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Capa:
Miriam Lerner
Imagem da Capa
© Gideon Mendel/CORBIS
Projeto gráfico:
Obra Completa Comunicação
Preparação de originais:
Juliana Romeiro
Revisão tipográfica:
Raquel Corrêa e Marco Antônio Afonso
Produção editorial:
Cristiane Marinho
ISBN 85-00-01361-3
l. Colónias · História. 2. Imperialismo. 3. Descolonização - História.
I. Beaufils, Thomas. II. Ferro, Marc, 1924-.
uma ,·ersão para outra, a história tenha permanec ido quase idêntica, as re-
presentaç ões de seus personage ns clarament e mudaram , especialmente as
do rei e de seu primeiro- ministro, que já não são postos em cena como uns
primitfros semi,·estidos nem como adultos-crianças que é necessário educar.
Agora, o caráter mercantil e violento da colonizaç ão é criticado, mas a
governant a inglesa continua cheia de uma dignidade compassiv a e as siame-
sas, subjugadas. A figura comovente e forte da rainha do Sião (hoje, Tailândia),
que, vítima da poligamia, obtinha a educação de seu filho para chegar à oci-
dentalização dos costumes, desaparec eu em proveito de um florilégio de es-
posas encantado ras, mas sem consistência.
A evolução das representações cinematográficas é bastante paralela à da
historiografia: a condescendência do olhar desaparec eu dos estudos sobre os
países ex-colonizados, e a presença das mulheres brancas na colonização foi
afinal reconheci da Mas a das colonizadas ainda é pouco estudada. Esse fenô-
meno é particularmente flagrante na França, excetuando-se os livros de Yvonne
2
Knibiehler e Régine Goutalier, além de belos números da revista Clio • O esta-
tuto das mulheres permanec e como um dos pontos em que o impacto da
colonização parece ser o menos negativo ou até, em certos casos, positivo.
Esse ponto de vista não é necessariamente o das colonizad as. Assim, Pandita
Ramabai escreve, em 1886: "Não há esperança para as mulheres na fndia, nem
sob o regime britânico nem sob o regime ipdiano3 '~ Em 1947, Funmilayo
· IRD-UMR 151-SFRD. Este artigo foi escrito em 2000 durante uma estada no departamen-
to de demografia da universidade de Montréal, durante a qual pude beneficiar-me das excelentes
bibliotecas dessa instituição.
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M L' I HíH S F C OLO~ I A LI SMO
661
Ü ll l , T 1 \ li I' \ ~ \\ t 1 111 ~ 1 ~
6
ão. Em seguid
parad oxalm ente, perm itiu às iroqu esas • melh orar sua posiç
esvaziada:~
a impo rtaçã o m aciça de africa nos para exp!o rar as terra s assim
o fato de esse conti ngen te de escravos ter sido comp osto por dois terços de
home ns e um terço de mulh eres marc ou profu ndam ente as relações entre
. .
os sexos, fosse na Áfric a ou nas Antil has, tanto mais quan to o novo modo de
produ ção desfavorecia estas últim as.
A amq11ista
s encon-
O punh ado de europ eus que parti ram para desco brir as Índia
de produ ção e
trou um mosa ico de povo s deten tores de costu mes, modo s
am em guerra
sistem as políti cos muit o varia dos. Com freqü ência , eles estav
nte e mostra-
uns contr a os outro s, ou tinha m sido conq uista dos recen teme
ores condu-
vam-se desejosos de recup erar sua indep endên cia. Os conq uistad
estratégia de
ziram ao mesm o temp o uma guerr a feroz, apoia ndo-s e numa
ca de alian-
terro r, feita de estupros, mass acres e sevícias diversas, e uma políti
ças com certo s grupo s.
os espa-
Naqu ela época não existia, nem para os indíg enas nem para
com maior
nhóis, uma visão unifi cada do "índi o': e os croni stas descr eviam
trava m, inte-
ou meno r verac idade ou imag inaçã o as socie dades que encon
ar as relações
grand o os mitos antig os e medi evais. A dificu ldade de avali
ns brancos,
entre os sexos a parti r dos relato s da época , escri tos por home
, e por apenas
jesuítas e outro s missi onári os, milit ares ou admi nistra dores
que eles de-
duas mulh eres, está bem paten te nas descr ições contr aditó rias
cinco anos, a
ram à situa ção iroqu esa. Para o jesuí ta Lafitau, que passo u ali
o, a nobreza
Iroqu ésia é "o impé rio das mulh eres': "Nela s basei am-s e a Naçã
rvaçã o das
do sangue, a árvor e genealógica, a ordem das geraç ões e da conse
idade . A terra,
famílias. t nas mulh eres que resid e toda a verda deira autor
conselhos, os
os camp os e toda a colhe ita lhes perte ncem ; elas são a alma dos
públi co, e a elas
árbitr os da paz e da guerr a; conse rvam o fisco ou o Teso uro
ças perten-
são dado s os escravos. As mulh eres fazem os casam entos , as crian
7
." Os nume ro-
cem ao seu domí nio, e em seu sangu e está a ordem da suces são
XIX, o mito do
sos relatos desse teor levar am a criar, espec ialme nte no sécul o
mulh eres que,
matri arcad o. Cont udo, diz outro jesuí ta: "Essa s mesm as
se traduz em simplesmen·
· Em português, os termos franceses menci onado s pela nota acima
a a forma "iroqueano''. (N. da T.)
te por "iroquês~ sem diferenciação, pois não está dicion arizad
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M L"LHlRES E COLO :-,.J AL I SM O
.
do atingem certo número de anos e têm filhos em 1•dade de impor .
quao respe1-
r elas, são de certo modo ,
as donas do Estado pelo menos 1orma 1m
topo . . • ente,
stituem o corpo principal deste, antes disso não di'sp- da , .
e co n . , . oem mmuna
sideração e, no ambiente domestico, são escravas de seus man'dos,,. De
con . "d ,,
fato, a visão unificada as mulheres pode ser enganosa no caso das socieda-
des nas quais as relações de idade são importantes e nas quais somente com a
rnenopausa é que o poder se torna possível para elas.
8
Na realidade, segundo Roland Viau , no momento dos primeiros conta-
tos, uma divisão relativamente rígida das tarefas não impediria a igualdade
entre os sexos. As iroquesas são "mulheres de ninguém", isto é, não são
trocadas por um pai, um tio ou um marido: podem viver com quem quiserem,
conservam uma grande liberdade sexual após o casamento e podem divor-
ciar-se quando o desejarem. Nessa sociedade matrilinear e matrilocal (em
que O parentesco é herdado através das mulheres e em que os genros vão morar
com a sogra numa habitação multifamiliar), a função procriadora das mu-
lheres é particularmente valorizada: "Eles se regozijam mais com o nascimento
de uma filha do que com o de um filho': As mulheres são "proprietárias" da
casa, dos móveis e das terras, ao passo que os homens possuem somente suas
armas, suas roupas e suas ferramentas. Segundo Mary Jameson, uma inglesa
que se casou com um chefe iroquês, seu trabalho era comparável ao de uma
mulher branca, com a diferença de que "nós não tínhamos dono para nos
vigiar e nos estafar, e assim podíamos trabalhar em nosso próprio ritmo~
No plano simbólico, o feminino não está subordinado ao masculino.
Para os huronianos, o mundo foi criado por uma mulher: Actaentsia. As
mulheres curam através das plantas. A mãe do clã propõe o aspirante a chefe
civil, e a presença das mulheres é indispensável à cerimônia da ressurreição
dos chefes. A análise dos textos dos primeiros cronistas dentro de uma pers-
pectiva histórica mostra um reforço da posição das mulheres a partir da
segunda metade do século XVII, em conseqüência das primeiras ondas de
epidemias (especialmente de varíola) e das guerras incessantes, próximas e
longínquas, mas também da expansão do comércio de peles, atividades que
mantêm os homens afastados de suas casas durante longos meses. Essas guer-
ras forneceram cativos, alguns dos quais são executados após sofrerem di-
versas humilhações e torturas, inclusive por parte das mulheres; outros são
adotados pela mais velha do clã para substituir um parente que foi morto e
podem até tornar-se chefes; outros, ainda, permanecem cativos durante a
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L () I' 1 '-',, 1, I' \ , \1 L 1 ff 1 1: l '-
vida inteira. Enquant o são mantido s sob sujeição, eles substitu em as mulh
res nos trabalho s agrícola s e domésti cos mais longos e mais fastidiosoe-
A resistência à colonização, portanto, teria perpetua do ou reforçado urna s.
certa igualdad e entre os sexos.
t m ais difkil avaliar os arranjos entre os sexos nas sociedades rap1'da-
mente conquistadas, porque estas foram transfor madas mais depressa e rna1s .
profund amente 10. As mulheres da elite tinham funções cosmogônicas iuupor-
-
tantes. Podiam ser dadas em casamen to ou então por uma noite, a fim de
formar alianças. As mulhere s do povo tinham numeros as funções produti-
vas, mas um papel limitado no mercado. Eram parteiras, curandeiras. Nos
Andes, contudo, somente os homens tinham direito sobre as terras, e O pa-
rentesco passava por eles. O Estado asteca já conhecia a escravidão e a pros-
tituição, assim como uma forte estratificação social que beneficiava também
algumas princesas. Muitas amerínd ias foram estuprad as, mortas ou reduzi-
das à escravid ão. Outras se integrar am mais facilmente do que os homens
indígenas à sociedade branca, especialmente pelo concubinato, e tornaram-se
pequena s empresárias no mercado territorial ou imobiliário, servindo-se das
leis espanho las que lhes garantia m uma parte da herança de seus pais igual à
dos irmãos, assim como a herança de seus maridos . Em algumas regiões,
como na Mixteca, as mulhere s da elite consegu iram manter seus direitos na
chefaria e continua ram recebendo um tributo de seus depende ntes indígenas.
Contudo , a maioria das mulheres sofreu com esse período de profundas trans-
formações sociais, que reestrutu raram as relações entre os gêneros. Como os
homens, elas foram distribuí das pelas encomiendqs para o trabalho forçado
nos campos ou alhures. As meninas eram recrutad as desde a idade de dez
anos e os meninos , somente a partir dos doze. As mulhere s foram excluídas
do trabalho nas minas em 1533 e as grávidas, liberadas das tarefas mais pesa-
das; mas, com freqüência, esses textos legais não eram respeitados. Tradicio-
nalment e, elas deviam transpor tar as cargas quando os maridos partiam
para a guerra, e, portanto, foram mobilizadas nas expedições espanholas.
Nas zonas inca e maia, suportar am o essencial do tributo em têxteis, pois a
fabricação de roupas de algodão também fazia parte de suas tarefas tradicio-
nais. Irene SHverblatt sublinha que essa atividade tornou-s e então mais fasti-
diosa e monóton a, porque elas foram obrigada s a tecer grandes quantidades,
às vezes trabalha ndo trancada s 11 • De maneira mais geral, a catástrofe
demográ fica que se seguiu à conquis ta tornou mais pesadas as tarefas
•.
o tráfico
Bem antes de os europeus desembarcarem, o continente africano já co-
nhecia a escravatura, embora nem todas as regiões estivessem abrangidas.
Ali, a escravidão aprese~t.ava uma série de formas, desde as mais duras, pró-
ximas daquelas da Amenca das plantações, até as mais suaves, que davam
bastante autonomia aos escravos e rapidamente os integravam numa linha-
em livre, até mesmo permitindo-lhes excepcionalmente constituir uma.
~ontudo, a privação de estatuto era radical e provocava muitas resistências.
0 tráfico transaariano já deportava numerosos cativos através do deserto.
Em sua grande maioria, os escravos eram mulheres, o que geralmente é expli-
cado pelo papel que lhes cabia de reprodutoras; mas eram sobretudo suas
qualidades de trabalhadoras e sua polivalência que as tomavam súditos de
escolha. A progenitura concebida entre escravos parece ter sido apenas um
subproduto da exportação deles, sem ter absolutamente contribuído para a
reprodução escravagista. Nas sociedades linhageiras, as escravas forneciam
0 essencial do trabalho agrícola e doméstico. Nas sociedades dinásticas, elas
exerciam um papel importante nos níveis administrativo e político, porque
eram percebidas como não perigosas, sendo o "antiparente~ aquele com quem
nenhuma aliança pode se concluir12• Para um homem, era vantajoso adquirir
uma escrava a fim de torná-la sua concubina, exceto nos lugares onde a
matrilinearidade prevalecia. Além disso, a compra de uma escrava ficava mais
barata do que o "preço da noiva" que se devia pagar aos pais livres.
O tráfico transatlântico, contudo, modificou profundamente as coisas.
De 1440 a 1870, ele deportou 13 milhões de indivíduos, dos quais 2 milhões
morreram durante a travessia 13• Muitos outros morreram sem dúvida na
própria África, capturados durante as guerras ou durante seu trajeto até os
portos. O tráfico foi particularmente importante no século XVIII, quando
foi deportada metade dos cativos, o que provocou muitos transtornos, en-
tre os quais a emergência de Estados cuja principal atividade era a caça aos
escravos. Por fim, certas regiões foram mais afetadas que outras: 3 milhões
de escravos foram assim deportados de Loango e, mais genericamente, da
zona que hoje corresponde aos dois Congos; 2 milhões de Senegâmbia,
da costa dos Escravos (ou seja, hoje O Togo. o Benim e a parte ocidental da
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L
Nigéria): e 1.5 milhão da Costa do Ouro (atual Gana). O tráfico tarnb
estendeu a escravid ão a sociedad es - como a dos sherbros de Serra Leoa~rn
nas quais. ao que parece, ela não existia, segundo os relatos dos prirn . -
. . E, , d . l t eiras
n aJantes. ao aumentar o numero e cattvos, e e ornou a escravidão essen.
cial ao funcionamento de sociedades em que anteriormente o papel desta era
apenas marginal. Plantações de tipo americano até mesmo se desenvolveram
por exemplo em Angola, onde se contavam, em 1759, domínios de exploraçã~
agrícola com mais de mil escravos15•
Sabe-se que, em média, o tráfico transatlântico deportou um terço de
mulheres para dois terços de homens , pois o trabalho destes era mais valori-
zado na América do que na África. Em conseqüência, o preço das cativas era
mais alto no mercado africano, ao contrário do mercado atlântico, onde os
homens custavam mais caro. Em contrapartida, quando havia incursões con-
tra sociedades, as mulheres eram levadas em número tão grande quanto os
homens, e transportadas para longe de seus parentes a fim de que não pudes-
sem retomar aos seus lares.
Sem dúvida, é como diz um provérbio sua.ili: "Uma mulher nunca é li-
,·re1~ Ela é casada por sua linhagem, tem de obedecer ao marido e, com fre-
qüência, deve-lhe até muita subserviência; não tem direitos sobre os filhos,
que pertencem ou à sua linhagem ou à do cônjuge. Contudo, dispõe de verda-
deira autonomia econômica e, em certas sociedades, pode participar de asso-
ciações de mulheres que a defendem contra os maus-tratos. Tornando-se es-
crava, ela deve sofrer os avanços do homem a quem seu senhor a empresta, já
não tem o benefício de seu trabalho e não mais dispõe do apoio de sua linha-
gem.. Pode ser revendida tantas vezes quantas o decidirem seus sucessivos
senhores, caso de Bwarika, vendida e desposada dez vezes entre 1886 e 1911 na
África centraJl 7• Para isso, o mínimo desagrado é suficiente. Assim, as mulhe-
res são vendidas por motivos específicos: recusa do casamento, divórcios
repetidos, infidelidades. A escravidão na América, portanto, constituiu uma
ameaça eficaz para limitar a autonomia feminina .
Nas regiões onde o tráfico transatlântico era mais intenso, encontra-
vam -se, entre os adultos de quinze a sessenta anos, 80 homens para 100
mulheres e até, em Angola, 40 a 50 homens para 100 mulheres. Esse fenôme-
no teve numerosas conseqüências, tanto no nível do trabalho quanto no
das práticas matrimoniaíslll. Antes do tráfico transatlântico, contavam -se
67 jovens e idosos para 100 adultos: no período mais intenso do tráfico,
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,\\ 1 I ti f l1 f, f < •, 1 'I '•I I J/, •111
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L
mas tJmhém dos csa,\\'os nJscidos nas Antilhas. A natalidade , por ,su a vez
era fra~a. Autores d.1 segunda metade do ~éculo X~III explicavam isso {lei;
n.·cusa das escravas a trazer JO mundo cnanças pnvadas de liberdade. Al-
guns até as acusav:im de inocular tétano em seus bebês metendo-lhes urn
alfinete na moleira para matá-los e evitar-lhes a escravidão. Assim , os se.
nhorcs infligiam diversas torturas às mulheres suspeitas, para impedi-las
de fazer isson. As africanas teriam transmitido seus conhecimentos sobre
contracep ção e ahorto e deixado seus filhos morrerem durante os primei-
ros no\'e dias, nos quais, tradicionalmente, eles ainda não têm nome2J. Ter
filhos escra,·os era doloroso demais, como o indicam os relatos dos antigos
21
es~ra,·os registrados nos Estados Unidos nos anos 1930 ' • Os filhos de ne-
gros morriam em quantidade duas vezes maior que os dos brancos, e as
mães deviam ensinar-lhes a viver num ambiente hostil, a calar-se diante do
senhor, a aceitar a própria condição. A aprendizagem dessa severa discipli-
na era uma necessidade, pois nisso estava a sobrevivência deles e a de seus
próximos. Ter uma filha era uma dor suplementar, pois a violência dos
homens brancos, mas também a dos negros, era uma ameaça permanente.
As mães escravas sofriam violentamente com as separações e tudo fizeram
para reencontrar seus filhos após a abolição. Em tais condições, compreen-
de•se que elas pudessem não querer tê-los.
Sua resistência, contudo, é difícil de quantificar. Os depoimentos dos
~enhores tendem a negar a subalimentação e as cargas excessivas (mais de
dezesseis horas por dia durante o transporte e a moagem da cana): muitos
abortos pelos quais as mulheres eram torturadas não eram em absoluto pro-
vocados. Assim, o estudo minucioso da sazonalidade dos nascimentos e dos
óbitos de bebês na Virgínia mostra que estes últimos são mais numerosos no
momento dos trabalhos mais pesados e da incidência máxima da malária e
das infecções25•
M, I H f t l ~ ' ,,,1,, ·., JA1 1·, ·,1 11
--- ANIMAK211
Animak incendeia a casa, mas seu delírio de cruel alegria é tal que, d..inçando
e gritando ao redor das chamas, ela se esquece de fugii e morre ~pulwb sob os
destroços em brasa.
Conclusão:
Les pays merveilleux qu'admirent en passant
Les voyageurs pcnsift, courbés au bastingagt,
Subissetit au parcours des silcles renaissant
Leur destin implacable, ôfatal héritage!'
· "Ele partiu de fato, sem adeuses à mulher, / Sem carkia na cn.in,;.1. sem renovaçlo d& .ilnu,
1
Para os lugares desamparados e que foram descobertos. / Ele partiu, como Se! vai, trtmufo e
descalço,/ Um ladrão, em mdo à noite, n.i escuriJ.\o t n.1 bris.i.• // "El.1 Jeu um gnto s.:lvagem
e s_eu punho ergueu-se em ameaça. / 'Ah, bastardo! rc~nto Jo Estrangdro. Jo br.mco! / M.i.ld110
scJas_por ler nascido do meu tl.mco!' / Stgurou o filho por um pé e, alucinaJ.i. / O J.11\gue "
porcJo.r dos olhos, a boca esnumante / Girou-o no ar, desancou-o numrep<nte, / e estalou• testa
sob · 10 , r ' . .
re ª rn,,lha fumegante:• // "Os países maravilhosos. adnuraJos • ~a.m gcm / Por v1lJJ.l\to
~ensativos, debruraJos
lnt 1 .t ,
à amuraJa • / Sofrem no decorrer dos k~ulos ren.i)Cente, J Sc:u Jotino
P ª'"vd, oh herança fat"I!'' (N. da T.)
661}
d eterm i na,·a, isto é, a apropriação dJs filhas e das esposas pelo pai, tio rn
no ou ch efe de linhagem , e depois pelo m arido ou pela família do ~ter.
ll'larido
Com o código negro, somente o senhor p ossui o escravo, seja este ho ·
. 1· . d mern
ou m ulh er. e seu po der s Ó e 1m1ta o por esse texto, que as auto n'dades
públicas não p rocuram fazer resp eitar. Escravas e escravos sofriam u
. e un1a exp 1oraçao . aspectos. Essa simil llla
• sem e Ih an tes em vá nos .
opressao
dade d e posições jurídica e sociológica levou certos autores a ver na an. escra-
vidâo do Novo l\-1undo um espaço em que foi aplicada a igualdade de trata.
meato en tre homens e muJheres, numa mesma exploraçã o selvage11121_
Contudo, já no fim do século XVII implantou -se uma divisão sexual do
trabalho que reservava aos escravos homens as atividade s de operários e
contramestres, assim e.orno os empregos que permitiam mais liberdade
(pese.adores, caçadores , cocheiros ), ao passo que certas mulheres só tinham
acesso a alguns empregos na casa do senhor, a casa-gran de, enquanto ou-
tras trabalhav am com o enxadão ou arriscava m as mãos e os antebraços
alimentan do a moenda de cana 28. Para as mulheres, os lugares na casa-grande
d ependiam do ciclo de vida: as jovens começava m trabalhan do como do-
m ésticas e depois eram com freqüênc ia enviadas aos campos, para
retomare m às suas primeiras tarefas quando já estavam muito cansadas
ou muito velhas. Só escapavam a essa trajetória aquelas que alcançavam as
raras funções qualificad as abertas às mulheres : enfermeir a, costureira,
governan ta. Algumas governan tas ascendiam· a importan tes posições de
poder nas plantaçõe s: em Barbados, uma delas conseguiu colocar toda a
29
sua família na casa do senhor e possuir escravos • Ainda assim, Mary
Prince 30, governan ta e única escrava antilhana a deixar um texto autobio-
gráfico, foi brutalizad a por três quartos de seus senhores, verbal e fisica-
mente, embora fosse responsáv el pela casa e pelos filhos deles. Ela foi sepa-
rada do marido porque teve de acompan har seus senhores . Em
Saínt-Dom ingue, a colônia mais rica do século XVIII, eram qualificados,
em 1780: 40% dos homens que trabalhav am nos canaviais , 15% dos que
cultivavam os cafezais e somente 5% das mulheres • Cumpre lembrar que
31
670
t 1
M •- t H r lf s l e r, r o , rA l l e; , 1 o
, à diferença das
traso de desenvolvimento durante a adolescência
esse a ' fi d l adultos, já que 38% dos
rnoçasJ2_ O que e con 1rma o pe as declarações dos
48% das muJhe-
ravos homens declaravam ter pass"ado fome, contra
ex-esc . mas só no século
A "brutal igualdade entre os sexos de fato existiu,
res. 1 tações.
)(VII e nas pequenas p_an
seus relatos como
No entanto, as antigas escravas surgem em cena nos
da época, e que procu-
mulheres dinâmicas, adequadas aos critérios morais
arn sobretudo proteger dos bran cos sua comunidade. A imagem de si mes-
r .. , - , ..
rnas que elas querem transmit ir e nao so positiva como também heróica.
671
llli1b 11rn
Ü [) 1• ~1 1, l ' [) \ , \llll!IRI'
6n
Ml I HfRfS E COLO~ I A LI SMO
6~
l
não vás para Boni / porque pn•dsas de roupas / porque precisa s de dinhetro .
.3 . / Nó d
para a taxa territorial / Eu fabricarei cerveJa s ven eremos a cerv .
Não vás para a esaa,;d Jo ~'~ Diante dessa sangria , as mulher es têm de en~~~
4
regar-se mais das tarefas agrícolas, às vezes abando nando a cultura do sor
· 'd d e cresce mais go.
e do m ilhete pela da mandio.ca, que exige m enos cw a. os _ rap1•
. .
damen te, mas é menos nutnt:Iva. Adema is, a e~prop naçao das terras tnelho.
res, atribuíd as aos colono s europe ~s, em mwtos casos aumen tou o ternpo
necessá rio para ir aos camp os, e assim as mulher es passam a ter menos tern.
po para cuidar das criança s e da prepara ção da comida , com o que a saúde de
todos se ressente•1i. Os colono s import am pouco as tecnolo gias, corno 0
rastrilho que poderia substit uir o enxadã o utilizad o pelas mulher es, ao pas-
47
so que se desem·oh·e a charrua, reserva da aos homen s • Na África oriental, os
magros salários recebid os permit em aos rapazes casar-s e mais cedo e dirni.
n uem o açamba rcamen to das moças pelos velhos, mas não parece ser esse 0
caso na África ocident al48.
Tais e\·oluç.ões nada têm de natural : elas resulta m de lutas de gênero e de
aliança s surpree ndente s entre coloniz adores e coloniz ados, em detrimento
dos jO\·ens e das mulher es. De fato, os coloniz adores precisa m de mão-de-
obra, e prefere m não se estorva r com criança s que aumen tariam os custos de
manute nção. Já os chefes querem manter na aldeia as mulher es, por causa das
capacid ades produti vas e reprodu tivas destas e como meio de pressão para
que os rapazes retorne m a fim de casar-s e ali, e pagam -lhes dotes cada vez
mais altos. Na Rodésia, os chefes se queixa m de que as mulher es querem ir
para a cidade a fim de encont rar os marido s; assim, obtêm ordena ções que
proíbem as mulher es de deixar as aldeias sem autoriz ação deles e que punem
severam ente o adultér io feminin o • Na África do Sul, os tribuna is indígenas
49
proíbem que se peça divórci o antes de dois a cinco anos de separaç ão, ao
passo que, antes, a decisão era tomada pela assemb léia da aldeia, da qual
particip avam mulher es idosas ou import antes • Nas zonas onde se desenvol·
50
vem as cultura s para exporta ção, a do cacau, por exemp lo, como na Costa do
Marfim ou em Gâmbi a, a posição das mulher es nem por isso se degrada
menos, poisª divisão sexual do trabalh o se intensi fica e, pouco a pouco, elas
st
são transfo rmadas em assalariadas, retribu ídas de modo aleatór io, ju a·
51
mente onde outrora control avam a comerc ializaç ão de suas produç ões •
Na 1ndia, també m~ instala uma certa "ruraliz ação'• das mulher es, mas
as razões desse process o são diferen tes. De um lado, elas perman ecem nas
674
Ml'Lli[l tE5 E < OlO.\IA l l SMO
zonas rurais a fim de manter os direitos familiares sobre a terra, mesmo que
seus homens tenham partido para outros lugares em busca de trabalho. De
outro, as das classes populares ou das "baixas castas", embora freqüentemente
trabalhassem fora, são excluídas pela mecanização de suas tradicionais ocu-
pações artesanais ~a aldeia (cerâmica, fab~icação de sacos, descascamento do
arrOz) si, e isso mais que os homens. Na vtrada do século• as mulheres ainda
formavam um terço dos trabalhadores na indústria da juta ou nas planta-
ções de chá; quando estas declinam, elas são demitidas, em nome do perigo
que essas atividades representam para sua saúde53•
Quando as esposas vão ao encontro dos maridos nas cidades, na lndia
ou no Magreb, os homens as enfurnam nas zedanas e as envolvem sob véus
cada vez mais compridos, à medida que os colonizadores vão ocupando o
espaço. Ninguém - e sobretudo o colonizador indiscreto - deve mais ver as
mulheres, doravante afastadas de suas familias e submetidas à pura e simples
boa vontade dos maridos 54• O trabalho doméstico toma-se mais pesado e
mais solitário. Em Sumatra, por ocasião da depressão de 1930, as mulheres
casadas são demitidas das plantações, mas não repatriadas para seus locais
de origem. Depois, quando seus cônjuges são reempregados (por 25% dos
salários precedentes!), outorgam-se a eles um pedacinho de terra e um aloja-
mento a fim de fixar os trabalhadores e de manter os salários destes últimos
no nível mínimo. Essa estratégia é igualmente aplicada pelos proprietários
das minas de cobre da Rodésia55.
Ademais, a substituição da propriedade coletiva pela propriedade pri-
vada leva à criação de novas relações de força entre os gêneros, pois muitas
vezes se faz unicamente em proveito dos homens. Na Africa negra. especial-
mente, onde as mulheres tinham grande autonomia econômica, terras tradi-
cionalmente trabalhadas por mulheres, que conservavam o beneficio da ven-
da dessas áreas, passam a sê-lo pelos homens, que ali cultivam produtos
destinados à exportação, e as mulheres já não são remuneradas senão de
maneira aleatória. Nos lugares onde elas herdavam dos pais, como na Argé- 1
lia'i6, sua posição fica enfraquecida pela freqüente reclusão e pela falta de direi-
\
tos civis. Os arquivos judiciários estão cheios de histórias de mulheres que
\
vinham se queixa r de que um parente ou um cônjuge se apropriara
\
indevidamente de seus bens por uma simples declaração oral. E essas mulhe-
res ainda têm pelo menos a possibilidade de queixar-se perante a justiça,
pois a maioria é analfabeta, tem difícil acesso às informações e se vê mais
675
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veitaram -se de uma tal orientaç ão para reforçar suas antigas bases de po-
der e estabele cer novas, alegand o que as reclamações feitas pelas mulhere s
quanto a abusos ou negligên cias não eram levadas em consideração pelo
costume . Enquan to que, antes, a esposa podia retirar-s e para sua familia,
esperand o ser reclama da pelo cônjuge, os tribunais coloniais exigiam que 0
"preço da noiva" fosse restituíd o ao marido, o que incitava as famílias a
devolver as filhas. Por fim, embora o costume rezasse que os filhos ficam
com o pai, mas levava em conta o bem dos filhos e podia ser suavizado
segundo o caso, a guarda deles foi rigidam ente confiada ao pai. De igual
modo, na Argélia, os tribunai s coloniai s não davam razão à esposa que
deixava o cônjuge porque ele tinha outra mulher, espancava-a ou bebia
todo o dinheiro que ganhava . Eles chegava m a propor que a esposa fosse 1
aprision ada, e até açoitada , se se recusass e a voltar para o marido • Essas
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1
!
alianças "contra a naturez à' entre coloniza dos e colonizadores pelo contro- 1
le das mulhere s tinham seguram ente por objetivo o de reduzir as oposições 1
1
dos coloniza dos à coloniza ção; mas não as impedia m. Assim, em Mombaça,
na costa suaíli, é o dirigent e da resistência antibritâ nica que escreve ao novo
l!
adminis trador para pedir-lh e que proíba o casamen to das mulhere s, sejam
69
l
\
elas livres ou escravas , com alguém que não seja da mesma casta • 1
679
ia era motivo "suficiente para obter o divórcio, aos olhos dos lllagistra.
.
Poligin
dos franceses.
rn e' º seria bastan.
No Vietnã , a situad, o de . Osbo
confus,,o J cscrita por
te cômic a se njo tivesse presta do um dcsserv1ço às mulh eres. Corno 0
s
mand arins não se mostravam dispo stos a afian çar a colon izaçã o france
sa
formali zada em 1862 pelo tratad. o de Saigon, os franc. eses tiverarn de espe.
ne
rar que um orientalista tradu z.1sse o que eles acred itava m ser O costur
local, 0 Gia Long, para poder aplicá -lo. Mas, na verda de, esse texto de 1812
dos Lê
copia\'a a legisla ção chine sa, bem meno s iguali tária do que o código
(1470 - 1497), que integrava muito s costu mes vietn amita s. Neste
últirno, as
desde
joven s têm direit o igual à herança, podem ter domi cílio em separ ado
toda a
os quinz e anos de idade e escolher seu cônjuge. A mulh er detém
ga-
propriedad e sobre seus bens e pode pedir divór cio por ausên cia prolon
o, se
da do marid o. Contu do, pode ser repud iada se não gerar um menin
rio,
come ter adulté rio ou se negligenciar os sogros. O Gia Long, ao contrá
r:
ratifica o princ ípio confu ciano das três obedi ência s reque ridas da mulhe
1880,
ao pai, ao marido e, se este morrer, ao fiJho mais velho. A partir dos anos
a jul-
os franceses, algo sobrecarregados pela comp lexid ade dos assun tos
-
gar, aplicaram um sistema misto, segui ndo em geral a prátic a supostamen
lo,
te vietna mita se houvesse um precedente; mas não aceitavam, por exemp
71
que o fato de não ter filho home m fosse motiv o de divór cio •
Apesa r do denig rescim ento sistem ático da posiç ão das mulhe res co-
ao ho-
loniz adas, semp re apres entad as como besta s de carga subm etida s
mem, e das exort ações das feministas, só tardia ment e a Franç a tentou
opo-
preoc upar- se com melh orar a sorte delas • Nas colôn ias francesas, a
72
ela
sição â polig inia era justif icada sobre tudo com o argum ento de que
de
reduz iria os nasci mento s e perm itiria que os home ns não tivessem
a par-
obter um salário, já que as mulh eres traba lhava m para eles. Assim,
i-
tir de 1927, os africa nos conve rtidos ao cristi anism o saíra m da jurisd
por-
ção dos tribun ais consu etudi nário s na Africa equat orial franc esa e,
ou
tanto , perde ram o direit o de ter várias cônjuges. Cont udo, não se avanç
s
quan to a isso, pois o colon izado r precis ava dos chefe s consu etudi nário
colo·
para recru tar mão-de-ob ra. Muitos deles tinha m vária s espos as, e o
nizad or teve de tolera r essa situação. Por outro lado, os efeito s da
lu~•
stl•
contr a a políg inia podia m ser perversos: acont ecia de os home ns sub
binas
tuírem as segundas esposas que possuíam um estatu to claro por concu
6Ao
M L't ll F Rf !i I eOI O'\' I A I I SM\l
681
Ü D ES T J ~ O D AS MCl ll l R I 5'
números: muitas vezes, as meninas não represent am mais que um terço dos
meninos escolariza dos;8 • No Vietnã, a situação é pior ainda: em 1924, fre-
qüentavam a escola 20% dos meninos e somente 3% das meninas. Em Ben-
gala, embora sob administr ação direta dos britânico s, e onde algumas
mulheres se tornaram professor as, médicas ou enfermeir as já no fim do
79
século XOC somente 5% delas sabiam assinar o próprio nome em 1931 • De
igual modo, a Escola Normal de Rufisque, criada em 1939 para formar pro-
fessoras africanas, só recebeu em seu apogeu 120 alunas, entre as quais a
futura romancis ta Mariama Bâ80•
Como nos países europeus, a administr ação colonial foi durante muito
887
tempo reticente quanto a abrir o ensino a meninas: um decreto francês de I
prevê escolas para muçulma nas na Argélia, mas sem tornar obrigató~i~ a
educação, e proíbe pagar o salário das diretoras 81 • Mais tarde, essa adnunis·
tração privou de saídas o ensino feminino ao recusar-se a aceitar mulheres na
função pública, ao passo que, na metrópole , as mulheres funcionár ias já eram
numerosa s. Ora, os meninos só freqüenta vam a escola para submeter·S~ ª
· na 1n·
concursos, alcançar uma profissão liberal ou trabalhar no comércio e
dústria. Todas essas saídas eram fechadas às mulheres . Assim, as daomea·
nas entrevista das por Tardits em 1955u se declaram decepcio nadas por se
68J
M t:L H ERES E CO LO:S: IALI SMO
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