aos dias de hoje.

-Freitas do Amaral influenciou a feitura do Código de Procedimento Administrativo e


mais recentemente Mário Aroso de Almeida influenciou a feitura do Código de
Processo dos Tribunais Administrativos.

Lei

Aspecto estático 45

1. Noção:46
Existem várias acepções para a palavra lei no campo do Direito.

-Lei como sinónimo de Direito


-Lei como um dos modos de formação de normas jurídicas (enquanto fonte de Direito)
-Lei como diploma emanado da AR por oposição aos Decretos-lei do Governo

Enquanto fonte de Direito, o art. 1 nº2 do CC, considera a lei como “todas as
disposições genéricas provindas dos órgãos estaduais competentes‖.

44 A maior parte das vezes quem prepara as leis ou os códigos são os Professores Universitários, da
mesma forma quando surgem dúvidas jurisprudenciais, são estes Professores que resolvem muitas das
questões com os seus pareceres.
45 O Aspecto dinâmico da lei onde se abordam as matérias da publicação e cessação de vigência da lei,

serão estudadas no próximo semestre


46 Vide O A; FA; MRS; SJ; NSG; BM

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A determinação precisa do conceito de lei enquanto fonte de Direito, que é o que ora
nos interessa, não tem sido fácil nem tão pouco consensual, todavia para ultrapassar
essa dificuldade, tem sido aceite pela doutrina a seguinte distinção:

a) Lei formal:47 é o diploma emanado por um órgão legislativo,48 que reveste uma
forma pré-determinada e cujo conteúdo pode abranger normas jurídicas ou
comandos individuais.

b) Lei material: é o diploma emanado pelo órgão competente, com conteúdo


normativo, contendo uma ou mais normas gerais e abstractas, independentemente
da sua forma externa.49

O direito positivo português refere-se a estas duas modalidades de Lei:

- O art. 1.º do CC adopta um conceito material de lei.


- O artigo 112.ºda CRP adopta um conceito formal de lei.
- O artigo 18.ºn.º 3 adopta um conceito formal e material de lei.

Em regra a maioria das leis é simultaneamente formal e material., por exemplo: a lei
da AR que disponha em sentido geral e abstracto sobre a indemnização devida às
vítimas de crimes violentos.

Mas pode suceder que os dois critérios não coincidam.

Uma lei em sentido formal pode não ter o conteúdo material de lei, por exemplo: uma
lei da AR que privatiza ou nacionaliza uma determinada empresa; ou uma lei que
promova um General a Marechal por feitos gloriosos em combate.

47Note-se que FA entende leis em sentido formal só as leis da AR, porque são as únicas com nome e
forma externa de lei; e considera leis em sentido material as leis AR, dec-leis G, dec legislativo regionais.
Autonomiza o regulamento como fonte autónoma de direito vide p.403 e 509 FA
48 EmPortugal, os órgãos do poder político com competência para produzir actos legislativos são a
Assembleia da República, o Governo e as Assembleias Legislativas Regionais
49 Mrs considera que as leis também materiais são aqueles actos legislativos que além de serem
formalmente leis, são dotados de generalidade e abstracção no seu conteúdo. P.45 Nog Brito diferente
este adopta a posição de O A.

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Ou pelo contrário, uma lei em sentido material pode não ter a forma externa de lei, por
exemplo um regulamento do Governo que aprove normas gerais e abstractas (um
despacho normativo que fixe as taxas das rendas condicionadas).50

Posições na doutrina acerca do conceito de Lei

Para O A, lei é:

Um texto ou fórmula significativa de uma ou mais regras, emanado com a observância das
formas eventualmente estabelecidas de uma autoridade competente para pautar critérios normativos
de solução de situações concretas.

Ou seja, são três os pressupostos da noção de lei:

1. Uma autoridade competente para estabelecer critérios normativos


2. Observância de formas eventualmente estabelecidas para essa actividade: o acto
lei deve revestir a forma escrita (não há leis orais)
3. Sentido de alterar a ordem jurídica pela introdução dum acto normativo: a lei
deve criar modificar ou extinguir normas jurídicas

Em suma, O A adopta uma noção ampla de lei, considerando que para a sua qualificação
basta apenas a sua existência em sentido material.51

Para SJ a lei propriamente dita é simultaneamente formal e material, por isso define
lei como: uma declaração solene com valor normativo, ditada pela autoridade que detém
a potestas normandi do Estado com observância da forma estabelecida.

MRS, não refere directamente um conceito de lei, todavia considera que a contraposição
deve ser entre lei meramente formal e lei também material, pois esta ultima para além
de ter um carácter geral e abstracto, deve também revestir a forma de lei.

50 Cfr FA p. 402
51 Vide p.272

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Desta afirmação de MRS, parece decorrer que para se poder falar em lei, temos que ter
sempre um acto legislativo (lei em sentido formal), isto é uma lei da AR, um decreto-
lei do G ou um decreto legislativo regional, tal como decorre do art. 112 da CRP 52

Nogueira de Brito parece seguir O A.

Para efeitos de explanação da matéria, vamos também seguir a posição de O A e desse


modo incluir na noção de lei como fonte de Direito, não só os actos legislativos, mas
também todos os actos normativos emanados por Entidades Públicas, o que significa
que vamos incluir na noção de lei também as normas regulamentares.

Classificação de leis53

Atendendo à solenidade, as leis podem qualificar-se em:

a) Solenes
Leis que obedecem a um procedimento especifico54
i. Leis constitucionais
ii. Leis ordinárias: leis da AR e decretos - leis do G
iii. Decretos legislativos regionais

b) Comuns

Leis que não obedecem a um procedimento específico.

52 Vide p.42 e 44.


53 Vide SJ e NSG
54 Por exemplo as leis da AR são elaboradas de acordo com um certo processo legislativo, fixado nos

artigos 167 e 168 e 226 nº2 da CRP, são promulgadas pelo PR e mandadas publicar como tais art 134 b) e
119 nº1 da CRP. Cfr NSG p. 174

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i. Leis elaboradas pelos órgãos centrais do Estado, ex:
- Decreto regulamentar do G
- Resolução do conselho de Ministros
- Portaria do Governo
- Despacho normativo do Governo
ii. Leis elaboradas pelos órgãos locais do Estado: ex regulamentos dos
Governos Civis
iii. Leis das Regiões autónomas: decretos regulamentares regionais
iv. Leis das autarquias: ex. posturas/ regulamentos municipais.55

Deste leque de leis, importa distinguir as formas legislativas das formas regulamentares,
isto é, separar as leis em sentido material das leis que não o são em termos formais.56

2. O regulamento57

Noção

É o acto unilateral do Estado, ou de outra entidade pública ou privada habilitada a


exercer o poder executivo (função administrativa), que de forma escrita, cria, modifica
ou extingue normas jurídicas subordinadas à lei.

Os regulamentos estão previstos no art. 112 nº 7 e 8 e 199 c) da CRP e abrangem todas


as fontes que se destinam a dar execução às normas contidas nos actos legislativos.

Classificação:

1. Critério âmbito de aplicação: centrais; regionais; locais; institucionais

55 Vide também art.238 nº 3 e 4 da CRP e 254 nº2


56 Vide p. 179 NSG
57 Vide FA, NSG, O A

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Centrais: emanam do G e aplicam-se a todo o território. Ex decretos regulamentares,
resoluções do Conselho de Ministros, portarias ministeriais com carácter normativo e
despachos normativos

Regionais: emanam de um dos Governos Regionais existentes para regulamentar


legislação regional ou nacional. Ex decretos regulamentares regionais (art. 227 nº1 d
CRP).

Locais: emanam dos órgãos das autarquias locais, para vigorarem apenas no território
municipal. Ex. posturas municipais

Institucionais: quando emanam de órgãos competentes de institutos públicos/pessoas


colectivas de Direito Público (ex. regulamento curricular e pedagógico duma Faculdade
de Direito) ou de Associações publicas (ex o regulamento deontológico e disciplinar
duma Ordem profissional).58

2. Critério da obrigatoriedade: externos; internos 59

Externos: obrigam não só os órgãos da Administração, mas também os cidadãos em


geral. Gozam de publicidade

Internos: obrigam apenas os funcionários dependentes de hierarquia do órgão que o


emite. Não gozam de publicidade externa. Ex circulares

3. Critério da relação com a lei: regulamentos complementares ou de execução;


autónomos e independentes

Regulamentos complementares ou de execução: são os regulamentos que desenvolvem


a disciplina constante de uma lei, viabilizando a sua aplicação aos casos concretos. Ex.
Se uma lei dispõe que os alunos economicamente desfavorecidos poderão beneficiar
duma bolsa de estudo a conceder pelos Serviços Sociais da Universidade nos termos
que estes mediante regulamento venham a definir, torna-se claro que tal norma só
poderá ter aplicação efectiva aos casos concretos da vida após criação de regulamento
de execução,

58 Cfr FA p. 510
59 Cfr NSG p. 120 e 179. Os regulamentos internos da administração abrangem apenas os funcionários
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subalternos de um superior hierárquico e têm por fundamento a própria hierarquia administrativa cfr FA
p. 513

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que fixe: as condições em que os interessados podem beneficiar da bolsa, os montantes
das bolsas, os documentos a acompanhar o pedido da bolsa, etc..

Regulamentos autónomos:60 são os regulamentos emitidos pela Administração


descentralizada ao abrigo de um poder regulamentar próprio e autónomo. Ex.
regulamentos das regiões autónomas art. 227 nº1 da CRP; e das autarquias locais art. 241 da
CRP e 13 nº 1 da lei 159/99 de 14 de Setembro, ex. posturas municipais de transito - em
que se define com pormenor para cada localidade quais as ruas abertas ao publico e os
locais de estacionamento.

Regulamentos independentes: são os regulamentos do Governo emitidos ao abrigo do


art. 199 c) e 112 nº7 da CRP, quando o Governo na ausência de leis ou decretos -lei (em
matérias não legislativas por natureza e concorrenciais com a AR), opta por intervir não
legislativamente, mas pela via regulamentar. Deste modo, o Governo exerce o seu poder
próprio de editar regulamentos necessários para a execução das leis, entendido em
termos amplos. Estes regulamentos revestem a forma de decreto regulamentar tal como
resulta do art. 112 nº7 da CRP.

Tanto os regulamentos independentes como os autónomos, não vêm complementar


uma lei carecida de regulamentação, mas visam fixar a disciplina jurídica necessária à
realização de atribuições específicas do legislador conferidas a certas entidades públicas
confiando no melhor conhecimento acerca da realidade com que têm de lidar.

F A fala a este propósito de casos em que apesar de não haver nenhum preceito legal ou
constitucional que especificamente confira um poder regulamentar, esse poder existe.
Dando como exemplos: os regulamentos internos da Administração com fundamento na
hierarquia administrativa; os regulamentos relativos ao poder de gestão do serviço pelos
dirigentes face às relações especiais de poder em que se acham os utentes (ex utentes de
hospitais, escolas, bibliotecas, museus.); regulamentos do funcionamento de órgãos
colegiais ou regimentos que têm por fundamento o poder de auto-organização da
instituição. 61

Formas de regulamentos

1. Decretos regulamentares: promulgados pelo PR e referendados pelo PM e Ministros


da matéria (art. 134 b) e 140 nº1 da CRP) e publicados DR (art. 119 CRP)

60 Cfr NSG . note-se que FA considera que regulamentos autónomos são independentes p. 511

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61 Vide p. 514

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2. Resoluções do Conselho de Ministros: competência regulamentar deste órgão art.
200 CRP: não intervenção presidencial, mas publicada DR
3. Portarias: assinadas pelo ministro em razão da matéria62e publicadas no DR
4. Despachos normativos: só usados quando a lei o prevê, subscritos por um ou
mais Ministros ou Secretários de Estado e publicáveis no DR
5. Instruções, circulares e ofícios circulados: regulamentos internos do Governo
6. Regimentos internos: estatuto de um órgão ou instituição. Ex regimento da AR
7. Decretos regulamentares regionais: regulamentos das regiões autónomas
8. Posturas municipais: regulamentos das autarquias locais
9. Sem forma especial os regulamentos dos restantes institutos públicos, serviços
com autonomia administrativa, e mesmo os regulamentos dos órgãos colegiais
das empresas privadas concessionárias de serviços públicos.

Considerações finais

Regulamento e Lei em sentido formal

Tanto a lei como os regulamentos, são materialmente actos criadores de normas


jurídicas, a diferença reside no valor formal de cada um em relação ao outro: a lei pode
revogar o regulamento, mas o regulamento não pode revogar a lei e, se a contrariar é
ilegal. Também a lei, em regra baseia-se unicamente na CRP, enquanto que o
regulamento só será válido se uma lei de habilitação atribuir competência para a sua
emissão (salvo os regulamentos independentes que se fundam directamente na CRP). 63

Valia dos regulamentos enquanto fonte de Direito.

Os regulamentos de execução têm acentuado valor, nomeadamente quando interpretem


oficialmente a lei, integrem lacunas, desenvolvam, concretizem ou complementem
aspectos vagamente tratados na lei.

62 Ex: Portaria que identifica os modelos para publicitação de pedidos de licenciamento, comunicação
prévia ou autorização de operações urbanísticas.
63 Cfr FA p. 516

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4. A Lei na CRP

A CRP identifica as fontes de origem normativa:

- Art. 8 – Direito internacional

- Art. 112 – Actos normativos internos

Os actos normativos da AR estão previstos nos artigos 161, 164 e 165 da CRP; os do G
nos art. 198 da CRP competência legislativa do Governo e art. 199 c) da CRP
competência regulamentar do Governo; a competência legislativa das regiões autónomas
está consagrada no art. 227 nº1 a) a c) da CRP; a competência regulamentar das regiões
autónomas está no art. 227 nº1 d) da CRP; e o poder regulamentar das autarquias locais
está previsto no art. 241 da CRP.

A CRP enquanto norma primaria de produção jurídica, tem uma função de no art. 112
nºs 2 a 7 de determinar os critérios de validade de cada um dos actos normativos nas
suas relações com os demais, estando subjacente uma ideia de hierarquia.

Do art. 112 decorrem dois princípios:64

1. Princípio do sistema de normas sobre produção jurídica: previsto art. 112


nº5 da CRP de acordo com o qual, nenhum acto pode criar outros actos normativos com
força igual ou superior ao dele próprio.
Afirma-se a tipicidade dos actos legislativos, o que comporta: proibição de actos
não legislativos de interpretação ou integração (proibição de interpretação
autentica das leis através de regulamentos); e também a proibição de
regulamentos modificativos/ suspensivos/revogatórios de leis

2. Princípio da hierarquia:65 os actos normativos não têm todos o mesmo valor


hierárquico, genericamente pode-se dizer que no topo temos as leis
constitucionais, a seguir os actos legislativos e no fim os actos regulamentares.
O princípio da hierarquia, desdobra-se em vários princípios:

a) Princípio da proeminência ou superioridade das leis relativamente aos restantes


actos normativos – art. 112 nº5 CRP.

64 Vide CRP anotada de Gomes Canotilho e Vital Moreira; também Nogueira de Brito
65 Quanto às relações entre lei e regulamento vide os artigos 112 nº 5,6 e 7 da CRP

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b) Principio da tendencial paridade entre leis e decretos-lei - art. 112 nº2 da CRP
c) Princípio da proeminência das normas de enquadramento sobre normas complementares:
podemos separar os actos legislativos em leis de valor reforçado66ou leis de
enquadramento (leis de bases, de autorização, orgânicas – art. 112 nº3 da
CRP; lei de enquadramento do orçamento – art. 106 da CRP; leis que
carecem de aprovação de maioria dois terços deputados – art. 168 da CRP) e
em leis ordinários.
d) Princípio da preferência de lei – lei como limite: a lei prevalece sobre todos os
actos do poder executivo, como tal não pode ser contrariada por nenhum acto
inferior a ela.
e) Princípio da precedência de lei: lei funciona como habilitação legal de outros
actos. Não existe regulamento sem lei prévia anterior - art. 112 nº7 da CRP.
f) Princípio da reserva de lei – lei como fundamento: a reserva de matéria para
a lei (ou reserva material de lei), existe sempre quando a CRP prescreve que
certa matéria seja regulada por lei (art. 164 e 165 da CRP). Este princípio
tem duas dimensões:
i. Negativa: proibição que outra fonte regule a matéria, salvo
quando se limite a executar a lei
ii. Positiva: dever de a lei fixar o regime de certa matéria, não
podendo declinar a sua competência a favor de outra fonte.

Direito internacional67

1. Direito internacional público: tratados e acordos internacionais

São tratados internacionais os acordos de vontades celebrados entre Estados, que são
aprovados pelos Parlamentos nacionais e ratificados pelos respectivos Chefes de
Estado,
66 As leis de valor reforçado, são aquelas que beneficiam de forma e procedimentos especiais, e que
regulam a produção de outras leis.
67 Vide NSG, O A, FA

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e que de forma escrita e solene, criam, modificam ou extinguem normas de Direito
Internacional.

Exemplos de tratados internacionais: A Convenção de Viena para a protecção da


Camada do Ozono (1985), O tratado Luso - Espanhol de amizade e não agressão (1939)

São acordos em forma simplificada: os acordos internacionais aprovados pelos Parlamentos


nacionais, mas não ratificados e apenas assinados pelo Chefe de Estado (art. 134 b) da
CRP); os acordos inter-governamentais aprovados apenas pelos países sobre matérias
que não pertençam à competência reservada dos Parlamentos nacionais (art. 197 nº1 c)
da CRP); acordos entre organizações internacionais ou entre algumas delas e um ou
mais Estados.

Exemplos de acordos simplificados celebrados por Portugal: Acordo de supressão de


vistos no âmbito da CPLP; Protocolo de Cooperação entre Portugal e Macau no
domínio das pescas.

Em todos estes casos existe um contrato internacional de carácter normativo, por isso, são fontes de
Direito.
As normas dos Tratados e Acordos a que Portugal se tiver vinculado vigoram na ordem
interna ( art. 8 nº 2 da CRP) na qualidade de fontes normativas internacionais, e não
como leis ou regulamentos portugueses.

2. Direito comunitário

Direito comunitário original: o texto dos tratados - Tratado de Lisboa

Direito comunitário derivado: o que é produzido pelos órgãos da União Europeia e


que comporta – regulamentos, decisões, directivas, recomendações e pareceres.

Regulamentos e decisões: são actos obrigatórios para todos os seus destinatários e


directamente aplicáveis dentro das ordens jurídicas dos estados membros.

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Directivas: vinculam em parte os países destinatários, mas pressupõem em regra que
estes por acto normativo interno façam a respectiva integração e transposição para a sua
ordem jurídica nacional.

Recomendações e pareceres: não são vinculativos.

O art. 8 da CRP nº 3 consagra o princípio da aplicabilidade directa das normas


emanadas das organizações internacionais, no caso da União Europeia, dos
regulamentos (direito comunitário derivado). Trata-se duma recepção automática plena,
não carecendo de nenhum acto de aprovação ou ratificação. (no caso do direito
internacional convencional existe uma recepção automática condicionada – 8 nº2 CRP).

O art. 8 nº4 da CRP consagra o principio do primado do direito da União Europeia


sobre o direito do Estado Português. Isto é, a normas de direito originário e derivado
prevalecem sobre as de Direito interno (incluindo as da CRP). O primado afirma-se:

Como aplicação preferente – o direito da U E não pode ser declarado inconstitucional


nem desaplicado, o que leva a que o direito interno ordinário pré-existente se torne
inválido ou inaplicável.

Reserva de constitucionalidade – desde que respeite os princípios fundamentais do Estado


de Direito Democrático.

Princípios fundamentais de direito68 69

Noção

Para FA os princípios gerais ou fundamentais de Direito são em regra máximos ou


formulas que exprimem as grandes orientações e valores que caracterizam uma certa
ordem jurídica ou um certo ramo do direito.

68 Santos Justo e NSG entendem que os princípios fazem parte das fontes não intencionais de Direito, a
par do costume p. 218
69 Fala-se também de princípios fundamentais da CRP e princípios gerais de cada ramo de direito cfr NSG

p. 205

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São exigências universais de qualquer ordenamento jurídico como forma de legitimação
e validade. Transcendem o direito positivo e são válidos de per si num Estado de Direito
porque representam postulados da ideia de Direito. Impõem-se ao próprio legislador
constituinte porque colocam as suas opções sob o signo da Justiça. Em suma, os
princípios fundamentais são expressão do Direito Natural, e por isso interrogáveis. O
seu acolhimento decorre do art. 8 nº1 da CRP..

Distinção entre princípios e regras:

Enquanto fonte de Direito, os princípios enunciam valores ou orientações que se


transformam em normas jurídicas. Os princípios são fonte geradora de regras, e estas
são o produto dos princípios.

Todavia, o art. 204 CRP distingue expressamente as disposições ou regras


constitucionais dos princípios nela consignados, por isso devemos entender os
princípios como fórmulas com um reduzido grau de determinabilidade que para serem
aplicados necessitam da mediação do legislador ou juiz, enquanto que as regras, tendo
um maior grau de determinabilidade, são susceptíveis de aplicação imediata.

Caracterização e importância

Quanto à forma podemos falar de:

- Princípios normativos de direito positivo que são enunciados de modo expresso, por
ex: princípio do Estado de Direito Democrático do art. 2 da CRP.

- Princípios gerais que são induções lógicas das normas jurídicas positivas, partindo
duma compreensão teleológica do sistema positivo (induzidos a partir de varias
disposições legais) por ex.: princípio da igualdade dos Ministros dentro do Governo.

A importância dos princípios decorre de três funções que desempenham:

1. Função criadora de normas – enquanto fontes de Direito – dimensão ontológica


(ex. o principio da boa fé enunciado no art. 266 nº2 da CRP dá origem a varias
normas do

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 7


Código do Procedimento Administrativo (art. 6 A), que concretizam vários
deveres de actuação da administração pautados pela boa-fé)
2. Função interpretativa das leis – dimensão metodológica
3. Função integradora das normas jurídicas: enquanto meio de integração de
lacunas da lei – dimensão axiologica –

Considerações finais:

Não é consensual a consideração dos princípios fundamentais como fonte autónoma de


direito SJ, NSG, FA e BM entendem que são fontes de Direito. O A e MRS não se
pronunciam. Nogueira de Brito nega a sua qualificação como fontes autónomas de
Direito.

Espécies e exemplos de princípios, vide p. 506 FA

Hierarquia das fontes

A expressão hierarquia das fontes/ normas

Segundo O A não há hierarquia entre regras, mas hierarquia das fontes, isto porque as
regras derivam das fontes e também por natureza todas as regras vinculam. 70

Para MRS a expressão hierarquia das fontes de direito não parece a melhor, porque em
rigor não existe hierarquia entre as fontes no sentido de ordenação de relevância jurídica decrescente
quanto aos diversos modos de revelação de direito, mas antes quanto ao seu modo de criação.
Assim é melhor falar de hierarquia de formas de criação de Direito e não de
hierarquia de fontes de
Vide p.
70

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 7


70 Vide p.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 7


direito ou de factos normativos – trata-se de hierarquia de títulos, de matrizes de
concretização do direito e só consequentemente de regras (O A parece também ir neste
sentido pois quando fala em fontes de Direito, refere-se à sua vertente de modos de
criação do Direito).71

FA considera que se pode falar de paridade de fontes e de hierarquia de fontes. Em


Portugal há casos de paridade: lei e decreto-lei e também paridade lei e costume; mas a
maior parte dos casos é utilizada a expressão hierarquia das fontes: 1ºCRP, 2º lei valor
reforçado, 3º lei simples e 4ºregulamento.72

BM entende com razão que a hierarquia das normas depende da hierarquia das fontes
em que estão contidas.73

A hierarquia das fontes na doutrina74

Hierarquia para MRS75

1. CRP formal e costume constitucional


2. Lei de revisão constitucional
3. Factos criadores de direito internacional: actos e costumes
4. Actos políticos stricto sensu – actos que condicionam o exercício da função
legislativa
- ex: programa do governo; moção de censura ao governo; decreto do PR que
dissolva a AR ou declare o estado de sitio ou emergência
5. Leis em sentido formal: leis reforçadas e leis comuns: leis e decretos-lei; num
mesmo plano situam-se os costumes em matérias legisláveis.
6. Decretos legislativos regionais: CRP submete-os as leis gerais da República e
aos decretos-lei do Governo 112 nº 4 e 5 da CRP
7. Acórdãos do TC com força obrigatória geral. Acima dos actos jurisdicionais e
dos actos da Administração

71 Vide p. 154
72 Vide p. 563
73 Vide p. 167
74 Sem grandes concretizações defendo a seguinte hierarquia: 1º Direito internacional geral, 2º Direito da

união europeia, 3º Direito constitucional, 4º Direito Internacional Publico e 5º direito ordinário.


70 Vide p.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 7


8. Actos da administração unilaterais e normativos: regulamentos. No mesmo
plano os costumes administrativos
9. Contratos administrativos: criam direito
10. Actos jurisdicionais não normativos e actos administrativos

Hierarquia para FA 76

1. Fontes internacionais: costumes, tratados e jurisprudência. Abarca o Direito


Internacional Geral ou Comum ou ius cognes ( art. 8 nº1 da CRP), o Direito
Internacional Convencional ou particular (art. 8 nº2, art. 278 nº1 e 280 nº3 CRP)
e o direito da Uniao Europeia ( art. 8 nº3 e 4 da CRP). Como se verifica, FA
defende
o primado do Direito Internacional sobre a CRP
2. CRP
3. Direito ordinário ou infra-constitucional:
a. Lei e costume em paridade
b. Regulamentos e praxes administrativas em paridade

Hierarquia para NSG

1. Princípios jurídico-fundamentais
2. CRP e leis de revisão constitucional
3. Direito Internacional Geral (incluindo costume) e Convencional (tratados e
acordos internacionais
4. Decretos do PR
5. Leis e decretos-lei, resoluções da AR com eficácia normativa
6. Decretos legislativos regionais
7. Decretos regulamentares
8. Decretos regulamentares regionais
9. Resoluções normativas do Conselho de Ministros
10. Portarias e despachos normativos (regulamentos ministeriais)
11. Regulamentos dos Governadores Civis

70 Vide p.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 7


12. Regulamentos das autarquias locais (posturas, regulamentos e regimentos, entre
os quais não há hierarquia)
13. Regulamentos dos entes públicos intermédios.

Conflitos de fontes

Baptista Machado77 refere algumas regras importantes que auxiliam a resolver os


conflitos entre actos normativos de direito interno.

Existem três critérios gerais para resolver conflitos de normas:

1. Critério da posteridade – quando conflito entre fontes da mesma hierarquia


prefere a lei mais recente: lei posterior derroga lei anterior art. 7 CC
2. Critério da especialidade - quando conflito entre fontes da mesma hierarquia lei
especial prevalece sobre a lei geral ainda que esta seja posterior, salvo se outra a
intenção inequívoca do legislador art. 7 CC
3. Critério da superioridade – quando conflito entre fontes de hierarquia diferente:
lei superior derroga lei inferior, isto é as normas de hierarquia superior,
prevalecem sobre as normas de hierarquia inferior.

Podem-se ainda apontar algumas ideias que também são úteis na resolução de conflitos
entre normas:

a. Entre lei e decreto-lei não há hierarquia, pode suceder que Governo regule por
decreto-lei matéria reservada de lei da AR, nesse caso o diploma padece de
inconstitucionalidade orgânica.
b. O decreto regulamentar ou decreto simples do Governo não pode violar disposto
numa lei ou decreto-lei sob pena de ilegalidade.
c. As portarias genéricas e os despachos normativos subordinam-se aos decretos
regulamentares e aos decretos simples
d. Além das matérias reservadas de competência exclusiva da AR ou do Governo,
há matérias de competência conjunta, nestes casos prevalece sempre a lei
posterior, por exemplo um decreto-lei pode revogar uma lei ou o inverso.

77 Vide p. 167 e ss.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 73


e. Entre o direito regional (decretos legislativos regionais e decretos
regulamentares regionais), e o direito estadual não há relação de hierarquia, cada
um tem por força da CRP a sua esfera de competência limitada.
f. As autarquias locais só têm competência normativa de tipo regulamentar
(posturas e regimentos). O direito regulamentar do Estado tem precedência sobre
o direito regulamentar das autarquias, sem prejuízo da autonomia constitucional
reconhecida. Assim, fora da sua competência autónoma, as Autarquias devem
respeitar as leis estatais sob pena de ilegalidade. Por exemplo: um regulamento
municipal sobre edificações não deve contrariar uma lei sobre edificações
urbanas.
g. Pode suceder que num decreto-lei se preveja que certos dos seus preceitos sejam
revogados ou alterados por simples portaria ou interpretados por despacho.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 74


Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

CAPÍTULO III: Interpretação

Abreviaturas dos nomes de Autores:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima –

CC anotado); G T (Galvão Telles); F A (Freitas do Amaral)

Aspectos a abordar:

1. A interpretação em sentido restrito


2. A integração de lacunas
3. Novas perspectivas metodológicas de concretização ou desenvolvimento
do direito
4. Exemplos práticos e dúvidas da doutrina

Considerações gerais:
Depois de termos analisado e definido o Direito, e de termos concluído que este se
manifesta através de regras jurídicas, vamos agora determinar o sentido da regra para
poder solucionar o caso concreto ou a situação da vida com que o aplicador do Direito
se depara.

Fala-se de interpretação em termos amplos no sentido de abranger todas as modalidades


de determinação da regra jurídica, abarcando nesse conceito:

-A interpretação em sentido estrito: é a determinação do sentido da regra

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 75


-A integração de lacunas: é o preenchimento do vazio jurídico, depois de se concluir
pela via da interpretação que não existe regra na fonte

-Novas perspectivas metodológicas de concretização ou desenvolvimento do direito: os


autores incluem aqui outras modalidades de determinação de regras que não cabem no
conceito de interpretação porque ultrapassam a letra da lei.

Os artigos relevantes do CC para o estudo desta matéria são os artigos: 8, 9, 10, 11 e 13.

Interpretação em sentido estrito

Aspectos a abordar:
1. Noção
2. Modalidades de interpretação
a. Critério dos sujeitos/ fontes/ origem ou valor: Interpretação autêntica;
oficial; judicial; doutrinal e particular
b. Critério do objectivo ou fim da interpretação: Subjectivistas/
Objectivistas/Teses mistas; Historicistas/ Actualistas; art. 9 CC
c. Critério dos resultados da interpretação: interpretação declarativa; extensiva;
restritiva; abrogante; enunciativa; correctiva

Noção
Tal como já foi referido, a interpretação em sentido restrito consiste na determinação do
sentido da regra que decorre da fonte, de forma a poder resolver o caso concreto.
Imaginando que a regra é uma obra de arte, um quadro por exemplo, pela via da
interpretação vai-se determinar o significado de cada traço da pintura.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 76


Modalidades de interpretação
Os autores apresentam várias modalidades de interpretação, de acordo com diferentes
critérios. Temos três critérios principais, que convém analisar:

1. Critério dos sujeitos/ fontes/ origem ou valor


2. Critério do objectivo ou fim da interpretação
3. Critério dos resultados da interpretação

Modalidades de interpretação quanto ao sujeito/ fonte/ valor78

Este critério atende, por um lado, à entidade que faz a interpretação e, por outro lado, ao
valor que essa interpretação tem relativamente aos restantes sujeitos interpretes e
aplicadores do Direito.

Quanto a este critério podemos falar de:

a) Interpretação autêntica
b) Interpretação oficial
c) Interpretação judicial
d) Interpretação doutrinal
e) Interpretação particular

Interpretação autêntica

2 Requisitos:

78 A doutrina adopta genericamente quanto a este critério as modalidades de interpretação referidas.


Todavia pela aparente dissemelhança, convém referir a posição de MRS. MRS faz a distinção entre auto-
interpretação (se é feita pelo mesmo órgão que elaborou a lei) e hetero-interpretação (feita por órgão
diferente do que elaborou a lei), incluindo no âmbito desta a : hetero-interpretaçao legislativa,
administrativa, jurisdicional e doutrinal. Duas notas devem ser referidas quanto a esta posição: primeiro a
interpretação legislativa corresponde genericamente à interpretação autêntica e a interpretação
administrativa corresponde à oficial; segundo não se descarta a possibilidade de auto-interpretaçao
legislativa no caso de um decreto-lei do Governo interpretar um regulamento seu, e também situações de
auto-interpretação administrativa, no caso inverso

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 77


1.feita por lei de valor igual ou superior ao da norma interpretada. Interpretação feita
por uma nova lei que se dirige a fixar o sentido normativo de uma lei anterior. Esta nova
lei é uma lei interpretativa (art. 13º)

Ex:

Lei interpretada: ― lei da AR que diz que quem conduzir sob efeito de substâncias
psicotrópicas, deve ser punido com coima‖

Lei interpretativa: ― lei da AR ou decreto-lei do Governo que diz que se devem


incluir também medicamentos, no conceito de substâncias psicotrópicas‖

2. A interpretação autêntica é vinculativa para todos os aplicadores do direito, ainda


que esteja errada.

Interpretação oficial

2 Requisitos:

1.feita por lei (em sentido amplo) de valor inferior ao da lei

interpretada Ex:

Lei interpretada: ― lei da AR que diz que quem conduzir sob efeito de substancias
psicotrópicas, deve ser punido com coima‖

Norma interpretativa ― portaria do Ministro da Administração Interna que diz que


se devem incluir também medicamentos no conceito de substancias psicotrópicas‖

2. Não tem efeito vinculativo para os outros (tribunais, particulares), não tem
eficácia externa devido ao art. 112 nº5 da CRP que o impede (as leis de valor inferior
não podem alterar ou contradizer o sentido normativo das leis hierarquicamente
superiores). Tem uma eficácia meramente interna, isto é, vincula apenas em termos de
obediência hierárquica (obriga apenas os agentes administrativos subordinados à
entidade que fez a interpretação oficial).

Situação particular que suscita dúvidas:

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 78


Qual o valor da interpretação feita por despacho normativo do Ministro da tutela, nos
casos em que é a própria lei a estabelecer que as dúvidas suscitadas na sua aplicação
devem ser resolvidas por despacho ministerial?

Temos 2 posições na doutrina:

1. Há quem entenda que temos uma interpretação autêntica, feita por delegação da
lei interpretada. Paulo Cunha (consultar livro de Nuno Sá Gomes)

2. A maior parte da doutrina entende que temos uma interpretação oficial, porque a
Constituição fixa a escala hierárquica das leis, não podendo as leis de grau
inferior alterá-la

o art. 112º, nº 2 CRP estabelece limites à delegação de poderes

não é possível atribuir, por delegação, competência legislativa a


entidades que só têm competência regulamentar

Interpretação Judicial

1. Feita pelos tribunais num processo

2. Só tem valor vinculativo no processo em si. Fora do processo, apenas pode


persuadir pela força e exactidão dos argumentos (invocação de jurisprudência).

Interpretação doutrinal

1. Feita fora das condições que caracterizam as situações anteriores. Por juristas ou
jurisconsultos

2. Não tem qualquer força vinculativa, mas pode persuadir: em resultado do


prestígio do intérprete ou da coerência lógica da argumentação

Interpretação particular

1. Feita por qualquer cidadão comum, não jurista (quanto a estes fala-se de
interpretação nos termos do art. 6 do CC)

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 79


2. Não tem qualquer força vinculativa

Modalidades de interpretação quanto ao objectivo ou fim

Este critério, decorre de correntes doutrinárias de interpretação que surgiram no século


XIX, através das quais se pretendia saber as finalidades da interpretação.

Quando estamos a interpretar que sentido da lei pretendemos obter?

Subjectivistas/ Objectivistas/ Teses mistas

Subjectivistas:

Tese elaborada pela escola clássica alemã, representada por Savigny e Heck no inicio do
sec. XIX.

Visa determinar o pensamento do legislador ou ― mens legislatoris”, isto é a vontade


da pessoa concreta que fez a lei.

Vantagens: certeza e segurança, porque só existe um sentido possível da lei, o do


legislador

Desvantagens: dificuldades em determinar nos tempos de hoje a vontade concreta do


legislador porque as leis resultam de órgãos colegiais.

Objectivistas:

Tese defendida por Radbruck no final do sec. XIX.

Visa determinar o sentido intrínseco da lei, desligado da vontade de quem a fez. ―É como
se a lei ganha-se vida própria‖. É limitada apenas pelos elementos linguísticos e sistema
de Direito em que se insere. Está em causa determinar a ― mens legis”

Vantagens: maior adaptação às exigências de justiça e necessidades do caso concreto. A


lei tem virtualidades próprias além daquelas que o legislador lhe deu. Nem sempre o
legislador se exprime da melhor forma e a própria lei pode abranger casos não previstos
pelo legislador.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 80


Desvantagens: falta de unanimidade quanto à determinação do seu sentido

Teses mistas ou de síntese79

Defendidas por Larenz e Engisch no inicio do sec. XX. De acordo com estas teses
pretende-se retirar o que existe de verdade nas teorias subjectivistas e nas objectivistas.
Assim, defende-se que o sentido da lei não se identifica com a mens legislatoris, mas
também não a dispensa, é antes o resultado de um processo que considera todos os
momentos, o objectivo e o subjectivo: é preciso conhecer a decisão do legislador e os
fundamentos em que se apoia para se acomodar e adaptar a lei ao presente.

Historicistas/ actualistas

Historicistas:

Visa-se determinar o sentido da lei no momento da sua criação e entrada em vigor.

Vantagens: maior certeza e segurança dado que se determina o sentido no âmbito das
circunstancias da sua criação.

Desvantagens: não atende ao carácter de durabilidade das leis. As leis não são feitas
para vigorarem apenas um ou dois anos, e por vezes o sentido inicial da feitura não se
coaduna com as mudanças sociais que entretanto podem ocorrer.

Actualistas:

Visa-se determinar o sentido da lei no momento da sua interpretação.

Vantagens: maior adaptação às exigências da vida (dado que se interpreta uma lei que
pode ter 30 anos, à luz das exigências de hoje). Impede que tenham que se estar sempre
a fazer novas leis.

Desvantagens: pode levar a situações de arbítrio. Aplicações de leis a casos, que não se
compadecem com tal solução (desfasamento da realidade).

79 Vide SJ 323

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 81


Quais os elementos de interpretação decisivos nestas diferentes teses?

Teses subjectivistas e historicistas: elemento histórico é essencial

Teses objectivistas e actualistas: elemento literal + teleológico e sistemático

Posição do legislador português quanto a estas teses:

Art. 9 do CC

Teses objectivistas/ subjectivistas/ Teses mistas: BM/ AV/ SJ/CM

Da expressão Pensamento legislativo ― usada no nº1 do art.9 decorre que o legislador


português não se quis comprometer com nenhuma das teses, o então Ministro da Justiça
Antunes Varela escreveu que ― colocando-se deliberadamente acima da velha querela
entre subjectivistas e objectivistas, a nova lei limitou-se a consagrar uns tantos princípios que considerou
aquisições definitivas da ciência jurídica, sem curar grandemente da sua origem doutrinaria‖ (in BM)

Não se fala em pensamento do legislador/subjectivismo nem em pensamento da lei/


objectivismo.

Indícios objectivismo:

1. Referencia ao elemento literal: a expressão..a partir dos textos..‖no art.9 nº1 e a


expressão ― ..na letra da lei um mínimo de correspondência..‖no art.9 nº2 afastam o
subjectivismo, pois: o sentido da lei deve ter um mínimo de correspondência
na lei
2. Art. 9 n.º3 refere-se ao legislador em abstracto que é racional, justo e sábio, e
não se refere ao legislador em concreto muitas vezes precipitado, incorrecto e
infeliz (BM+ AV)

Indícios subjectivismo:

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 82


1. Art. 9 n.º1 ― interpretação não deve cingir-se à letra da lei‖ consagra a menor
importância da lei
2. Art. 9 n.º1 consagra o elemento histórico essencial às teses subjectivistas ―
circunstancias em que a lei foi elaborada‖

Teses mistas defendidas, por:

Santos Justo80/ Antunes Varela (também Alemanha por Larenz e Engisch)

O sentido da lei não se identifica com a mens legislatoris, mas também não a dispensa, é
o resultado de um processo que considera todos os momentos, objectivos e subjectivos.

É preciso conhecer a decisão do legislador e os fundamentos em que se apoia para se


adaptar a lei ao presente.

Segundo AV O art.º 9, afasta os excessos dos objectivistas que não atendem às


circunstâncias históricas em que a norma nasceu (art. 9 n.º1) e condena os excessos dos
subjectivistas que prescindem por completo da letra da lei para atender apenas à vontade
do legislador. (9 n.º2).

Teses objectivistas defendidas, por:

MRS e O A: art. 9 é objectivista porque a lei deve valer uma vez integrada na ordem
social, verificando-se um apagamento do legislador após o acto de criação normativa —
sentido da fonte na ordem social. A lei é necessariamente aberta a todos os estímulos
que nela provocam alterações históricas, mas se o objectivo do legislador tiver ficado
perceptível na lei, o intérprete não o pode ignorar.

Ego/ SLL: objectivismo mitigado, porque vai buscar elementos históricos de


interpretação.)

Interpretação objectivista: essencial elemento literal/ sistemático/ teleológico

Interpretação subjectivista: essencial elemento histórico

80 Vide p. 323

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 83


Teses actualistas/ historicistas

O acolhimento das teses historicistas decorre da expressão ―atender às circunstâncias em


que a lei foi elaborada‖ e o acolhimento de teses actualistas decorre da expressão ―condições do
tempo em que a lei é aplicada‖ art.9 nº1

A doutrina defende uma conotação actualista prevalecente porque esta não é


incompatível com a consideração de circunstâncias do tempo de aplicação da lei para o
efeito de determinar o seu sentido, mas já a posição historicista é incompatível com a
consideração de circunstâncias do tempo de aplicação da lei para efeitos de determinar o
seu sentido. MRS/ O A/ Nuno Sá Gomes

Baptista Machado considera que a occasio legis é importante ao actualismo para ajustar
o significado da norma à evolução entretanto sofrida.

Modalidades de interpretação quanto ao resultado

Esta modalidade de interpretação está directamente dependente da relação entre os


vários elementos da interpretação, por isso urge inicialmente determinar quais os
elementos de interpretação de que o aplicador do Direito se pode socorrer.

Elementos da interpretação: 81
Os elementos da interpretação são os meios para se determinar o sentido real dos textos
legais. Imaginando que a lei é a tal obra de arte, os elementos são os meios que temos ao
nosso dispor para perceber o que a pintura significa. Temos desde logo a tela, o pintor
que a fez, a corrente em que se insere, a circunstância histórica em que foi feita, etc.
Todos estes elementos vão-nos auxiliar a dar um sentido à obra de arte. O mesmo
ocorre na

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 84


81 Vide SJ; BM; MRS; GT

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 85


interpretação e na determinação do sentido da lei: os elementos da interpretação
integram- se num acto unitário, que é a interpretação.

Os elementos da interpretação separam-se em:


Elemento literal ou gramatical - corpo
Elemento lógico ou espírito da lei – alma
a. Histórico
b. Sistemático
c. Teleológico ou racional

Elemento literal: é composto pelas palavras pelas quais a lei se exprime, cujo sentido é
determinado pelas regras gramaticais. No nosso exemplo da obra de arte, seria a tela.

Este elemento constitui um ponto de partida da interpretação, mas é um elemento frágil,


porque muitas vezes as palavras são vagas e equivocas e também pode suceder que não
se tenha exprimido da melhor forma

Elemento lógico: são todas as circunstâncias que ultrapassam a letra da lei e que nos
podem auxiliar aperceber o seu sentido. No exemplo dado seria, o autor a corrente em
que se insere, as circunstâncias históricas, etc.

Elemento histórico: consiste na evolução temporal ou cronológica da feitura da lei.


Pode- se separar em:

i. Trabalhos preparatórios: inclui todos os ante-projectos, projectos e actos que


registam as discussões nas comissões e plenários que são importantes para
determinar o sentido da lei e a vontade do legislador
ii. Precedentes normativos: são as normas nacionais e estrangeira que
vigoraram no passado ou na época de formação da lei, e que a influenciaram
iii. Occasio legis: são as circunstâncias históricas, políticas e jurídicas que rodearam
a feitura da lei, e que o intérprete não deve desconsiderar. Exemplo: a CRP
mantém traços de socialismo que hoje em dia já perderam o sentido, mas que
faziam todo o sentido na época em que foi feita.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 86


Elemento sistemático: consiste no facto de a interpretação duma norma implicar o
conhecimento das normas afins ou paralelas, pois a ordem jurídica tem uma unidade e
coerência jurídica que devem ser salvaguardadas na interpretação.

Ideia de que um preceito não é uma ilha isolada.

Assim, um preceito deve ser interpretado em conjunto com as restantes normas: com a
epigrafe que a precede, com os textos que estão imediatamente antes e depois e ainda
com outros textos que estão mais afastados, em lugares paralelos. Ex o art. 1273 do CC
― indemnização por benfeitorias‖ previsto no livro III relativo aos direitos Reais, não
pode deixar de ser interpretado em conjugação com o art. 216, que está na parte inicial
do Código, onde se definem as varias modalidades de benfeitorias

Elemento teleológico ou racional:


Definição pelos diferentes autores:

- MRS: é a finalidade social da lei ou ponderação dos interesses que determinaram o


seu conteúdo.

- Santos Justo: corresponde ao fim concreto ou necessidade que a regra visa satisfazer

- Nuno Sá Gomes – o elemento teleológico é a ratio da lei, isto é os fins ou


necessidades práticas que a lei visa satisfazer. NSG entende que a ratio legis respeita
aos fins que o legislador histórico quis atingir, todavia se estes não se puderem
determinar, deve-se atender à finalidade que razoavelmente uma regulamentação pode
ter, isto é aos fins objectivos de Direito – justiça, segurança jurídica, paz e
equilíbrio social. Para harmonizar estes fins ou critérios teleológicos objectivos deve-se
recorrer ao sistema de princípios jurídico - axiológicos e constitucionais.

- O A: separa o elemento teleológico da ratio legis (esta = espírito da lei). O elemento


teleológico é a justificação social da lei, as condições que se tomam em conta são as
condições actuais, procura-se perante essas condições uma relevância sociológica. (ego:
típica perspectiva objectivista)

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 87


Elementos da interpretação no art. 9 CC

Literal

Menor importância da lei: art. 9 n.º 1 – ―não deve cingir-se à letra da lei‖

Lei como ponto de partida: art. 9 nº1- “reconstituir a partir dos textos‖

Função positiva da lei: art. 9 n.º3 consagra o princípio do aproveitamento das leis

Função negativa da lei: art. 9 n.º2 dispõe que o sentido da lei deve ter um mínimo de
correspondência na letra

Histórico

― Circunstâncias em que a lei foi elaborada‖ art.9 nº1

Sistemático

― Unidade do sistema jurídico‖ art. 9 nº1

Teleológico

O Elemento teleológico decorre do art. 9 n.º3: se o legislador se exprimiu bem, é


porque escolheu os fins mais adequados para satisfazer a necessidade

O A e MRS, porque são objectivistas, consideram que o elemento teleológico também


decorre do art. 9 n.º2 ―circunstâncias em que a lei é aplicada‖, o que parte da ideia de O A de
justificação social da lei: fins actuais!

Considerações finais:

Só com a consideração destes elementos se pode verdadeiramente interpretar uma lei.


Não é qualquer pessoa que lendo todas as manhas o Diário da Republica, consegue
encontrar a
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 88
solução para a resolução dum litigio que tenha. Para se interpretar a lei é preciso lê-la, é
certo, mas a missão do intérprete vai para além disso.

O sentido real da lei só se obtém pela consideração dos elementos literal e do lógico.

Da relação entre a letra e o espírito da lei, podemos realizar diferentes modalidades de


interpretação, as modalidades de interpretação quanto ao resultado.

Modalidades de interpretação quanto ao resultado82

1. Interpretação declarativa
2. Interpretação extensiva
3. Interpretação restritiva
4. Interpretação abrogante
5. Interpretação enunciativa
6. Interpretação correctiva

Interpretação declarativa

Verifica-se quando o espírito da lei determinado pelos elementos lógicos, coincide


perfeitamente com o significado das suas palavras, não havendo desarmonia entre a
letra e o espírito da lei. O legislador disse X, e era precisamente X que queria dizer.

As dificuldades que podem surgir com esta modalidade de interpretação verificam-se


quando o significado literal seja ambíguo ou indeterminado. O que ocorre quando o
legislador usa expressões pluri-significativas, isto é expressões cujo sentido comum
das palavras comportam mais que um significado. Nestes casos cabe ao intérprete fixar
um dos

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 89


82 Vide MRS, S J, NSG, CM, O A

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 90


significados possíveis que deverá ser escolhido atendendo ao elemento lógico da
interpretação.

Assim falamos de:


Interpretação declarativa lata – se o interprete opta pelo significado mais extenso.
Interpretação declarativa restrita – se o interprete opta pelo significado menos extenso

Exemplo: a palavra ―homem‖ pode ter o significado em termos amplos de ser humano
(pessoa do sexo masculino + pessoa do sexo feminino); ou ter o significado em termos
mais restritos de pessoa do sexo masculino. No caso do art. 362 do CC, parece evidente
que a expressão homem está usada no seu sentido amplo. O mesmo sucede
relativamente à expressão ― filhos‖ usada nos artigos 1826, 1847 e 1877 do CC.

Interpretação extensiva e restritiva

Verifica-se quando da análise da relação entre o elemento lógico e o literal, se apura que
existe uma desarmonia entre a letra e o espírito da lei, isto porque o legislador não
foi feliz nas expressões que usou.

Nestes casos, o intérprete está autorizado a fazer uma rectificação do sentido literal, por
consideração do elemento lógico, que se deve situar ainda dentro dos significados
literais possíveis (art. 9 nº2 do CC), adoptando-se um significado mais afastado ao
significado comum das palavras. 83

Extensiva:
Se o legislador disse menos do que queria dizer – o sentido literal é mais estreito que o
sentido real – o intérprete deve estender a letra da lei, em função dos elementos lógicos
da interpretação.

83 Se
ultrapassado o sentido literal possível caímos nas figuras redução ou extensão teleológica. VIDE
POSIÇAO O A – extensão teleológica

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 91


Ex: art. 877 do CC que proíbe a venda de pais e avos a filhos e netos sem consentimento
dos outros filhos e netos. Coloca-se a questão de saber se a expressão ― avós‖ refere-se só
aos pais dos pais, ou também aos pais dos avós ou bisavós?

Avós de acordo com o seu significado gramatical comum são os pais dos pais. Todavia
atendendo aos elementos lógicos da interpretação, em especial ao elemento teleológico
parece que a proibição também se deve estender a bisavós e bisnetos, pois com o art.
877 do CC pretende-se que os restantes filhos ou netos não sejam tratados de modo
desigual e também assegurar o princípio da intangibilidade da legítima (quota
hereditária indisponível).

Por outro lado a expressão bisavós em termos literais não está muito distante da
expressão avós, há mesmo quem diga que bisavós são os segundos avós, pelo que com
tal extensão da letra da lei ainda se respeita o art. 9 nº2 do CC.

Restritiva:
Se o legislador disse mais do que queria dizer – o sentido literal é mais amplo que o
sentido real – o intérprete deve limitar a letra da lei, em função dos elementos lógicos da
interpretação.

Exemplo:84 antes da introdução do divórcio no ordenamento jurídico brasileiro, havia


uma disposição com o seguinte teor: ―O casamento é indissolúvel”. Coloca-se a questão de
saber se uma pessoa viúva ainda se encontra casada.

Indissolúvel significa que não se pode desfazer em qualquer circunstância. Todavia,


atendendo aos elementos lógicos da interpretação, verifica-se que, não obstante a
fórmula ampla empregue, o sentido da regra é a de que o casamento é indissolúvel
somente por divórcio. Por isso nos casos de morte o casamento é dissolúvel.

84 Vide OA

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 92


Interpretação abrogante, enunciativa e correctiva85

Interpretação abrogante

Noção

É aquela em que o intérprete reconhece que o sentido da lei é indecifrável ou seja que é
impossível apreender o seu conteúdo.

Verifica-se quando à pergunta qual o sentido da lei? se responde: nenhum!

Traduz o reconhecimento de que não há regra nenhuma. O intérprete limita-se a


reconhecer que a fonte jurídica não apresenta nenhuma regra: ele não mata a regra,
apenas verifica que aquela está morta.

A esta modalidade de interpretação está subjacente a ideia de incompatibilidade ou


contradição insanável entre o espírito e a letra da lei, pelo que é impossível determinar
um sentido útil à lei. Do confronto entre a letra e o espírito não é possível retirar qualquer
sentido ou significado à lei.

Casos do CC onde em que se admite: arts.23nº2 e 348nº3 CC

Modalidades de interpretação abrogante:86

1. Lógica: resulta da incongruência insanável dos preceitos interpretados o que leva a


uma impossibilidade prática de solução — não pode ser assim!

2. Valorativa: quando as disposições subjacentes às disposições em causa forem


incompatíveis entre si, isto é, os preceitos interpretados são informados por critérios
valorativos opostos e contraditórios - não deve ser assim!

O A considera inadmissível em Portugal a interpretação abrogante valorativa porque se


legislador pôs em vigor simultaneamente duas regras, a valoração do intérprete
não se pode substituir à do legislador, preferindo uma em detrimento ou
considerando

85 Vide MRS, SJ, NSG, CM

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 93


86 Vide O A p. 427 e NSG p.277

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 94


as duas liquidadas. Pelo contrário, G T permite esta modalidade de interpretação
quando a incompatibilidade valorativa entre preceitos for particularmente grave.

Admissibilidade na doutrina da interpretação abrogante lógica 87

MRS entende que só é admissível a interpretação abrogante lógica e sempre a título


excepcional

A interpretação abrogante lógica tem carácter excepcional no direito português, ocorre


em casos muito raros porque o intérprete está obrigado ao aproveitamento máximo das
leis, tentando descobrir um sentido útil para cada lei – Art. 9 nº3 CC- Principio de
aproveitamento das leis.

No direito português pode ocorrer interpretação abrogante lógica, sempre a título


excepcional em três casos:

1. Se um artigo é carecido de qualquer sentido (o que só é legitimo inferir depois


de usados todos os elementos da interpretação e de ensaiados todos os sentidos
reais pensáveis)
Ex: se o art. 66 nº1 CC tivesse a seguinte redacção ― a personalidade adquire-se
no momento do nascimento completo e com a morte‖

2. Uma lei remete para um regime jurídico que não existe, nem se antevê
logicamente que possa vir a existir
Ex: se tivesse sido abolido o registo automóvel, deveria ter sido objecto de
interpretação ab-rogante a lei nova que impusesse ao proprietário de automóvel
que pretendesse recorrer em juízo, a apresentação do título de registo de
propriedade.88

3. A mesma lei apresenta disposições contraditórias, ou duas leis são no todo ou


em parte contraditórias sem que se possa afirmar que uma delas, a posterior
revogue a anterior

87 Vide NSG p. 277 a doutrina em geral admite esta modalidade de interpretação.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 95


88 Vide O A p. 405

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 96


Ex: art. 66 CC ― a personalidade adquire-se no momento do nascimento
completo‖ e se o art. 68nº 1 tivesse a seguinte redacção ― a personalidade cessa
com a vida‖

Verificados estes pressupostos, o intérprete deve declarar que daquela fonte não se retira
sentido nenhum.

No caso de duas leis incompatíveis discute-se a consequência:

a. Há quem entenda que as duas ficam liquidadas: se nenhuma fonte puder ser
aproveitada a consequência normal da interpretação abrogante é a revelação
duma lacuna
b. Outros entendem que se deve aproveitar uma delas. Esta deve ser a solução
primeira a adoptar, tal só não deverá acontecer se não se encontrar nenhum
critério de prevalência.

Considerações finais

Na interpretação abrogante, não se trata de revogação da lei, porque não existe lei, só
existe uma mera aparência da lei (as suas palavras repugnam o espírito). Mesmo a
interpretação abrogante por incompatibilidade ou valorativa, só se verifica perante casos
de incompatibilidade simultânea e não sucessiva, pois neste ultimo caso a norma posterior
revoga a anterior

Cabral Moncada considera que a interpretação ab-rogante não é mais que interpretação
restritiva levada às últimas consequências. 89 No mesmo sentido Galvão Telles ―é como
interpretação restritiva levada as ultimas consequências, tanto se restringe a letra que ela
desaparece”.90

Interpretação enunciativa ou inferência lógica de regras implícitas 91

89 Vide - S J 338.
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 97
90 Vide p 185
91 Vide MRS/ BM/ NSG/ SJ

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 98


Noção

É aquela em que o interprete deduz de uma norma, uma regra que nela apenas esta
virtualmente contida, usando para tal certas inferências ou argumentos lógico –
jurídicos.

Enquanto, que na interpretação em sentido estrito se visa apenas descobrir o sentido real que
tem na lei pelo menos uma explicitação mínima, na inferência lógica de regras implícitas,
trata- se de, com base em regras já existentes, inferir outras regras que não estão
expressamente formuladas, através de processos lógicos de inferência.

i. Interpretação em sentido restrito - conteúdo explícito da lei: intérprete


retira uma regra que tenha um mínimo de correspondência na lei

Ego: processo estático (ir à lei e retirar significado)

Letra + espírito = sentido da lei X ou regra X (com mínimo

de correspondência na letra da lei)

ii. Interpretação enunciativa - conteúdo implícito da lei: intérprete retira da


lei outras regras não expressamente formuladas através de processos lógicos
de inferência

Ego: processo dinâmico

Da regra X, o espírito da lei permite retirar a regra Y (uma nova regra - sem

correspondência na letra da lei, mas implicitamente manifestada através de

processos lógicos de inferência)

Aqui ainda temos interpretação?

Sim, porque o ponto de partida é a lei.92

Esta interpretação está rodeada das maiores precauções, porque está em causa a
admissão de formas tácitas de manifestação de vontade no exercício da função
legislativa do Estado.93

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 99


92 Ideia defendida por MRS.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 10


A descoberta de novas regras assenta em diferentes argumentos:94

1. ― a minori ad maius‖, a lei que proíbe o menos também proíbe o mais

Ex: perante uma lei que proíba aos menores de 21 anos a administração de bens
imóveis, é possível inferir que a venda dos mesmos lhes esta vedada
O A: se uma lei proíbe a actividade cambiaria a estrangeiros, podemos inferir
que o comercio bancário também lhes esta vedado (esta proibição esta logicamente
contida na primeira)

2. “ a maiori ad minus‖, a lei que permite o mais também permite o menos

Ex: perante a lei Y que permite a venda de certo bem é possível inferir a
possibilidade de empréstimo desse mesmo bem

O A: quem está autorizado a entrar em competições desportivas pode também


treinar; quem pode caçar, pode também apoderar-se das peças abatidas

3. ―a contrario‖, da disciplina excepcional estabelecida para certo caso, deduz-


se um principio regra oposto para os casos não abrangidos pela norma
excepcional:

- regime excepcional ---- leva aos regime regra -

Ex: se uma lei obriga os proprietários de automóveis com registo anterior a 1970
a procederem a uma inspecção semestral dos mesmos, é possível inferir que os
proprietários de automóveis com registo posterior àquela data não estão sujeitos
a tal obrigação.
O A: 1571 e 1569nº1 b CC

Este argumento é de particular dificuldade porque assenta no carácter excepcional da regra de que
se parte.95

93 Pode-se questionar também a sua compatibilidade com o art. 9 nº2 do CC


94 Vide MRS
95 Como veremos quando estudarmos as modalidades de normas, as normas excepcionais consagram um

regime oposto ao regime regra (exemplos: 342 e 344 CC inversão ónus prova/ isenção de um imposto a
grupo de cidadãos – deficientes motores); por outro lado, as normas especiais consagram uma disciplina
diferente para um grupo de pessoas, coisas, situações, mas não directamente oposto ao regime normal
das normas gerais. (exemplo: regra que prevê um dever de pagar impostos a uma categoria de cidadãos
que desenvolvem uma certa modalidade de trabalho por conta de outrem ex desportistas ou os artigos 874
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 10
e ss do

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 10


4. ― Sendo legítimos os fins, também o são os meios‖ a lei que permite ou
proíbe o fim, permite ou proíbe o meio

Ex: se certa lei permite a caça em coutadas demarcadas a certas categorias de


cidadãos, é possível inferir a legalidade da venda de espingardas caçadeiras a
essas categorias de potenciais caçadores

Admissibilidade da interpretação enunciativa

É contestada por alguns, mas genericamente admite-se como uma modalidade de


interpretação quanto ao resultado.96 Deve-se fazer notar a posição de O A que considera
a interpretação enunciativa, como uma terceira categoria de determinação de regras, ao
lado da interpretação e da integração de lacunas.97

MRS: a interpretação deve estar rodeada de grandes precauções porque pode implicar a
formulação de juízos de valor e também tem subjacente a discussão acerca da admissão
de formas tácitas de manifestação da vontade do exercício da função legislativa do
estado.

Interpretação correctiva98

Noção:

Verifica-se quando o sentido real é afastado, modificado ou corrigido pelo intérprete


com fundamento em injustiça, ou inoportunidade da lei.

Ideia de que ―o legislador não teria querido aquela norma se tivesse previsto o seu resultado”.

CC que fixam a disciplina particular do contrato compra e venda sendo que a disciplina geral dos contratos
consta do art. 405 do CC.

96 Vide SJ, NSG, BM


97 Cfr p. 468.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 10


98 Vide AO/NSG/SJ/MRS

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i. Diferente da interpretação extensiva e restritiva porque na correctiva o
sentido real não é aceite:

Lei X--- regra X--------interprete não concorda com a regra X

ii. Diferente da interpretação abrogante porque nesta não existe regra.

Duas possibilidades de Interpretação correctiva defendida por alguns autores


excepcionalmente:

1. Admite-se a interpretação correctiva, quando apurado o sentido real da lei, se


verifica que este é contrário ao direito Natural (princípios supra legais que
enforma o ordenamento jurídico/ regras de justiça natural) pelo que a lei deverá
ser taxada de injusta: lex corrupta.
O direito Natural deve prevalecer pois não há segurança se forem negados os
princípios fundamentais da convivência social.

2. Outros, defensores de uma grande liberdade de interpretação dos juízes na


aplicação da lei, admitem a interpretação correctiva em casos de extrema
inadequação total do sentido real da lei à lógica da justiça do caso concreto

Admissibilidade em Portugal:

O anteprojecto de Manuel de Andrade, defendia esta modalidade de Interpretação no seu


art. 9 ― É consentido restringir o preceito da lei quando para casos especiais ele levaria a
consequências graves e imprevistas que certamente o legislador não teria querido sancionar‖

Todavia, este texto do anteprojecto foi eliminado, não aparecendo norma equivalente no
nosso CC.

Por isso, parece inadmissível a interpretação correctiva, pois não são os juízos de
razoabilidade ou justiça do intérprete que se podem substituir aos critérios do legislador.

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O A entende inadmissível a interpretação correctiva porque não admitida no
anteprojecto. Contudo considera que a ordem natural deverá prevalecer se o sentido da
fonte lhe for contrário. Revelando, deste modo, uma certa abertura à interpretação
correctiva quando o sentido da lei for contrário ao direito natural.

S J diz que a interpretação correctiva se considera geralmente aceite.

MRS considera que de acordo com o art. 8nº2 do CC, a interpretação correctiva é, em
princípio inadmissível. Mas afirma que para os defensores de orientações jusnaturalistas
tal modalidade de interpretação é excepcionalmente admissível sempre que contrária ao
Direito natural

NSG entende que a proibição desta modalidade de interpretação decorre do art. 8 nº2: “ o
legislador não deve negar obediência à lei sob pretexto de o seu conteúdo ser injusto ou imoral o seu
conteúdo legislativo‖.

Por outro lado, AV/ PL consideram que embora a lei proíba a apreciação da justiça ou da
moralidade da regra, o art. 8 nº2 não exclui que em caso de dúvida a justiça ou injustiça
possa ser tida em conta como elemento da interpretação da lei. Entendem ainda que, de
acordo com o art. 9nº3 do CC, quando o sentido literal da norma interpretada seja
equivoco, deve-se presumir que o legislador quis formular as soluções mais justas e
morais.

Considerações finais

Posto isto, parece evidente que os casos em que alguns autores admitem a possibilidade
de interpretação correctiva, isto é quando são postos em causa preceitos de direito
natural, o que está em causa efectivamente é o controlo da validade da norma e não
um problema de interpretação. A correcção não resulta da interpretação da regra, mas do
controlo da validade de uma norma. Temos um problema de hierarquia das fontes do
direito e não de interpretação, a legislação ordinária sendo fonte de valor inferior aos
princípios jurídicos fundamentais não pode contrariá-los, pelo que se o fizer, nasce
morta.

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Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

Integração de lacunas

Abreviaturas:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima –

CC anotado); G T (Galvão Telles)

Aspectos a abordar:
1. Considerações iniciais
2. Lacuna jurídica
3. Integração: analogia legis; analogia júris; norma que o interprete criaria

Considerações iniciais

Artigos relevantes: 8 nº1/ 10 e 11 CC

Teorias

SJ:

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Teoria tradicional – correntes positivistas que propugnam a separação entre
interpretação e integração. Defendem o princípio da plenitude do ordenamento jurídico
e entendem que o sistema jurídico não tem lacunas.

Doutrina Moderna: agora fala-se num ideia de desenvolvimento do Direito que abarca
a interpretação e a integração. Considera que o caso concreto é condicionante da
interpretação e que existem lacunas rebeldes à analogia (situações em que a lei remete
para meios técnicos/ órgãos ou processos que não existem)

Novos resultados interpretação: Interpretação correctiva/extensão teleológica/redução


teleológica

SJ:

1. Interpretação:
2. Integração lacunas
3. Desenvolvimento do direito: interpretação correctiva; extensão e redução
teleológica

OA:

1. Interpretação: declarativa; restritiva; extensiva; correctiva: redução teleológica;


abrogante
2. Integração lacunas
3. Interpretação enunciativa

Já verificamos como se decifra o sentido/conteúdo de uma lei através da interpretação.


Também verificamos como se descobrem regras implícitas a partir do exame de uma lei,
vamos agora estudar o preenchimento de lacunas, isto é a actividade de colmatar
omissões ou vazios em domínios que o direito deveria reger.

Ego: Depois de interpretar a lei chega-se à conclusão de que existe um vazio sobre certa matéria,
quando haja um dever de legislar sobre certa matéria.

A interpretação é prévia à integração de lacunas, só depois da interpretação das leis


vigentes se pode concluir que existe um vazio legal sobre certa matéria.

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Na busca da regra possível são possíveis três passos, em que o 1º precede o 2º e em
que o 3º pressupõe fatalmente os primeiros:

1. A regra está explícita na lei: procurando-se um equilíbrio entre o elemento literal


e lógico é possível encontrar-se a regra por interpretação declarativa, restritiva e
extensiva
2. A regra está implícita na lei: a sua descoberta passa por uma operação de
inferência apoiada em certos princípios lógicos.
3. Não existe regra, nem explícita, nem implícita na lei e o trabalho do jurista, será
o da integração ou preenchimento do vazio jurídico descoberto

Importa agora determinar o que é a integração de lacunas.

Lacuna jurídica

Primeiramente, importa saber o que é uma lacuna jurídica:

Lacuna jurídica: existe quando se verifica a falta de uma regra jurídica para reger certa
matéria, que tem de ser prevista e regulada pelo direito.

Tem de haver cumulativamente:

1. Ausência de disciplina jurídica ou vazio jurídico


2. Imprescindibilidade dessa disciplina: o vazio respeita a matéria que o Direito
não pode ignorar, que deve ser juridicamente conformada.
Ex: não haverá lacuna pelo facto de não existir regulação jurídica para as
relações entre padrinho e afilhado ou para as forma de saudação do vizinho
(importante demarcar fronteiras entre direito e outras ordens normativas para
determinar situações de lacunas jurídicas.)
Nota:
A lacuna não se esgota ausência da lei (perspectiva estritamente legalista do
fenómeno jurídico), se houver uma regra não escrita ou
costumeira/jurisprudencial aplicável ao caso não existe lacuna.

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Espécies de lacunas:

Voluntárias: a inexistência da disciplina é querida pelo legislador que não quis resolver a
questão e deixou-a para a jurisprudência. Ex eutanásia/ barrigas de aluguer

Involuntárias: o legislador não previu o caso, por isso não elaborou a lei. Por lapso não
teve conhecimento da situação ou pensou erradamente o que já estava disciplinado

Iniciais: surgem na altura em que o legislador legisla

Posteriores: resultam de novas questões que surgindo em consequência da evolução


técnica ou económica, determinam a não aplicação de uma lei que se tornou
inadequada. Ex contrato de compra e venda por internet

De previsão: traduz-se na falta de previsão de uma certa situação de facto.

De estatuição: revela a ausência das consequências a que o Direito faz corresponder a


verificação de certa situação de facto. Ex: quando se diz que haverá um certo prazo para
a prática de certo acto, mas se esquece de indicar a forma de determinar tal prazo.

NSG fala em lacuna de regulamentação: quando a lei prevendo o caso, remete para
critérios de equidade (não normativos) a estatuição

Da lei: ocorrem no âmbito do direito legislado

Manifesta: a lei não contem nenhuma norma jurídica, embora segundo a sua própria
teologia a devesse ter.

Ocultas: a lei contem uma norma jurídica aplicável a uma certa categoria de casos, mas
não considerou certas situações especiais.

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De colisão: surgem quando várias normas contraditórias disciplinam uma dada situação.
Na falta de um critério que afaste um conflito, nenhuma se aplica.

Do Direito: ocorrem no âmbito mais alargado do ordenamento jurídico, que não


constituindo um sistema fechado, mas aberto e sujeito a uma evolução contínua é
susceptível de ser lacunoso.

Nota:

A interpretação restritiva/ restrição teleológica pode dar a conhecer uma lacuna oculta
Ex: se lei determinasse em regra genérica a forma de celebração do casamento, e se
apurasse por interpretação restritiva que não se aplica aos casamentos in articulo mortis
existe uma lacuna quanto à forma de celebração deste.

Justificação. O dogma da plenitude do ordenamento jurídico. 99

O ordenamento jurídico é inevitavelmente lacunoso porque a suas fontes não podem


contemplar todas as situações possíveis em que a vida se manifesta. São numerosas as
razoes que explicam as lacunas, entre as quais:

1. Imprevisibilidade: a vida é tão rica e complexa que há situações imprevisíveis e


insusceptíveis de serem entendidas pelo legislador e disciplinadas a priori por
um a lei. Ex: lei dos direitos de autor

2. Intenção de o legislador não disciplinar certa matéria: sucede quando esta é


ainda muito fluida, e por isso é arriscado legislar sem o conhecimento mais
completo das situações, preferindo nestes casos o legislador deixar aos órgãos
que aplicam o direito a resolução de certa questão; ou quando lhe falte
capacidade para encontrar a solução. Ex eutanásia/ barrigas de aluguer

99 Vide SJ

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Integração (de lacunas)

Dever de integrar lacunas decorre do art. 8 nº1 do

CC Noção:

O preenchimento do vazio jurídico é um processo precário: pressupõe a permanência


da lacuna após a sua integração. O tribunal integra a lacuna para apreciar o caso
concreto, que terá de ser preenchido para casos futuros.100

Trata-se de um processo normativo porque se determina a regra aplicável ao caso


concreto. Não existe uma solução casuística das situações como na equidade

Processos:

Intra-sistemáticos: a solução do caso conforme o conjunto de disposições vigentes.

1. Analogia legis – recurso a uma regra determinada normalmente legal


2. Analogia juris – recurso a um princípio jurídico determinado normalmente
induzido por regras legais
3. Norma que o intérprete criaria – apela ao espírito geral do sistema

Extra-sistemáticos:101 a solução funda-se noutros critérios.

1. Normativos: o legislador emite uma norma para colmatar a lacuna


2. Discricionários: o legislador dá à Administração a possibilidade de optar entre
duas soluções igualmente possíveis de acordo com a melhor prossecução do
interesse público
3. Equitativos: o juiz não decide segundo uma norma (injunções do sistema
normativo), mas segundo as circunstancias do caso concreto. Também não
procura criar uma norma, não se abstrai, procurando uma solução adequada a
todos os casos daquela índole – uma regra – antes considera o caso nas suas
particularidade, procurando uma solução que se lhe adeque à luz do valor da

Justiça.
100 Salvo a situação dos assentos quando eram considerados fonte de Direito

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101 Vide : S J/O A/ NSG

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Vantagens equidade: maior adequação ao caso concreto; desvantagens: não
contribui para a definição da ordem jurídica, depois tudo fica na mesma.

MRS: nestes casos de processos extra-sistemáticos não existe verdadeiramente


integração de lacunas, porque a lacuna ou desaparece (1), ou nunca existiu (2 e 3). Santo
justo também reconhece isto em relação à equidade.

a) Se um acto legislativo visa fazer desaparecer uma lacuna – lacuna desaparece


b) Se a Administração actuar ao abrigo de um poder discricionário que a lei lhe
confira
– não existe qualquer lacuna
c) Se o juiz resolve um caso concreto com recurso à equidade – aqui não há
qualquer preocupação normativa, não se visa determinar qualquer regra

Analogia legis:

Verifica-se quando os casos que o direito não preveja, sejam regulados segundo a
norma aplicável aos casos análogos. Art 10 nº1 CC

Casos análogos: são aqueles em que procedem as mesmas razoes justificativas que no caso omisso -art.
10 nº2 CC.

Deve-se procurar uma situação similar/ comparação de qualificações

jurídicas Facto X facto Y

Lei B ?????

Não basta que o facto X seja semelhante ao facto Y, mas deve-se olhar para a ratio
legis da lei B - a justificação de regime que se define para o facto X - e depois ponderar se
essa mesma razão vale para o facto Y

Só se houver essa identidade de razões legais é que é legitimo estabelecer-se uma


relação de analogia.

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Nota: a analogia pode ter por base qualquer regra: legal/consuetudinária/
jurisprudencial

Diferença entre analogia e Interpretação extensiva102

Na teoria é fácil a diferença, mas na prática muito difícil de aplicar


O A: Na integração o caso não está compreendido nem na letra nem no espírito da lei.
Na interpretação extensiva: caso não está previsto na letra, mas está no espírito da
lei.

Exemplo da dificuldade: 103


A lei prevê tipos de figuras jurídicas como crimes, contratos, impostos, sociedades. Se a
propósito de um desses tipos surge uma disposição que falta num outro, por exemplo se
extinção da compra e venda se encontra uma certa previsão e para o depósito não, pode-
se dizer que por interpretação extensiva a regra abrange também o deposito? A resposta
é não, porque quando o legislador disciplina um tipo, ele não disse menos do que queria
dizer por não abranger outro tipo. A disposição referente ao depósito deveria surgir no
título do depósito, se não surge, existe uma lacuna. Se considerarmos que a regra da
compra e venda se aplica ao depósito, estaremos a preencher a lacuna por analogia e não
a fazer interpretação extensiva.

A dificuldade é acrescida porque existem autores que identificam a interpretação


extensiva com a interpretação declarativa lata (casos em que o interprete se limita a
escolher um dos sentidos possíveis do texto), e falam em integração logo que se
transcendam os sentidos gramaticais.

A distinção entre estas duas figuras é relevante também pelo disposto no art. 11 do CC,
onde se exclui a aplicação analógica de normas excepcionais, mas se permite a
interpretação extensiva.

102 Vide também supra no esquema auxiliar de resolução de casos práticos.


103 Vide O A p. 437

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Exemplos de analogia legis

1. Se existe uma lacuna sobre o regime dos poderes das Forças Armadas em caso
de calamidade publica (inundação/ incêndio), pode-se recorrer à analogia legis
preenchendo a lacuna com base no regime de poderes extraordinários das Forças
Armadas em situação de perturbação da ordem pública, caso se demonstre
que a razão justificativa deste poder vale para aquela outra situação (caso de
necessidade de aplicação da disciplina militar na obtenção e uso de meios para
enfrentar a situação de crise vivida). E no entanto uma inundação é facticamente
bem diferente da ocorrência de distúrbios da ordem pública.

2. Se existe uma regulamentação completa sobre navegação e transportes


marítimos, e ausência quanto a navegação aérea — pode a 1ª ser aplicada à
segunda por analogia porque existe uma similitude entre si. Pode haver
diferenças entre o caso omisso e o previsto, mas reside em pontos irrelevantes
para a regulamentação jurídica (pontos irrelevantes para o facto desse transporte
assentar no ar ou água). Mas se os pontos forem relevantes, por exemplo
regulamentação da assistência marítima, aí a analogia já não é possível. 104

3. Recurso à lei que regula a difusão televisiva por sistema hertziano tradicional,
para reger matérias de televisão por cabo, relativamente às quais existe lacuna
legal.

4. A regra disciplinadora das sociedades por quotas, pode ser aplicável por
analogia as sociedade anónima, havendo a mesma ratio decidendi.

Limites à analogia legis:

A analogia legis não é possível em relação a regras bem determinadas:

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104 Vide CM p 238

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1. Regras excepcionais (art. 11 CC)
2. Regras penais positivas – que definem os crimes ou estabelecem penas e os seus
efeitos. A razão deste limite prende-se com a autonomia individual contra
abusos e o principio da legalidade ou tipicidade (art. 29 da CRP e art. 1 nº3 do
Código Penal)
3. Regras restritivas de direitos liberdades e garantias
4. Direito fiscal: principio da legalidade fiscal 103 nº2 CRP e 11 nº4 Lei Geral
Tributária: os impostos são criados e disciplinados nos seus elementos essenciais
pela lei, sendo proibida analogia (salvaguarda do principio da segurança
jurídica).
5. Tipologias legais: se a tipologia (tipos com características semelhantes) não diz
se é taxativa ou enunciativa (enuncia meras hipóteses) deve-se considerar
excepcional? O A entende que não basta a lei apresentar vários casos para se
concluir pelo carácter taxativo desses casos. S J considera que quando a lei fixa
uma enumeração completa ou um numerus clausus, reserva expressamente certo
regime a casos específicos Ex 1306 CC e 483 nº2 CC

1. Normas excepcionais

Como sabemos o art. 11 do CC admite a interpretação extensiva de normas


excepcionais, mas proíbe a sua analogia.
As normas excepcionais105 só valem para os casos previstos e não para outros, de outro
modo generalizar-se-ia o que é excepcional.

Discute-se na doutrina se a proibição da aplicação analógica de normas excepcionais é


total, ou se, se, dirige apenas às normas excepcionais, cujas normas gerais correlativas
contivessem princípios de ordem pública de molde a que a suposta norma excepcional
contrarie esses mesmos princípios.

Posição O A:

- O A106 entende que no art. 11 a regra excepcional não se basta com a mera contradição
de uma outra regra dependente apenas da técnica legislativa usada – excepção formal,
mas exige um suporte mais sólido, isto é, uma contradição com os princípios gerais

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105 Vide Castanheira Neves in Metodologia Juridica
106 Também NSG.

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informadores de qualquer sector do sistema jurídico que é dizer, a criação dum
verdadeiro ius singulare. Só neste último caso se poderá dizer que existe a criação de
verdadeiras normas excepcionais ou de uma excepção material ou substantiva.
Defende, por isso, que apenas não podem ser aplicadas por analogia as regras
excepcionais cujas correlativas regras gerais contenham princípios de ordem pública.
O A reconhece que é um processo falível e delicado dependente de considerações
valorativas, mas o método de determinação substancial é o que mais está conforme com
as fontes, dado que não depende apenas da técnica legislativa usada.107
O A corrobora esta posição, dando um exemplo para demonstrar que a técnica
legislativa não pode ser o critério decisivo para determinar a verdadeira
excepcionalidade da norma.

Exemplos de situações de mera excepcionalidade formal:

1. O possuidor faz seus os frutos, salvo se estiver de ma fé


2. O possuidor não faz seus os frutos, salvo se estiver de boa

fé O conteúdo da regra de conduta é exactamente o mesmo

Significado:
1. Se boa fé, faz seus os frutos, se ma fé não os faz
2. Se boa fé faz seus os frutos, se ma fé

não Regra e excepção nos 2 casos:

1. Regra: boa fé faz seus os frutos/ excepção: não faz


2. Regra: ma fé não faz seus os frutos / excepção boa fé faz

Como se vê temos 2 regras com o mesmo significado, mas cuja identificação da regra e
da excepção em cada uma delas varia devido à diferente técnica legislativa usada.

O A diz que a consideração de uma regra excepcional depende da técnica legislativa


usada, mas tal regra precisa de um suporte mais sólido, não basta a mera contradição
com
107 Isto é não basta para qualificarmos uma regra como excepcional, que ela contrarie uma outra regra de

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âmbito mais vasto, pois se o legislador apresentasse uma primeira categoria como regra, ficariam
automaticamente as restantes qualificadas como excepções, mesmo nos casos em que o seu conteúdo não
fosse realmente contraditório.

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outra regra, isto é uma excepcionalidade formal,108 deve haver antes uma contradição
com os princípios gerais109 informadores de qualquer sector do sistema jurídico, que é
dizer uma excepcionalidade material ou substancial. Só esta última serve para a
exclusão da analogia.

Para se excluir a analogia nos termos do art. 11 do CC deve-se criar um verdadeiro ius
singulare que se verifica quando a disciplina do caso constitui uma interrupção da
consequência lógica e político-legislativa dos princípios isto é, quando se apresenta
como um desvio às regras gerais em termos de se por em colisão com elas e as afastar.

Exemplo de uma situação de excepcionalidade material é o art. 875 do CC (que prevê a


escritura pública para a compra e venda de bens imóveis), pois contraria o art. 219 do
CC que fixa um princípio de liberdade de forma dos negócios jurídicos.

Temos neste caso uma regra excepcional (art. 875) porque se dirige a uma situação
particular, os contratos de compra e venda de bens imóveis, que vem contrariar uma
outra regra (agora geral porque se dirige a todos os negócios jurídicos – art. 219) que
tem incito um principio, o principio da liberdade de forma ou da consensualidade.

PL/AV:
O projecto do CC chegou a admitir, como regra a aplicação analógica das normas
excepcionais, só a não permitindo nos casos em que as normas gerais correlativas
exprimissem princípios essenciais de ordem pública. Tal suscitou dúvidas sobre o seu
resultado prático de aplicação, pelo que foi rejeitado.

-Daniel Morais:110 afirma que Pamplona Corte Real rejeita a distinção entre normas formalmente
excepcionais e substancialmente excepcionais, entende que para existir uma norma excepcional,
definida

108 Esta serve à interpretação enunciativa, mas as normas excepcionais formais carecem de razão prática e
utilitária que justifica a excepção.

109Exemplos de princípios de Direito Civil: O Princípio da Autonomia privada, O Princípio da


Responsabilidade, O Princípio da Confiança, O Princípio da Boa Fé, Principio do Reconhecimento do
Direitos de personalidade; princípio da liberdade de forma

Exemplos de princípios de Direito Publico (266 CRP): Boa fé; legalidade, justiça; imparcialidade;
proporcionalidade; igualdade (13 CRP); prossecução do interesse público; colaboração da administração
com os particulares; da universalidade (12 CRP)

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110 Casos práticos resolvidos nº 39.

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como uma norma que particulariza e contraria substancialmente uma norma geral, tem de haver uma
razão forte, que é precisamente o princípio no qual esta se apoia. Pamplona Corte Real
defende todavia que todas as normas excepcionais são sustentadas por princípios gerais111, tal como
a norma geral, por isso o que as separa é o seu campo de aplicação mais restrito.
Do exposto resulta que para Pamplona Corte Real a tónica da distinção entre normas
excepcionais e gerais assenta no seu campo de aplicação mais restrito e não no facto de
as normas excepcionais contrariarem certa categoria de princípios.
Segundo Daniel Morais parte da doutrina defende que posição O A gera dificuldades.

Se não for possível a analogia legis, o passo seguinte é a analogia juris

Analogia júris:

Verifica-se quando não existe uma regra análoga, e se apela aos princípios jurídicos
para resolver a situação. Isto é, olha-se para o ordenamento jurídico na sua globalidade e
retira- se uma disciplina jurídica para o caso.

Se o facto X e o facto Y têm uma similitude material e jurídica, existe analogia juris, se
o facto Y vier a ser regulado pelo princípio jurídico que regula o facto X.

Ex: se o facto Y vier a ser resolvido por apelo ao princípio da igualdade/boa fé/
proporcionalidade/ protecção confiança/ liberdade religiosa temos analogia juris

EX: O A

Se existe uma norma ― as obrigações contratuais devem se exercer de boa fé”

Caso: obrigações não contratuais também boa fé? – analogia legis: sim dada a
proximidade das situações

111 Daniel Morais considera que isto também não é correcto.

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Caso: direitos não obrigacionais (direitos subjectivos), por exemplo os direitos de
personalidade também deverão ser exercidos de boa fé? Tentar procurar um principio
geral que justifique que os direitos subjectivos devem ser exercidos com boa fé - ir ao
principio geral da boa fé – extensão justificada por analogia iuris.

Admissibilidade da analogia juris:

O art. 10 nº1 e 2 do CC, fala simplesmente em analogia, não distinguindo entre analogia
legis e juris. Por isso, pode-se conceber também a existência da analogia juris. Esta é a
posição de MRS/BM/NSG/ O A.

Todavia, S J contesta a legitimidade da analogia iuris, diz que o art. 10 só prevê a


analogia legis porque o nº1 refere-se à ―norma aplicável ao caso análogo‖ e o nº2 ao ―caso
previsto na lei‖ e não segundo os princípios gerais. NSG afirma que esta posição não tem
razão de ser porque como entende O A a diferença entre analogia iuris e legis é de grau,
à medida que a regra se vai esbatendo, o princípio torna-se mais nítido.

O A e G T fazem ainda uma distinção entre analogia juris e aplicação dos princípios
gerais de direito para colmatar lacunas. Note-se todavia que esta solução dos princípios
gerais de Direito está consagrada no Brasil em vez da norma que o intérprete criaria.

Norma que o interprete criaria112

O que fazer quando não existe caso análogo? Isto é, não existe similitude de situações
reguladas nem qualquer preceito ou princípio assente na mesma razão de decidir: não
existem princípios materiais ou normas que determinem directamente condutas.

O art. 10 nº3 do CC refere: situação resolvida pela norma que o intérprete criaria se
tivesse que julgar dentro do espírito do sistema.

112 Importante separar da equidade

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Quem está a integrar coloca-se na posição do legislador (AR/G), olha para as regras e
princípios de Direito, toma-os em consideração e cria a norma mais consentâneas com a
ponderação dessas regras/ princípios e interesses envolvidos na situação de facto
carecida de disciplina jurídica.

Neste processo deve-se considerar o espírito geral do sistema e o Direito natural. O


integrador de lacunas atende à substancia do tecido normativo e formula a regra numa
posição estritamente objectiva, isto é, deve criar a norma que melhor quadre dentro do
espírito do sistema de acordo com critérios objectivos.

Por isso, este mecanismo do art. 10 nº3 do CC não pode significar:

1. Remissão para o arbítrio do intérprete


2. Apelo ao sentimento jurídico
3. Recurso equidade:
-Equidade tem subjacente uma intenção individualizadora – atende à
circunstância do caso concreto, pois visa resolvê-lo de acordo com a sua justiça
propria.
-o art.10 nº3 tem subjacente uma intenção generalizadora, o que decorre da
expressão ― pela norma‖ - visa resolver com a valoração que merece não o caso
concreto, mas a categoria de casos em que ele se enquadra.

Interprete:

É o intérprete que é o agente da integração, mas o critério dessa integração é objectivo,


o que decorre da expressão ― espírito do sistema‖. Este facto amarra o intérprete aos
valores próprios do ordenamento, devendo agir em conformidade com os juízos de valor
legais e naturais.

Considerações finais:

Verifica-se assim uma orientação generalizadora e objectivista que preside à norma que
o intérprete criaria – art. 10 nº3 CC.

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A norma que o intérprete criaria aplica-se ao caso concreto, e uma vez resolvido, a
lacuna mantém-se.

Novas perspectivas metodológicas de concretização ou


desenvolvimento do direito:

Como já foi referido, os autores incluem aqui outras modalidades de determinação de


regras que não cabem no conceito de interpretação porque ultrapassam a letra da lei.
Santos Justo inclui aqui a interpretação correctiva, a extensão teleológica e a redução
teleológica. Há ainda quem trate aqui também a respeito da integração de lacunas a
figura da ― norma que o intérprete criaria‖113

Redução teleológica e Extensão teleológica

Autores: O A p. 402/ S J p. 363/ Karl Larenz p.555 – 569

Redução teleológica

Doutrina concebida pelos alemães.114

113 Vide aulas teóricas Prof. Nogueira de Brito. Também Larenz e Engisch.
114 Vide O A p. 402

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Verifica-se quando interpretada uma lei e dela se retira uma regra, se entende que esta
tem um sentido muito amplo, pelo que o interprete atendendo à finalidade da lei, vai
restringir o seu alcance.

Esquema:

LX---- Interpretação (elementos histórico/sistemático/teleológico+ literal) --- retira-se a


regra X---interprete conclui atendendo à finalidade da lei que esta regra X é
demasiado ampla logo = vai restringir a regra X

Há uma nova relevância do elemento teleológico: com a redução teleológica, o


elemento teleológico, que já é um dos elementos essenciais à interpretação, vai ter nova
relevância em momento posterior, permitindo-se já a restrição da própria norma e não
da formulação ampla da letra da lei literal.

É diferente da interpretação restritiva, porque esta tem a sua fronteira no significado


literal possível. Aqui vai-se mais além. Trata-se de casos que se subsumem à previsão
legal, mas que contrariam o seu fim porque simplesmente não foram pensados pelo
legislador quando fez a lei.

Ex da jurisprudência alemã:115

O art.181 BGB estabelece a nulidade do negócio jurídico realizado consigo mesmo

O fim do art. 181 do BGB é proteger o representado, impedindo que o representante, em


virtude de uma colisão de interesses entre ele e o representado, realize um negócio
consigo mesmo com eficácia para o representado, que o beneficie (ao representante) e
prejudique o outro (o representado).

Art. 181 do BGB: visa proteger os interesses do representado

Se o representante legal fizer uma doação a um incapaz e ao mesmo tempo a aceitar


(em nome do representado), será que se deve aplicar o art. 181 do BGB?

115 Fala-se de redução teleológica e lacuna oculta

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 12


A letra da lei parece abranger este caso, pois a doação é um negócio jurídico gratuito
que carece de aceitação do beneficiário (neste caso seria do menor). Todavia, verifica-se
que a invalidade de tal negócio jurídico contradiz o fim do art. 181 do BGB, dado que,
sendo a doação um negócio jurídico gratuito que visa trazer uma vantagem jurídica ao
representado, se for declarado nulo o negócio, prejudicar-se-iam os interesses do
representado que é precisamente o que tal norma pretende evitar.

O Supremo Tribunal Federal entendeu, por isso, que a regra contida no art. 181 foi
concebida de modo muito amplo, pelo que, neste caso não previsto pelo legislador,
deve-se fazer uma restrição que ultrapassa o seu sentido literal (interpretação contra o
seu sentido literal, mas de acordo com a sua teleologia).

Concluindo assim, que não se deve aplicar o art. 181 do BGB porque contraria o fim
que a própria norma tem em vista.

Critica de O A que vê com dificuldade e nega a autonomização desta figura:

1. Ou cai na Interpretação abrogante pela via da contradição valorativa


2. Ou cai na Interpretação correctiva pela via da inadequação

Extensão teleológica

Autores: S J p. 362) / Karl Larenz

O A inclui esta figura na interpretação extensiva.

A extensão teleológica verifica-se quando o teor literal da lei é demasiado estrito, por
isso, com fundamento na imanente teologia, alarga-se o seu campo de aplicação a casos
literalmente não abrangidos. Trata-se de uma continuação da interpretação que
ultrapassa o limite literal possível.

Ex: o art. 844 2º paragrafo do BGB fixa ao responsável por acidente que causou a morte
do marido de alguém uma indemnização por danos através do pagamento de uma pensão
pecuniária para o sustento durante o tempo presumível da vida do de cujus.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 12


A finalidade deste artigo é fazer com que a pessoa que causou a morte do marido, se
substitua, de certa forma, a este último no cumprimento do seu dever de alimentos para
com a esposa. Por isso esta pensão pecuniária por danos para o sustento deve ocorrer
por tanto tempo quanto a suposta pessoa falecida viveria.

Uma viúva cujo marido falecera num acidente pediu uma pensão que ultrapassa aquele
momento, invocando que depois da morte natural do marido teria direito a uma pensão
da Segurança Social que perdeu por o marido não ter podido continuar a pagar as
necessárias quotas. E qual o fundamento para este facto?

A viúva invocou que se o marido estivesse vivo, ter-lhe-ia continuado a pagar as cotas
para a Segurança Social, o que lhe iria dar direito a uma pensão de velhice que duraria
até ao final da sua vida (da viúva). O não surgimento deste direito na sua esfera jurídica,
é consequência da morte do marido, por isso o responsável deve pagar uma pensão que
ultrapasse a presumível vida do marido, estendendo-se até ao final da vida da viúva.

O Supremo Tribunal Federal alemão deu-lhe razão e alargou o dever de indemnizar até
à morte da titular do direito de alimentos (da viúva).

Existe extensão teleológica, porque a lei foi pensada para uma indemnização que
substitua o dever de alimentos, e não para outros danos negativos que possam decorrer
da morte do marido. Todavia, dado que a finalidade da lei é compensar a viúva pelos
prejuízos que para ela decorrem da morte do de cujus (falecido), fazendo com que o
responsável se substitua a este em termos pecuniários, faz todo o sentido que
ultrapassando a letra da lei, se fixe uma indemnização para além da presumível vida
do de cujus.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

Abreviaturas dos nomes de Autores:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); CN (Castanheira

Neves) Bibliografias: MRS, O A, Castanheira Neves, Karl Larenz, Karl Engisch, Fernando José

Bronze

Interpretação

Esquema auxiliar para resolução de casos práticos/ exemplos práticos


sobre interpretação/ questões controversas

Esquema auxiliar para resolução de casos práticos

Interpretação – inter. enunciativa / redução/ extensão teleológica – analogia

Letra (exegese) fora da letra (criação)

1. Interpretação normal resolve? (declarativa/ restritiva/ extensiva)


2. Argumento lógico ajuda? (salvo argumento a contrario, que merece especial
atenção)
3. Reduzindo a letra da lei, resolve-se o problema? (nos casos de redução teleológica
parece que há uma lacuna, que decorre do facto de a restrição não ter sido feita
expressamente, pelo que a redução faz cessar a lacuna).
4. Há normas excepcionais cuja aplicação se suscita? Caso de integração de lacunas

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


Exemplos práticos acerca das diferentes modalidades de interpretação

Interpretação declarativa (optar pelo sentido mais restrito ou mais amplo)

Homem (individuo sexo masculino/ ser humano) ex. 362 CC

Filhos (descendentes do sexo masculino/ descendentes em geral do sexo masculino e


feminino) ex. 1826 CC

Alienar (dispor duma coisa parcialmente / dispor duma coisa totalmente)

Comida (alimentos sólidos / alimentos líquidos + sólidos)

Objectos contundentes (armas / qualquer objecto que cause contusão)

Interpretação extensiva

Avós - estende a bisavós 877 CC

Mães solteiras - estende a divorciadas

Interpretação restritiva

Casamento é indissolúvel - limita-se a indissolúvel por divórcio

Benfica campeão nacional - limita-se a campeão nacional de futebol

Estado mental – limita-se a estado mental negativo/depressivo art. 282 nº1 CC

Aos Bombeiros – limita-se a Bombeiros da cidade de Faro

Lei art. 5 nº1 do CC – limita-se às leis que estejam sujeitas a publicação (há normas das
autarquias não sujeitas a publicação)

Redução teleológica

Art. 181 do BGB : proibição de negócios consigo próprios - caso doação do


representante a favor do representado

Lei impõe senhorio deve fazer obras de conservação – esta obrigação também se aplica
no caso de regime das rendas condicionadas?

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


Lei: proibição entrada em estádios com objectos contundentes – também abrange
elementos da PSP?

Lei que reconhece aos assistentes de certa escola o direito a serem contratados como
professores auxiliares logo que obtenham o doutoramento, deve ser restringida aos
assistentes de certa escola que nela se tenham efectivamente habilitado com o referido grau de doutor,
e não àqueles que embora docentes da aludida instituição, se tenham doutorado em
instituição diferente. Só assim não se subverterá a salvaguarda da autonomia
identificadora de cada escola.

Extensão teleológica

O art. 844 2º paragrafo do BGB fixa ao responsável por acidente que causou a morte do
marido de alguém uma indemnização por danos através do pagamento de uma pensão pecuniária para
o sustento durante o tempo presumível da vida do de cujus. Também abrange uma pensão de
velhice que existiria se o marido tivesse pago as cotas?

A norma que prevê que não é permitido a docentes acumular funções no ensino
particular se estes beneficiarem de dispensa de actividade docente durante um ano
escolar a fim de realizarem trabalhos de investigação deve circunscrever-se à regência
de disciplinas integrantes do currículo de um curso no ensino particular, ou deverá
também abranger actividades de direcção/ gestão que desempenhem nas escolas
particulares? A letra parece abranger só a primeira situação, mas a teleologia da lei
parece incluir todas as actividades do tipo mencionadas susceptíveis de dispersarem ou
absorverem (com frequência muito mais que a simples regência de cadeiras) em termos
intoleráveis ao docente.

Larenz dá um bom exemplo com a expressão filhos:116

Interpretação declarativa: filhos de acordo com o significado linguístico geral são os


filhos carnais e descendentes de 1º grau

Interpretação extensiva: se a noção filhos abranger filhos adoptivos e enteados

Analogia: se a norma referente a filhos se aplicar a netos, porque se transcende o sentido


literal possível

116 CFR p. 500


Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13
Restrição teleológica: caso em que a norma não se aplica a filhos (carnais/ de 1º grau)
porque são casados

Interpretação enunciativa

Argumento a minori ad maius‖, a lei que proíbe o menos também proíbe o mais

Ex: perante uma lei que proíba aos menores de 21 anos a administração de bens
imóveis, é possível inferir que a venda dos mesmos lhes esta vedada
O A: se uma lei proíbe a actividade cambiaria a estrangeiros, podemos inferir
que o comercio bancário também lhes esta vedado (esta proibição esta logicamente
contida na primeira)

Argumento ― a maiori ad minus‖, a lei que permite o mais também permite o menos

Ex: perante a lei Y que permite a venda de certo bem é possível inferir a
possibilidade de empréstimo desse mesmo bem

O A quem está autorizado a entrar em competições desportivas pode também


treinar; quem pode caçar, pode também apoderar-se das peças abatidas

Argumento ―a contrario‖, da disciplina excepcional estabelecida para certo caso, deduz-


se um principio regra oposto para os casos não abrangidos pela norma excepcional:

- Regime excepcional-- -leva aos regime regra -

Ex: se uma lei obriga os proprietários de automóveis com registo anterior a 1970
a procederem a uma inspecção semestral dos mesmos, é possível inferir que os
proprietários de automóveis com registo posterior àquela data não estão sujeitos
a tal obrigação.

O A: 1571 e 1569nº1 b CC

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


Argumento ― Sendo legítimos os fins, também o são os meios‖ a lei que permite ou
proíbe o fim, permite ou proíbe o meio

Ex: se certa lei permite a caça em coutadas demarcadas a certas categorias de


cidadãos, é possível inferir a legalidade da venda de espingardas caçadeiras a
essas categorias de potenciais caçadores

Dúvidas suscitadas na doutrina:

Separação entre Analogia e interpretação extensiva 117

Engisch: não é fácil descobrir a correcta linha de fronteira entre a interpretação e a


analogia.

A dúvida passa por saber se a letra da lei comporta a interpretação, ou não.

Exemplos práticos doutrina e jurisprudência alemã:

- Jurisprudência do Tribunal Federal: considerou que o ácido clorídrico era uma arma
para efeitos de aplicação do art. 223 do Código Penal (arma por interpretação extensiva
também inclui meios que actuam quimicamente) - Engisch: questiona esta posição/
Larenz concorda.

- Discute-se também na jurisprudência e doutrina alemã punir como violação de


domicílio as chamadas nocturnas feitas com intuito malicioso dado o art. 123 do Código
Penal que exige ― introdução na habitação‖. Engisch diz que aqui não há interpretação
extensiva

- O art. 463 nº 2 do BGB dispõe que: o comprador pode exigir indemnização por danos relativos
a incumprimento se o vendedor oculta dolosamente o defeito da coisa. E se o vendedor
simulou dolosamente a comprador uma qualidade inexistente da coisa?

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


117 Vide também supra no capitulo da Analogia.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


A lei não menciona esta situação, mas em ambos casos o vendedor aproveita-se
dolosamente de um erro do comprador perfeitamente conhecido sobre a qualidade duma
coisa. Por isso ambos casos devem ser regulados do mesmo modo. A maioria da
doutrina entende existir uma lacuna que deve ser integrada pela via analógica – analogia
legis –

Analogia e argumento a contrario

Elucidação do problema:

Temos uma norma X que se dirige a uma situação particular X e uma situação da vida Y
que não cabe na letra de tal norma. Procura-se determinar a norma para resolver a
situação Y.

1. Se optarmos pelo argumento de analogia: vai-se discutir se a norma X é


substancialmente excepcional ou formalmente substancial:
a. Se é substancialmente excepcional – a norma X não se aplica ao facto Y
b. Se é formalmente excepcional – a norma X pode-se aplicar analogicamente
ao facto Y
2. Se optarmos pelo argumento a contrario: parte-se do princípio de que a norma X
não se aplica ao facto Y, todavia a norma X auxilia na determinação do regime a
aplicar ao facto Y, na medida em que este regime terá conteúdo oposto ao
previsto na norma X

Engisch: A escolha entre o argumento de analogia e o argumento a contrario, não se


pode fazer no plano da pura lógica, mas tem de combinar-se com a teleologia.

Preceitos excepcionais não são estendidos por analogia. E quando se discute a aplicação
analógica de normas excepcionais não há lugar a argumento a contrario, pois na falta
dos pressupostos particulares, a consequência jurídica especifica tem de ser denegada

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


Castanheira Neves (CN): a opção entre analogia e a argumento a contrário deve-se
resolver pela interpretação de acordo com valorações teleológicas. CN não há um
critério seguro entre os dois procedimentos – deve-se verificar se a razão própria da
norma excepcional também justifica a sua aplicação a outros casos. (Não excluí a
aplicação analógica de normas excepcionais, ressalvados os casos de radical
exclusividade.)

Larenz:118 a decisão da escolha entre argumento a contrario e argumento por analogia,


não depende de uma apreciação subjectiva, mas é orientada por valores, por um
pensamento teleológico

Conclusão:
Do pensamento destes autores decorre que a escolha entre o argumento de analogia e o
argumento a contrario passa pela análise da teleologia da lei. Ideia de que para se
perceber a intenção da lei: a lógica tem de combinar-se com a teleologia

Exemplos práticos: Argumento a contrario

1. MRS - Ex: se uma lei obriga os proprietários de automóveis com registo anterior
a 1970 a procederem a uma inspecção semestral dos mesmos, é possível inferir
que os proprietários de automóveis com registo posterior àquela data não estão
sujeitos a tal obrigação.

2. O A - ex: 1571 e 1569nº 1 b CC quando se verificar a impossibilidade do


exercício do direito de servidão (exemplo uma servidão de passagem obstruída
devido a alteração do terreno), esta só se extingue decorridos 20 anos de acordo
com o art. 1569 n.º1 b) do CC. Sendo o art. 1571 um preceito excepcional dele
decorre a

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


118 Vide p.554

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 13


regra geral de que a impossibilidade de exercício de qualquer outro direito real
implica a sua extinção imediata. Por isso, se no caso do usufruto dum pomar a
fruição da coisa for impossível porque o terreno é arenoso, o usufruto extingue-
se.

3. Engisch – ex: certa lei dispõe que o proprietário dum quadrúpede responde pelos
prejuízos que tal animal tenha causado. Questão discutida saber qual o regime
em relação aos animais bípedes (ex avestruz). Dúvida: saber se, se usa um
argumento de analogia ou um argumento a contrario. Engisch opta por um
argumento a contrario. O argumento de analogia, partiria do pressuposto de que
há uma lacuna, mas que as mesmas razões justificativas da aplicação da norma
aos quadrúpedes, também valem para os bípedes. Já o argumento a contrario
partiria do pressuposto de que a norma sendo excepcional, aplica-se à particular
situação dos animais quadrúpedes, pelo que de tal norma se extrai o regime
geral no sentido de que face aos restantes animais não deve haver qualquer
responsabilidade do proprietário.

4. Caso prático: pessoa parte serviço de louça em virtude de enfarte. Questiona-se


a aplicação do art. 483 do CC. Temos uma situação em que não existe culpa do
autor do dano que, por esse motivo, caberia no art. 483 nº2. Este preceito remete
para os regimes do art. 500 e ss, que são normas excepcionais dirigidas a
situações particulares. Logo, sendo os casos de responsabilidade sem culpa a
excepção, a regra será a de que a responsabilidade ópera com culpa, por isso não
havendo culpa da pessoa que partiu o serviço, não existe dever de indemnizar.

Exemplos práticos: Aplicação analógica de normas excepcionais

1. Caso prático resolvido: suscita-se a aplicação do art. 875 CC (escritura publica

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


para compra e venda de bens imóveis) a um contrato de compra e venda de bens

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


móveis. Recusa da aplicação analógica deste artigo porque é uma norma
excepcional (substancial).

2. Caso teste passado: suscita-se a aplicação do regime de renda condicionada


previsto para o arrendamento de habitação, a um caso de arrendamento
comercial.

3. Casos exames passados:


a. Suscita-se a aplicação da norma que prevê linhas de créditos especiais para
minimizar danos ocorridos por efeito de condições atmosféricas em
actividades comerciais, industriais e de serviços, a uma empresa de plantação
de legumes (actividade agrícola).
b. Suscita-se a aplicação duma norma que atribui subsídios a empresários de
táxis por efeito de aumento de combustíveis, a uma empresa de transportes
de alunos.

SLL:

Diferença resolução de hipótese pela possibilidade de aplicação analógica de


normas excepcionais ou pela via da interpretação enunciativa através do uso de
argumento a contrario.

Aplicação analógica:

1. Suscita-se a aplicação duma concreta lei para resolver um caso

2. Não serve para determinar uma regra, porque a determinação da excepcionalidade


corre paralela à determinação do regime geral (norma excepcional não se aplica, logo
sobra o regime geral)

3. Para excluir a aplicação da norma tem de se verificar uma excepcionalidade substancial

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


Interpretação enunciativa argumento a contrario:

1. Pretende-se resolver um caso, mas não se sabe bem o regime

2. Visa excluir ab initio a aplicação duma norma excepcional, determinando a partir


dela o regime geral

3. Exclusão da aplicação da norma basta-se com a mera excepcionalidade formal. Com


o uso deste argumento devemos ter plena convicção de que o fim da lei singular não
comporta dada situação concreta, enquanto que na aplicação analógica a lei excepcional
pode ser aplicada à situação - AQUI A SITUAÇAO ESTÁ MAIS LONGE DA RATIO
DECIDENDI DA LEI que estamos a analisar -

Sandra Lopes Luís

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

CAPÍTULO IV: A Norma Jurídica

Abreviaturas:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima –

CC anotado); G T (Galvão Telles)

Aspectos a abordar:

5. Noção e estrutura da norma jurídica


6. Características da norma jurídica
7. Classificações de normas jurídicas

Noção e estrutura da norma jurídica

Noção

A norma jurídica é um elemento fundamental do direito na sua função de ordenar a


convivência humana. Todavia o seu sentido não é unívoco, fala-se de disposição,
preceito, lei, regra jurídica.

A regra normalmente é considerada como um critério de conduta: regra pela qual se


pautam as condutas humanas – diz respeito aos comportamentos que os indivíduos
devem adoptar ou não.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


Embora a generalidade das regras visem orientar condutas, existem regras em que essa
função está ausente. Por exemplo:

- Normas de segundo grau: de identificação jurídica (arts. 67,202, 203 CC); de


produção jurídica; normas sancionatórias

- Regras sobre regras: normas sobre fontes; vigência da lei; interpretação; revogatórias (que
se limitam a revogar outras)

- Normas que produzem efeitos jurídicos automáticos: ex 130 CC regula os efeitos jurídicos
da maioridade

- Normas totalmente retroactivas, ex: 308 e 309 CC

-Normas instrumentais: normas de organização que disciplinam a estrutura e funcionamento


dos órgãos e processos técnicos de aplicação de normas – Direito Processual.

Do exposto, resulta que nem todas as normas regulam os comportamentos humanos, por
isso, segundo O A para o Direito, a regra é necessariamente um critério de decisão de
casos concretos: a regra surge como medianeira da solução jurídica de casos concretos,
pois dá ao intérprete o critério pelo qual ele pode julgar ou resolver.

Toda a regra é necessariamente um critério que permite ao juiz resolver o caso concreto. Só graças a
esse critério, podemos ordenar e apreciar os fenómenos. O A

Todavia há que precisar que nem todo o critério jurídico de decisão de um caso é uma
regra jurídica. Os critérios de decisão podem ser:

1. Materiais: são os critérios normativos


2. Formais: equidade – aqui em vez de se trazer para os vários casos um paradigma
de solução, dá-se uma orientação que permite através de uma valoração alcançar
em concreto a solução do caso.

A regra jurídica é um critério material de decisão de casos concretos.

Estrutura da norma jurídica

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


A norma jurídica prevê uma situação de facto, a que faz corresponder certos efeitos
jurídicos.

― quem matar outrem será punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”

A norma é composta por dois elementos:

1. Previsão ou antecedente (factispecie ou tatbestand)


2. Estatuição ou consequente

Previsão

A previsão refere uma situação típica da vida/ uma certa situação de facto/ uma certa conduta.119

As noções que a lei vai buscar às situações típicas da vida sofrem uma deformação
teleológica ao serem incorporadas no sistema jurídico. Os factos são jurisdicionalizados,
transformando-se os seus conceitos naturalistas em conceitos jurídicos. Assim todos os
conceitos usados pela norma jurídica dão expressão a um específico sentido jurídico.

A previsão da regra é uma previsão normativa. Exemplos para elucidar esta

situação: O que significa a expressão quem matar outrem?

1. Se Eduardo der um tiro no coração de Ana e esta morrer, diz se que Ana matou
Eduardo?
2. Se Joana, medica, desligar o aparelho a que se encontra ligado um doente com
diagnóstico de morte cerebral?
3. Se Pedro, pai de uma criança de 4 anos, não reparando que ela brinca no mar, se
ausentar para beber café, e no regresso se deparar com um afogamento fatal que
matou o filho?

A determinação do sentido da expressão tem de ser determinada juridicamente, e não


facticamente.

Da mesma forma, quando a lei fala de filho, a expressão dirige-se apenas aqueles que
juridicamente possam ser considerados como tal, e não aos que o sejam de um ponto de
vista biológico. Assim a criança abandonada à nascença, cuja paternidade não pode ser

119Para NSG na previsão da norma cabem condutas ou situações figuradas no passado ou no futuro. Ao
contrário, O A entende que as situações passadas não cabem na previsão da norma jurídica. Tal posição é
consentânea com a noção que cada um dos autores tem da abstracção como característica da norma.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


judicialmente determinada, não é filho para o Direito, ainda que seja sempre filho de
alguém.

Estatuição

É a prescrição do efeito jurídico, no caso de a situação prevista (na previsão) se verificar.

Também a estatuição tem um carácter normativo, pois na sua essencialidade é jurídica e


não fáctica.

Relações entre a previsão e a estatuição

A estrutura da regra ou relação entre previsão e estatuição são problemas que supõem
uma aproximação normativa. Não estamos diante de um fenómeno causal do mundo
material.

Aspectos relevantes da relação:

1)

A regra não tem de coincidir necessariamente com certa disposição ou preceito do


diploma A, B ou C. Muitas vezes a regra jurídica obriga à conjugação de duas ou mais
disposições, por exemplo o artigo X da Lei A contém só a previsão, e o artigo Y da lei
C contem a estatuição.

As normas jurídicas implicam se e correlacionam-se, e não raro a sua determinação


exige o conhecimento de outras normas e até de outros institutos que as apliquem.

Por exemplo o art. 122 do CC dispõe que Quem não tiver completado 18 anos de idade é
menor. E o art. 123 do CC dispõe que os menores carecem de capacidade para o exercício
dos direitos.

A regra que se retira destes dois preceitos conjugados, vai no sentido de que quem não
tiver completado 18 anos, não tem capacidade para o exercício de direitos.

2)

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


Por outro lado, a formulação da previsão e estatuição pode estar invertida. A
estrutura previsão / estatuição é uma estrutura tipo ou tendencial, pode ocorrer que a
previsão não anteceda a estatuição.

- 1º previsão/ 2º Estatuição

Art. 483 nº 1 do CC

Previsão: Aquele que com dolo ou mera culpa violar o direito de outrem ou qualquer disposição
destinada a proteger interesses alheios,

Estatuição: fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.

- 1º Estatuição / 2º previsão

Art. 284 nº 1 da CRP

Estatuição: A AR pode rever a Constituição

Previsão: decorridos cinco anos sobre a data da publicação da ultima lei de revisão ordinária.

Características da Norma Jurídica

1.Generalidade

2. Abstracção

3. Bilateralidade

4. Hipoteticidade

5. Imperatividade

Generalidade

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


Aspectos a abordar: Definição/diferença individualidade e pluralidade/generalidade aparente/
generalidade e abstracção/ admissibilidade como característica da norma

Definição

Traduz-se no facto de a norma jurídica ter uma indeterminabilidade de destinatários,


isto é dirige-se não a uma pessoa concreta, mas a todas quantas se possam encontrar na
situação hipotética, à qual determinada estatuição corresponde. Dirige-se a uma
categoria de pessoas não individualmente determinadas. 120

Esta indeterminabilidade de destinatários é apurada no momento da feitura da lei.

Diferença individualidade

A generalidade contrapõe-se à individualidade, tipicamente: é geral o preceito


respeitante aos cidadãos, e é individual o preceito respeitante ao cidadão X

Todavia, nem em todos os casos em que haja apenas um sujeito na situação


normativamente prevista, o preceito é individual. Por exemplo:

As normas constitucionais que definem as competências e deveres do PR e PM são


gerais.
121
Isto porque?

Porque são normas que se dirigem a quem vier ocupar esses cargos e não às pessoas que
em determinado momento as exercem. O que interessa é que a lei fixe uma categoria de
pessoas, e não uma entidade individualizada. Assim, se o preceito se refere à categoria
PR ou PM, é geral, mas se, se refere a pessoa determinada que em certo momento
exerce um certo oficio, aí já teremos um preceito individual.

Diferença pluralidade

Em ambos casos existem vários sujeitos na situação normativamente prevista

120 Cfr
NSG
121 Norma que se dirige a uma categoria de pessoas que em cada momento se resolve numa única pessoa
concreta.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 14


Há pluralidade de destinatários quando a norma se dirige a varias pessoas
individualmente determinadas. Por exemplo:

Se um Director Geral ordena ao seu Secretário para avisar todos os directores de Serviços a
se deslocarem ao seu gabinete, em certo dia e hora, existe uma ordem plural e não geral,
porque se dirige a pessoas individualmente consideradas.

Por outro lado, se o Director Geral determinar para o futuro que todos os Directores de Serviços,
em certo dia e hora se devem reunir no seu gabinete, temos uma ordem geral, porque se
dirige não só aos actuais directores, mas também a todos aqueles que em cada momento
estiverem a desempenhar o cargo.

Dúvida suscitada por O A:

Se, se determinar que todos os Governadores são chamados à Capital, temos um


preceito geral ou individual?

A resposta deve passar por sabermos se, se tem em vista as pessoas individualmente
determinadas que num dado momento preenchem aquela categoria, ou se, se tem em
vista a categoria tomada em si, independentemente das pessoas que a preencham.

Generalidade aparente

Se a regra se dirigir a todos os concessionários das zonas de jogo da Estremadura, e se,


se concluir que apenas existe um único, neste caso, não existe generalidade, mas um
comando individual.

Generalidade e abstracção

A generalidade coloca-se no plano subjectivo dos destinatários, isto é dos titulares das
situações jurídicas por ela configuradas.

A abstracção situa-se no plano objectivo previsto na norma.

Admissibilidade como característica da norma

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 15


Sim: O A não obstante algumas dificuldades/ S J não se pronuncia, mas parece que
também/ BM também parece que sim.

Não: NSG – a generalidade é apenas característica das normas jurídicas que têm
destinatários, isto é, das normas de conduta, e não das restantes normas jurídicas.

MRS – a norma jurídica só seria geral se existisse sempre uma

indeterminabilidade dos seus destinatários, o que nem sempre acontece,

pois existem situações de:

1. Indeterminação que são determináveis122


2. Mera pluralidade dos destinatários
3. Unidade dos destinatários (quer seja pessoa individual ou colectiva)
4. Também só assim se compreende que existam matérias em que a
questão da generalidade é expressamente mencionada como requisito
necessário. Ex regras sobre direitos, liberdades e garantias, de acordo
com o art. 18 nº 3 da CRP.

Nota:

Para MRS, é preciso não confundir indeterminabilidade com indeterminação. Há


casos de regras com indeterminação de destinatários (regras indeterminadas) que são
determináveis (isto é em relação às quais não existe indeterminabilidade de sujeitos).
Decorre do pensamento de MRS que na indeterminabilidade (sujeitos indetermináveis)
nunca se conseguem individualizar os destinatários no momento da feitura da norma, já
na indeterminação (sujeitos indeterminados) embora aparentemente se dirija a uma
multiplicidade de sujeitos, a verdade é que eles efectivamente podem ser
individualizados.

MRS entende que para uma regra ser geral, tem de haver indeterminabilidade, por isso a
generalidade não é uma característica da regra. Valendo o mesmo raciocínio para a
abstracção, como veremos infra.

Ego/ SLL: característica tendencial da norma

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122 Cfr MRS p.192, vide também Daniel Magalhães, p.106.

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Abstracção

Aspectos a abordar: Definição/ Posição de O A quanto à definição/ Admissibilidade como característica


da norma

Definição

Traduz-se, na indeterminabilidade das situações de facto a que a lei é aplicada, isto é, a


norma jurídica aplica-se não a um caso específico, mas a um número indeterminado de
situações subsumíveis à categoria prevista

Abstracto opõe-se ao concreto:

O preceito abstracto disciplina um número indeterminado de casos, uma categoria mais


ou menos ampla de situações, e não casos ou situações determinadas, concreta ou
particularmente visadas. (BM)

Posição de O A quanto à definição

O A entende que a abstracção implica que a norma jurídica se aplique a factos futuros,
assim:

1. Se, se ordena que todos entreguem as armas que possuem nos postos de Policia, temos
generalidade, mas não abstracção porque a situação a que o preceito se aplica já está
concretizada.

2. Se, se mandar que as armas que forem adquiridas, sejam apresentadas nos mesmos postos,
já há abstracção, pois a disposição está aparelhada para execução futura.

No primeiro caso a previsão é: todos os que tiverem armas na sua posse. A estatuição é:
devem entregar na PSP

No segundo caso, a previsão é: as armas que forem adquiridas. A estatuição é: devem


entregar na PSP. Aqui a previsão da norma é incerta, refere-se por isso a um número
indeterminado de casos.

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Segundo O A a previsão da norma pode abranger factos e / ou situações que podem
estar já plenamente realizadas. Só são normativas (desde que tenham generalidade), as
disposições que produzam um efeito imediato (efeito de uma só vez).

Por exemplo, o preceito que retira nacionalidade imediata a certas pessoas ou que
ordena a mobilização de mancebos de certa idade, só naquela ocasião é normativo.

Já as regras retroactivas (a propósito da sucessão de leis), que se destinem somente a


uma situação passada, não têm abstracção pois não visam resolver casos futuros que
venham a definir-se.

Segundo O A para ser caracterizada pela abstracção, a norma tem de ser posta a
vigorar só de futuro. Por isso, partindo da constatação de que há normas que se
dirigem apenas a factos passados, O A conclui que a abstracção não é uma característica
da norma jurídica.

NSG não concorda com a afirmação de que a abstracção se refere apenas a factos ou
situações futuras não concretizadas. Considera que o abstracto se opõe ao concreto,
porque considera a realidade não em toda a sua identidade, mas com referência a
determinadas características normativamente seleccionadas, e por isso mesmo, se
diz que a sua previsão é um padrão/ modelo/ tipo, quer se dirija a factos passados, quer
se dirija a factos futuros.

B M dá também exemplos de normas abstractas que tratam situações já concretizadas:

- A lei que qualifique terrenos para construir

- A lei que ordene aos proprietários de terrenos confinantes com vias publicas, o
arranque de certas espécies arbóreas.

O que importa é que seja abrangida uma categoria de casos.

MRS123

Não se deve confundir indeterminabilidade como indeterminação.

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123 Cfr p. 192

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Existem regras que se dirigem a situações de facto que podem ser indeterminadas, mas que não
são indetermináveis. Caso das regras que se dirigem a situações de facto bem precisas (caso das leis
retroactivas).

Decorre do pensamento de MRS que na indeterminabilidade (situações indetermináveis)


nunca se consegue concretizar a situação no momento da feitura da norma, já na
indeterminação (situações indeterminadas) embora aparentemente se dirija a uma
multiplicidade de situações, a verdade é que elas efectivamente podem ser
concretizadas.

Admissibilidade como característica da norma

NSG: sim/ S J não se pronuncia, mas parece que

sim O A/ MRS: não

CM / BM generalidade e abstracção são uma mesma categoria. Parece que admitem.

Considerações finais sobre generalidade e abstracção

A reter:

Generalidade e abstracção analisadas só na previsão da norma

Generalidade e abstracção são apuradas no momento da feitura da lei

Comandos jurídicos124

Concretos e abstractos

Concretos: fixam condutas que devem ser adoptadas numa situação de facto
individualizada

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124 Vide GT

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Ex: juiz ordena que certa pessoa pague 100 euros a outra; norma que diga se se verificar
a morte de C (situação de facto), A deve pagar 100 euros a B

Abstractos: fixam a conduta a adoptar numa situação de facto abstracta/ definida de


forma típica.

Ex: contrato A deve a B dadas quantidades de certo tipo de mercadorias ― sempre que
este as requeira” ou deve colocar certas quantias em dinheiro à sua disposição até certo
limite, sempre que este as solicite - não há uma definição da situação no tempo/ não é
determinada dia, hora, local

Comandos individuais e gerais

Individuais: cujos destinatários, são pessoas individualmente consideradas. Ex José


deve pagar a António 100 euros

Gerais: destinatários são tipos ou categorias de pessoas. Ex o comprador tipo, deve


pagar o preço ajustado

Bilateralidade

O A e MRS entendem que não é característica da norma

Ideia de que o Direito supõe sempre duas pessoas – Bilateralidade – o direito como visa
regular as relações sociais segundo a Justiça, impõe deveres e reconhece direitos
correlativos: isto é, existe alguém que se encontra juridicamente obrigado face ao
direito, e também existe outra pessoa que lhe pode exigir o cumprimento desses
deveres.

Segundo O A e MRS, isto não é defensável. Porque:

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MRS - Direito penal: ao dever de não matar não corresponde um direito de não ser
morto. A norma penal impõe deveres para a defesa de valores que transcendem a
simples relação jurídica. Não pressupõe uma relação com certos sujeitos.

O A: -Em certos crimes não há sequer uma vítima determinada: ex crime de profanação
de cadáver

- Também o direito de propriedade tem apenas em vista uma pessoa e uma coisa:
aqui não há sujeitos passivos do direito de propriedade. Existe apenas um dever
genérico de respeito, mas este não se integra numa relação jurídica

No fundo quando se fala em bilateralidade como característica da norma, pretende-se


apenas exprimir a sua socialidade ou alteridade: a norma impõe-se ao respeito de todas
as outras pessoas. A valoração normativa da situação de uma pessoa tem de ser uma
valoração social relevante.

Hipoteticidade

MRS / O A / S J é uma característica da regra

A norma jurídica é hipotética porque, exprimindo sempre a ordem social, os efeitos


jurídicos só se produzem se, se verificarem as situações ou factos previstos na previsão.
Assim publicada uma lei sobre lenocínio (provocação ou favorecimento de da corrupção
social de outrem) só se aplica se o lenocínio for efectivamente praticado.

Ego/ SLL: a aplicação da regra depende da hipótese da ocorrência de uma


actuação humana — isto é do facto.

Imperatividade125

MRS/ O A/ S J - não é característica de toda a norma

125 Ligar com a matéria das características do direito.

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Imperatividade é entendida como uma característica da ordem jurídica, mas nem todas
as regras são imperativos.

Efectivamente, poderiam ser imperativas só as regras de conduta, mas como vimos a


definição de regra ultrapassa-as. Temos uma multiplicidade de regras: regra como
critério de decisão; regras definitórias e classificatórias; regras que produzem efeito
automático; regras sobre regras; regras retroactivas.

Pergunta: A regra jurídica exprime sempre um comando, uma ordem dirigida ao seu destinatário?

Reposta: Não.

Classificações de normas jurídicas126

Dividem-se de acordo com vários critérios:

1. Vontade dos destinatários:


a. Injuntivas (ou imperativas)
i) Preceptivas
ii) proibitivas
b. Dispositivas
i) Permissivas127
ii) Supletivas

2. Plenitude do sentido:128

a. Autónomas
b. Não autónomas/remissivas:
i) Remissão explícita (interpretativas; normas de reenvio ou devolução)
ii) Remissão implícita (ficções legais; presunções legais)

126 Bibliografia: MRS/ O A/ S J / G T/ NSG

127 Cfr. MRS, O A


128 Estrutura vide GT

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3. Âmbito pessoal de validade das normas:

a. Gerais
b. Especiais
c. Excepcionais
4. Âmbito espacial de validade:

a. Universais
b. Regionais
c. Locais
5. Quanto à sanção:

a. Leges plus quam perfectae


b. Leges perfectae
c. Leges minus quam perfectae
d. Leges imperfectae
6. Função das normas jurídicas

a. Normas primárias
b. Normas secundárias

Vontade dos destinatários:

Inicialmente importa separar as normas injuntivas das dispositivas:

Injuntivas: são aquelas que se aplicam independentemente da vontade das pessoas


destinatárias (norma impõe-se sem ou contra essa vontade).

Não estão na disponibilidade dos destinatários. Trata-se de comandos que prosseguem


interesses gerais ou individuais muito fortes, pelo que têm de ser acatadas a todo o custo.

Ex. Normas que regulam o trânsito/ previdência social/ estado de sítio

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Dispositivas (facultativas): são aquelas que se aplicam atendendo à vontade dos seus
destinatários (se as partes suscitam ou não afastam a sua aplicação)

Verifica-se uma disponibilidade de aplicação de tais normas pelos seus destinatários.


(Apelam à livre vontade dos destinatários.)

Um dos seus pressupostos é a vontade das partes quanto à sua aplicação (vontade tem
uma função cooperadora).

Ex. art 1445/ 2131

Normas Injuntivas:

Preceptivas: impõem um comportamento, uma conduta ou a pratica de um

acto Formas positivas de conduta: FACERE

Ex. Norma que diz que o contrato deve ser pontualmente cumprido (art. 406 do
CC)/ norma que manda circular pela direita/ norma que manda pagar impostos/ norma
que ordena que o pai dê alimento aos filhos.

Proibitivas: normas que proíbem ou impedem uma conduta ou impõem uma omissão.

Formas negativas de conduta, manda não fazer: NON FACERE

Ex. Maioria normas penais (os outros não devem ofender a vida, honra, liberdade e
património); norma que proíbe o casamento a menores ou a quem já é casado

Dispositivas:

Permissivas: permitam ou autorizam certos comportamentos/ condutas

Ex:

Regra que permite o casamento (não se aplica a norma que fixa os efeitos do casamento
independentemente de uma manifestação de vontade nesse sentido)

Regra que autoriza a feitura de testamento (art. 2281 do CC)

Regra que permite ao cônjuge requerer divorcio se o outro violar os deveres conjugais.

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Supletivas: visam suprir as deficiências ou ausências de manifestação de vontade das
partes em determinado acto jurídico.

O A - Porque as partes não estão em condições de antecipar uma disciplina completa


dos seus negócios, as regras supletivas podem:

1. Suprir a deficiência da declaração da vontade das partes: ex num contrato de


compra e venda as partes limitam-se a indicar o que é especifico daquela compra
e venda ( preço, coisa vendida, condições de entrega e pagamento), sendo tudo o
resto deixado para as regras normais de compra e venda previstas no CC que se
aplicam automaticamente no seu silencio ( ex: se a coisa tiver defeito, aplicam se
as disposições supletivas da lei)
2. Falta total da declaração: ex. art. 1717 do CC, o regime supletivo de bens de
casamento, aplica se quando os nubentes não celebram convenção antenupcial.

Plenitude do sentido:

Autónomas: são normas que têm por si só um sentido completo, isto é, apresentam um
conteúdo independentemente de outras normas jurídicas.

Ex:

Art 130 do CC que fixa os efeitos jurídicos da maioridade


Art. 1367 do CC que permite ao proprietário fazer a apanha dos frutos no prédio vizinho
Art. 1690 do CC que reconhece a legitimidade a qualquer dos cônjuges para contrair
dividas

Não autónomas ou remissivas: são as normas (proposições jurídicas com as


características gerais de todas as normas) que não têm um sentido completo, só o
obtendo em combinação com outras regras.

Remetem para outras regras, podendo essa remissão ser explícita ou implícita

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Remissões explícitas

Normas interpretativas:129 visam fixar o sentido das palavras legais ou esclarecer as


dúvidas que o seu conteúdo suscita, porque nem sempre o legislador se exprime da
melhor forma (uso de expressões ambíguas).

Através delas ordena-se que as expressões se entendam e apliquem com o sentido fixado

A norma interpretativa não é autónoma porque não vive por si, sozinha não faz sentido
– antes tem de se ligar ao preceito interpretado e com ele ficar a fazer um todo

A interpretação legislativa autêntica, pode ser:

1. Sucessiva: quando uma lei nova vem interpretar uma lei anterior
2. Simultânea: quando dentro de um corpo legislativo, um preceito interpreta
expressões usadas noutro ou outros sentidos – norma interpretativa originaria

Normas de devolução

Não regulam directamente certa matéria, mas antes remetem para outra regra que
contém o regime aplicável. 130 Podemos separar as normas de devolução, em:

Intra sistemáticas:131 quando a devolução ocorre entre regras do mesmo sistema


jurídico, por exemplo o art. 156 do CC – manda aplicar à inabilitação as regras sobre a
interdição - em vez de se repetir toda a regulamentação anteriormente formulada para a
interdição diz se simplesmente que essa regulamentação se aplica à inabilitação.

Mais ex: 1151 e 1134; 1186 e 1158; 1773 nº 3, 1779 e 1781 do CC; art. 1 do Código
Comercial

Extra sistemáticas: quando a devolução ocorre entre regras de sistemas jurídicos


diferentes (estranhos ou estrangeiros).

129 Vide supra interpretação autêntica


130 Vide OA
131 Vide SJ e NSG

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Ex: as normas de Direito Internacional Privado que remetem para outra ordem jurídica
(arts. 14 a 65 do CC); normas que remetem indirectamente para o direito canónico sobre
o conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico art. 1625 do
CC

Remissões implícitas

A norma jurídica não remete expressamente para outra norma, mas estabelece que o
facto ou a situação a regular é igual ou considerado igual ao disciplinado por outra
norma, remetendo, por isso, implicitamente para o regime desta. É o regime jurídico
que tal norma estabelece que se vem a aplicar.

Ficções legais: Consideraram duas realidades diferentes como idênticas

- Noção: verifica-se quando o legislador entende que determinado facto ou situação se


considera como se fosse igual ao facto ou situação previsto noutra lei

Lei considera que o facto X (a disciplinar) é igual ao facto Y (já disciplinado) -


permitindo- se que a norma que regula o facto Y também se aplique ao facto X.

Exemplos:

- O art. 109 do Código de Procedimento Administrativo consagra que o silencio da


administração quando solicitada à pratica de um acto, durante um certo período de
tempo, equivale à pratica de um acto administrativo de indeferimento (silencio +
decurso prazo decisão = pratica de acto administrativo de indeferimento). A ratio desta
equiparação consiste em permitir que as pessoas prejudicadas com tal silêncio possam
recorrer para os tribunais da ausência de decisão da Administração, numa altura em que
o contencioso administrativo português, previa o recurso contencioso de anulação de
actos administrativos, como o principal meio contencioso de defesa dos particulares
face à Administração. Embora se saiba que o silencio é diferente de um acto expresso de
indeferimento, a lei considerava-os iguais para que se permita a aplicação do regime dos
acto expressos, nomeadamente para efeitos de impugnação.

- Outro ex: art. 275 nº 2 do CC – norma que finge verificada a condição contra as regras
da boa fé.

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- As ficções separam-se das normas de devolução:

Nas normas de devolução existe uma identificação da estatuição das normas – a A


aplica-se o mesmo regime de B.

Nas ficções existe uma identificação da previsão – diz se que A é = a B 8 que


facticamente são muito diferentes) para necessariamente se aplicar a estatuição prevista
para B.

- As ficções são regras autónomas porque não regulam directamente, mas antes têm de
ser combinadas com outras regras para obter o regime aplicável

- Objectivo das ficções: aplicar a um facto diferente as consequências jurídicas de


outro facto.

Presunções legais

Noção: verificam-se quando o legislador, para afastar as dificuldades que podem


resultar da prova de um facto ou situação a regular, considera que provada a existência
de um facto, também se considera provada a existência de outro.

Relação de 2 factos, o que se prova e o que não se prova. Verificado e provado o facto
X, tem-se por verificado o facto Y, logo a norma que estabelece a presunção, remete
implicitamente para a norma que disciplina o facto Y

Exemplo

Art. 1826 e 1874 – norma que estabelece a presunção de paternidade: provado que A
tem por mãe B (facto X), presume-se que o pai é o marido da mãe ( facto Y) =
aplicam se os efeitos da filiação nomeadamente o poder paternal

Norma autónoma: porque também aqui, porque uma regra (a presunção) devolve para
outra regra a regulação da matéria

Diferente da ficção:

Ficção: sabe-se que os factos são diferentes, embora tratados como iguais pelo direito
Presunção: desconhece-se o traçado exacto do facto ou situação a regular, razão pela
qual se recorre a outros já regulados pelo direito.

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Objectivo: tem a ver com a prova de factos que não se sabe se existiram, mas que
segundo a experiencia, quando normalmente se verifica um, também se verifica o outro
(nas ficções os factos existiram).

Tipos presunções: 349 e 350 CC

Absolutas ou jure et de jure: são insusceptíveis de afastamento através de prova em


contrário. Ex: art. 1260 nº 3 do CC (remete implicitamente para todas a normas sobre
posse de ma fé como as normas de usucapião) / art. 243 nº 3 CC

Relativas ou jures tantum: são afastadas por prova em contrário Ex. presunção de
paternidade

Âmbito pessoal de validade das normas132

Gerais ou comuns

Noção: Definem um regime regra para o sector das relações que disciplinam (para a
generalidade dos factos ou situações consideradas). Reportam-se a um grupo de
relações e regulam-no na sua plenitude.

Exemplos:

- MRS norma que impõe o dever de pagamento de certo imposto aos cidadãos que
trabalham por conta de outrem/ pessoas singulares

-art. 219 do CC: princípio da consensualidade dos negócios jurídicos

-art. 342 do CC: consagra o ónus da prova a quem invocar o direito

Especiais

132 Vide SJ

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Noção: consagram uma disciplina nova ou diferente para um círculo mais restrito de
pessoas, coisas ou situações, mas não directamente oposto ao regime normal das
regras gerais. Uma norma é especial em relação a outra, quando sem contrariar
substancialmente o principio nela contido, se adapta a circunstâncias particulares.

Para NSG toda a norma especial se inclui numa norma geral, cujo regime se particulariza ou
adapta.133

Segundo O A, a especialidade é uma qualificação relativa, a regra A pode ser especial


em relação à B, mas geral em relação à C. 134

Exemplos:

- CC: art 405 e ss são normas gerais porque fixam o direito genérico aplicado a todos
os contratos; art. 874 e ss são normas especiais porque disciplinam qualquer um dos
contratos em particular no caso a compra e venda, também deposito, mandato, etc.

- Especialidade entre ramos de direito privado: direito civil geral e direito comercial ou
trabalho como regimes especiais.

- Normas que tipificam certos crimes considerando a qualidade militar dos autores

- MRS : Regra que prevê o dever de pagar impostos para uma certa categoria de
cidadãos que desenvolvam uma determinada modalidade de trabalho por conta de
outrem ex: agentes desportivos

Regime das normas especiais: art. 7 nº3 e 11 do CC

- As normas especiais porque inspiradas numa ratione personal, gozam dum regime
especifico quanto à cessação da sua vigência, não podendo ser revogadas por norma
geral, a menos que outra seja a intenção inequívoca do legislador – art. 7 nº 3 Do CC –

O que significa esta ultima expressão - a menos que outra seja a intenção inequívoca do

legislador ?: Para MRS, em princípio salvo disposição expressa nesse sentido

Para O A: deve-se atender a circunstâncias relevantes que nos permitam concluir que a
lei geral pretende afastar a lei especial, o que ocorrerá no caso de se retirar da nova lei
uma pretensão de regular totalmente a matéria, não deixando subsistir leis especiais.

133 Cfr p. 154


134 Cfr. P. 518

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- A norma especial, por não ser contrária à geral é passível de aplicação analógica – art.
11 CC.

Excepcionais 135

Noção: são normas que também se referem apenas a um ou algum facto ou situação de
certa espécie/ particular situação da vida, mas agora exigem um tratamento pelo
direito contrário ao da generalidade dos factos ou situações da espécie encarada.
Consagram um ius singulare.

O A136- ―na referência à regra excepcional, estão confundidas duas espécies com características diferentes e
incidências práticas também diferentes: A regra formalmente excepcional autoriza a utilização
do argumento a contrario; e a regra substancialmente excepcional – ius singulares – implica a
proibição de analogia. Só casualmente uma regra será passível de ambas qualificações”

Exemplos:

- Regime que isenta do aludido imposto um sector de cidadãos, que pela aplicação da
regra geral, estaria obrigado ao pagamento – pessoas deficientes/ caso em geral dos
benefícios fiscais.

- Art. 344 do CC este inverte o ónus da prova

- Normas que exigem escritura pública em certos negócios jurídicos: art. 875 do CC

Regime:

Art. 11 do CC - normas excepcionais não comportam aplicação analógica, mas


comportam interpretação extensiva e permitem argumento a contrario.

Âmbito espacial de validade:

135 Ligar esta matéria à aplicação analógica de normas excepcionais e interpretação enunciativa –
argumento a contrário - onde também se fala de normas excepcionais.
136 Cfr p. 518

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Universais/ nacionais ou globais: aplicam-se a todo o território do Estado. Sucede com
a maior parte das normas contidas em leis e decretos-lei

Regionais: só se aplicam a determinada região, o caso dos decretos legislativos regionais

Locais: aplicam-se apenas no território duma autarquia local ex. normas contidas numa
postura municipal

Quanto à sanção que aplicam137

Leges plus quam perfectae: determinam a invalidade dos actos que as violam e
aplicam uma pena para os infractores

Ex: casamento celebrado por quem é casado, o 2º casamento é anulável e o infractor é


punido pelo crime de bigamia – art. 1601 e 1631 a) CC + 247 CP

- Contrato pelo qual o pai negocia com outrem favores da filha: negocio nulo 280 nº 2
CC+ sanção penal crime lenocínio.

leges perfectae: só determinam a invalidade dos actos contrários.

Exemplos: contrato de compra e venda e contrato de doação de imóveis sem escritura


pública – arts. 875 e 947 nº 1 do CC e 220; testamento feito por quem é incapaz de
testar arts. 2189 e 2190 do CC.

leges minus quam perfectae: não estabelecem a invalidade dos actos contrários, mas
determinam que não produzirão todos os efeitos.

137 Vide SJ e BM

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Exemplos: o casamento dum menor sem autorização dos pais ou tutor, quando não
suprida pelo conservador do Registo Civil, é valido, mas o menor não o deixa de ser
quanto à administração dos bens que leve para o casamento, ou adquira posteriormente
a título gratuito arts. 1604 a e 1649 do CC; o casamento sem respeito do prazo
internupcial é válido, mas o transgressor perde os bens que tenha adquirido por doação
ou testamento do seu primeiro cônjuge arts 1604 b) 1605 e 1650 do CC

Leges imperfectae:138 são normas que não fixam nenhuma sanção. Normalmente têm
por destinatários certos órgãos do Estado, quando a sua violação não é susceptível de
qualquer sanção. 139

Ex: não existe sanção se o PR não promulgar uma lei

Ex: normas constitucionais que fixam o direito à segurança social e em consequência


atribuem ao governo o dever de organizar e subsidiar o sistema de segurança social –
art. 63 da CRP; normas que reconhecem o direito à protecção de saúde e estabelecem o
dever do Governo criar um serviço nacional de saúde universal e geral e
tendencialmente gratuito
– art. 64 CRP

Se estas disposições não forem cumpridas, poderá haver uma sanção política – derrota eleitoral - mas
não existe uma sanção jurídica

Ex. no direito cível: arts.402140, 1672 e 1779 do CC

Função das normas jurídicas 141

Este critério atende à finalidade das regras: regras de conduta por um lado e as outras
regras.

Normas primárias:

138 Ligar à matéria da coercibilidade


139 Vide BM
140 Exemplo de obrigação natural: as dívidas de jogo não obrigam ao pagamento, mas se forem pagas, quem

pagou não pode posteriormente exigir a devolução do que foi pago.


141 Critério adoptado por NSG. MRS e O A falam em normas principais/ primarias e normas

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derivadas/ secundárias. SJ e GT não adoptam esta classificação.

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São as que se destinam a regular os comportamentos humanos – normas de conduta

Normas secundárias ou de 2º grau

São as que se referem a outras regras - são as regras sobre regras:

1. Normas de identificação - identificam as normas de cada sistema, ex: normas


sobre fontes de direito
2. Normas sobre produção normativa, ex: normas que fixam os limites de espaço e
de tempo das outras regras do sistema jurídico; normas sobre interpretação e
integração de lacunas; e outras formas de aplicação de outras regras
3. Normas sancionatórias, ex: normas sancionatórias de violação de outras regras

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Faculdade de Direito de Lisboa
SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMA 5

CAPÍTULO V: Casos práticos

Casos práticos sobre Interpretação142

A modalidade de Interpretação depende da situação fáctica


Dicas genéricas de resolução:

1º Determinar o que se discute/ a expressão que está em causa/ ver se são invocados
argumentos lógicos

2.º Analisar os elementos da interpretação: referir onde estão no CC/ como se define
cada um deles/ qual o mais importante para o caso

3º Como se deve interpretar correctamente o preceito/ definir a modalidade de


interpretação para fixar o sentido real da lei/ determinar quem tem razão

Resolva as seguintes hipóteses práticas, pronunciando-se sobre os elementos e


modalidades de interpretação que conhece.

Caso Prático n.º 1

Arlindo, adepto fervoroso do Benfica e sócio nº 999, desde longa data assiste aos jogos
do seu ― Glorioso‖ com o grande amigo Nelson. Em dia de derby na Luz, com a
emoção do jogo, sentiu-se mal e foi-lhe diagnosticada doença grave tendo os médicos
previsto que teria apenas 3 meses de vida. Ao saber desta pavorosa notícia, Arlindo
decidiu fazer um

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142 Para a resolução destas hipóteses é irrelevante a legislação efectivamente vigente

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testamento público em Janeiro de 2009, do qual constava uma disposição a favor de
Nelson com o seguinte teor:
―Lego ao meu amigo Nelson a minha camisola autografada pelo Nuno Gomes, no caso de o Benfica ser
campeão nacional este ano.‖
Arlindo faleceu em Março de 2009. O Benfica não ganhou o campeonato de futebol, mas
obteve o primeiro lugar no campeonato nacional de andebol.
Nelson, consternado com a morte do amigo que sempre o acompanhou aos jogos do
―Glorioso‖, e fã incondicional do Nuno Gomes, diz que ―só a ele, e a mais ninguém
pertence a camisola do “grande Nuno”.
Quid iuris?

Resolução:

Saber se Nelson deve ficar com a camisola do Nuno Gomes. Está em causa a
interpretação da deixa testamentária onde se dispõe ― no caso de o Benfica ser campeão
nacional‖. O Benfica foi campeão nacional de andebol, será que este facto preenche o
disposto na deixa testamentária? Nelson faz uma interpretação literal da norma e diz que
sim, pois da letra da lei refere se a ―Benfica ser campeão nacional‖ sem especificar se é
campeão nacional de futebol, de andebol ou de qualquer outra modalidade.

Importa analisar os elementos da interpretação:

- Elemento literal: Benfica campeão nacional de qualquer modalidade desportiva


- Elemento lógico:
1. Do elemento sistemático não temos dados.
2. Do elemento histórico previsto no art. 9 nº 1 do CC ― circunstâncias em que a lei
foi elaborada‖ resulta que Nelson acompanhou durante largos anos o seu amigo Arlindo
aos jogos do Benfica de futebol o que é revelador pelo uso das expressões
―derby‖ e
―glorioso‖.
3. Do Elemento teleológico previsto no art. 9 nº3 do CC que corresponde à ratio
legis ou fim concreto que a deixa testamentária visa satisfazer, verifica-se que Arlindo
pretende partilhar com o seu amigo, e depois da sua morte, a alegria do Benfica ser
campeão

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nacional de futebol nesse ano, dando-lhe a camisola do Nuno Gomes conhecido jogador
da equipa de futebol do Benfica.

Ora, do elemento lógico parece resultar que a expressão nacional se refere a campeão
nacional de futebol. Todavia do elemento literal parece que basta o Benfica ser
campeão nacional de qualquer modalidade desportiva.

Do exposto parece que Arlindo foi traído pelas palavras e disse mais do que
efectivamente queria dizer. Existe uma desarmonia entre o elemento lógico, que aponta
para a verificação da condição no caso de o Benfica ser campeão nacional de futebol, e
o elemento literal que aponta para que tal aconteça no caso de o Benfica ser campeão
nacional de qualquer modalidade desportiva.

Por isso fazendo uma interpretação restritiva da deixa testamentária, isto é limitando a
letra da lei por consideração do elemento lógico, chegamos ao sentido real da lei que
consiste na verificação da condição no caso de o Benfica ser campeão nacional de
futebol.
Logo, Nelson não tem razão, e a camisola do Nuno gomes não deve ficar para ele dado
que o Benfica não ganhou o campeonato de futebol.

Caso Prático n.º 2

Suponha que o Parlamento, pretende proteger a maternidade desvalida, e para tal cria
um pacote de normas, entre as quais se inclui o Decreto-lei nº 21058 que contém uma
disposição com o seguinte teor:
― As mães solteiras beneficiam de uma redução de 50% no seu horário de trabalho nos seis
meses posteriores ao parto”
Imagine que Susana, recém divorciada e mãe de uma criança de um mês, solicita à sua
empresa idêntica redução.
Quid

iuris?

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 17


Resolução:

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 17


Saber se Susana mãe divorciada deve beneficiar de redução no seu horário de trabalho .
Esta em causa a Interpretação da expressão ― mães solteiras‖ prevista no Decreto - lei.

Importa analisar os elementos da Interpretação.


Começando pelas literal. Mães solteiras são aquelas que nunca se casaram, pelo que
fazendo uma Interpretação literal da norma Susana não teria direito à redução.
Quanto ao elemento lógico, releva o elemento teleológico previsto art. 9nº3 CC, pois o
Parlamento pretende proteger a maternidade desvalida com a criação desta norma, isto é
permitir mães com filhos recém-nascido e que não tenham um companheiro que as
ajude a tratar dele (todas as mulheres que estejam sós no momento da maternidade ),
possam beneficiar de uma redução no seu horário de trabalho para cuidar da criança.
Note-se que este elemento lógico tem como limite a letra da lei (art. 9 nº 2 CC).
Assim, verifica-se uma desarmonia entre o elemento lógico e o literal, o legislador disse
menos do que efectivamente queria dizer, queria referir-se a todas as mulheres sem
companheiro depois do parto, mas referiu-se apenas às solteiras.
Por isso, devemos fazer uma interpretação extensiva do preceito ou seja estender a letra
da lei, de molde a abranger também as mães divorciadas, o que ainda tem um mínimo
de correspondência na letra da lei.
Logo Susana tem razão ao solicitar a redução.

Caso Prático n.º 3

Lisana, uma aficionada pelas novas tecnologias, enquanto pesquisava na internet, viu
uma mega promoção do novo Iphone4. Dado que já há algum tempo pensava em trocar
de telemóvel e estava sem dinheiro, decidiu pedir emprestados 250 euros à sua amiga
Maria Rosa para adquirir o aparelho, entregando-lhe em penhor a sua bicicleta violeta
que ficou na arrecadação da mutuante. Chegada a altura de pagar, Lisana continuava
sem dinheiro e Maria Rosa passou a dar umas voltas na bicicleta, pois como estava a
chegar o Verão queria recuperar a sua boa forma física e perder os quilinhos que havia
ganho no Inverno. Perante a indignação de Lisana, Maria Rosa disse-lhe: ― quem
pode vender, pode usar e eu posso nos termos do art. 675 do CC!‖143
Quid iuris?

143 Esquecer o art. 671 b) do CC

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Resolução:

Constituído um penhor que incide sobre uma bicicleta como garantia do montante de
250 euros emprestado (através de contrato de mútuo previsto no 1142 CC) por Maria
Rosa a Lisana, que não devolveu o dinheiro no prazo acordado. Coloca-se a questão de
saber se Maria rosa (mutuante/ que empresta) pode usar a bicicleta de Lisana (mutuaria/
a que recebe) atendendo ao art. 675 do CC que permite vender o bem no caso do
mutuante não pagar o que deve. (credor pignoratícia/ devedor pignoratício).
Maria rosa faz uma interpretação enunciativa do preceito ao usar o argumento a maioria
d minus, segundo o qual se, se permite o mais também se permite o menos. De acordo
com esta modalidade de interpretação retiram-se regras implícitas de normas através de
argumentos lógicos.
Atendendo a este argumento lógico, parece que Maria Rosa tem razão, pois se a
finalidade da lei é a possibilidade da venda do bem objecto de penhor, para o credor
pignoratício (neste caso Maria Rosa) se poder compensar do dinheiro emprestado e não
devolvido, é como se ele tomasse o bem como seu, dado o incumprimento. E se tomar
o bem como seu, parece evidente que também o possa usar.
Logo, Maria Rosa tem razão ao fazer uma interpretação enunciativa da norma para dela
retirar outras regras implícitas, no caso, de regra pode vender, retira a regra usar.

Caso Prático n.º 4

Admita que a lei nº 21058 dá direito aos advogados a requererem quaisquer certidões
relativas aos seus clientes. A Direcção Geral de Registos e Notariado, considerando que a
lei não é clara e preocupada com uma certa protecção da privacidade dos cidadãos, emitiu
uma circular com o seguinte teor ‖ os conservadores e funcionários do registo cível só podem
passar certidões a pedido dos advogados, quando estes apresentem procuração ou autorização dos seus
clientes que especificamente lhes confira poderes para requerer o tipo de certidão em causa‖.
Júlio João M. B. Advogado, desprovido de qualquer autorização, insiste com um
funcionário para que lhe passe a devida certidão. Marco, o funcionário até dizia: “ eu

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concordo com o Sô Doutor, mas ordens são ordens, e eu não posso passar ao lado de uma circular da
Direcção Geral. “
Quid iuris?

Resolução:

Temos uma situação em que uma circular (regulamento) interpreta uma lei, limitando o
seu conteúdo. Assim, a lei que de cuja interpretação resulta que os advogados podem
requerer quaisquer certidões relativas aos seus clientes é interpretada no sentido de os
funcionários só poderem passar certidões se apresentada autorização dos clientes. A
questão que se coloca aqui, é a de saber o valor que tem tal interpretação por parte da
Administração.
Estamos diante de uma interpretação oficial ou administrativa, aquela que é feita por
uma norma de valor inferior à interpretada, o que se verifica no caso, pois um
regulamento interpreta uma lei . Esta modalidade de interpretação quanto à fonte ou
valor não tem um carácter vinculativo ou eficácia externa, isto é vale apenas no âmbito
da hierarquia administrativa (tem eficácia interna). Neste caso o funcionário do Registo
Civil, deve respeitar a circular da Direcção Geral. Todavia, tal facto, não impede o
advogado de contestar a circular hierarquicamente ou contenciosamente.
Logo o funcionário tem razão e Júlio João deverá recorrer da circular.

Caso Prático n.º 5

Em Abril de 2009, violentos distúrbios no estádio do Dragão, conduziram a ferimentos


graves de alguns espectadores que foram agredidos com paus e pedras. Na sequência de
tal acontecimento, publicou-se o Decreto-Lei n.º 11367 com o seguinte teor:
“ é absolutamente proibida a entrada em recintos desportivos com quaisquer objectos contundentes‖
Num jogo entre o Benfica e o Naval, dois elementos da PSP armados com pistolas e
bastões, pretendem entrar no Estádio da Luz para cumprir o seu dever legal de
vigilância de eventos desportivos
Ricardo, que transportava 2 garrafas de vidro de seven up com capacidade de 1 litro
cada, queria entrar porque dizia que tinha sede e que a seven up era cara.

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Da mesma forma, Carla queria levar para o estádio o seu guarda-chuva vermelho e
branco, lembrança do seu avô, pois dizia que ―estava meio adoentada e não queria
apanhar mais uma molha!‖
Quid

iuris?

Resolução:

Temos uma norma que impede a entrada em recintos desportivos com objectos
contundentes. É esta expressão que importa interpretar para as três situações em causa.
Atendendo à letra da lei, contundente significa: qualquer objecto duro e pesado que
possa causar contusão ou pode referir-se simplesmente a armas (objecto usado para
atacar/ ou defender). Temos uma expressão pluri-significativa, isto é, uma expressão
cuja letra comporta gramaticalmente mais que um significado.

- PSP: caso típico de redução teleológica


A letra da lei refere-se a objectos contundentes. O elemento lógico, neste caso o
histórico (―na sequencia de distúrbios…‖) e o teleológico, pretende evitar que haja
ferimentos entre os adeptos na sequência de eventuais desacatos entre eles.
A situação em causa cabe perfeitamente na letra da lei, pois não se duvida que as
pistolas e bastões transportados pelos elementos da PSP, sejam objectos contundentes.
Todavia verifica-se que se, se, impedisse a entrada da PSP o fim da norma mais
facilmente seria posto em causa, pois estes visam precisamente com as suas armas por
fim aos desacatos entre os adeptos. Trata-se de uma situação que o legislador
certamente por lapso não salvaguardou, o fim da lei não está pensado para estas
hipóteses. Por isso, deve-se fazer uma redução teleológica da regra que decorre do Dec-
lei 11367 e não o aplicar a esta situação, dado que só assim se respeitará a finalidade da
norma em causa.

- Quanto à situação de Ricardo, espectador, não se coloca a questão anterior, pois da


letra e espírito da lei decorre que lhe está vedada a entrada, desde que leve objectos
contundentes. E é precisamente esta situação que importa indagar. As garrafas de seven
up de um litro são objectos contundentes? Ora significando objectos contundentes no
seu sentido mais amplo: objectos duros / pesados/ que causam contusão, não se duvida

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que tais garrafas são susceptíveis de causar contusão, ainda com a agravante de que se
podem partir e causar desse modo graves ferimentos. Por isso, fazendo uma
interpretação

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declarativa lata da norma, chega-se à conclusão que esta se aplica sem mais a esta
situação. O legislador exprimiu-se de modo adequado a abranger estes objectos. Neste
caso, o elemento lógico, ajuda-nos a optar pelo significado mais amplo da expressão.

- Quanto à situação de Carla, os termos da questão colocam-se como a anterior. Com a


possibilidade de se questionar o tipo de guarda-chuva em causa, para saber se,
efectivamente, se pode considerar um objecto contundente. Se considerarmos que assim
é, devemos, também aqui, fazer uma interpretarão declarativa lata. 144

Caso Prático n.º 6

Roberto vem sendo, há longas semanas acordado a meio da noite por chamadas
telefónicas feitas por alguém que invariavelmente lhe pergunta se consegue dormir bem.

1. Tendo reconhecido a voz de uma colega da Faculdade, Roberto pretende saber


se pode apresentar queixa - crime com fundamento no art. 190 n.º1 do Código
Penal aprovado pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, nos termos do qual
―Quem, sem consentimento, se introduzir na habitação de outra pessoa ou nela permanecer depois
de intimado a retirar-se, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa
até 240 dias. ―

2. Suponha que é consultado um professor catedrático de Direito Penal que sobre a


questão emite um parecer. Que valor deve ser atribuído a este parecer no que
concerne à interpretação do citado preceito do Código Penal?
3. Suponha que o Governo, a pretexto de algumas dificuldades de interpretação do
referido artigo, faz um decreto regulamentar onde vem esclarecer que ali a
expressão ― introduzir na habitação‖ deve ser entendida como toda a violação
de privacidade do domicílio, haja ou não presença física por parte do agente.‖
Quid iuris?

Resolução:

144 Note-se que estes dois últimos casos são discutíveis quanto à sua inserção também no âmbito da
interpretação extensiva, tudo depende da definição de objectos contundentes. Quanto mais próximo da
letra da lei se encontrar o facto a subsumir à norma, mais próximos estaremos de interpretação declarativa

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 18


lata, quanto mais afastado estiver, maior possibilidade de interpretação extensiva.

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Art. 190 n.º1 do Código Penal :
- Inserido no Cap VII – Dos crimes contra a reserva da vida privada
- Tem como epigrafe – ― Violação de domicílio ou perturbação da vida privada‖

1. Está em causa interpretar a expressão do art. 190 n.º1 do CP ― introduzir na


habitação de outra pessoa‖, para determinarmos, se este preceito se aplica ao
colega de Roberto que lhe telefona ao meio da noite.
Quanto ao elemento literal verifica-se que a palavra introduzir significa entrar/
meter dentro e no seu sentido gramatical comum implica presença física
Quanto ao elemento lógico releva o elemento sistemático (art. 9 nº1 CC) pois o
art. 190 n.º1 CP está inserido no capitulo dos crimes contra a reserva da vida
privada ou perturbação da vida e tem como epigrafe violação de domicilio ou
perturbação da vida privada. Releva também o elemento teleológico (art. 9 nº3
do CC), sendo a finalidade da lei sancionar quem perturba a vida privada de
outrem. Por isso, atendendo ao elemento lógico da interpretação, a norma parece
abranger presença física ou não.
Do exposto resulta uma desarmonia entre a letra e espírito da lei, pois o
legislador disse menos do que queria dizer (queria dizer introduzir fisicamente
ou não). Deste modo, fazendo uma Interpretação extensiva do preceito, isto é
estendendo a letra da lei por consideração do elemento lógico, devemos entender
que o art. 190 nº1 do CP se aplica à situação em causa, razão pela qual Roberto
pode apresentar queixa contra o colega.

2. O Professor Catedrático faz uma interpretação doutrinal do preceito. Esta


modalidade de interpretação quanto à fonte ou valor não tem qualquer valor
vinculativo para os outros (sem eficácia externa), vale apenas pela força dos
argumentos invocados e pelo prestígio da pessoa que o emite.

3. O Governo através do decreto regulamentar faz uma interpretação oficial ou


administrativa, aquela que é feita por uma norma/fonte de valor inferior à norma
interpretada. No caso, um regulamento interpreta uma lei. Esta modalidade de
interpretação não tem eficácia externa (para todos), produz apenas efeitos
internos no seio da hierarquia administrativa.

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Caso Prático n.º 7

José Francisco passeava alegremente no jardim zoológico quando, ao olhar para uma
jaula de tigres, lhe veio à ideia de que a vida dentro de uma jaula deve ser muito triste e
aborrecida. Foi assim, que com pena dos tigres, se lembrou de comprar uma garrafa de
aguardente para dar aos animais. Pelo menos por alguns momentos sob efeito da aguardente, os
tigres poderiam esquecer o cativeiro! André, tratador de animais, deparou-se com José
Francisco a dar de beber a aguardente aos tigres num balde que arranjara para esse
efeito. Alertou então José Francisco para uma placa colocada ao lado da jaula na qual
se podia ler o seguinte: “ É proibido dar comida aos animais”. José Francisco respondeu-
lhe que tinha lido a placa, mas que ela não lhe dizia respeito, uma vez que não estava a
dar comida, antes estava a dar-lhes uma bebida.

1. André não sabe o que responder a José Francisco, e pede-lhe a si o seu conselho.
2. Imagine que na referida placa se pode ler o seguinte: é proibido dar comida aos
animais, excepto por visitantes do Jardim Zoológico e por tratadores de animais.
Quid iuris?

Resolução:

1. Está em causa, interpretar a placa que contém a regra: é proibido dar comida aos
animais.
A expressão que aqui suscita dúvidas de interpretação é a palavra comida. José
Francisco fez uma interpretação prévia da palavra ao considerar que a palavra comida
pressupõe alimentos sólidos. Trata-se de uma interpretação literal da norma, pois o
sentido que lhe dá corresponde perfeitamente à letra da lei.
Todavia para interpretar, não nos basta o elemento literal, há que indagar acerca do
elemento lógico ou extra-literal. E dentro deste temos o sistemático e histórico, em
relação aos quais não temos dados na hipótese, e um elemento teleológico ou ratio legis
da lei (previsto no art. 9 nº3 do CC), isto é a necessidade concreta ou finalidade que a
norma visa satisfazer. Neste caso parece que se pretende evitar que os visitantes possam
prejudicar os animais do Zoológico, dando-lhes alimentos pouco adequados que possam
perturbar a dieta alimentar. E assim sendo, parece que do elemento lógico da
interpretação, em particular do elemento teleológico, resulta que é proibido dar
qualquer tipo de alimentos aos animais, que podem ser de todo o género, quer sólidos
quer líquidos.
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 18
Deste modo, devemos fazer uma interpretação declarativa lata da regra porque a palavra
comida é pluri-significativa, isto é gramaticalmente comporta dois significados
possíveis, um mais amplo: comida = alimentos sólidos e líquidos; e um outro mais
estreito: comida = alimentos sólidos. Embora o sentido literal coincida perfeitamente
com o lógico, (o legislador disse efectivamente o que queria dizer) a verdade, é que, este
último, aponta para a sua acepção mais ampla no sentido de alimentos sólidos e
líquidos.
Por isso José Francisco não tem razão, dado que fez uma interpretação declarativa
restrita da palavra comida uma vez que nela incluiu apenas alimentos sólidos.

2. Se a placa tivesse esta norma, haveria uma proibição sem qualquer sentido, dado
que a excepção (visitantes e tratadores) contraria a regra geral da proibição de dar
comida aos animais. A proibição tem como destinatários os visitantes que muitas vezes
dão comida imprópria aos animais, ora se a eles não se aplica, não conseguimos
perspectivar qualquer destinatário da norma e assim sendo, chegamos à conclusão de
que a norma é desprovida de sentido.
Devemos por isso fazer uma interpretação abrogante lógica (admitida com certos limites
no art. 9 nº3 do CC que consagra o principio do aproveitamento das leis) e concluir que
da análise dos elementos literal e lógico da interpretação, não se pode retirar
efectivamente qualquer critério de conduta.

Caso Prático n.º8

A 10 de Maio de 2010, Mariana vendeu a Ana Cristina, a sua casa de férias em


Albufeira (um T3 com 5 ano), pelo valor de 150.000 euros.
Dois meses depois, a vendedora intentou uma acção judicial contra Ana Cristina,
pedindo a anulação do contrato com fundamento em usura, invocando para tal que a
compradora se tinha aproveitado do seu estado mental de enorme alegria, (dado que na
noite anterior o seu grande Benfica se tinha sagrado campeão nacional ao vencer o Rio
Ave) para conseguir que o preço acordado fosse bastante mais baixo que o valor de
mercado do imóvel.
Ana Cristina contestou a acção invocando que a referencia a ―estado mental‖ prevista no art.
282 n.º1 do CC, não comporta os estados mentais positivos, mas somente os negativos.
Quid iuris?

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 18


Resolução:

Mariana vendeu a sua casa de férias a Ana Cristina por um preço baixo, e pretende
anular o negócio com fundamento em usura, porque quando celebrou o negócio se
encontrava num estado mental de grande alegria.
Discute-se a interpretação do art. 282 nº1 do CC, concretamente a expressão ― estado
mental‖. Ana Cristina faz uma prévia interpretação do preceito, entendendo que a
expressão só comporta estados mentais negativos ou depressivos e não qualquer outro
tipo de estado mental.
Para fazer uma correcta interpretação do preceito importa analisar os elementos da
interpretação. Começando pelo elemento literal que constitui o ponto de partida da
interpretação (art. 9 nº1 CC), estado mental define-se como a situação psicológica ou o
modo como a pessoa se encontra psicologicamente. Esta definição abrange toda uma
multiplicidade de estados mentais que vão desde o deprimido, nervoso, irritado,
preocupado, lúcido, firme, etc. A palavra estado mental abrange todos estes estados.
Será que a expressão no art. 282 nº1 quer ter esta amplitude? Para a resposta a esta
questão teremos de analisar o elemento lógico. Importa analisar o elemento sistemático
previsto no art. 9 nº 1 CC onde a inserção da expressão no seio do artigo ― situação de
necessidade, inexperiência, ligeireza, dependência, estado mental ou fraqueza de
carácter de outrem‖ parece determinar que o estado mental que aqui está em causa não é
qualquer um, mas somente um estado mental negativo ou depressivo. Da mesma forma,
o elemento teleológico ou finalidade da lei previsto no art. 9 nº3 do CC, parece também
apontar para um estado mental depressivo, pois não faria sentido que se viesse a anular
um negocio por quem o tivesse celebrado tendo um estado mental firme e lúcido. E
assim sendo, chegamos à conclusão que o elemento lógico da interpretação remete para
o sentido de estados mentais negativos e depressivos.
Qual a melhor interpretação a adoptar? Verifica-se uma desarmonia entre a letra que se
refere a todo o tipo de estados mentais e o espírito da lei que apenas respeita a estados
mentais negativos, por isso deve-se limitar a letra da lei para retirar o real sentido da
norma e fazer assim uma interpretação restritiva da lei. E assim sendo tem razão Ana
Cristina e não a Mariana.

Caso Prático n.º9

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 18


Marco, arguido em sede de processo penal, invocou a nulidade do depoimento de uma
testemunha, Júlia, com fundamento em esta ter recebido 1000 euros para o incriminar.
O juiz decidiu que tal facto não era motivo de nulidade do depoimento, pois o n.º 1 e a
alínea e) do n.º2 do art. 126.º do Código de Processo Penal consideram ofensivas da
integridade moral das pessoas, e portanto nulas, as provas obtidas mediante ―Promessa
de vantagem legalmente inadmissível‖, e, no caso concreto, houvera recebimento
efectivo do dinheiro e não mera promessa.

Quid iuris?

Resolução:

Esta em causa obter a nulidade do depoimento duma testemunha com base no art. 126
nº2 alínea e) do CPC. Discute-se se o recebimento efectivo de dinheiro cabe no referido
preceito que apenas contempla a situação da ―promessa de vantagem‖. O juiz que
decidiu o caso fez uma interpretação literal do artigo que afastou a sua aplicação, sem
explorar todas as virtualidades do elemento lógico da interpretação.
Efectivamente da análise dos elementos literal e lógico dentro ainda dos limites literais
possíveis que a interpretação impõe (art. 9 nº2 do CC), promessa (significa dar
esperanças/ criar expectativa de algo) não contempla as situações de recebimento
efectivo de vantagens legalmente inadmissíveis. Todavia, da regra que contempla a
nulidade do depoimento da testemunha quando haja a promessa de vantagem
inadmissível, pode-se retirar uma outra regra implícita de acordo com argumentos
lógico-jurídicos, neste caso o argumento a minori ad maius, ou seja o que proíbe o
menos também proíbe o mais. E assim sendo se, se proíbe o depoimento quando haja
promessa, também se devera proibir quando haja recebimento efectivo de vantagens
legalmente inadmissíveis.
Conclui-se assim, que Marco tem razão, porque devemos fazer uma interpretação
enunciativa do preceito ou uma inferência lógica de regras implícitas, dado que o
espírito da lei permite tal concretização.

Caso Prático n.º10

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 19


Em 14 de Setembro de 2010, Rui Duarte sofreu um enfarte do miocárdio, de forma
totalmente inesperada, enquanto comprava o presente de aniversário de casamento para
a sua esposa Ana Paula, na loja de porcelanas de Patrícia . Em consequência, Rui
Duarte caiu sobre uma prateleira que continha um dos serviços de jantar mais caros da
loja, o que provocou o derrube e a destruição de mercadoria cujo valor global ascendia a
1500 euros. Apesar de Rui Duarte ter sempre tomado devidamente a medicação para os
seus problemas cardíacos, seguindo escrupulosamente todas as indicações médicas,
Patrícia não quer ficar com o prejuízo e pretende responsabiliza-lo civilmente pela
perda do serviço de jantar, exigindo-lhe, nos termos do art. 483 do Código Civil, uma
indemnização.

Quid

iuris?

Resolução:

Rui Duarte sofre enfarte e destrói mercadoria na loja de Patrícia, no valor de 1500
euros. Esta, pretende responsabilizá-lo civilmente exigindo-lhe nos termos do art. 483
CC, uma indemnização pelos prejuízos.
O princípio geral contido no art. 483 do CC nº1 que consagra como pressuposto da
obrigação de indemnização a culpa do lesante, é completado pelo número 2, que remete
para os casos consagrados na lei a admissibilidade de indemnização sem existência de
culpa do lesante.
Sendo a culpa um juízo de censura do agente, que podia e devia ter agido de modo
diferente, temos de concluir que Rui Duarte agiu sem culpa, pois o enfarte foi
inesperado e foram sempre seguidas de forma escrupulosas indicações médicas.
Constituindo a responsabilidade sem culpa a excepção, a regra é a de que não há
responsabilidade civil sem que haja culpa do lesante. Estamos diante de um argumento
em que pode assentar a interpretação enunciativa da lei, o chamado argumento a contrario
sensu: os casos excepcionais previstos na lei (aqui os que o art. 483 nº2 do CC ressalva)
pressupõem uma solução contrária para os casos não excepcionais.
Assim, só se a conduta de Rui Duarte estivesse prevista numa das excepções
ressalvadas do 483 nº2 (nomeadamente art. 500 e ss CC), poderia Patrícia pedir lhe uma
indemnização.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 19


Caso Prático n.º11

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 19


A) Em Dezembro de 2005 Rute, foi vítima de um violento incêndio, que, não fora a
rápida e eficaz actuação dos Bombeiros da cidade da Faro, teria ficado sem a sua casa,
situada no centro desta mesma cidade.

Em Maio de 2009, Rute decidiu ir viver para Lisboa, a sua cidade natal, onde um ano
depois veio a falecer, tendo como último domicílio esta mesma cidade.

Rute deixou testamento, no qual deixa a sua casa situada em Faro ― aos Bombeiros, esses
corajosos combatentes do inferno em chamas”.

Hoje, discute-se quem são os herdeiros da casa de Rute, se são os Bombeiros da cidade
de Faro ou os Bombeiros da cidade de Lisboa.

B) Imagine, ainda quanto a esta situação, que existe uma lei com o seguinte teor ‖ o
testamento feito a favor de uma generalidade de pessoas, sem qualquer outra indicação, considera-se
feito a favor das existentes no lugar em que o testador tinha domicílio à data da sua morte‖.

Quid

iuris?

Resolução:

A) Interpretação da deixa testamentária: para tal deve-se fazer uma análise dos
diferentes elementos de interpretação.
Está em causa saber se a expressão ‖Bombeiros‖, usada no testamento, diz respeito a
todos os Bombeiros (maxime Bombeiros de Lisboa também) ou somente aos
Bombeiros da cidade de Faro.
Do elemento literal (palavras em que a lei se exprime), o ponto de partida da
interpretação, parece que aponta para todos os Bombeiros, todavia há que cotejá-
lo com o elemento lógico (espírito da lei), composto pelos elementos sistemático
(conjunto de normas em que a lei a interpretar se insere), histórico
(circunstancias temporais que rodearam a feitura da deixa testamentárias) e
teleológico (fim visado pela pessoa que elaborou a norma). Para o caso, parece
serem relevantes os elementos histórico, pois a deixa testamentária foi feita,
depois de os bombeiros de Faro, terem salvado do fogo a casa de Rute, situada
nessa mesma cidade. Releva também o elemento teleológico, pois tudo aponta
para que a finalidade de tal deixa
Sandra Lopes Luís – FDL – IED 19
testamentária fosse prestigiar os Bombeiros da cidade de Faro, que com valentia
conseguiram impedir que as chamas tomassem a sua casa.

Assim, chegamos à conclusão de que existe uma desarmonia entre o elemento


lógico e o literal, pois se da letra da lei parece que os herdeiros são os Bombeiros
em geral, do elemento lógico decorre que esses herdeiros só podem ser os
Bombeiros da cidade de Faro.
Portanto deve-se fazer uma interpretação restritiva da deixa testamentária,
limitando a letra da lei por consideração do seu espírito, porque neste caso o seu
autor disse mais do que aquilo que pretendia dizer.

B) Havendo uma lei com este teor, estamos diante de uma lei interpretativa, que
tem um valor superior à norma interpretada (a deixa testamentária), e que como
tal tem um valor vinculativo, isto é, é obrigatória para qualquer intérprete e
aplicador do direito, por isso neste caso deve-se fazer uma interpretação
autêntica (modalidade de interpretação quanto ao critério da autoria) e
considerar que os herdeiros da casa de Rute, são os bombeiros de Lisboa.

Caso Prático n.º12

Suponha que o regulamento 11945, estabelece no art. 5º que ―os militares devem entrar e
sair fardados das suas unidades” e que no art.16º se dispõe que ―os militares podem entrar e
sair da sua unidade em traje civil”. Fernando, militar, tem dúvidas em perceber o
regulamento.

Quid

iuris?

Resolução:

Aqui o intérprete deve fazer uma interpretação abrogante (modalidade de


interpretação quanto ao critério resultado da conjugação dos elementos literal e lógico),
e segundo a qual se chega à conclusão que existe uma contradição insanável entre os
elementos lógico e literal, e que como tal da norma não se consegue retirar qualquer
sentido ou significado.

Sandra Lopes Luís – FDL – IED 19


Caso Prático n.º13

Comente com sentido crítico a seguinte afirmação e pronuncie-se acerca das várias
correntes de interpretação acolhidas pelo artigo 9 do Código Civil.

― Colocando-se deliberadamente acima da velha querela entre subjectivistas e objectivistas, a nova


lei limitou-se a recolher uns tantos princípios que considerou aquisições definitivas da ciência jurídica, sem
curar grandemente da sua origem doutrinária ―

Resolução:

Está em causa perceber as diferentes correntes de interpretação acolhidas pelo art. 9 do


Código Civil quanto ao critério da finalidade de interpretação. E a este respeito, temos
as teorias subjectivistas, objectivistas, historicistas e actualistas. Segundo uma
interpretação subjectivista, procura-se reconstituir a vontade do legislador, ― mens
legislatoris‖, segundo uma interpretação objectivista, procura-se determinar o sentido
intrínseco da lei, desligado das pessoas que a fizeram, a ― mens legis‖ , segundo uma
interpretação historicista visa-se apreender o sentido da lei no momento da sua criação e
entrada em vigor e segundo uma interpretação actualista visa-se apreender o sentido da
lei no momento da sua interpretação.

Analisando a afirmação referida, verifica-se de facto, que foi posição do legislador


quando redigiu o art. 9 do código civil, não acolher uma ou outra tese em detrimento das
outras (fugindo assim aos exageros de cada uma das diferentes teses), e tal é evidente
desde logo pelo uso da expressão ― pensamento legislativo ― usada no nº1 do art.9, que
não se refere nem à vontade da lei nem à vontade do legislador, aliás o acolhimento das
teses objectivista pode decorrer das expressões: ― ..a partir dos textos..‖ art.9 nº1 e ― ..na
letra da lei um mínimo de correspondência..‖ art.9 nº2. O acolhimento das teses
historicistas decorre da expressão
―atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada‖ e o acolhimento de teses actualistas decorre
da expressão ― ..condições do tempo em que a lei é aplicada‖ art.9 nº1. Assim, o nosso código civil
aderiu às teorias mistas ou de síntese, considerando que cada uma das teses referidas dá
um contributo importante para a teoria da interpretação.

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Sandra Lopes Luís

Faculdade de Direito de Lisboa

SLL - INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO I/ NOITE 1ª ÉPOCA/ 2010

SUB-TURMAS 5 e 6

Resolução casos práticos sobre Integração145

Abreviaturas:

MRS (Marcelo Rebelo de Sousa); S J (Santos Justo); O A (Oliveira Ascensão); NSG (Nuno Sá

Gomes) CM (Castro Mendes); BM (Baptista Machado); AV/PL (Antunes Varela e Pires de Lima –

CC anotado); G T (Galvão Telles)

Caso Prático n.º 1

Paula, a mais recente vencedora do euromilhões, decidiu realizar um dos sonhos da sua
vida, que era adquirir um automóvel da marca porsche. Para tal dirigiu-se ao stand de
automóveis, e escolheu o descapotável vermelho porsche boxster S (já se estava a ver a
passear na ponte Vasco da Gama ao volante do seu vermelhinho!).

O vendedor do automóvel, Silvino, insistiu na necessidade de escritura pública para a


concretização da venda, atendendo a que os automóveis são bens sujeitos a registo e
também muitos deles são mais caros que muitos bens imóveis. Paula, considera haver
um excesso de forma se a celebração deste contrato de compra e venda for feita através
de escritura pública, atendendo ao disposto nos artigos 875 e 219 do CC.

Quid iuris?

Silvino, ao defender a necessidade da escritura pública, pretende a aplicação do art. 875


do CC a este contrato. Todavia a previsão de tal artigo não está preenchida, dado que se
refere a bens imóveis, por isso a sua aplicação tem por base a analogia. Silvino
pressupõe a

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145 Cfr: caso 39 Daniel Morais; caso 15 MRS; restantes David Magalhães

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existência de uma lacuna quanto à forma do contrato para a venda de bens móveis
sujeitos a registo, lacuna essa que vai integrar com a aplicação da norma que disciplina
a forma dos bens imóveis prevista no art. 875 CC. Chega inclusive, a apresentar uma
suposta ratio do preceito para o justificar: a tutela de negócios que envolvem valores
elevados e o facto de estes estarem sujeitos a um registo, o que evidencia uma
similitude entre os casos.

O art. 875 do CC (ratio: promover a segurança no tráfego jurídico e levar as partes a


ponderar devidamente se querem celebrar aquele negócio) é uma norma excepcional,
pois contem uma disciplina oposta ao regime regra. Enquanto que para o comum dos
negócios jurídicos o legislador prescreve a regra da liberdade de forma, como consta do
art. 219 do CC, para a compra e venda de coisas imóveis exige-se uma forma especial.
O art. 219 consagra a liberdade de forma da declaração negocial, salvo quando a lei
exige forma especial. Desta parte final, decorre que as normas que exigem uma forma
especial como o art. 875 do CC são normas formalmente excepcionais. Para saber se o
art. 875 é substancialmente excepcional temos de saber se contraria um princípio geral,
o que acontece dado visto por em causa o princípio da liberdade de forma. O art. 875 do
CC é assim formal e substancialmente excepcional por isso não pode ser aplicado
analogicamente tal como decorre do art. 11 CC. Esta proibição significa que todos os
casos que não sejam iguais idênticos aos previstos pela regra excepcional devem
considerados opostos e logo, incluídos na regra geral.
Impedindo o art. 11 CC a aplicação analógica do art. 875 CC, aplica-se a este contrato o
princípio geral da liberdade de forma do art. 219 CC, e como tal, Silvino não tem razão.

Posições da doutrina acerca da interpretação do art. 11 do CC:

Como sabemos o art. 11 do CC admite a interpretação extensiva de normas


excepcionais, mas proíbe a sua analogia. Discute-se na doutrina se a proibição da
aplicação analógica de normas excepcionais é total, ou se, se, dirige apenas às normas
excepcionais, cujas normas gerais correlativas contivessem princípios de ordem publica.
- O A / NSG entende que no art. 11 a regra excepcional não se basta com a mera
contradição de uma outra regra – excepção formal (depende apenas da técnica
legislativa usada), mas exige um suporto mais sólido, isto é, uma contradição com os
princípios gerais informadores de qualquer sector do sistema jurídico – um ius
singulare – ( verdadeiras normas excepcionais ou excepção material/ substantiva).

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Defende, por isso, que apenas

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não podem ser aplicadas por analogia as regras excepcionais cujas correlativas regras
gerais contenham princípios de ordem pública. O A reconhece que é um processo falível
e delicado, dependente de considerações valorativas, mas o método de determinação
substancial é o que mais conforme com as fontes dado que não depende apenas da
técnica legislativa usada.
- PL/AV: o projecto do CC chegou a admitir, como regra a aplicação analógica das
normas excepcionais, só a não permitindo nos casos em que as normas gerais
correlativas exprimissem princípios essenciais de ordem pública. Tal suscitou dúvidas
sobre o seu resultado pratica de aplicação, pelo que foi rejeitado.
- Daniel Morais146 : afirma que Pamplona Corte Real rejeita a distinção entre normas formalmente
excepcionais e substancialmente excepcionais, entende que para existir uma norma excepcional,
definida como uma norma que particulariza e contraria substancialmente uma norma geral, tem de
haver uma razão forte, que é precisamente o principio no qual esta se apoia – todas as normas
excepcionais são sustentadas por princípios gerais, (Daniel Morais considera que isto também
não é correcto), tal como a norma geral, por isso o que a separa é o seu campo de
aplicação mais restrito (tónica da distinção assenta no seu campo de aplicação mais restrito
e não no facto de contrariarem certa categoria de princípios). Segundo Daniel Morais parte
da doutrina defende que posição O A gera dificuldades.

Caso Prático n.º 2

A e B no dia 20 de Maio de 2005, celebraram um contrato mediante o qual se constitui a


favor do primeiro o direito de fazer piquenique semanais num prédio rústico de que o
segundo era proprietário. Tendo convencionado neste contrato que o direito de A teria
natureza real.

Decorridos 5 anos, B vendeu o prédio a C, que exige que A deixe de o usar. O que este
contesta dizendo que: o seu direito sendo real, goza de eficácia absoluta, e por isso é
oponível a qualquer pessoa. Em todo o caso, invoca ainda que, mesmo que assim não
fosse, dada a semelhança com possíveis conteúdos de uma servidão predial, sempre
gozaria da protecção conferida aos direitos reais.

Quid iuris?
146 Casos práticos resolvidos nº 39

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Os direitos reais obedecem ao princípio do numerus clausus ou da tipicidade de acordo
com o art. 1306 nº1 do CC, isto é só gozam de natureza real os direitos que a lei preveja
como tal. O direito de A a usar o prédio para fazer piqueniques não se confunde com
nenhum dos dtos reais previsto na lei portuguesa, pelo que teria eficácia meramente
obrigacional e não seria oponível a terceiros.
Quanto ao argumento da suposta semelhança com a servidão predial – 1543 encargo
imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente
– e por isso a extensão do seu regime, sendo os dtos reais os enumerados na lei
( enumerações são completas ou taxativas) não permitem que se apliquem
analogicamente os casos por elas abrangidos, sob pena de se alargar o que o legislador
quis restringir.

Caso Prático n.º 3

Considere as seguintes normas do Direito Matrimonial português:147

1. Só pode contrair casamento quem tem capacidade plena para o acto


2. A capacidade matrimonial é comprovada por meio de processo preliminar de
publicações, organizado nas repartições do Registo Civil

Imagine agora, que Liliana e Silvino pretendem contrair casamento urgente por Liliana
se encontrar em perigo de vida, não havendo tempo para que ocorra o referido processo
de publicação.
Poderá o Conservador do registo civil efectuar o casamento?
Quid Juris?

(parta do principio que Liliana tem capacidade plena para contrair casamento e que não existem os
artigos 1599 e 1622 do CC)

Resolução na perspectiva da existência de uma


lacuna: Há lacuna
1º passo : procurar uma norma análoga - não existe
2º passo procurar um principio - princípio da igualdade???

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147 Correspondem aos 1597, 1598 e 1610 do CC

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3º passo : norma que o interprete criaria - similar 1599 e 1622

Caso Prático n.º 4

Celestino entrou sem autorização na garagem de Vítor, apoderando-se do seu


automóvel. Duas semanas mais tarde, arrependido, devolveu o veículo ao proprietário,
embora com algumas amolgadelas.
Vítor, procedeu a queixa criminal pelos factos descritos e um ano mais tarde, em sede
de julgamento, Celestino foi condenado pela prática de furto.
Porem o juiz atenuou especialmente a pena nos termos do art. 206 nº 3 do Código
Penal, que prevê tal possibilidade se ocorrer uma restituição parcial da coisa furtada até
ao inicio da audiência de julgamento em 1ª instancia. Na sentença, admitia-se que se
verificara uma restituição da coisa inteira (embora com perda de qualidades), e não uma
restituição parcial como prescreve a lei, mas consideraram-se as situações equivalentes.
Vítor pretende recorrer da decisão, com fundamento em que houve uma aplicação
analógica da lei penal, o que é proibido no nosso ordenamento jurídico.
Quid Juris?

A integração de lacunas legais por analogia é proibida no domínio do direito penal, mas
somente quanto às normas penais positivas, isto é, as que definem os comportamentos
que são crimes e estabelecem as respectivas penas ou medidas de segurança: art. 29 nº
1, 3 e 4 da CRP exigem a previsão legal da incriminação e da respectiva sanção.
Também o art. 1 nº3 do código penal ― não é permitido o recurso à analogia para
qualificar um facto como crime, definir um estado de perigosidade ou determinar a pena
ou medida de segurança que lhes corresponde‖.
Com este regime visa-se prevenir os abusos de poder em matéria sancionatória,
particularmente delicada por tocar em direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
Mas esta proibição da aplicação analógica, vale apenas para as normas incriminadoras,
isto é desfavoráveis ao arguido. O mesmo não se passa quanto às normas penais
negativas ( as que prevejam causas de exclusão da ilicitude), bem como todas as cujo
conteúdo seja favorável ao arguido. Nestes casos reconhece-se a possibilidade de analogia
in bonam partem.

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Por estes motivos, Vítor não tem razão. A norma aplicada analogicamente permite uma
atenuação especial da pena, ou seja tem conteúdo favorável ao arguido. E, em tais casos
a analogia é permitida.

Caso Prático n.º 5

Foi disponibilizada no sítio da Internet da imprensa Nacional – Casa da Moeda uma lei
que determinava, no respectivo art.4 a elevação da taxa do IVA para 40 % no que
respeita à ― venda de bebidas açucaradas‖.
Segundo uma circular assinada por um responsável da direcção Geral dos Impostos, a
nova taxa deve aplicar-se à venda de ―bolos, gelados, rebuçados, chocolates e produtos
similares, uma vez que a razão da lei também os abrange: penalizar o consumo de
alimentos que prejudicam a saúde‖.
Quid Juris?

A lei em causa, apenas incide para efeitos de aumento da taxa do IVA, sobre a venda de
bebidas açucaradas. Claramente não compreende os restantes produtos referidos na
circular da DGCI, pelo que esta, considerando a ratio da solução consagrada na solução
consagrada na lei também abrange as situações não previstas, aplicou analogicamente a
norma em causa.
Todavia a analogia não é permitida no direito fiscal. O art. 11 nº4 da LGT dispõe que ―
as lacunas resultantes de normas tributarias abrangidas na reserva de lei da AR não são
susceptíveis de integração analógica‖. O que decorre também do art. 103 nº2 da CRP
segundo o qual os impostos devem ser criados por lei. Esta solução justifica-se com o
valor da segurança jurídica muito importante nesta matéria. Por isso entende-se que as
lacunas são espaços que o legislador não quis disciplinar.
Por isso a aplicação da taxa de 40% enferma de ilegalidade e até de inconstitucionalidade.

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SUB-TURMAS 5 e 6

Casos práticos sobre Fontes de Direito e Normas Jurídicas

Resolva os seguintes casos práticos, atendendo às matérias supra referidas.

Caso Prático n.º 1

No dia 15 de Outubro de 2003, Cardoso, funcionário de um hospital distrital com a


categoria de assistente administrativo principal, requereu a sua aposentação, ao abrigo
do art.1 nº1 do Decreto – lei nº 116/85 de 19 de Abril.

Em 20 de Fevereiro de 2004, a Caixa Geral de Aposentações indeferiu o requerimento


de Cardoso com o fundamento de que no procedimento pertinente, o Conselho de
Administração do Hospital não declarou não ter havido qualquer aumento de pessoal na
área funcional do funcionário nos últimos dois anos, conforme exigia para os futuros
casos de aposentação de funcionários públicos a alínea a) do nº1 do Despacho nº
867/03/MEF, de 5 de Agosto de 2003, exarado pela Ministra de Estado e das Finanças:

1. Em 10 de Maio de 2004, Cardoso intentou uma acção administrativa especial,


pedindo, designadamente a anulação da decisão da Caixa Geral de Aposentações,
dado que o referido requisito imposto pelo Despacho nº 867/03/MEF, não
constava do Decreto-lei nº 116/85, segundo o qual era suficiente uma declaração
dos serviços no sentido de que não sofreriam prejuízo com a aposentação do funcionário.
Tem razão?
2. Cardoso alegou ainda que o Despacho nº 867/03/MEF não foi objecto de
publicação e por isso não lhe é oponível.

Quid juris?

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Caso Prático n.º 2

No dia 19 de Julho de 2008, Maria intentou contra Manuel uma acção declarativa de
condenação no tribunal da Comarca de Idanha-a-Nova.

Através de sentença de 8 de Janeiro de 2009, Manuel foi absolvido do pedido.


Inconformada, Maria pretende recorrer da decisão, pois acha que ela é contraria ao
direito nacional, visto que:

- por um lado, contraria vários acórdãos de um Tribunal da Relação

- por outro lado, contraria todos os autores nacionais que escreveram sobre o assunto.

Quid Juris?

Caso Prático n.º 3

Através de contrato celebrado a 14 de Setembro de 2008, Natércia (empresária em nome


individual), arrendou à sociedade Campos e Irmãos, Lda, a fachada de um edifício de
que é proprietária, com a finalidade de afixação de publicidade. Quanto à renda apenas
convencionaram que seria de 200 euros mensais.

Num litígio judicial em que ambas são partes, Natércia argumenta que nos termos do
art. 1039 nº1 do CC, as rendas a que dizem respeito as facturas que ia apresentando à
locatária devem ser pagas no último dia do respectivo mês. Mas a sociedade locatária
invoca que no sector da actividade em causa existe a prática de a obrigação de
pagamento do valor facturado se vencer 30 dias após o período a que respeita – e por
isso, pagou sempre atempadamente o aluguer.

Terá Natércia direito à indemnização por mora o cumprimento da obrigação de


pagamento da renda, conforme pede em juízo?

Quid juris?

Caso Prático n.º 4

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A Portaria nº1/2000 de 25 de Janeiro, determinou a substituição da fragata Vasco da
Gama com todos os seus tripulantes pela fragata Comandante Hermenegildo Capelo
com todos os seus tripulantes na missão portuguesa participante no processo de
restauração da paz e segurança em Timor Leste. Trata-se de uma lei?

Caso Prático n.º 5

Uma cheia destruiu a 31 de Dezembro de 2005 os rés-do-chão de sete edifícios da


Ribeira no Porto. Porque lá moravam os seus proprietários e as respectivas famílias,
todos eles com sérias necessidades económicas, e os edifícios em causa têm grande
interesse histórico turístico, o Governo fez publicar um decreto-lei que dizia o seguinte:

Art. 1: É concedido um subsídio a fundo perdido, até ao valor de 30 mil euros a cada um, em
favor dos proprietários dos rés-do-chão dos edifícios da Ribeira no Porto, atingidos pela cheia de 31
de Dezembro.

Art 2: Idêntico subsídio será concedido aos proprietários dos edifícios ou suas fracções, situados nas
margens do douro ou do Tejo, que venham a ser severamente afectados por cheias
extraordinárias.

Analise o art. 1 e 2 separadamente e diga se são leis. Tenha em conta os arts 1 nº1
do CC e 18 nº3 da CRP.

Caso Prático n.º 6

A aldeia da Dona Eugenia não tem água canalizada, havendo apenas um chafariz. Para
dar prevalência às necessidades das famílias, os animais só podem beber água à tarde.

Domingos, acabado de chegar à aldeia, foi encher vasilhas para dar de beber às suas
vacas às 10 horas da manha. Foi interpelado por alguns populares que lhe impuseram o
pagamento de uma multa de 30 euros, alegando o costume da aldeia. As quantias
recolhidas, constituem um fundo para ajudar na instalação da canalização.

Quid juris?

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Caso Prático n.º 7

Imagine que o governo aprova um Decreto-lei nos termos do qual‖ em todas as escolas
publicas passa a ser obrigatório a existência de uma sala de lazer munida com televisão por
cabo”

Sabendo que a única causa de semelhante Decreto-lei foram os pedidos insistentes dos
filhos dos membros do Governo, diga se está em causa uma lei em sentido material?

Haverá alguma diferença se o referido Decreto-lei previr apenas a criação de salas de


lazer nas escolas públicas onde estudem os filhos de membros do Governo?

Quid Juris?

Sandra Lopes Luís

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SUB-TURMAS 5 e 6

TESTES/ EXAMES DE ANOS ANTERIORES

Introdução ao Estudo do Direito I


1.º Ano, Turno da Noite /21 de Janeiro de 2010; 19 h
Duração 2h

I
Imagine as seguintes normas hipotéticas sobre o regime do arrendamento urbano,
contidas
num decreto-lei:
«1 – Cabe ao senhorio realizar todas as obras de conservação, requeridas pelas
leis vigentes ou pelo fim do contrato, salvo estipulação em contrário.
2 – Se o senhorio, sendo a tal intimado, não realizar as obras de conservação no
prazo de seis meses, pode o inquilino solicitar a realização de obras coercivas ao
município competente, ou tomar a iniciativa da sua realização, compensando o
valor das obras com o valor das rendas.
3 – A não realização das obras dá lugar à aplicação de uma multa correspondente
a um décimo do valor da renda por cada mês de atraso na respectiva realização».

Imagine que o inquilino A pretende intimar, ao abrigo desta norma, o senhorio B


a realizar
obras de conservação e que o mesmo inquilino paga, ao abrigo de um regime de
renda condicionada apenas sujeito a actualização anual por portaria do
Governo, uma renda de valor irrisório. Qual a sua opinião? (5 valores)

II
Situe na letra do artigo 9.º do Código Civil os vários elementos da interpretação e
aponte ainda as indicações fornecidas por este artigo quanto ao fim da
interpretação. (5 valores)

III
Os acórdãos com força obrigatória geral não são leis. Comente esta afirmação. (5
valores)

IV

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A autonomia individual caracteriza a moral, por oposição à heteronomia do
direito. (3valores)
Redacção e sistematização: 2 v.

II

Introdução ao Estudo do Direito I


1.º Ano, Turno da Noite/Época de recurso /18 de Janeiro de 2010; 19 h
Duração 2h

I
O artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 38-B/2001, de 8 de Fevereiro de 2001,
dispõe o seguinte: «São criadas pelo presente diploma linhas de crédito especiais
com o objectivo de minimizar os danos que, por efeito de condições atmosféricas
excepcionais, sejam sofridos na actividade comercial, industrial e de serviços».
Segundo o preâmbulo deste diploma, através do mesmo «Pretende assim o
Governo proceder à criação de linhas de crédito bonificado como forma de apoio
aos agentes económicos atingidos por intempéries, definindo o respectivo
enquadramento geral de modo a tornar mais célere a disponibilização deste tipo
de apoios e, consequentemente, a minorar os danos por aqueles sofridos na sua
actividade económica».
Imagine que uma empresa que se dedica à actividade de plantação de legumes e
frutos para exportação e comercialização dos mesmos, tendo visto as suas
explorações agrícolas destruídas por condições atmosféricas excepcionais
pretende aceder às linhas de crédito estabelecidas por este diploma. Qual a sua
opinião? (5 valores)

II
Situe na letra do artigo 9.º do Código Civil os vários elementos da interpretação e
aponte
ainda as indicações fornecidas por este artigo quanto ao fim da interpretação. (5
valores)

III
Os acórdãos com força obrigatória geral não são leis. Comente esta afirmação. (5
valores)

IV
A autonomia individual caracteriza a moral, por oposição à heteronomia do
direito. (3
valores)

Redacção e sistematização: 2 v.

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III

Introdução ao Estudo do Direito I


1.º Ano, Turno da Noite/Frequência/6 de Janeiro de 2009; 19 h
Duração 2h

I
O Decreto-Lei n.º X/2008, de 8 de Fevereiro, contém as seguintes disposições:
«Artigo 1.º
– Nos termos do presente diploma, são atribuídos subsídios aos empresários de
táxis das cidades de Lisboa e Porto que, por efeito de aumentos excepcionais no
preço dos combustíveis, demonstrem sofrer danos irreparáveis na actividade
desenvolvida.
Artigo 2.º
– Cabe ao Ministério da Economia definir, em cada caso, o que deva entender-se
por aumentos excepcionais».

Segundo o preâmbulo deste diploma, através do mesmo «Pretende assim o


Governo proceder à atribuição de subsídios como forma de apoio aos agentes
económicos que se entende serem mais atingidos pelas variações dos preços dos
combustíveis, definindo o respectivo enquadramento geral de modo a tornar mais
célere a disponibilização deste tipo de apoios e, consequentemente, a minorar os
danos por aqueles sofridos na sua actividade económica».

a) A norma do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º X/2008 é geral e abstracta? (2 valores)


b) É válido o disposto no artigo 2.º do mesmo diploma? (2 valores)
c) Imagine que uma empresa que se dedica ao transporte de alunos, tendo visto a
sua actividade seriamente atingida pelos preços dos combustíveis verificados,
pretende aceder aos apoios estabelecidos por este diploma. Qual a sua opinião?
(4 valores)

II
Situe na letra do artigo 9.º do Código Civil os vários elementos da interpretação e
aponte ainda as indicações fornecidas por este artigo quanto ao fim da
interpretação. (6 valores)

III
Comente esta afirmação: o direito distingue-se da moral pelo critério do mínimo
ético. (4 valores)
Redacção e sistematização: 2 v.

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IV148

Introdução ao Estudo do Direito – Turma A - Turno Dia


Teste de Avaliação Contínua – 14- 4 – 2000

4.

A Lei X estabelece que ―é proibido fazer ruídos anormais na proximidade dos hospitais‖. O
Decreto-Lei Y determina que ―os automobilistas que circulem a menos de 100 metros de
qualquer hospital só podem buzinar em situação de anormal de emergência‖.

Adao seguia de bicicleta a cerca de 50 metros da ―Clínica Médica e de Internamento


ZYZ‖ quando viu Eva, sua amiga. Para a saudar e poder saudá-la, Adão accionou
repetidamente a buzina da sua bicicleta.

Adão violou alguma das disposições citadas? (5 valores)

Sandra Lopes Luís

148 Este teste encontra-se resolvido na colectânea de Exercícios de IED de Pedro Múrias na pag. 89.

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