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REVISTA ELETRÔNICA DE EDUCAÇÃO—UNIESP—UNIDADE: CAMPINAS—SÃO PAULO

Vol. I— Edição: Novembro de 2012.

RODOLFO EDUARDO SCACHETTI


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UMA VOLTA AOS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA:


NOVAS RELAÇÕES ENTRE TEORIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO

Rodolfo Eduardo Scachetti1

Resumo

Neste artigo pretendemos apresentar uma visão introdutória das relações possíveis entre
alguns clássicos da sociologia, como Durkheim, e questões novas envolvendo teoria
social e o campo da educação. O principal debate está voltado ao papel das sensações e
das forças na teoria social e suas consequências para nossos hábitos de pensamento
dicotômicos.

Palavras-chave: teoria sociológica; clássicos da sociologia; educação.

Abstract
1
Formado em Comunicação Social e Ciências Sociais, é Doutor em Sociologia, professor da FATEC – Tatuapé e da
Uniesp – Campinas e membro do coletivo CTeMe – Conhecimento, Tecnologia e Mercado/Unicamp. Contato:
srodolfo@uol.com.br
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Artigo: Uma volta aos clássicos da sociologia: novas relações entre teorias sociais e educação.
Rodolfo Eduardo Scachetti -Uniesp: Campinas.
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In this article we intend to present an introductory view of the possible relations between
some sociological classics, like Durkheim, and some new questions concerning
sociological theory and the educational field. The main debate is directed to the role of
sensations and forces in sociological theory and its consequences to our habitudes of
dichotomist thought. Keywords: sociological theory; sociological classics; education.

A importância dos clássicos da sociologia se confirma a cada nova visitação.


Certamente, isso explica seu estatuto de clássicos. Mas isso não ocorre apenas em
função dos diagnósticos consistentes acerca das transformações e dos problemas
inaugurados pela emergência das sociedades modernas. Os clássicos são clássicos uma
vez que lidam com questões que, não raro, suplantam as propriamente históricas. Mas
como diagnosticar uma época e, ao mesmo tempo, ir além dela, seja através da
iluminação das suas origens, seja através da talvez mais difícil indicação das suas
tendências? A resposta a essa questão é seguramente complexa, mas podemos pleitear
com certa segurança que nesse "enigma" reside o caráter daquilo que, em tempos nos
quais tudo que é sólido se desmancha no ar, insiste em permanecer.
E como permanece, poderíamos indagar? Os clássicos vivem de leitores. E de
leitores ativos, envolvidos na tarefa, por vezes baseada na necessidade de um intenso
trabalho exegético, de confrontação dos tempos históricos. Os fundadores da sociologia
se defrontaram com a aceleração das transformações sociais, fruto da modernidade, ao
passo que hoje, passado mais de um século, a vertigem da velocidade envolve, como já
afirmaram alguns autores, a aceleração da aceleração dessas transformações. Tais
mudanças ocorrem nos mais diferentes domínios, e a questão que se impõe com
frequência entre os acadêmicos é: os clássicos ainda dão conta de explicar essas
mudanças?
Sem a pretensão de responder a essa questão, podemos, ao menos, constatar que
o trabalho dos comentadores acerca dos clássicos costuma ter de lidar com ela. Em

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termos de teoria social, fazemos hoje cursos na academia para discutir a validade de
correntes determinadas, seu poder explicativo, seus limites etc. Seria possível que
qualquer dessas correntes dos estudos de teoria sociológica clássica ou mesmo de
sociologia contemporânea estivesse imune a debates instaurados pelos clássicos? Difícil.
Citemos um exemplo que nos é caro: a sociologia do imaginário de Michel Maffesoli na
França. Sem entrar aqui no debate em torno das possibilidades e dos limites desse
pensamento, há algo, no entanto, que podemos observar. Muitas das questões
trabalhadas por esse sociológico são uma nova visita aos clássicos, não só aos que aqui
nos interessarão mais de perto, Durkheim, Marx e Weber, mas também a autores como,
entre outros, Pareto, Simmel, Tarde.
Partiremos, neste artigo, da sociologia de Durkheim, e isso por uma razão simples:
o autor francês, ainda que sofra grande rejeição em alguns contextos, tratou, assim como
Marx e Weber, de problemas fundantes do próprio pensamento sociológico e, dessa
forma, consideramos que a posição da filósofa Marilena Chauí se aplica muito bem nesse
caso, já que frequentemente pensamos, como ela afirmou em algumas oportunidades, no
espaço deixado vago pelo pensamento de outrem.
Essa escolha indica, de certo modo, que podemos recuperar Durkheim, e relê-lo
hoje sem preconceitos (o que não quer dizer de modo neutro, certamente), como
faríamos com um documento histórico. É evidente que seu pensamento apresenta muitas
limitações no contexto do século XXI. Mas e quanto a Marx e Weber, também não se
trata do mesmo fenômeno? Ousemos dizer que o mesmo vale nos três casos: nos limites
desses autores nosso trabalho começa e, de certa forma, todo trabalho sociológico atual
tende a continuar se aproximando e se afastando desses clássicos. Por isso, talvez, essa
exposição não seja tão ortodoxa; afinal, definiremos nosso percurso na sequência não em
função do autor que teria mais a ver com nossos campos de pesquisa recentes em
sociologia contemporânea, mas sim, possivelmente, menos. Partimos, portanto, de um
ponto que provavelmente é mais típico da filosofia: conversaremos com um "oponente"
para tentar mostrar o quão relevante foi e é seu trabalho, sobretudo onde ele, por
diversas razões, parou.
A inspiração para esse procedimento vem do filósofo Gilbert Simondon. Depois de

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ler Simondon, percebemos que fundamentalmente estamos às voltas, desde pelo menos
Sócrates, Platão e Aristóteles, com as mesmas questões. Idealismo ou realismo nas
ciências sociais? Talvez ambos e, aos poucos, superando as dicotomias que são como
aquelas escadas que devem ser abandonadas depois de subirmos os muros, nenhum
deles, se seguirmos o autor francês. Simondon é sempre generoso, e seu trabalho
estimula esse mesmo olhar. Talvez por isso decidimos observar Durkheim mais de perto,
cuja obra hoje sofreu condenações bastante duras, afetando novos leitores.
Que Durkheim seja evolucionista, isso talvez seja mesmo difícil de negar. Mas
pensemos um pouco: tratava-se do século XIX. Como fugir de modo fácil da principal
matriz de conhecimento do período? Durkheim se voltou às ciências naturais,
frequentemente à biologia, assim como autores como Spencer e Comte estiveram
mobilizados por problemas correlatos. Estamos no tempo da física social. Ora, quando
Durkheim espera fundar uma ciência do social, uma 'sociologia' na nova terminologia que
começava a se consagrar, o mais nobre nesse empreendimento tratou sem dúvida do
campo de questões que foi aberto, não necessariamente das soluções durkheiminianas.
Podemos discordar das rígidas definições de Durkheim dos fatos sociais, pois pensá-los
como coisas, dirão os marxistas, trata-se de pura reificação. Mas o francês está tomado
por questões que abrirão o campo da sociologia, e ter tomado direções por demais
cientificistas não significa que sua sociologia possa hoje ser descartada, sob pena de, em
termos um tanto weberianos, abandonarmos nossos trabalhos acadêmicos e
caminharmos diretamente para as ações exclusivamente políticas. Lidar com a sociologia
de Durkheim seria, desse ponto de vista, um trabalho acadêmico altamente relevante, e
que toma sem dúvida o político em sua dimensão ampla, inseparável de qualquer
atividade humana.
Mas, se deixarmos agora claros dois objetivos a este artigo, em primeiro lugar, (1)
em que pontos envolvendo mais concretamente a formação da disciplina sociologia
podemos travar um diálogo com esse nosso ilustre oponente? E, em segundo lugar, (2)
como isso pode nos conduzir a pensar de modo introdutório a relação entre autores
clássicos e temas do universo da educação sobre os quais a sociologia tem algo a dizer,
como, por exemplo, o problema da educação formal e não-formal?

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(1) Como já insistimos, não podemos abandonar as questões que Durkheim se coloca.
No nosso caso, o autor sempre foi referência de formação nas linhas de pesquisa em que
investimos esforços, ainda que nunca explícita. Entretanto, as intuições de Durkheim são
rico material de consulta e têm fornecido muitos subsídios à nossa recente prática
docente na disciplina de "sociologia da educação", nos cursos superiores de formação de
professores. A sensação é de que o autor quase sempre formula questões muito
relevantes do ponto de vista sociológico, tal como aquelas que envolvem a relação entre o
comportamento individual e o comportamento coletivo, mas é sua tentativa de controle
extremo pela via cientificista que impede que a potência de seu pensamento se
estabeleça integralmente. Entendamos bem as coisas: não se trata aqui de simplesmente
criticar a ciência, mas sim uma de suas manifestações que ganhou a denominação de
positivismo. A necessidade de institucionalização da sociologia para Durkheim o leva, no
nosso entendimento, a abandonar os pontos mais fortes da questão social. Mas não é
justamente Marx que pode resolver isso introduzindo o conflito na sociologia, ou seja,
politizando toda e qualquer questão durkheiminiana? (ambos dividem algumas de suas
questões centrais como, por exemplo, o tema da divisão social do trabalho). Sem dúvida,
é possível dizer que Marx politiza a sociologia, mas assim como a tendência objetivante
da sociologia de Durkheim o leva a tentar resolver questões polêmicas como, por
exemplo, a ancoragem científica das noções de "normal" e "patológico" aplicadas às
ciências, Marx termina por desenvolver uma visão sobre a história nada consensual,
ainda que muitos assim a considerem. Afinal de contas, nem Durkheim, nem Marx, são
claramente tributários, em se tratando de história, da concepção nietzschiana do
transistórico, do extemporâneo, em suma, da concepção de Nietzsche acerca do
intempestivo. Vamos, a seguir, tentar aprofundar um pouco melhor porque Nietzsche
pode ser o fiel da balança do pensamento clássico.
N'As regras do método sociológico Durkheim, tratando dos comportamentos
individuais e coletivos, diz:

Se todos os corações vibram em uníssono, não é por causa de uma


concordância espontânea e preestabelecida; é que uma mesma
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força os move no mesmo sentido. Cada um é arrastado por todos


(DURKHEIM, E, 2007, p. 10).

Não é possível desconsiderarmos o que essas afirmações do sociólogo poderiam


ser para a sociologia contemporânea. Se as associações ou relações sociais ainda nos
interessam hoje, e sobretudo do ponto de vista das ações humanas, precisaríamos
reconhecer algo que Nietzsche apontava e que os clássicos da sociologia não
perceberam bem: a analogia com a física (ciência vista como paradigmática e não
histórica), tal como realizada por Comte na fundação da sociologia, teria de ter ido mais
longe. A questão sociológica fundamental são as forças sociais, manifestas tanto no
sentido material ou, para dizer como o filósofo Michel Foucault, positivo2, quanto no
sentido das representações sociais (plano simbólico). Entretanto, em um caso e no outro
estamos lidando seja com a experiência sensível, seja com o nível da abstração, e ainda
não propriamente com a dimensão virtual da realidade – o “verdadeiro” campo das forças.
É nele que se travaria a real disputa de forças, e isso coloca tanto Durkheim quanto Marx
em um plano que está além dessa espécie de repositório de intensidades e de potências
que é o virtual. Entretanto, é hoje nesse plano virtual, que é o plano do infra-individual e
que está aquém do sujeito formado, dos tempos históricos bem delimitados, que a disputa
capitalista se dá de modo mais intenso. Basta pensarmos na tecnologia e, mais
especificamente, na genética, temas caros às nossas pesquisas recentes. Durkheim lidou
com as totalidades, focalizando sobremaneira as bases da delimitação científica da
normalidade social e, para tanto, tomou o corpo formado, o organismo como sua
referência. Ele pensa, portanto, a sociedade como organismo, como matéria organizada,
e chega a se posicionar, em Da divisão social do trabalho, contra a cultura geral e
humanística, voltando-se ao homem competente que não busca ser completo, mas sim
produzir, preencher uma função: Daí as correntes que ganharam importância nas ciências
sociais com o nome de funcionalismo, sobretudo no campo da antropologia.
Portanto, tanto Marx quanto Durkheim pensam, de modos diferentes, é verdade, a

2
Não está em questão aqui o positivismo de Comte e Durkheim, mas o positivo tal como entendido por Foucault em
seu livro As palavras e as coisas, opondo-se sobretudo a sua etiquetagem, na época, como estruturalista.
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totalidade social e a disputa de forças3. Mas talvez não no seu plano fundamental. No
primeiro caso, o autor alemão busca demonstrar que há um sentido na história e que cabe
aos homens atualizar esse sentido através da luta de classes, aproveitando-se das
contradições que o capitalismo provoca quando revoluciona as suas bases produtivas. No
caso do francês, trata-se de buscar a ordem através do incremento dos tipos mais
ajustados de solidariedade social, notadamente a solidariedade orgânica. A relação entre
o todo e a parte em Durkheim não é dialética como em Marx, mas segue, como dissemos,
uma visão funcionalista, a saber: como na biologia, os órgãos têm a função de executar
seus papéis, garantindo assim a saúde do organismo/sociedade. Marx pretende, portanto,
que a disputa de forças seguirá um certo trajeto dadas certas condições de possibilidade,
que não excluem, por exemplo, a possibilidade da instauração do caos, enquanto
Durkheim, a seu turno, pretende que a sociologia se destaque como uma salva-guarda
contra o caos, e dê, em suma, à normalidade um caráter científico.

Em nossas pesquisas recentes as visões de autores como Deleuze, Foucault e


Simondon, todos tributários do pensamento nietzschiano, concorrem para a superação de
um paradigma histórico único, seja materialista, seja positivista. Mas, as questões são
claramente as mesmas em muitos momentos. Nesse sentido, como já insistimos, as
inspirações da sociologia clássica envolvem suas questões, mas não necessariamente
suas respostas. O próprio Durkheim reconhece, por exemplo, a importância de um tema
que depois será muito caro a filósofos como Deleuze e Simondon, que é o tema das
sensações. Ele diz n'As regras do método, no entanto, que é preciso partir do conceito
vulgar para se chegar ao científico, mas seria apenas para além da maneira como esse
material comum é elaborado que estaríamos caminhando cientificamente. Em linguagem
deleuziana, podemos dizer que Durkheim sempre reterritorializa seus achados, pois no
limite ele buscará excluir a sensação ao longo de sua démarche, desconsiderando que
ela é o ponto de acesso mais profícuo ao plano do virtual, ao plano das disputas de forças
de que, em última instância, uma formação social emerge, destacando alguns elementos
em detrimento de outros. Ora, isso significa que forças de outros tempos estão sempre
presentes em estado latente, sejam elas do passado ou até mesmo do futuro. Quando

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A palavra força está sendo empregada, neste artigo, em sentido amplo.
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Weber destacou a tendência à burocratização das sociedades contemporâneas e tratou


de sua chamada "jaula de ferro", ele de fato pinçou uma força proeminente da
modernidade ocidental (e, no caso de Weber, essa palavra é fundamental, dado seus
estudos do Oriente). Entretanto, seria possível dizer que a dominação carismática
desapareceu de nossas sociedades apenas em função da supremacia da racional-legal?
Ora, a história não tem um sentido tão claro assim. Forças de tempos diferentes
convivem. Forças voltam e são atualizadas. Em termos nietzschianos, o eterno retomo do
mesmo. Mas, como sempre enfatiza o sociólogo Laymert Garcia dos Santos, esse
diagrama sempre atualiza forças em novos momentos, como se o mesmo já viesse
diferente.
Temos, a nosso ver, uma chance que tem toda relação com esse diagrama de
forças: voltar aos clássicos sempre, para que assim eles possam seguir retornando
diferentes.

(2) Mas como toda essa discussão que está relacionada principalmente a uma
dimensão de epistemologia da sociologia pode nos levar ao campo da educação? A
educação sempre esteve ligada ao perfil das sociedades. As questões de Durkheim nos
colocam, como vimos, diante de escolhas tais como valorizar ou não a sensação na
sociologia. Para ele, a sensação é indicativa e auxilia, mas só uma espécie de elevação
da noção ao conceito garantirá o estatuto de cientificidade. É como aquilo que ocorre com
a sensação de calor e a medição do termômetro. Trata-se de um viés subjetivo, no
primeiro caso, "corrigido" pelas ciências da natureza através de um instrumento objetivo.
Ora, Durkheim luta contra o subjetivo, mas não vê problemas quanto ao arbitrário
científico. Não há ciência sem um grau de metafísica incluído, ou seja, há sempre critérios
de cientificidade, por mais que se queira apagá-los. É bastante fácil desqualificar a visão
da história como um diagrama de forças, ou seja, é fácil, do ponto de vista marxista, por
exemplo, desqualificar o transistórico em função de outros critérios de entendimento dos
fenômenos sócio-históricos. A questão é que a institucionalização do conhecimento leva
tempo e envolve disputas. O próprio Durkheim percebeu isso. Não há inovação sem
opositores. É por essa razão que reler os clássicos a contrapelo pode, por vezes,
desagradar alguns. Não é muito diferente no que diz respeito à questão da educação

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formal e não-formal, que ainda incomoda os mais tradicionais.


Os três clássicos da sociologia não puderam deixar de escrever sobre educação.
Marx e Weber o fizeram de modo não tão sistemático, enquanto Durkheim dedicou alguns
escritos a isso. Nos três casos, o pensamento educacional seguiu o trabalho teórico: Marx
pleiteava o homem onilateral (e não unilateral, bem pelo contrário) e buscava um ensino
politécnico contra a alienação e o domínio burguês e religioso das escolas. Ora, não havia
como não transpor o tema da alienação ao ensino nesse caso. Ocorreu o mesmo com
Weber, que transpôs todos os seus temas sociológicos ao mundo educacional. Ao modelo
de ação social e dos. tipos de dominação weberianos passaram a corresponder modelos
educacionais. O de maior destaque, para nós, é o que forma os quadros da burocracia.
Ensino técnico, especializado e que leva o indivíduo a subir na hierarquia - assim Weber
vê a educação moderna. E, finalmente, Durkheim. Para o francês, a educação deveria
socializar, ou seja, mais uma vez encontramos semelhança entre as obras teóricas e os
prognósticos educacionais de um autor. Sociólogo das ações coletivas e da ordem,
Durkheim vê a criança como 'ser individual' em contraposição ao 'ser social' que ela deve
se tomar. De certo modo, 'ser' então despreparado para a vida social e que deve aprender
os valores morais, enquanto ao Estado caberia o papel de regulação dessa empreitada.
Como podemos notar, os clássicos da sociologia têm posições particulares sobre a
educação, e que são tributárias de suas obras. No que diz respeito à educação formal e
nãoformal, Marx, por sua não separação entre teoria e práxis, talvez estivesse mais
próximo da consideração de que as fortíssimas barreiras que ainda hoje separam o saber
e o fazer são perigosas. Elas necessariamente se ligam a uma questão trabalhada pelo
sociólogo Pierre Bourdieu, a distinção. Olhando para a história da educação desde a
antiguidade, tal como fazem autores como Franco Cambi e Maria Lúcia Arruda Aranha,
ganhamos seguramente a percepção de que vivemos há tempos em sociedades
excludentes, e que fazem das oposições algo constante, por exemplo: o manual x o
intelectual, o prático x o teórico, o feminino x o masculino. O formal e o não-formal é outra
delas. Estamos agora tendo a chance de desconstruir, até mesmo através das novas
tecnologias, essas oposições, mas é preciso que não tenhamos medo. De todo modo, o
curso da massificação educacional segue avançado e o próprio Durkheim já criticava, no
século XIX, o descolamento do ensino em sua época, uma vez que era ainda, segundo
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ele, muito próximo de práticas renascentistas – aquelas que projetavam um homem


completo à imagem do classicismo grego –, mas em uma sociedade que atualizava novas
forças a que demos o nome de modernidade, e que não raro tivemos a pretensão de
controlar através da sociologia.

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