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Gestão de Água e o Papel das


Mulheres no Semiárido Brasileiro:
Aspectos legais, socioculturais e
políticos
Mônica Barbosa

Monografia apresentada ao Programa de Pós-graduação Lato Sensu, da Escola Nacional de Saúde


Pública Sergio Arouca, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Especialista
em Gestão e Tecnologias do Saneamento.

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Mônica Teles Barbosa

Gestão de Água e o Papel das Mulheres no Semiárido Brasileiro:


Aspectos legais, socioculturais e políticos

Rio de Janeiro
2016
Mônica Teles Barbosa

Gestão de Água e o Papel das Mulheres no Semiárido Brasileiro:


Aspectos legais, socioculturais e políticos

Monografia apresentada ao Programa de


Pós-graduação Lato Sensu, da Escola
Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca,
como parte dos requisitos necessários à
obtenção do título de Especialista em
Gestão e Tecnologias do Saneamento.

Orientadora: Msc. Bianca Dieile da Silva.

Rio de Janeiro
2016
AGRADECIMENTOS

À minha amada família, por sempre me apoiar em minhas escolhas, pela


presença contínua apesar da distância física e por me proporcionar os meios
para estudar em outro estado.
À Fiocruz e à Escola Nacional de Saúde Pública, pela oportunidade de
cursar uma especialização que tanto me acrescentou em conhecimentos.
À minha querida orientadora Bianca, pela atenção, amizade e paciência
em todo o processo de realização deste trabalho.
Aos coordenadores do curso Paulo Bruno e Rosália, pela receptividade,
organização e prontidão sempre que precisei.
Aos professores, pela notável disposição e doação para passar seus
ensinamentos e conhecimentos.
Aos amigos que criei no curso, pelo companheirismo, ajuda mútua e por
deixarem o caminhar do curso mais leve.
Aos antigos amigos, por sempre estarem presentes nos melhores e
piores momentos, apoiando e acreditando em minhas escolhas.
Enfim, a todos que influenciaram direta ou indiretamente nesta etapa da
minha vida, rica em amadurecimento profissional e pessoal.
Dedico este estudo à todas as mulheres que
lutam diariamente com as dificuldades
advindas da escassez hídrica, dos
preconceitos e injustiças.
“Já se pode ver ao longe
A senhora com a lata na cabeça
Equilibrando a lata vesga
Mas do que o corpo dita

Que faz o equilíbrio cego


A lata não mostra
O corpo que entorta
Pra lata ficar reta

Pra cada braço uma força


De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força nunca seca
Pra água que é tão pouca

Pra cada braço uma força


De força não geme uma nota
A lata só cerca, não leva
A água na estrada morta
E a força nunca seca
Pra vida que é tão pouca”

A força que nunca seca


(Chico César – Vanessa da Mata)
RESUMO

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), assegurar o acesso à água e ao


saneamento enquanto direitos humanos é um passo importante no sentido de se
tornar uma realidade para todos, sem qualquer discriminação. Entretanto, embora o
acesso seguro à água seja um direito, uma grande parcela da população mundial e
brasileira não a possui de forma adequada. Com isso, a água sendo um recurso
indispensável à vida digna, sua escassez ou acesso inadequado acaba por gerar
agravos à saúde, conflitos e injustiças socioambientais. Isso afeta diretamente a
qualidade de vida e saúde de grupos sociais mais vulneráveis, como crianças e
mulheres. No Brasil, a região que mais sofre com essa problemática é a Semiárida,
onde o clima é caracterizado por chuvas irregulares, altas temperaturas e altos níveis
de incidência solar, acarretando a escassez hídrica. Atrelada a questão climática, a
região sofre com as vulnerabilidades sociais provocadas e intensificadas pela
ausência de políticas públicas que assegurem uma vida digna à população mesmo
com as adversidades ambientais. Diante disso, faz-se necessária a reflexão sobre os
diferentes aspectos que relacionam a mulher desta região com a gestão de água,
discutindo temas que vão desde questões socioculturais até questões políticas.
Portanto, este trabalho analisa e discute os diferentes aspectos do direito humano à
água, incluindo as discussões de gênero, com foco no contexto sociocultural e político
do semiárido brasileiro. O estudo foi pautado em uma metodologia de cunho científico
correspondente a uma pesquisa de revisão bibliográfica com uso de dados
secundários. Baseou-se na abordagem qualitativa, quantitativa e exploratória e, para
exposição dos resultados obtidos, utilizou-se gráficos e tabela. Ao analisar a
representatividade das mulheres no Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São
Francisco e diante de todo o arcabouço teórico levantado e discutido, constatou-se
que, no atual mandato de 2016 a 2020, dentre os 114 membros, somente 24 são
mulheres, representando assim 21% do total do Comitê. E, durante o período de cinco
anos consecutivos (2012-2016), pôde-se observar que a participação das mulheres
nas plenárias se manteve muito inferior à dos homens, representando em média um
quarto dos participantes totais, configurando assim um quadro de baixa
representatividade feminina nessa arena de discussão. Além disso, houve um
decréscimo na participação dessas mulheres durante o período analisado. Espera-se
por meio deste estudo colaborar com as discussões sobre o tema e as suas
respectivas políticas públicas que englobem a problemática descrita.

Palavras-chave: Acesso à Água; Semiárido Brasileiro; Mulheres; Comitês de


Bacias Hidrográficas.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

FIGURAS

Figura 1: Delimitação do Semiárido nordestino. ........................................................ 22


Figura 2: Matriz institucional. ..................................................................................... 34
Figura 3: Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. .................................................. 38

GRÁFICOS

Gráfico 1: Composição por sexo do Comitê (mandato 2016-2020)........................... 40


Gráfico 2: Participação de homens e mulheres nas plenárias e linha de tendência
(2012-2016). .............................................................................................................. 41

QUADROS

Quadro 1: Principais marcos históricos do DHAES. .................................................... 8


Quadro 2: Diferentes usos da água no Semiárido. .................................................... 25
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Participação de homens e mulheres nas plenárias do Comitê (2012-2016).


.................................................................................................................................. 41
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ANA - Agência Nacional das Águas


ASA - Articulação Semiárido Brasileiro
CBHSF - Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco
CEDAW - Área de Preservação Ambiental
COGERH - Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos do Ceará
DHAES - Direito Humano à Água e ao Saneamento
IBGE - Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística
INSA - Instituto Nacional do Semiárido
IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
ODM - Objetivos do Milênio
ODS - Objetivos de Desenvolvimento Sustentável
OMS - Organização Mundial da Saúde
ONU - Organização das Nações Unidas
PLANSAB - Plano Nacional de Saneamento Básico
P1MC - Programa Um Milhão de Cisternas
RES - Resolução
SNIS - Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento
SINGREH - Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos
UNICEF - Fundo das Nações Unidas para a Infância
WHO - World Health Organization
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 1
1.1 Objetivos ........................................................................................................... 3
1.1.1 Objetivo Geral .............................................................................................. 3
1.1.2 Objetivos Específicos................................................................................... 3
1.2 Justificativa ...................................................................................................... 4
2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ...................................................................... 6
2.1 ASPECTOS LEGAIS: O DIREITO HUMANO À ÁGUA E AO
SANEAMENTO........................................................................................................ 6
2.2 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS: A RELAÇÃO ENTRE MULHERES E
ÁGUA .................................................................................................................... 15
2.2.1. Divisão sexual do trabalho ........................................................................ 15
2.2.2. O precário acesso à água e a desigualdade de gênero ............................ 18
2.2.3. O Semiárido e a condição das mulheres .................................................. 22
2.3 ASPECTOS POLÍTICOS: GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS E A
QUESTÃO DE GÊNERO ....................................................................................... 29
3 METODOLOGIA ..................................................................................... 36
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ................................................................ 37
4.1 Objeto de Estudo: Breve caracterização da Bacia do Rio São Francisco 38
4.2 Representatividade dentro do Comitê ......................................................... 39
4.2.1 Participação nas discussões ...................................................................... 40
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................... 43
6 RECOMENDAÇÕES ............................................................................... 44
REFERÊNCIAS.......................................................................................... 46
1

1 INTRODUÇÃO

O acesso à água e ao saneamento é um direito humano - estabelecido pela


Resolução A/RES/64/292 (2010) da Assembleia Geral das Nações Unidas –
reconhecido como essencial, fundamental e universal, que se constitui em conjunto
com diversos outros direitos humanos, tais como o direito à vida, saúde, educação e
trabalho, sendo assim, indispensável à vida com dignidade e privacidade. Com isso, o
direito humano ao saneamento e à água representa, também, uma forma de garantir
outros direitos fundamentais, como a saúde.
Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), assegurar o acesso à água
e ao saneamento enquanto direitos humanos é um passo importante no sentido de se
tornar uma realidade para todos, sem qualquer discriminação. O direito humano à
água prevê que todos tenham água suficiente, segura, aceitável, fisicamente acessível
e a preços razoáveis para usos pessoais e domésticos. Ou seja, seu acesso em
quantidade suficiente e qualidade satisfatória é crucial para assegurar a qualidade de
vida e a promoção de saúde pública em equilíbrio com o meio, sendo também um
importante mecanismo de proteção da qualidade dos recursos hídricos.
Entretanto, embora o acesso seguro à água seja um direito humano universal,
uma grande parcela da população mundial e brasileira não a possui de forma
adequada. Juntamente com o quadro de escassez hídrica natural, a má gestão dos
recursos hídricos contribui para esse quadro alarmante.
Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF, 2015), apesar
do aumento da cobertura de abastecimento de água em nível global, quase 750
milhões de pessoas ainda não têm acesso à água potável adequada, ou seja, apesar
dos progressos globais relacionados à agua potável, os avanços não chegam às
pessoas mais vulneráveis. De acordo com dados da ONU, todos os anos 3,5 milhões
de pessoas morrem no mundo por problemas relacionados ao fornecimento
inadequado da água, à falta de saneamento e à ausência de políticas de higiene.
No Brasil, o cenário não é diferente. Segundo o Sistema Nacional de
Informação sobre Saneamento Básico (SNIS, 2010), 19 milhões de pessoas que
vivem em áreas urbanas não contam com água potável e outras 21 milhões que vivem
em áreas rurais também não têm acesso à água tratada.
2

Com isso, sendo a água um recurso indispensável a vida digna, sua escassez
ou acesso inadequado acaba por gerar conflitos e injustiças socioambientais. Isso
afeta diretamente a qualidade de vida e saúde de grupos sociais mais vulneráveis,
como crianças e mulheres. Como afirmam Hora et al. (2015, p.166), a precariedade
do saneamento contribui para agravar a situação de vulnerabilidade social em que
muitas mulheres se encontram, destacando-se aquelas inseridas nas periferias
urbanas, nas comunidades rurais ou nos assentamentos precários.
Estas mulheres, em diversos lugares do mundo, devido ao deficiente acesso à
água, são responsáveis a, juntamente com seus filhos, colher a água em fontes
públicas, muitas vezes percorrendo longas distâncias e correndo diversos riscos para
abastecer a casa e a família. Isso demanda tempo, além de condicionamento físico e
mental, atrapalhando outras atividades como de lazer e educação. No Brasil, esse
quadro, dentre outros em que relacionam culturalmente as mulheres com a água, é
muito comum em comunidades rurais, sobretudo no semiárido, onde a escassez
hídrica é mais frequente.
Mesmo com essa intrínseca relação com a água, mulheres muitas vezes não
possuem espaço para debater sobre a gestão dos recursos hídricos nas arenas
democráticas, como comitês de bacia e conselhos de recursos hídricos. Assim, não
desempenham relevante papel na tomada de decisões, apesar de serem
cotidianamente afetadas pela gestão desse recurso.

A relação das mulheres com a água não faz parte de uma natureza ou essência
feminina própria, trata-se de uma relação de dominação e opressão
socioculturalmente construída pela divisão sexual do trabalho (JARDIM, 2014).
Portanto,

“Gênero deve ser entendido não apenas como uma categoria de


análise, mas, sim, como perspectiva de transformação dos padrões
determinados para mulheres e homens na sociedade, à medida que
se reconheça que estes padrões não são o que se costuma chamar
de essência feminina ou masculina, mas foram histórica e
culturalmente construídos” (AMEIDA e MARTINS, 2007, p.5).

Assim, esse, dentre outros fatores culturais e ideológicos de gênero, devem ser
contemplados no contexto de políticas públicas do saneamento e gestão dos recursos
hídricos. A discussão deve ser plural e democrática.
O trabalho será desenvolvido em três capítulos, os quais abordarão assuntos
que perpassam a relação entre a água e as mulheres. Em um primeiro momento, no
3

Capítulo 1, será realizada uma revisão sobre o Direito Humano à Água e ao


Saneamento, para descrever os princípios que norteiam a discussão atual sobre o
acesso à água e reconhecem todos, sem discriminação, como indivíduos de direito.
Nessa parte do trabalho serão descritos os principais marcos legais sobre esse direito,
sempre dando maior enfoque à questão de gênero, sobretudo à causa das mulheres.
No Capítulo 2 serão abordados os aspectos socioculturais que caracterizam a
relação das mulheres com os recursos hídricos, dando assim um breve contexto
histórico cultural até chegar no caso das mulheres do Semiárido brasileiro. Nessa
seção, serão discutidos assuntos como a divisão sexual do trabalho, que leva a uma
condição de relação íntima entre as mulheres e a água, principalmente quando este
recurso é escasso e o acesso se dá de maneira precária.
Por fim, no Capítulo 3, serão discutidos os aspectos políticos sob duas lógicas:
a perspectiva de gênero em programas e políticas de recursos hídricos, como o
programa federal Um Milhão de Cisternas; e a tomada de decisão na gestão de águas
com foco nos comitês de bacias hidrográficas.
Os dados utilizados neste estudo abordam a participação das mulheres no
Comitê de Bacia do Rio São Francisco como caso que ilustra as dificuldades de se ter
um sistema que aborde as questões de gênero e garanta quantitativamente uma
paridade de representação.

1.1 Objetivos

1.1.1 Objetivo Geral

Analisar e discutir os diferentes aspectos do direito humano à água incluindo


as discussões de gênero com foco no contexto sociocultural e político do semiárido
brasileiro.

1.1.2 Objetivos Específicos

 Descrever o Direito Humano à Água e ao Saneamento, relacionando-o com a


questão de gênero;
4

 Refletir sobre aspectos socioculturais de gênero e a condição das mulheres no


semiárido brasileiro em situação de escassez hídrica;
 Discutir sobre políticas e programas de água com perspectiva de gênero e a
participação das mulheres nas discussões políticas de gestão;
 Analisar a representatividade das mulheres no Comitê da Bacia Hidrográfica
do Rio São Francisco.

1.2 Justificativa

O tema abordado neste trabalho tem grande relevância pois trata de um


assunto muitas vezes deixado em segundo plano ou até mesmo nem levado em
consideração - seja nas discussões políticas ou no cotidiano das pessoas -, sobretudo
no Brasil, onde, apesar do crescente número de trabalhos sobre a questão de gênero,
ainda há poucos estudos e limitações na abordagem do contexto dos recursos
hídricos. É importante considerar que, sendo um “tema transdisciplinar, a questão de
gênero perpassa diversas áreas, inclusive aquelas ligadas ao meio ambiente”
(BRANCO et al., s/d) e a saúde pública. Portanto, como elucida Bruschini (1992),
desconsiderar as relações de gênero é favorecer um conhecimento parcial e incorreto
das relações sociais.
Com isso, faz-se necessária a reflexão sobre os diferentes aspectos que
relacionam a mulher e a água, no que tange às diretrizes do direito humano, discutindo
temas que vão desde questões socioculturais - as quais devem ser debatidas na forma
mais ampla possível na busca pela discussão e análise crítica sobre condições de
vida que as mulheres são muitas vezes submetidas - até questões políticas.
Esta relação entre água e mulheres pode ser mais visível quando se há
dificuldade no acesso ao recurso e, no Brasil, a região que mais sofre com esse
problema é a Semiárida, onde o clima é caracterizado por chuvas irregulares, altas
temperaturas e altos níveis de incidência solar, acarretando escassez hídrica. Atrelada
à questão climática, a região sofre com as vulnerabilidades sociais provocadas e
intensificadas pela ausência de políticas públicas que assegurem uma vida digna à
população, mesmo com as adversidades ambientais.
Mesmo sendo uma expressiva parcela da população que mais sofre com a
questão hídrica, as mulheres, na maioria dos casos, não fazem parte das arenas
5

democráticas de discussão e não são contempladas na gestão dos recursos hídricos.


Assim, é indispensável que se analise o papel e posição das mulheres em políticas
públicas de gestão da água, sobretudo nos comitês de bacia.
Como colocam bem Branco et al. (s/d) as mulheres desempenham um
estratégico papel nesse contexto e, por conseguinte, devem ser consideradas como
agentes visíveis. Há evidências suficientes para mostrar que a integração de uma
abordagem ao debate de gênero e o modelo de desenvolvimento pode ter um impacto
positivo sobre a eficácia e sustentabilidade das intervenções de água e na
conservação dos recursos hídricos (SILVA e COSTA, 2015).
6

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 ASPECTOS LEGAIS: O DIREITO HUMANO À ÁGUA E AO SANEAMENTO

A água e o saneamento são essenciais à vida humana e indispensáveis para a


promoção da saúde pública e conservação do meio ambiente. Portanto, a falta ou
acesso inadequado à água pode gerar agravos à saúde da população, além de
acarretar conflitos e injustiças socioambientais, sobretudo em grupos sociais mais
discriminados e em situação de maior vulnerabilidade.
Em função desta realidade encontrar-se consideravelmente documentada,
sabe-se que a situação é crítica. Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico
(Plansab), aprovado em dezembro de 2013, cerca de 40% da população brasileira (77
milhões de habitantes) não tem acesso à agua. Isso ocorre devido à má gestão e à
inadequada distribuição dos recursos hídricos, além da escassez natural do recurso,
fenômeno comum em regiões secas e áridas, agravada substancial e
progressivamente pelas mudanças climáticas. Quanto a isso, no Brasil, a região
semiárida é a que mais sofre, seja pela escassez hídrica ou pelas carências de
estruturas institucionais e de gestão comprometidas em reverter a situação.
Apesar da situação privilegiada do Brasil frente ao seu potencial hídrico,
conforme o percentual de água doce disponível em seus mananciais, a distribuição
deste recurso é bastante desigual ao longo do território. Segundo Machado (2003),
apenas 30% dos recursos hídricos brasileiros estão disponíveis para 93% da
população. A região Nordeste, por exemplo, que abriga 28,91% da população, dispõe
apenas de 3,3%. Em média, entre 40% e 60% da água tratada são perdidos no
percurso entre a captação e os domicílios, em função de tubulações antigas,
vazamentos, desvios clandestinos e tecnologias obsoletas (MACHADO, 2003).

“A quantidade de água disponível para cada pessoa deve


corresponder às diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS),
não descartada a possibilidade de que alguns indivíduos necessitem
de recursos de água adicionais por razões de saúde, condições de
trabalho e do clima. A água deve ser de boa qualidade e salubre e não
conter microorganismos ou substâncias químicas ou radioativas que
ameacem a saúde humana. Finalmente, deve haver acessibilidade
física e econômica à água, independente da condição financeira das
pessoas. ” (BRASIL, 2015).
7

Com isso, nos últimos anos o direito humano à água surge como um tema
relevante nos debates sobre os direitos fundamentais e adquire importância ainda
maior nos contextos onde a água é escassa e, às vezes, se constitui em fonte de
disputas (CONSEA, 2015), como é o caso da região semiárida brasileira, além de
diversas outras localidades do mundo.

Com intuito de amenizar este quadro alarmante e visto que o acesso à água de
qualidade e quantidade satisfatórias são indispensáveis para garantir um conjunto de
outros direitos humanos, tais como à vida, saúde, educação e trabalho, a Assembleia
Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) reconheceu formalmente, em 2010,
o Direito Humano à Água e ao Saneamento (DHAES). Assim, por meio da Resolução
n° 64/292, este foi entendido como essencial para o pleno gozo da vida e de todos os
direitos humanos. Desta forma, o Conselho de Direitos Humanos colocou em mesmo
grau de importância o DHAES com um conjunto de outros direitos humanos já
reconhecidos há anos.
O referencial teórico do DHAES é uma importante ferramenta para
regulamentar o uso da água em diversos países, contribuindo de maneira significativa
para a elaboração e implementação de políticas públicas (NEVES-SILVA; HELLER,
2016).
“Os países signatários dos pactos de direitos internacionais, como no
caso do Brasil, têm a obrigação de respeitar, proteger e cumprir a
realização desse direito, criando todas as condições para a sua
realização, por meio da ampliação dos recursos humanos e
financeiros e da implementação de um conjunto de políticas públicas
que assegurem sua efetivação crescente e contínua. ” (CONSEA,
2015).

Segundo Comentário Geral nº 15 sobre direito humano à água, elaborado pelo


Comitê das Nações Unidas sobre os Direitos Econômicos, Sociais e culturais, o
acesso a este recurso deve respeitar requisitos como: disponibilidade,
qualidade/segurança, aceitabilidade e acessibilidade física e financeira, além de
respeitar os princípios gerais dos direitos humanos. Especificamente a Resolução nº
15/9 de 2010 traz um apelo aos Estados a prestarem uma atenção particular às
pessoas pertencentes a grupos vulneráveis e marginalizados, inclusive respeitando a
princípios de igualdade e não discriminação de gênero. O Comitê de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais do Conselho Econômico e Social da ONU (apud
Brzezinski, 2012), define:
8

“O direito humano à água atribui a todos água suficiente, segura,


aceitável, fisicamente acessível e a um preço razoável para usos
pessoais e domésticos. Uma quantidade adequada de água é
necessária para prevenir a morte por desidratação, para reduzir o risco
de doenças relacionadas com água e para prover água para cozinhar,
consumir e para satisfazer necessidades pessoais, domésticas e de
higiene. ” (Brzezinsk, 2012, p. 64).

Com a linha do tempo dos principais marcos históricos (Quadro 1), pode-se
observar o longo período de 33 anos de discussão sobre este direito até que ele,
finalmente, fosse formalizado no ano de 2010. A partir de então, todas as próximas
resoluções enfatizam a obrigação e responsabilidade do Estado de prover e
concretizar todos os direitos humanos, inclusive o acesso adequado à agua e ao
saneamento. Portanto, segundo Neves-Silva e Heller (2016), os países devem
garantir, progressivamente, esse direito, incluindo a obrigatoriedade a seu
reconhecimento nos ordenamentos jurídicos nacionais. Vale ressaltar que a outros
atores, além do Estado, foram atribuídos o papel de cooperação, como programas e
agências especializadas da ONU, Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional e a
Cruz Vermelha (BRZEZINSKI, 2012).

Quadro 1: Principais marcos históricos do DHAES.


ANO MARCO DESCRIÇÃO
Reconhece pela primeira vez a água como um
direito ao declarar que “todos os povos, (...),
Conferência da ONU sobre a
1977 têm direito a ter acesso a água potável em
Água, Mar del Plata
quantidade e qualidade igual às suas
necessidades básicas”.
Convenção sobre a
Eliminação de Todas as A Convenção estabelece um conjunto de
Formas de Discriminação objetivos com vista a acabar com a
1979 Contra as Mulheres – discriminação contra as mulheres e refere
CEDAW (Promulgada no explicitamente a água e o saneamento no seu
Brasil pelo Decreto nº 4.377, texto.
de 13 de setembro de 2002)
A água e o saneamento básico devem ser
Convenção sobre os Direitos garantidos pelos Estados a todas as crianças,
1989
das Crianças a fim de combater doenças, desnutrição e
mortalidade infantil.
Conferência Internacional
“É vital reconhecer primeiro o direito básico de
sobre a Água e o
todos os seres humanos a terem acesso a água
Desenvolvimento Sustentável.
limpa e saneamento a um preço acessível”.
Conferência de Dublin
1992 O Capítulo 18 da Agenda 21 subscreveu a
Conferência das Nações
Resolução da Conferência sobre a Água de Mar
Unidas sobre o Ambiente e o
da Prata segundo a qual todos os povos têm
Desenvolvimento.
direito a ter acesso a água potável, e chamou-
Cimeira do Rio
lhe “a premissa acordada em comum. ”
9

Conferência Internacional das Todos os indivíduos “têm direito a um nível de


Nações Unidas sobre vida adequado para si próprios e para as suas
1994
População e famílias, incluindo alimentação, agasalhos,
Desenvolvimento habitação, água e saneamento adequados. ”
“Os direitos a alimentação e água limpa são
Resolução da Assembleia
direitos fundamentais e a sua promoção
Geral da ONU A/Res/54/175
1999 constitui um imperativo moral tanto para os
“O Direito ao
Governos nacionais como para a comunidade
Desenvolvimento”
internacional”.
Compreende o acesso à água limpa como
Cimeira Mundial sobre
forma de garantir a dignidade da pessoa
Desenvolvimento Sustentável
humana.
Comentário Geral nº15 sobre
o Pacto Internacional de 1966
O Comentário Geral interpreta os artigos 11 e 12
2002 sobre os Direitos
do Pacto Internacional para confirmar o direito à
Econômicos, Sociais e
água. Além disso, explicita que a água é
Culturais (Incorporado ao
fundamental para a dignidade humana e
Direito Brasileiro pelo Decreto
realização dos outros direitos humanos.
nº 591, de 06 de julho de
1992)
Projeto de Diretrizes para a
As diretrizes orientam os países a
Concretização do Direito a
2005 implementarem o acesso à água e ao
Água Potável e Saneamento.
saneamento básico por toda população.
E/CN.4/Sub.2/2005/25
Buscou a relação, ao abrigo dos instrumentos
Decisão do Conselho dos
internacionais, entre os direitos humanos e o
Direitos Humanos 2/104
acesso à água potável.
Convenção sobre os Direitos
2006
das Pessoas com Deficiência
O direito das pessoas com deficiência à vida
(Promulgada no Brasil pelo
adequada inclui o acesso à água limpa.
Decreto nº 6.949, de 25 de
agosto de 2009).
Considera o acesso à água potável segura e ao
saneamento como um direito humano, definido
Relatório do Alto Comissário
como o direito a acesso igual e não-
das Nações Unidas para os
2007 discriminatório a uma quantidade suficiente de
Direitos Humanos
água potável por pessoa e para os usos
domésticos de forma a assegurar a vida e a
saúde.
Resolução do Conselho dos
Decide nomear relator especial para a questão
2008 Direitos Humanos
dos direitos humanos relacionados à água.
A/HRC/RES/7/22
Resolução do Conselho dos Insta os Estados a acabarem com as
2009 Direitos Humanos desigualdades no acesso à água e ao
A/HRC/RES/12/8 saneamento.
A Assembleia reconheceu, pela primeira vez,
formalmente o direito à água e ao
Resolução da Assembleia saneamento como direitos humanos. A
Geral da ONU A/RES/64/292 resolução apela a todos os Estados a
2010 cooperarem para a garantia desses direitos a
todos os povos.
Resolução do Conselho dos
O Conselho confirmou que o direito à água e ao
Direitos Humanos
saneamento é imperativo para os Estados.
A/HRC/RES/15/9
10

Pediu aos Estados que atuem para


concretização de todos os direitos humanos.
Resolução do Conselho dos
O Conselho encorajou a concretização integral
Direitos Humanos
do direito humano à água e ao saneamento.
A/HRC/RES/16/2
O Conselho reafirmou a responsabilidade dos
2011 Resolução do Conselho dos Estados de promoverem todos os direitos
Direitos Humanos humanos por meio de planos e programas
A/HRC/RES/18/1 políticos, além de cooperação financeira e
técnica.
O Conselho expressou sua preocupação com o
impacto negativo da discriminação e
Resolução do Conselho dos
marginalização de certos grupos em seu acesso
2012 Direitos Humanos
à água potável. Exortou os Estados a darem
A/HRC/RES/21/2
prioridade a esse direito e a assegurarem o
desenvolvimento sustentável.
O Conselho incentivou a união dos Estados para
alcançarem as Metas do Milênio em matéria de
Resolução do Conselho dos
água e saneamento. Reafirmou a
2013 Direitos Humanos
responsabilidade dos Estados de garantirem
A/HRC/RES/24/18
esses direitos e, para tanto, incentivou as
políticas sustentáveis.
O Conselho destacou a importância da
cooperação internacional para garantia dos
Resolução do Conselho dos direitos à água e ao saneamento e dos recursos
2014 Direitos Humanos a serem utilizados em caso de violação a esses
A/HRC/RES/27/7 direitos. Os Estados devem promover a
efetividade progressiva dos direitos à água
potável e ao saneamento básico.

Fonte: Água para a Vida, 2005-2015/Programa da Década da Água da ONU-Água sobre Advocacia e
Comunicação (UNW-DPAC); POLIDO (2015) apud SILVA (s/d).

Como exposto no Quadro 1, a discussão do direito à água começa em março


de 1977 com a Conferência da ONU sobre a Água, em Mar del Plata, na Argentina. O
Plano de Ação resultante da Conferência reconheceu, pela primeira vez, a água como
um direito ao declarar que “todos os povos, seja qual for o seu estádio de
desenvolvimento e as suas condições sociais e econômicas, têm direito a ter acesso
a água potável em quantidade e qualidade igual às suas necessidades básicas”.
Desde lá, tem-se debatido sobre a natureza do acesso à agua que nortearam a
construção de documentos internacionais por décadas (REIS, s/d).
Pouco mais de dois anos depois, em dezembro de 1979, o direito à água vem
à tona novamente, agora com a questão de gênero. Segundo Bulto (2015), na
Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de
Discriminação contra as Mulheres (UN Convention on the Elimination of All Forms of
11

Discrimination against Women – CEDAW), os Estados-Parte estão obrigados a


assegurar às mulheres o direito de “gozarem condições de vida adequadas,
especialmente em relação ao (...) fornecimento de água” (UN, 1979, Artigo 14, § 2o).
Ou seja, a convenção estabelece um conjunto de objetivos que visam acabar com a
discriminação contra as mulheres e refere-se explicitamente à água e ao saneamento
no seu texto. Isso demonstra a forte relação das mulheres com a água, sendo uma
das primeiras discussões a serem levantadas acerca do direito humano à água e ao
saneamento.
Com uma visão mais economicista, Brzezinski contextualiza o surgimento
desse direito humano ao explicar que:

“O direito humano à água e ao saneamento surgiu nas relações


internacionais no mesmo momento em que o acesso à água passou a
ser mais restrito e mais caro, para as populações que dispunham
habitualmente deste acesso. Em outras palavras, o contexto de
acirramento da competição entre os diversos usos econômicos da
água, da escassez fabricada pelo homem, da intensa poluição e
contaminação das fontes disponíveis, do sucateamento do Estado e
dos serviços públicos, isso tudo é o berço e a razão da proclamação
de mais um direito a alguma coisa” (BRZEZINSKI, 2012, p.78).

Outro marco importante de alcance global que enfatiza o acesso à água e que
precedeu o DHAES foi a criação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM)
pela ONU. Foram no total oito objetivos definidos em Assembleia Geral das Nações
Unidas em 2000 a serem alcançados até o ano de 2015, por meio de ações de
combate à pobreza e à fome, promoção da educação, da igualdade de gênero, de
políticas de saúde, saneamento, habitação e meio ambiente.
Dentre os ODM, o Objetivo 7 visava garantir a sustentabilidade ambiental, que
tinha como uma das metas “reduzir pela metade, até 2015, a proporção da população
sem acesso permanente e sustentável à água potável segura”. Porém, apesar desta
meta ter sido considerada atingida antes do prazo e haver questionamentos quanto a
isso - os números são superestimados, considerando que não há medição da
qualidade da água e fiscalização da adequada manutenção destas fontes
(UNICEF/WHO, 2012) -, os princípios dos direitos humanos ficaram ausentes dos
ODM, como a não discriminação.
Observa- se, assim, muita desigualdade no acesso, uma vez que idade, sexo,
etnia, deficiência e situação socioeconômica colocam algumas pessoas em
desvantagem (NEVES-SILVA; HELLER, 2016). Segundo Silva e Costa (2015), a
12

adoção de indicadores, que uma vez desagregados por sexo, idade e grupo social,
representam simultaneamente um desafio e uma oportunidade para os Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Outro ponto importante dentro do contexto abordado neste trabalho é o Objetivo
3, que previa a igualdade entre sexos e valorização da mulher e tinha como meta
“eliminar a disparidade entre os sexos no ensino primário e secundário, se possível
até 2005, e em todos os níveis de ensino, até 2015”. Segundo o Unicef, dos 781
milhões de adultos e 126 milhões de jovens analfabetos de todo o mundo, 60% são
mulheres. Essa realidade pode ser agravada, dentre outros vários fatores de
discriminação, pelo o papel sociocultural que a mulher desempenha em relação às
obrigações domésticas e familiares que a elas são atribuídas em diversas regiões do
mundo. Fato este que está diretamente ligado à relação das mulheres com a água e
a escassez hídrica, questões que serão abordadas mais detalhadamente no capítulo
seguinte.
No ano de 2015 foram pactuados outros objetivos, também a nível global, com
intuito de dar continuidade aos avanços alcançados pelos ODM, mas agora incluindo
princípios dos Direitos Humanos. Tais objetivos, denominados Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), citados anteriormente, se baseiam na
Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos Tratados Internacionais de Direitos
Humanos e almejam o combate à iniquidade e a promoção dos direitos humanos para
todos, sem discriminação, princípio até então não considerado pelos ODM.
Com relação ao DHAES, implementado cinco anos antes, foi pactuado o
Objetivo 6, o qual pretende “garantir disponibilidade e manejo sustentável da água e
esgotamento sanitário para todos até 2030”. Uma das metas, dentre as seis
pactuadas, visa eliminar a desigualdade no acesso à água potável para que todos,
sem discriminação, possam ter acesso à fonte segura e de qualidade.

“Assim, intervenções para melhorar o acesso à água e ao


esgotamento sanitário, baseadas nos direitos humanos, sem
discriminação, com participação social, transparência e
responsabilidade, podem fazer diferença na vida e na saúde das
populações vulneráveis, principalmente mulheres e crianças,
resultando em melhora do bem-estar, redução da mortalidade infantil,
redução da desigualdade de gênero, melhora no acesso à educação,
melhora da qualidade de vida e redução da pobreza” (NEVES-SILVA;
HELLER, 2016, p.1868).
13

Mas, diante de tudo isso, o questionamento que fica é se, na prática, só o direito
resolve. Erroneamente, relaciona-se o Direito Humano fundamentado como uma
garantia de acesso a direitos básicos. Porém, a mera declaração de um direito
humano à água e ao saneamento não resolve instantaneamente os problemas
políticos que alijam parte considerável da humanidade da possibilidade de usufruir de
serviços públicos de qualidade (BRZEZINSKI, 2012).
E mais: espera-se o alcance de um direito que na verdade nem precisaria ser
instituído formalmente, já que a população já conta com os serviços para satisfazer as
necessidades mais básicas. Temos de lidar com uma relação paradoxal:
reconhecimento por meio do não-reconhecimento, ou, inversamente, não-
reconhecimento justamente por meio do reconhecimento (KURTZ, 2003 apud
BRZEZINSKI, 2012). Ou seja, o óbvio às vezes precisa ser reconhecido de alguma
forma concreta para ser levado em conta porque não é reconhecido, e vice-versa.
É imprescindível que se faça uma análise profunda e crítica desse direito
relacionando-o com os princípios básicos do saneamento, sobretudo da
universalidade. É necessário que se questione, por exemplo, a respeito da
confiabilidade dos dados oficiais, assim como a qualidade dos serviços prestados. Em
muitos casos os dados estatísticos não representam a realidade e muitas vezes isso
acontece pela obrigação do cumprimento de prover o direito por parte do Estado ou
prestador do serviço, e então mascará-lo.

“Quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, é muito difícil afirmar a


existência de um direito à água e ao saneamento no Brasil. Ainda que
se faça uma interpretação generosa dos dispositivos constitucionais
sobre direitos fundamentais, não há previsão infraconstitucional de
como materializar este suposto direito. Pelo contrário, (...) o
ordenamento jurídico brasileiro tende a enfatizar aspectos econômicos
da questão, em detrimento dos sociais. ” (BRZEZINSKI, 2012, p.79).

Sabe-se que em vários âmbitos, nossas legislações e ordenamentos jurídicos


são desrespeitados. Pode-se considerar a teoria legislativa muito bem embasada,
porém muitas vezes não funciona de fato. No entanto, crê-se que, a partir do momento
em que se tem uma formalização do direito, facilita-se o meio para a reivindicação
pela responsabilidade estatal com argumentos mais fundamentados – “acesso a
mecanismos destinados a responsabilizar os governos em caso de incumprimento
desses direitos” (ALBUQUERQUE, 2015, p.12) -, além de auxiliar no processo de
14

organização de movimentos pela causa e formação de grupos sociais e organizações


de apoio.
Enfim, o acesso seguro à água é um Direito Humano que ainda é bastante
limitado e que se configura como um desafio a ser alcançado por uma considerável
parcela da população mundial. A falta dele atinge os mais vulneráveis, com
populações pobres vivendo em situação de risco contínuo e as consequências mais
graves são sentidas principalmente por crianças e mulheres. As desigualdades de
acesso - entre pobres e ricos, entre zonas rurais e urbanas ou entre bairros formais e
favelas continuam e, os efeitos dos problemas são vividos de forma distinta entre
homens e mulheres (ALBUQUERQUE, 2015; SILVA e COSTA, 2015). Por isso é
importante ouvi-las e integrá-las nas determinações legais, para promoção da
igualdade de gênero integrada à gestão hídrica e às políticas públicas baseadas nas
diretrizes do Direito Humano à Água e ao Saneamento. Portanto, como elucida Pontes
(2013), torna-se fundamental a valorização de experiências que favoreçam a
participação das mulheres como sujeitos de direito.
15

2.2 ASPECTOS SOCIOCULTURAIS: A RELAÇÃO ENTRE MULHERES E ÁGUA

2.2.1. Divisão sexual do trabalho

Historicamente, a desigualdade de gênero está presente na realidade de


diversas sociedades e países do mundo. Dentre diferentes aspectos sociais, a história
vem sendo construída sob uma ótica culturalmente machista e patriarcal, que coloca
a mulher em posição de subordinação ao homem. Tal realidade está enraizada no
cotidiano das pessoas de modo que muitas situações são normalizadas, ou seja, são
consideradas padrões para determinadas sociedades.

“Em quase todo o chamado ‘Terceiro Mundo’, as culturas


contemporâneas são marcadas pelas tensões estabelecidas entre o
fim das relações diretas de colonização e a sua presença através de
estratégias hegemônicas (neo)coloniais. (...) lógica que se sustenta
sobre a dominação e a exploração das mulheres, da natureza e dos
povos do ‘Terceiro Mundo’. ” (JARDIM, 2014, p.23-24).

Para Jardim (2014), no Brasil as desigualdades sociais não são resultado


apenas de políticas públicas recentes, mas encontram ressonâncias no colonialismo
e na construção de identidades e papéis sociais engendrados pela lógica do
patriarcalismo colonial. Tal lógica patriarcal reflete em diversas formas de
desigualdade de gênero, uma delas é a divisão sexual do trabalho, na qual perpetua-
se uma relação de opressão construída ao longo do tempo.
Por uma imposição cultural, historicamente foi construído um papel social para
as mulheres como provedoras do lar, referentes aos afazeres domésticos, cuidados
com a família, marido e filhos. Para Maciel (2007) apud Pontes (2013), a definição
histórica e cultural dos papéis femininos e masculinos – espaço público: masculino;
espaço privado: feminino – tem consequências diferenciais sobre um e outro em sua
participação na sociedade e ainda é muito forte a ideia que os homens têm história e
as mulheres, destinos. Peixoto (2009) apud Pontes (2013) considera que o ‘destino
histórico’ das mulheres, tidas como as responsáveis pelo trabalho doméstico e
familiar, com forte elo à baixa provisão de serviços socioassistenciais, tem contribuído
para continuar tal situação, principalmente no que se refere às camadas mais
carentes, de exploração das mulheres.
É dessa forma que a divisão sexual do trabalho permeia a questão de
desigualdade gênero. Na maioria das sociedades, o trabalho a ser realizado depende
16

do sexo da pessoa que desempenha determinada atividade. Porém, segundo Branco


et al. (s/d), essa divisão não se baseia apenas nas características físicas dos
indivíduos, mas, principalmente, em fatores ideológicos e culturais. Ou seja, as tarefas
desempenhadas entre homens e mulheres variam em diferentes sociedades do
mundo. Para Almeida e Martins (2007), os sistemas de papéis sociais atribuídos aos
diferentes sexos são determinados não só pelo contexto cultural, como também
político e econômico. Não se trata, portanto, de uma definição determinada apenas
pela biologia ou anatomia da pessoa, mas pelas determinações sociais a ela
atribuídas pela sociedade, quem vêm construindo ao longo da história o entendimento
sobre o que é masculino e feminino.
Para Umberto Eco (1983) apud Almeida e Martins (2007), o modelo cultural
está presente neste espaço da vida social como um conjunto de normas e de hábitos
que se integram num todo orgânico formando uma determinada proposta de cultura.
Entende-se então que desde cedo, a partir da infância e do meio familiar, as pessoas
já estão fadadas a integrarem um meio onde as determinações já estão postas quanto
ao papel dos homens e das mulheres e a que âmbitos sociais eles devem ocupar.
Dito isso, um dos maiores desafios da contemporaneidade relacionado à
questão de gênero é a desconstrução de preceitos sociais construídos ao longo da
história que relacionam os sexos por opressão e subordinação, a fim de desnaturalizar
as desigualdades, problematizando-as continuamente. Faz-se necessária, assim,
uma progressiva e profunda mudança cultural para reformulação da relação entre
homens e mulheres, a fim de promover a igualdade de direitos e oportunidades de
cada cidadão, independentemente de sexo, raça, condição econômica, etc.

“Por ser uma construção social, o conceito de gênero permite


compreender que as relações sociais variam de sociedade para
sociedade e que também podem apresentar diferenças dentro de um
mesmo contexto cultural. Tais diferenças resultam, geralmente, de
uma série de fatores: a classe social dos sujeitos envolvidos, a sua
raça, etnia e/ou faixa etária. Desse modo, um indivíduo pode sofrer
com a sobreposição de vários fatores de discriminação, sendo
duplamente discriminado, por ser homem ou mulher, branco ou negro,
rico ou pobre. ” (ALMEIDA e MARTINS, 2007, p.3).

Portanto, as injustiças advindas das desigualdades de gênero são agravadas


por outras questões sociais que podem ser somadas. Assim, a situação de mulheres
pobres, em sua maioria negras, que vivem à margem da sociedade, sem acesso digno
a políticas públicas que as acolham e protejam, é substancialmente agravada.
17

Sobretudo no meio rural, onde muitas vezes é escasso de recursos básicos a uma
vida digna e saudável, como é o caso da água no Semiárido brasileiro. De acordo com
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2011), independentemente da
desigualdade regional, o acesso à água está também associado a discriminações de
gênero e raça, importantes na configuração de um cenário cada vez mais
hierarquizado.

“Além das hierarquias de classe, observadas na concentração de


renda; gênero, no androcentrismo e sexismo cultural; raça/etnia, nas
estigmatizações e preconceitos de um passado escravagista e
colonial; podemos ainda observar hierarquias no acesso a alguns dos
‘recursos naturais’ que são indispensáveis não apenas ao
desenvolvimento e à qualidade de vida das populações, mas à própria
vida – a água” (JARDIM, 2014, p.19).

A utilização do conceito de gênero de modo associado ao de meio ambiente


pode permitir um importante avanço na compreensão das condições de vida da
população envolvida (CHALUB-MARTINS, 2006). Sob essa abordagem de gênero
relacionado aos recursos naturais, é possível associar a fragilidade social feminina ao
contexto ambiental. Segundo D’Ávila Neto e Jardim (2015), as mulheres são mais
vulneráveis aos riscos ambientais do que os homens, de acordo com uma série de
evidências e estudos sobre ecologia política feminista e relatórios internacionais para
o desenvolvimento. Isso justifica-se justamente pelo papel social atribuído às
mulheres, além de agravar-se por fatores biológicos e fisiológicos. Hora et al. (2015)
confirmam tal tese quando dizem que a ausência de saneamento e de ações voltadas
para o acesso seguro à água contribuem para agravar a situação de vulnerabilidade
social em que muitas mulheres se encontram, principalmente aquelas inseridas nas
periferias urbanas, nas comunidades rurais ou nos assentamentos precários.
A divisão sexual do trabalho, por exemplo, pode ser exemplificada claramente
com a questão da água em diversos lugares do mundo. Jardim (2014) explica que a
relação das mulheres com a água não é uma relação essencial, ou uma natureza
feminina, trata-se de uma relação de trabalho, invisível ou fantasma, diário e
compulsório, não valorizado e não reconhecido.
18

2.2.2. O precário acesso à água e a desigualdade de gênero

Em localidades onde a água é escassa ou o seu acesso se dá de forma precária


e inadequada, as mulheres têm o dever de provê-la. Além dos afazeres domésticos a
elas atribuídos, são as mulheres, muitas vezes acompanhadas de seus filhos que
geralmente estão sob seus cuidados, as responsáveis por irem buscar a água para as
necessidades básicas da família. Nesses lugares, a coleta da água se dá geralmente
em fontes públicas descentralizadas, seja em chafarizes, poços ou diretamente no
manancial mais próximo.
Isso afeta a vida dessas mulheres em diversos fatores, direta ou indiretamente.
Em muitos casos, tais fontes de coleta de água estão a longas distâncias de suas
casas, o que contribui para uma expressiva perda de tempo em suas vidas, onde
poderiam estar desenvolvendo outras atividades, como estudos, lazer ou até outros
trabalhos, os quais lhes proporcionariam mais autonomia. Entende-se que quando o
tempo gasto na coleta da água é diminuído, as mulheres têm a oportunidade de
exercer outras atividades importantes em suas vidas, que lhe proporcionariam uma
maior qualidade de vida. Segundo Neves-Silva e Heller (2016), em Gana, foi
observado que ao reduzir o tempo de coleta de água em 15 minutos, aumentava-se
de 8 a 12% o número de meninas entre 5 a 15 anos que frequentavam a escola; já no
Iêmen e Paquistão, ao reduzir o tempo de coleta em uma hora, aumentava- se a
frequência das meninas na escola em 10 e 12% respectivamente.
Outro exemplo é a África subsaariana, onde mais da metade das famílias rurais
e cerca de um quarto dos domicílios urbanos não têm acesso fácil a fontes de água
potável, dificultando a vida da população, sobretudo das mulheres que são
encarregadas de coletar a água (JARDIM, 2014). Pode-se citar aqui também a Índia,
onde há comunidades rurais em que mulheres “disputam”, com animais, o acesso às
cacimbas e outras fontes de água, que, por vezes, se encontram em situação não
adequada ao consumo humano (KAPPOR, 2007). Não necessariamente é preciso ir
tão longe, visto que essa é uma realidade muito comum na zona rural brasileira,
sobretudo no sertão nordestino, onde a cultura patriarcal é predominante e a falta de
água é constante.
Segundo Hora et al. (2015), quanto mais carente e longe de grandes centros
metropolitanos for a comunidade, verifica-se maior dificuldade no acesso à água
potável, quando da inexistência de oferta pública de serviços prestados. Isso se
19

agrava consideravelmente no meio rural porque os sistemas de abastecimento de


água potável dificilmente atingem áreas com menor densidade demográfica, pois
apesar do grande contingente populacional, a população geralmente está muito
espalhada em longos territórios, aumentando assim os custos operacionais. E,
quando o Estado não oferece um serviço público permanente, ele descarrega suas
obrigações sobre as famílias que devem cuidar de si mesmas para conseguir água, e
nas famílias, essa carga recai sobre as mulheres (SUREMAIN in MARCONDES, 2010
apud JARDIM, 2014).
“São elas que fazem estoque ou, quando não há água nas
redondezas, são elas que se ocupam de buscá-la fora, de entrar na
fila do caminhão pipa, etc., e de gerir os demais problemas
decorrentes da escassez, como o da qualidade da água conservada
nas bacias, sem falar da questão do aumento permanente do preço da
água.” (SUREMAIN In MARCONDES, 2010, p. 106 apud JARDIM,
2014, p.62).

Esse quadro demonstra a importância de um dos princípios dos direitos


humanos alinhados ao direito à água: a acessibilidade, tanto física quanto financeira.
A aquisição do recurso deve ser acessível por todos sem discriminação, e longas
distâncias e dificuldade de acesso não condizem com este ideal. Mulheres geralmente
percorrem a pé todo o percurso e carregam a água coletada na cabeça até suas
residências. Esse peso da água pode causar dores no corpo, problemas na coluna,
complicações osteomusculares e até aborto prematuro, sem falar na exposição solar
intensificada nas regiões semiáridas. Assim, a facilidade no acesso à água e a
diminuição do valor financeiro atribuído a ela favorecem o seu consumo mais
adequado, permitindo o aumento da quantidade consumida pela família, trazendo
consideráveis benefícios à saúde.
Além do princípio da acessibilidade, esta relação entre a mulher e água também
pode ser analisada sob os outros princípios, não menos importantes. A
disponibilidade, por exemplo, em quantidade suficiente para uma vida digna e
saudável, que envolve uma problemática que vai além dos problemas de intermitência
de rede estabelecida. Segundo Neves-Silva e Heller (2016), quando a distância para
a fonte de água é superior a 30 minutos, coleta-se um volume menor do que o
estimado para as necessidades pessoais e domésticas, o que compromete a higiene
e resulta no aparecimento de doenças, especialmente desnutrição e diarreia. Estudo
realizado em 2012 por Pickering e Davis, apud Neves-Silva e Heller (2016), aponta
que diminuir em 15 minutos o tempo gasto na coleta de água pode reduzir a
20

mortalidade de crianças abaixo de cinco anos em 11% e a prevalência de diarreia ou


desnutrição em 41%. Além da questão de saúde púbica, a adequada disponibilidade
hídrica favorece o desenvolvimento de uma cidade, região ou país, porém, apesar do
Brasil apresentar uma grande oferta deste recurso, ainda se verifica regiões com o
problema da falta de água (MAY, 2004), agravando a vulnerabilidade das mulheres.
Outro princípio que pode ser relacionado aqui é o da qualidade satisfatória
dessa água que se deve ter acesso. A saúde da pessoa está diretamente ligada à
qualidade da água que ela consome ou utiliza para higiene pessoal, que se agrava no
caso das mulheres. A redução da higiene causada pela quantidade precária, aliada à
qualidade escassa, durante o período menstrual, por exemplo, pode provocar infecção
do sistema reprodutor, inflamação da pelve e infertilidade; a higiene precária pode
provocar, ainda, infecções do trato-urinário diretamente associadas a partos
prematuros, má-formação fetal, e pré-eclâmpsia (NEVES-SILVA e HELLER, 2016).
Isso sem falar nos agravos à saúde que podem ser acarretados pelo consumo
de uma água de má qualidade, com presença de patógenos causadores de uma série
de doenças, sobretudo em crianças, que são mais sensíveis. Há estudos que revelam
que a segunda maior causa de morte infantil é a diarreia (UNICEF e OMS, 2009), uma
das doenças mais comuns causadas pelo consumo de água contaminada. Essa
situação afeta diretamente a vida das mulheres, pois geralmente são elas que cuidam
dos filhos.
Dentre esses princípios de acesso à água sob a ótica dos direitos humanos, o
da aceitabilidade se mostra também essencial e indispensável. Como exposto até
agora, a cultura de uma sociedade pode influenciar de várias formas a vida da
população, inclusive a forma de convivência com os recursos naturais, sejam eles
abundantes ou escassos. Diegues (2005), em seu estudo intitulado como “Aspectos
Socioculturais e Políticos do uso da Água”, traz uma abordagem interessante sobre
as diferentes perspectivas culturais referentes ao uso da água. Para ele, nas
sociedades tradicionais, as mulheres têm uma relação social e simbólica forte com a
água, tanto em sua busca quanto em seu uso. O autor realizou uma revisão sobre os
diferentes povos tradicionais brasileiros e observou a diferença da relação entre
homens e mulheres com o recurso. Nas comunidades de caboclos/ribeirinhos, por
exemplo, homens e mulheres relacionam- se com a água de modo diferenciado:

“Enquanto a maioria das tarefas extrativistas florestais (produção de


borracha, coleta de castanha e outras frutas), a pesca e caça nos rios
21

e igarapés e a preparação do terreno da várzea para a agricultura são


realizadas por homens, as mulheres e crianças são responsáveis pela
retirada da água para o uso doméstico, por tarefas agrícolas (plantio e
colheita na várzea) e artesanais. Os igarapés também são muito
usados para atividades de lazer. ” (DIEGUES, 2005, p.10).

Diante disso, a aceitabilidade das pessoas sobre o acesso à água também é


um ponto importante a ser colocado. Tanto as tecnologias de abastecimento de água,
quanto o valor agregado ao recurso, devem ser aceitos pelos usuários e adequados
à realidade local, levando-se em conta as diferentes peculiaridades. Ainda sob a
perspectiva de gênero relacionada à água em diferentes comunidades tradicionais e
seus costumes, Diegues (2005) aborda também sobre os sertanejos do Cerrado e da
Caatinga:

“As atividades humanas ligadas à água não são igualmente


distribuídas entre os membros da família. (...) Homens e mulheres se
relacionam com a água de forma distinta. Enquanto os primeiros são
vaqueiros que levam o gado para beber no rio, pescadores, guias
turísticos e tiram sua renda em trabalhos fluviais, as mulheres e
crianças têm um contato mais direto com a água. São elas que buscam
a água para o uso doméstico, muitas vezes do próprio rio para as
atividades domésticas e freqüentemente se reúnem às suas margens
para lavar roupa, banhar-se, conversar, receber e transmitir novidades
do lugar. ” (DIEGUES, 2005, p.8).

Quanto às tecnologias para superar a problemática da água e suprir a demanda


da população, para Selborne (2002) é necessário estar atento às referências técnicas
para a solução desse problema, sendo necessário desenvolver e mobilizar novas
tecnologias para conservar, captar, transportar, reciclar e salvaguardar os recursos
hídricos. Porém, para Jardim (2014), a implementação de tecnologias para reduzir o
tempo gasto na coleta de água não significa qualquer mudança nas estruturas
patriarcais e na divisão sexual do trabalho – as mulheres continuam responsáveis
pelas mesmas tarefas domésticas e pelos cuidados com as crianças.
No entanto, há formas de amenizar essa desigualdade de gênero
implementando tecnologias mais adequadas a cada realidade local, viabilizando mais
qualidade de vida para as mulheres, mesmo que a cultura patriarcal permaneça
determinando os valores e deveres femininos e masculinos. Como exemplo, pode-se
citar o caso das cisternas implantadas no semiárido brasileiro como forma de superar,
ou pelo menos amenizar, a problemática do acesso à água pela população ligada ao
déficit hídrico da região. Nos próximos tópicos será dado um maior enfoque a esta
região e à tecnologia.
22

2.2.3. O Semiárido e a condição das mulheres

Antes de entrar na questão da condição das mulheres no Semiárido do


Nordeste brasileiro, é interessante que a região seja brevemente caracterizada.
O atual espaço geográfico do Semiárido brasileiro (Figura 1) abrange
980.133,079 km² em extensão territorial e compreende 1.135 municípios distribuídos
em oito estados da macrorregião nordeste – Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba,
Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe – além do estado de Minas Gerais
no Sudeste (INSA, s/d).

Figura 1: Delimitação do Semiárido nordestino.

Fonte: Ministério da Integração Nacional, 2005.

Nessa região vivem cerca de 22 milhões de pessoas, representando


aproximadamente 12% da população brasileira, trata-se de uma das regiões secas
mais habitadas do mundo (IBGE, 2010). As mulheres representam 43,98% da
população rural e são, em grande parte, negras ou pardas, possuem nível de
escolaridade relativamente superior ao dos homens, mas, significativamente, mais
baixos que as mulheres urbanas (HORA et al., 2015).
O bioma predominante da região é a caatinga, único bioma exclusivamente
brasileiro e foi reconhecido como uma das 37 grandes regiões naturais do planeta, ao
lado da Amazônia e do Pantanal (ASA, s/d). A vegetação é em sua maioria caducifólia,
23

caracterizada pelo aspecto cinza nos períodos mais secos e verde exuberante nos
chuvosos (DUQUE, 2004). O clima é marcado por elevadas temperaturas e pela
irregularidade das chuvas, o que torna o solo progressivamente pobre em nutrientes,
levando-o à erosão e à fome na região; são duas estações bem marcadas: uma muito
seca e outra regularmente chuvosa, embora sujeita a descontinuidades ao longo dos
anos (JARDIM, 2014).

“Os atributos que dão similitude às regiões semiáridas são sempre de


origem climática, hídrica e fitogeográfica: baixos níveis de umidade,
escassez de chuvas anuais, irregularidade no ritmo das precipitações
ao longo dos anos; prolongados períodos de carência hídrica; solos
problemáticos tanto do ponto de vista físico quanto do geoquímico
(solos parcialmente salinos, solos carbonáticos) e ausência de rios
perenes, sobretudo no que se refere às drenagens autóctones. ”
(AB’SÁBER, 1999, p.7 apud JARDIM, 2014, p.71).

Aliadas a essas questões de fragilidades ambientais, estão as vulnerabilidades


sociais e estruturais características do povo do sertão. Um povo que luta
cotidianamente com tantas e diversas dificuldades. A vulnerabilidade aqui não está
relacionada somente com os riscos ambientais, mas perpassa outras esferas como o
difícil acesso à educação, saúde, cultura dentre outras políticas públicas que muitas
vezes não atendem essa parcela da população brasileira, que está distribuída em uma
considerável área do país.
A escassez de recursos, tanto naturais como financeiros, agrava o grau de
vulnerabilidade socioambiental da região. Dentre os recursos naturais, sabe-se que a
água representa a maior preocupação, por isso foi denominado como Polígono das
Secas. Os longos períodos de seca são caracterizados pela escassez hídrica, a sina
de um povo que precisa lutar com resiliência para uma vida minimamente digna.

“O binômio água e seca é um dos grandes desafios históricos no


Nordeste semiárido, ou seja, a busca pela segurança hídrica para os
sertanejos. Enfrentar esse desafio é ter em consideração o contexto
de transformações no qual o semiárido está localizado, pois o mesmo
não é uma região homogênea, com modificações socioeconômicas e
culturais estruturais de grande impacto no cotidiano de sua população.
A discussão em torno do trabalho político, educativo e mobilizatório
que vem sendo realizado no semiárido, busca compreender o sentido
das experiências de convivência com o mesmo. ” (PONTES, 2013,
p.15).

Embora o Brasil seja considerado um país privilegiado no que diz respeito à


quantidade de água doce, entre 12% e 16% do volume total de ‘recursos hídricos’ do
planeta Terra, sua distribuição é desigual e concentrada, ou seja, os volumes de água
24

per capita variam bastante, considerando-se a sua distribuição, a densidade


populacional e fatores socioeconômicos diversos (CLARKE e KING, 2005). Segundo
Machado (2003), apenas 30% dos recursos hídricos brasileiros estão disponíveis para
93% da população e a região Nordeste, por exemplo, que abriga 28,91% da
população, dispõe apenas de 3,3% desse volume.
A falta de água na região é consequência de diversos fatores. É importante
deixar claro que não está associada somente ao simples fato da falta de chuva, mas
sim que a precipitação ocorre de forma irregular, em período e área. Aliada a isso, há
a ocorrência do balanço hídrico negativo, ocasionada pela elevada taxa de
evapotranspiração que supera o índice pluviométrico, por alta incidência solar, e a
sazonalidade dos mananciais, provocando assim o déficit hídrico comum na região e
os longos períodos de secas.
Além dos fatores citados, que são de certa forma naturais agravados pelas
mudanças climáticas, há a questão da gestão dos recursos hídricos. Para Suassuna
(2005), as secas sucessivas, incorporadas à grande carência nos planejamentos
públicos com relação à gestão da água podem levar, em breve, a um colapso nesse
setor, ou seja, faltará água para beber. E, historicamente, isso já tem ocorrido
repetidas vezes em vários estados do semiárido brasileiro, os quais ficam com seus
reservatórios secos ou com volumes críticos. Como exemplo, pode-se citar o caso do
Ceará e seu maior e principal açude público para múltiplos usos ‘Castanhão’,
tecnologia antiga e muito utilizada na tentativa de reverter o déficit hídrico-,
responsável pelo abastecimento de boa parte dos municípios cearenses, inclusive a
capital Fortaleza. Atualmente, o Estado enfrenta uma estiagem prolongada, com mais
de cinco anos consecutivos de baixos índices pluviométricos, e o seu principal açude,
está a um nível alarmante nunca visto antes (COGERH, 2014).
A população do sertão nordestino relaciona-se com a água dependendo do seu
uso, e preza muito por isso. É um uso hierarquizado, dividido basicamente por três
níveis diferentes de água, os quais diferem em quantidade de qualidade. A difusão da
ideia das três águas tem sido observada tanto nas famílias como em outras entidades
que trabalham com manejo e captação de água de chuvas no Nordeste e, mesmo
prosaica, sem grandes conjecturas, contempla bem a realidade do sertanejo
(PONTES, 2013). Conforme descrita por Mário Farias em entrevista em 2009, apud
Pontes (2013, p.15-16), a ideia das “três águas para o semiárido” se configura da
seguinte forma:
25

“Uma família na zona rural precisa de três águas, em quantidade e


qualidade diferentes. Ela precisa de uma água numa quantidade
menor, mas numa qualidade maior. Aí ela precisa de uma segunda
água, que é a água para o asseio, para uso geral na casa, lavar prato,
porque não adianta você tomar água boa e lavar o prato com água
suja. Precisa lavar o prato, tomar banho e aí se contamina pelos poros,
pelo nariz, pela boca. Essa quantidade aumenta, é uma quantidade
maior, mas a qualidade não precisa ser tanta como da primeira. E tem
a terceira água que é pra produção, porque a família tem que produzir
a partir da pecuária e da agricultura. É assim: qualquer processo que
não seja crescente nessa história, a família precisa garantir primeiro a
água de primeira necessidade, depois precisa garantir a do uso geral
da casa e depois, a de produzir. Até porque, essa, em quantidade
menor, a família todo dia, se não tiver ela próxima a casa, vai ter que
se deslocar pra ir pegar, porque todo dia ela bebe e prepara alimento.
A limpeza, o banho é mais dispensável. Então, primeiro garantir essa
água pra todo dia, aí depois garantir a outra água que não
necessariamente é todo dia, e isso faz parte da rotina. ” (FARIAS, 2009
apud PONTES, 2013, p.15-16).

Como já foi dito, o abastecimento de água nas zonas rurais se dá geralmente


de forma descentralizada, ou seja, não há uma rede estabelecida com dutos de
captação e distribuição da água. Por isso a necessidade de coleta por parte da
própria população, e os pontos geralmente são a partir de nascentes, poços,
chafarizes públicos e mananciais como rios, açudes e barragens.
O quadro a seguir (Quadro 2) exemplifica os diferentes usos da água advinda
de distintos pontos de coleta. Assemelha-se um pouco com a definição das “três águas
para o Semiárido”, pois classifica a água de acordo com a qualidade e quantidade,
que depende da fonte e influencia no destino e utilização.

Quadro 2: Diferentes usos da água no Semiárido.


FONTE DESTINO UTILIZAÇÃO
Cisterna de captação de Água para beber,
água de chuva ou poço Água para a família cozinhar, lavar louça,
raso ao lado da casa. banho.
Água de pequenas
Água para a Tomar banho, animais,
barragens largas e
comunidade e uso na pequena horta.
profundas.
Poços profundos ou
barragens largas e Água de emergência Todas as necessidades.
profundas.
Pluvial em barragem
subterrânea; reservatório Irrigação para período
Água para agricultura
para irrigação; cisterna entre chuvas.
de calçadão.
Fonte: Adaptado de SCHISTEK, 2005 apud PONTES, 2013.
26

Dentre os vários usos da água e dos problemas que envolvem este recurso
natural no Semiárido, aquele que se destina ao consumo da família é um dos mais
graves, principalmente numa época seca (BRANCO et al., s/d). Outro fator
problemático diz respeito às fontes que, em época de seca, muitas delas secam ou
ficam em níveis críticos, mudando assim a lógica natural do uso, variando tanto a
quantidade como a qualidade. Então, a gestão hídrica dentro da comunidade e da
família depende também dos fatos climáticos e não somente da preferência de
atividades advindas de determinadas fontes.
Dentro desse contexto e do que já foi abordado até aqui, pode-se imaginar o
papel da mulher sertaneja. Nos períodos de seca quem sofre mais são elas, pois são
encarregadas de prover a água para todas essas necessidades e esse não é um papel
nada fácil diante da situação de escassez hídrica. O acesso precário à água tende a
intensificar ainda mais o trabalho delas, devido à disponibilidade afetada e à qualidade
comprometida da água; o número de fontes se reduz fazendo com que elas percorram
maiores caminhos ou fiquem em filas esperando sua vez, que depende também do
aparecimento da água. Segundo Pontes (2013), em alguns casos, elas chegam a
andar mais de dez quilômetros por dia, transportando 150 latas, equivalendo a 2.700
litros de água/mês, esforço compartilhado, muitas vezes, com crianças.

“As mulheres executam um importante trabalho de gestão da pouca


água disponível, coletando, armazenando e administrando as tarefas,
as quais essa vai ser destinada. O fato das mulheres serem
encarregadas por essas responsabilidades é considerado como uma
representação, no que se refere ao retrato da vida em regiões secas
do Nordeste, ou seja, esse delineia amplamente a cultura em regiões
do Nordeste brasileiro. ” (FICHER e ALBUQUERQUE, 2002 apud
COSTA et al., 2009, p.2).

Ou seja, além do papel de coleta da água para usufruto próprio e da família, a


mulher é encarregada por diversas outras tarefas com contato direto com a água. Na
zona rural nordestina, é corriqueiro ver meninas, desde cedo, exercendo papéis de
adultas, como cuidar dos irmãos e da casa, além de coletar a água para a família. Isso
caracteriza a vida da mulher sempre dentro ou nos arredores da casa. Segundo Hora
et al. (2015), isso pode ser explicado pela ausência de assistência do Estado no
cuidado com as crianças menores de três anos ou no apoio aos idosos, pois a falta
de acesso a creches ou a políticas de amparo à terceira idade induz as mulheres a
tornarem-se cuidadoras, comprometendo sua participação em atividades econômicas
exercidas fora de casa.
27

A região tem a cultura patriarcal e machista muito forte, enraizada


historicamente. Assim, a divisão sexual do trabalho é bem definida, estabelecendo o
papel da mulher e do homem nas comunidades rurais.

“O papel das mulheres no semiárido é um retrato de como são fortes


e poderosas, mesmo nem todas tendo consciência disso. São elas que
sustentam a unidade familiar, jovens ou idosas, trabalhadoras
domésticas ou intensamente no campo e continuam resistindo e
lutando pela sobrevivência encontrando formas dentro da lógica da
convivência. ” (PONTES, 2013, p.19).

Apesar desse intenso e importante trabalho que as mulheres desempenham


diante da família e da comunidade no semiárido, elas muitas vezes não são
reconhecidas como trabalhadoras rurais. O trabalho das mulheres é invisível até para
elas próprias, que, em determinadas ocasiões, não se identificam como trabalhadoras
rurais e, sim, como ajudantes do próprio marido (BRANCO et al., s/d). Como explicam
os mesmos autores, o tempo dispensado pela mulher para conseguir água, não é
computado como horas de trabalho, assim como outros tempos. Isso vem contribuir
na negação dos afazeres domésticos como trabalho.

“A jornada cotidiana da mulher no campo é, geralmente, subestimada,


uma vez que o trabalho da roça fica subsumido no doméstico,
considerado não-trabalho, visto como extensão de suas atribuições de
mãe/esposa/dona-de-casa, naturalmente considerada parte das
relações afetivas. A jornada de trabalho da mulher rural inclui o
cuidado das crianças, dos doentes, dos velhos, o apoio psicológico
para manter a família unida, o abastecimento d’água, que, muitas
vezes, supõe seu deslocamento diário até três, quatro quilômetros, e
o da lenha (...) isso perfaz uma superjornada que se inicia geralmente
às 4 horas da manhã e só termina com a chegada dos filhos da escola
noturna. A mulher é a última a deitar e a primeira a acordar. ”
(FISCHER, 2006, p.44-45).

Essa desvalorização da mulher, atrelada a poucas oportunidades de mudança


de perspectiva de vida, contribui para que a população feminina tenha uma baixa
autoestima. Isso pode gerar sofrimentos psicológicos e medos, atrapalhando-as em
outros âmbitos de suas vidas. Porém, também há muitas mulheres que conseguem
superar essas dificuldades e procuram meios de buscar melhores condições de vidas,
trilhando seus próprios caminhos e sonhos. Um dos caminhos que essas mulheres
seguem é a migração do meio rural para o meio urbano em busca de maiores
oportunidades. Porém, isso pode gerar mais desapontamentos, visto que a vida nas
grandes cidades está cada vez mais difícil com modelos de vida excludentes,
28

desiguais e injustos, com altos contingentes populacionais e mínimas possibilidades


de ascensão social e econômica.
Segundo Hora et al. (2015), conforme levantamentos estatísticos dos últimos
anos, a migração feminina tem aumentado, resultando na diminuição percentual
próximo a 5% de sua presença nas áreas rurais entre 2007 e 2010. Para Abramo
(2000), a migração feminina está associada, na maioria das vezes, na busca por
educação e no acesso a empregos, mesmo que de forma precária, em casas de
família. Hora et al. (2011) acreditam que a permanência da precariedade no meio rural,
principalmente no que tange à existência de infraestrutura básica, contribui para este
fenômeno, no qual o acesso à água e ao saneamento são elementos fundamentais.
29

2.3 ASPECTOS POLÍTICOS: GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS E A


QUESTÃO DE GÊNERO

Outro aspecto importante que perpassa a questão de gênero relacionada com


os recursos hídricos, é o político. Apesar da íntima relação com a água, as mulheres
muitas vezes não são contempladas em políticas de gestão. Isso se dá em diferentes
âmbitos, tanto no meio local comunitário, quanto em níveis mais amplos, como nas
bacias hidrográficas; seja a perspectiva de gênero em programas, seja na tomada de
decisão, conforme descrito mais detalhadamente a seguir.
Como discutido até aqui, foram construídos ao longo da história conceitos de
gênero; do que é masculino e do que é feminino, do que é próprio para mulheres e
para homens e o papel que cada um desempenha na sociedade. De maneira geral,
culturalmente foi atribuído às mulheres as atividades domésticas do lar e aos homens
os domínios públicos, como é o caso da política. Segundo Almeida e Martins (2007),
uma das principais manifestações das desigualdades existentes entre homens e
mulheres refere-se ao acesso à esfera política, portanto, nota-se, facilmente, que as
mulheres são mal representadas em todas as esferas da vida política, bem como nos
processos de tomadas de decisão. Isso faz com que as suas prioridades e
necessidades, em todos os âmbitos, sejam negligenciadas nos processos políticos.
Portanto, como observa Melo (2010), reconhecer a mulher como trabalhadora rural,
tanto no âmbito da família, como no espaço público, significa romper uma barreira
histórica e cultural, construída a partir da divisão sexual do trabalho.
Dentro do contexto do Semiárido brasileiro, segundo Jardim (2014), os
territórios vulneráveis não estão apenas relacionados ao contexto de extrema pobreza
e miséria no qual muitas mulheres se encontram, mas também às próprias barreiras
socioculturais que lhes são impostas. Levando para o caso da água, é evidente que
mulheres desempenham importante papel na gestão dos recursos hídricos tanto
dentro de casa no âmbito familiar quanto na comunidade, porém isso não é
reconhecido e elas geralmente são excluídas nos processos políticos e de
planejamento. E, como já foi descrito, as mulheres são diretamente afetadas pelos
problemas ambientais, sobretudo pela escassez hídrica e o precário acesso à água.
Fatores estes que justificam a necessidade de integrá-las nas políticas e programas
de gestão hídrica comunitária, ou seja, deve haver uma perspectiva de gênero que
30

leve em consideração as necessidades das mulheres, enfatizando as peculiaridades


de gênero na capacitação e participação nas discussões sobre o acesso à água.
A participação das mulheres nas tomadas de decisão, especialmente nas de
alto nível relacionadas ao ‘meio ambiente’, é ainda consideravelmente menor do que
a participação dos homens, restringindo assim a integração de questões e
perspectivas de gênero na proposição de políticas públicas locais (ONU, 2010). A
desatenção por parte dos formuladores de políticas públicas e também de estudiosos
marca a “invisibilidade” das mulheres na problemática da seca, onde elas têm sido
visualizadas como atores passivos (PONTES, 2013). Porém, como explica Branco et
al. (s/d), a utilização do enfoque de gênero deve ser considerada como de grande
importância nos projetos e programas destinados à mitigação da escassez dos
recursos hídricos, pois mulheres desempenham um estratégico papel nesse contexto
e, por conseguinte, devem ser consideradas como agentes visíveis.

“A integração de políticas de gênero e desenvolvimento implica


reconhecer e considerar as mulheres não apenas como
destinatárias/beneficiárias de programas e projetos para o
desenvolvimento, mas também como partícipes na escolha das
técnicas e na gestão do sistema proposto. Isto implica que as mulheres
se tornem agentes do desenvolvimento, elas devem decidir e gerir os
seus próprios recursos comunitários. ” (JARDIM, 2014).

Mesmo essa concepção de integração sendo reconhecida internacionalmente,


inclusive pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento no Relatório
‘Gender and Water’, o qual reconhece a importância das mulheres na gestão
sustentável dos recursos hídricos, em muitos projetos e programas de combate à
seca, a mulher sertaneja fica à margem do processo.
Melo (2005) considera que os estudos de gênero na realidade rural pouco
objetivam a inclusão da mulher na agricultura e nas políticas de desenvolvimento. As
políticas públicas para o semiárido, geralmente, quando não ficam no papel, não
contemplam ou, quando tratam de incluir o tema gênero, fazem muito deficientemente,
o que é um atraso pois mais da metade do semiárido é composto por mulheres
(PONTES, 2013).

“A abordagem de gênero deve ser uma atividade permanente em


todos os pontos chave do ciclo de planejamento. O propósito de
proceder a uma análise de gênero é descobrir se os temas e
interesses de todas as pessoas afetadas por uma Política, Projeto ou
Programa foram levados em consideração. Vários levantamentos têm
apontado para o fato de que, até bem pouco tempo, muitos Programas
31

e Projetos ignoravam as necessidades de mulheres e homens e,


consequentemente, não tinham êxito” (BRANCO et al., s/d, p.2).

Não considerar a equidade social de gênero nos programas voltados para a


região semiárida com o objetivo de conviver com a seca é caminhar na contramão do
desenvolvimento rural sustentável, pois as mulheres agricultoras são participantes
ativas das atividades produtivas e reprodutivas realizadas na região (MELO, 2005).
Portanto, segundo Branco et al. (s/d), para que possa haver um planejamento
adequado de ações destinadas à sustentabilidade no cenário dos recurso hídricos, é
imprescindível que mulheres, homens, crianças e idoso(a)s sejam levados em
consideração. O enfoque de gênero deve, portanto, ser considerado como prioridade
nesses projetos.
Porém, em contrapartida, nas últimas décadas as mulheres vêm ganhando
espaço no meio público e na renegociação das relações de poder. O empoderamento
feminino está cada vez mais presente na sociedade moderna, com lutas
emancipatórias que buscam a igualdade de gênero em várias esferas da sociedade,
inclusive a política. Tais movimentos sociais têm ganhado força e mais visibilidade e
as mulheres vem conquistando seus direitos ao longo dos anos. No sertão, esse
processo acontece de maneira mais vagarosa, talvez pela forte cultura patriarcal e
falta de políticas sociais efetivas que visem mudanças estruturais.
Sobre essa conquista de visibilidade feminina no semiárido, uma iniciativa que
pode servir como exemplo é o programa federal Um Milhão de Cisternas (P1MC), que
incorporou o componente gênero, promovendo maior participação das mulheres,
especialmente daquelas chefes de família. O programa está dentre outros
coordenados pela Articulação do Semiárido (ASA), os quais visam levar água para
consumo humano, por meio do uso de tecnologias adequadas às características
intrínsecas da região e sustentáveis no que tange à convivência com o semiárido.
Na última década, o uso de cisternas tem aumentado de forma significativa na
região e isso se deu, boa parte, por conta do programa. É um componente que já faz
parte do cenário do sertão, pois grande parte das casas a possuem em seu quintal. A
tecnologia prima no armazenamento da água da chuva e é considerada uma ótima
forma de convivência com as adversidades da seca. Segundo Melo (2010), a opção
pelo uso de cisterna se apresenta como uma prática ecologicamente viável para o
meio ambiente, pois não compromete a natureza como ocorre com outras obras
hídricas do tipo poços e açudes que frequentemente desgastam os lençóis freáticos.
32

Com relação às mulheres, o maior benefício advindo dessa prática/tecnologia


proporcionado a elas foi a diminuição de tempo e esforço para a captação da água,
visto que as cisternas ficam logo ao lado de suas casas. As cisternas contribuíram
decisivamente para a melhoria da qualidade de vida das famílias, sobretudo, mulheres
e crianças, que andavam de 1 a 6 km em busca de água, na maioria das vezes poluída
por diferentes agentes (SONDA et al., s/d). Em um estudo sobre a mudança de vida
das famílias advindas do programa no sertão paraibano, Sonda et al. (s/d) enumeram
os benefícios:

“A construção das cisternas aliviou o sofrimento de todos e muitos


foram os benefícios mencionados: água limpa; diminuição das
doenças; melhoria da vida das donas de casa, tempo livre para
desenvolver outras atividades, ou mesmo, voltar a poder dormir; mais
saúde para todos, entre outros. (...) as cisternas contribuíram para que
houvesse uma melhor partilha da água. Houve diminuição da pressão
sobre a mesma nas cacimbas, restando mais água para as outras
atividades domésticas – lavagem de roupa, água para limpeza da
casa, etc.” (SONDA et al., s/d).

Pode-se observar também outro benefício importante para as mulheres: a


autonomia pelo processo educativo proporcionado pelo programa. Além dos
aprendizados sobre a utilização correta da água armazenada, a população aprende a
construir as cisternas, dando espaço para as mulheres terem acesso à outras
instâncias de trabalho. O curso profissionalizante de pedreira pode lhes proporcionar
ganhos como a geração de renda e modificações das relações de gênero dentro da
própria família, contribuindo no processo emancipatório dessas mulheres.

“Em contraste com os Programas de Frente de Emergência, de caráter


assistencialista, implementados em período de seca, que até as
últimas décadas excluía a mulher, o P1MC dá espaço, em suas várias
estâncias, à mesma, seja ela chefe de família ou não. (...) Apesar de
não tratar a questão de gênero, de forma explícita, o Programa dá
visibilidade e abre espaço para a mulher, tendo em vista o fato de
focalizar as ações em nível da família e não delimitar o espaço apenas
para o homem. ” (BRANCO et al., s/d).

Isso contribui para que essas mulheres tenham maiores oportunidades de


exercerem sua cidadania e ganharem mais visibilidade na sociedade, além de
incentivá-las a se empoderarem para lutarem por um espaço mais democrático tanto
na comunidade, quanto em maiores instancias, como nas discussões políticas e
tomadas de decisão.
33

Portanto, além da conquista de serem contempladas nos programas


relacionados aos recursos hídricos, as mulheres sertanejas precisam conquistar maior
atuação no meio político para que se alcance equidade nos direitos. A participação
das mulheres em outras arenas tem se mostrado uma forma de disputa no cenário de
tomada de decisão e de gestão de conflitos, que ocorrem nos comitês de bacia que,
embora tenham sido idealizados na lei como uma forma efetiva de inclusão, de
controle social e participação, apresentam limitações.

2.3.1. Bacias hidrográficas brasileiras e seus comitês

A gestão dos recursos hídricos do Brasil foi regulamentada pela Lei nº 9.433
de 1997, a qual estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos e implementa os
instrumentos legais e institucionais para o ordenamento das questões referentes à
disponibilidade e ao uso sustentável da água.
Entre os princípios básicos da lei brasileira estão (BORSOI e TORRES, s/d):
• a bacia hidrográfica é a unidade para a implementação da Política Nacional
de Recursos Hídricos e para a atividade de gestão desses recursos;
• o gerenciamento dos recursos hídricos deve possibilitar sempre o múltiplo uso
da água;
• a água é recurso natural limitado e que tem valor econômico;
• o gerenciamento dos recursos hídricos deve ser descentralizado e envolver a
participação do governo, dos usuários e das comunidades locais;
• a água é propriedade pública;
• quando há escassez, a prioridade no uso da água é para o consumo humano
e dos animais.
Dentre os instrumentos legais está o estabelecimento das bacias hidrográficas,
a delimitação do território nacional em unidades de gestão e implantação da Política
Nacional dos Recursos Hídricos conforme diferentes realidades e peculiaridades de
cada região quanto às características hidrográficas, independentemente de outras
unidades político-administrativas.
O modelo de gerenciamento previsto na lei é hierarquizado (Figura 1), onde há
o órgão administrativo superior intitulado como Conselho Nacional de Recursos
Hídricos, responsável pelas determinações em maior escala; os Conselhos Estaduais,
34

no nível estadual; e os Comitês de Bacias Hidrográficas que discutem a gestão dentro


das unidades hidrográficas.

Figura 2: Matriz institucional de gerenciamentos dos recursos hídricos no Brasil.

Fonte: Sistema Nacional de Gerenciamentos dos Recursos Hídricos (SINGREH).

Portanto, tais determinações baseiam-se em um princípio norteador da Política


Nacional que é a descentralização da gestão dos recursos hídricos como um
mecanismo de democratização, pois parte do pressuposto que a sociedade civil local
detém maior controle e participação das decisões políticas e assim não fica
subordinada apenas ao poder centralizador, no nível federal. Para tanto, ficou
estabelecido que essa gestão integrada deve ser colegiada, devendo por isso ser
descentralizada e contar com ampla participação social, incorporando representantes
do poder público, dos usuários (aqueles que fazem uso econômico da água) e das
diversas comunidades (MACHADO, 2003).
É importante ressaltar que a incorporação da descentralização das discussões
sobre a gestão dos recursos hídricos no Brasil foi, materializada com a formação dos
Comitês de Bacias Hidrográficas em 1988, antes mesmo da promulgação da Lei em
1997, definidos como organismos colegiados, os quais fazem parte do Sistema
Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos e que, segundo a Agência Nacional
de Águas (ANA, 2011), têm como principais competências, entre outras:
 Aprovar o Plano de Recursos Hídricos da Bacia;
 Arbitrar conflitos pelo uso da água, em primeira instância administrativa;
35

 Estabelecer mecanismos e sugerir os valores da cobrança pelo uso da água.


Quanto aos principais objetivos estão:

“Garantir a pluralidade de interesses na definição do destino a ser


dado aos recursos hídricos no âmbito de cada bacia hidrográfica e
possibilitar a mais ampla fiscalização das ações, desde sua definição
até a elaboração de projetos e o controle de eficácia e da aplicação
dos recursos financeiros, assim como a universalização das
informações existentes e produzidas sobre recursos hídricos. (…) O
comitê previne e reduz riscos de que o aparato público seja apropriado
por interesses imediatistas e privados, orientando as políticas públicas
e formulando planos de desenvolvimento integrado. ” (MACHADO,
2003).

Estes comitês são compostos de forma tripartite de representantes do governo,


dos usuários do setor econômico e da sociedade civil. Então, entende-se que o comitê,
se colocado em prática como foi fundamentado na lei, funcionaria como um
instrumento de democratização, dando maior espaço para a sociedade civil e
comunidades locais, inclusive às mulheres, até então excluídas das discussões
políticas do setor. Portanto, pode-se considerar como mais uma conquista da
sociedade e mais uma oportunidade para as mulheres se tornarem tomadoras de
decisão e se colocarem como cidadãs de direito, integrando assim a perspectiva de
gênero em políticas e programas de gestão dos recursos hídricos.
Porém, como já foi dito, os comitês ainda enfrentam muitas fragilidades e
limitações relacionadas à representatividade e efetiva participação da sociedade na
gestão pública. Nos comitês a desigualdade de gênero se repete, como ocorre no
Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Vacacaí e Vacacaí-Mirim, onde há somente 25%
de mulheres entre os seus representantes (MEIER & BASSO, 2014, p.117).
Atualmente, há sete comitês federais de bacia hidrográfica, 214 estaduais e 23
consórcios intermunicipais. Para ilustrar como ainda falta muito para a implementação
desta política, cinco estados ainda não possuem nenhum comitê, são eles, Pará, Acre,
Amapá, Rondônia e Roraima (REBOB, 2016). O Comitê do Rio São Francisco, foco
deste trabalho, é um comitê federal e abrange uma vasta área da região Semiárida
brasileira.
36

3 METODOLOGIA

Este estudo foi pautado em uma metodologia de cunho científico e trata-se de


uma pesquisa de revisão literária com uso de dados secundários. A partir do
levantamento de referências relevantes, foi realizado o levantamento bibliográfico,
utilizando-se de fontes sobre o assunto, ou seja, uma revisão da literatura em artigos
publicados, trabalhos acadêmicos, livros e documentos oficiais.
O trabalho baseou-se na abordagem qualitativa (MINAYO e SANCHES, 1993)
na descrição das questões enfrentadas pelas mulheres com relação à gestão de água
já caracterizadas em estudos pregressos. Primeiramente, foi discutido o Direito
Humano à Água e ao Saneamento, para melhor compreensão de suas diretrizes no
reconhecimento de todos como indivíduos de direito. Após esse primeiro momento,
foram discutidos aspectos socioculturais que perpassam a questão de gênero e
relacionam a mulher com a água.
Baseou-se também na abordagem quantitativa (MINAYO e SANCHES, 1993)
aplicada na discussão da representatividade das mulheres junto aos órgãos de gestão
de água, mais especificamente no Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco:
a composição, por sexo, dos membros no mandato 2016-2020, e a participação das
mulheres nas plenárias de discussão, durante o período de cinco anos consecutivos,
da gestão do ano 2012 ao 2016. Para isso, foram utilizados dados secundários de
documentos oficiais oriundos da página virtual do Comitê e, para exposição dos
resultados obtidos, utilizou-se gráficos, assim como tabela com os dados numéricos.
O trabalho também foi baseado em uma abordagem exploratória, empregada
para aumentar o entendimento do problema, a partir do conjunto de informações
anteriores sobre o tópico para refinar a pesquisa (COOPER e SCHINDLER, 2003
apud LEONETI et al., 2011). Ou seja, buscou-se abordar questões relacionadas com
o tema que explicam melhor os resultados que serão compreendidos com maior
precisão, dando a base teórica para o estudo.
37

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Considera-se a criação dos Comitês de Bacias Hidrográficas um avanço na


democratização dos espaços políticos, onde a sociedade civil tem direito de participar
ativamente das discussões e influenciar nas tomadas de decisão referentes à gestão
dos recursos hídricos. Dito isso, espera-se que esta arena de discussão tenha uma
composição heterogênea de atores, que independe da classe, cor, sexo, etnia ou
condição econômica.
Portanto, entende-se que este espaço seja uma conquista para parcelas da
população que até então estiveram à margem dos processos decisórios. É uma
oportunidade formal de exercício da cidadania, que reconhece todos como indivíduos
de direito e que desempenham papel fundamental no processo. Então, é um espaço
que deve ser ocupado sobretudo por essa parcela da população, a fim de atender as
suas necessidades levando em consideração as peculiaridades de cada realidade em
diferentes bacias com suas diversidades populacional e ambiental.
O Semiárido brasileiro é uma região na qual esse princípio de inclusão e não
discriminação deve ser considerado de fato, pois apresenta diversas dificuldades,
tanto social como ambiental. A vulnerabilidade aqui não está somente relacionada aos
riscos ambientais como a escassez hídrica que provoca longas estiagens e secas,
mas também à condição da população que não tem acesso a políticas públicas
fundamentais para uma vida digna e saudável.
A participação da população dessa região brasileira nas discussões políticas
dentro da realidade de cada bacia hidrográfica inserida no território, portanto,
representa um grande avanço. Ao reconhecer isso, faz-se necessário a verificação da
composição dessas arenas democráticas, a fim de analisar o grau de democratização
está ocorrendo de fato. É importante que se realize uma análise levando-se em conta
sobretudo os princípios que fundamentam os direitos humanos de equidade e não
discriminação.
Portanto, dentro do contexto abordado até então, este trabalho buscou refletir
sobre esta questão fazendo um levantamento junto ao Comitê do Rio São Francisco,
a fim de analisar a representatividade das mulheres dentro deste meio. Os resultados
serão expostos e discutidos a seguir.
38

4.1 Objeto de Estudo: Breve caracterização da Bacia do Rio São Francisco

O Rio São Francisco nasce no Parque Nacional da Serra da Canastra, no


sudoeste do Estado de Minas Gerais e sua bacia drena áreas dos Estados de Minas
Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe e o Distrito Federal, além de cortar
três biomas: Cerrado, Caatinga e Mata Atlântica. A bacia (Figura 2) é tradicionalmente
dividida em quatro segmentos: alto, médio, submédio e baixo, subdivididos para fins
de planejamento em trinta e quatro sub-bacias (adicionalmente, a bacia foi subdividida
em 12.821 microbacias, com a finalidade de caracterizar, por trechos, os principais
rios da região), e com 645 mil km² de drenagem cobre 7,6% do território nacional. Na
classificação mundial é o 34° rio de maior vazão e, com seus 2.900 km, o 31° em
extensão (GODINHO e GODINHO, 2003; SILVA et al., 2010; WELCOMME, 1985).

Figura 3: Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco.

Fonte: KOHLER, 2003.

A Bacia representa grande importância para o Brasil, tanto pelo alto volume de
água drenada na região semiárida, que sofre com a escassez hídrica constantemente,
como por sua contribuição histórica e econômica para a região. Portanto, as águas
que formam o Velho Chico, como carinhosamente é chamado o Rio São Francisco
pela população, são de fundamental importância tanto para os ribeirinhos que vivem
ao seu redor como para a nação brasileira, afinal a bacia abrange sete unidades da
federação.
39

A bacia possui 58% da área do Polígono das Secas, além de 270 de seus
municípios ali inscritos. O clima apresenta uma variabilidade associada à transição do
úmido para o árido, com temperatura média anual variando de 18 a 27 ºC, baixo índice
de nebulosidade e grande incidência de radiação solar. A pluviosidade apresenta
média anual de 1.036 mm, sendo que os mais altos valores de precipitação, da ordem
de 1.400 mm, ocorrem nas nascentes do rio e, os mais baixos, cerca de 350 mm, entre
Sento Sé e Paulo Afonso, na Bahia. O trimestre mais chuvoso é de novembro a
janeiro, contribuindo com 55 a 60% da precipitação anual, enquanto o mais seco é de
junho a agosto. A evapotranspiração média é de 896 mm/ano, apresentando valores
elevados entre 1.400 mm (sul) a 840 mm (norte), em função das elevadas
temperaturas, da localização geográfica intertropical e da reduzida nebulosidade na
maior parte do ano (CBHSF, 2016).
Segundo a Agência Nacional das Águas (ANA), mais de 14,2 milhões de
pessoas, o equivalente a 7,5% da população do Brasil, habitavam a região em 2010.
A agricultura é uma das mais importantes atividades econômicas, mas a região possui
fortes contrastes socioeconômicos, com áreas de acentuada riqueza e alta densidade
demográfica e áreas de pobreza crítica e população bastante dispersa.

4.2 Representatividade dentro do Comitê

O Comitê da Bacia do Rio São Francisco foi criado por decreto presidencial em
5 de junho de 2001 e tem como principais missões a descentralização do poder de
decisão, a interação das ações públicas e privadas e a promoção da participação de
todos os setores da sociedade.
O Comitê conta com 62 membros titulares e expressa, na sua composição
tripartite, os interesses dos principais atores envolvidos na gestão dos recursos
hídricos da bacia. Em termos numéricos, os usuários somam 38,7% do total de
membros, o poder público (federal, estadual e municipal) representa 32,2%, a
sociedade civil detém 25,8% e as comunidades tradicionais 3,3% (CBHSF, 2016).
O mandato atual (2016-2020) é composto por 114 membros, dentre titulares e
suplentes, representantes de diferentes áreas e múltiplos interesses: Abastecimento
urbano; Indústria e mineração; Irrigação e uso agropecuário; Hidroviário; Pesca,
turismo e lazer; Hidroeletricidade; Organização não-governamentais; Consórcios,
40

associações intermunicipais ou associações de usuários; Organizações técnicas de


ensino e pesquisa; Comunidades tradicionais quilombolas; Povos indígenas; Poder
público municipal, estadual e federal.
Dentre os 114 membros, somente 24 são mulheres, representando assim 21%
do total do Comitê (Gráfico 1).

Gráfico 1: Composição por sexo do Comitê (mandato 2016-2020).

INTEGRANTES DO COMITÊ DA BACIA DO RIO


SÃO FRANCISCO POR SEXO (2016-2020)

21,05

78,95

Mulheres Homens

Esse resultado confirma todas as preposições feitas até aqui e exemplifica de


forma clara a divisão sexual do trabalho, a qual determina os âmbitos, públicos e
privados, dependendo do sexo das pessoas. Historicamente e culturalmente,
enquanto às mulheres foram atribuídas atividades domésticas com afazeres do lar e
cuidados da família em domínio particular, aos homens atribuiu-se atividades públicas,
como as discussões políticas.

4.2.1 Participação nas discussões

Os membros do Comitê se reúnem duas vezes por ano para plenárias


ordinárias – ou mais, em caráter extraordinário. O plenário é o órgão deliberativo do
Comitê e as suas reuniões são públicas. A diversidade de representações e interesses
torna o CBHSF uma das mais importantes experiências de gestão colegiada
envolvendo Estado e sociedade no Brasil (CBHSF, 2016).
41

Porém, ao analisar a participação dos integrantes nas reuniões (Tabela 1),


pode-se verificar que tal diversidade de representações e interesses não estão sendo
colocados em prática no Comitê, visto que as percepções entre homens e mulheres,
quanto à implementação de políticas de gestão de recursos hídricos, são diferentes,
pois são duas realidades e condições distintas.

Tabela 1: Participação de homens e mulheres nas plenárias do Comitê (2012-2016).

Nº DE
ANO MULHERES (%) HOMENS (%)
PLENÁRIAS
2012 3 37 63
2013 4 26,5 73,5
2014 2 23,3 76,7
2015 2 29,7 70,3
2016 2 22 88

Como exposto na tabela, foi analisada a participação dos integrantes nas


plenárias de discussão, quanto ao sexo e durante o período de cinco anos, entre o
ano de 2012 e 2016. O número de plenárias foram contabilizadas tanto por ordinárias
como extraordinárias e a participação foi levada em conta os membros titulares,
suplentes, dentre outros que participaram das discussões.

Gráfico 2: Participação de homens e mulheres nas plenárias e linha de tendência (2012-2016).

100
88
90
80 76,7
73,5
70,3
70 63
60
50
40
37
29,7
30 26,5
23,3 22
20
10
0
2012 2013 2014 2015 2016

Mulheres Homens Linear (Mulheres)


42

No período de cinco anos, pôde-se observar que a participação das mulheres


se manteve muito inferior à dos homens, representando em média um quarto dos
participantes totais, levando assim a um quadro de baixa representatividade feminina
nessa arena de discussão. Além disso, houve um decréscimo na participação dessas
mulheres durante o período analisado, como exposto no Gráfico 2. Tal tendência de
evasão pode estar ligada a diferentes razões e para uma análise mais efetiva seria
necessário aumentar o período de tempo, assim como realizar um estudo mais
aprofundado sobre os diferentes motivos das mulheres caso a caso.
Porém, a baixa participação atrelada à diminuição da mesma nos encontros,
pode ser explicada por diferentes preposições e reflexões da condição dessas
mulheres. As barreiras enfrentadas por elas para a sua participação são muitas: o
tempo e a localização das reuniões, falta de creches, falta de subsídios para
transporte, preconceito de outros membros do comitê, opressão internalizada, baixa
escolaridade, falta de tempo para participar, burocracias frustrantes, linguagem
tecnocrata dos documentos e a quase ausência de grupos organizados para a
representação em questões relacionadas com a água (MORAES e PERKINS, 2008).
Esses empecilhos vão de encontro a todas as questões discutidas até aqui
sobre os aspectos socioculturais que perpassam a relação entre as mulheres com a
água, observa-se aqui a divisão sexual do trabalho enraizada na cultura patriarcal do
semiárido brasileiro. Mas, mesmo com essas disparidades, é importante reconhecer
a importância da participação feminina no meio político institucional para
representação das necessidades da sociedade civil em geral.

“Envolvendo homens e mulheres na concepção e implementação de


intervenções leva a novas soluções eficazes para os problemas da
água; ajuda os governos a evitar investimentos pobres e erros caros;
torna os projetos mais sustentáveis; garante que o desenvolvimento
de infraestruturas produz o máximo de retorno social e econômico; e
promover os objetivos de desenvolvimento, tais como a redução da
fome, mortalidade infantil e melhorar a igualdade de gênero. ” (ONU,
2012).

Mesmo havendo esse reconhecimento internacional, a equidade de gênero não


é colocada como ponto fundamental na questão das discussões políticas. Isso leva a
um quadro desigual, onde a perspectiva de gênero em programas e planejamentos
ainda não é considerada como ponto chave para o desenvolvimento sustentável. As
mulheres desempenham papel fundamental na gestão hídrica e deveriam não só
participar das reuniões, mas estarem a frente das discussões e tomadas de decisões.
43

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O reconhecimento formal do acesso à água e ao saneamento como um direito


humano pela ONU representa um grande avanço, pois estimula a criação e a
implementação de políticas públicas que atendam populações que se encontram em
condição de vulnerabilidade social e ambiental, caso do Semiárido brasileiro. O
acesso seguro, adequado e economicamente acessível à água, combinado com
programas que promovam o empoderamento feminino, é um passo importante para
que mulheres e meninas possam usufruir de outros direitos básicos e incentivá-las no
processo emancipatório de determinações socioculturais que geram desigualdade de
gênero.
A relação intrínseca que as mulheres têm com a água pode ser explicada por
aspectos culturais determinados historicamente em diversas sociedades do mundo.
Em locais onde o acesso à água é precário, seja pela escassez hídrica, seja por má
gestão e distribuição do recurso, as mulheres e crianças representam a parcela da
população que mais sofre com essa condição. A divisão sexual do trabalho explica,
em grande parte, este quadro, determinante na desigualdade de gênero nos
processos políticos, por exemplo.
As mulheres desempenham importante papel na gestão hídrica, mas são
muitas vezes excluídas dos processos de decisão e discussão política, levando-as a
uma condição de desvantagem nos programas relacionados à água. Porém, a
participação de mulheres em todas as fases de planejamento, tomada de decisão,
implementação, monitoramento e avaliação, é parte fundamental para o
desenvolvimento sustentável e sucesso na gestão dos recursos hídricos.
Como observado neste trabalho, o atual modelo de representatividade nos
comitês de bacias não reflete a realidade da população que é constituída no mínimo
pela metade de mulheres. Há possibilidades de inclusão de políticas que fomentem a
participação da mulher nesses espaços como: existência de creches, programas de
formação exclusivo para mulheres e até a adoção de uma política de quotas como a
existente nos processos eleitorais brasileiros.
Vale ressaltar que, durante a pesquisa, notou-se que a maior parte dos
trabalhos brasileiros que abordam o tema é bastante recente, concentrada na última
década. Além disso, o relatório da ONU sobre a questão das mulheres atrelada ao
44

Direito Humano à Água e ao Saneamento foi publicado este ano (2016). Isso mostra
que essa problemática, apesar de antiga, está ganhando visibilidade no meio
acadêmico e político somente agora, talvez pelo Direito Humano à Água ter sido
aprovado em 2010. Portanto, essa discussão precisa ser progressivamente mais
explorada, a fim de transformar padrões e estereótipos sociais historicamente
construídos, na busca por maior equidade de gênero no usufruto do direito à água.

6 RECOMENDAÇÕES

Com o desenvolvimento deste trabalho e a partir dos resultados obtidos, tanto


no levantamento bibliográfico, quanto na discussão do estudo quantitativo sobre a
representatividade das mulheres no Comitê da Bacia do Rio São Francisco, é
importante destacar algumas colocações e sugerir as seguintes recomendações:
1. O instrumento formal do Direito Humano à Água e ao Saneamento deve ser um
incentivo político-institucional, com vista a contribuir para elaboração e
implementação de políticas públicas;
2. O Direito humano à Água e ao Saneamento deve ser incorporado ao arcabouço
legal brasileiro com as devidas definições de responsabilidades e sanções para
que se efetive como uma ferramenta de disputa no campo jurídico;
3. É preciso desconstruir conceitos culturais e estruturais nas sociedades
patriarcais, a fim de romper barreiras postas pela divisão sexual do trabalho,
valorizando o trabalho dos homens e das mulheres de forma igualitária;
4. Implementação de programas, projetos e políticas de acesso à água com
perspectiva de gênero, que promovam maior empoderamento das mulheres e
que garantam que elas estejam conscientes de sua capacidade de participar
ativamente nas discussões e tomadas de decisão;
5. Incorporar as necessidades específicas de mulheres na concepção,
implementação, monitoramento e avaliação das instalações de acesso à água;
6. Necessidade de uma abordagem diferenciada na governança no setor de
gestão e gerenciamentos dos recursos hídricos, onde a representatividade
deve ser mais plural e democrática nas arenas de discussão, como os comitês
de bacias;
45

7. É imprescindível que as questões de desigualdade de gênero sejam


aprofundadas e discutidas progressivamente, principalmente no âmbito rural,
onde tais questões são menos abordadas;
8. Para uma possível continuidade deste trabalho, recomenda-se um maior
aprofundamento no estudo de caso do Comitê da Bacia do Rio São Francisco,
podendo-se assim, aumentar o período analisado, levantar as problemáticas
discutidas nas reuniões bem como os produtos gerados pelas discussões, e
verificar os motivos que impedem a maior participação das mulheres neste
meio. E, para fins de conhecimentos mais amplos, é interessante que se
levante os dados de outros comitês brasileiros para que se realize um
panorama mais completo e representativo da situação.
46

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