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UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ

Carlos Eduardo Ramos

A IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE
TECNOLÓGICA: a educação no ensino superior como
(semi)formação para o mercado de trabalho

Taubaté – SP
2007
UNIVERSIDADE DE TAUBATÉ
Carlos Eduardo Ramos

A IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE
TECNOLÓGICA: a educação no ensino superior como
(semi)formação para o mercado de trabalho

Monografia apresentada para a obtenção do


Certificado de Especialização pelo Curso
Educação: história, cultura e sociedade do
Departamento de Pedagogia da Universidade de
Taubaté.
Orientador: Régis de Toledo Souza

Taubaté – SP
2007
CARLOS EDUARDO RAMOS

A IDEOLOGIA DA RACIONALIDADE TECNOLÓGICA: A Educação no ensino


superior como (semi)formação para o Mercado de Trabalho

Monografia apresentada para a obtenção do


Certificado de Especialização pelo Curso
Educação: história, cultura e sociedade do
Departamento de Pedagogia da Universidade de
Taubaté.
Orientador: Régis de Toledo Souza

Data: _______________________________

Resultado:___________________________

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr._____________________________________________ Universidade de Taubaté

Assinatura____________________________

Prof. Dr.____________________________________________ Universidade___________

Assinatura____________________________

Prof. Dr.____________________________________________ Universidade___________

Assinatura____________________________

Prof. Dr.____________________________________________ Universidade___________

Assinatura____________________________

Prof. Dr.____________________________________________ Universidade___________

Assinatura____________________________
R175i Ramos, Carlos Eduardo
A ideologia da racionalidade tecnológica: a educação no
Ensino superior como (semi)formação para o mercado de
trabalho./Carlos Eduardo Ramos.- 2008.
52f.

Monografia (especialização) - Universidade de Taubaté,


Departamento de Pedagogia, 2008.
Orientação: Prof. Dr. Régis de Toledo Souza,
Departamento de Psicologia.

1. Ideologia da racionalidade tecnológica. 2. Indústria


cultural. 3. Semiformação . I.Título
RESUMO

Este trabalho tem como objetivo discutir algumas questões relativas ao ensino superior no
Brasil, em especial a utilização do sistema apostilado de ensino em sala de aula. As principais
questões levantadas foram: quais os fatores socioeconômicos e políticos que levaram este
sistema a ser valorizado; quais as teorias que fundamentam e legitimam a utilização deste
sistema de ensino; e quais as conseqüências que este sistema pode trazer para a constituição
do indivíduo e para o desenvolvimento da sociedade. Para responder a essas questões,
recorremos a conceitos desenvolvidos pelos teóricos da escola de Frankfurt, mais
especificamente Horkheimer e Adorno, que trabalharam, na obra “Dialética do
Esclarecimento”, o conceito de Indústria Cultural, de Semiformação e de Ideologia da
Racionalidade Tecnológica. A compreensão destes conceitos pode contribuir para elucidar os
questionamentos supracitados, quando auxiliados pela contextualização histórica e uma
análise crítica da sociedade e das Instituições escolares.
ABSTRACT

This study intends to discuss some issues relating to College education in Brazil, in particular
the use of the booklet learnship system in the classroom. The main issues studied were: what
are the socioeconomic and political factors that led the system to be valorized; which theories
that support and legitimize the use of this educational system, and what are the consequences
that this system can bring to the constitution of the individual and to society’s development.
To answer these questions, concepts developed by theorists of the Frankfurt School were
used, more specifically Horkheimer’s and Adorno’s, who, in the book "Dialectic of
Enlightenment" the concept of Cultural Industry, Semi-formation and Ideology of
Technological Rationality. The understanding of these concepts can help to elucidate the
questions above, when assisted by historical contextualization and a critical analysis of the
society and school’s institutions.
SUMÁRIO

1. Introdução ............................................................................................................................... 6

2. A Gênese do Problema – O Pensamento Iluminista ............................................................... 8

3. A educação brasileira no século XX – A escola como instrumento de dominação ............. 16

4. Indústria Cultural e Semiformação – O Sistema Apostilado de Ensino ............................... 28

5. Educação, Indivíduo e Sociedade – A Ideologia da Racionalidade Tecnológica ................ 36

6. Considerações Finais ............................................................................................................ 46

Referências Bibliográficas........................................................................................................ 50
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1. Introdução

A idéia para a realização deste trabalho surgiu da necessidade de apresentar algumas

questões centrais que envolvem a tomada de decisão de algumas universidades em adotar o

uso de apostilas como método de ensino. O discurso tecnológico incorporado pelas

instituições educacionais contribui para a semiformação do indivíduo e serve como falsa

justificativa para um ensino mercadológico direcionado para a reprodução das necessidades

do mercado de trabalho, apresentando traços que se assemelham aos da Indústria Cultural, e a

decisão tomada pelas instituições escolares de aderir a esse discurso interfere diretamente na

formação pessoal e profissional dos alunos. Ao optarem pela imposição deste discurso e deste

material pedagógico, contribuem para a manutenção da sociedade administrada e para o

enfraquecimento do indivíduo semiformado, inviabilizando uma educação de caráter

emancipatório.

Na sociedade atual a educação é apenas um dos pontos onde o discurso tecnológico

atua na contemporaneidade. Como afirma Zuin (1992), tanto a produção de bens quanto a

produção cultural se encontram em sua maioria nas mãos de empresas ou do próprio Estado, e

a educação não se exclui desta produção. Para melhor compreender os motivos que

possibilitam a existência de um hiato na educação, entre a possibilidade dos indivíduos de

refletirem criticamente sobre a sociedade e a real concretização deste objetivo, os teóricos da

escola de Frankfurt, Adorno, Horkheimer e Marcuse apresentam três conceitos-chave: o de

Ideologia da Racionalidade Tecnológica, de Indústria Cultural e o de Semiformação. Esses

conceitos serão discutidos nesse trabalho na medida em que apresentamos algumas questões

educacionais contemporâneas decorrentes do pensamento moderno.

Este trabalho se ocupou de buscar na origem do pensamento moderno os princípios

que serviram de base para a visão de homem e de sociedade que possuímos hoje, verificar
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como este pensamento penetrou historicamente no contexto escolar brasileiro e finalmente,

compreender como esse pensamento atua em algumas universidades que se utilizam deste

discurso e quais as conseqüências dessa atuação no indivíduo e na sociedade.

O método empregado nesta pesquisa foi o bibliográfico, pois segundo Gil, permite a

“cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla” [...] com o objetivo do

“aprimoramento de idéias ou a descoberta de intuições”. (2002, p. 41). A partir deste

delineamento o trabalho foi estruturado em capítulos, sendo que o primeiro capítulo busca a

origem do problema da racionalização trazida pelo iluminismo na filosofia e na ciência,

questão trazida pelo pensamento de Adorno e Horkheimer. O segundo capítulo estabelece

uma relação entre os rumos da sociedade brasileira no século XX, os rumos tomados pela

educação brasileira no século XX e sua relação com o mundo do trabalho. O terceiro capítulo

apresenta a relação entre Indústria Cultural, educação no ensino superior e o conceito de

semiformação. O quarto capítulo se ocupa de explicitar o conceito de ideologia da

racionalidade tecnológica e suas conseqüências para a constituição do indivíduo e os rumos

tomados pela sociedade e no último capítulo apresentamos algumas considerações finais

acerca do tema.
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2. A Gênese do Problema – As Bases do Pensamento Iluminista

Ao tentar compreender a situação em que se encontra o ensino superior, é possível

constatar que, cada vez mais, a sociedade está sendo consumida por um processo de

decadência que vai desde a aprendizagem escolar até o mundo do trabalho. Este processo,

determinado por fatores que envolvem a submissão do conhecimento científico pela lógica do

capital, já foi objeto de estudo dos teóricos da Escola de Frankfurt, mais especificamente

Horkheimer e Adorno na obra “Dialética do Esclarecimento – O iluminismo como

mistificação das massas”, ao perceberem uma predominância da racionalidade tecnológica na

ciência, e já no prefácio da obra, tecem críticas severas à noção de ciência estabelecida pela

filosofia, acusando-a de que, “[...] na atividade científica moderna, o preço das grandes

invenções é a ruína progressiva da cultura teórica” (2006, p. 11). O movimento que se iniciou

com Descartes e com os Empiristas e se consolidou no positivismo de Comte trouxe sérias

conseqüências não apenas no âmbito da pesquisa científica, mas para toda a estrutura da

sociedade. No momento em que trouxeram, cada um a sua maneira, uma proposta de controle

da natureza e da sociedade pela ciência, o pensamento desses autores serviu como justificativa

para impulsionar o sistema capitalista, e por conseqüência, definir as diretrizes para uma

educação direcionada ao progresso tecnológico. A seguir apresentaremos uma breve síntese

do pensamento desses filósofos, que acreditamos ser de absoluta importância para a

compreensão da gênese do problema apresentado neste trabalho.

Valendo-se de autores como Figueiredo (2000) e Huisman e Verguez (1976), Ramos

(2005) reforça a afirmação de que a filosofia de René Descartes foi um marco para a filosofia,

pois seu pensamento serviu como ponto de referência para trazer ordem e soluções para as

questões emergentes de um período histórico caracterizado por crises econômicas e espirituais

que, como afirma Figueiredo (2000), conduziram a sociedade da época a uma perda de
9

referências coletivas, tais como religião, família e leis. Tais crises obrigaram o homem a

construir referências internas para se reorganizar, e desta tarefa se ocupou Descartes, que com

um sistema filosófico completo, reafirmou os princípios da religião católica, definiu o

indivíduo da época e elaborou um método confiável para a ciência.

O ponto de partida do pensamento cartesiano era a dúvida, e apresentava o princípio de que

nada deve ser aceito como verdadeiro. Segundo Figueiredo,

sua intenção era submeter toda e qualquer idéia, impressão ou crença a uma
dúvida metódica: as idéias erradas seriam descartadas; as incertas seriam
igualmente descartadas, ao menos provisoriamente; somente idéias
absolutamente claras e distintas poderiam ser consideradas verdadeiras e
servir de base para a filosofia e as ciências (2000, p.29).

Este modo de pensar conduz Descartes a sua primeira realidade. O ato de pensar revela

a existência de algo que pensa. Esse algo é nada mais do que aquele que pensa. Assim,

Descartes chega a sua primeira verdade: Cogito ergo Sum (Penso, logo existo). A dúvida em

si mesma demonstra a existência do duvidador, sendo que, de outra maneira, nem a própria

dúvida poderia existir.

Valendo-se dos princípios metafísicos, Descartes apresentou uma visão de homem que

marcaria profundamente o pensamento moderno. O mecanicismo e a dualidade mente/corpo

definirão o homem, sendo a alma responsável pelo ato de pensar e produzir conhecimento, e o

corpo será compreendido como qualquer corpo existente na natureza: pelas leis da mecânica e

da extensão, pois pode ser medido e dividido. Segundo Ramos (2005), Descartes afirma que o

corpo humano é semelhante a um relógio. Se as engrenagens estão funcionando corretamente,

tudo corre bem, mas se algo está fora de lugar, todo o mecanismo fica desajustado. A força da

visão de homem proposta por Descartes e sua influência no pensamento científico podem ser

verificados tomando como exemplo os avanços da medicina nos últimos séculos: quando uma

pessoa apresenta problemas de saúde, realizam-se testes, e diagnostica-se insuficiência renal.

Por meio de um transplante renal, é possível a substituição dos “rins doentes” por um rim
10

saudável de um doador. Portanto, substitui-se a engrenagem defeituosa (no caso, o rim) por

uma em melhores condições, e dessa forma, o relógio volta funcionar perfeitamente. Essa

visão foi de extrema importância para o desenvolvimento do homem no período em que viveu

Descartes, mas sua extrema generalização acarretou problemas em diversas esferas da vida do

homem, como veremos nos próximos capítulos deste trabalho.

Esta visão mecanicista e metafísica do homem, somada ao princípio da dúvida

e direcionada para o pensamento científico levaram Descartes à elaboração de um método de

investigação que será utilizado por séculos como base do pensamento científico e inspiração

para novos métodos. Descartes elaborou em sua obra denominada “Discurso do Método”, de

1637, quatro preceitos básicos necessários a um método de investigação, e se garantiu de

nunca deixar de observá-los nenhuma só vez.

O primeiro consistia em nunca aceitar como verdadeira nenhuma coisa que


eu não conhecesse evidentemente como tal, isto é, em evitar, com todo o
cuidado, a precipitação e a prevenção, só incluindo nos meus juízos o que se
apresente de modo tão claro e distinto ao meu espírito, que eu não tivesse
ocasião alguma para dele duvidar. O segundo, em dividir cada uma das
dificuldades que devesse examinar em tantas partes quanto possível e
necessário para resolvê-las. O terceiro, em conduzir por ordem os meus
pensamentos, iniciando pelos objetos mais simples e mais fáceis de
conhecer, para chegar, aos poucos, gradativamente, ao conhecimento dos
mais compostos, e supondo também, naturalmente, uma ordem de
precedência de uns em relação a outros. E o quarto, em fazer, para cada
caso, enumerações tão completas e revisões tão gerais, que eu tivesse a
certeza de não ter omitido nada (DESCARTES, 2002, p.31).

A partir desses quatro preceitos – evidência, análise, desmembramento e síntese –

Descartes concluiu que um método é necessário para chegar ao conhecimento de todas as

coisas, para o encontro das verdades indubitáveis, visto que sem ele, “[...] o dedicar-se ao

estudo das ciências [...] há de ser mais prejudicial que proveitoso” (DESCARTES, 2002, p.

81).

Esses três aspectos do pensamento cartesiano – visão mecanicista, princípio da dúvida e

método – tiveram forte impacto na constituição da ciência e do homem moderno, mas foi no
11

auge do iluminismo, que a noção de ciência foi transformada por pensadores de uma corrente

filosófica denominada Empirismo.

A principal característica do pensamento empirista é a tentativa de explicar o

conhecimento através da experiência, adquirida pela percepção do mundo externo pelos

órgãos dos sentidos, o que se mostra em verdadeira contraposição ao pensamento cartesiano

sobre o inatismo das idéias. O inglês Thomas Hobbes, que teve contato com o pensamento

cartesiano, aceitava o mecanicismo em sua filosofia, chegando a estendê-lo ao plano do

pensamento, mas discordava de Descartes quando se tratava de discutir a origem do

conhecimento. Hobbes (2002), ao explicar como adquirimos conhecimento, afirma que o

pensamento é uma representação de um objeto real, que atuou sobre o indivíduo pelos órgãos

dos sentidos, e qualquer concepção elaborada pelo homem se dá pelas sensações que

experimentamos. Ou seja, como afirma Ramos:

O conhecimento é então possível porque os homens são capazes de ter


sensação, imaginação e entendimento das primeiras. A imaginação nada
mais é do que uma sensação diminuída encontrada tanto nos homens
quanto em outros seres vivos, uma ilusão [...] da sensação. E quando se
quer enfatizar a sensação como algo que se esvaece, algo passado, então
essa imaginação pode ser chamada de memória. Hobbes trilha este
caminho de raciocínio para chegar à explanação do conceito de
experiência (2005, p.24).

Tendo a experiência como centro do pensamento, outro empirista se distanciará de

Descartes, mas desta vez contrapondo-se à visão inatista sobre a origem do pensamento. John

Locke apresentou a noção de todos os conceitos que possuímos são adquiridos pela

experiência em algum momento de nossa vida, e associa o inatismo ao fanatismo: “Com

efeito, aquele que erradamente crê na existência de idéias inatas tomará como verdades

absolutas e universais suas opiniões que apenas são o reflexo e os costumes de suas

experiências particulares” (HUISMAN & VERGEZ Apud RAMOS, 2005, p. 27). Como para

Locke não existem idéias inatas, formula a teoria da tábula rasa, em que nascemos como uma

folha em branco, e esta é preenchida durante toda a vida pelas sensações ou pela reflexão.
12

Essa visão de homem será de extrema importância, pois já que considera todos os homens

essencialmente iguais no nascimento, servirá de base para a Revolução Francesa e, portanto,

para a consolidação do capitalismo como modo de produção.

Hobbes trouxe contribuições acerca da origem do conhecimento, e Locke instituiu a

visão de homem do período iluminista, mas será Francis Bacon aquele que relacionará a

importância da ciência ao progresso humano. Segundo Pereira (1994), Bacon acreditava que a

ciência deveria ser aplicada à indústria, ao progresso, não se contentando em obter

conhecimento, mas também colocá-lo à disposição do homem. Isso significava alcançar o

máximo controle possível sobre a natureza, e para isso, propõe o método experimental de

investigação, que, ao contrário do método intuitivo proposto por Descartes, seria chamado de

indutivo. O procedimento valorizaria a observação, a generalização dos fenômenos e

principalmente a aplicação prática da ciência. Este método, que se caracteriza como uma

fusão entre o racionalismo cartesiano e o empirismo [...] conduzirá a ciência a uma busca

incessante de comprovações empíricas, em que um conhecimento só poderá ser chamado de

verdadeiro quando exaustivamente testado e generalizado (RAMOS, 2005, p. 23).

Quando Bacon, com seu espírito científico incorporado a sua visão de mundo, dá ao

conhecimento essa noção de utilidade e o vincula ao progresso e ao desenvolvimento

tecnológico1, ele abre as portas para o início do pensamento que culminaria na Revolução

Industrial. Seu pensamento então será importante não apenas para os empiristas, mas

apresenta a estrutura que será aproveitada por Augusto Comte no século XIX.

O pensamento de Comte parte dos princípios de neutralidade entre sujeito e objeto,

crença na unidade do método positivista e da lógica formal e a negação da metafísica e da

essência, e se caracteriza pela valorização “da observação sistemática e de um método

circunspecto que garanta o acesso adequado aos fenômenos observados. A partir disso busca-

1
Bacon escreveu um livro intitulado “A nova Atlântida”, onde descreve de maneira profética o futuro da
sociedade organizada técnica e racionalmente.
13

se suas relações de concomitância e sucessão, ou seja, suas leis” (RAMOS, 2005, p. 39).

Dessa forma, Comte visa obter máximo controle dos fenômenos estudados para possibilitar a

construção de uma sociedade positiva, no sentido de abarcar a verdade, a certeza, a precisão e

a noção daquilo que é útil para o homem. A partir da lei dos três estados, Comte propõe a

sistematização do conhecimento humano, além de uma reorganização moral e intelectual da

sociedade. Tanto a filosofia como as ciências, em seu desenvolvimento, passaram pelos três

estados, teológico, metafísico e por fim o estado positivo:

No estado Teológico, o espírito humano, ao dirigir suas pesquisas


essencialmente no sentido da natureza íntima dos seres, das causas
primeiras e finais de todos os efeitos que o impressionam, numa palavra,
no sentido dos conhecimentos absolutos, representa os fenômenos como
produzidos pela ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou
menos numerosos, cuja intervenção arbitrária explica todas as anomalias
aparentes do universo.
No estado metafísico, que no fundo é uma simples modificação do
primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas,
verdadeiras entidades (abstrações personificadas) inerentes aos diversos
seres do mundo, e concebidas como capazes de engendrar por elas
próprias todos os fenômenos observados, cuja explicação consiste então
em designar para cada um a entidade que lhe corresponde.
Finalmente, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a
impossibilidade de obter noções absolutas, renuncia a procurar a origem
do destino do universo, assim como a conhecer as causas íntimas dos
fenômenos para se dedicar unicamente a descobrir, pelo uso bem
combinado da razão e da observação, suas leis efetivas, isto é, suas
relações invariáveis de sucessão e similitude. A explicação dos fatos,
reduzida então a termos reais, não é, desde então, mais do que a ligação
estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns fatos
gerais, cujo número os progressos da ciência tendem a diminuir. (COMTE
Apud HUISMAN & VERGEZ, 1976, p.291)

Comte acreditava que todas as ciências passavam pelos três estados, e quanto mais

simples e geral fosse, mais rapidamente entraria no estado positivo. Todas as ciências,

inclusive a sociologia caminharam por esses três estados. Seu principal argumento sobre sua

crença nos três estados era de que é da natureza do espírito humano submeter-se a esses

estados, ou seja, é da natureza do homem marchar por esses estados primitivos até alcançar o

estágio definitivo, o positivo, e a sociologia “constituiria o resumo e o coroamento das demais


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[ciências] que a precedem [...] porque significa o ponto de partida da moral, da política e da

religião” (SIMON, 1986, p. 125).

No momento em que o rigor científico passou a ser utilizado nas ciências humanas,

iniciou-se um processo de negação do homem, que pode ser verificado por exemplo, com o

behaviorismo na psicologia, “[...] cuja metodologia científica levou a um olvidamento

progressivo daquilo que há de humano no homem” (JAPIASSU, 1975, p. 138). A ciência tal

como se desenvolveu, conseguiu, como pretendia Bacon, conquistar e dominar o mundo, mas

ao fazê-lo, esqueceu-se do fenômeno humano. Em apenas dois séculos, atingimos um grau de

desenvolvimento tecnológico antes inimaginável, e ao mesmo tempo, abandonamos o

indivíduo no tempo, o reduzimos à condição de máquina e, ao mesmo tempo que a ciência se

tornou parte indissociável da nossa vida cotidiana, sequer a conhecemos superficialmente; da

mesma maneira que nos entregamos a ela, presenciamos a ascensão de técnicas alternativas de

cura, horóscopos de astrologia, apropriação e aplicação equivocada de princípios da filosofia

oriental no ocidente, dentre outros. A ausência de reflexão e de compreensão em relação ao

pensamento científico, a extrema velocidade em que essas técnicas surgem e se disseminam

são responsáveis pelas contradições listadas acima. Como resultado temos o encantamento

tanto com a ciência quanto com a pseudociência.

O homem moderno encontra-se cotidianamente em face de técnicas


oriundas dela [a ciência] que, fundamentalmente, ele não compreende, e
que são para ele causa de profunda humilhação. No fundo, o homem
médio nada sabe do que se passa no reino da ciência. É por causa dessa
humilhação diante do poder da ciência, que ele se entrega a todo tipo de
compensação pseudocientífica ou aos diversos tipos de magia, de
feitiçarias mais ou menos rotuladas de científicas (JAPIASSU, 1975, p.
140).

A crença ingênua de que a ciência tem a capacidade para conhecer todas as coisas, e

conceder a ela permissão para tomar para si a função outrora exercida pelos mitos e religiões,

foram as conseqüências da herança deixada pelo pensamento iluminista. Dessa forma, a

ciência, naquilo em que se tornou e com todo seu esforço para desmistificar o mundo, acaba
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tornando-se o próprio mito, como podemos perceber no pensamento de Horkheimer e Adorno

(2006). A tentativa de destruição da metafísica, e a extrema valorização da produção científica

atrelada à produção desenfreada de produtos e a negação do homem (também considerado um

produto) neste processo, repercutiram de maneira avassaladora nas instituições educacionais,

que a partir de então incorporaram essa visão de homem-máquina e de mundo-laboratório e

direcionaram a formação do indivíduo para o mercado de trabalho, já que o suposto progresso

da sociedade necessita de técnicos, ferramentas e mão-de-obra. Ou seja, consideraram que a

formação humana se dá em função do mercado e do desenvolvimento tecnológico e não o

contrário. Como o próprio Bacon afirmou uma vez: “os homens passarão e a ciência

permanecerá” (BACON Apud ZUIN, 2006, p. 936).


16

3. A educação brasileira no século XX – A escola como


instrumento de dominação

Este capítulo objetiva inicialmente esclarecer o movimento da entrada do pensamento

científico na educação brasileira do início do século XX – principalmente pela psicologia, que

valendo-se de princípios da corrente positivista e funcionalista, forneceu bases científicas e

dados empíricos para a pedagogia no Brasil. Também pretendemos desvelar a relação que se

desenvolveu entre as propostas educacionais, o processo de industrialização no Brasil e de

que maneira a escola assumiu como prioridade o papel de preparar o indivíduo para o

mercado de trabalho, sendo a análise sempre permeada pelo contexto histórico.

O pensamento positivista, já inserido na filosofia e nas ciências, também exerceu forte

influência nas questões educacionais, principalmente depois do pensamento de Emilé

Durkheim, que herdou parte do positivismo de Comte e também de uma corrente sociológica

denominada funcionalismo. Segundo Patto (1984), no funcionalismo de Durkheim a escola

tem o papel de expor o indivíduo ao pensamento científico, conduzindo-o a uma visão mais

racional do mundo, e também prepará-lo para a transição da vida familiar para a esfera do

trabalho. Atrelada a esse papel da escola, está a “[...] crença na igualdade de oportunidades,

real ou possível, nas sociedades capitalistas” (PATTO, 1984, p.16).

Durkheim se dedicou à sociologia científica, utilizando para as ciências humanas a

mesma metodologia científica presente nas ciências naturais, instalando assim, “[...] a versão

positivista de ciência no seio dos estudos do homem em suas relações com os outros homens”

(PATTO, 1984, p. 17). Durkheim aceitava a divisão social do trabalho, e tal divisão

corresponde a uma determinada função no organismo social. A função da divisão social do

trabalho para Durkheim é “[...] aumentar a força produtiva e a habilidade do trabalhador: sua

existência é condição necessária ao desenvolvimento intelectual e material das sociedades, é


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um fato social positivo e benéfico que vem integrar o corpo social, assegurar sua unidade e

seu funcionamento sadio” (DURKHEIM Apud PATTO, 1984, p. 18).

Com relação à educação, Durkheim assinala a existência de castas na sociedade, bem

como uma certa homogeneidade, elementos comuns tais como símbolos religiosos. Cita o

ideal que constitui a base da educação, tanto para os ricos quanto para os pobres, que tem

como objetivo inculcar na criança:

[...] 1) um certo número de estados físicos e mentais, a que pertença,


considere como indispensáveis a todos os seus membros; 2) certos estados
físicos e mentais, que o grupo social particular (casta, classe, família,
profissão) considere indispensáveis a todos quanto o formem
(DURKHEIM, 1978, p. 40).

Segundo Durkheim (1978) a educação deve perpetuar a homogeneidade, mas sem

desconsiderar as aptidões individuais, critério estabelecido por ele como a base das

desigualdades sociais. Há sempre uma série de conceitos que devem ser inculcados para todas

as crianças, independente de sua classe social, mas ao mesmo tempo, pelas aptidões

individuais (capacidade biológica), define-se que sempre existem diversas funções a serem

preenchidas, portanto o trabalho – braçal ou intelectual – deverá ser ocupado por alguém.

“Nem todos somos feitos para refletir; e será preciso que haja sempre homens de sensibilidade

e homens de ação” (DURKHEIM Apud PATTO, 1984, p. 20). Com as idéias expostas acima,

Durkheim edifica seu conceito de educação:

A educação é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações


que não se encontrem ainda preparadas para a vida social; tem por
objetivo suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados
físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu
conjunto, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine
(1978, p. 41).

John Dewey, filósofo da educação norte-americano foi nitidamente influenciado pelo

pensamento de Durkheim, desenvolvendo mais plenamente os ideais democráticos e o papel

da educação na concretização de tais ideais. No liberalismo, são valorizadas a competição e a

ambição como maneiras justas para a ascensão social. Como afirma Patto (1984), a mola
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propulsora que movimenta o indivíduo a novas conquistas econômicas e sociais é a

insatisfação com o que já foi obtido anteriormente. Entretanto, o pensamento de Dewey

apresenta certa ambigüidade, já que ele apresenta os problemas de uma sociedade baseada em

classes sociais, com divisão do trabalho intelectual e braçal defendido por Durkheim, mas

como afirma Patto (1984) não faz qualquer referência às causas estruturais desses problemas,

no caso, a dimensão política e econômica. Afirma que a escola até este ponto tinha servido

para perpetuar as tradições em benefício de uma minoria, preparar uma camada da população

para o trabalho braçal, ou seja, perpetuar a ordem social ao invés de instaurar uma verdadeira

democracia. Para alcançar um estado democrático, deve-se iniciar uma revolução pela

educação, e este pensamento será aproveitado pelos pensadores brasileiros do movimento

escolanovista.

A educação para Dewey é considerada “[...] uma instância social positiva, que deve

cumprir a função social de produzir um ser humano 'plenamente desenvolvido'” (PATTO,

1984, p. 25), ou seja, alguém que utiliza suas faculdades individuais inatas em ocupações que

tenham um significado social. A educação deve, portanto, integrar o desenvolvimento natural

à eficiência social, e a sociedade democrática deve preparar “[...] todos os seus membros para

com igualdade aquinhoarem de seus benefícios e [assegurar] o maleável reajustamento de

suas instituições por meio da interação das diversas formas da vida associada” (DEWEY

Apud PATTO, 1984, p. 25). Os membros da sociedade que desenvolvem o melhor de si, para

Dewey, só podem ser produzidos por meio de uma educação democrática. Com sua doutrina

político-social liberal, Dewey influenciou profundamente o pensamento educacional

brasileiro.

O movimento escolanovista surgiu após o fim da primeira guerra mundial, período

conhecido como modernizador no Brasil, caracterizado pelo nacionalismo, que se mostrou

não apenas na política, mas também nos movimentos culturais do modernismo no Brasil,
19

como na música2 e na literatura3. Serão os ideais dos modernistas da década de 20 que abrirão

espaço para uma cultura política estadonovista na década de 30. O período que corresponde a

1918 até 1930 foi considerado, como afirma Ribeiro (1991), o declínio das oligarquias. As

indústrias, apesar de débeis, passaram a exercer papel fundamental na economia brasileira,

representando basicamente dois componentes: a burguesia industrial e o operariado. Enquanto

a burguesia industrial se coloca numa relação de dominação da mão-de-obra, o operariado

representa a existência do povo como expressão política. Em 1922 é criado o Partido

Comunista Brasileiro e “as manifestações urbanas organizadas retratavam de forma mais

objetiva a insatisfação dos setores de classe dominada” (RIBEIRO, 1991, p. 87). Neste

cenário de agitação e contestação, a educação também incorporou este clima, caracterizado

por Jorge Nagle como entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico, típicos do

movimento escolanovista:

O entusiasmo pela educação e o otimismo pedagógico, que tão bem


caracterizam a década dos anos 20, começaram por ser, no decênio
anterior, uma atitude que se desenvolveu nas correntes de idéias e
movimentos político-sociais e que consistia em atribuir importância cada
vez maior ao tema da instrução, nos diversos níveis e tipos. É essa
inclusão sistemática dos assuntos educacionais nos programas de
diferentes organizações que dará origem àquilo que na década de 20 está
sendo denominado de entusiasmo pela educação e otimismo pedagógico
(NAGLE Apud RIBEIRO, 1991, p. 89).

O movimento escolanovista tinha a crença de que com a multiplicação das instituições

escolares e com uma reforma nas doutrinas de escolarização, poderiam abraçar grandes

camadas da população, e por meio da educação, alcançar o progresso. Tais reformas incluíam,

como afirma Ribeiro (1991) a implantação da “escola primária integral”, que visava exercitar

nos alunos a observação e o raciocínio, apresentar noções básicas de literatura e história

pátria, domínio da língua portuguesa, sempre guiando-os a trabalhos práticos e manuais. Já no

ensino médio e superior deveria-se propagar o desenvolvimento do espírito científico. Além

2
Como representantes do nacionalismo na música podemos citar Camargo Guarnieri e Francisco Mignone.
3
Na literatura o grande representante do modernismo que utilizou temas como desenvolvimento, progresso e
superação do atraso nacional foi Mário de Andrade, autor de “Macunaíma”.
20

das idéias liberais de Dewey, o movimento escolanovista também contou com o auxílio da

psicologia, que viu na educação uma brecha para se inserir como ciência no Brasil. Como

podemos perceber no manifesto dos pioneiros da Escola Nova:

O desenvolvimento das sciências lançou as bases das doutrinas da nova


educação, ajustando á finalidade fundamental e aos ideaes que ella deve
prosseguir os processos apropriados para realizal-os [...] Na verdadeira
educação funccional deve estar, pois, sempre presente, como elemento
essencial e inherente á sua própria natureza, o problema não só da
correspondência entre os gráos do ensino e as etapas da evolução
intellectual fixadas sobre a base dos interesses, como também da
adaptação da actividade educativa ás necessidades psychobiologicas do
momento. O que distingue da escola tradicional a escola nova, não é, de
facto, a predominância dos trabalhos de base manual e corporal, mas a
presença, em todas as suas actividades, do factor psychobiologico
(CHIRALDELLI JUNIOR, 1994, p. 66).

Segundo Antunes (2003), desde os tempos coloniais é possível encontrar presente

entre os assuntos abordados em obras escritas, temas de aprendizagem, desenvolvimento

psicológico da criança, influência dos pais no desenvolvimento dos filhos, motivação, o papel

dos jogos no desenvolvimento, controle e manipulação de comportamento, punição, formação

da personalidade, dentre outros. A aprendizagem era tratada sob a ótica do empirismo, e o

conhecimento era produto da experiência. Portanto, tais questões que só viriam a ser tratadas

pela psicologia científica no final do século XIX já estavam presentes no período colonial,

mas com o movimento escolanovista na década de 20, essas idéias adquirem grande força nas

questões educacionais.

No século XIX, com a instalação do ensino superior no Brasil, as idéias psicológicas

foram mais facilmente encontradas, pois havia uma preocupação com a formação de

professores, e com isso, uma preocupação com “[...] as relações entre processos pedagógicos

e conhecimentos relativos ao psiquismo” (ANTUNES, 2003, p.146). Já no final do século,

essas preocupações seriam consideradas como Psicologia da Educação. Tais preocupações

servirão como sustentáculo para a educação num período em que há:

[...] a necessidade de modernização do país pelo ingresso no mundo


industrializado. Esse projeto de construção de uma nova nação
21

demandava a formação de um homem novo, apto para as exigências de


um novo modelo produtivo e de novas relações de trabalho, tarefa essa
que deveria ser empreendida pela educação (ANTUNES, 2003, p. 151).
Os principais momentos históricos que marcam a aproximação entre a psicologia e a

educação nesse período são, segundo Patto (1984) a criação do primeiro laboratório de

psicologia pedagógica junto ao Pedagogium em 1906; a criação do laboratório de Psicologia

experimental junto à escola normal de São Paulo em 1914; as primeiras experiências de

Lourenço Filho com o teste ABC de maturidade durante o governo Vargas, em 1927; e a

posse da direção da educação em São Paulo por Lourenço Filho em 1931, que realizou

diversas mudanças no ensino, visando torná-lo mais racional. Antunes (2003) ressalta que os

laboratórios de Psicologia foram as principais estruturas para as práticas pedagógicas, e para o

ensino da Psicologia, a grande contribuição partiu das Escolas Normais, onde eram

ministradas aulas de Pedagogia e Psicologia.

De acordo com Antunes (2003), o escolanovismo, foi aos poucos se tornando

hegemônico no ideário educacional brasileiro e a psicologia fornecia o arcabouço teórico para

as práticas pedagógicas. A psicologia, por sua vez, de acordo com Patto (1984), afirma que a

metodologia da psicologia científica é claramente positivista: “[...] para melhor cumprir com

suas finalidades, a pedagogia necessita de instrumentos de medição que lhe permitam

assimilar e aplicar uma psicologia racional, positiva, científica” (1984, p. 9).

Na década de 30, o processo de industrialização acentua-se e aos poucos, a sociedade

agrária oligárquica é substituída para uma sociedade urbano-industrial capitalista, com os

argumentos de que uma economia cujo centro é a agricultura de exportação não oferece

condições para um pleno desenvolvimento, e que a dependência da economia do país em

relação à economia externa deveria ser rompida. Dessa forma, como afirma Ribeiro “[...] a

estimulação do setor industrial brasileiro aparece como solução desses dois problemas” (1991,

p. 92). Entretanto, surge um conflito entre dois grupos da classe dominante, os ligados à

exportação e os desligados da exportação, que eclode em outubro de 1930, e culmina com a


22

supremacia dos setores desligados à exportação, o que fornece as bases para o início do

pensamento nacional-desenvolvimentista, no modelo econômico de substituição das

importações.

As poucas reformas educacionais realizadas entre 1930 e 1937 levaram ao lançamento

do Manifesto dos pioneiros da Educação Nova. Entre as mudanças ocorridas neste período,

destaca-se como afirma Ribeiro (1991) a reforma no ensino superior (organização

administrativa pela criação de reitorias) e a organização do ensino secundário, dividindo-o em

duas etapas: a primeira com duração de cinco anos e a segunda, que visava a adaptação dos

alunos às futuras especializações profissionais, com dois anos de duração. O manifesto e a

indefinição do governo levam a uma situação chamada por Ribeiro (1991) de “conflito de

idéias”, em que foram realizados congressos e conferências sobre a educação. O conflito era

caracterizado principalmente pela discordância entre os educadores católicos, que defendiam

uma educação atrelada à igreja católica e à família, com separação dos gêneros masculino e

feminino, e os educadores da escola nova, que defendiam a laicidade, a importância da escola

pública, etc. A única concordância que havia entre as duas correntes de educadores era “[...]

combater o princípio de monopólio pelo Estado, colocando-se assim, diziam eles, contra as

ideologias tanto de esquerda (comunismo) quanto de direita (fascismo)” (RIBEIRO, 1991, p.

100). Com o manifesto, os escolanovistas propõe uma visão de homem condizente com a

sociedade capitalista, onde o ser humano poderia se desenvolver de maneira democrática, mas

assim como Dewey, esquecem-se de que a sociedade ainda encontra-se dividida entre os que

detêm os meios de produção e aqueles que são dominados, e o ocultamento dessa condição

acaba por beneficiar o grupo dominante.

Com o golpe de 1937, Getúlio Vargas toma o poder e as atividades políticas são

centralizadas, acabando com o federalismo, com os governos estaduais. A educação passa a

ser considerada um problema nacional e, com o nacional-desenvolvimentismo como


23

ideologia, a ênfase na industrialização vai definitivamente afetar a educação. As medidas

populistas de política de massas acabam por “[...] promover as condições sociais favoráveis a

um projeto industrial capitalista. Neste momento, a educação para todos os brasileiros

apresenta-se como requisito do desenvolvimento nacional; nascem, então, os movimentos

nacionais de educação popular” (BEISIEGEL Apud PATTO, 1984, p. 56). O Estado Novo

acabou por paralisar a luta dos escolanovistas, acusados de comunistas pelos educadores

católicos, e não resistem ao fato de que a educação neste momento gira em torno dos

interesses da indústria, que não prescinde de mão-de-obra qualificada. Como afirma Patto

(1984), a idéia principal é de simplificação, diminui-se as horas-aula, limita-se os objetivos da

escola primária em ler e escrever, regulamenta-se as escolas técnicas e vocacionais, etc. Essa

reforma atendia as necessidades educacionais das camadas mais baixas da população, mas no

entanto, tais medidas são populistas, pois o povo não participa efetivamente do processo.

Segundo Patto (1984), com a criação do SENAI e do SENAC em 1942, oficializa-se o projeto

educacional elaborado por Durkheim que divide a sociedade entre trabalho braçal e

intelectual.

O governo Dutra será visto por Ribeiro (1991) como um recuo, já que este era aliado

aos grupos agrários, e trará alguns princípios de “democratização” em relação às questões

educacionais. O ensino primário se torna gratuito para todos, e o ensino oficial também, caso

seja provado falta ou insuficiência de recursos; o ensino religioso torna-se matéria facultativa

e o Estado deve prover institutos de pesquisa ao ensino superior. Na eleição subseqüente,

Vargas acusa Dutra de ter sido favorável ao capital estrangeiro, contrariando o modelo de

substituição das importações, e em sua campanha propõe uma luta contra o imperialismo em

defesa do petróleo brasileiro, e o pensamento industrial como progresso continua. Segundo

Caio Prado Júnior:

Esta segunda presidência do Sr. Getúlio Vargas, resultante de eleições, se


caracteriza por forte influência de interesses financeiros e industriais. É o
24

reflexo na política, da ascensão de grupos econômicos tornados poderosos


em conseqüência do intenso processo de capitalização e concentração
capitalista, verificado no Brasil desde a guerra (PRADO JÚNIOR Apud
RIBEIRO, 1991, p. 119).

O problema é que, com o fim da segunda guerra mundial, acaba o período de

tranqüilidade para a indústria brasileira com relação à concorrência de produtos estrangeiros,

o que, segundo Patto (1984) vai reatar os laços de dependência do Brasil – país capitalista

dependente – com outros países mais desenvolvidos. Neste período, o modelo de substituição

de importações será substituído pela intensificação da entrada de capital estrangeiro, o que

garante que “[...] o projeto nacionalista fique apenas na intenção” (PATTO, 1984, p. 60). A

entrada desse capital estrangeiro foi considerada imprescindível para a realização do projeto

de desenvolvimento (principalmente no governo Kubitschek) e dessa maneira, os Estados

Unidos agem de maneira explícita sobre a política brasileira, sobretudo em relação à

educação.

Patto (1984) considera que em 1957, quando o projeto da LDB é reformulado,

encontra-se completamente desfigurado. A ênfase que foi dada ao ensino público gratuito é

invertida, e começa o investimento no ensino particular. Em 1961, mesmo com todos os

protestos, a lei é aprovada, o que garante a sobrevivência das escolas particulares com

subvenções do Estado. Dessa maneira:

[...] numa fase de transição da sociedade global, a LDB cumpre o duplo


papel de viabilizar um sistema educacional altamente seletivo,
institucionalizando as desigualdades e contribuindo para a reprodução da
estrutura de classes e das relações de trabalho, e disseminar a crença na
inexistência desta desigualdade, pois aparentemente todos tem direitos
iguais, já que os cursos profissionalizantes de nível médio, até então um
caminho que vedava a continuação dos estudos em nível superior, passam
a ser um dos caminhos formais de acesso à universidade (PATTO, 1984,
p. 63).

Como a LDB abre as portas ao ensino particular, este setor vai atuar em diversas áreas

da educação voltada para o trabalho, nos cursos profissionalizantes, apresentando a escola

particular como modelo de salvação para a ascensão social, isso somado à uma simplificação
25

ainda maior do currículo, com cursos de baixo nível e na maioria das vezes, noturnos. O

problema, segundo Patto (1984) se manifesta duplamente para manter a diferença entre

classes sociais: as classes mais baixas possuem um diploma que lhes permite a entrada na

faculdade, mas ao mesmo tempo que impede o oprimido de competir com os jovens da classe

hegemônica por vagas na faculdade, não os qualifica para o mercado de trabalho.

Em síntese, eles não qualificam a clientela para o mercado de trabalho e


apenas aparentemente realizam o sonho das classes subalternas de
ascensão social através da escola, pois não habilitam seus alunos para a
difícil barreira do vestibular, no qual vão concorrer em flagrante
desvantagem com seus pares da média e da alta burguesia (PATTO, 1984,
p. 65).

O período que compreende os governos militares após o golpe de 1964, foi marcado

pelo autoritarismo na política, por um regime político cuja principal função era o domínio. No

dia seguinte ao golpe, começaram as prisões e perseguições, e como afirma Ribeiro (1991) no

final de 1964 já havia cerca de 50 mil presos políticos no país. Foram criados os Atos

Institucionais no governo Castelo Branco (1964-1967), que davam direito de cassar mandatos

e suspender direitos políticos (AI-1); eliminar as eleições diretas para presidente e governador

e acabar com os partidos políticos (AI-2); estabelecer normas para eleições municipais (AI-3);

e realizar mudanças na constituição que ampliavam o poder executivo (AI-4). A entrada do

novo presidente, Costa e Silva (1967-1969) era dar continuidade ao terror político, como

afirma Basbaum: “A solução estava em enquadrar o novo presidente dentro de um esquema

que garantisse a continuação de sua política anti-comunista, anti-democrática, anti-reformista,

anti-desenvolvimentista, e pró-americana” (BASBAUM Apud RIBEIRO, 1991, p. 158).

De fato, o terror político apresentará como objetivo principal o terror econômico, que

se caracterizou não apenas por facilitar a entrada do capital estrangeiro no país, mas por

eliminar qualquer obstáculo que se colocasse frente ao capitalismo internacional. Foram

realizados acordos para evitar encampações de propriedades norte-americanas, foi comprada a

American Foreign Power, que se resumia em bens totalmente obsoletos, foi instalada a
26

Companhia de Mineração Hanna, concorrente da Vale do Rio Doce e para combater a

inflação, tivemos aumento nos impostos, restrição de crédito bancário, arrocho salarial e, com

isso, a proibição do direito de greve e o fim da estabilidade no emprego, com a lei do FGTS.

Dessa forma, “[...] a industrialização se processa rapidamente com a hegemonia dos

consórcios internacionais ou multinacionais, que instalaram no Brasil filiais que requerem a

ampliação do mercado interno, o aumento da faixa consumidora” (PATTO, 1984, p. 67). As

empresas nacionais entram em falência enquanto as multinacionais progridem, o desemprego

atinge índices assustadores, e o Estado se transforma numa ferramenta política para consolidar

o modelo econômico de monopólio capitalista. Patto (1984), afirma que a sociedade política

toma controle da sociedade civil, e para disseminar sua ideologia, apropria-se dos sindicatos,

dos meios de comunicação em massa (com destaque para a TV Globo), e principalmente, das

escolas, estabelecendo-as como aparelhos de hegemonia, como veículos para a obtenção de

consenso. Para legitimar todas as mudanças ocorridas neste período, o Estado tomou medidas

em relação à política educacional, visando:

[...] essencialmente, à reprodução da força de trabalho (mediante a


escolarização e qualificação); à formação dos intelectuais (em diferentes
níveis); à disseminação da “concepção de mundo” dominante (com vistas
a contribuir para a legitimação do sistema político e da sociedade
estabelecida); à substituição de tarefas afetas a outras atividades sociais,
cujas funções foram prejudicadas pelo desenvolvimento capitalista (como
por exemplo: a adoção de creches como forma de possibilitar a
permanência no mercado da força de trabalho feminina), além da evidente
regulação dos requisitos necessários ao funcionamento do sistema
educacional (GERMANO, 1993, p. 101).

Para dar continuidade a seu projeto de dominação, inicia-se a repressão aos

professores e alunos que não eram favoráveis ao regime, com o objetivo de eliminar o

potencial crítico da educação, e devido à escassez de verbas para a educação pública, pois

como afirma Germano (1993), os recursos do Estado se voltaram a setores vinculados

diretamente à acumulação de capital, o regime passou a apostar na privatização do ensino. O

Plano Nacional de Alfabetização é extinto em 1964, já que muitos membros dos grupos
27

vinculados a esse programa foram atingidos pela repressão, e inicia-se um processo de

atividades norte-americanas agindo sobre as políticas educacionais brasileiras, que culmina

nos acordos MEC/USAID (Ministério da Educação e Cultura / United States Agency

International for Development), em que o desenvolvimento era sinônimo de ensino

profissionalizante.

Com a criação do MOBRAL a educação entra em consonância com o contexto político

e econômico do país, ou seja, direcionar o ensino para a profissionalização com o objetivo de

explorar a força de trabalho, aumentar a concentração de renda e direcionar as escolas

particulares para outras áreas, pois como afirma Patto (1984) como o ensino médio se tornou

gratuito e foi associado a cursos técnicos, os particulares investiram em supletivos, cursinhos

e até no ensino superior.

Através da criação do MOBRAL, dos cursos de qualificação profissional,


da reforma da escola secundaria, do incentivo ao desenvolvimento da
ciência e da tecnologia, da adaptação da universidade às necessidades
geradas pelas diretrizes econômicas da revolução, o sistema educacional
passa a desempenhar explicitamente o papel de instrumento do
desenvolvimento econômico capitalista dependente (PATTO, 1984, p.
69).

O papel do Estado neste período foi agir como mediador dos interesses das classes

dominantes, tanto nacionais quanto internacionais, e a educação foi instrumento para

reprodução da força de trabalho, o que mudou totalmente o conceito de educação. “Se no

Brasil era concebida até então como um bem de consumo de luxo, ao qual somente uma

minoria tinha acesso fácil, a educação agora precisa ser consumida por todos para que se torne

um capital que, devidamente investido, produzirá lucro social e individual” (PATTO, 1984, p.

72). Em síntese, o regime militar trouxe, além das multinacionais e da acentuação da divisão

de classes, a transfiguração da educação em mercadoria, o que facilitou a entrada da indústria

cultural nas escolas.


28

4. Indústria Cultural e Semiformação – O Sistema Apostilado de


Ensino

A partir do momento em que o ensino se converteu em mercadoria, a educação passou

a apresentar coerência com a proposta de dominação do monopólio capitalista. De maneira

análoga aos meios de comunicação em massa, que convergiram em um único sistema

formador de opiniões e reprodutor dos interesses da classe dominante, as escolas também

passaram por um processo semelhante:

O cinema, o rádio e as revistas constituem um sistema. Cada setor é


coerente em si mesmo e todos o são em conjunto. [...] Sob o poder do
monopólio, toda cultura de massas é idêntica, e seu esqueleto, a ossatura
conceitual fabricada por aquele, começa a se delinear [...] O cinema e o
rádio não precisam mais se apresentar como arte. A verdade de que não
passam de um negócio, eles a utilizam como uma ideologia destinada a
legitimar o lixo que propositalmente produzem. Eles se definem a si
mesmos como indústrias, e as cifras publicadas dos rendimentos de seus
diretores gerais suprimem toda dúvida quanto à necessidade social de seus
produtos (HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p. 99-100).

Da mesma maneira que o cinema e o rádio deixam de lado a arte para se apresentar

como um mero negócio, as escolas, tanto do ensino fundamental e médio quanto do ensino

superior deixam de lado a preocupação com os ideais antigos, de educação democrática e

voltada para uma consciência crítica, e se preparam para a venda de um novo produto – o

conhecimento.

A indústria cultural visa seduzir os consumidores, buscando sempre revestir seus

produtos de maneira a despertar fascinação e deslumbre, e oferecer promessas de satisfação e

felicidade, e o discurso sobre a mercadoria é sempre sedutor, pois a indústria evoca os desejos

que ela mesma pretende aplacar. Como afirma Zuin: “tal qual o canto de uma sereia, a

Indústria Cultural seduz os indivíduos com estímulos eróticos associados aos produtos

comercializados, instigando desejos que na realidade nunca serão concretizados” (1992, p.

22). Tanto a sereia do mito quanto a Indústria Cultural trazem promessas de satisfação, mas
29

não cumprem. E da mesma forma que os marinheiros do mito são engolfados pelo canto da

sereia e mergulham para a morte imediata, como afirma Zuin (1992), a Indústria Cultural

promove a debilidade física e psíquica do indivíduo.

Com a lógica do mercado tomando conta das Instituições educacionais, começamos a

perceber que o modelo tido como “moderno” passa a ser copiado, e se os cursos preparatórios,

com seu método eficiente para preparar o aluno para o vestibular fazem uso de apostilas para

que o aluno memorize o conteúdo das disciplinas, este mesmo método é transposto para o

ensino universitário, com a justificativa de ensinar o conteúdo necessário para que o aluno

esteja preparado para o mundo do trabalho. Como afirma Sobreira, merece ser citado o

modelo da “[...] escola particular, que atua como poderoso fetiche em nossa sociedade,

radicalizando ainda mais a interpretação de nossa aparelhagem educacional como

absolutamente colonizada pela indústria cultural” (2004, p. 166). Dessa maneira, outras

instituições acabam desejando aquilo que as consideradas “boas escolas” possuem, inclusive a

proposta político-pedagógica. A compra de apostilas para uso nas universidades é prova de

que as forças do mercado invadiram e engolfaram o sistema educacional no Brasil. Se o

problema da Indústria Cultural em nossa sociedade já foi previsto por Horkheimer e Adorno

(2006), hoje presenciamos a exacerbação deste processo com a utilização do sistema de

apostilas. Como percebemos que as técnicas e instrumentos que envolvem o processo de

aprendizagem nos cursos preparatórios, e mesmo em algumas universidades, estão voltados

para a simples absorção daquilo que será útil (no mesmo sentido que Bacon atribuiu à

palavra) no vestibular ou na profissão, sem uma interpretação ou reflexão mais aprofundada

sobre conhecimento adquirido, o que presenciamos é a extrema valorização da forma em

detrimento do conteúdo.

No ensino superior privado, o conhecimento é o produto a se vender, e ele é, como um

produto de supermercado, “revestido em uma embalagem sedutora”, prometendo satisfazer


30

desejos que nunca serão concretizados. As promessas de que ao sair da faculdade, somando o

conhecimento obtido com “esforço e determinação”, os alunos conseguirão um emprego na

área, apenas servem para iludi-los, pois em nenhum momento podem discutir a real situação

do desemprego no Brasil, ou a inabilidade das “[...] forças de mercado em resolver o mal-estar

estrutural do capitalismo” (MEIRA, 2003, p. 15), já que uma reflexão mais aprofundada

revelaria o vácuo existente entre as promessas e a real situação. Se o principal desejo

prometido é uma educação que prepare o indivíduo para o mercado de trabalho, garantindo

um emprego, a “embalagem” serão os recursos tecnológicos, programas de avaliação

institucional, as técnicas “modernas” de ensino, como o uso de apostilas ou testes de múltipla

escolha e o tempo reduzido de duração dos cursos. Os pacotes de sistema apostilado de

ensino, como exemplo, geralmente incluem materiais didáticos modernos, tais como apostilas,

softwares, portais de educação na internet e a agenda do aluno, para que ele possa saber seu

desempenho online. É óbvio o discurso de modernização presente na fala acima, que torna

sedutora a aquisição de tal material. Diariamente somos bombardeados por esse discurso

modernizador, mas essas novas tecnologias educacionais tendem a reforçar uma aproximação

com a racionalidade do tecnicismo. Como afirma Crochík:

seria ingênuo [...] julgar que as novas tecnologias educacionais são


responsáveis pela racionalização da educação - essa já apresentava-se, e
continua a apresentar-se, na didática moderna e na educação de massa. Elas
apenas a fortalecem. A crítica, assim, deve destacar, nas modernas
tecnologias utilizadas na educação, sua proximidade da racionalidade da
indústria. [...] Há diferença entre ensinar os alunos a usar o computador e
transmitir informações por ele. No primeiro caso, transmite-se a cultura, no
segundo, a cultura é filtrada pela racionalidade do meio técnico (2003,
p.99).

Ensinar a partir de softwares pode parecer atrativo, mas na verdade, o aluno estará

lidando com um simulacro da realidade, e não se confrontando com a situação real. Quando

aceitamos fazer parte de uma organização racional da sociedade, que pretende ampliar-se para

o âmbito da educação (o que a aproxima da racionalidade industrial) percebemos uma

tentativa de manutenção dessa ordem social vigente, que é a capitalista, e tal manutenção
31

consiste no processo de reprodução e submissão ao capital. O discurso de modernização está

atrelado à lógica do progresso, da eficiência, de preparar os alunos para o mercado de

trabalho, ou seja, está diretamente ligada ao pensamento capitalista, e somado a isso podemos

citar “a propaganda envolvendo esse tipo de material pedagógico [apostilas] e a força dos

slogans produzidos [que] unificam idéias e atitudes-chave para o sucesso deste modelo”

(MOTTA, 2001, p. 82). Os responsáveis por esse discurso e pela organização fragmentada do

ensino são – como já atestamos durante toda a história da educação no Brasil – as camadas

dominantes que visam apenas atender aos objetivos do capital. A sociedade então é

afirmativamente semiformada (e os recursos tecnológicos contribuem para tal) para confirmar

a reprodução do pensamento burguês vigente, adequando e sujeitando os alunos a uma

aparente realidade determinada, criando um abismo para a aquisição da cultura e da

consciência de classe. Como afirma Zuin,

Compreende-se o conceito de semiformação justamente pela tentativa de


oferecimento de uma formação educacional que se faz passar pela
verdadeira condição de emancipação dos indivíduos quando, na realidade,
contribui decisivamente tanto para a reprodução da miséria espiritual como
para a manutenção da barbárie social. E o contexto social no qual a barbárie
é continuamente reiterada é o da indústria cultural hegemônica (2001, p.10).

Sendo o conhecimento contido nas apostilas altamente industrial, fazer moderno o

ensino se tornou sinônimo de automatizar o campo da educação, tal como ocorre nas esteiras

de uma indústria automobilística, e a apostila é um dos resultados desse erro. Como afirma

Motta, “[...] o conhecimento apostilado [...] produzido em verdadeiras ‘fábricas do saber’

potencializa a ‘(re)produção’ de indivíduos massificados, prontos à adequação social que,

atualmente, tem como um de seus principais objetivos o consumo. Sem este, não há

capitalismo”(2001, p.85). Neste ponto, tornam-se claras as intenções da indústria cultural em

sua ideologia. Como afirmam Horkheimer e Adorno (2006), a indústria cultural acaba

revelando-se como a meta do liberalismo, sendo suas categorias e conteúdos todos

provenientes da esfera liberal, ou seja, do consumo.


32

A indústria cultural possui algumas características que também pode ser percebidas

nas apostilas. Horkheimer e Adorno (2002) cita algumas dessas características, como o uso de

clichês, a falta de conexão entre o todo e as partes (não há como garantir a continuidade do

processo ensino-aprendizagem com o ensino compartimentado das apostilas), a reprodução

exata do cotidiano e a repetição. Esta última é responsável por privar a todo custo qualquer

idéia nova, e essa “exclusão do novo” garante a reprodução mecânica daquilo que os alunos

serão e farão no futuro. Além disso, o conteúdo e a maneira como este se encontra escrito na

apostila restringe a atuação do professor (pois ele tem que seguir o conteúdo), minando sua

criatividade e seu desempenho na elaboração da aula e dificultando a relação e a interação

com os alunos no espaço escolar. Segundo Medrano e Valentim (2001), mesmo o professor

acaba se tornando acrítico, limitando-se a cumprir obrigações, ao passo de que o corpo

administrativo não mede esforços para esgotar qualquer tentativa do professor em desenvolver

um trabalho diferente daquele proposto. Com todos esses empecilhos, a educação fica

burocratizada, a estrutura hierárquica e os regulamentos da instituição ficam engessados, o

que contribui para a redução do senso crítico tanto do professor quanto dos alunos, para o

aumento da impessoalidade e para a aceitação imediata do que está sendo imposto, ou seja,

contribui para a Semiformação. Temos assim um indivíduo fraco e submisso aos

regulamentos, que prefere a permanência dessa situação. Como afirmam Horkheimer e

Adorno, “[...] o conformismo dos consumidores, assim como a imprudência da produção que

estes mantêm em vida, adquire uma boa consciência. Ele se satisfaz com a reprodução do

sempre igual” (2002, p. 27).

Segundo Motta (2001), o sistema de ensino apostilado contribui para a adaptação do

indivíduo à sociedade, pois é apenas mais uma mercadoria inserida no contexto da indústria

cultural. Seu formato fragmentado (divisão em cadernos, que por sua vez são divididos em

matérias, que são numeradas em aulas) contribui para a compartimentação do saber, as aulas
33

são esquematizadas e não permitem uma discussão mais aprofundada, os exercícios realizados

no final da aula servem apenas para fixar o conhecimento dito mais importante, mas o mais

grave é que devido ao seu formato, temos a impressão de que aquilo que está escrito é tudo

que precisamos saber, todo o conhecimento a ser atingido está ali naquelas poucas páginas.

Na escola, o sistema apostilado, como mais uma mercadoria inserida no


contexto da Indústria Cultural, promete oferecer um ensino organizado,
prático e racional. Mas, fragmentando o conhecimento, incapacita o
indivíduo de compreendê-lo de maneira global, incluindo causas, processos,
conseqüências, contextos etc. A quebra da unidade impede a ação reflexiva
e transforma-se em instrumento de dominação. Reproduz a ideologia de
setores privados e do próprio Estado [...] afastando-o da possibilidade de
um ensino e de uma educação emancipadores, bem como do conhecimento,
da aquisição e do usufruto da cultura. Mais do que isso, impede-o de refletir
sobre sua condição de cidadão e de optar com maior liberdade por seu
destino (MOTTA, 2001, p. 88).

O termo “semiformação” já citado anteriormente completa o quadro em que nos

encontramos ao utilizar o sistema apostilado. A indústria cultural, a serviço da sociedade do

consumo, dissemina seu produto objetivando a massificação, (semi)formando sujeitos

meramente reprodutores. Como afirma Maar “a semiformação seria a forma social da

subjetividade determinada nos termos do capital” (2003, p.467). A semiformação se constitui

como “[...] resultado de um processo de dominação sistemática por mecanismos das relações

político-econômicas dominantes” (SCHMIED-KOWARZIK apud MAAR, 2003, p. 468).

Maar (2003) afirma que para Adorno, a semiformação se tornou a forma dominante da

consciência contemporânea, e a cultura possui um caráter duplo: ao mesmo tempo em que se

remete à sociedade, ela mediatiza entre esta e a semiformação. No sentido em que é “cultural”

aquilo que é instalado pela indústria, as contradições são ignoradas e a relação dialética é

cristalizada, aí sim temos a cultura mediatizando entre a sociedade e a semiformação.

A semiformação se configura na adequação do indivíduo “na continuidade do

existente. [...] É formação determinada em sua forma pela própria formação social, pela

determinação social (modo) da produção” (MAAR, 2003, p. 469). É a naturalização do social


34

por via da fetichização da mercadoria. Maar (2003) afirma que para Adorno, uma possível

saída é o movimento dialético “[...] para além das imposições objetivas que se abatem sobre a

formação” (p. 469). Isto significa buscar compreender as conseqüências que este tipo de

ensino pode trazer para a sociedade em geral, e não aceitar o modelo industrial das apostilas,

que de maneira fordista prepara o aluno para mundo do trabalho, é um exemplo de resistência

a semiformação. Apresentando um caminho inverso a semiformação, Adorno (2003) insiste

no desenvolvimento da emancipação, conceito que está diretamente relacionado à

conscientização e à racionalidade. Maar afirma que a “emancipação como ‘conscientização’ é

a reflexão racional pela qual o que parece ordem natural, ‘essencial’ na sociedade cultural,

decifra-se como ordem socialmente determinada em dadas condições da produção real efetiva

da sociedade” (2003, p. 472). Ou seja, nos aproximamos da emancipação quando percebemos

algo que aparentemente é natural, na verdade é determinado socialmente. Por isso, cultura e

consciência de classe são atributos considerados emancipadores. Como afirma Maar (2003),

consciência de classe é considerada um fator emancipador, e a sua negação é trazida pela

indústria cultural.

A educação se apresenta hoje na sociedade quase da mesma maneira que têm se

apresentado desde o Estado Novo: como disseminadora dos valores, princípios e doutrinas da

cultura burguesa, mas desta vez em escala industrial e mundial, sempre visando à satisfação

das exigências do sistema capitalista, o que garante a reprodução das relações sociais,

econômicas e políticas. Dentre os principais valores e princípios veiculados pela indústria

cultural e apropriados pelo setor educacional, podemos citar:

A identificação entre industrialização, desenvolvimento econômico e


progresso social generalizado; a redução da política científica a uma
política de pesquisar para atender às exigências do desenvolvimento
econômico, nos termos do sistema de poder vigente; a reforma
educacional, para ‘despolitizar’ o sistema de ensino e transformá-lo numa
agência de preparação de quadros técnicos para a empresa privada e o
aparelho estatal; a identificação entre empresa privada, propriedade
35

privada e liberdade; a identificação entre técnicas quantitativas de


pesquisa e análise, por um lado, e ciência, por outro; o privilegiamento do
conhecimento técnico, ou suscetível de aplicação prática imediata,
segundo as exigências da reprodução do capital, em detrimento do
conhecimento científico fundamental, ou sem fins práticos imediatos dos
interesses predominantes (IANNI Apud PATTO, 1984, p. 73).

A junção entre indústria cultural e progresso tecnológico trouxe sérias conseqüências

para a sociedade atual. Como afirma Silva (2001), o trabalho desenvolvido por Adorno e

Horkheimer estabelece o avanço técnico-científico como a sustentação da sociedade

capitalista, junto a um processo de desumanização, o que significa que hoje nós temos a

ideologia da racionalidade tecnológica a serviço da barbárie, que ameaça o ideal de homem

livre e emancipado numa sociedade democrática. É o que discutiremos no capítulo que se

segue.
36

5. Educação, Indivíduo e Sociedade – A Ideologia da


Racionalidade Tecnológica

O processo de submissão do conhecimento científico e da noção de indivíduo à lógica

do capital ocasionou uma transformação no sistema educacional, alterando até mesmo seu

propósito. Agora, ao invés da formação de um indivíduo emancipado, preza-se pela

semiformação voltada para o mercado, o que acarreta sérias conseqüências no processo de

constituição do indivíduo, mas a escola é apenas uma das instituições atingidas por este

problema. Como seguimos os princípios do capitalismo, vivemos em um mundo no qual o

cotidiano acompanha a aceleração da produção e o indivíduo é reduzido a um mero

instrumento, tudo para que uma minoria alcance o ideal da “Nova Atlântida” de Bacon. De

fato, o rumo tomado pela ciência moderna, auxiliada pela filosofia de Francis Bacon4 acabou

por se mostrar nos dias de hoje quase que profeticamente, uma repetição da sociedade visitada

por Gulliver no reino de Balnibarbi: a extrema valorização da utilidade e calculabilidade da

ciência acompanhadas do total esquecimento das conseqüências desse suposto progresso.

Nessas Faculdades [Academia de Projetadores da cidade de Lagado] os


professores criam novas regras, novos métodos de agricultura e de
construção, novos utensílios e ferramentas para todos os propósitos e
manufaturas. Desta forma, segundo dizem, um homem pode realizar o
trabalho de dez [...]. A única inconveniência é que nenhum desses
projetos foi levado à perfeição, e no meio-tempo o país inteiro ficou num
estado lastimável, as casas em ruínas, as pessoas sem comida e sem
roupas. E ainda assim, em vez de ficarem desencorajados, eles tornaram-
se mais violentos na perseguição de fazer seus esquemas funcionarem,
levados ao mesmo tempo por esperança e desespero (SWIFT, 2003, p.
215-216).

A razão da obra satírica de Swift parecer tão atual é que por mais que tenhamos

apresentado progresso na tecnologia, pouco ou nada avançamos nesses últimos séculos para o

desenvolvimento do pensamento e de uma sociedade mais livre, justa e humana, visto que não

somos capazes de acompanhar tal progresso. Nas palavras de Pucci, Ramos-de-Oliveira e

4
que já era criticado pelo humor negro de Jonathan Swift ainda no século XVII, como se pode observar no livro
intitulado “As Viagens de Gulliver”.
37

Zuin, “é de estarrecer a constatação de que atualmente temos as condições objetivas de

simplesmente eliminar a fome da face da terra e, ao invés disso, o que observamos é

justamente a reprodução da miséria e da barbárie” (2001, p. 45). Ou seja, temos em mãos a

tecnologia necessária para alcançar a emancipação, liberdade e uma sociedade mais justa para

todos, mas a utilizamos para a mera reprodução de frívolas necessidades individuais. Adorno

comenta que o encontro entre a barbárie e o desenvolvimento tecnológico teve seu ápice

durante a segunda guerra mundial. Em Auschwitz, os nazistas exterminaram cerca de um

milhão e meio de prisioneiros de maneira rápida, eficaz e higiênica, valendo-se da ciência e da

tecnologia para alcançar seus objetivos.

Quando Adorno pretende discutir acerca da educação, afirma que “A exigência de que

Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. [...] Qualquer debate acerca de

metas educacionais carece de significado e importância frente a essa meta: que Auschwitz não

se repita” (2003, p. 119). Vivemos hoje um período de crise, de uma possível regressão à

barbárie, e a necessidade de mudança é urgente. A mesma “racionalidade” científica que

sustentou o pensamento nazista é utilizada hoje no contexto educacional. Todavia, as

ferramentas utilizadas pelas instituições educacionais já não são eficazes, visto que a partir da

tecnologia e do sistema apostilado, os objetivos reais da educação – aquisição de consciência

e possibilidade do desenvolvimento de um pensamento crítico - não são atingidos. É quando

podemos perceber a contradição existente no pensamento racional proposto pelos iluministas,

e propor a seguinte questão: O modelo racional iluminista conduziu o indivíduo ao

esclarecimento ou nos encontramos hoje em um estado de regressão? Adorno (2003) sustenta

que Auschwitz já foi a regressão, e a barbárie continua existindo, e quando nos propomos a

falar sobre educação é impossível negar a regressão também presente nas instituições

escolares na atualidade. “Tornar inteiramente supérfluas suas funções parece ser, apesar de
38

todas as reformas benéficas, a ambição do sistema educacional” (HORKHEIMER &

ADORNO, 2006, p.12).

De acordo com o pensamento de Adorno (2003), para que possamos pensar numa

educação para a emancipação do indivíduo, devemos obstruir as condições que geram tal

regressão. Para explicar essas condições, Adorno lança mão das teorias de Freud, já que a

psicanálise permite lançar luz sobre as origens da repressão e das grandes instituições

culturais, tais como a religião, a moralidade e a justiça. Freud justifica a importância de seu

método, ao certificar-se de que “[...] o modo de pensar psicanalítico atua como um novo

instrumento de pesquisa. A aplicação de suas hipóteses à Psicologia Social torna possível

tanto o levantamento de novos problemas como a visão dos antigos sob nova luz e nos

capacita a contribuir para sua solução” (FREUD, 1996, p. 187). Sob a ótica da psicanálise,

Adorno vê a possibilidade de encontrar respostas a respeito do fortalecimento do processo

anticivilizatório, e também de compreender a gênese do indivíduo fascista. Para melhor

compreender a visão de Adorno sobre o assunto, é necessário compreender o conceito de

repressão social elaborado por Freud.

Toda a produção da civilização originou-se na repressão e no desapego aos instintos, e

a organização repressiva tem ligação direta com manifestações perversas. Marcuse (1972)

afirma que a constituição da personalidade reside nos prolongados processos históricos que

estão “congelados” na teia de relações entre o homem e a instituição, compondo a sociedade.

Marcuse se refere ao processo filogenético defendido por Freud, e afirma que o destino da

civilização reside nos impulsos instintivos. Tal afirmação parece assustadora, mas estes

impulsos também estão sujeitos a modificações históricas. A repressão é um mecanismo de

defesa do ego (localizando-se então no próprio ego) e o conteúdo reprimido se encontra no id.

De acordo com Campbell, Hall e Lindzey:

Dizemos que ocorre repressão quando uma escolha de objeto que provoca
um alarme indevido é empurrada para fora da consciência por uma
39

anticatexia. [...] As repressões podem abrir caminho à força por meio das
anticatexias opositoras ou encontrar expressão na forma de um
deslocamento. Para que o deslocamento consiga impedir o redespertar da
ansiedade, ele precisa estar disfarçado em alguma forma simbólica
adequada (2000, p. 63).

A partir deste conceito, Freud (1996) afirma que as forças que ocasionam a repressão

do instinto devem sua origem essencialmente à submissão e às exigências da civilização. A

repressão de sentimentos hostis leva ao deslocamento de tais sentimentos para outros objetos,

que não o original.

Severo (2005) aponta que nas relações humanas, aquele que está próximo não significa

necessariamente um provável cooperador, mas sim um ensejo de desejo para satisfazer nele

sua agressividade. Como as pulsões instintivas superam os interesses racionais, e a sociedade

impele o homem a reprimir essas manifestações, esses impulsos são direcionados aos

criminosos, por exemplo. Porém, ao homem não é tão fácil abdicar dessas tendências

agressivas. Como afirma Severo:

[...] a civilização lhe apresenta um caminho bem particular, a


possibilidade de satisfazer seus impulsos agressivos frente aos seres que
ficaram excluídos dela. Sempre se poderá vincular-se amorosamente entre
os seres, desde que haja uma condição; a de que sobrem homens aos quais
descarregar a hostilidade (2005, p. 68).

Os instintos de agressão e hostilidade conseguiram ser contidos devido a séculos de

dominação e progresso, porém, como afirma Marcuse, com o avanço da civilização industrial,

no estágio em que nos encontramos, “inconscientes forças instintivas sobrepujaram toda a

racionalidade e racionalização” (1972, p. 78). Tendo a religião como o principal instrumento

de desvio histórico de energia, a ciência surgiu como seu antagonista, supostamente

contribuindo para o desaparecimento das ilusões propostas pelas igrejas por meio do

progresso material e intelectual. Como o progresso da ciência se deu por influências do

racionalismo, empirismo e positivismo, a ciência torna-se, como afirma Marcuse, em:

[...] um dos instrumentos mais destrutivos – aniquiladora daquela


liberdade contra o medo que certa vez prometera. [...] A atitude científica
já deixou há muito de ser a de antagonista militante da religião [...]
40

Através de seus presentes usos, ambas negam as esperanças que outrora


suscitaram e ensinam os homens a apreciarem os fatos num mundo de
alienação (1972, p. 79).

Adorno (2003) vai confirmar esse engodo da visão científica, ao demonstrar que a

invenção da bomba atômica encontra-se inserida no mesmo nexo histórico do genocídio. Ao

conceituar a barbárie, Adorno estabelece claramente uma relação entre o desenvolvimento

científico e a irracionalidade da sociedade:

Entendo por barbárie algo muito simples, ou seja, que, estando na


civilização do mais alto desenvolvimento tecnológico, as pessoas se
encontrem atrasadas de um modo peculiarmente disforme em relação a
sua própria civilização – e não apenas por não terem em sua arrasadora
maioria experimentado a formação nos termos correspondentes ao
conceito de civilização, mas também por se encontrarem tomadas por uma
agressividade primitiva, um ódio primitivo ou, na terminologia culta, um
impulso de destruição, que contribui para aumentar ainda mais o perigo
que toda esta civilização venha a explodir, aliás, uma tendência imanente
que a caracteriza (2003, p. 155).

Este quadro elaborado por Adorno mostra uma sociedade regredida, com traços

sádicos reprimidos, conseqüência de uma sociedade que foi inteiramente baseada na

hierarquização, na dominação de uns sobre os outros, no capitalismo. Crochík afirma que

“[...] o medo é a base da constituição do indivíduo e da cultura burgueses e a regressão do

esclarecimento ao mito revela-se, entre outros motivos, pela conversão dos meios de

autoconservação – a dominação e o sacrifício – em fins” (2001, p. 19).

Mesmo não se propondo a trazer soluções a questão educacional, Adorno faz algumas

considerações importantes no que diz respeito ao esclarecimento da população: “[...] à

educação infantil, sobretudo na primeira infância; e, além disto, ao esclarecimento geral, que

produz um clima intelectual, cultural e social que não permite tal repetição; portanto, um

clima em que os motivos que conduziram ao horror tornem-se de algum modo, conscientes”

(2003, p. 123). Adorno se refere à idéia de preparar um terreno fértil à discussão de tais

assuntos, ao entrar em contato com o acontecido e desvelar os falsos discursos, para uma

possível educação emancipatória (ao contrário de uma educação baseada na força e no


41

autoritarismo). Ninguém está completamente livre de demonstrar traços de barbárie, pois

todos nós passamos pelo processo descrito por Freud. “Tudo dependerá de orientar esses

traços contra o princípio da barbárie” (ADORNO, 2003, p. 158), essa é então a função da

educação: além de apenas socializar o saber, formar um indivíduo crítico e orientá-lo contra a

barbárie.

A intenção da filosofia de Adorno é impedir os atos de barbárie, e estes não devem ser

freados apenas no âmbito do conhecimento científico, visto que se encontra em todas as

esferas da vida humana. Toda ação humana é historicamente determinada pelas relações de

trabalho e produção estabelecidas entre os homens, e isso reflete a política, a ciência, a arte, a

religião, a saúde e a educação. O iluminismo abriu as portas para a revolução burguesa,

legitimando o capitalismo e a lógica acelerada de produção. A situação de barbárie que

vivemos hoje é, portanto, decorrente do processo de consolidação do capitalismo como modo

de produção e sua ação dominadora sobre a sociedade e o indivíduo. Como afirmam

Horkheimer e Adorno:

A naturalização dos homens hoje não é dissociável do progresso social. O


aumento da produtividade econômica, que por um lado produz as
condições para um mundo mais justo, confere por outro lado ao aparelho
técnico e aos grupos sociais que o controlam uma superioridade imensa
sobre o resto da população. O indivíduo se vê completamente anulado em
face dos poderes econômicos (2006, p. 14).

Nesse contexto marcado pela ambivalência, a ciência manteve sua atividade, mas

perdeu o sentido, erigindo os alicerces para a formação de uma “sociedade administrada”, em

que a instrumentalização do saber força a submissão da vida em sociedade aos interesses da

lógica de mercado:

[...] no colapso atual da civilização burguesa, o que se torna problemático


é não apenas a atividade, mas o sentido da ciência. O que os fascistas
ferrenhos elogiam hipocritamente e os dóceis especialistas da humanidade
ingenuamente levam a cabo; a infatigável autodestruição do
esclarecimento força o pensamento a recusar o último vestígio de
inocência em face dos costumes e das tendências do espírito da época
(HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p.11).
42

Quando falam da autodestruição do esclarecimento, de sua regressão ao mito,

Horkheimer e Adorno explicam o processo de decadência do movimento iluminista com a

tentativa de libertar o indivíduo da irracionalidade dos mitos e substituí-lo por um saber

verdadeiro, e ao negar o mito, os iluministas esqueceram-se de que é nele que se encontram as

origens do homem. A grande contribuição dos autores foi encontrar dentro da racionalidade

do iluminismo, traços de irracionalidade, principalmente no fato de que ao invés de utilizar a

tecnologia em função da necessidade, somos dominados por ela, e a transformamos em algo

negativo, destrutivo:

O programa do esclarecimento era o desencantamento do mundo. Sua


meta era dissolver os mitos e substituir a imaginação pelo saber. Bacon,
“o pai da filosofia experimental”, já reunira seus diferentes temas [...] isso
e coisas semelhantes impediram um casamento feliz do entendimento
humano com a natureza das coisas e o acasalaram, em vez disso, a
conceitos vãos e experimentos erráticos: o fruto e a posteridade de tão
gloriosa união pode-se facilmente imaginar. A imprensa não passou de
uma invenção grosseira; o canhão era uma invenção que já estava
praticamente assegurada; a bússola já era, até um certo ponto, conhecida.
Mas que mudanças essas três invenções produziram – uma na ciência, a
outra na guerra, a terceira nas finanças, no comércio e na navegação! E
foi apenas por acaso, digo eu, que a gente tropeçou e caiu sobre elas. [...]
Hoje, apenas presumimos dominar a natureza, mas, de fato, estamos
submetidos à sua necessidade; se, contudo nos deixássemos guiar por ela
na invenção, nós a comandaríamos na prática (2006, p. 17).

A subjetividade do homem moderno, devidamente instrumentalizada, não é capaz de

fazer uso do desenvolvimento tecnológico para trazer benefícios à coletividade, para criar

uma sociedade mais justa, pois quanto mais racionalizado, mais alienado se torna, por sua

própria condição de dependente da tecnologia, ao acreditar que através do progresso os

problemas sociais deixarão de existir. Sente-se feliz com a automatização do sistema de

cobrança nos ônibus urbanos, por exemplo, mas esquece-se de toda uma classe de cobradores

que ficará desempregada, e da qual o Estado não poderá dar conta da manutenção. A própria

ciência é submetida à lógica do mercado. Como já dizia Pirandello:

E que fará o homem, quando as máquinas fizerem tudo? Compreenderá,


então, que o chamado progresso nada tem a ver com a felicidade? Mesmo
admirando-as, que alegria experimentamos por todas as invenções com as
43

quais a ciência acredita honestamente que enriquece a humanidade (e a


empobrece, porque custam tão caro)? (1978, p. 137).

O problema não é o progresso em si, uma vez que este pode se aliar ao processo de

emancipação, ao criar condições que beneficiem toda a sociedade. Como no exemplo acima,

se o Estado se responsabilizasse pela classe operária substituída pela tecnologia,

providenciando condições financeiras e culturais para que futuramente ocupem uma função

melhor, tal progresso faria mais sentido. Mas para que isso aconteça de fato, toda a noção de

propriedade e capital deveria ser reformulada. Ou seja, enquanto o progresso estiver a serviço

do capital, este será voltado para a dominação. Segundo Crochík:

[...] se a riqueza social aumenta, mas as relações de produção


permanecem as mesmas, a dominação de uma classe social sobre outra se
reproduz, oculta pela aparente neutralidade do progresso. [...] Assim é
necessário redirecionar o progresso politicamente para que continue a
gerar condições de libertação das relações de produção. Com a riqueza
social acumulada, o progresso deveria ser mais associado ao progresso da
consciência que perceba a dominação, onde quer que essa se apresente, do
que à criação de mais riquezas, que auxilia a perpetuação da dominação
(2004, p. 17).

Marcuse (1972) ressalta que estudar o indivíduo é estudar a sociedade, sendo a

psicologia individual a própria psicologia grupal. O indivíduo em nossa sociedade encontra-se

cada vez mais enfraquecido, mais diluído dentro de uma coletividade, e esse é um dos pontos

nevrálgicos citados por Adorno em “Educação após Auschwitz”. É uma pré-condição para a

instauração do fascismo. Em nossa sociedade, a aparente valorização do indivíduo nada mais

é do que a forte presença do individualismo / narcisismo, e do sentimento de autoconservação.

Além do narcisismo implicar o enfraquecimento das relações individuais,


nutre-se das pulsões autoconservadoras, que numa sociedade que ameaça
a autoconservação a todo o momento, são exacerbadas. O que resulta em
uma sociedade necessariamente fascista. [...] A luta pelo indivíduo é a luta
contra o fascismo (ADORNO, 2003, p. 23).

Para melhor ilustrar a situação em que se encontra o indivíduo burguês, Adorno e

Horkheimer (1973) se apropriam do conceito de Mônada do sistema filosófico de Leibniz, em

que uma substância particular não atua sobre outra e cada uma delas é diferente. A sociedade

torna-se então uma soma de indivíduos singulares. Com o sistema capitalista, surge o costume
44

de considerar as mônadas como algo absoluto, um ser em si. Sem a diferenciação não há

contradição, a sociedade se cristaliza, entravando a possibilidade de emancipação do

indivíduo. Essa situação vai de encontro à definição de constituição do indivíduo: “[...] a

pessoa é, como entidade biográfica, uma categoria social. Ela só se define em sua correlação

vital com outras pessoas, o que constitui precisamente, o seu caráter social. [...] somente na

convivência com outros o homem é homem” (ADORNO & HORKHEIMER, 1973, p. 48-49).

Em sua análise do indivíduo, Crochík aponta como um importante estudo a ser

realizado pela psicologia, o da estrutura da sociedade e alguns mecanismos que nela atuam,

bem como a busca por um estudo não de um indivíduo extra-social, mas do indivíduo inserido

na sociedade. A preocupação com um estudo do indivíduo regredido, insensível e pressionado

por mecanismos como a divisão social do trabalho e a fetichização da técnica pode trazer

esclarecimentos, sendo então a discussão ampliada do indivíduo para a sociedade:

Os crimes sem sentido que temos assistido, com um misto de


perplexidade e indiferença, não devem continuar a ser entendidos somente
como problemas individuais, ainda que os motivos que levem ao crime
não sejam independentes da configuração do indivíduo, devem antes ser
relacionados à estrutura social existente que retira o sentido da vida,
mesmo em seus momentos mais sublimes (2001, p. 31).

Está claro que existe uma ruptura entre o indivíduo e a sociedade, entre o desejo e a

cultura, entre a promessa de felicidade do sistema burguês e seu real cumprimento e as

instituições educacionais do ensino superior, assim como outros meios de comunicação agem

de maneira a ocultar essa ruptura. Se a gênese do problema está na repressão, e a ciência serve

como instrumento para perpetuar a barbárie, a fetichização da técnica e o individualismo

aprisionam o indivíduo no sistema.

O mito converte-se em esclarecimento, e a natureza em mera


objetividade. O preço que os homens pagam pelo aumento de seu poder é
a alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O esclarecimento
comporta-se com as coisas como o ditador se comporta com os homens.
Este conhece-os na medida em que pode manipulá-los. O homem de
ciência conhece as coisas na medida em que pode fazê-las. É assim que
seu em-si torna-se para-ele. Nessa metamorfose, a essência das coisas
45

revela-se como sempre a mesma, como substrato da dominação


(HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p. 21).

Neste universo em que o esclarecimento preza pela produção desenfreada, e a própria

ciência (e o processo educacional, por conseqüência) se transforma em mercadoria, a noção

de indivíduo se perde e as coisas passam a controlar o criador, sobrepujando-o. A educação

corrompida pelo processo de industrialização, o uso de apostilas em sala de aula, o ensino

voltado para o mercado de trabalho, caracterizam não apenas a confirmação, mas sim uma

exacerbação do processo descrito por Horkheimer e Adorno (2006), praticamente eliminando

a possibilidade de construção de uma sociedade voltada para a liberdade e para todos. “[...] O

esclarecimento sempre simpatizou, mesmo durante o período do liberalismo, com a coerção

social. A unidade da coletividade manipulada consiste na negação de cada indivíduo: seria

digna de escárnio a sociedade que conseguisse transformar os homens em indivíduos”

(HORKHEIMER & ADORNO, 2006, p. 24).


46

6. Considerações Finais

O pensamento iluminista, embora extremamente importante para o período em que se

desenvolveu – pois permitiu o encerramento de um período de trevas na história do homem, e

abriu os caminhos da história para a Revolução Francesa e Industrial – trouxe sérias

conseqüências para a sociedade como a conhecemos hoje. Na tentativa de sair das trevas e

instituir a sabedoria através do programa que Horkheimer e Adorno chamam de

“desencantamento do mundo”, dominando o saber e portanto, a natureza, os iluministas

convertem os mitos em esclarecimento “[...] e a natureza em mera objetividade” (2006, p. 21).

De maneira hegemônica, o pensamento iluminista adotou o princípio da racionalidade e

aplicou-o em todas as esferas da natureza e do homem. A ironia de Horkheimer e Adorno

ilustra bem este quadro criado pelo esclarecimento: “Não é a regra: se adicionares o desigual

ao igual obterás algo de desigual [...] um princípio tanto da justiça quanto da matemática? [...]

A sociedade burguesa está dominada pelo equivalente” (2006, p. 20). A partir do pensamento

totalitário do iluminismo, que sistematicamente reduziu a natureza e a sociedade a meros

fatores quantitativos, considerando aquilo que não pudesse passar pela sua calculabilidade

como mera ilusão, percebemos que tudo passou a submeter-se a este pensamento e, dessa

forma, as ciências naturais se instalaram vitoriosas numa sociedade regida pelos princípios de

dominação e alienação.

O pensamento iluminista serviu como uma luva para legitimar o modo de produção

capitalista, que se instaurou definitivamente no período pós revolução francesa, e mesmo com

as diversas mutações que sofreu, mantém sua essência caracterizada pela divisão de classes, a

alienação do indivíduo, a unificação por meio da calculabilidade e a reprodução do sempre

igual. Uma das maneiras de manter esta relação até os dias de hoje foi utilizando a educação

como ferramenta dessa dominação. Fortemente influenciada pelo positivismo, as pesquisas


47

científicas e a educação no Brasil durante todo o século XX tiveram a intenção de preparar os

indivíduos para uma sociedade industrial, priorizando uma educação para o trabalho ao invés

de uma educação para a consciência. Num país economicamente dependente, o modelo

encontrado para o suposto desenvolvimento era ceder ao capital e às empresas estrangeiras, e

submeter o sistema educacional a este processo.

Com a valorização do ensino particular na década de sessenta, a educação

definitivamente é transformada em mercadoria a serviço do sistema econômico e político

vigente, permitindo a entrada da Indústria Cultural nas escolas. A educação perde sua função

em si e passa a preparar os alunos de maneira fordista, apenas com os conceitos necessários

para que ele possa exercer uma função na sociedade do trabalho. As escolas se tornaram

verdadeiras fábricas de diplomas, e os métodos empregados para uma melhor execução desta

tarefa são tão racionais quanto aqueles utilizados em Auschwitz pois são eficientes em sua

proposta de semiformação, fazendo uso de instrumentos como apostilas e laboratórios, que

privilegiam seu formato eficaz para transmitir o mínimo de conhecimento necessário para o

aluno, e se esquecem de valorizar o conteúdo daquilo que está sendo ensinado, bem como

uma visão crítica desse conteúdo. Como afirma Silva:

[...] à nossa universidade tem sido imposto, e muitas vezes aceito, o


discurso da eficiência e da produtividade, o que corresponderia mais ou
menos a um processo de adaptação do ensino universitário às exigências
de mercado. Tem sido reproduzida pela mídia e pelos discursos oficiais a
urgente necessidade de que a universidade forme alunos para o mercado
de trabalho. Sob esse aspecto, podemos dizer que a preocupação da
educação universitária tem se voltado mais para a instrumentalização, nos
moldes acima descritos, do que propriamente para a formação, correndo o
sério risco de ser engolida pela primeira (2001, p. 142).

Com essa proposta, as universidades transformam o indivíduo numa ferramenta, com

o objetivo de satisfazer as exigências do mercado. E assim como na Indústria Cultural, da

maneira como atua em outras esferas do cotidiano, na educação percebemos a sedução das

instituições do ensino superior com propagandas, outdoors, logrando o consumidor com

promessas de felicidade, mas como não há espaço para todos no mercado, os indivíduos se
48

vêem obrigados a competir cada vez mais uns contra os outros por poucas vagas de emprego.

As instituições, percebem essa dificuldade e, ao invés de apresentar uma alternativa de

mudança para este quadro, transmitem para os alunos essa mesma ideologia da

competitividade como algo natural a ser buscado e conquistado por todos. Dessa maneira

nascem os “slogans” escancarados nas propagandas de grandes universidades. A ideologia da

racionalidade tecnológica impõe a necessidade de velocidade, de satisfação imediata,

completando o quadro em que nos encontramos. Os cursos teóricos cedem lugar a disciplinas

práticas, valoriza-se o auto-aprendizado e o ensino à distância, eliminando qualquer possível

contato entre aluno e professor, dificultando a troca de experiências, instigando a rivalidade e

o comportamento de obediência à hierarquia, mantendo a sociedade num estado de estagnação

e reforçando a divisão de classes. Como afirmam Horkheimer e Adorno:

A disposição enigmática das massas educadas tecnologicamente a deixar


dominar-se pelo fascínio de um despotismo qualquer, sua afinidade
autodestrutiva com a paranóia racista, todo esse absurdo incompreendido
manifesta a fraqueza do poder de compreensão do pensamento teórico
atual (2006, p. 13).

Entretanto, Adorno afirma que não podemos atribuir à essa realidade uma atitude de

intocabilidade. De acordo com Pucci, Ramos-de-Oliveira e Zuin, para Adorno “[...] a

realidade é múltipla e mutante, não se deixando imobilizar em traços separáveis, mas, ao

contrário, é composta por elementos miscíveis e ‘imiscíveis’ que se alternam e se alteram, se

combinam e se distinguem conforme o momento histórico” (2001, p. 151). O que devemos

fazer frente a estes desafios é desvelar a ideologia oculta por trás das ações corporativas nas

universidades, não aceitando suas soluções fáceis e tentadoras, porém falsas; estabelecer

relações entre as condições do ensino atual e o contexto socioeconômico em que nos

encontramos; evitar a coercitividade do esclarecimento que busca a homogeneização;

enfrentar os mecanismos adialéticos e naturalizantes do sistema capitalista; compreender a

indústria cultural como um mecanismo coletivo de tentativa de manutenção dessa ordem

capitalista, que seduz e conforta o indivíduo alienado; não permitir que a lógica da
49

velocidade, da impulsividade torne as instituições escolares instrumentos de dominação e

reprodução da estrutura social opressiva; compreender que a educação da maneira que se

encontra hoje está submetida ao espírito mercantilista e, como afirma Meira (2003), ao

estudar o processo educacional devemos nos contrapor ao conformismo, ao deslumbramento

com o mercado e à intoxicação provocada pelas idéias neoliberais, sem nos esquecermos de

que a educação é apenas um dos muitos problemas que devem ser reestruturados. Nas

palavras de Pucci, Ramos-de-Oliveira e Zuin:

[...] a escola é uma força reprodutora, mas não a única, nem mesmo a
mais central. É apenas mais uma força que se reproduz reproduzindo. Mas
as forças não são exclusivas, são dialéticas. É possível enfrentá-las. Aliás,
essa tem sido uma das faces mais importantes do caminho percorrido pela
humanidade: a transformação da realidade (2001, p. 156).
50

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