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Título original:

Le /il'rc 110;, du c()/011ialisme


Copyright © Éditions Rohert Laffont, S.A., Paris, 2003
Origin:u editado por Dominique Missika
Cop)Tight d.1 tradução © 200-1 by Ediouro Publicações S.A.

Capa:
Miriam Lerner

Imagem da Capa
© Gideon Mendel/CORBIS

Projeto gráfico:
Obra Completa Comunicação

Preparação de originais:
Juliana Romeiro

Revisão tipográfica:
Raquel Corrêa e Marco Antônio Afonso

Produção editorial:
Cristiane Marinho

CIP · BRASIL. CATALOG AÇÃO-NA -FONTE


SI~DICAT O NAC IONAL DOS EDITORE S DE LIVROS , RJ
L762 O livro negro do colonialismo . Organização de Marc Ferro; [textos
de Thomas Beaufils... et al.]; tradução de Joana Angélica D'Ávila Melo. -
Rio de Janeiro : Ediouro, 2004

Tradução de: Le livre noir du colonialisme


Apêndice
Inclui bibliografia

ISBN 85-00-01361-3
l. Colónias · História. 2. Imperialismo. 3. Descolonização - História.
I. Beaufils, Thomas. II. Ferro, Marc, 1924-.

04-2676. CDD 325.309


CDU 325.3(091)
04 05 06 0 7 08 8 7 6 5 4 3 2 1

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MULHE RES E COLONl AUSMO
parArlette Gautier•

A a,·entura de Anna Leonowe n, governan ta do rei do Sião por volta


de 1860, foi leYada à tela três vezes: em 1946, 1956 e 1999 • Embora, de
1

uma ,·ersão para outra, a história tenha permanec ido quase idêntica, as re-
presentaç ões de seus personage ns clarament e mudaram , especialmente as
do rei e de seu primeiro- ministro, que já não são postos em cena como uns
primitfros semi,·estidos nem como adultos-crianças que é necessário educar.
Agora, o caráter mercantil e violento da colonizaç ão é criticado, mas a
governant a inglesa continua cheia de uma dignidade compassiv a e as siame-
sas, subjugadas. A figura comovente e forte da rainha do Sião (hoje, Tailândia),
que, vítima da poligamia, obtinha a educação de seu filho para chegar à oci-
dentalização dos costumes, desaparec eu em proveito de um florilégio de es-
posas encantado ras, mas sem consistência.
A evolução das representações cinematográficas é bastante paralela à da
historiografia: a condescendência do olhar desaparec eu dos estudos sobre os
países ex-colonizados, e a presença das mulheres brancas na colonização foi
afinal reconheci da Mas a das colonizadas ainda é pouco estudada. Esse fenô-
meno é particularmente flagrante na França, excetuando-se os livros de Yvonne
2
Knibiehler e Régine Goutalier, além de belos números da revista Clio • O esta-
tuto das mulheres permanec e como um dos pontos em que o impacto da
colonização parece ser o menos negativo ou até, em certos casos, positivo.
Esse ponto de vista não é necessariamente o das colonizad as. Assim, Pandita
Ramabai escreve, em 1886: "Não há esperança para as mulheres na fndia, nem
sob o regime britânico nem sob o regime ipdiano3 '~ Em 1947, Funmilayo

· IRD-UMR 151-SFRD. Este artigo foi escrito em 2000 durante uma estada no departamen-
to de demografia da universidade de Montréal, durante a qual pude beneficiar-me das excelentes
bibliotecas dessa instituição.

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M L' I HíH S F C OLO~ I A LI SMO

-I<uti acusa o colonialismo de fazer das nigerianas urnas escravas


ansoJTle . . ,
R . do-lhes O poder trad1c1onal sobre si mesmas e sobre as filhas".
reuran d - d
É iJTlpossível tratar essa questao e modo exaustivo, por causa da
. li cidade, no tempo e no espaço, tanto dos estilos de colonização quan-
01ult1P ciedades co lomza · d as, nas quais. o estatuto das mulheres difere bas-
to das so .. ,. . . - .
As consequencias da colomzaçao para as mulheres vanam em função
tante.
. ção inicial d estas. Ass1m, . no s·-1ao, e1as podem ser dadas em casamen-
da s1tua .
i contra a própria vontade, o que pode ser definido como sexagem5
tope1o Pa ' ,
ela apropriação material do corpo e da pessoa das mulheres em
marcada P . _ . '
osição a outras formas de dommaçao masculina, definidas por uma explo-
0
p - mais similar à dos homens, e até a uma relativa - ou total - igualdade
raçao
entre os sexos, como no caso iroquês. As mulheres colonizadas podem fazer
parte de classes diferentes: assim, em Ana e o Rei, último filme inspirado na
história de Anna Leonowen, estão representadas uma escrava e urna pro-
prietária de escrava, para as quais o projeto de questionamento da escravi-
dão não terá as mesmas conseqüências. Além disso, o caráter fragmentado,
lacunar e não-homogêneo das fontes e dos estudos toma qualquer síntese
tão difícil quanto estimulante. Uma coisa é certa: como nos filmes acima cita-
dos, a própria construção dos gêneros, isto é, aquilo que se esperava em fun-
ção do sexo e ao mesmo tempo as relações entre os sexos, é que foi subvertida
pelas diferentes colonizações. Tais transformações, portanto, serão apresen-
tadas tanto para a primeira colonização, feita em nome de Cristo e do rei e
marcada pela conquista da América e das Antilhas, pelo tráfico e pela escravi-
dão, quanto para a segunda, justificada pela ciência e pelo progresso, e que
verá a oposição entre o migrante forçado e a aldeã ou a reclusa, a invenção do
direito consuetudinário e a propaganda em favor da saúde e da educação.
Certos pontos são comuns aos dois períodos: o papel da religião, o imaginá-
rio masculino do harém colonial, a exclusão política das mulheres. A análise
se voltará sobretudo para a África, as Antilhas, a Argélia, a Índia e a Indonésia.

Em non'1c de Cristo e do rei


A primeira colonização, desencadeada com a chegada de Cristóvão
Colombo às Antilhas, realizou-se em dois tempos. De início, a conquista e a
destruiç-ao (nem sempre voluntária)
. das sociedades
· e d as pop ulaçoes.
- AI gu-
rnas des tas, contudo, resistiram particularmente por muito. tempo, o que,

661
Ü ll l , T 1 \ li I' \ ~ \\ t 1 111 ~ 1 ~

6
ão. Em seguid
parad oxalm ente, perm itiu às iroqu esas • melh orar sua posiç
esvaziada:~
a impo rtaçã o m aciça de africa nos para exp!o rar as terra s assim
o fato de esse conti ngen te de escravos ter sido comp osto por dois terços de
home ns e um terço de mulh eres marc ou profu ndam ente as relações entre
. .
os sexos, fosse na Áfric a ou nas Antil has, tanto mais quan to o novo modo de
produ ção desfavorecia estas últim as.

A amq11ista
s encon-
O punh ado de europ eus que parti ram para desco brir as Índia
de produ ção e
trou um mosa ico de povo s deten tores de costu mes, modo s
am em guerra
sistem as políti cos muit o varia dos. Com freqü ência , eles estav
nte e mostra-
uns contr a os outro s, ou tinha m sido conq uista dos recen teme
ores condu-
vam-se desejosos de recup erar sua indep endên cia. Os conq uistad
estratégia de
ziram ao mesm o temp o uma guerr a feroz, apoia ndo-s e numa
ca de alian-
terro r, feita de estupros, mass acres e sevícias diversas, e uma políti
ças com certo s grupo s.
os espa-
Naqu ela época não existia, nem para os indíg enas nem para
com maior
nhóis, uma visão unifi cada do "índi o': e os croni stas descr eviam
trava m, inte-
ou meno r verac idade ou imag inaçã o as socie dades que encon
ar as relações
grand o os mitos antig os e medi evais. A dificu ldade de avali
ns brancos,
entre os sexos a parti r dos relato s da época , escri tos por home
, e por apenas
jesuítas e outro s missi onári os, milit ares ou admi nistra dores
que eles de-
duas mulh eres, está bem paten te nas descr ições contr aditó rias
cinco anos, a
ram à situa ção iroqu esa. Para o jesuí ta Lafitau, que passo u ali
o, a nobreza
Iroqu ésia é "o impé rio das mulh eres': "Nela s basei am-s e a Naçã
rvaçã o das
do sangue, a árvor e genealógica, a ordem das geraç ões e da conse
idade . A terra,
famílias. t nas mulh eres que resid e toda a verda deira autor
conselhos, os
os camp os e toda a colhe ita lhes perte ncem ; elas são a alma dos
públi co, e a elas
árbitr os da paz e da guerr a; conse rvam o fisco ou o Teso uro
ças perten-
são dado s os escravos. As mulh eres fazem os casam entos , as crian
7
." Os nume ro-
cem ao seu domí nio, e em seu sangu e está a ordem da suces são
XIX, o mito do
sos relatos desse teor levar am a criar, espec ialme nte no sécul o
mulh eres que,
matri arcad o. Cont udo, diz outro jesuí ta: "Essa s mesm as

se traduz em simplesmen·
· Em português, os termos franceses menci onado s pela nota acima
a a forma "iroqueano''. (N. da T.)
te por "iroquês~ sem diferenciação, pois não está dicion arizad

662
M L"LHlRES E COLO :-,.J AL I SM O

.
do atingem certo número de anos e têm filhos em 1•dade de impor .
quao respe1-
r elas, são de certo modo ,
as donas do Estado pelo menos 1orma 1m
topo . . • ente,
stituem o corpo principal deste, antes disso não di'sp- da , .
e co n . , . oem mmuna
sideração e, no ambiente domestico, são escravas de seus man'dos,,. De
con . "d ,,
fato, a visão unificada as mulheres pode ser enganosa no caso das socieda-
des nas quais as relações de idade são importantes e nas quais somente com a
rnenopausa é que o poder se torna possível para elas.
8
Na realidade, segundo Roland Viau , no momento dos primeiros conta-
tos, uma divisão relativamente rígida das tarefas não impediria a igualdade
entre os sexos. As iroquesas são "mulheres de ninguém", isto é, não são
trocadas por um pai, um tio ou um marido: podem viver com quem quiserem,
conservam uma grande liberdade sexual após o casamento e podem divor-
ciar-se quando o desejarem. Nessa sociedade matrilinear e matrilocal (em
que O parentesco é herdado através das mulheres e em que os genros vão morar
com a sogra numa habitação multifamiliar), a função procriadora das mu-
lheres é particularmente valorizada: "Eles se regozijam mais com o nascimento
de uma filha do que com o de um filho': As mulheres são "proprietárias" da
casa, dos móveis e das terras, ao passo que os homens possuem somente suas
armas, suas roupas e suas ferramentas. Segundo Mary Jameson, uma inglesa
que se casou com um chefe iroquês, seu trabalho era comparável ao de uma
mulher branca, com a diferença de que "nós não tínhamos dono para nos
vigiar e nos estafar, e assim podíamos trabalhar em nosso próprio ritmo~
No plano simbólico, o feminino não está subordinado ao masculino.
Para os huronianos, o mundo foi criado por uma mulher: Actaentsia. As
mulheres curam através das plantas. A mãe do clã propõe o aspirante a chefe
civil, e a presença das mulheres é indispensável à cerimônia da ressurreição
dos chefes. A análise dos textos dos primeiros cronistas dentro de uma pers-
pectiva histórica mostra um reforço da posição das mulheres a partir da
segunda metade do século XVII, em conseqüência das primeiras ondas de
epidemias (especialmente de varíola) e das guerras incessantes, próximas e
longínquas, mas também da expansão do comércio de peles, atividades que
mantêm os homens afastados de suas casas durante longos meses. Essas guer-
ras forneceram cativos, alguns dos quais são executados após sofrerem di-
versas humilhações e torturas, inclusive por parte das mulheres; outros são
adotados pela mais velha do clã para substituir um parente que foi morto e
podem até tornar-se chefes; outros, ainda, permanecem cativos durante a

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L () I' 1 '-',, 1, I' \ , \1 L 1 ff 1 1: l '-

vida inteira. Enquant o são mantido s sob sujeição, eles substitu em as mulh
res nos trabalho s agrícola s e domésti cos mais longos e mais fastidiosoe-
A resistência à colonização, portanto, teria perpetua do ou reforçado urna s.
certa igualdad e entre os sexos.
t m ais difkil avaliar os arranjos entre os sexos nas sociedades rap1'da-
mente conquistadas, porque estas foram transfor madas mais depressa e rna1s .
profund amente 10. As mulheres da elite tinham funções cosmogônicas iuupor-
-

tantes. Podiam ser dadas em casamen to ou então por uma noite, a fim de
formar alianças. As mulhere s do povo tinham numeros as funções produti-
vas, mas um papel limitado no mercado. Eram parteiras, curandeiras. Nos
Andes, contudo, somente os homens tinham direito sobre as terras, e O pa-
rentesco passava por eles. O Estado asteca já conhecia a escravidão e a pros-
tituição, assim como uma forte estratificação social que beneficiava também
algumas princesas. Muitas amerínd ias foram estuprad as, mortas ou reduzi-
das à escravid ão. Outras se integrar am mais facilmente do que os homens
indígenas à sociedade branca, especialmente pelo concubinato, e tornaram-se
pequena s empresárias no mercado territorial ou imobiliário, servindo-se das
leis espanho las que lhes garantia m uma parte da herança de seus pais igual à
dos irmãos, assim como a herança de seus maridos . Em algumas regiões,
como na Mixteca, as mulhere s da elite consegu iram manter seus direitos na
chefaria e continua ram recebendo um tributo de seus depende ntes indígenas.
Contudo , a maioria das mulheres sofreu com esse período de profundas trans-
formações sociais, que reestrutu raram as relações entre os gêneros. Como os
homens, elas foram distribuí das pelas encomiendqs para o trabalho forçado
nos campos ou alhures. As meninas eram recrutad as desde a idade de dez
anos e os meninos , somente a partir dos doze. As mulhere s foram excluídas
do trabalho nas minas em 1533 e as grávidas, liberadas das tarefas mais pesa-
das; mas, com freqüência, esses textos legais não eram respeitados. Tradicio-
nalment e, elas deviam transpor tar as cargas quando os maridos partiam
para a guerra, e, portanto, foram mobilizadas nas expedições espanholas.
Nas zonas inca e maia, suportar am o essencial do tributo em têxteis, pois a
fabricação de roupas de algodão também fazia parte de suas tarefas tradicio-
nais. Irene SHverblatt sublinha que essa atividade tornou-s e então mais fasti-
diosa e monóton a, porque elas foram obrigada s a tecer grandes quantidades,
às vezes trabalha ndo trancada s 11 • De maneira mais geral, a catástrofe
demográ fica que se seguiu à conquis ta tornou mais pesadas as tarefas
•.

,\ \ L"L HLtr c; r ((JlC' ""' 1,w.o


, olas e fragilizou a situação das víuvas e dos órfãos Ela t bé
3gric - . · am m 1evou os
5
a buscar escravos na Afnca.
colono

o tráfico
Bem antes de os europeus desembarcarem, o continente africano já co-
nhecia a escravatura, embora nem todas as regiões estivessem abrangidas.
Ali, a escravidão aprese~t.ava uma série de formas, desde as mais duras, pró-
ximas daquelas da Amenca das plantações, até as mais suaves, que davam
bastante autonomia aos escravos e rapidamente os integravam numa linha-
em livre, até mesmo permitindo-lhes excepcionalmente constituir uma.
~ontudo, a privação de estatuto era radical e provocava muitas resistências.
0 tráfico transaariano já deportava numerosos cativos através do deserto.
Em sua grande maioria, os escravos eram mulheres, o que geralmente é expli-
cado pelo papel que lhes cabia de reprodutoras; mas eram sobretudo suas
qualidades de trabalhadoras e sua polivalência que as tomavam súditos de
escolha. A progenitura concebida entre escravos parece ter sido apenas um
subproduto da exportação deles, sem ter absolutamente contribuído para a
reprodução escravagista. Nas sociedades linhageiras, as escravas forneciam
0 essencial do trabalho agrícola e doméstico. Nas sociedades dinásticas, elas
exerciam um papel importante nos níveis administrativo e político, porque
eram percebidas como não perigosas, sendo o "antiparente~ aquele com quem
nenhuma aliança pode se concluir12• Para um homem, era vantajoso adquirir
uma escrava a fim de torná-la sua concubina, exceto nos lugares onde a
matrilinearidade prevalecia. Além disso, a compra de uma escrava ficava mais
barata do que o "preço da noiva" que se devia pagar aos pais livres.
O tráfico transatlântico, contudo, modificou profundamente as coisas.
De 1440 a 1870, ele deportou 13 milhões de indivíduos, dos quais 2 milhões
morreram durante a travessia 13• Muitos outros morreram sem dúvida na
própria África, capturados durante as guerras ou durante seu trajeto até os
portos. O tráfico foi particularmente importante no século XVIII, quando
foi deportada metade dos cativos, o que provocou muitos transtornos, en-
tre os quais a emergência de Estados cuja principal atividade era a caça aos
escravos. Por fim, certas regiões foram mais afetadas que outras: 3 milhões
de escravos foram assim deportados de Loango e, mais genericamente, da
zona que hoje corresponde aos dois Congos; 2 milhões de Senegâmbia,
da costa dos Escravos (ou seja, hoje O Togo. o Benim e a parte ocidental da

665
L
Nigéria): e 1.5 milhão da Costa do Ouro (atual Gana). O tráfico tarnb
estendeu a escravid ão a sociedad es - como a dos sherbros de Serra Leoa~rn
nas quais. ao que parece, ela não existia, segundo os relatos dos prirn . -
. . E, , d . l t eiras
n aJantes. ao aumentar o numero e cattvos, e e ornou a escravidão essen.
cial ao funcionamento de sociedades em que anteriormente o papel desta era
apenas marginal. Plantações de tipo americano até mesmo se desenvolveram
por exemplo em Angola, onde se contavam, em 1759, domínios de exploraçã~
agrícola com mais de mil escravos15•
Sabe-se que, em média, o tráfico transatlântico deportou um terço de
mulheres para dois terços de homens , pois o trabalho destes era mais valori-
zado na América do que na África. Em conseqüência, o preço das cativas era
mais alto no mercado africano, ao contrário do mercado atlântico, onde os
homens custavam mais caro. Em contrapartida, quando havia incursões con-
tra sociedades, as mulheres eram levadas em número tão grande quanto os
homens, e transportadas para longe de seus parentes a fim de que não pudes-
sem retomar aos seus lares.
Sem dúvida, é como diz um provérbio sua.ili: "Uma mulher nunca é li-
,·re1~ Ela é casada por sua linhagem, tem de obedecer ao marido e, com fre-
qüência, deve-lhe até muita subserviência; não tem direitos sobre os filhos,
que pertencem ou à sua linhagem ou à do cônjuge. Contudo, dispõe de verda-
deira autonomia econômica e, em certas sociedades, pode participar de asso-
ciações de mulheres que a defendem contra os maus-tratos. Tornando-se es-
crava, ela deve sofrer os avanços do homem a quem seu senhor a empresta, já
não tem o benefício de seu trabalho e não mais dispõe do apoio de sua linha-
gem.. Pode ser revendida tantas vezes quantas o decidirem seus sucessivos
senhores, caso de Bwarika, vendida e desposada dez vezes entre 1886 e 1911 na
África centraJl 7• Para isso, o mínimo desagrado é suficiente. Assim, as mulhe-
res são vendidas por motivos específicos: recusa do casamento, divórcios
repetidos, infidelidades. A escravidão na América, portanto, constituiu uma
ameaça eficaz para limitar a autonomia feminina .
Nas regiões onde o tráfico transatlântico era mais intenso, encontra-
vam -se, entre os adultos de quinze a sessenta anos, 80 homens para 100
mulheres e até, em Angola, 40 a 50 homens para 100 mulheres. Esse fenôme-
no teve numerosas conseqüências, tanto no nível do trabalho quanto no
das práticas matrimoniaíslll. Antes do tráfico transatlântico, contavam -se
67 jovens e idosos para 100 adultos: no período mais intenso do tráfico,

666
,\\ 1 I ti f l1 f, f < •, 1 'I '•I I J/, •111

1 rão cresceu para BS%, aumentando o trabaJho das muJheres. Ante-


essa re ay d f. .
te nos lugares on e os a ncanos praticavam urna agricultura de
·orrnen ,
ue1ma das, os homens arrancavam as mudas de árvores , faziam 0
ri .
q t rnento e os trabalhos pesados em geral. Depois as mulheres tive-
desrna a , ,
executar essas tarefas alem de seu trabalho agrícola, ou então plan-
ram de
enos. Antes, os homens pescavam e caçavam: depois, portanto, a parte
tar rn teínas animais diminuiu na alimentação. O crescimento do número
de pro . .
de mulheres traduzm-se igualmente por um aumento da prática da poliginia
do número de esposas por homem. Embora os jesuítas do sécuJo XVII já
e sem a existência da poliginia em Angola, ela não tinha ali a importân-
notas . . , .
.
eia n umérica que os VIaJantes do seculo segwnte descrevem · No Congo• as
enealogias dinásticas que remontam ao século XIV indicam que certos
;eis do Buganda eram monógamos e que outros não tinham mais que três
esposas até 1734, data a partir ~a quaJ_nenhum deles tem menos de treze19•
Contudo, as mulheres da elite precisavam da escravidão tanto mais quan-
to não tinham direito, como o tinham os homens, ao trabalho dos membros
de sua parentela20• Os escravos, embora não lhes pertencessem, muitas vezes
executavam o trabalho agrícola ou doméstico que elas deveriam fazer. Além
disso, essas mulheres privilegiadas podiam ser mercadoras de escravos, por
conta de um parente, de um concubino europeu ou por sua própria conta,
como as signares· do Senegal. Raramente, no entanto, elas possuíam mais de
vinte escravos, ao passo que certos africanos contavam-nos às centenas.

A escravidão dos africanos na América


No início, os cativos eram deportados para trabalhar lado a lado com
os colonos e alguns engajados europeus que. com freqüência, eram trata-
dos bem mais duramente, porque não constituíam um capital. Mas logo
veio a era do açúcar e das grandes plantações: 5 milhões de africanos foram
comprados para trabalhar nas plantações de cana-de-açúcar, 2 milhões nas
de café, outros tantos nas minas e no serviço pessoal dos senhore~ SOO mil
no algodão, 250 mil nas plantações de cacau e outros tantos no setor da
construção21• A escravidão do Novo Mundo foi um verdadeiro túmulo para
os cativos, por causa de uma fortíssima mortalidade dos recém-chegados,

· Corruptela do português "senhoras•. Eram as africanas ou mestiças que os euro~us dc:spo-


savam "à moda do pais", isto é, pda Juração de sua preS<np na colôni.1. (N. d.a T.)

667
L
mas tJmhém dos csa,\\'os nJscidos nas Antilhas. A natalidade , por ,su a vez
era fra~a. Autores d.1 segunda metade do ~éculo X~III explicavam isso {lei;
n.·cusa das escravas a trazer JO mundo cnanças pnvadas de liberdade. Al-
guns até as acusav:im de inocular tétano em seus bebês metendo-lhes urn
alfinete na moleira para matá-los e evitar-lhes a escravidão. Assim , os se.
nhorcs infligiam diversas torturas às mulheres suspeitas, para impedi-las
de fazer isson. As africanas teriam transmitido seus conhecimentos sobre
contracep ção e ahorto e deixado seus filhos morrerem durante os primei-
ros no\'e dias, nos quais, tradicionalmente, eles ainda não têm nome2J. Ter
filhos escra,·os era doloroso demais, como o indicam os relatos dos antigos
21
es~ra,·os registrados nos Estados Unidos nos anos 1930 ' • Os filhos de ne-
gros morriam em quantidade duas vezes maior que os dos brancos, e as
mães deviam ensinar-lhes a viver num ambiente hostil, a calar-se diante do
senhor, a aceitar a própria condição. A aprendizagem dessa severa discipli-
na era uma necessidade, pois nisso estava a sobrevivência deles e a de seus
próximos. Ter uma filha era uma dor suplementar, pois a violência dos
homens brancos, mas também a dos negros, era uma ameaça permanente.
As mães escravas sofriam violentamente com as separações e tudo fizeram
para reencontrar seus filhos após a abolição. Em tais condições, compreen-
de•se que elas pudessem não querer tê-los.
Sua resistência, contudo, é difícil de quantificar. Os depoimentos dos
~enhores tendem a negar a subalimentação e as cargas excessivas (mais de
dezesseis horas por dia durante o transporte e a moagem da cana): muitos
abortos pelos quais as mulheres eram torturadas não eram em absoluto pro-
vocados. Assim, o estudo minucioso da sazonalidade dos nascimentos e dos
óbitos de bebês na Virgínia mostra que estes últimos são mais numerosos no
momento dos trabalhos mais pesados e da incidência máxima da malária e
das infecções25•
M, I H f t l ~ ' ,,,1,, ·., JA1 1·, ·,1 11

--- ANIMAK211

II partit en effet, sans aclíeux â la femme,


Sons caresse à/ 'enfant, sans ce retour de l 'dme
Vers les /ieux délaíssés et que lêm a connus.
II pnrtit, te/ s'e11 va tremblant sur ses pieds nus
u,, voleur, dans la ttuit, dans l'ombre tt dans la brist.

Animak, obrigada a retornar ao campo paterno, sabe que ser! cmbanç.ub


pela criança.

Elle eut un cri sauvage et s011 poing menaça.


'Ah, bâtard! rejeton de l'Etranger, du Bianel
Sois mautllt pour avoir pris naissance en monjlanc!'
Elle empoigna son fil.s par un pied et,faroucht,
Le sang perlant aux yeux et l'écume à la bouche,
Le fit tourner dans làir puis, d'un coup a.ssommant,
Le front vint éclater sur lefoyer fumant.

Animak incendeia a casa, mas seu delírio de cruel alegria é tal que, d..inçando
e gritando ao redor das chamas, ela se esquece de fugii e morre ~pulwb sob os
destroços em brasa.

Conclusão:
Les pays merveilleux qu'admirent en passant
Les voyageurs pcnsift, courbés au bastingagt,
Subissetit au parcours des silcles renaissant
Leur destin implacable, ôfatal héritage!'

A escravidão, organizada pelo código negro desde 1684 nas colô-


nias francesas, aboliu o que a maior parte dos direitos consuetudinários

· "Ele partiu de fato, sem adeuses à mulher, / Sem carkia na cn.in,;.1. sem renovaçlo d& .ilnu,
1
Para os lugares desamparados e que foram descobertos. / Ele partiu, como Se! vai, trtmufo e
descalço,/ Um ladrão, em mdo à noite, n.i escuriJ.\o t n.1 bris.i.• // "El.1 Jeu um gnto s.:lvagem
e s_eu punho ergueu-se em ameaça. / 'Ah, bastardo! rc~nto Jo Estrangdro. Jo br.mco! / M.i.ld110
scJas_por ler nascido do meu tl.mco!' / Stgurou o filho por um pé e, alucinaJ.i. / O J.11\gue "
porcJo.r dos olhos, a boca esnumante / Girou-o no ar, desancou-o numrep<nte, / e estalou• testa
sob · 10 , r ' . .
re ª rn,,lha fumegante:• // "Os países maravilhosos. adnuraJos • ~a.m gcm / Por v1lJJ.l\to
~ensativos, debruraJos
lnt 1 .t ,
à amuraJa • / Sofrem no decorrer dos k~ulos ren.i)Cente, J Sc:u Jotino
P ª'"vd, oh herança fat"I!'' (N. da T.)

661}
d eterm i na,·a, isto é, a apropriação dJs filhas e das esposas pelo pai, tio rn
no ou ch efe de linhagem , e depois pelo m arido ou pela família do ~ter.
ll'larido
Com o código negro, somente o senhor p ossui o escravo, seja este ho ·
. 1· . d mern
ou m ulh er. e seu po der s Ó e 1m1ta o por esse texto, que as auto n'dades
públicas não p rocuram fazer resp eitar. Escravas e escravos sofriam u
. e un1a exp 1oraçao . aspectos. Essa simil llla
• sem e Ih an tes em vá nos .
opressao
dade d e posições jurídica e sociológica levou certos autores a ver na an. escra-
vidâo do Novo l\-1undo um espaço em que foi aplicada a igualdade de trata.
meato en tre homens e muJheres, numa mesma exploraçã o selvage11121_
Contudo, já no fim do século XVII implantou -se uma divisão sexual do
trabalho que reservava aos escravos homens as atividade s de operários e
contramestres, assim e.orno os empregos que permitiam mais liberdade
(pese.adores, caçadores , cocheiros ), ao passo que certas mulheres só tinham
acesso a alguns empregos na casa do senhor, a casa-gran de, enquanto ou-
tras trabalhav am com o enxadão ou arriscava m as mãos e os antebraços
alimentan do a moenda de cana 28. Para as mulheres, os lugares na casa-grande
d ependiam do ciclo de vida: as jovens começava m trabalhan do como do-
m ésticas e depois eram com freqüênc ia enviadas aos campos, para
retomare m às suas primeiras tarefas quando já estavam muito cansadas
ou muito velhas. Só escapavam a essa trajetória aquelas que alcançavam as
raras funções qualificad as abertas às mulheres : enfermeir a, costureira,
governan ta. Algumas governan tas ascendiam· a importan tes posições de
poder nas plantaçõe s: em Barbados, uma delas conseguiu colocar toda a
29
sua família na casa do senhor e possuir escravos • Ainda assim, Mary
Prince 30, governan ta e única escrava antilhana a deixar um texto autobio-
gráfico, foi brutalizad a por três quartos de seus senhores, verbal e fisica-
mente, embora fosse responsáv el pela casa e pelos filhos deles. Ela foi sepa-
rada do marido porque teve de acompan har seus senhores . Em
Saínt-Dom ingue, a colônia mais rica do século XVIII, eram qualificados,
em 1780: 40% dos homens que trabalhav am nos canaviais , 15% dos que
cultivavam os cafezais e somente 5% das mulheres • Cumpre lembrar que
31

os escravos qualificad os dispunha m de melhor alimentaç ão, de melhor


8
alojamen to e recebiam pequenas gratificaç ões. O levantam ento sobre
altura dos escravos jovens, feito junto a mais de 50 mil indivíduo s no
quadro da luta contra o tráfico, entre 1820 e 1860, nos Estados UnidoS,
mostra que eles eram anormalm ente baixos, mas os rapazes recuperav am

670
t 1
M •- t H r lf s l e r, r o , rA l l e; , 1 o

, à diferença das
traso de desenvolvimento durante a adolescência
esse a ' fi d l adultos, já que 38% dos
rnoçasJ2_ O que e con 1rma o pe as declarações dos
48% das muJhe-
ravos homens declaravam ter pass"ado fome, contra
ex-esc . mas só no século
A "brutal igualdade entre os sexos de fato existiu,
res. 1 tações.
)(VII e nas pequenas p_an
seus relatos como
No entanto, as antigas escravas surgem em cena nos
da época, e que procu-
mulheres dinâmicas, adequadas aos critérios morais
arn sobretudo proteger dos bran cos sua comunidade. A imagem de si mes-
r .. , - , ..
rnas que elas querem transmit ir e nao so positiva como também heróica.

Em non1e do pro gre sso e


da "do me s ticação" das mu lhe res
l, que se instala
A segunda colonização, a do imperialismo industria
ária que a primeira,
por volta de 1840, vangloria-se de ser mais humanit
vez de dep ortá -los .
pois leva o cap ital até ond e estão os operários, em
É preciso "elevar o indígena" ao nível do homem
civilizado, tirá-lo da igno-
costumes, inclusive fa-
rância e levá-lo a abandonar seus maus e nefastos
guiça" natu ral Essa
zendo-o trabalhar à força para lutar contra sua "pre
al, que imagina uma
ação "civilizadora" é inseparável do darwinismo soci
o se situaria lá embai-
árvore genealógica da espécie humana na qual o negr
mulher branca, e, lá no
xo, o asiático num nível intermediário, seguido pela
cie implicaria uma
alto, pelo hom em branco. O desenvolvimento da espé
divisão mais ampla das tarefas, sobretudo entr
e o homem e a mulher, e a
doméstico. no qual
concentração desta em sua esfera essencial: o universo
o~ de seu marido e
ela se ocuparia, com um devotamento tornado '"científic
esticação das mulhe-
de seus filhos, o que Barbara Rogers chama de "a dom
res33': e isso para seu maior bem. Assim é que um
administrador britânico
birmanesas, a igual-
na Birmânia de 1887 a 1891 critica a independência das
: '"Os homens e as mu-
dade entre os sexos e a natureza pacífica desse povo
s na Birmània. É a mar-
lheres ainda não estão suficientemente diferenciado
antropólogos [... ]. As
ca de uma jovem raça, como demonstraram os
de todos}.6':
mulheres devem perder sua liberdade. no interesse
A colonização vai expropiar os "indígenas~ obrigar
os homens a traba-
mundo, mantendo-as
lhar para os europeus e as mulheres a alimentar todo
nas aldeias ou nas cidades.

671

llli1b 11rn
Ü [) 1• ~1 1, l ' [) \ , \llll!IRI'

O 111igm11tc forçodn, n nldtà e n rccl11sn


. Nas ··velhas colêinias" francesas (~u_adalupe, Guian_a, M_artinica, R.eu.
mão) 0 ano de 18-18 marca o fim do d11e1to de ser propnetá no de h
, . ºlllens
Contudo, enquanto os alforriado s pensam poder dispor daquela terra ·
- d .d. assim. . que
eles lavram há tanto tempo, a França nao o eci m Os ex-escrav
. os não
obtêm nenhuma reparação pela sorte que lhes foi dada, ao passo que os .
_ . ant,.
gos senhores recebem generosas compensa çoes por aceitarem a abolição. Os
alforriado s não são sequer autorizad os a permanec er em sua cabana e culti-
,-ar sua horta, se não continuar em a trabalhar na plantação onde vivem. Além
disso, embora muitos fujam das plantaçõe s, decretos contra a vagabunda-
gem e um sistema de anotações em caderneta obrigam-n os, a partir de 188S, a
permanec er nesses locais. Embora eles preferisse m trabalhar por um salário1
os colonos conseguem impor, com o auxílio da administr ação, um sistema de
associaçã o e, depois, de colonato parciário que obriga todos os membros da
família a lavrar a terra sem outra remunera ção além de um terço do produto
bruto. A escravidão é então substituíd a por uma forma de servidão que inclui
as mulheres e as crianças. Para vencer as resistênci as dos ex-escravos,
Napoleão UI aceita a imigração de trabalhad ores africanos, chineses, japone-
ses e indianos, o que permite diminuir as retribuiçõ es do trabalho pagas aos
ex-escrav os35•
Nas novas colônias, a expropria ção das terras indígenas , cedidas em
seguida aos colonos europeus, desestrutu ra as relações sociais e transforma
os campones es em assalariados agrícolas, industriai s, em doméstico s ou em
desempre gados 36• A cobrança de impostos terá efeito análogo, obrigando o
agricultor de subsistênc ia a encontrar um emprego assalariad o para pagar
sua cota37• Embora certos regulamen tos o proíbam, as mulheres são requisi-
tadas no Vietnã, na Indonésia ou na Africa38• Elas participam da reparação
das estradas, compacta m as pistas, carregam pedras, cozinham , descascam
amendoim ou trabalham nas missões, as grávidas tanto quanto as outras.
Como são obrigadas a dormir ao relento, as crianças contraem pneumonias.
Em J898, a expedição francesa ao Níger que recebeu o triste apelido de "Chop-
chop~ por sua prontidão em manejar o facão contra os africanos - ela incen·
diou 50 aldeias-, era formada por 6 oficiais franceses, 600 soldados africanos,
200 mulheres e 800 carregadores' 9• Na África equatoria l francesa, as mulheres
8 1926
repre~nt.a vam 10% dos 25 mil trabalhad ores requisitad os de 1919 %40
para a construçã o das ferrovias, na qual a mortalid ade atingiu 11 l ·

6n
Ml I HfRfS E COLO~ I A LI SMO

As 1e1•s limitam as jornada s de trabalho e prevêem um certo salário, mas não


~
sao respeitad as.
0 engajam ento de trabalh_a dores em troca de uma passage m gratuita
ern direção àquilo que é apresen tado como um eldorado é utilizado da fndia
o Congo para as Antilhas , ou da China e de Java para Sumatra , onde a
ou d . .
ulação passa de 100 mil em 1880 a 1,5 milhão em 1930"1• As empresa s
0
~diantam O dinheiro da passage m e, mais tarde, o da vida cotidian a. Os traba-
lhadores se vêem endivid ados por muitíssi mo tempo. Para apoiar esse tipo
de exploraç ão, instala-s e um sistema repressi vo que castiga o menor sinal de
insubmi ssão com multas, penas de prisão ou de trabalho forçado. Assim, em
sumatra, de 5% a 10% dos trabalha dores foram condena dos a diversas penas
entre 1917 e 1926.
As mulhere s só represen tam de 10% a 20% da mão-de- obra nas planta-
ções ou nas minas, mas seus salários são 50% inferiore s aos dos homens , ou
mesmo três vezes menores , como na Argélia - insuficientes, de qualque r modo,
para que elas possam aliment ar-se ou pagar os imposto s42 , e ainda alojar-se,
já que nenhum a habitaçã o lhes é garantid a. Sobre esse ponto, as interpre ta-
ções diferem: certos historia dores vêem nisso um modo de incitá-la s a pros-
tituir-se, e outros, um meio de aumenta r a promísc uidade e, portanto . os
nascime ntos. De igual forma, as empresa s não emprega m homens casados
para não terem de constru ir alojame ntos maiores ou de fornece r ajudas
sociais. Assim, os trabalha dores, incessan temente deslocad os de uma plan-
tação a outra, não podem desenvo lver vínculos afetivos estáveis.
Na África, as política s diversas e maciças de recrutam ento de rapazes
têm o mesmo efeito do antigo tráfico. Em 1922, nas colônias , a relação de
masculi nidade vai de 72 a 100 homens por 100 mulhere s (85 no Senegal ,
por exemplo ), número inferior ao da França, devastad a, no entanto, pelas
terríveis sangrias da guerra de 1914-1918-0. É o efeito conjuga do das requisi-
ções de trabalha dores pelos colonos e pelo exército , dos óbitos e das fugas.
A defasagem é tanto maior quanto a ocupaçã o do espaço é sexualm ente dife-
r . d
encia a: no Congo belga, por exemplo , entre 1955 e 1957, há 130 homens
para 100 mulhere s em zona urbana, ao passo que, em zona rural, são 80 ho-
mens para 100 mulhere s"". Os homens migram , alguns morrem , outros
adquirem qualifica ções e um pouco de dinheiro ; já as mulhere s permane cem
na aldeia com as crianças e os idosos. Uma canção malauia na lamenta essa
separação forçada: "Meu marido, não te preocup es/ não me deixes sozinha /

6~
l
não vás para Boni / porque pn•dsas de roupas / porque precisa s de dinhetro .
.3 . / Nó d
para a taxa territorial / Eu fabricarei cerveJa s ven eremos a cerv .
Não vás para a esaa,;d Jo ~'~ Diante dessa sangria , as mulher es têm de en~~~
4

regar-se mais das tarefas agrícolas, às vezes abando nando a cultura do sor
· 'd d e cresce mais go.
e do m ilhete pela da mandio.ca, que exige m enos cw a. os _ rap1•
. .
damen te, mas é menos nutnt:Iva. Adema is, a e~prop naçao das terras tnelho.
res, atribuíd as aos colono s europe ~s, em mwtos casos aumen tou o ternpo
necessá rio para ir aos camp os, e assim as mulher es passam a ter menos tern.
po para cuidar das criança s e da prepara ção da comida , com o que a saúde de
todos se ressente•1i. Os colono s import am pouco as tecnolo gias, corno 0
rastrilho que poderia substit uir o enxadã o utilizad o pelas mulher es, ao pas-
47
so que se desem·oh·e a charrua, reserva da aos homen s • Na África oriental, os
magros salários recebid os permit em aos rapazes casar-s e mais cedo e dirni.
n uem o açamba rcamen to das moças pelos velhos, mas não parece ser esse 0
caso na África ocident al48.
Tais e\·oluç.ões nada têm de natural : elas resulta m de lutas de gênero e de
aliança s surpree ndente s entre coloniz adores e coloniz ados, em detrimento
dos jO\·ens e das mulher es. De fato, os coloniz adores precisa m de mão-de-
obra, e prefere m não se estorva r com criança s que aumen tariam os custos de
manute nção. Já os chefes querem manter na aldeia as mulher es, por causa das
capacid ades produti vas e reprodu tivas destas e como meio de pressão para
que os rapazes retorne m a fim de casar-s e ali, e pagam -lhes dotes cada vez
mais altos. Na Rodésia, os chefes se queixa m de que as mulher es querem ir
para a cidade a fim de encont rar os marido s; assim, obtêm ordena ções que
proíbem as mulher es de deixar as aldeias sem autoriz ação deles e que punem
severam ente o adultér io feminin o • Na África do Sul, os tribuna is indígenas
49

proíbem que se peça divórci o antes de dois a cinco anos de separaç ão, ao
passo que, antes, a decisão era tomada pela assemb léia da aldeia, da qual
particip avam mulher es idosas ou import antes • Nas zonas onde se desenvol·
50

vem as cultura s para exporta ção, a do cacau, por exemp lo, como na Costa do
Marfim ou em Gâmbi a, a posição das mulher es nem por isso se degrada
menos, poisª divisão sexual do trabalh o se intensi fica e, pouco a pouco, elas
st
são transfo rmadas em assalariadas, retribu ídas de modo aleatór io, ju a·
51
mente onde outrora control avam a comerc ializaç ão de suas produç ões •
Na 1ndia, també m~ instala uma certa "ruraliz ação'• das mulher es, mas
as razões desse process o são diferen tes. De um lado, elas perman ecem nas

674
Ml'Lli[l tE5 E < OlO.\IA l l SMO

zonas rurais a fim de manter os direitos familiares sobre a terra, mesmo que
seus homens tenham partido para outros lugares em busca de trabalho. De
outro, as das classes populares ou das "baixas castas", embora freqüentemente
trabalhassem fora, são excluídas pela mecanização de suas tradicionais ocu-
pações artesanais ~a aldeia (cerâmica, fab~icação de sacos, descascamento do
arrOz) si, e isso mais que os homens. Na vtrada do século• as mulheres ainda
formavam um terço dos trabalhadores na indústria da juta ou nas planta-
ções de chá; quando estas declinam, elas são demitidas, em nome do perigo
que essas atividades representam para sua saúde53•
Quando as esposas vão ao encontro dos maridos nas cidades, na lndia
ou no Magreb, os homens as enfurnam nas zedanas e as envolvem sob véus
cada vez mais compridos, à medida que os colonizadores vão ocupando o
espaço. Ninguém - e sobretudo o colonizador indiscreto - deve mais ver as
mulheres, doravante afastadas de suas familias e submetidas à pura e simples
boa vontade dos maridos 54• O trabalho doméstico toma-se mais pesado e
mais solitário. Em Sumatra, por ocasião da depressão de 1930, as mulheres
casadas são demitidas das plantações, mas não repatriadas para seus locais
de origem. Depois, quando seus cônjuges são reempregados (por 25% dos
salários precedentes!), outorgam-se a eles um pedacinho de terra e um aloja-
mento a fim de fixar os trabalhadores e de manter os salários destes últimos
no nível mínimo. Essa estratégia é igualmente aplicada pelos proprietários
das minas de cobre da Rodésia55.
Ademais, a substituição da propriedade coletiva pela propriedade pri-
vada leva à criação de novas relações de força entre os gêneros, pois muitas
vezes se faz unicamente em proveito dos homens. Na Africa negra. especial-
mente, onde as mulheres tinham grande autonomia econômica, terras tradi-
cionalmente trabalhadas por mulheres, que conservavam o beneficio da ven-
da dessas áreas, passam a sê-lo pelos homens, que ali cultivam produtos
destinados à exportação, e as mulheres já não são remuneradas senão de
maneira aleatória. Nos lugares onde elas herdavam dos pais, como na Argé- 1

lia'i6, sua posição fica enfraquecida pela freqüente reclusão e pela falta de direi-
\
tos civis. Os arquivos judiciários estão cheios de histórias de mulheres que
\
vinham se queixa r de que um parente ou um cônjuge se apropriara
\
indevidamente de seus bens por uma simples declaração oral. E essas mulhe-
res ainda têm pelo menos a possibilidade de queixar-se perante a justiça,
pois a maioria é analfabeta, tem difícil acesso às informações e se vê mais

675
O r, r sr r, (i I' , ~ .,11 1 H ri: 1 ~

desamparada que os homens diante J a nova administração colonial. A .


. . d l ó . ss1rn
em Lagos. os administradores coIoma1s, segun o os re at nos de pro ,
. . . , . "d e cessas
e outros arquiyos JurídKos, mmta:i -vezes dec1 em em 1avor dos homen
• 57 s, corn
os quais comiYem em diversos conselhos ou empresas .

•-\ i,n·rnçà<"l do direito co11s1.1ctudinário

Em 1984, a Corte Suprema indi~n~ se r~cusou a abolir a "restituição do


direito conjugal": em nome das trad1çoes hmdus e da necessidade de luta
contra O "mal do século" - o divórcio-, as mulheres viam-se então obrigada:
a Yoltar para seus maridos, mesmo que acompanhadas pela polícia. Mas a
restituição do direito conjugal não existia nos costumes hindus: só fora
introduzida em 1857, quando as altas cortes dos tribunais ingleses e indianos
se fundiram.
Em 1884, uma indiana de 22 anos, Rakhmabai, casada aos 11, recusou-se
a ir ,i,·er com o marido. Este apelou para a lei inglesa, colocando um proble-
ma complexo para todos os atores políticos. Ao cabo de um processo que
durou três anos, o juiz inglês declarou que a Corte devia seguir apenas 0
costume local, e portanto não podia aplicar a lei inglesa, ao passo que até
hinduístas se manifestavam por essa aplicação! No recurso, outros juízes
concluíram que os cônjuges deviam viver juntos. Mas Rakhmabai preferiu ir
para a prisão. Por fim, o marido recebeu uma compensação financeira e con-
cordou em dar liberdade à "esposâ, que estudou medicina na Inglaterra e
59
voltou à índia para clinicar58• Esse caso é exemplar daquilo que Hobsbawrn
e Ranger denominam a "invenção da tradição': isto é, a legitimação de um
conjunto de práticas que se referem à continuidade do passado, embora se-
jam recentes ou mesmo inventadas, e que introduzem uma certa rigidez onde
reinava a flexibilidade. Essa operação permite legitimar o poder colonial in-
serindo-o nas tradições do país colonizado, ao mesmo tempo permitindo
que certos colonizados se beneficiem de uma posição de intermediárioS, e até
conservem uma parte de seu poder. Esses autores também mostram que ª
intervenção colonial foi bem mais complexa do que sua justificativa oficial
dava a entender pela luta contra certas práticas, sem dúvida não muito defen·
sáveis, comoª cremação das viúvas (o sati), o casamento de crianças, 0 casa·
mento forçado, 0 levirato (casamento obrigatório da viúva com o irJ11ãO do
falecido, para impedir que ela se beneficiasse da herança deste) ou a poliginia.
As intervenções nesse domínio foram lentas e pouco seguidas de efeitos; elas
M e u, r li.E ~ e e o L o s IA u s ·" o

. m mais a marcar a autodenominada superioridade moral dos coloni-


v1sava . -
es e a legitimar a dommaçao destes do que a garantir a liberdade femi-
P dor .
. que mesmo na Europa ainda estava longe de ser adquirida. De fato,
nina, . .
desde O início do século~• o due1to reforçava a apropriação das mulheres
casadas pelos maridos e fazia com que perdessem os direitos civis e políticos
as categorias de mulheres que dispunham deles. No século~ o aborto e a
contracepção feminina foram proibidos por leis, privando as européias de
direitos reprodutivos. Contudo, entre 1856 e 1882, as feministas inglesas con-
seguiram garantir a propriedade das mulheres casadas, o que não agradava
muito aos administrad ores ingleses, nem na sua própria terra nem na lndia.
Na França, o dever de obediência da mulher só desapareceu dos textos em
l938 e 1942, e a noção de chefe de família, assim como os direitos aferentes,
apenas entre 1965 e 1985.
Um direito restritivo de origem européia foi imposto a mulheres cujo
estatuto variava grandement e segundo a região e a posição social. Se o esta-
tuto legal das hindus não era muito mais invejável do que o das inglesas,
apesar do renome de certas poetisas e de santas, algumas ameríndias e afri-
canas eram realmente livres, outras tinham direitos civis ou políticos, rara-
mente reprodutivo s, mais amplos que os das européias, e outras menos. De
igual modo, se as siamesas (atuais tailandesas) da aristocracia, como as
outras asiáticas do sudeste, sofriam o casamento forçado. a reclusão e às
vezes o levirato, as das classes populares gozavam de uma apreciável auto-
nomia econômica e civil, no quadro de uma diferenciação sexual relativa-
mente fraca 60 • O que não impediu as mulheres colonizadas, inclusive ases-
cravas, de lutar tanto quanto podiam por sua autonomia e sua liberdade,
individual e coletivamen te.
A invenção do passado foi freqüente em todas as colonizações do fim do
século XIX, a partir de informações recolhidas junto a notáveis do sexo mas-
culino por magistrados ou administradores, que buscavam aplicar o costu-
me local. Na Índia, isso ocorreu junto a letrados brâmanes. que filtravam as
informações sobre o passado através de sua própria concepção do mundo, r
mas que eram escutados também porque faziam eco à visão orientalista dos
º~dais britânicos. Segundo Mani Lataº1, a missão regeneradora da civiliza-
çao não era conceitualiz ada como a imposição de uma norma cristã, mas
como a recuperação da verdade das tradições indígenas. Assim, a tentativa de
abolição do sati - exceto quando escolhido pela viúva-, já empreendid a no

6n
r
Ü DFST l 1'0 0 .\5 ML' L HfRf~

fim do século XVIII por dirigentes indianos, s~ques em esp~cial, é renovad


pela administração britânica em 1829. Seu efeito perverso e o de legitilll a
. . ul are
fazer aparecer como indiana uma prática part1c ar, tanto no nível reg·10
na1
quanto no social, que no entanto só era adotada pelas altas classes hindu
'd d 1· . . sda
região de Calcutá. Além disso, a auton a e re ig10sa m terrogada havia indi-
cado que O sati não era mencionado pelo texto fundamental hindu, 0 manu _
0 qual glorificava de preferência a viuvez feminina ascética - , mas era pe .
rrn1-
tido para as quatro altas castas.
Mais tarde, as leis que aumentavam a idade mínima para o casamento
dez anos em 1860, doze em 1891 e catorze em 1931, não colocavam a questã~
do consentimento dos interessados e foram pouco aplicadas. Elas provoca-
ram numerosas manifestações, e o governador-geral esclareceu que convinha
proceder caso por caso. Desde 1928, as feministas indianas pleiteavam que a
idade fosse aumentada para dezesseis anos 62• A questão do novo casamento
das viúvas também agitou a opinião pública anglo-indiana: em 1891, em Ben-
gala, por causa da diferença de idade entre cônjuges, um terço das mulheres
hindus era de viúvas63• Em 1921, no Uttar Pradesh, 12.641 meninas de menos
de quinze anos já estavam viúvas e impossibilitadas de voltar a casar-se64•
Contudo, as viúvas das baixas castas casam-se de novo ou vivem em concubi-
nato. As canções populares femininas não mencionam esses problemas, que
se limitam às altas castas hindus 65• Por outro lado, a luta contra o levirato
não foi levada a sério. No estado de Haruana, onde as mulheres exerciam um
papel produtivo importante e onde os ingleses recrutavam numerosos mili-
tares, viúvas recorreram a tribunais contra o casamento forçado com o ir-
mão do falecido marido. Em vão: os homens garantiam que o casamento
havia acontecido, e era difícil provar o contrário porque os membros da fa-
mília extensa coabitavam. Além disso, os ingleses não queriam indispor-se
com os chefes de família66•
Essa construção conjunta do "direito consuetudinário" pelos homens
notáveis, tanto colonizadores quanto colonizados, encontra-se igualmente
na África, especialmente na Rodésia do Sul (atual Zimbábue). Os administra-
dores que procuravam conhecer os costumes xona e ndebele interrogavam
"especialistas legais~ invariavelmente homens, chefes de aldeia ou an ciãos.
Precisavam da colaboração deles para enviar os mais jovens às minas e
convencê-los de que as esposas os aguardariam fielmente. Ademais, as con·
cepções sobre as quais se baseava a colonização eram influenciadas pelo
M L: LH E RES E COLO:-.' I ALIS.\110

darwini smo social. A respeito da mulher, um comissário britânico escre-


veu, em 1924: "Seu cérebro não é suficientemente equilibrado para permitir -
lhe pensar corretam ente, e por isso eu consider o que O homem deve ser
encoraja do e assistido na tutela das mulheres ~ Os notáveis africanos apro-
67

veitaram -se de uma tal orientaç ão para reforçar suas antigas bases de po-
der e estabele cer novas, alegand o que as reclamações feitas pelas mulhere s
quanto a abusos ou negligên cias não eram levadas em consideração pelo
costume . Enquan to que, antes, a esposa podia retirar-s e para sua familia,
esperand o ser reclama da pelo cônjuge, os tribunais coloniais exigiam que 0
"preço da noiva" fosse restituíd o ao marido, o que incitava as famílias a
devolver as filhas. Por fim, embora o costume rezasse que os filhos ficam
com o pai, mas levava em conta o bem dos filhos e podia ser suavizado
segundo o caso, a guarda deles foi rigidam ente confiada ao pai. De igual
modo, na Argélia, os tribunai s coloniai s não davam razão à esposa que
deixava o cônjuge porque ele tinha outra mulher, espancava-a ou bebia
todo o dinheiro que ganhava . Eles chegava m a propor que a esposa fosse 1
aprision ada, e até açoitada , se se recusass e a voltar para o marido • Essas
68
1
!
alianças "contra a naturez à' entre coloniza dos e colonizadores pelo contro- 1
le das mulhere s tinham seguram ente por objetivo o de reduzir as oposições 1
1
dos coloniza dos à coloniza ção; mas não as impedia m. Assim, em Mombaça,
na costa suaíli, é o dirigent e da resistência antibritâ nica que escreve ao novo
l!
adminis trador para pedir-lh e que proíba o casamen to das mulhere s, sejam
69
l
\

elas livres ou escravas , com alguém que não seja da mesma casta • 1

Tais alianças entre coloniza dos e colonizadores não eram específicas


dos britânico s. A França, embora supostam ente desejasse a assimilação dos
argelinos, reconhe cia o direito muçulm ano em matéria de direito privado.
Este, que só atribuía às muçulm anas metade dos bens de seus pais como
herança, ainda assim deixava-lhes a personal idade civil, que as francesas per-
diam com o casamen to, assim como o direito ao divórcio. As argelinas dese-
josas de divorcia r-se apelaram para os tribunai s indígenas e franceses, pois
os juízes francese s aceitava m mais facilmente as reivindicações relativas ao
dote e à pensão alimentí cia, ao passo que os tribunai s muçulm anos eram
mais compree nsivos quando se tratava de impotên cia ou de desinteresse se-
xual. Pois bem: muitas foram devolvidas à força, pela polícia, aos maridos, às
vezes com a obrigaçã o de pagar-lh es indenizações e juros e sob a acusação de
não cumprir em adequad amente seus deveres domésticos. Nem mesmo ª

679
ia era motivo "suficiente para obter o divórcio, aos olhos dos lllagistra.
.
Poligin
dos franceses.
rn e' º seria bastan.
No Vietnã , a situad, o de . Osbo
confus,,o J cscrita por
te cômic a se njo tivesse presta do um dcsserv1ço às mulh eres. Corno 0
s
mand arins não se mostravam dispo stos a afian çar a colon izaçã o france
sa
formali zada em 1862 pelo tratad. o de Saigon, os franc. eses tiverarn de espe.
ne
rar que um orientalista tradu z.1sse o que eles acred itava m ser O costur
local, 0 Gia Long, para poder aplicá -lo. Mas, na verda de, esse texto de 1812
dos Lê
copia\'a a legisla ção chine sa, bem meno s iguali tária do que o código
(1470 - 1497), que integrava muito s costu mes vietn amita s. Neste
últirno, as
desde
joven s têm direit o igual à herança, podem ter domi cílio em separ ado
toda a
os quinz e anos de idade e escolher seu cônjuge. A mulh er detém
ga-
propriedad e sobre seus bens e pode pedir divór cio por ausên cia prolon
o, se
da do marid o. Contu do, pode ser repud iada se não gerar um menin
rio,
come ter adulté rio ou se negligenciar os sogros. O Gia Long, ao contrá
r:
ratifica o princ ípio confu ciano das três obedi ência s reque ridas da mulhe
1880,
ao pai, ao marido e, se este morrer, ao fiJho mais velho. A partir dos anos
a jul-
os franceses, algo sobrecarregados pela comp lexid ade dos assun tos
-
gar, aplicaram um sistema misto, segui ndo em geral a prátic a supostamen
lo,
te vietna mita se houvesse um precedente; mas não aceitavam, por exemp
71
que o fato de não ter filho home m fosse motiv o de divór cio •
Apesa r do denig rescim ento sistem ático da posiç ão das mulhe res co-
ao ho-
loniz adas, semp re apres entad as como besta s de carga subm etida s
mem, e das exort ações das feministas, só tardia ment e a Franç a tentou
opo-
preoc upar- se com melh orar a sorte delas • Nas colôn ias francesas, a
72

ela
sição â polig inia era justif icada sobre tudo com o argum ento de que
de
reduz iria os nasci mento s e perm itiria que os home ns não tivessem
a par-
obter um salário, já que as mulh eres traba lhava m para eles. Assim,
i-
tir de 1927, os africa nos conve rtidos ao cristi anism o saíra m da jurisd
por-
ção dos tribun ais consu etudi nário s na Africa equat orial franc esa e,
ou
tanto , perde ram o direit o de ter várias cônjuges. Cont udo, não se avanç
s
quan to a isso, pois o colon izado r precis ava dos chefe s consu etudi nário
colo·
para recru tar mão-de-ob ra. Muitos deles tinha m vária s espos as, e o
nizad or teve de tolera r essa situação. Por outro lado, os efeito s da
lu~•
stl•
contr a a políg inia podia m ser perversos: acont ecia de os home ns sub
binas
tuírem as segundas esposas que possuíam um estatu to claro por concu

6Ao
M L't ll F Rf !i I eOI O'\' I A I I SM\l

scll1 qualquer direito. Entre 1928 e 1934, baixaram-se algumas resoluções


ern favor das mulhe~es, mas ~oram sobretudo os decretos Mandei, em 1939,
bra da irmã Marie- Andree du Sacré-Ccrur, e os decretos Jacquinot,
:rn l 951, que introduzira m a obrigação do consentime nto dos noivos e
elevaram a idade mínima para o casamento. Contudo, a Constituiçã o de
1946 , ao aceitar que os habitantes das colônias fossem regidos pelo direi-
to consuetudin ário em matéria de estatuto pcssoaF:i, assegurou a pereni-
dade de direitos consuetudin ários discriminató rios na África. Quando
certos antropólog os notam um efeito dessas medidas, é para deplorá-lo:
elas teriam desestabiliz ado as famílias, encorajando as mulheres a divor-
ciar-se por um motivo qualquer - em suma, eles retomam os argumentos
de seus informante s masculinos 7". Na Argélia. esses decretos só são intro-
duzidos em 1959, ou seja, três anos antes da independência, em plena guer-
ra, 0 que os tornou pouco efetivos. Ademais, eles não se aplicam ao Mzab,
vale do Saara a 600 km de Argel, onde o casamento forçado de moças é
freqüente. Se tivessem sido baixados na virada do século, esses decretos
teriam sido segurament e mais úteis 75.
Nas quatro velhas colônias francesas (Guadalupe, Guiana, ~lartinica,
Reunião), a abolição da escravatura introduziu um sistema de discrimina-
ções legais em proveito dos homens. De um lado, os homens alforriados ob-
tiveram, em 1848, o direito de voto, ao mesmo título que os cidadãos france-
ses, ao passo que as ex-escravas, como as metropolitanas, terão de esperar
um século para beneficiar-se dele. Por outro lado, segundo o Código Civil de
Napoleão, as esposas não tinham direitos civis e os filhos naturais não dispu-
nham dos mesmos direitos dos legítimos. Ora, em 1936, metade dos nasci-
mentos é de filhos ilegítimos: ou seja, o direito civil francês não corresponde
em absoluto à situação real das mulheres e não lhes concede nenhuma prote-
ção. Ademais, se os códigos eleitoral e civil se aplicam nas colônias como na
metrópole, a aplicação das leis sociais e fiscais. por sua vez. deve ser solicitada
pelo governador local, porque essas leis não foram instituídas como igual-
mente válidas nas colônias. No que concerne à familia, estendem-se ime-
diatamente às colônias as leis de 1920 e 1923 que penalizam a contracepção e
0
aborto, assim como, em 1938, a lei de 1932 sobre a generalização dos abonos
familiares apenas aos assalariados (à exceção do pessoal doméstico, majori-
tariamente feminino), mas em condições bem mais estritas do que na me-
trópole. Mais ainda: os desenvolvim entos ulteriores desses textos não

681
Ü D ES T J ~ O D AS MCl ll l R I 5'

serão estendido s às colônias. Contudo, em 1938 e 1942, o dever de obediê .


é abolido no Código Ci,il francês (que, no entanto, manterá até 1970 ncia
de chefe de família) e as mulheres das colônias beneficiam -se dessa ;:º.Ção
Esse primeiro passo em direção à igualdade civil se antecipa à igualdad:ida,
lítica obtida com o direito de voto concedido às mulheres em 194476. po.

A cd11caçtir e o "snlra mcnto da raça"


A educação e as campanha s de saúde exerceram um grande papel nas
tentati,-as de legitimação da ordem colonial, e com freqüênci a ainda são Cl'ta-
das entre os beneficias dela. Contudo, quase não atingiram as mulheres.
Aliás, a tarefa de educar os autóctone s, ao menos até a instrução pri-
mária, nunca foi realizada. Em 1950, no fim do período colonial, a percenta-
gem de crianças matricula das no primário era, segundo a Unesco, de 21%
nas colônias inglesas, 16% nas colônias belgas, 10% nas colônias francesas,
5% nas colônias portugues as e (antigame nte) italianas, dependen do esses
resultados tanto do desenvolv imento econômic o diferencia do das colônias
quanto da ,·ontade colonial • Matiz suplemen tar, a ser acrescido a esses
77

números: muitas vezes, as meninas não represent am mais que um terço dos
meninos escolariza dos;8 • No Vietnã, a situação é pior ainda: em 1924, fre-
qüentavam a escola 20% dos meninos e somente 3% das meninas. Em Ben-
gala, embora sob administr ação direta dos britânico s, e onde algumas
mulheres se tornaram professor as, médicas ou enfermeir as já no fim do
79
século XOC somente 5% delas sabiam assinar o próprio nome em 1931 • De
igual modo, a Escola Normal de Rufisque, criada em 1939 para formar pro-
fessoras africanas, só recebeu em seu apogeu 120 alunas, entre as quais a
futura romancis ta Mariama Bâ80•
Como nos países europeus, a administr ação colonial foi durante muito
887
tempo reticente quanto a abrir o ensino a meninas: um decreto francês de I
prevê escolas para muçulma nas na Argélia, mas sem tornar obrigató~i~ a
educação, e proíbe pagar o salário das diretoras 81 • Mais tarde, essa adnunis·
tração privou de saídas o ensino feminino ao recusar-se a aceitar mulheres na
função pública, ao passo que, na metrópole , as mulheres funcionár ias já eram
numerosa s. Ora, os meninos só freqüenta vam a escola para submeter·S~ ª
· na 1n·
concursos, alcançar uma profissão liberal ou trabalhar no comércio e
dústria. Todas essas saídas eram fechadas às mulheres . Assim, as daomea·
nas entrevista das por Tardits em 1955u se declaram decepcio nadas por se

68J
M t:L H ERES E CO LO:S: IALI SMO

cobrirem, como suas mães, iletradas, comerciantes ou artesãs. Ademais,


des .d . h
difícil encontrar um man o, p01s os omens temiam as mulheres nas
ficou
. os livros de leitura e as exortações dos missionários e dos professores
quais
. harn inculcado o gosto pelos vestidos, tão caros à época, e a repulsa pelo
tin
trabalho agrícola - que no entanto era o destino da maioria delas -, assim
ma certa idéia da igualdade entre os sexos. Às vezes, os genitores recu-
comO U
savam a educação tal como era proposta. Por exemplo, os pais ibos, da Nigéria,
consideram que é suficiente, para as jovens, saber plantar inhame e obedecer
ao marido, e que a religião pode melhorá-las83 , desde que elas sejam mantidas
longe dos vestidos, das bugigangas e da instrução.
Como na Europa, o ensino de meninos tem um objetivo profissional e o
de meninas, uma vocação doméstica, seja nas colônias francesas ou nas ingle-
sas. Sem dúvida, elas são iniciadas em alguns rudimentos de educação geral
no turno da manhã, mas o da tarde, em princípio, é consagrado a trabalhos
de costura. Tal programa é apreciado pela burguesia tunisina, mas rejeitado
pelas mães ibos da Nigéria, habituadas a exercer, como comerciantes, caçado-
ras de elefantes ou mesmo guerreiras, um papel ativo em sua sociedade. Em
1925-1926, o movimento de oposição das "mulheres que dançam» refuta essa
escola da domesticidade que reduz a autonomia tradicional e critica todas as
tradições locais, sejam elas corporais (uso de argolas, pinturas sobre o cor-
po), de vestuário (nudez do busto), culturais (as danças, por exemplo, são
consideradas lúbricas) ou rituais (excisão). Esse movimento permitirá às
mulheres reconquistar um certo poder e, uma vez que novas saídas, tanto
matrimoniais quanto profissionais (como o oficio de costureira), se abrirão
para elas, essas mães desejarão colocar as filhas na escola.
Desprovido de conteúdo profissional em relação àquele reservado aos
garotos, o ensino feminino é também mais ideológico, voltado para a doutri-
nação, pelo menos considerando-se os conteúdos dos programas na Argélia,
tais como os analisa Marina Lazreg3". Ela cita, por exemplo, o caso de certas
órfãs argelinas que, ao término dos estudos, representam uma peça em lou-
vor à França benfeitora, que lhes dá oportunidade de estudar - ao passo que
seus próprios pais se haviam rebelado contra ela-, pois, com um outro ven-
cedor, teriam conhecido a desonra: "Já a França combate pela justiça': Com-
p~eende-se que tal ensino enfrentasse a recusa dos pais. Após a independên-
cia, em contrapartida, a taxa de escolarização feminina aumentará muito
rapidamente na Argélia e na Tunísia.

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