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CONSELHO EDITORIAL CIENTÍFICO


Doutores e Doutoras

Airton Carlos Batistela Bernadétte Beber


Universidade Católica do Paraná, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Alaim Souza Neto Breno de Oliveira Ferreira
Universidade do Estado de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal do Amazonas, Brasil
Alessandra Regina Müller Germani Carla Wanessa Caffagni
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
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Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho,Brasil Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil
Alexandre Silva Santos Filho Caroline Chioquetta Lorenset
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Universidade Estadual da Bahia, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Aline Pires de Morais Daniel Nascimento e Silva
Universidade do Estado de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Aline Wendpap Nunes de Siqueira Daniela Susana Segre Guertzenstein
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Ana Carolina Machado Ferrari Danielle Aparecida Nascimento dos Santos
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
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Emill Brunner World University, Estados Unidos Universidade Estadual de Maringá, Brasil
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Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil
Antonio Henrique Coutelo de Moraes Doris Roncareli
Universidade Católica de Pernambuco, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
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Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil
Bárbara Amaral da Silva Elena Maria Mallmann
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Beatriz Braga Bezerra Emanoel Cesar Pires Assis
Escola Superior de Propaganda e Marketing, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Erika Viviane Costa Vieira Juliana Tiburcio Silveira-Fossaluzza
Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
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Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Fábio Santos de Andrade Karlla Christine Araújo Souza
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Fauston Negreiros Laionel Vieira da Silva
Universidade Federal do Ceará, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Felipe Henrique Monteiro Oliveira Leandro Fabricio Campelo
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Fernando Barcellos Razuck Leonardo Jose Leite da Rocha Vaz
Universidade de Brasília, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Francisca de Assiz Carvalho Leonardo Pinhairo Mozdzenski
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Gabriela da Cunha Barbosa Saldanha Lidia Oliveira
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Universidade de Aveiro, Portugal
Gabrielle da Silva Forster Luan Gomes dos Santos de Oliveira
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Guilherme do Val Toledo Prado Luciano Carlos Mendes Freitas Filho
Universidade Estadual de Campinas, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Hebert Elias Lobo Sosa Lucila Romano Tragtenberg
Universidad de Los Andes, Venezuela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Helciclever Barros da Silva Vitoriano Lucimara Rett
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Universidade Metodista de São Paulo, Brasil
Anísio Teixeira, Brasil Marceli Cherchiglia Aquino
Helen de Oliveira Faria Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil Marcia Raika Silva Lima
Heloisa Candello Universidade Federal do Piauí, Brasil
IBM e University of Brighton, Inglaterra Marcos Pereira dos Santos
Heloisa Juncklaus Preis Moraes Universidad Internacional Iberoamericana del Mexico, México
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Marcos Uzel Pereira da Silva
Humberto Costa Universidade Federal da Bahia, Brasil
Universidade Federal do Paraná, Brasil Marcus Fernando da Silva Praxedes
Ismael Montero Fernández, Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, Brasil
Universidade Federal de Roraima, Brasil Margareth de Souza Freitas Thomopoulos
Jeronimo Becker Flores Universidade Federal de Uberlândia, Brasil
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Maria Angelica Penatti Pipitone
Jorge Eschriqui Vieira Pinto Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil Maria Cristina Giorgi
Jorge Luís de Oliveira Pinto Filho Centro Federal de Educação Tecnológica
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Celso Suckow da Fonseca, Brasil
José Luís Giovanoni Fornos Pontifícia Maria de Fátima Scaffo
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil
Josué Antunes de Macêdo Maria Isabel Imbronito
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Júlia Carolina da Costa Santos Maria Luzia da Silva Santana
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Juliana de Oliveira Vicentini Maria Sandra Montenegro Silva Leão
Universidade de São Paulo, Brasil Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil
Michele Marcelo Silva Bortolai Rosane de Fatima Antunes Obregon
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Miguel Rodrigues Netto Sebastião Silva Soares
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Nara Oliveira Salles Simone Alves de Carvalho
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Neli Maria Mengalli Stela Maris Vaucher Farias
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Patricia Bieging Tadeu João Ribeiro Baptista
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Goiás, Brasil
Patrícia Helena dos Santos Carneiro Taíza da Silva Gama
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Patrícia Oliveira Tania Micheline Miorando
Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Patricia Mara de Carvalho Costa Leite Tarcísio Vanzin
Universidade Federal de São João del-Rei, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Paulo Augusto Tamanini Thiago Barbosa Soares
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal de São Carlos, Brasil
Priscilla Stuart da Silva Thiago Camargo Iwamoto
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade de Brasília, Brasil
Radamés Mesquita Rogério Thiago Guerreiro Bastos
Universidade Federal do Ceará, Brasil Universidade Estácio de Sá e Centro Universitário Carioca, Brasil
Ramofly Bicalho Dos Santos Thyana Farias Galvão
Universidade de Campinas, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Ramon Taniguchi Piretti Brandao Valdir Lamim Guedes Junior
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Rarielle Rodrigues Lima Valeska Maria Fortes de Oliveira
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil
Raul Inácio Busarello Vanessa Elisabete Raue Rodrigues
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Renatto Cesar Marcondes Vania Ribas Ulbricht
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Ricardo Luiz de Bittencourt Walter de Carvalho Braga Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Rita Oliveira Wagner Corsino Enedino
Universidade de Aveiro, Portugal Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Robson Teles Gomes Wanderson Souza Rabello
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Rodiney Marcelo Braga dos Santos Washington Sales do Monte
Universidade Federal de Roraima, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Rodrigo Amancio de Assis Wellington Furtado Ramos
Universidade Federal de Mato Grosso, Brasil Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil
Rodrigo Sarruge Molina
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
PARECERISTAS E REVISORES(AS) POR PARES
Avaliadores e avaliadoras Ad-Hoc

Adilson Cristiano Habowski Antônia de Jesus Alves dos Santos


Universidade La Salle - Canoas, Brasil Universidade Federal da Bahia, Brasil
Adriana Flavia Neu Antonio Edson Alves da Silva
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Aguimario Pimentel Silva Ariane Maria Peronio Maria Fortes
Instituto Federal de Alagoas, Brasil Universidade de Passo Fundo, Brasil
Alessandra Dale Giacomin Terra Ary Albuquerque Cavalcanti Junior
Universidade Federal Fluminense, Brasil Universidade do Estado da Bahia, Brasil
Alessandra Figueiró Thornton Bianca Gabriely Ferreira Silva
Universidade Luterana do Brasil, Brasil Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Alessandro Pinto Ribeiro Bianka de Abreu Severo
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Alexandre João Appio Bruna Carolina de Lima Siqueira dos Santos
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Universidade do Vale do Itajaí, Brasil
Aline Corso Bruna Donato Reche
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Brasil Universidade Estadual de Londrina, Brasil
Aline Marques Marino Bruno Rafael Silva Nogueira Barbosa
Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Aline Patricia Campos de Tolentino Lima Camila Amaral Pereira
Centro Universitário Moura Lacerda, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Ana Emidia Sousa Rocha Carlos Eduardo Damian Leite
Universidade do Estado da Bahia, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Ana Iara Silva Deus Carlos Jordan Lapa Alves
Universidade de Passo Fundo, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Ana Julia Bonzanini Bernardi Carolina Fontana da Silva
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Ana Rosa Gonçalves De Paula Guimarães Carolina Fragoso Gonçalves
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
André Gobbo Cássio Michel dos Santos Camargo
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Sul-Faced, Brasil
André Luís Cardoso Tropiano Cecília Machado Henriques
Universidade Nova de Lisboa, Portugal Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
André Ricardo Gan Cíntia Moralles Camillo
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Andressa Antonio de Oliveira Claudia Dourado de Salces
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Estadual de Campinas, Brasil
Andressa Wiebusch Cleonice de Fátima Martins
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Angela Maria Farah Cristiane Silva Fontes
Universidade de São Paulo, Brasil Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
Anísio Batista Pereira Cristiano das Neves Vilela
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Universidade Federal de Sergipe, Brasil
Anne Karynne da Silva Barbosa Daniele Cristine Rodrigues
Universidade Federal do Maranhão, Brasil Universidade de São Paulo, Brasil
Daniella de Jesus Lima Francisco Geová Goveia Silva Júnior
Universidade Tiradentes, Brasil Universidade Potiguar, Brasil
Dayara Rosa Silva Vieira Francisco Isaac Dantas de Oliveira
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Dayse Rodrigues dos Santos Francisco Jeimes de Oliveira Paiva
Universidade Federal de Goiás, Brasil Universidade Estadual do Ceará, Brasil
Dayse Sampaio Lopes Borges Gabriella Eldereti Machado
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Deborah Susane Sampaio Sousa Lima Gean Breda Queiros
Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Diego Pizarro Germano Ehlert Pollnow
Instituto Federal de Brasília, Brasil Universidade Federal de Pelotas, Brasil
Diogo Luiz Lima Augusto Giovanna Ofretorio de Oliveira Martin Franchi
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Ederson Silveira Glaucio Martins da Silva Bandeira
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil
Elaine Santana de Souza Handherson Leyltton Costa Damasceno
Universidade Estadual do Norte Fluminense Universidade Federal da Bahia, Brasil
Darcy Ribeiro, Brasil Helena Azevedo Paulo de Almeida
Eleonora das Neves Simões Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil Heliton Diego Lau
Elias Theodoro Mateus Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Hendy Barbosa Santos
Elisiene Borges Leal Faculdade de Artes do Paraná, Brasil
Universidade Federal do Piauí, Brasil Inara Antunes Vieira Willerding
Elizabete de Paula Pacheco Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal de Uberlândia, Brasil Ivan Farias Barreto
Elizânia Sousa do Nascimento Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Universidade Federal do Piauí, Brasil Jacqueline de Castro Rimá
Elton Simomukay Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Jeane Carla Oliveira de Melo
Elvira Rodrigues de Santana Universidade Federal do Maranhão, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil João Eudes Portela de Sousa
Emanuella Silveira Vasconcelos Universidade Tuiuti do Paraná, Brasil
Universidade Estadual de Roraima, Brasil João Henriques de Sousa Junior
Érika Catarina de Melo Alves Universidade Federal de Pernambuco, Brasil
Universidade Federal da Paraíba, Brasil Joelson Alves Onofre
Everton Boff Universidade Estadual de Santa Cruz, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil Juliana da Silva Paiva
Fabiana Aparecida Vilaça Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Universidade Cruzeiro do Sul, Brasil Junior César Ferreira de Castro
Fabiano Antonio Melo Universidade Federal de Goiás, Brasil
Universidade Nova de Lisboa, Portugal Lais Braga Costa
Fabrícia Lopes Pinheiro Universidade de Cruz Alta, Brasil
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Leia Mayer Eyng
Fabrício Nascimento da Cruz Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Universidade Federal da Bahia, Brasil Manoel Augusto Polastreli Barbosa
Fabrício Tonetto Londero Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil
Universidade Federal de Santa Maria, Brasil
Marcio Bernardino Sirino Railson Pereira Souza
Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal do Piauí, Brasil
Marcos de Souza Machado Rogério Rauber
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Marcos dos Reis Batista Samuel André Pompeo
Universidade Federal do Pará, Brasil Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Brasil
Maria Aparecida da Silva Santandel Simoni Urnau Bonfiglio
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Maria Edith Maroca de Avelar Rivelli de Oliveira Tayson Ribeiro Teles
Universidade Federal de Ouro Preto, Brasil Universidade Federal do Acre, Brasil
Mauricio José de Souza Neto Valdemar Valente Júnior
Universidade Federal da Bahia, Brasil Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Michele de Oliveira Sampaio Wallace da Silva Mello
Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Brasil
Miriam Leite Farias Wellton da Silva de Fátima
Universidade Federal de Pernambuco, Brasil Universidade Federal Fluminense, Brasil
Natália de Borba Pugens Weyber Rodrigues de Souza
Universidade La Salle, Brasil Pontifícia Universidade Católica de Goiás, Brasil
Patricia Flavia Mota Wilder Kleber Fernandes de Santana
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil Universidade Federal da Paraíba, Brasil
Raick de Jesus Souza
Fundação Oswaldo Cruz, Brasil

PARECER E REVISÃO POR PARES

Os textos que compõem esta obra foram submetidos


para avaliação do Conselho Editorial da Pimenta
Cultural, bem como revisados por pares, sendo
indicados para a publicação.

AGRADECIMENTOS

À ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação


e Pesquisa em Educação, pelo apoio financeiro.
Ao Jonathan Vicente da Silva, à Daniela Selau dos
Santos e ao Audrei Rodrigo da Conceição Pizolati,
bolsistas da Unisinos – Universidade do Vale do Rio
dos Sinos, pela cooperação técnica. O trabalho de
cada um/a qualificou a organização do livro.
Direção editorial Patricia Bieging
Raul Inácio Busarello
Editora executiva Patricia Bieging
Coordenadora editorial Landressa Schiefelbein
Diretor de criação Raul Inácio Busarello
Assistente de arte Laura Linck
Editoração eletrônica Gabrielle Lopes
Lucas Andrius de Oliveira
Peter Valmorbida
Imagens da capa Freepik, Nuraghies,
Pikisuperstar - Freepik.com
Revisão Os autores, as autoras e organizador/a
Organizador/a Maria Cláudia Dal’Igna
Fernando Pocahy

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


___________________________________________________________________________

P964 Produção de conhecimento em gênero, sexualidade e


educação: subversões, resistências e reexistências. Maria
Cláudia Dal’Igna, Fernando Pocahy - organizadores. São
Paulo: Pimenta Cultural, 2021. 226p..

Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5939-235-3 (brochura)
978-65-5939-236-0 (eBook)

1. Educação. 2. Gênero. 3. Sexualidade. 4. Formação de


professores. 5. ANPEd. I. Dal’Igna, Maria Cláudia. II. Pocahy,
Fernando. III. Título.

CDU: 37.015
CDD: 370

DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360
___________________________________________________________________________

PIMENTA CULTURAL
São Paulo - SP
Telefone: +55 (11) 96766 2200
livro@pimentacultural.com
www.pimentacultural.com 2 0 2 1
SUMÁRIO

Prefácio .......................................................................................... 11

Apresentação ................................................................................. 14

Proposição de passagem do GE 23 a GT 23 ............................... 17

Capítulo 1

Gênero, sexualidade e educação


no GT 23 da ANPEd:
narrativas de organização,
resistência e desafios ...................................................................... 25
Cláudia Maria Ribeiro
Cláudia Vianna
Dagmar Estermann Meyer
Eliane Rose Maio
Maria Eulina Pessoa de Carvalho
Paula Regina Costa Ribeiro

Capítulo 2

Gênero, sexualidade e educação:


‘Olhares’ sobre algumas das perspectivas
teórico-metodológicas que instituem um novo G.E. ........................ 58
Dagmar E. Estermann Meyer
Cláudia Maria Ribeiro
Paulo Rennes Marçal Ribeiro

Capítulo 3

Gênero, sexualidade e educação:


das afinidades políticas às tensões
teórico-metodológicas..................................................................... 81
Guacira Lopes Louro
Capítulo 4

Trajetórias teórico-metodológicas
em 10 anos de produção do GT 23
da associação nacional
de pós-graduação e pesquisa
em educação – ANPEd.................................................................. 98
Cláudia Maria Ribeiro
Constantina Xavier Filha

Capítulo 5

O campo do gênero na ANPEd:


Hipóteses em construção.............................................................. 131
Márcia Ondina Vieira Ferreira

Capítulo 6

Gênero, sexualidade e formação


de professores: uma análise a partir
da produção acadêmica da ANPEd .............................................. 155
Maria Cláudia Dal’Igna
Renata Porcher Scherer
Éderson da Cruz

Capítulo 7

Subversão e resistência no GT 23
da ANPEd a partir de Michel Foucault ....................................... 184
Anderson Ferrari
Danilo Araujo de Oliveira

Sobre as autoras e autores ......................................................... 217

Índice remissivo........................................................................... 223


io
ár
PREFÁCIO
m
Su

OS DISPOSTOS SE ATRAEM,
SE AGRUPAM. ESCREVEM.

Organiza-se um grupo para aprofundar afetos, para afetar e ser


afetado, para estar no mundo de forma não apenas individual, mas
coletiva. Isso tanto em termos acadêmicos, quanto pessoais. Foi assim
que surgiu o GT 23 da ANPEd, que lida com questões em gênero,
sexualidade e educação. O grupo consolidou a aproximação entre
pesquisadoras e pesquisadores que, de longa data, em coletivos
locais em suas universidades, já trabalhavam com o tema e orientavam
teses e dissertações. Em 2003, na 26ª Reunião Anual da ANPEd, inicia-
se o processo de formalização do grupo junto à associação, atraindo
cada vez mais interessadas e interessados. Os anos se passam, e logo
estaremos comemorando vinte anos do GT 23.

Um grupo é também aquilo que nele se debateu, estudou e


escreveu. Um movimento de observar, pesquisar, relatar, aprender,
escrever, desaprender, escrever novamente. O GT 23 sempre teve uma
mão na escrita acadêmica e outra nos movimentos sociais. Pertencer
a um grupo é também ler os textos que nele se produziram. O livro que
você tem nas mãos traz uma amostra disso. Ele apresenta parte da
biografia do GT 23 através da leitura dos textos que o grupo entendeu
relevantes a cada momento de sua história. Aqui estão contempladas
sete produções escritas. A autoria é composta por doze mulheres e
quatro homens. O que reflete também a composição majoritária do
grupo ao longo dos anos. O grupo foi porta voz de demandas femininas

11
io
ár e feministas, em vozes mais numerosas de mulheres, às quais se
m
Su

juntaram cada vez mais vozes masculinas.

No belíssimo livro “As boas mulheres da China: vozes ocultas”,


encontramos uma frase provocadora: “Os chineses dizem que é
preciso temer as mãos dos homens e as palavras das mulheres”
(XINRAN, 2003, p. 160). Tomamos essa afirmação, que carrega em si
um evidente preconceito de gênero, ao mesmo tempo que alerta para
a violência masculina, e a torcemos em outra direção. Assumimos que
há uma crise persistente nas relações de gênero, uma crise de poder
e de autoridade, e a saudamos como possibilidade de produção de
novos arranjos, mais igualitários. Assumimos também que o trabalho
das pesquisadoras e pesquisadores do GT 23 não se limita a fazer uso
de palavras herdadas de outros contextos, para dar conta de novas
realidades. É preciso inventar conceitos novos, eficazes para os desafios
das lutas no campo da educação envolvendo questões de gênero
e sexualidade, em conexão interseccional com outros marcadores
sociais da diferença, como raça, classe, geração, pertencimento
religioso, região. Percebemos com clareza, no contexto político atual,
que um grande conjunto de movimentos de inspiração reacionária e
conservadora, como o movimento “escola sem partido”, o “ideologia
de gênero”, a movimentação de criação das escolas cívico-militares
e a proposição de leis para permitir a instalação do ensino domiciliar,
traz consequências em termos de gênero e sexualidade no campo
educacional. O GT 23 ajudou a produzir, ao longo dos últimos anos,
um vocabulário que se move no sentido da justiça social em gênero e
sexualidade, e por conta disso é temido por forças conservadoras, e
disso nos orgulhamos.

O conjunto de textos aqui reunidos aborda questões


metodológicas das pesquisas no campo do gênero, da sexualidade e
da educação; identifica conexões entre currículos escolares, currículos
culturais e questões em gênero e sexualidade; analisa os desafios

12
io
ár da formação docente de olho nos arranjos em gênero e sexualidade;
m
Su

coloca atenção nas culturas juvenis e em seus percursos no interior da


cultura escolar com foco nos enfrentamentos em gênero e sexualidade;
mapeia políticas públicas de educação e mostra suas consistências e
inconsistências em termos de gênero e sexualidade; busca conhecer
as relações entre movimentos sociais no campo do gênero e da
sexualidade e as trajetórias na cultura escolar; apresenta e discute um
conjunto variado de fontes autorais e conceituais que constituem o solo
teórico em que nossas produções têm se movido ao longo destes anos.

Embora vivendo tempos difíceis, de ataques à escola pública e


ao direito à educação, bem como ao campo dos estudos em gênero e
sexualidade, é com alegria e otimismo que convidamos à leitura destes
textos. Eles atestam a consistência de nossos caminhos de pesquisa e
estudo, ferramentas para boas intervenções no mundo.

Fernando Seffner

Maria Eulina Pessoa de Carvalho

Coordenação do GT 23 ANPEd Gestão 2019/2021

Referência

XINRAN. As boas mulheres da China: vozes ocultas. São Paulo,


Companhia das Letras, 2003.

13
io
ár
APRESENTAÇÃO
m
Su

GT 23 DA ANPED: UMA OBRA


EM (DES)CONSTRUÇÃO

Este livro reúne trabalhos apresentados no Grupo de Trabalho


23: Gênero, Sexualidade e Educação da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-Graduação em Educação – ANPEd, e, em alguns
casos, publicados em periódicos nacionais. São textos que interrogam
as trajetórias do grupo, suas distintas apostas teóricas e metodológicas
e os princípios ético-políticos que movimentaram o GT ao longo de
quase duas décadas - desde a sua articulação como Grupo de Estudo
em 2003 até sua efetiva institucionalidade em 2005.

O trabalho intenso e corajoso de tantas mulheres que


inicialmente se mobilizaram para a criação do GT reverberou,
amplificou-se, fazendo deste coletivo um importante agente
dos processos de formação de docentes da educação básica e
superior e de pesquisadoras, principalmente no que se refere às
intersecções entre gênero, sexualidade e pensamento educacional
e político brasileiro.

A iniciativa desta proposta responde (em parte) aos anseios


e preocupações das pesquisadoras e pesquisadores que nos
antecederam (algumas delas ainda atuantes): fazer a história do
nosso presente e lançar-se aos futuros possíveis. O modo como os
textos foram escritos apresenta em si a coragem de experimentar
modos de conhecer e pesquisar, na singularidade de seu tempo-
espaço. E, ao mesmo tempo, os textos são um convite para que cada

14
io
ár um/a de nós seja autor/a dessa história, reconhecendo que nossos
m
Su

passos vêm de longe.

Por isso, esta é uma obra aberta, em (des)construção. Não


apenas porque os textos aqui são passíveis de releituras, mas porque
estamos escrevendo a história do nosso GT 23: de novos encontros e
outros caminhos, diante das urgências destes tempos bicudos e das
memórias das lutas que animam nossos dias e nossas paixões.

Abrimos esta publicação com o documento Proposição de


passagem do GE 23 a GT, apresentado durante a 28ª Reunião Anual
da ANPEd, realizada em Caxambu, Minas Gerais, em 2005. Esse
documento, assinado pela Coordenação (Coordenadora Guacira Lopes
Louro, da UFRGS e vice-coordenador Paulo Rennes Marçal Ribeiro, da
UNESP), encontra-se publicado no site da ANPEd e o reproduzimos em
sua íntegra, como arquivo vivo de nossas lutas pelo (re)conhecimento
e (re)afirmação das questões de gênero e sexualidade na educação.
Uma passagem deste documento é bastante representativa deste
movimento: “[...] aquele momento [organização do grupo em 2003]
não tinha por objetivo, propriamente, ‘inventar’ um novo grupo de
estudos, mas sim propiciar um espaço legitimado, no interior da mais
importante associação brasileira de educação, para que essa rede –
que já existia – pudesse se tornar visível e, consequentemente, pudesse
se fortalecer.” (GT 23 – ANPEd, 2005).

Subsequente, ressaltamos neste momento de abertura do livro


o capítulo 1 que aponta para a continuidade do arranjo de docência e
pesquisa como feitura ética-estética-política, ressonando a trajetória de
muitos desafios e reinvenções em produzir diferença nos estudos de
gênero e sexualidade na educação. Sua apresentação foi realizada na
39ª reunião nacional da ANPEd em Niterói, em 2019. Naquele encontro
tivemos a oportunidade de nos “despedirmos academicamente” de
algumas das presenças inaugurais dessa trajetória do GT 23, ao mesmo
tempo em que outras sinalizavam também suas intenções de concluir

15
io
ár a caminhada no GT. Misto de alegria e desamparo, os gestos intensos
m
Su

e cuidadosos de cada uma dessas professoras nos convidavam a


seguir firmemente nesta luta. Durante a ANPEd Nacional de Niterói,
feridas abertas, que assim como aquelas produzidas na ditadura não
foram cicatrizadas, já nos ofereciam os primeiros sintomas do tumor
letal à democracia e às práticas de liberdade em/na/com a educação.

Assim, nos tempos em que gênero e sexualidade são temas


interditos e malditos, cremos na urgência da sistematização, no registro
das lutas, nas formas de conhecer e pesquisar, nos resultados de
estudos consistentes, os quais são um convite a uma inflexão político-
epistemológica e ético-estética como possível resposta aos horrores
de nossos dias no Brasil e no mundo. Reler estas memórias é mais
uma das possibilidades para compreender como nos constituímos
como sujeitos face aos regimes de verdade que instituem o gênero
e a sexualidade como elementos centrais de inteligibilidade e como
as práticas educativas, os cotidianos da educação e as políticas
educacionais se movimentam como arenas que engendram a
marcação da diferença, a organização e sustentação de formas de
governo e os jogos da diferença.

Desse modo, recomendamos a leitura deste documento vivo que


marca períodos, encontros e alianças cotidianas em torno de múltiplas
instâncias e práticas educativas que produzem gênero e sexualidade
em suas intersecções com outros marcadores da/na diferença.

Fernando Pocahy
Maria Cláudia Dal’Igna
Comitê Científico do GT 23 ANPEd – Gestão 2019/2021.

16
io
ár
PROPOSIÇÃO DE PASSAGEM
m
Su

DO GE 23 A GT 23

[Documento apresentado para subsidiar a proposição de


passagem do Grupo de Estudos 23 a Grupo de Trabalho 23. Essa
proposição foi aprovada durante a Assembleia da 28ª Reunião Anual
da ANPEd, em 2005.].

No ano de 2003, durante a 26ª Reunião Anual da ANPEd,


realizada em Poços de Caldas, um entusiasmado grupo de
pesquisadoras/es, docentes e estudantes mobilizou-se para propor
à Associação a criação de um Grupo de Estudos que se voltasse
para as temáticas de gênero e sexualidade em sua articulação com
o campo da educação. Com o expressivo apoio de assinaturas de
cerca de 500 colegas, a proposta foi levada à Assembleia Geral
daquela 26ª RA e aprovada. Criava-se, assim, o GE 23 Gênero,
sexualidade e educação.

A rede de estudiosas/os e pesquisadoras/es que, há vários anos,


já ensaiava contatos menos formais no âmbito da ANPEd ganhava
agora um espaço privilegiado. Os muitos grupos e núcleos de pesquisa
ligados aos estudos de gênero, de sexualidade e de educação sexual
existentes nas instituições de ensino superior e nos programas de pós-
graduação do país, dispersos e distantes uns dos outros, passavam a
ter o GE 23 como um ponto de referência. Aquelas/es pesquisadoras/
es e estudantes que, isoladamente, desenvolviam investigações ou
ensaiavam práticas pedagógicas focadas nessas temáticas eram
estimuladas/os, agora, a buscar na ANPEd parceiras/os para o diálogo
e para o debate teórico. Enfim, o movimento que realizávamos naquele
momento não tinha por objetivo “inventar” um novo grupo de estudos,

17
io
ár mas propiciar um espaço legitimado, no interior da mais importante
m
Su

associação brasileira de educação, para que essa rede — que já


existia — pudesse se tornar visível e, consequentemente, se fortalecer.

Após dois anos, demos passos importantes nessa direção. Hoje,


trazemos a esta Assembleia uma nova proposição: a transformação
do GE 23 em GT. Com esta mudança, estamos certas/os de que o
intercâmbio e a discussão acadêmica desencadeados no contexto do
GE terão condições de se desenvolver ainda mais plenamente. Para
embasar nossa proposição, destacamos alguns elementos.

“Acreditamos não ser mais necessário enfatizar a importância


que as dimensões de gênero e sexualidade adquiriram na teorização
social, cultural e política contemporânea. De fato, desde o final dos
anos 70 do século XX, uma ampla, complexa e profícua produção
acadêmica vem ressaltando a impossibilidade de se ignorarem relações
de gênero e sexualidade quando se busca analisar e compreender
questões sociais e educacionais. Estudiosas/os e pesquisadoras/
es de várias nacionalidades e filiações teóricas e disciplinares
participaram e continuam participando da construção desses campos,
numa perspectiva que focaliza tanto relações de gênero e sexualidade
quanto suas importantes articulações com dimensões como raça/
etnia, classe, geração, nacionalidade, religião, dentre outras” (MEYER,
Dagmar; RIBEIRO, Cláudia; RIBEIRO, Paulo, 2004, p. 1).

Com essas palavras, era iniciada a primeira sessão de


apresentação de trabalhos no contexto do GE 23, na Reunião Anual
de 2004. As colegas Dagmar Estermann Meyer, Cláudia Ribeiro e o
colega Paulo Rennes Marçal Ribeiro traziam ao grupo as experiências
dos núcleos de estudo a que estavam vinculadas/os, ao mesmo tempo
em que justificavam o “nascimento” do GE na ANPEd.

Sua exposição continuava demonstrando que esse movimento


havia se afirmado no plano acadêmico internacional, especialmente,

18
io
ár a partir dos departamentos de Women’s Studies e, posteriormente,
m
Su

se ampliara com os Gender Studies e os Gays and Lesbian Studies.


Ressaltavam a multiplicação desse movimento em muitas instituições
universitárias e centros de estudos e o quanto ele havia impulsionado
pesquisas nos mais diversos campos, tais como a educação, a
história, o direito, a literatura, a arte, a saúde, a teologia, a política etc.
No entanto, acentuavam que a expansão dos estudos e pesquisas no
plano internacional “não se visibiliza do mesmo modo nos currículos
formais de graduação e pós-graduação em educação do país” (MEYER;
RIBEIRO; RIBEIRO, 2004, p. 1). Além disto, chamavam a atenção para
o fato de que, apesar de já contarmos com vários núcleos e grupos
de estudo sobre o tema cadastrados no CNPq, continuava “existindo
uma lacuna curricular no que diz respeito a essas temáticas e que
elas ainda não aparecem, com muito destaque, na pauta dos grandes
eventos ou na agenda de revistas importantes da área da educação”
(MEYER; RIBEIRO; RIBEIRO, 2004, p. 1). Essa lacuna parece ainda
mais importante se lembrarmos que, a partir de 1996, o Ministério da
Educação incluiu “orientação sexual” como “tema transversal” nos
Parâmetros Curriculares Nacionais. As diretrizes que eram, então,
propostas pelo Ministério exigiam que as questões de gênero e
sexualidade tratadas no âmbito escolar estivessem afinadas com as
teorizações contemporâneas. Os dados trazidos pelos/pelas colegas
acenavam para uma situação que todos buscamos contribuir para
modificar. Por um lado, observamos um número cada vez maior de
teses de doutorado e dissertações de mestrado que assumem gênero
e sexualidade como seu foco central ou, pelo menos, como dimensões
indispensáveis para a constituição de seus objetos de estudo, bem
como teses e dissertações que analisam ou propõem projetos de
educação sexual nas escolas brasileiras. Além disto, registramos
também um aumento de publicações na área (livros, artigos e mesmo
algumas revistas de projeção internacional, como a Revista de Estudos
Feministas e a Pagu) e, por outro lado, continuam os nossos cursos de

19
io
ár formação e qualificação de docentes beneficiando-se muito pouco de
m
Su

toda essa produção.

Por todas essas razões, reafirmava-se, naquele momento


inaugural do GE tal como se reafirma agora, a importância da
constituição deste espaço no interior da ANPEd como um marcador
do movimento de consolidação acadêmica e política desse campo.
A pluralidade teórico-metodológica e a constante autocrítica que tem
acompanhado a produção de conhecimento nos estudos de gênero e
sexualidade eram ressaltadas pelos colegas que abriam as discussões
do GE e logo se mostrariam evidentes nas exposições e debates.

Após a aprovação do grupo na Reunião de Poços de Caldas,


foram tomadas providências para a efetiva constituição do GE,
numa intensa troca de contatos entre a coordenação recém-eleita, a
Secretaria da ANPEd e as pessoas mais diretamente envolvidas com a
criação do grupo. Para o primeiro biênio, haviam sido escolhidos para
ocupar o cargo de coordenadora do GE, a professora Guacira Lopes
Louro, da UFRGS e de vice-coordenador, o professor Paulo Rennes
Marçal Ribeiro, da UNESP (Campus Araraquara).

Com o objetivo de engajar novos colegas e divulgar o GE, foi


organizada, ainda em novembro de 2003, uma lista de discussão
via internet, bem como providenciada a inclusão da notícia nos sites
de alguns dos núcleos e das revistas acadêmicas voltadas para a
temática. Importante referir que, neste processo de organização
inicial, bem como em todas as etapas que se seguiram ao longo
desses dois anos, contamos sempre com o apoio solícito do pessoal
da Secretaria e da Diretoria da Associação para esclarecimentos.
Em atendimento às exigências regimentais, foi constituído
imediatamente o grupo de consultores ad hoc que passou a ser
integrado pelas professoras Ana Camargo (Universidade de Uberaba
e Unicamp), Claudia Ribeiro (Universidade Federal de Lavras),
Dagmar Estermann Meyer (Universidade Federal do Rio Grande

20
io
ár do Sul), Mary Neide Damico Figueiró (Universidade Estadual de
m
Su

Londrina), Maria Eulina Pessoa de Carvalho (Universidade Federal da


Paraíba), Jane Felipe (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e
pelo vice-coordenador do GE, professor Paulo Rennes Marçal Ribeiro
(Universidade Estadual Paulista - campus Araraquara) — todas/os
docentes com a titulação de doutor/a, com experiência de pesquisa,
orientação de dissertações e teses e avaliação de projetos na área
específica do GE.

Ao longo do ano de 2004, realizamos uma série de atividades


que, de modo direto ou indireto, visavam a preparação para a
participação do grupo na 27ª RA. A par da presença da professora
Guacira Louro na reunião de coordenações e da diretoria da ANPEd
no Rio de Janeiro, destacamos a participação de pesquisadoras e
pesquisadores com vinculação ao GE na V ANPEd Sul – Seminário
de Pesquisa em Educação da Região Sul, realizado em Curitiba-
PR, em abril de 2004 e a realização do Colóquio sobre gênero,
sexualidade e educação, promovido pelo GEISH, o Grupo de Estudo
Interdisciplinar em Sexualidade Humana, da Faculdade de Educação
da UNICAMP. Na ANPEd Sul, o GE 23 se fez representar por meio
de um painel organizado pelo Grupo de Estudos de Educação e
Relações de Gênero, o GEERGE, da UFRGS, do qual participaram
como painelistas as professoras Dagmar Meyer, Jane Felipe e Guacira
Louro e o professor Luis Henrique Sacchi dos Santos (Universidade
Luterana do Brasil - ULBRA). O Colóquio sobre gênero, sexualidade e
educação, promovido pelo GEISH, aconteceu na UNICAMP, também
em abril, e merece um destaque significativo, uma vez que, além de
espaço para aprofundamento da discussão teórica, se constituiu em
uma oportunidade especial para o encontro da coordenadora, do
vice-coordenador e de algumas das consultoras ad hoc que, assim,
tiveram possibilidade de tratar da agenda do GE para a reunião anual.

Para a 27ª RA, foram encaminhados ao GE para avaliação 23


propostas de trabalho, 05 propostas de pôsteres e 02 propostas de

21
io
ár minicurso. Cada texto foi encaminhado para duas pessoas (pareceristas
m
Su

ad hoc), uma vez que, na condição de GE, não participamos do Comitê


Científico. Desse processo resultou a aprovação para apresentação
de 12 trabalhos, todos os pôsteres e o minicurso intitulado “Novos
tempos, novos desejos, práticas sexuais nem tão seguras: sinais de
tensão nos discursos da sexualidade, a partir de questões trazidas pela
trajetória de enfrentamento do HIV/AIDS no Brasil”. Além dos trabalhos
selecionados, contamos também com um trabalho encomendado,
intitulado “Gênero, sexualidade e educação. ‘Olhares’ sobre algumas
perspectivas teórico-metodológicas que instituem num novo GE”. A par
dessas atividades realizadas no contexto do grupo, o GE 23 também
se integrava ao GT 03 Movimentos Sociais e Educação como apoiador
da sessão especial intitulada “Igualdade e diversidade na Educação:
possibilidades e tensões”. Nessa sessão, a professora Sarah Whitelaw,
da Universidade de Leeds, abordaria especificamente a questão sob
a ótica do gênero. Finalmente, ainda naquela Reunião Anual, o GE
participou mais diretamente de uma sessão de conversas, intitulada
“Inclusão e diferença na formação inicial e continuada de professores:
uma discussão de questões contemporâneas com pesquisadores do
Reino Unido”. Essa sessão, que teve a participação das professoras
Sara Whitelaw e Andréa Utley (da Universidade de Leeds), da
professora Laura Hills (Universidade de Durham) e do professor Gary
Wilson (da Secretaria de Educação de Kirkless) fora viabilizada devido
ao intercâmbio acadêmico que a professora Maria Eulina de Carvalho,
desse GE, vem mantendo com estudiosos do Reino Unido ligados às
questões de gênero e educação.

Ao longo da R.A, o grupo contou com a presença de cerca de


50 participantes em todas as suas sessões que se distribuíam por 39
universidades, fundações educacionais e centros universitários e ainda
por oito prefeituras, secretarias municipais de educação e direitos
humanos. Ao encerrar a 27ª Reunião, colegas e estudantes presentes,
ao mesmo tempo em que avaliaram como positiva a atuação do GE

22
io
ár no seu primeiro ano de funcionamento, manifestaram o propósito de
m
Su

ampliar a divulgação deste espaço entre outros grupos e núcleos de


estudo e pesquisa sobre gênero e sexualidade existentes no país.

Esse propósito foi levado a efeito, ao longo do ano de 2005.


Os contatos acadêmicos entre os participantes do GE aumentaram,
o que é constatado, especialmente, na constituição das bancas de
mestrado e doutorado nos diversos programas de pós-graduação
e na solicitação de consultorias ou pareceres. De modo especial,
destacamos, dentre as atividades realizadas nessa direção, o I
Simpósio Paraná - São Paulo de Sexualidade e Educação Sexual,
promovido pela Universidade Estadual Paulista (Campus Araraquara)
sob a presidência do professor Paulo Rennes Marçal Ribeiro (vice-
coordenador do GE 23 e coordenador do Núcleo de Estudos da
Sexualidade daquela Universidade). O evento, que reuniu cerca de 200
participantes, contou com a colaboração da Universidade Paulista, da
Universidade Estadual de Londrina, do Centro Universitário de Maringá
(Cesumar) e com o apoio da ANPEd por meio do GE 23. À convite da
organização do Simpósio, a conferência de abertura foi realizada pela
professora Guacira Lopes Louro, como coordenadora do GE Gênero,
sexualidade e educação. Pretendia-se, assim, não só trazer à discussão
algumas das instigantes teorizações contemporâneas da área, mas
também tornar visível para um grande número de pesquisadoras/es
e estudantes, o novo grupo da ANPEd, estimulando o engajamento
de outros núcleos. É importante ressaltar que, por ocasião do evento,
realizou-se também um fórum com representantes de 19 grupos de
pesquisa sobre gênero, sexualidade e/ou educação sexual vinculados
às instituições acadêmicas que estavam ali presentes (note-se que o
simpósio reunia os estados de Paraná, São Paulo e alguns poucos
representantes do Rio Grande do Sul e Santa Catarina o que demonstra
a vitalidade da área, pois podemos estimar que o número seria muito
maior se o encontro tivesse caráter nacional).

23
io
ár Para a 28ª Reunião Anual, deste ano de 2005, o GE 23 recebeu
m
Su

19 propostas de trabalhos, 07 de pôsteres e uma de minicurso.


Foram aprovados para apresentação 13 trabalhos, os sete pôsteres
e o minicurso, intitulado “Perguntas gerando perguntas na Educação
Sexual”. O GE promoveu também uma sessão de conversas intitulada “A
inserção da escola no combate à violência e à exploração sexual infanto-
juvenil”, por iniciativa das professoras Jane Felipe (GEERGE/UFRGS)
e Cláudia Ribeiro (GEISH/UNICAMP); e integrou a sessão especial
promovida pelo GT de Educação Popular, intitulada “Corpo, violência
e educação”, por meio da participação da colega Dagmar Estermann
Meyer (UFRGS) que abordou questões relativas a corpo e gênero.

Tal como ocorrera em 2004, durante todas as sessões do


grupo, foi expressiva a presença de docentes e estudantes de muitas
universidades e instituições de ensino, bem como de pessoas ligadas a
secretarias de educação e prefeituras. Neste conjunto de participantes,
destacamos professoras/es da rede municipal de Caxambu que
integraram todas as sessões e, de modo especial, acompanharam
com entusiasmo o minicurso. Por certo, a divulgação realizada pelos
membros do GE durante 2004, surtiu efeito, uma vez que muitos outros
núcleos e grupos de pesquisa se fizeram presentes nessa 28ª R.A.

Estaremos encaminhando, posteriormente, à Secretaria, dados


objetivos dessas presenças, o que não podemos fazer neste momento,
uma vez que a redação dessa proposta está sendo feita durante a
Reunião Anual e, portanto, ainda não dispomos dos relatórios finais.
Acreditamos que essas considerações já se mostram suficientemente
fortes para embasar nossa proposição de passagem do GE Gênero,
sexualidade e educação para a condição de GT.

Caxambu/MG, 28ª Reunião Anual da ANPEd (2005).

24
1
Capítulo 1

GÊNERO, SEXUALIDADE E
EDUCAÇÃO NO GT23 DA ANPED:
NARRATIVAS DE ORGANIZAÇÃO,
RESISTÊNCIA E DESAFIOS1

Cláudia Maria Ribeiro


Cláudia Maria Ribeiro
Cláudia Vianna Cláudia Vianna
Dagmar Estermann Meyer
Dagmar Estermann Meyer
Eliane Rose Maio
Eliane Rose Maio
Maria Eulina Pessoa de Carvalho
Paula Regina Costa Ribeiro
Maria Eulina Pessoa de Carvalho

Paula Regina Costa Ribeiro


GÊNERO, SEXUALIDADE
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.25-57

E EDUCAÇÃO NO GT23
DA ANPED: NARRATIVAS
DE ORGANIZAÇÃO,
RESISTÊNCIA E DESAFIOS1
1 A versão original deste texto foi apresentada como trabalho encomendado no GT23, em
2019. Referência original: RIBEIRO, Cláudia Maria et al. Gênero, sexualidade e educação
no GT23 da ANPEd: narrativas de organização, resistência e desafios In: 39ª. Reunião
A versão
1 Anual original deste
da ANPEd, texto2019.
Niterói/RJ, foi apresentada como trabalho encomendado no GT23, em
2019. Referência original: RIBEIRO, Cláudia Maria et al. Gênero, sexualidade e educação
no GT23 da ANPEd: narrativas de organização, resistência e desafios In: 39ª. Reunião
Anual da ANPEd, Niterói/RJ, 2019.
io
ár [...] suspeito que a tarefa mais difícil que temos em mãos
m
é fazer com que homens e mulheres, juntos, sejam capazes
Su

de conter o movimento regressivo que já está instalado


para fazer retroceder os ganhos parciais da revolução
feminista [e LGBTTQI+], o que inclui alianças firmes contra o
fundamentalismo e um investimento no sentido de se re-fundar
os princípios de laicidade do Estado (CORRÊA, 2006, p. 3).

Nas últimas décadas a introdução da perspectiva de


gênero e sexualidade nas diversas arenas da educação brasileira
constituiu-se em uma conquista de muitos coletivos organizados2 no
desenvolvimento de uma agenda preocupada com a abordagem de
questões de gênero, sexualidade e direitos sexuais e reprodutivos em
diferentes circunstâncias e contextos. Isso se expressou nos processos
de elaboração e seleção de materiais didáticos e exames nacionais, na
implantação de políticas de formação de profissionais da educação,
na ampliação da educação sexual nas escolas, na normatização
do reconhecimento da identidade de gênero de pessoas trans em
várias instituições e sistemas de ensino, além de outras conquistas
expressivas nos domínios dos direitos civis, sociais e políticos, que
impactaram significativamente os modos como a vida de diferentes
grupos e sujeitos pode ser vivida e experienciada.

O exame do contexto de produção desse longo e disputado


processo tem na Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa
em Educação (ANPEd) uma de suas importantes arenas de interlocução
e debate, ora tenso, ora negociado, de forma a garantir a ocupação de
espaços na reflexão sistematizada que essa Associação proporciona.

2 Tais Coletivos organizados multiplicaram-se pelo País, especialmente a partir dos anos
2000. Estão estruturados em forma de Grupos de Estudo e de Pesquisa lotados em
Universidades, de Movimentos Sociais e de Organizações Não Governamentais, sendo
que alguns deles se vinculam fortemente às trajetórias que, aqui, estão narradas. Uma
consulta à lista de Grupos de Pesquisa registrados na plataforma do CNPq ou em outros
sítios de busca na internet revela a dimensão dessa expansão.

26
io
ár A inserção do debate de gênero na ANPEd acompanha o
m
Su

processo de introdução do tema na produção acadêmica em geral,


desde o final dos anos de 1970 “numa perspectiva que focaliza tanto as
relações de gênero e sexualidade quanto suas importantes articulações
com dimensões como raça/etnia, classe, geração, nacionalidade,
religião, dentre outras (MEYER, Dagmar Estermann; RIBEIRO, Cláudia;
RIBEIRO,Paulo Rennes, 2004, p. 1).

A presença de estudos de gênero na Associação pode ser


registrada desde os anos 1990, com forte influência do Grupo de
Trabalho (GT) 2 (História da Educação) “seguido pelos GT 6 (Educação
Popular), 3 (Movimentos Sociais e Educação) e 12 (Currículo)”
(FERREIRA, Márcia Ondina Vieira; CORONEL, Márcia Cristine Völz
Klumb, 2017, p. 821).

Não por acaso, Guacira Lopes Louro – que integrava o GT 2 e


que já era reconhecida, nacionalmente, como pesquisadora de gênero
– assume a coordenação do GE 23 – Gênero, Sexualidade e Educação,
proposto em 2003,
[...] durante a 26ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em Poços
de Caldas – MG, em que um grupo de pesquisadoras/es,
docentes e estudantes, mobilizou-se para propor à Associação
a criação de um Grupo de Estudos que se voltasse para as
temáticas de gênero e sexualidade em sua articulação com a
educação. (RIBEIRO; XAVIER FILHA, Constantina, 2013, p. 1).

Com 500 assinaturas de docentes e discentes, ligados/as a


grupos e núcleos de pesquisa espalhados nas instituições de ensino
superior e nos Programas de Pós-graduação do país – representados
na ANPEd –, a proposta de criação do Grupo de Estudos (GE) foi
aprovada nessa Assembleia Geral e começa a funcionar em 2004.

Refletindo as múltiplas origens geográficas e institucionais, o


primeiro grupo de consultores/as ad hoc do GE 23 foi integrado pelas
professoras Ana Camargo (Universidade de Uberaba e Unicamp),

27
io
ár Claudia Ribeiro (Universidade Federal de Lavras), Dagmar Estermann
m
Su

Meyer (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), Mary Neide


Damico Figueiró (Universidade Estadual de Londrina), Maria Eulina
Pessoa de Carvalho (Universidade Federal da Paraíba), Jane Felipe
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e pelo vice- coordenador
do GE, professor Paulo Rennes Marçal Ribeiro (Universidade Estadual
Paulista – Campus Araraquara).

Para a 27ª Reunião Anual (RA), realizada em Caxambu – MG,


em 2004, foram encaminhados ao GE para avaliação 23 trabalhos, 5
pôsteres e 2 propostas de minicurso, sendo aprovados 12 trabalhos,
pôsteres e o minicurso intitulado “Novos tempos, novos desejos,
práticas sexuais nem tão seguras: sinais de tensão nos discursos
da sexualidade, a partir de questões trazidas pela trajetória de
enfrentamento do HIV/AIDS no Brasil.” (ANPEd, 2018). O trabalho
encomendado enfocou “Gênero, sexualidade e educação. ‘Olhares’
sobre algumas perspectivas teórico-metodológicas que instituem um
novo GE” (ANPEd, 2018, s/p).

Nessa primeira sessão do GE, na 27ª RA, Dagmar Estermann


Meyer, Claudia Ribeiro e Paulo Rennes Marçal Ribeiro chamavam a
atenção para o fato de que, embora contássemos com “[...] vários
núcleos e grupos de estudo sobre o tema cadastrados no CNPq”
(MEYER; RIBEIRO; RIBEIRO, 2004), e fosse visível o aumento de
teses e dissertações com foco central ou complementar em gênero
e sexualidade, assim como de publicações na área, permaneciam
lacunas tanto “[...] nos currículos formais de graduação e pós-
graduação em educação do país.” (MEYER; RIBEIRO; RIBEIRO, 2004),
quanto “[...] na pauta dos grandes eventos ou na agenda de revistas
importantes da área da educação.” (MEYER; RIBEIRO; RIBEIRO, 2004).

Consolidado como GT em 2005 é evidente a ampliação da


produção sobre gênero e sexualidades na ANPEd. Como se lê na
“Proposição de Passagem do GE 23 a GT”, assim se propiciava “[...] um

28
io
ár espaço legitimado, no interior da mais importante associação brasileira
m
Su

de educação, para que essa rede – que já existia – pudesse se tornar


visível e, consequentemente, pudesse se fortalecer.” (ANPEd, 2005).

Com a intenção de examinar como se deu o processo de


inserção do gênero no espaço da ANPEd, Márcia Ondina Vieira Ferreira
e Márcia Cristiane Völz Klumb Coronel (2017, p. 821) destacam que o
número de trabalhos sobre gênero e sexualidade entre a 23ª a 34ª
Reunião da ANPEd (2000-2011) atinge seu auge na 33ª Reunião, com
um “total de 237 textos [...]. Destes, 132 são do GT 23, e o restante
(105) corresponde ao resultado de todos outros GT somados”. Nessa
direção, afirmamos que, embora tenha nascido tardiamente, quando
comparado aos GT similares de outras associações científicas das
Ciências Sociais e Humanas, ao longo de sua existência, o GT 23
da ANPEd tem dialogado com a produção brasileira em gênero,
sexualidade e educação, estimulado e alimentado a produção de
docentes e discentes das várias regiões, instituições e grupos de
pesquisa do país.

No entanto, a sustentação do debate, na ANPEd e fora dela,


não está consolidada e corre riscos, especialmente no contexto atual
marcado por profundas disputas ideológicas e políticas. Em sintonia
com Sônia Corrêa (2006), no texto citado na epígrafe, e com a totalidade
de pesquisadores/as que integram este GT, afirmamos a necessidade
de dar relevo ao fato de que, paralelamente ao avanço e legitimação
dos Estudos Feministas e de Gênero que, no campo da educação,
se expressou na criação do GT 23, ocorre também uma reação, com
vistas a barrar ou fazer retroceder as transformações promovidas
pelas diversas iniciativas direcionadas à garantia e/ou ampliação
dos direitos de mulheres e de pessoas LGBTTQI+ (Lésbicas, Gays,
Bissexuais, Transgêneros, Transexuais, Queers, Intersexos+), à
contestação dos valores morais tradicionais que ainda orientam a
ação do Estado e de suas instituições, entre elas a escola pública e

29
io
ár alguns setores da pesquisa e da produção acadêmica em educação.
m
Su

Assim, gênero e sexualidade têm se transformado, nos últimos anos,


em foco privilegiado de ataques de grupos ultraconservadores e,
em alguns casos, fundamentalistas, que vêm se imiscuindo, com
particular intensidade, na política e prática educacional, curricular e
pedagógica brasileiras.

Neste contexto de conquistas, debates e conflitos acalorados,


mas também de ameaças concretas de retrocessos, este texto toma
por base o registro de depoimentos individuais de seis integrantes,
de longa data no GT 23, a saber: Cláudia Vianna (FEUSP), Cláudia
Maria Ribeiro (UFLA), Dagmar Estermann Meyer (UFRGS), Eliane Rose
Maio (UEM), Maria Eulina Pessoa de Carvalho (UFPA) e Paula Regina
Costa Ribeiro (FURG), com o objetivo de identificar elementos de sua
história e organização, bem como para dimensionar e sistematizar o
que pensam sobre os enfrentamentos, resistências e desafios atuais
que cercam o debate de gênero, sexualidade e educação.

As narrativas aqui registradas não estão isoladas; foi nossa


intenção reconstituir, com elas e a partir delas, os múltiplos aspectos
que caracterizam a construção da teorização educacional de gênero e
sexualidade no GT 23 e que não devem ser individualizados, resgatando
suas dimensões macro e micro estruturais. A finalidade foi obter uma
narrativa individual que possibilitasse a apreensão dos processos de
descontinuidade, diferenciação e interpretação (SCOTT, Joan Wallach,
2011), tentando reconstruir o processo de inclusão de gênero que nos
inspirou a todas.

30
io
ár DO NIPAM E PPGE DA UFPB PARA
m
Su

A ANPED (Maria Eulina Pessoa de Carvalho)

Na Universidade Federal da Paraíba, desde 1998 integro


o Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE) do
Centro de Educação (CE), inicialmente na linha de Política
Educacional, almejando pesquisar relações família-escola, tema
do meu doutorado. Na ANPEd, passei pelo GT 5 Estado e Política
Educacional em 1998, e depois pelo GT 14 Sociologia da Educação
em 2003 e 2005 enquanto pesquisava relações escola-família,
acompanhando o GT 23 desde a sua fundação.

A partir de 2006 coordenei projetos de pesquisa financiados


pelo CNPq3, desdobrados em projetos PIBIC e orientação de teses e
dissertações; criei meu primeiro grupo de pesquisa cadastrado no CNPq
(“Currículo Transversal nas Interseções Escola-Família-Comunidade, na
Formação e Prática Docente”), que passou a se chamar “Gênero,
Educação, Diversidade e Inclusão”, em 2014; tornei-me bolsista de
produtividade do CNPq, em 2007, concentrando minha produção na
temática de gênero e educação. Paralelamente, coordenei o Curso
de Especialização EaD “Gênero e diversidade na escola”, ofertado
pelo NIPAM/Centro de Educação/UFPB, em 2014-2015, com 148

3 “Estudos de caso da prática docente enfocando as construções e desconstruções das


relações de gênero no cotidiano da educação infantil, financiado pelo Edital MCT/CNPq
02/2006 - Universal, em colaboração com a UFMG e UFPE; “Relações de gênero
na universidade: carreiras docentes e perspectivas profissionais discentes”, financiado
pelo Edital MCT/CNPq/MEC/CAPES nº 02/2010 - Ciências Humanas, Sociais e Sociais
Aplicadas; “Trajetórias e contribuições dos Núcleos de Estudos da Mulher e Relações
de Gênero integrantes da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisa
sobre Mulher e Relações de Gênero- REDOR: do pessoal ao institucional”, financiado
pela Chamada MCTI/CNPq/SPM-PR/MDA N° 32/2012; “Relações de gênero em cursos
masculinos: engenharias mecânica e civil, física, matemática e ciência da computação”,
financiado pela Chamada MCTI/CNPQ/MEC/CAPES Nº 22/2014 Ciências Humanas e
Sociais; “Representações sociais das identidades profissionais e de gênero por estudantes
de Pedagogia e Engenharia: um estudo comparativo na UFPB e na UFU”, financiado pela
Chamada MCTIC/CNPq Nº 28/2018 – Universal, em colaboração com a UFU.

31
io
ár concluintes; e o Projeto Capes-DGU “Gênero e educação superior:
m
Su

políticas, narrativas e currículo”, de 2013 a 2017, em colaboração com a


Universidade de Barcelona e a Profa. Alejandra Montané, que propiciou
quatro doutorados sanduiche e dois em cotutela.

Nesse percurso, o GT 23 – Gênero, Sexualidade e Educação da


ANPEd tem sido uma referência e contexto de implicação acadêmica
fundamental. Tendo participado de sua criação e nele apresentado
trabalhos, em parceria com colegas e orientandas, em várias RA,
tendo ademais atuado como parecerista ad hoc do GT e integrante do
Comitê Científico da ANPEd, de 2009 a 2010, considero especialmente
valiosa essa experiência para o meu desenvolvimento profissional e
para a formação de minhas orientandas. Destaco a oportunidade de
interação e aprendizagem junto a colegas de várias instituições de
educação superior, estados e regiões do país, com diversos interesses
temáticos e perspectivas teórico-metodológicas.

Uma de minhas primeiras orientandas de mestrado a trabalhar


com gênero, Ligia Luís de Freitas, professora da Prefeitura Municipal
de João Pessoa, membro da primeira Coordenadoria de Políticas para
Mulheres de João Pessoa e militante feminista, apresentou trabalho
no ainda GE 23 na 27ª RA (FREITAS, Lígia L., 2004). Em 2007, dei o
minicurso do GT 23 na 30ª RA em Caxambu (CARVALHO, Maria, 2007) e
colegas apresentaram trabalho integrante de meu projeto de pesquisa
(TEIXEIRA, Alda Betsaida Martins; RAPOSO, Ana Elvira Steinbach Silva,
2008). Em 2008, na 31ª RA em Caxambu, me encarreguei do trabalho
encomendado (CARVALHO, 2008) e também apresentei trabalho com
colegas (CARVALHO; COSTA, Eliana Celia Ismael da; MELO, Romery,
2008). Estive afastada em pós-doutorado na Universidade de Valencia
de dezembro de 2010 a dezembro de 2012 e, em 2015, retornei à
ANPEd, na 37ª RA, realizada em Florianópolis, apresentando trabalhos
com várias orientandas (CARVALHO; FREITAS, Mayanne Júlia Tomaz;
SILVA, Karina Ingredy Leite da., 2015; PINTO, Érica Jaqueline Soares;

32
io
ár AMORIM, Valquiria Gila de., 2015; SILVA, 2015). Na 38ª RA em São Luís,
m
Su

em 2017, duas orientandas apresentaram trabalho (SILVA, Francisca


Jocineide; MORAIS, Adenilda Bertoldo Alves de., 2017). Assim, na
minha prática formativa na pós-graduação a ANPEd é uma referência
central: tanto nas revisões de literatura que fazem minhas orientadas,
quanto no imperativo de submeterem trabalhos às RA.

Todavia sou um caso isolado no Nordeste. Noto que a


participação predominante no GT 23 ainda é de pesquisadores/as e
pós-graduandos/as de instituições de educação superior das regiões
Sudeste e Sul, mesmo depois que as reuniões passaram a se realizar
em outras regiões. No Nordeste a produção em gênero, sexualidade e
educação se restringe à UFPB, UFMA e UFS; mesmo a UFBA, que tem
cursos de graduação, mestrado e doutorado em gênero não alcança
a ANPEd. E na região Norte a produção nas temáticas do GT 23 se
restringem à UEPA, onde está Lucélia Bassalo, que tem participado
continuamente do GT, com acréscimo da UFPA na última reunião. O
mesmo pode-se dizer da região Centro Oeste, em que por muito tempo
se destacou a figura única de Constantina Xavier Filha, da UFMS, que
participou de duas gestões do GT23 como vice-coordenadora e duas
como coordenadora.

Na 38ª RA, realizada em São Luís, foram apresentados 4 trabalhos


de participantes da UFPA, 1 da UFMA, 1 da UFRB, 1 da UFPB (registrado
como UFPA no site), 1 da UFMS e 1 da UFMT.

No XXIV Encontro de Pesquisa Educacional do Nordeste (EPEN),


em 2018, ANPEd Nordeste, realizado na UFPB, em João Pessoa, no GT
23 participaram 8 orientandas/os minhas que apresentaram 6 trabalhos.
Para esta 39ª RA, que será realizada em Niterói, estou mais uma vez
cobrando submissão de trabalhos de orientandos/as. Contudo, num
país com as dimensões do Brasil, carências econômicas e ainda fraca
tradição acadêmica, é difícil estimular e sustentar a participação e
orientados/as na ANPEd (e mesmo de colegas). Daí que é ainda maior

33
io
ár o desafio de sustentação do GT 23, que começou com um caráter de
m
Su

militância política e precisa se estabelecer mais amplamente, de modo


a impactar a formação docente e a prática escolar país afora.

DA INSERÇÃO DO GÊNERO EM
GRUPOS DISPERSOS À LEGITIMAÇÃO
DO TEMA NO GT 23 (Cláudia Vianna)

Em uma de suas várias entrevistas, José Saramago


(AGUILHERA, Fernando Gomes, 2010, p. 248) advertiu que “[...] tudo
aquilo que fazemos é feito com aquilo que os outros fizeram [...] se os
outros não o tivessem feito, aquilo que nós estamos a fazer sê-lo-ia
de outra maneira.” Foi com essa constatação em mente que procurei
tecer os fios da percentagem que compõem meu diálogo com as
relações de gênero e que têm na ANPEd uma de minhas fontes de
aprendizado e inspiração.

Desde 1990, passei a participar com grande assiduidade dos


encontros anuais da ANPEd, vinculada ao GT 03 “Movimentos Sociais
e Educação” e também dialogando com o GT 06 “Educação Popular”.
No GT 03, um espaço que sempre abrigou muitos/as pesquisadores/
as que hoje circulam em novos GT, voltados para distintas formas de
abordar a diversidade (de raça, gênero, sexualidade, geração, idade
etc.) – apresentei várias comunicações e dois trabalhos encomendados,
um na 24ª RA em 2000 (VIANNA, Cláudia, 2000) e outro na 35ª RA em
2012 (VIANNA, 2015), todos eles com a perspectiva de gênero. Durante
longo tempo de convívio, além de nele desempenhar diversas atividades
como parecerista ad hoc e representante no Comitê Científico, foram
possíveis trocas fecundas com muitos/as interlocutores/as, vários/as
dos quais referências teóricas.

34
io
ár Ainda no início de minha inserção na ANPEd prestei
m
Su

o concurso, em 1992, para professora auxiliar substituta no


Departamento de Administração Escolar e Economia da Educação
da Faculdade de Educação da USP e fui aprovada. Havia acabado
de defender o mestrado em 1992 e já como professora do
ensino superior continuei meu processo de formação na mesma
Faculdade e passei a fazer o doutorado, defendido em 1999
no Programa de Pós-Graduação em Educação, com pesquisa
vinculada à perspectiva de gênero, temática que marcou toda a
minha trajetória como docente, pesquisadora e orientadora.

Do ponto de vista teórico o diálogo foi também adensado com


o apoio da Fundação Carlos Chagas, como bolsista aprovada pelo
VII Concurso de Dotações para Pesquisa sobre Mulheres e Relações
de Gênero, do Programa Relações de Gênero na Sociedade Brasileira
em colaboração com a Fundação Ford. Nesse período foram de
fundamental importância os diálogos estabelecidos com Cristina
Bruschini, Heloisa Buarque de Holanda, Maria Malta Campos, Céli
Regina Pinto, Mary Garcia Castro, Lourdes Bandeira – integrantes da
comissão organizadora – e Guacira Lopes Louro, Dagmar Estermann
Meyer, Marisa Vorraber Costa, Diana Vidal, Marília Carvalho, Maria
Cândida Delgado Reis e eu estávamos entre as bolsistas dos seminários
organizados pelo referido Programa.

Não poderia deixar de mencionar o importante apoio encontrado


em vários grupos de pesquisa. O “Grupo de Estudos de Temas de
Sociologia da Educação” (GETESE) coordenado por Marília Sposito
somou-se ao “Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Identidade”
(NEGRI) junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social
da PUC-SP coordenado por Fúlvia Rosemberg, de quem recebi o
convite para frequentar durante o processo de elaboração de parte de
minha tese de doutorado.

35
io
ár Nessa trajetória criamos nosso próprio grupo de “Estudos de
m
Su

Gênero, Educação e Cultura Sexual” (Edges) na Feusp liderado por


mim e Marília Pinto de Carvalho em 1994. O Edges, vinculado ao
CNPq desde 1999, tem sido lugar constante para compartilhar leituras
e discussões valiosas que serviram, e até hoje cumpre essa função, de
esteio para a compreensão do gênero enquanto categoria de análise
capaz de trazer novos aportes para a área da educação.

No ano de 2003 fui eleita coordenadora do GT 03, função por


mim exercida até o final de 2006, o que me possibilitou a interlocução
direta com outros/as coordenadores/as de GT e a articulação com
muitos/as colegas para a organização de mesas e debates, com o
convite aos/às vários/as pesquisadores/as nacionais e internacionais,
algumas delas coordenadas por mim.

No mesmo ano em que aceitei a coordenação do GT 03 fui


procurada por colegas muito próximas que intencionavam propor um
novo Grupo de Estudos na ANPEd, voltado para a temática de gênero
e sexualidade na educação. Sempre tive muitas dúvidas quanto
à profusão de Grupos na ANPEd devido ao risco de fragmentação
temática, mas também compreendia o sentimento de isolamento ao
tentar introduzir a temática de gênero em vários outros GT da ANPEd
e a necessidade de legitimação de uma temática que ganhava mais e
mais visibilidade e exigia seu espaço dentro da Associação.

Assim foi dado o primeiro passo para se criar o que hoje é o GT


23 “Gênero, Sexualidade e Educação”, agregando pesquisadoras/es,
docentes e estudantes em torno de questões teóricas e práticas sob
essa perspectiva de análise.

Após finalizar minha gestão como coordenadora no GT


“Movimentos Sociais e Educação”, no final de 2006, fui para Madri
com um projeto de pesquisa de Pós-Doutorado no Exterior (PDE), em
meados de 2008, com a finalidade de conhecer o contexto espanhol

36
io
ár para indagar sobre suas possíveis articulações com o contexto de
m
Su

produção das políticas públicas brasileiras de educação, o que


implicou diálogo necessário com a produção acadêmica espanhola
sobre a introdução do gênero e da sexualidade nas políticas
públicas. Ao longo de minha permanência em Madri ministrei,
em parceria com a professora Sonsoles San Román, a disciplina
“Sociologia de Gênero”, para cinquenta alunos/as, durante um
semestre na Faculdade de Formação do Professorado e Educação
da Universidade Autônoma da Madrid.

Os principais resultados obtidos durante o estágio Pós-Doutoral


também serviram para mapear novas possibilidades de intersecção
entre gênero, sexualidade e políticas públicas de educação, e
desenvolver novas ideias para a participação em eventos e futuros
trabalhos de investigação.

E, ao voltar de minha estadia na Universidade Autônoma de


Madri passei a integrar formalmente o GT 23 em 2009, juntamente
com vários/as integrantes do Edges. No GT 23, outros projetos
em comum e a sorte de dialogar com Dagmar Estermann Meyer,
Claudia Ribeiro, Paulo Rennes Marçal Ribeiro, Maria Eulina Pessoa
de Carvalho e tantos/as outras/os importantes parceiras/os de tema
e perspectivas muito próximas, o que tem permitido a participação
em bancas, mesas, grupos de pesquisa com profícuas reflexões
sobre a utilização do gênero como categoria de análise das relações
escolares, do funcionamento da escola e da defesa de uma educação
de qualidade passaram a ser cada vez mais objeto dos meus
aprofundamentos teóricos como professora e pesquisadora junto à
Faculdade de Educação da USP.

O espaço do GT passou a ser um importante lugar de contato com


a bibliografia e com pesquisadoras/es da área possibilitando a elaboração
de reflexões teóricas e práticas que puderam embasar minha atuação
como editora da revista Educação e pesquisa, da Feusp, além de fornecer

37
io
ár o debate necessária para as pesquisas realizadas no âmbito do sistema
m
Su

PQ/CNPq. Nesse percurso já longo, mas sempre em construção, pude


adensar o olhar sobre as políticas e práticas educacionais com foco no
gênero enquanto categoria analítica capaz de propiciar novas formas
de apreensão das mesmas e ciente de que, entre caminhos e tropeços,
muito está por ser ainda problematizado, quiçá refeito.

COM O GRUPO DE ESTUDOS DE EDUCAÇÃO


E RELAÇÕES DE GÊNERO (GEERGE) NO
GT 23 DA ANPED (Dagmar Estermann Meyer)

Em seu livro “Relatar a si mesmo” (2015), Judith Butler faz


uma afirmação que me veio à mente quando recebemos o convite
para contar, em um texto coletivo, a nossa inserção no, e nossos
movimentos por dentro do, GT 23 – Gênero, Sexualidade e Educação.
É preciso compor um ponto de partida e um tom para essa narrativa
e, nessa direção Butler (2015, p. 52) afirma que um “[...] eu não pode
contar a história de seu próprio surgimento, nem as condições de sua
própria possibilidade, sem dar testemunho de um estado de coisas
que é anterior [e dá forma]” a esse sujeito que se narra. Trata-se de
pensar sobre isso, então: de como nos tornamos pertencentes a um
determinado coletivo, e de onde se parte para dar inteligibilidade
a, e contar sobre, esse pertencimento. E, em consonância com
os propósitos deste texto, de como essa narrativa individual pode
contribuir para reconstruir o processo coletivo de formalização da
inclusão de gênero na ANPEd, que nos reuniu nesse GT.

Minha primeira participação na ANPEd deu-se em 1992, na 15ª.


RA, com a apresentação de trabalho derivado de minha dissertação de
mestrado em Educação, no GT 02 – História da Educação. Eu já integrava
o GEERGE, vinculado ao PPG em Educação da UFRGS, desde sua

38
io
ár criação em 1990, e acabara de consumar minha transferência não só
m
de Universidade (da UFMT para a UFRGS) como também de área de
Su

atuação profissional (da Enfermagem para a Educação). As pesquisas


de mestrado e doutorado realizadas no GEERGE, durante os anos de
1990, todas sob orientação de Guacira Lopes Louro4, privilegiavam
diferentes Histórias da Educação na perspectiva de gênero, tema que
também assumi tanto em minha pesquisa de mestrado quanto na de
doutorado, que viria a concluir em 1999.

É justamente essa inserção institucional e temática que explica


minha vinculação ao GT 02, de 1992 até o ano 2000. Uma vinculação
que não me deixava muito confortável, considerando minha formação
de base na área da saúde, aliada ao fato de nunca ter atuado na área
de história da educação estrito senso.

Passei a integrar o corpo docente do PPG-Edu da UFRGS, no


ano 2000, ali criamos a Linha de Pesquisa Educação, Sexualidade
e Relações de Gênero, em 2002 e eu ingressara, em 2001, no
Sistema de Produtividade em Pesquisa do CNPq, com uma pesquisa
explicitamente vinculada aos estudos de gênero5, cuja temática,
redimensionada em torno da articulação entre gênero e políticas
públicas, deu forma à agenda de pesquisas e de orientação que
desenvolvi, e que compartilhamos e discutimos no GT 23, nos últimos
15 anos. Minha reorganização temática reverberava, de certo modo,
também o afastamento paulatino do GEERGE da ênfase na História da
Educação, de modo que só retornei à ANPEd, em 2004, com a criação
do GE Gênero, sexualidade e educação.

Assim, o movimento que resultou na criação do GE, em 2004, e


depois no GT Gênero, Sexualidade e Educação, em 2005, foi saudado,

4 Antes de se tornar coordenadora do GE e, depois, do GT 23, Guacira foi integrante ativa e


destacada do GT 02, por muitos anos, e nele atuou em todas as instâncias organizacionais
5 “Mulher perfeita tem que ter [mamas] e uma barriguinha”? Educação, saúde e produção
de identidades maternas, 2001-2003.

39
io
ár apoiado e assumido com entusiasmo por mim, como membro desses
m
Su

diferentes coletivos, e marcou minha (nossa) trajetória de ensino e


pesquisa de forma significativa. Nele atuei em diferentes instâncias
e de diversas maneiras mas, aqui, destacarei os cinco (05) aspectos
que, para esta narrativa, me parecem ser mais significativos: 1)
Com a participação no processo de constituição e de fortalecimento
do GT aprendi muito sobre o funcionamento de coletivos plurais,
sobre como compor, negociar e compartilhar agendas, recursos
e espaços de poder, sem perder de vista que o que importa, no
final das contas, é o fortalecimento não apenas de um tema, mas
também de um coletivo composto por diferentes grupos de pesquisa
e por jovens pesquisadores/as, que têm acessos diferenciados aos
sistemas de fomento e de divulgação de conhecimento; 2) nessa
direção, o grupo de orientação e de pesquisa que constitui elegeu
o GT como primeiro e preferencial espaço para apresentação e
discussão das pesquisas, dissertação e teses que produzimos e
marcou presença em todas as RA, especialmente na primeira década
de seu funcionamento. Isso nos fortaleceu como grupo, qualificou
nossas pesquisas individuais e coletivas, e permitiu a produção de
parcerias e de intercâmbios com outros grupos e pesquisadores/
as. Muitas das estudantes/pesquisadoras que orientei e que, aqui
apresentaram suas primeiras investigações, integram hoje a segunda
geração de docentes/pesquisadoras ativamente envolvidas com o
GT e já inserem suas próprias orientandas nesse movimento; 3) a
presença como ‘ouvinte interessada’ nas sessões de apresentação
de trabalhos no GT, permitiu o contato com outras abordagens
teórico-metodológicas e bibliografias, implicou em exercícios de
autoavaliação e de autocrítica e repercutiu na composição das “coisas
que me constituem, em primeira linha, professora formadora de
pesquisadores/as”; 4) o exercício como parecerista ad hoc em diversos
períodos, e, sobretudo, minha participação como representante
do GT no Comitê Científico (CC), por 3 anos consecutivos, durante

40
io
ár os quais exerci também o cargo de vice-coordenadora do CC6,
m
Su

contribuiu muito para que eu consolidasse uma perspectiva sobre o


que se produzia como pesquisa no campo do gênero e da educação,
o que repercutiu em outros cargos e funções que desempenhei ao
longo desses anos; 5) a participação nesses espaços também incidiu
sobre minha formação política e ética como examinadora de projetos
e de trabalhos científicos, função que depois exercitei em outros
fóruns, como por exemplo, editorias de revistas e no CA Educação
do CNPq e, em conjunto, tudo isso redimensionou o que, até então,
eu entendia sobre políticas de produção de conhecimento na área da
educação em geral, e na área dos estudos de gênero, em particular.

Aposentei-me em junho de 2011, e segui atuando como


professora colaboradora junto ao PPG-Edu/UFRGS, desde então. Em
2018 encerrei meu vínculo com o Sistema PQ/CNPq e, agora, em 2019,
encerro o vínculo com o PPG-Edu da UFRGS e, portanto, deixo também
o GT 23. Então, como síntese de todas as aprendizagens que fiz (não
só, mas de forma importante) aqui, concluo dizendo que, a meu ver,
fomentar a aprendizagem sobre processos democráticos e solidários
de produção de conhecimento em gênero e sexualidade no campo da
educação em tempos de crise e, sobretudo, facultar a aprendizagem da
crítica e de formas de movimentar-se, eticamente, pelas políticas que
incidem sobre essa produção é uma necessidade e um desafio a ser
continuamente perseguido pelo GT, porque é isso que pode garantir a
nossa sobrevivência temática e política, no País, nos próximos anos.

6 Fui eleita na RA de 2005 e me afastei, por solicitação, na RA de 2009. Nesse mesmo


período exerci a vice-coordenação do CC.

41
io
ár DO GRUPO DE ESTUDO INTERDISCIPLINAR
m
Su

EM SEXUALIDADE HUMANA (GEISH/FE/


UNICAMP) ATÉ O GRUPO RELAÇÕES
ENTRE FILOSOFIA E EDUCAÇÃO PARA A
SEXUALIDADE NA CONTEMPORANEIDADE:
A PROBLEMÁTICA DA FORMAÇÃO DOCENTE
(FESEX/UFLA) (Cláudia Maria Ribeiro)

Algumas vezes presente às reuniões da ANPEd e o imenso desejo


de que se constituísse um espaço em que houvesse interlocutores e
interlocutoras para discutir pesquisas, referenciais teóricos, metodologias
e projetos de extensão nas temáticas de gênero e sexualidade. Ana
Faccioli de Camargo, líder do Geish, Anderson Ferrari e eu, discentes de
pós-graduação desse grupo de pesquisa, chegamos no ano de 2003 na
ANPEd, com o firme propósito de fazer a proposição de um GE.

Na programação havia um Colóquio intitulado Educação e


Sexualidade. Espaço privilegiado para apresentar a ideia. Qual não foi
a nossa surpresa ao constatar que o Salão Azul do Palace Hotel, na
cidade de Poços de Caldas -MG, havia um público de cerca de 200
pessoas. Todas interessadíssimas no tema! E as pessoas convidadas
não compareceram: Mirian Grossi (UFSC), Sérgio Carrara (IMS/UERJ)
e Regina Jurkewicz (Católicas pelo Direito de Decidir). Contatei,
naquele momento, a professora Nilda Alves, presidenta da ANPEd,
para que nos explicasse a ausência das pessoas convidadas. Não
houve explicações. Ela não sabia de suas ausências. Mais uma vez a
evidência da importância de um espaço – a criação de um grupo de
trabalho – gerenciado por pesquisadores e pesquisadoras da área,
para mediação das atividades. Não obtivemos outras explicações.
Mas, não importa! O importante foi o que fizemos: nascia ali o GT 23!

42
io
ár Assim, navegando pelas relações de poder e potencializando as
m
Su

resistências – e com todos os indícios sobre a importância da criação


de um GT – propusemos conversar sobre a sua constituição em que
se produzisse conhecimento em gênero e sexualidade. Apenas 30
pessoas permaneceram no local e iniciamos profícua conversa. Que
sorte para aquele grupo de pesquisadores e pesquisadoras e para a
área: Guacira Lopes Louro estava presente no GT02, foi contatada e
prontamente aceitou o convite para coordenar o processo de criação
do GT e tudo o que demandava organizar, ou seja, primeiramente
proposta de constituição do GE, dois anos de comprovação de
atuação, justificativa para transformação em GT. As gestões do GT
23 foram as seguintes: Guacira Lopes Louro (2004 a 2007). Vice-
coordenação: Paulo Rennes Marçal Ribeiro (2004 e 2005); Cláudia
Maria Ribeiro (2006 e 2007). De 2008 a 2011 a coordenação ficou sob
a responsabilidade de Cláudia Maria Ribeiro e a vice-coordenação de
Constantina Xavier Filha que assumiu a coordenação de 2012 a 2015
e a vice-coordenadora foi Maria Rita de Assis César que assumiu a
coordenação em 2016 e 2017 e a vice coordenadora Elenita Pinheiro
de Queiroz Silva que permanece atualmente na gestão com a
coordenação de Fernando Seffner (2018 e 2019).

Além das pesquisas veiculadas no GT, já amplamente focadas


pelas colegas que me antecederam neste texto, outro aspecto a ser
abordado foi a interlocução do GT 23 com a Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad) do Ministério da
Educação e Cultura (MEC). Desde a 29a RA o GT 23 considerou
importante a aproximação com a Secad com vistas a interferir no
processo de formação continuada de educadores/as nas temáticas
pertinentes ao GT, articulando ensino, pesquisa e extensão.

Para tanto, no ano de 2006, realizou a Sessão Conversa intitulada


“Gênero e sexualidade nas políticas de formação de educadores e
educadoras”, que foi geradora da intensificação das trocas entre esta

43
io
ár Secretaria do MEC e os/as pesquisadores/as voltados/as às questões
m
Su

de gênero e sexualidade. Esta aproximação redundou em algumas


atividades desenvolvidas em conjunto e, no final de 2007, na aprovação
de alguns projetos por pesquisadores/as que integravam o GT 23. No
ano de 2009, a referida Secretaria realizou o Seminário Educação em
Direitos Humanos, Sexualidades, Gênero e Diversidade Sexual em
Brasília, de 01 a 03 de julho de 2009, com o objetivo de congregar os/
as partícipes dos vários projetos aprovados, para reflexões sobre os
temas, avaliação e encaminhamento das ações futuras.

Participaram do Seminário integrantes do GT 23 para


avaliação, dentre outros, dos seguintes projetos: Refletindo gênero
na escola: a importância de repensar conceitos e preconceitos.
Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Coordenação: Marília
Gomes e Daniel Canavese; Iguais porque diferentes e Biblioteca
digital de materiais educativos em gênero, corpo e sexualidade.
Universidade Federal da Paraíba. Coordenação: Maria Eulina
Pessoa de Carvalho e Fernando Cézar Bezerra de Andrade;
Educação para a sexualidade, equidade de gênero e diversidade
sexual – práticas e materiais educativos. Universidade Federal
do Mato Grosso do Sul. Coordenação: Constantina Xavier Filha;
Educação Inclusiva: tecendo gênero e diversidade sexual nas
redes de proteção. Universidade Federal de Lavras. Coordenação:
Cláudia Maria Ribeiro e Ila Maria Silva de Souza.

Esse último gerou o livro (RIBEIRO, Cláudia Maria; SOUZA,


Ila Maria Silva, 2008), que foi ofertado às profissionais da educação
para leitura, sínteses e participação em seminários certificados pela
Universidade Federal de Lavras e teve o mesmo título do projeto.
Foram incluídos os textos apresentados em encontros anteriores
do GT 23, a saber: Construindo a masculinidade hegemônica:
acomodações e resistências a partir da apropriação de personagens
de novelas por adolescentes das camadas populares (RIBEIRO,

44
io
ár Cláudia Regina; SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de., 2008); Relações
m
Su

Dialógicas Interculturais: Brinquedos e Gênero (BARRETO, Flávia de


Oliveira; SILVESTRI, Mônica Ledo, 2008); “O que é a loba??? é um
jogo sinistro, só para quem for homem...” - gênero e sexualidade no
contexto escolar (FERRARI, Anderson, 2008); A sexualidade feminina
entre práticas divisoras: da mulher “bela adormecida” sexualmente
à multiorgástica – imprensa feminina e discursos de professoras
(XAVIER FILHA, 2008); Banheiros escolares e reprodução de gênero
(CARVALHO; TEIXEIRA; RAPOSO, 2008).

Muito aprendizado gerado pelos textos nas discussões


realizadas na formação de educadores/as. Potência na e da extensão
universitária! A produção do GT 23 circulou pelas plasticidades das
subjetividades e fez problematizar! Possibilitamos explicitar o que
pensamos, o que sentimos, o que produzimos de conhecimento em
gênero e sexualidade. Devires encharcando o processo de formação
de educadores e educadoras – afinal eram textos para uma reunião
científica – tudo isso constituiu-se em rizomas, pois foram muitos
os fios puxados para fomentar experiências, irromper preconceitos,
inundar de coragem nossas capacidades para as resistências.

Que condições de possibilidade ampliam nossa atuação


conjunta na construção de novos fazeres? Essa é a pergunta que deixo
considerando minha atuação no GT 23, desde a responsabilidade
partilhada com a sua criação até as muitíssimas experiências vividas
em cada função que exerci: vice coordenação, coordenação, ad hoc,
membro do Comitê Científico, apresentação de trabalho. Traduzo
essas experiências no movimento de resistência das pessoas que
lutam para transformar o mundo com ética e estética. Principalmente,
fundamentalmente, no contexto atual!

45
io
ár PRODUZINDO EXPERIÊNCIAS NO
m
Su

GRUPO DE PESQUISA SEXUALIDADE


E ESCOLA – FURG (Paula Ribeiro)

Mas o lugar da experiência sou eu. É em mim (ou em minhas


palavras, ou em minhas ideias, ou em minhas representações,
ou em meus sentimentos, ou em meus projetos, ou em minhas
intenções, ou em meu saber, ou em meu poder, ou em minha
vontade) onde se dá a experiência, onde a experiência tem lugar
(LARROSA, Jorge, 2004, p. 6).

Como expõe Larrosa (2004), falar do Grupo de Pesquisa


Sexualidade e Escola (GESE), da Universidade Federal do Rio Grande
(FURG), é falar de mim e de todo um grupo de pessoas: nossas ideias,
sentimentos, projetos, intenções; é falar de histórias que se imbricam
no que sou, no que somos.

O Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola (GESE), começou


a desenvolver suas atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão no ano
de 2002. Atualmente, é composto por pesquisadoras/es, bolsistas de
iniciação científica, mestrandas/os, doutorandas/os e acadêmicos/as
da FURG e da Universidade Federal do Pampa (Unipampa – Campus
Uruguaiana), e também por professores/as do Ensino Fundamental da
rede municipal do Rio Grande e de Uruguaiana - RS. Ao longo dos
anos, fomos constituindo uma rede de pesquisa materializada por meio
de acordos de cooperação científica e acadêmica com instituições
brasileiras e estrangeiras - Universidade Federal de Uberlândia (MG) e
com a Escola Superior de Educação de Coimbra/Instituto Politécnico
de Coimbra (PT), Universidade do Minho (PT) e a Universidad de
Castilla-La Mancha (ES).

Venho atuando nos Programas de Pós-Graduação em Educação


em Ciências – Associação Ampla FURG, UFRGS e UFSM, no Programa
de Pós- Graduação em Educação Ambiental e no Programa de Pós-

46
io
ár Graduação em Educação da FURG. As pesquisas do Gese estão
m
Su

alicerçadas em três linhas: “Corpo, gênero e sexualidade na perspectiva


dos Estudos Culturais”; “Gênero e ciência nos espaços educativos”;
“Relações de gênero e feminismos na educação”.

Nossos estudos estão pautados nos Estudos Culturais, nas


suas vertentes pós-estruturalistas e em algumas contribuições do
filósofo Michel Foucault. Nossas atividades têm como propósito
socializar os conhecimentos produzidos sobre as questões relativas
aos corpos, aos gêneros e às sexualidades tanto na comunidade
científica e escolar quanto na sociedade em geral. Buscamos,
também, contribuir com a formação de profissionais da Educação
Básica e de acadêmicos/as de modo a fornecer ferramentas para o
questionamento e desestabilização das compreensões e pedagogias
acerca do modo como foi produzido e instaurado o conceito e as
experiências da sexualidade, dos corpos, dos gêneros, abrindo
“brechas” para a emergência de múltiplas maneiras de pensar os
modos de existências dos sujeitos humanos. Assim, os estudos,
pesquisas, intervenções do Grupo estão fundamentados em
posicionamentos que entendem a sexualidade como uma construção
histórica, social e cultural, que se constitui na correlação de elementos
sociais presentes na família, na Medicina, na Educação, na religião,
entre outras instituições, por meio de estratégias de poder/saber
sobre os sexos (RIBEIRO, Paula Regina Costa, 2002).

As experiências no Ensino, na Pesquisa e na Extensão possibilitam


abordar os gêneros, as sexualidades e os corpos como ferramentas
conceituais, políticas e pedagógicas, colocando sob suspeita algumas
formas de organização social, hierarquias e desigualdades presentes
na sociedade e na constituição dos sujeitos. Assim, por meio da
elaboração e implementação de projetos, pesquisas, publicações
temos participado da construção de modos de fazer ciência e educação
implicados com as existências e as políticas do viver.

47
io
ár Desse modo, as atividades realizadas pelo grupo, ao longo de
m
Su

seu tempo de existência, encontram-se intimamente articuladas com o


Ensino, a Pesquisa e a Extensão na FURG. Essa articulação é possível
e continuamente fortalecida porque a organização e proposição das
nossas ações emergem de nossas experiências nestes três âmbitos.
Assim, os resultados das nossas pesquisas tanto nos oferecem material
para a produção de atividades extensionistas (cursos, mostras, oficinas,
eventos), de ensino (proposição e oferta de componentes curriculares
na graduação e pós-graduação) quanto possibilita a emergência de
novas questões e problemas de pesquisas.

Ao longo dos anos, tivemos a preocupação de produzir alguns


materiais – livros, DVD, revista – que pudessem subsidiar a prática
pedagógica de profissionais da educação e outros/as profissionais
interessados/as em pensar seus campos e a sociedade considerando
as configurações familiares, as diversidades sexuais e de gênero, a
cidadania LGBT na contemporaneidade sem abandonar o contexto
histórico e político que permitem pensá-la. Também produzimos livros
de literatura infanto-juvenil e outros textos. A revista “Revista Diversidade
e Educação” é uma publicação do GESE na qual sou editora junto com
a colega Joanalira Corpes Magalhães.

Coordenei e desenvolvi projetos de pesquisa (Fapergs, CNPq


e Capes), com a proposta de examinar como as práticas escolares e
sociais, implicadas nas relações de poder, produzem as subjetividades
dos sujeitos, seus corpos, seus gêneros e suas sexualidades. Tenho
ofertado desde 2012 a disciplina “Gêneros e sexualidades nos espaços
educativos”, de forma optativa, a todos os cursos da FURG.

Além das atividades de pesquisa e ensino, investimos nas


atividades de extensão o “Projeto Escola Promotora da Igualdade se
Gênero”, a “Mostra Cultural sobre Diversidade Sexual e de Gênero” e
o “Videocurso Educação para a Sexualidade”.

48
io
ár Todas essas atividades estão articuladas com o GT 23 da
m
ANPEd. No GT além de ministrar, em 2011, o minicurso “entre filmes,
Su

músicas, revistas... Discutindo corpos, gêneros e sexualidades nos


diferentes artefatos culturais”, apresentei trabalhos com orientandas,
e participo do comitê científico. O GT tem sido fundamental como
espaço de interlocução entre pesquisadores/as, de debates, de
organização de grupos, de resistências e lutas, principalmente no
momento sociocultural e histórico em que estamos vivendo no Brasil,
potencializando a articulação de experiências fundamentais para que
o campo de gênero e sexualidade se faça presente e contribua para
propostas de políticas públicas na área da educação.

Continuo a me inspirar em Larrosa (2003, p. 102) “advirto que,


no que acabo de dizer, misturei palavras como verdade, pensamento,
conhecimento, saber e escrita”. Assim, advirto também que, para
narrar a trajetória, as experiências e os acontecimentos do GESE
também “misturei palavras”, como aprendizagens, compartilhamento,
desafios, trabalho, produção, inquietações, felicidade, paixão...

O processo de produção meu e do GESE não se deu ao acaso,


mas, sim, vinculado aos construtos sociais, políticos, econômicos
e culturais em que estamos inseridas. As escolhas e as tomada de
decisões que fomos realizando ao longo dessa trajetória, fabricaram os
sentidos de quem eu sou, de quem o é GESE, pois, como expõe Larrosa
(1994, p. 70), “[...] a construção e a transformação da consciência de
si dependerá, então da participação em redes de comunicação onde
se produzem, se interpretam e se medeiam histórias.”

49
io
ár CONSTRUÇÃO NO ESPAÇO PRIVILEGIADO
m
Su

DE DISCUSSÕES SOBRE GÊNERO E


SEXUALIDADE NA ANPED (Eliane Rose Maio)

Ao ser convidada para compor esse grupo, me senti


extremamente grata e feliz por estar próxima a colegas que tanto
aprecio e valorizo! Ao contarmos sobre nossa inserção no GT 23,
foram muitos momentos de lembranças de idas e vindas, conversas,
viagens, reuniões, debates, escolhas e parcerias que têm valido a
pena, a cada momento.

Minha entrada no GT 23 se deu em 2006, na 28ª RA, ano em que


ele foi consolidado! Qual foi a minha surpresa em saber do histórico
do GE para GT.

Meu orientador de Doutorado, Paulo Rennes (UNESP-


Araraquara), me fez o convite para participar do mesmo quando ele
era o vice-coordenador. Não sabia do que se tratava e fui pesquisar.
Para esse momento enviei um material em forma de pôster, o qual
foi aceito para apresentação. A alegria foi intensa, pois estaria
conhecendo essa Associação.

A temática do pôster foi “Sexualidade humana: contextualização


histórica e suas interfaces entre a infância e a adolescência”, juntamente
com outra orientanda de Doutorado, de Paulo Rennes, Maria Cristina
Zampieri (UNESP).

O local foi em Caxambu-MG, em meados de outubro, cidade


para a qual nunca havia ido e a chegada até lá era intensa, com curvas
e mais curvas. Nos dias da 28ª RA, comecei a me integrar ao então
GE 23, conhecer pessoas, que eram minhas referências bibliográficas,
principalmente Guacira Lopes Louro, a qual eu estudava muito e,
conhecê-la foi muito gratificante.

50
io
ár Desde esse período (2005) nunca deixei de participar das RA da
m
Su

ANPEd. Apresentando trabalhos, sendo um deles, em 2008, intitulado


“Palavras, “palavrões”: um estudo sobre a repressão sexual a partir
da linguagem empregada para designar a genitália e práticas sexuais,
na cultura brasileira”, fruto da nossa Tese de Doutorado, defendida
em 2008, na UNESP/Araraquara. Em 2009, passo a compor o grupo
de pareceristas ad hoc o que me fez aprender e conhecer muitos
trabalhos na área de gênero, sexualidade e educação.

A partir de 2010 o evento não aconteceu mais em Caxambu-MG,


e sim rotativo, sendo em Porto de Galinhas-RN, no ano de 2011, em
que foi decidido, na 35ª RA, que seria bianual, devido aos gastos e à
organização do mesmo.

Na 35ª RA, que aconteceu em Goiânia, estive como vice-


coordenadora do Comitê Científico e na 36ª RA de 2015, que aconteceu
em Florianópolis, assumi a coordenação do Comitê Científico,
juntamente com o professor Anderson Ferrari, da UFJF, cargo que
exerci até o ano de 2016. Após esse cargo, retornei para parecerista
ad hoc, até o presente momento.

Muitos foram os encontros, reuniões, bate papos, parcerias,


jantares, passeios, debates sobre as temáticas que tanto defendemos/
estudamos e que a cada dia nos entristece pela brutal desvalorização
e retirada das pautas das políticas públicas.

Enquanto professora da Universidade Estadual de Maringá


(UEM), e coordenadora do grupo de estudos NUDISEX-CNPq (Núcleo
de Estudos e Pesquisas em Diversidade Sexual), desde 2009, sendo
um dos primeiros nessa instituição a discutir as temáticas de gênero
e sexualidade. Muitos foram os projetos, financiados pelo CNPq, pela
Secretaria Especial das Mulheres, da Fundação Araucária, bem como
os eventos e cursos de extensão que proporcionamos, como o Simpósio
Internacional de Educação Sexual (SIES), que acontece bianualmente,

51
io
ár congregando muitos/as pesquisadores/as e interessados/as nas
m
Su

discussões sobre a temática. Esse ano já totalizaram seis eventos.

Muitos artigos e livros, além das teses e dissertações de


meus/minhas orientandos/as, que dissertam sobre temas correlatos
a gênero, pautadas nas propostas dos Estudos Culturais e Estudos
Pós-Estruturalistas, foram e são compostos pelo NUDISEX, que
vem atuando dentro da UEM, como integrante da Política de Direitos
Humanos, em que o nome social, que foi instituído em 2013, veio de
nossos estudos e intervenção junto à Reitoria.

Guacira Lopes Louro (2007, p. 205) nos presenteia com essa


fala, com aspautas que tanto trabalhamos e defendemos, pois
[...] nada disso é estranho ou incomum para estudiosas/os e
pesquisadoras/es que assumem como seus os campos de
estudo de gênero e sexualidade. Para essas/es, não se coloca
a necessidade de argumentar sobre a relevância, a pertinência
ou a oportunidade dessas questões. Nesses campos, podemos
assumir que temos todas/os preocupações políticas comuns:
não admitimos a homofobia, a misoginia, o sexismo. Vamos
além, desconfiamos até mesmo dos gestos “tolerantes” que
supostamente acolhem diferenças de gênero ou de sexualidade
para, em seguida, a partir de uma posição benevolente e superior,
manter tais sujeitos e práticas em seu lugar devido, isto é, na
posição de “diferentes”. Esse parece ser o horizonte político que
garante nossa identidade. Aqui reside nossa afinidade e nosso
mote comum. Mas temos também nossas diferenças.

E assim continuaremos, na luta, contra quaisquer formas de


preconceitos, interditos, tabus, mitos relacionadas às questões de
gênero e sexualidade. Muito temos a fazer ainda, principalmente sobre
resistências e desafios futuros.

52
io
ár CONSIDERAÇÕES FINAIS
m
Su

Ao fazermos essa retrospectiva, pautada com muitas


lembranças, lutas e emoções, vale lembrar que o avanço da
perspectiva de gênero teve como contrapartida a contraofensiva
que envolveu representantes religiosos/as conservadores/as de
conferências episcopais, dos movimentos pró-vida e pró- família
das Igrejas Católica e Evangélicas e setores não necessariamente
religiosos da extrema direita.

Essa ofensiva retórica foi progressivamente proferida no


âmbito transnacional nas últimas décadas (CASTELLS, Manuel, 2017;
CORNEJO-VALLE, Mónica; PICHARDO,J. Ignacio, 2017; JUNQUEIRA,
Rogério Diniz, 2017) contra a “ideologia de gênero” ou “teoria de
gênero” sob os desígnios católicos do Conselho Pontifício para a
Família, da Congregação para a Doutrina da Fé, sob influência de
Karol Wojtyla, com forte conotação antifeminista (JUNQUEIRA, 2017).
A empreitada reacionária visou tanto a defesa de valores morais
tradicionais e posições religiosas no campo da bioética, quanto as
reformas jurídicas, políticas e sociais em geral e, especificamente, nas
áreas da saúde e da educação, a educação sexual, a visibilização e
valorização das diferentes orientações sexuais, das várias formas de
composição familiar, e o reconhecimento da identidade de gênero
como autodeterminada.

Esse cenário atual, em que o próprio conceito e uso do gênero


também está em disputa, nos coloca inúmeras demandas e desafios
tanto em nossas práticas quanto em nossa atuação junto ao GT 23.
Talvez a principal delas seja a luta por legitimação da perspectiva de
gênero no debate e na produção acadêmica sobre educação. Márcia
Ondina Ferreira e Márcia Coronel (2017) refletem sobre os desafios de
legitimação do tema de gênero na ANPEd ao lembrarem que ainda não

53
io
ár é reconhecido nessa Associação como um todo, ocupando o espaço
m
Su

de poucos GT, com exceção do GT 23. Mas vale também ponderar que
esse tema não tem sido considerado legítimo na produção educacional
como um todo. Assim, o lugar do gênero e da sexualidade na produção
acadêmica sobre educação é um lugar ainda por ser consolidado.

Nossa luta se faz árdua ainda, em tempos políticos tão difíceis


que estamos vivenciando na sociedade brasileira. Porém, a união, os
depoimentos que esse texto apresenta, bem como a RESISTÊNCIA,
que tanto apregoamos, nos proporcionam a garra e o desejo de
continuar na luta!

REFERÊNCIAS
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reflexões pessoais, literárias e políticas. São Paulo: Companhia das
Letras, 2010.
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redes de proteção. 1ª. Ed., Lavras/MG: Editora UFLA, 2008, p. 59-71.
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nas práticas culturais e educativas para construir a equidade de gênero.
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Rosemary Alves de. Roteiros de gênero: a pedagogia organizacional e
visual gendrada no cotidiano da educação infantil. In: 31ª Reunião Nacional
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br/1trabalho/trabalho23.htm. Acesso em março de 2019.
CARVALHO, Maria Eulina Pessoa de; TEIXEIRA, Adla Betsaida Martins;
RAPOSO, Ana Elvira Steinbach Silva. In: RIBEIRO, Cláudia Maria; SOUZA,

54
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m
redes de proteção. 1ª. Ed., Lavras/MG: Editora UFLA, 2008. p. 96-107.
Su

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CASTELLS, Manuel. Ruptura: la crisis de la Democracia Liberal. Madrid:
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Janeiro, 6 de março de 2006.
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categoria política reacionária ou: a promoção dos direitos humanos se
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da apropriação de personagens de novelas por adolescentes das camadas
populares. In: RIBEIRO, Cláudia Maria; SOUZA, Ila Maria Silva. Educação
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Ed., Lavras/MG: Editora UFLA, 2008, p. 46-58.
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manzana de la discordia, v.6, n.1, enero-junio, 2011, p. 95-101.
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gênero na primeira infância: uma análise da produção científica e do RCNEI.
In: 37ª Reunião Nacional da ANPEd – ANPEd 37, 2013, Florianópolis. 2017.
Disponível em: Disponível em: http://37reuniao.anped.org.br/trabalhos/.
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http://37reuniao.anped.org.br/trabalhos/. Acesso em abril de 2019.
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relações de gênero. Revista Brasileira de Educação. São Paulo, n.13, p.54-
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VIANNA, Cláudia. O movimento LGBT e as políticas de educação de gênero
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Paulo: FEUSP, v. 41, p. 791-806, 2015.
XAVIER FILHA, Constantina. A sexualidade feminina entre práticas divisoras:
da mulher “bela adormecida” sexualmente à multiorgástica – imprensa
feminina e discursos de professoras. In: RIBEIRO, Cláudia Maria; SOUZA,
Ila Maria Silva. Educação Inclusiva: tecendo gênero e diversidade sexual nas
redes de proteção. 1ª. Ed., Lavras/MG: Editora UFLA, 2008; p. 84-95.

57
2
Capítulo 2

GÊNERO, SEXUALIDADE E
EDUCAÇÃO. ‘OLHARES’ SOBRE
ALGUMAS DAS PERSPECTIVAS
TEÓRICO-METODOLÓGICAS QUE
INSTITUEM UM NOVO G.E.1
Dagmar E. Estermann Meyer
Dagmar E. Estermann Meyer
Cláudia Maria Ribeiro
Cláudia Maria Ribeiro
Paulo Rennes Marçal Ribeiro

Paulo Rennes Marçal Ribeiro


GÊNERO, SEXUALIDADE
E EDUCAÇÃO: ‘OLHARES’
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.58-80

SOBRE ALGUMAS
DAS PERSPECTIVAS
TEÓRICO-METODOLÓGICAS
QUE INSTITUEM
UM NOVO G.E.1
1 A versão original deste texto foi apresentada como trabalho encomendado no GT23, em
2019. Referência original: RIBEIRO, Cláudia Maria et al. Gênero, sexualidade e educação
no GT23 da ANPEd: narrativas de organização, resistência e desafios In: 39ª. Reunião
1 Anual
A versão original deste
da ANPEd, texto2019.
Niterói/RJ, foi apresentada como trabalho encomendado no GT23, em
2019. Referência original: RIBEIRO, Cláudia Maria et al. Gênero, sexualidade e educação
no GT23 da ANPEd: narrativas de organização, resistência e desafios In: 39ª. Reunião
Anual da ANPEd, Niterói/RJ, 2019.
io
ár INTRODUÇÃO
m
Su

Acreditamos não ser mais necessário enfatizar a importância


que as dimensões de gênero e sexualidade adquiriram na teorização
social, cultural e política contemporânea. De fato, desde o final dos anos
70 do séc. XX, uma ampla, complexa e profícua produção acadêmica
vem ressaltando a impossibilidade de se ignorarem relações de
gênero e sexualidade quando se busca analisar e compreender
questões sociais e educacionais. Estudiosas/os e pesquisadoras/
es de várias nacionalidades e filiações teóricas e disciplinares
participaram e continuam participando da construção desses campos,
numa perspectiva que focaliza tanto relações de gênero e sexualidade
quanto suas importantes articulações com dimensões como raça/
etnia, classe, geração, nacionalidade, religião, dentre outras.

Esse movimento que, no plano acadêmico internacional, surgiu


com os departamentos de Women Studies e que, posteriormente, se
ampliou para os Gender Studies e para os Gays’s and Lesbian’s Studies
multiplicou-se, em muitas instituições, e serviu como impulsionador de
uma ampla gama de pesquisas que passou a interrogar, a partir de
perspectivas diversas, campos como a educação, a história, o direito,
a literatura, a arte, a saúde, a teologia, a política, etc. A expansão no
plano internacional, no entanto, não se visibiliza do mesmo modo nos
currículos formais de graduação e pós-graduação em educação do
País e, apesar dos vários núcleos e grupos de estudo sobre o tema,
cadastrados no CNPq, é possível dizer que continua existindo uma
lacuna curricular no que diz respeito a essas temáticas e que elas ainda
não aparecem, com muito destaque, na pauta dos grandes eventos ou
na agenda de revistas importantes da área da educação.

Assim, a constituição de um espaço legítimo e formal para a


discussão dessa temática no contexto da ANPEd é significativa sob

59
io
ár muitos aspectos: delimita um movimento de consolidação acadêmica
m
Su

e política e institui um espaço de encontro e discussão que pretende


potencializar algumas das características mais importantes desses
campos – por exemplo, sua pluralidade teórico-metodológica e
temática e a constante autocrítica que, neles, acompanha a produção
de conhecimento. O objetivo deste primeiro trabalho encomendado
pelo G.E. se inscreve ai: dar início a esse diálogo teórico-metodólogico,
a partir da apresentação e discussão de perspectivas que alimentam
a produção acadêmica em três dos grupos de pesquisa que, hoje,
constituem o G.E. que estamos inaugurando na reunião de 2004. E é
dessas perspectivas que passamos a tratar, a seguir.

GRUPO DE ESTUDO INTERDISCIPLINAR


EM SEXUALIDADE HUMANA: PERGUNTAS
GERANDO PERGUNTAS2

O GEISH, fundado em 1992, está vinculado à Faculdade de


Educação (FE) da Unicamp/Campinas-SP e integra a área temática
Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, que incorpora estudos
sobre as diferentes formas de linguagem, arte, cultura, imagens,
sons, corpo, movimento, significação, discurso, memória, história,
leitura, escrita e literatura considerando-os como modos de
produção de conhecimento.

No início, a inquietude do grupo decorria da observação


das constantes discriminações e violências simbólicas no espaço
da escola referentes às questões de gênero e sexualidade. Suas
produções iniciais estavam voltadas para a problematização destas
desigualdades procurando refletir, junto com os/as educadores/

2 Esta parte do texto foi escrita com a colaboração de Ana Maria Faccioli de Camargo,
Elizabete Franco Cruz e Joaquim Brasil Fontes, integrantes do GEISH.

60
io
ár as, sobre novas possibilidades de intervenções com crianças,
m
Su

adolescentes e famílias. Assim, o GEISH surgiu para pensar a


educação sexual na escola e foi conquistando espaços na FE,
inclusive espaços físicos, e legitimidade na discussão de um tema
tão polêmico quanto a sexualidade humana. Ao longo dessa trajetória
permanecia o desafio de buscar referenciais teóricos que elucidassem
a complexidade, os matizes e a diversidade desse campo. Neste
percurso o grupo adentrou pelas veredas das perspectivas dos
estudos culturais e pós-estruturalistas desconstruindo e reinventando
o próprio modo de conceber as sexualidades e tem pautado suas
pesquisas, considerando as perguntas formuladas e as análises
realizadas, em referenciais pós-estruturalistas.

A consciência da historicidade do conceito de “sexualidade”


tem levado nossas pesquisas a se inscreverem num quadro que é
muito mais o de uma ars erotica do que o de uma scientia sexualis
atemporal: no GEISH, a sexualidade (assim como o erotismo e as
relações de gênero) tem sido problematizada por meio de reflexões
que se inscrevem em linguagens culturais diferenciadas, tendo em
vista a diversificação das práticas e discursos em que se produzem
possibilidades de subjetivação.

É nesse horizonte que vimos desenvolvendo, a partir dos


trabalhos fundadores de Michel Foucault, uma reflexão sobre a erótica
greco-romana, na qual se enfatiza todo um setor do discurso amoroso
colocado entre parênteses pelo autor de O uso dos prazeres: trata-
se da vertente poético-literária, na qual o que hoje chamamos de
“sexualidade” e “questões de gênero” recebem um tratamento singular,
em relação aos textos retóricos, filosóficos e jurídicos trabalhados
por Foucault. Dos poemas épicos aos trágicos, e destes às formas
líricas, e à iconografia da cerâmica arcaica e clássica, é uma forma
surpreendente de Eros que tem emergido desses estudos.

61
io
ár Outra linha de pesquisa dialeticamente articulada com essa
m
Su

procede de uma visada do erotismo em dupla vertente que nos vem


colocando instigantes indagações: uma teoria do Eros revolucionário
que leva de Marcuse a Deleuze e outra “literária” - no sentido moderno
da palavra – que, a partir do interdito, coloca a questão do gozo e de
sua relação com a lei. Alguns cursos, seminários e pesquisas têm sido
desenvolvidos neste quadro voltado de um lado para a antigüidade
greco-romana e, de outro, para o período que vai da queda do Antigo
Regime à modernidade.

Assim, com suas produções, o Grupo vem analisando a força


que o conteúdo inerente aos discursos da sexualidade contém,
considerando que toda relação é uma relação de força e, portanto,
uma relação de poder. A proposta interdisciplinar do grupo contempla
profissionais de diferentes áreas que trabalham com a sexualidade
humana, que estão atentos para quando, como, por quê induzimos,
incitamos, desviamos, tornamos mais fáceis ou mais difíceis,
produzimos, ampliamos ou limitamos o tema da sexualidade, uma vez
que em nossas práticas exercitamos o poder, modelando/disciplinando
corpos e mentes, segundo nos ensina Michel Foucault.

Nessa direção o grupo realiza pesquisa, ensino e extensão


na perspectiva crítica cultural objetivando realizar reflexões que
consideram a diversidade de temas relacionados à sexualidade
humana, promovendo diálogos entre profissionais, alunos, alunas,
pesquisadores e pesquisadoras. Para isso orienta dissertações e
teses no programa de Pós-graduação da FE/UNICAMP; oferece
cursos de pós-graduação, especialização, extensão e disciplinas na
graduação em pedagogia. Para a divulgação do conhecimento que
produz edita a revista Entretextos/Entresexos. Nossos diálogos com
vários/as interlocutores/as acontecem em colóquios, seminários,
debates, mesas redondas, dentre outras atividades. A interlocução
com diferentes profissionais, intra e extra muros da academia,

62
io
ár nos faz refletir constantemente sobre nossos objetivos, perguntas
m
Su

e referências na pesquisa, o que inclui: explicitar os diferentes


modos pelos quais profissionais que trabalham com a sexualidade
humana se constituíram e produziram suas práticas educativas
relacionadas ao tema; impulsionar transformações incentivando a
busca do relacionar experiências culturais com gênero, sexualidade
e práticas educativas; resgatar a história profissional de educadores
e educadoras e suas experiências vividas no campo da sexualidade
humana; analisar e interpretar como os/as profissionais que trabalham
com educação explicitam para si mesmos a apropriação dos textos
culturais relacionados à sexualidade humana; contribuir na formação
profissional de participantes das investigações sobre sexualidade;
promover uma reflexão sobre a própria investigação – quem são os
sujeitos investigados, que recursos metodológicos foram utilizados e
que categorias de análise foram eleitas.

Nossas investigações pretendem responder algumas


perguntas que, permanentemente, estão gerando novas questões e
entre elas destacamos: como diferentes profissionais da educação
explicitam para si mesmos a sexualidade humana e seu vínculo
com o erotismo? Como compõem em suas práticas educativas
suas experiências do cotidiano e os conteúdos relacionados à
sexualidade humana? Que facilidades ou dificuldades encontram
quando realizam este trabalho? Que deslizamentos têm produzido
nos planejamentos de suas atividades educativas, em suas
aspirações sociais, políticas e culturais e na constituição de seus
discursos, ao tratar o tema da sexualidade humana? Como se
deu e se dá o diálogo de educadoras e educadores com crianças
e adolescentes? Quais são suas concepções de infância e
adolescência? Como estas concepções de infância e adolescência
e o relacionamento com meninos, meninas e familiares influenciam
a vida pessoal e profissional destes educadores e educadoras?
Como as concepções e práticas culturais mais especificamente

63
io
ár relacionadas à sexualidade (vivências, conteúdos sociais, etc)
m
Su

influenciam a construção do significado que educadores e


educadoras atribuem à sua história de vida e história profissional?
Como as relações de gênero constituem as identidades de meninos
e meninas, homens e mulheres?

Assim, com tantas questões que nos instigam, consideramos


que, ao atuar na extensão universitária, quando são criados espaços
alternativos de ação, estes podem representar um movimento de
transformação, de criatividade, de rompimento de cercos, estando
atentos/as em analisar a constituição dos corpos sexuados, das
identidades, das sexualidades, das relações de gênero na dinâmica
das interações.

Para isso, o grupo tem estabelecido interfaces com os vários


sujeitos sociais e com suas diferentes formas de organização:
fóruns de ong’s aids, fóruns de educação infantil, movimentos
de adolescentes, programa de saúde da família, movimentos
homossexuais. Essas interfaces têm sido fundamentadas na
perspectiva de que teoria e prática são indissociáveis, não se furtando
de seu compromisso com a função social da universidade. O grupo
portanto, se engendra nos jogos de poder e saber, produzindo nos
micro-espaços do cotidiano, a possibilidade de romper com os
binarismos, destruindo evidências e universalidades, assumindo o
seu compromisso com as pequenas revoluções diárias, buscando
localizar e indicar “nas inércias e coações do presente os pontos
fracos, as brechas, as linhas de força; [o intelectual] que sem cessar
se desloca, não sabe exatamente onde estará ou o que pensará
amanhã, por estar muito atento ao presente e que contribui, no lugar
em que está de passagem” (FOUCAULT, Michel In: CAMARGO, Ana;
RIBEIRO, Claudia, 1999, p. 141).

64
io
ár GRUPO DE ESTUDOS DE EDUCAÇÃO
m
Su

E RELAÇÕES DE GÊNERO: MODOS


DE ‘VER’ E DE ‘FAZER’3

Mesmo que todas/as nós compartilhemos, hoje, de perspectivas


teóricas que problematizam tanto a história pautada nas cronologias
lineares e focada em grandes nomes quanto a própria noção de
autoria, é difícil pensar e falar do GEERGE, sem conectá-lo à trajetória
e à produção acadêmica de Guacira Lopes Louro, não por acaso
implicada, também, com a organização do G.E. que se materializa
nesta reunião da ANPEd. Então, para adotar uma linguagem mais
foucaultiana, talvez se possa indicar isso, dizendo que sua trajetória
e produção são constitutivas das condições que possibilitaram a
introdução e a consolidação de “temáticas feministas” no âmbito do
ensino e da formação para a pesquisa, na Faculdade e no Programa
de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, desde meados dos anos
80 do século passado. Tanto o GEERGE quanto a linha de pesquisa
Educação e Relações de Gênero - criada no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em Educação, em 2000 - se confundem com essa
história que começou agregando, entre 1988 e 1990, uma orientadora
e suas orientandas em torno de uma temática – educação e mulher
- até então muito pouco visível e valorizada no campo da educação.

As fronteiras que delimitam o que seria o GEERGE – criado


em 1990 - e o que seria a linha de pesquisa são muito tênues e
imprecisas. Elas, no entanto, deixam de existir quando se trata de
delinear as abordagens teórico-metodológicas que dimensionam tanto
a produção acadêmica quanto as atividades de ensino e extensão que

3 Esta parte do texto foi escrita com a colaboração de Guacira Lopes Louro e Jane Felipe,
também integrantes do GEERGE e da Linha de Pesquisa Educação e Relações de Gênero.
As publicações do GEERGE, bem como as pesquisas e atividades de ensino e extensão
em andamento, podem ser consultadas em: www.ufrgs.br/faced/geerge.

65
io
ár temos desenvolvido no espaço que se configura com e a partir desta
m
Su

simbiose, desde então.

Como se pode ver, a expressão “gênero” integra e delimita a


produção do grupo desde o processo mesmo de sua nomeação. Nesse
sentido, a trajetória de estudos e pesquisa que realizamos no GEERGE
se inscreve dentro de um movimento que marcou significativamente
o campo dos estudos feministas, nacional e internacionalmente, qual
seja: o da inserção e adoção do conceito de gênero. No Brasil, e
também no GEERGE, este movimento de incorporação do conceito
se fez, fundamentalmente, tomando como referência o texto Gênero:
uma categoria útil de análise histórica, de Joan Scott (1995), que já é
considerado como um clássico na área.

As polêmicas e controvérsias que se seguiram à emergência


do conceito voltaram- se, em primeiro plano, para a discussão sobre
a pertinência política do uso de um termo que, dentre outras coisas,
poderia invisibilizar o sujeito da luta feminista. Para além desses
desdobramentos, a percepção de que a incorporação de gênero, na
perspectiva proposta por Scott, tinha também importantes implicações
teórico-metodológicas foi tomando forma, para nós, ao longo da
primeira metade da década de 90 (LOURO, 1995).

Foi ficando mais evidente que, dentro da pluralidade e da


conflitualidade teórica e política que caracterizam os estudos
feministas desde sua emergência, também o termo gênero seria
incorporado e (continua sendo) utilizado de maneiras bastante
diferentes e conflitantes. Poderíamos, pois, apontar aqui duas grandes
vertentes dessa incorporação para caracterizar melhor a produção
atual do GEERGE. Por um lado, gênero foi e continua sendo usado
como um conceito que se opõe, ou complementa, a noção de sexo
biológico e se refere aos comportamentos, atitudes ou traços de
personalidade que a(s) cultura(s) inscreve(m) sobre corpos sexuados.
Nas perspectivas derivadas dessa abordagem (largamente assumida

66
io
ár em estudos, políticas e ações programáticas contemporâneas), a
m
Su

ênfase na construção sócio-cultural do masculino e do feminino não


tensionou, de forma substantiva, o pressuposto da existência de uma
“natureza”biológica universalizável do corpo e do sexo. Ou seja, essas
vertentes operam com o pressuposto de que o social e a cultura agem
sobre uma biologia humana universal que os antecede.

Em outra vertente, o conceito de gênero tem sido usado,


sobretudo pelas feministas pós-estruturalistas, para enfatizar que “a
sociedade forma não só a personalidade e o comportamento, mas
também as maneiras como o corpo [e, portanto, também o sexo]
aparece” (NICHOLSON, Linda, 2000, p. 9). Com este enfoque, assumido
pelo GEERGE, o conceito problematiza tanto noções essencialistas
que remetem a modos de ser e de sentir, quanto noções biologicistas
de corpo, sexo e sexualidade, e disso resultam importantes mudanças
epistemológicas e políticas para quem atua nesses movimentos sociais
e campos de estudos (LOURO, 1997).

O feminismo pós-estruturalista, aproximando-se de teorizações


como as desenvolvidas por Michel Foucault e Jaques Derrida, assume
que gênero remete a todas as formas de construção social, cultural
e lingüística implicadas com processos que diferenciam mulheres de
homens, incluindo aqueles processos que produzem seus corpos,
distinguindo-os e nomeando-os como corpos dotados de sexo,
gênero e sexualidade. Dessa perspectiva, operar com o conceito de
gênero supõe e demanda: a) assumir que diferenças e desigualdades
entre mulheres e homens são social, cultural e discursivamente
construídas e não biologicamente determinadas; b) deslocar o foco
de atenção da “mulher dominada, em si” para a relação de poder
em que as diferenças e desigualdades são produzidas, vividas e
legitimadas; c) explorar o caráter relacional do conceito e considerar
que as análises e intervenções empreendidas neste campo de
estudos devem tomar como referência, as relações – de poder - e

67
io
ár as muitas formas sociais e culturais que, de forma interdependente
m
Su

e inter-relacionada, educam homens e mulheres como “sujeitos


de gênero”; d) “rachar” a homogeneidade, a essencialização e a
universalidade contidas nos termos mulher, homem, dominação
masculina e subordinação feminina, dentre outros, para tornar visíveis
os mecanismos e estratégias de poder que instituem e legitimam estas
noções; e) explorar a pluralidade, a conflitualidade e a provisoriedade
dos processos que delimitam possibilidades de se definir e viver o
gênero em cada sociedade e nos diferentes segmentos culturais e
sociais (MEYER, 2003).

É exatamente no âmbito destes desdobramentos teórico-


metodológicos que nossos estudos passaram a incorporar, de forma
crescente e explícita, as dimensões de classe e de sexualidade.
Nos últimos anos, estudos referentes a corpo, raça/etnia, geração
e nacionalidade vêm se articulando às dimensões de gênero e
sexualidade e esse movimento de conceitos materializa a caminhada
teórica que empreendemos desde a segunda metade dos anos 90,
quando passamos a articular também, de forma mais explícita, os
estudos de gênero com os estudos culturais. Atualmente, convivem
no GEERGE e na linha de pesquisa à qual ele se articula, três eixos
temáticos, que passo a descrever, brevemente, a seguir.

O eixo temático gênero, sexualidade e educação, sob a


responsabilidade de Guacira Louro, busca estabelecer articulações
entre a recente produção dos estudos feministas, dos estudos gays
e lésbicos e da teoria queer com a educação. No enfoque pós-
estruturalista que o grupo privilegia, não há pretensão de responder
questões “fundamentais”, do tipo “quais as origens da opressão
feminina” ou “quais as causas da homossexualidade”; mas sim,
conhecer e questionar as formas como a(s) sociedade(s) trata(m)
as mulheres e os grupos homossexuais (com especial atenção para
as relações de poder que ali circulam, as formas que assumem tais

68
io
ár relações e as resistências que são exercidas). O movimento analítico
m
Su

que se propõe vai na direção de desmanchar dicotomias e desconstruir


binarismos, incluindo as oposições, supostamente sólidas, entre
masculino/feminino, heterossexual/homossexual (LOURO, 2004).

Apoiando-se no pressuposto de que o corpo é um construto


sócio-cultural e lingüístico, produto e efeito de relações de poder, o eixo
temático políticas de corpo e saúde: gênero, raça/etnia e nacionalidade,
sob responsabilidade de Dagmar E. Meyer, procura deslocar o foco
de suas análises: do “corpo em si” para os discursos, processos e
relações que possibilitam que sua biologia passe a funcionar como
causa e explicação de diferenciações e posicionamentos sociais.
Nessa perspectiva, recorrendo também à teorizações da sociologia
da saúde e aos estudos sobre risco e vulnerabilidade social, busca
compreender e problematizar processos de produção de diferenças
e desigualdades sociais que são colocados em ação nas áreas da
educação e da saúde para discutir como (e com que efeitos) esses
processos atuam quando posicionam mulheres, mães, homens, pais
e crianças em torno de eixos como, por exemplo, os de saudável e
doente ou normal e patológico ou, ainda, norma e risco (MEYER, 2004).

O eixo temático infância, gênero e sexualidade, sob


responsabilidade de Jane Felipe, pretende analisar transformações
políticas, econômicas, sociais e culturais da infância contemporânea
e sua respectiva educação na família, em instituições educativas
e em manuais de civilidade, com destaque para a construção de
identidades sexuais e de gênero de meninas e meninos. Focaliza,
também, o governo de corpos infantis através do exame de artefatos
culturais como literatura infantil, filmes, brinquedos, músicas e
espaços pedagógicos problematizando, neles, a erotização dos
corpos infantis, remetendo a um processo social que a autora
nomeou de “pedofilização” do social e da cultura. O eixo temático tem
procurado investir em pesquisas que priorizam a fala das crianças,

69
io
ár suas expectativas, opiniões e vivências em torno da construção das
m
Su

identidades de gênero e sexuais (FELIPE, Jane; GUIZZO, Bianca,


2003).

Para finalizar, nós, do GEERGE, entendemos que essas


abordagens teórico-metodológicas dos estudos feministas, dos
estudos culturais e dos estudos gays, lésbicos e queer são campos
teóricos e políticos que vêm, concretamente, promovendo novas
políticas de conhecimento cultural, ou seja: eles transformam
o conhecimento e, o que é ainda muito mais significativo, eles
redimensionam e ressignificam nossos modos de conhecer. Assim,
estudos e objetos de pesquisa como esses em que vimos investindo
nos permitem, em última instância, questionar, não apenas o
conhecimento, mas, sobretudo, o que “importa” conhecer, como,
porque ou para que(m) conhecer. Nessa direção, para além das
temáticas ou questões que esses campos trazem para exame, eles
podem promover transformações epistemológicas significativas
para a educação.

NÚCLEO DE ESTUDOS DA
SEXUALIDADE – NUSEX

A ausência, na maioria dos cursos de Pedagogia ou nas


Licenciaturas, de disciplinas voltadas para o estudo da sexualidade
e da educação sexual nos fez refletir sobre as razões de não se falar
de sexo para os professores uma vez que a escola é espaço em que
questões sexuais afloram cotidianamente.

Partindo do princípio de que sexo também é tema de pesquisa


em educação, em fevereiro de 2000, foi instituído na Universidade
Estadual Paulista – UNESP (Campus de Araraquara) - o NÚCLEO DE

70
io
ár ESTUDOS DA SEXUALIDADE – NUSEX. Ele é um grupo interdisciplinar
m
Su

de pesquisa no campo da sexualidade e da educação sexual,


vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar e ao
Departamento de Psicologia da Educação. Dele participam professores
da UNESP e de outras instituições de ensino superior, alunos de pós-
graduação e de graduação e graduados, constituindo um grupo
interessado no desenvolvimento de pesquisas, troca de experiências,
realização de estudos conjuntos e debate de idéias comuns, inclusive
com a realização de intercâmbios com grupos temáticos de pesquisa
de outras instituições.

Seus integrantes têm, como formação básica, os cursos de


graduação em Psicologia, Pedagogia, Ciências Sociais e Terapia
Ocupacional, sendo que os que têm ou cursam pós-graduação
continuam vinculados às áreas de origem ou áreas afins a elas.
Atualmente temos dezessete projetos de investigação sendo
desenvolvidos, desde o nível de iniciação científica até um candidato
ao pós-doutorado. Destes, há cinco com bolsas do CNPq, um com
bolsa FAPESP e um com bolsa CAPES.

As pesquisas em andamento, assim como as concluídas, se


agrupam em torno dos seguintes objetivos: investigar a formação
do conhecimento sexual; investigar a constituição do conhecimento
sexual popular e a institucionalização dos saberes médico-
pedagógicos acerca da sexualidade no Brasil a partir do século
XIX; pesquisar a história da educação sexual no Brasil; analisar
mudanças de atitudes e preconceitos em relação ao conhecimento
sexual; estudar a cultura sexual brasileira e seus contornos; investigar
as instâncias sociais responsáveis pela produção e reprodução das
culturas sexuais; realizar investigações específicas sobre as atitudes
sexuais de jovens e mulheres no Brasil de nossos dias; realizar
investigações acerca da implantação de programas de orientação
sexual nas escolas nos dias de hoje.

71
io
ár Os métodos de investigação normalmente utilizados no NUSEX,
m
Su

considerando a interdisciplinaridade e a integração entre os temas de


vários projetos, são: método histórico, na investigação de eventos do
passado; método etnológico, comparando padrões, culturas, modos
de vida e diferenças entre grupos.

As técnicas a serem utilizadas voltam-se para: pesquisa


bibliográfica, destacando nesta vertente a pesquisa de fontes
primárias; pesquisa documental; técnicas verbais; observação,
questionários, entrevistas; representações sociais; estudo de caso;
análise do discurso; análise de conteúdo.

O primeiro eixo norteador das pesquisas do NUSEX refere-se à


história da sexualidade e da educação sexual no Brasil. César Nunes e
Edna Silva (1999, p. 172) comentam sobre a “necessidade de estudos
que resgatem algumas perspectivas sobre a história da educação sexual
e sobre as tentativas históricas de institucionalizá-la. (...) A educação
sexual no Brasil não conta com uma historiografia bem explicitada”.

Estudar, pois, as teses das faculdades de medicina do século


XIX, e autores, documentos e obras das primeiras décadas do séc.
XX, é essencial para se entender a constituição do conhecimento
sexual no Brasil, a institucionalização do saber médico e educacional
para questões sexuais e a difusão das idéias que influenciaram
conceitos, comportamentos e atitudes por gerações, contribuindo
inclusive, para a solidificação de uma “cultura sexual” (PARKER,
Richard, 1991) no Brasil. Os projetos “históricos” tomam como
fundamentação teórica autores/as como Gilberto Freyre (1958, 1968,
2004), Antônio Cândido (1951), Sérgio Buarque (1994), Prado Júnior
(1933, 1942), Fernando Novais (1997) e José Antonio Tobias (1987),
que fornecem os elementos que ajudam a compreender a formação
histórico-cultural do povo brasileiro.

72
io
ár O segundo eixo norteador das pesquisas é a sexualidade
m
Su

enquanto tema da educação escolar, e estes projetos se voltam para


a análise de programas de intervenção nas instituições de ensino,
para a apresentação de propostas de orientação sexual na escola e
para o desenvolvimento de investigações específicas sobre atitudes
sexuais dos jovens, considerando a escola como espaço aglutinador
de variadas manifestações de comportamentos e valores sexuais.
Valéria Gimenes e Ribeiro (2002, p. 63) afirmam que “a escola é um
espaço para o sexual, seja pela própria manifestação da sexualidade
no corpo, no cotidiano e nas atitudes dos adolescentes em geral, seja
pelo fato de ser um ponto de encontro para o estabelecimento de
relacionamentos, sexuais ou não” e isso “torna a escola ideal para a
investigação das representações simbólicas dos adolescentes”.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 2000), com os


temas transversais, ainda que com as devidas críticas, destacaram
a sexualidade e a orientação sexual como temática relevante para
discussão nos estabelecimentos de ensino. Podemos considerar
que foi o primeiro reconhecimento oficial, de porte nacional, da
necessidade de implantar programas de orientação sexual nas
escolas nos dias de hoje, fato que gerou o desenvolvimento de vários
trabalhos acadêmicos.

O NUSEX utiliza o termo orientação sexual para as intervenções


com tempo e objetivo limitados, institucionalizadas, sistematizadas,
organizadas e localizadas, com a participação de profissionais
treinados para trabalhar com as questões envolvendo sexo, enquanto
considera que a educação sexual refere-se ao processo sócio-cultural
de transmissão de valores, normas e regras desde o nascimento que, de
uma forma ou de outra, direciona os indivíduos para diferentes atitudes e
comportamentos ligados à manifestação da sexualidade. Esta educação
é dada indiscriminadamente na família, na escola, no grupo social, com
amigos, pelos meios de comunicação (Ribeiro, 1990).

73
io
ár Este segundo agrupamento de projetos fundamenta-se,
m
Su

basicamente, na psicanálise (FREUD, Sigmund, 1973), notadamente


nos trabalhos desenvolvidos pelos psicólogos.

Porém, também autores atuais que têm se dedicado a reflexões


sobre sexualidade nas Ciências Humanas têm fornecido importantes
subsídios norteadores para vários desses projetos, constituindo
importantes pontos de apoio. Falo de Maria Luiza Heilborn (1999),
Maria Andrea Loyola (1998), Parker (1991), Peter Brown (1990) e
Foucault (1979, 1984, 1985). Da mesma forma, autoresque têm
trabalhado com a questão da educação sexual (Isaura Guimarães,
1995; Carmem Barroso e Cristina Bruschini, 1982; Maria Goldberg,
1981; Louro ,1997 e 1999; Nunes e Silva, 2000 e Werebe, 1977 e 1999),
mostrando a necessidade de se realizar estudos que dêem subsídios
para a implantação de programas de orientação sexual, também são
utilizados nas pesquisas que têm como foco a educação escolar.

O que o NUSEX não tem, enquanto grupo de pesquisa, é uma


única linha teórica subsidiando os projetos. Não o consideramos,
todavia, um grupo eclético, mas integrador, e isto se deve ao fato de
seus integrantes considerarem que os estudos sobre sexualidade se
articulam na interface entre a Educação, a Medicina, a Psicologia, a
Antropologia, a Sociologia e a História. Em decorrência da amplitude
de desdobramentos disciplinares que o estudo da sexualidade e do
comportamento sexual necessita para sua compreensão é que várias
áreas acabam sendo envolvidas, dando a este campo o desejado e
necessário enfoque interdisciplinar.

Luiz F. Duarte (1999, p. 23) propõe que “o sentido e o papel da


sexualidade entre nós devem ser compreendidos num universo maior
de significação (...) numa articulação entre os fenômenos ligados à
sexualidade, à sensualidade e à sensibilidade”, que vemos ser possível
atingir apenas em um enfoque interdisciplinar.

74
io
ár FECHAMENTOS PROVISÓRIOS PARA
m
Su

UM TEXTO EM MOVIMENTO

Nossa pretensão com este texto era, fundamentalmente, dar


início ao processo de tornar visíveis algumas das abordagens teórico-
metodológicas que “habitam” o G. E. Gênero, Sexualidade e Educação
que estamos constituindo como espaço de encontros, debates e
aprendizagens, nesta reunião da ANPEd. Nessa direção, a pluralidade
teórica e temática que se desenha neste “início de conversa” aponta,
justamente, para algumas das mais produtivas e desafiadoras
características dos estudos que envolvem a discussão de gênero e
sexualidade e que têm possibilitado a quem atua nestes campos tanto
a formulação de novas perguntas quanto a reformulação de outras,
que nem são tão novas, instituindo e ampliando debates que são, no
mínimo, instigantes e necessários.

Assim, os modos de ver – ler –fazer o mundo em que vivemos, nas


perspectivas assumidas pelos grupos de pesquisa aqui representados
reiteram, nas suas diferenças, a importância de se questionar o quanto,
e como, conhecimentos e práticas educativas estão implicadas com a
produção de masculinidades, feminilidades, adolescências, infâncias,
sexualidades; de perguntar-se de que forma estes conhecimentos
descrevem e hierarquizam sujeitos produzindo ou reforçando exclusões
e desigualdades de gênero e sexualidade; de se problematizar o que
pensamos, ensinamos e fazemos; de se compreender os modos como
aprendemos a pensar o que pensamos e a fazer o que fazemos bem
como os sentidos que os/as estudantes atribuem ao que ensinamos a
(e fazemos com) eles/as. Sugerem, também, que aquilo que não é dito,
não é feito e, às vezes não pode, ou não consegue sequer ser pensado
em determinados “espaços” (teóricos, políticos, institucionais) precisa,
também, ser problematizado.

75
io
ár Algumas dificuldades se colocam a partir dessas discussões.
m
Da problematização sobre as relações de poder imbricadas na
Su

produção de identidades/diferenças ou da celebração das diferenças,


por exemplo, emergem novos dilemas para os movimentos sociais
em todos os campos de atuação: como estruturar lutas em que o re-
conhecimento de diferenças não obscureça o sofrimento, a opressão
ou a exclusão a que elas geralmente estão associadas? Como falar de
capacidades, de modos de ser e de viver e de habilidades diversas,
sem cair na vala conservadora que produz, reforça e mantém posições
que constituem “o outro” não só como diferente mas, sobretudo,
como inferior ao “nós”? Como enfatizar diferenças sem “ressuscitar”
essências inatas e universais?

Guacira Louro (1997) argumenta que uma das coisas que é


preciso ter em mente quando nos metemos nesta discussão, é que
o reconhecimento de que há uma amplitude de divisões sociais,
provoca lutas e solidariedades bastante distintas e muito instáveis e
provisórias. O mesmo sujeito pode viver situações de subordinação e
dominação, ou, simultaneamente várias condições de subordinação e
dominação. Aceitar isso não implica desconsiderar que alguns grupos,
como os de mulheres, negros e homossexuais, por exemplo, tenham
vivido histórias mais longas, mais dolorosas e mais persistentes de
subordinação do que outros grupos sociais. Significa considerar
que dominações e subordinações não se somam de forma linear e
ascendente, que elas se combinam de formas especiais e particulares
e que precisam ser tratadas e questionadas em sua especificidade. E
essa é uma das grandes dificuldades que temos tido, na atualidade,
para nos reorganizarmos politicamente, nos movimentos sociais. Como
costurar solidariedades que sustentem reivindicações por maior justiça
social ou que problematizem e denunciem desigualdades e exclusões,
sem que os marcadores sociais que nos unem, reforcem ou neguem
aqueles que nos separam? Esta é, certamente, uma das importantes
aprendizagens que precisamos fazer nesta virada de século, sobretudo

76
io
ár numa área tão estratégica e disputada em todos os discursos políticos
m
Su

quanto esta da educação.

Ao fim e ao cabo, o que estes referenciais teórico-metodológicos


apontam é que, quando nos dispomos a discutir a produção de
diferenças e de desigualdades de gênero e de sexualidade, também
estamos, ou deveríamos estar, de algum modo, fazendo uma analítica
de processos sociais mais amplos que marcam e discriminam sujeitos
como diferentes, tanto em função de seu corpo e de seu sexo quanto
em função de articulações de gênero e sexualidade com raça, classe
social, religião, aparência física, nacionalidade, etc. E isso demanda
tanto a ampliação e complexificação das análises que precisamos
desenvolver quanto uma re-avaliação profunda das intervenções
sociais e políticas que devemos, ou podemos, fazer. Uma tarefa que
pode se tornar mais profícua e prazerosa quando apoiada e alimentada
por redes como este G.E.

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80
3
Capítulo 3

GÊNERO, SEXUALIDADE E
EDUCAÇÃO: DAS AFINIDADES
POLÍTICAS ÀS TENSÕES
TEÓRICO-METODOLÓGICAS1
Guacira Lopes Louro
Guacira Lopes Louro

GÊNERO,
SEXUALIDADE
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.81-97

E EDUCAÇÃO:
DAS AFINIDADES POLÍTICAS
ÀS TENSÕES TEÓRICO-
METODOLÓGICAS1

1 A versão original deste texto foi publicada na Educação em Revista (UFMG), e esta versão
é publicada neste livro com anuência da Comissão Editorial do referido periódico. Uma
1 versão
A versãopreliminar também
original deste foi foi
texto apresentada
publicada como trabalhoem
na Educação encomendado no GT23,
Revista (UFMG), emversão
e esta 2006.
Referência
é publicadaoriginal:
neste LOURO,
livro comGuacira Lopes.
anuência da Gênero,
Comissãosexualidade e educação:
Editorial do das afinidades
referido periódico. Uma
políticas às tensões
versão preliminar teórico-metodológicas.
também Educação
foi apresentada como emencomendado
trabalho Revista, n. 46, no
p. 201-218,
GT23, em2007.
2006.
Referência original: LOURO, Guacira Lopes. Gênero, sexualidade e educação: das afinidades
políticas às tensões teórico-metodológicas. Educação em Revista, n. 46, p. 201-218, 2007.
io
ár INTRODUÇÃO
m
Su

Em um episódio da série televisiva Law and order, um grupo


de policiais é julgado por homicídio doloso, por haver deixado de
atender ao pedido de auxílio de um colega policial que havia sido
atingido (e, em seguida, morto) por um bandido. Esse colega era
gay. A cena do julgamento mostra a acusação apontando para
inúmeros antecedentes de preconceito e discriminação que os réus
tinham em relação à vitima, e a defesa apela para o fato de que os
réus (policiais) haviam demonstrado sentimentos coerentes com os
da maioria das pessoas. Para apoiar seu argumento, a defesa chama
um psiquiatra que afirma que a homofobia é um sentimento comum,
bastante freqüente, especialmente entre homens. Interpelado pelo
promotor, o psiquiatra explica que a manifestação de Educação em
Revista. Belo Horizonte. n. 46. p. 201-218. dez. 2007 202 raiva extrema
é patológica e, por isso, é involuntária. Apelando para os jurados, a
defesa pede-lhes para pensar se não têm sentimentos semelhantes
aos dos acusados (ou seja, sentimentos de repulsa ou de rejeição) em
relação aos homossexuais e conclui: “Eles nada mais fizeram do que
manter e preservar os valores da comunidade em que viviam – e essa
era sua função como policiais”. O episódio termina com a absolvição
de todos os réus. O final talvez possa surpreender, mas, ao mesmo
tempo, por mais intolerável que seja, também parece coerente com o
que se costuma ver na chamada “vida real”.

“Estar atenta ao intolerável” – critério significativo para alguém


reconhecer o que vale a pena colocar em primeiro plano em sua
vida, em suas reflexões e ações. Essa idéia, que não é minha, tomei
emprestada de uma estudiosa espanhola chamada Maite Larrauri.
Ela parece justificar minhas escolhas acadêmicas e profissionais.
Perguntada sobre que vem a ser “[...] o intolerável”, Maite responde
que não pode ser aquilo que muita gente acha que é, pois “uma das

82
io
ár condições do intolerável é que, para a maioria, não é intolerável, mas
m
Su

normal.” (LARRAURI, 2000, p.14). O que eu considero intolerável


possivelmente é colocado, por outros ou por muitos, no plano do
aceitável, talvez no âmbito do comum ou do “normal”.

Desprezar alguém por ser gay ou por ser lésbica é, para mim,
intolerável. No entanto, na nossa sociedade, essa parece ser uma
atitude comum, corriqueira, talvez mesmo “compreensível”. Conviver
com um sistema de leis, de normas e de preceitos jurídicos, religiosos,
morais ou educacionais que discriminam sujeitos porque suas práticas
amorosas e sexuais não são heterossexuais é, para mim, intolerável.
Mas esse quadro parece representar, em linhas mais ou menos gerais,
a sociedade brasileira. Por isso, sinto-me autorizada a afirmar que a
sexualidade ou as tensões em torno da sexualidade constituem-se
numa questão que vale a pena colocar em primeiro plano.

Vale a pena observar também, imediatamente, que o que


se coloca aqui é mais do que um problema de atitude. Esta é uma
questão que se enraíza e se constitui nas instituições, nas normas,
nos discursos, nas práticas que circulam e dão sentido a uma
sociedade – neste caso, a nossa. As formas de viver a sexualidade, de
experimentar prazeres e desejos, mais do que problemas ou questões
de indivíduos, precisam ser compreendidas como problemas ou
questões da sociedade e da cultura.

Estou convencida que é relevante refletir sobre tudo isso. É


relevante refletir sobre as possibilidades e as impossibilidades que
esta cultura coloca para a sexualidade. É relevante refletir sobre os
modos como se regulam, se normatizam e se vigiam os sujeitos de
diferentes gêneros, raças e classes nas suas formas de experimentar
prazeres e desejos; refletir sobre as práticas que tais sujeitos põem em
ação para responder a esses desejos, as práticas que acionam para se
constituírem como homens e mulheres.

83
io
ár Sei que a sociedade trata desigualmente esses sujeitos e
m
Su

valoriza diferentemente essas práticas. Sei que tudo isso é atravessado


e constituído por processos de classificação, hierarquização, de
atribuição de valores de legitimidade e ilegitimidade; que sujeitos são
acolhidos ou desprezados conforme as posições que ocupem ou
ousem experimentar. Sei que tudo isso está, seguramente, embaralhado
com questões de poder. E aqui encontro justificativas não apenas para
refletir, mas para ensaiar estratégias que, eventualmente, possam
perturbar ou alterar, de algum modo, o “intolerável”.

Nada disso é estranho ou incomum para colegas, estudantes,


pesquisadores e pesquisadoras que integram este GT de Gênero,
sexualidade e educação. Neste espaço, não se coloca a necessidade
de argumentar sobre a relevância, a pertinê ncia ou a oportunidade
dessas que se tornaram as questões centrais catalisadoras e
motivadoras da existência do grupo. Podemos assumir que temos
todas/os preocupações políticas comuns: não admitimos a homofobia,
a misoginia, o sexismo. Vamos além, desconfiamos até mesmo
dos gestos “tolerantes” que supostamente acolhem diferenças de
gênero ou de sexualidade para em seguida, a partir de uma posição
benevolente e superior, manter tais sujeitos e práticas em seu lugar
devido, isto é, na posição de “diferentes”. Este parece ser o horizonte
político que garante identidade a este GT. Aqui reside nossa afinidade
e nosso mote comum. Mas temos também nossas diferenças.

São muitas e distintas as formas que assumimos para lidar com


essas questões; distintos são os modos de conceber o que cabe fazer
diante de tal horizonte político. Um olhar mais acurado e perspicaz
poderá nos mostrar que nossas distinções e particularidades começam,
efetivamente, bem antes da questão do “que fazer”: para sermos
sinceros, nós nem mesmo compreendemos de um modo único o que
vem a ser gênero ou sexualidade. Mas essa diversidade, que pode, aos
olhos de uns, parecer catastrófica, também pode, aos olhos de muitos,

84
io
ár ser saudada como indicadora da vitalidade e da contemporaneidade
m
Su

dos campos teóricos e políticos a que nos dedicamos. Disputas em


torno de conceitos, de correntes, de métodos e de estratégias são
sugestivas de teorias vigorosas, moventes, vivas. Não se disputa aquilo
que já está consagrado, quer dizer, aquilo que se tornou sagrado e
que, em conseqüência, carece de animação, revelando-se, de algum
modo, inanimado. Saudemos, pois, nossas diferenças! Elas podem
ser a fonte de nossa contínua renovação.

Assumo, pois, que temos propósitos políticos comuns e


que compartilhamos de um mesmo campo, a educação, para dar
vida a esses propósitos. É provável que compartilhemos algumas
referências teóricas, mas, ao mesmo tempo, perseguimos nossos
propósitos políticos através de estratégias, teorias e táticas muitas
vezes distintas e, eventualmente, divergentes. Os encaminhamentos
teórico-metodológicos que adotamos são plurais e, por vezes, podem
estabelecer entre si pontos de fricção. Não tenho, portanto, qualquer
pretensão de responder às inquietações teóricas que nos perturbam e,
muito menos, de serenar as dúvidas metodológicas que assombram
nossas pesquisas. Penso que podemos dialogar em torno de alguns
conceitos ou referências recorrentes na pesquisa e no ensino no âmbito
dos estudos de gênero, sexualidade e de educação sexual, e espero
que esse diálogo/debate contribua para a consolidação deste grupo,
assumidamente plural.

COMEÇO PELOS DOIS CONCEITOS


CENTRAIS: GÊNERO E SEXUALIDADE

Há vários anos atrás, mais precisamente, em 1983, solicitaram


a Donna Haraway que redigisse a “entrada” do termo gênero para um
dicionário marxista, no qual, segundo algumas das organizadoras,

85
io
ár faltavam algumas palavras ou havia palavras que deveriam ser
m
Su

reescritas, face aos novos movimentos sociais. Donna Haraway lançou-


se, então, nesta empreitada, ciente da importância da linguagem e das
narrativas históricas na luta feminista. A tarefa não lhe pareceu fácil e
seu resultado está no livro Ciencia, cyborgs y mujeres. La reinvención de
la natureleza. Deste texto, o que me interessa destacar é o fato de que
ela entende que, “[...] apesar de suas importantes diferenças, todos
os significados feministas modernos de gênero partem de Simone
de Beauvoir e de sua afirmação de que ´não se nasce mulher´.” Ela
acrescenta: “[...] [partem] das condições sociais posteriores à segunda
guerra mundial que permitiram a construção de mulheres como um
sujeito-em- processo coletivo histórico.” O que se segue funciona
como uma possível compreensão abreviada: “Gênero é um conceito
desenvolvido para contestar a naturalização da diferença sexual em
múltiplos terrenos de luta” (HARAWAY, 1995, p. 221).

Haraway remete-se, pois, às condições que permitiram a


emergência de um novo sujeito histórico coletivo – as mulheres – e de
um novo campo teórico e político – o feminismo. Além disso, ela enfatiza
o que parece ser comum às várias vertentes ou perspectivas teóricas
que assumimos: a noção de construção. A afirmação de Simone de
Beauvoir (surgida em 1949, portanto antecipadora da onda feminista dos
anos 60) está carregada da noção de um fazer, supõe a construção de
um sujeito feminino ou, como se diria mais tarde, do sujeito de gênero.
Operar com este conceito implica, pois, necessariamente, operar numa
ótica construcionista. Ainda que as formas de conceber os processos
de construção possam ser (e efetivamente são) distintas, lidar com
o conceito de gênero significa colocar-se contra a naturalização do
feminino e, obviamente, do masculino.

Essa noção evidentemente pode ser (e é) complexificada


ou sofisticada por outros argumentos. Apenas para sinalizar esta
complexidade, lembro aqui o instigante artigo de Linda Nicholson,

86
io
ár “Interpretando gênero” (NICHOLSON, 2000). Há pelo menos dois
m
Su

argumentos neste texto que me parecem pertinentes destacar. Um


deles se refere ao fato de que, ao fazer generalizações com base em
grandes varreduras da história, parte da teoria feminista usualmente
parece pressupor uma perspectiva comum, ao longo dos tempos,
sobre o sentido e sobre a importância dos corpos femininos e
masculinos. Por certo isso não ocorre assim, diz Linda Nicholson.
“Os sentidos, a atribuição de significados e valores dos corpos (e de
partes dos corpos) mudam através do tempo e das comunidades.”
(NICHOLSON, 2000, p. 17). Ainda que a maioria das sociedades tenha
estabelecido, ao longo dos séculos, a divisão masculino/feminino
como uma divisão fundamental e tenha compreendido tal divisão
como relacionada ao corpo, não se segue daí, necessariamente, a
conclusão de que as identidades de gênero e sexuais sejam tomadas
da mesma forma em qualquer cultura. “Perceber uma diferença física
ou mesmo atribuir a ela uma significação moral e política não é o
mesmo que usá-la para ´explicar´ divisões básicas na população
humana.” (NICHOLSON, 2000, p. 18).

Para exemplificar essa afirmação, a autora lembra que houve


um tempo em que a Bíblia era a “fonte da autoridade” e nela se
buscava a explicação para o relacionamento entre mulheres e
homens e para as diferenças percebidas entre eles. Nesse tempo,
o corpo tinha menos importância. Posteriormente, no entanto, o
corpo ganhou um papel primordial, tornando-se causa e justificativa
das diferenças. É fundamental perceber o deslizamento que então
ocorreu: as características físicas passaram a ser tomadas como a
fonte ou a origem das distinções e não apenas como um sinal, marca
ou manifestação das distinções. Essa mudança tem efeitos sobre as
formas de conceber e de exercitar o poder entre homens e mulheres.
Vale notar que tal compreensão sobre a importância dos corpos,
embora abalada pelas surpreendentes tecnologias e teorizações pós-
modernas, mantém-se fortemente arraigada. O alerta de Nicholson

87
io
ár dirige-se exatamente para o hábito de se tomar as noções ocidentais e
m
Su

contemporâneas como noções generalizáveis para qualquer tempo e


lugar e sobre elas assentar teorias com pretensões universais.

Outra perturbação que esse artigo introduz, intimamente


articulada ao que venho expondo, refere-se ao fato de que, conforme
Nicholson, as feministas da segunda fase, embora tenham procurado
se afastar do determinismo biológico (a corrente que supõe que
nossas vidas são determinadas pelas características de nossos
corpos) e tenham se aproximado, em diferentes graus, da idéia de uma
construção social dos sujeitos, mantiveram a perspectiva de que a
construção social se faz sobre ou a partir de um corpo. Linda Nicholson
rotula essa posição de “fundacionalismo biológico”, na qual “dados da
biologia” permanecem como uma espécie fundamento para o social;
assume-se, neste caso, que haveria algumas “constantes da natureza”
que seriam responsáveis por certas “constantes sociais”. Para ela, esta
posição cria obstáculos para uma melhor compreensão das diferenças
entre as mulheres, entre os homens e, o que é mais instigante, entre
quem pode ser considerado homem ou mulher.

Problematizar a noção de que a construção social se faz sobre


um corpo significa colocar em questão a existência de um corpo a
priori, quer dizer, um corpo que existiria antes ou fora da cultura. A
identificação ou a nomeação de um corpo (feita no momento do
nascimento, ou mesmo antes, através de técnicas prospectivas) se
dá, certamente, no contexto de uma cultura, por meio das linguagens
que esta cultura dispõe e, deve-se supor, atravessada pelos valores
que tal cultura adota. Neste sentido, seria possível entender, como
fazem algumas vertentes feministas, que a nomeação do gênero não é,
simplesmente, a descrição de um corpo, mas aquilo que efetivamente
faz existir este corpo – em outras palavras, o corpo só se tornaria
inteligível no âmbito da cultura e da linguagem. Vale registrar que esse
entendimento não é assumido por todas as teóricas/os do campo e

88
io
ár talvez se constitua num dos pontos de fricção entre as várias correntes
m
Su

dos estudos de gênero e de sexualidade.

Voltando a atenção mais diretamente para a sexualidade, fica


ainda mais evidente a diversidade de conceptualizações que aí são
assumidas. A ancoragem da sexualidade na biologia costuma ser
mais resistente do que ocorre em relação ao gênero. A aceitação
da existência de uma matriz biológica, de algum atributo ou impulso
comum como se constituindo na origem da sexualidade humana
persiste em algumas teorias. Quando isso ocorre, opera-se com uma
noção universal e trans-histórica da sexualidade e, muitas vezes,
remete-se ao determinismo biológico. O construcionismo social, já
mencionado, contrapõe- se a esta ótica. Melhor seria dizer, no plural,
que as perspectivas construcionistas opõem-se às perspectivas
essencialistas e deterministas, uma vez que, como foi salientado, há
um leque de compreensões distintas sobre o que vem a ser ou como
se dá essa construção social.

De qualquer modo, ainda que uma diversidade de entendimentos


e conceituações possa ser adotada, aparentemente, a maioria das
estudiosas e estudiosos considera que a sexualidade supõe ou
implica mais do que corpos, que nela estão envolvidos fantasias,
valores, linguagens, rituais, comportamentos,’|representações
mobilizados ou postos em ação para expressar desejos e prazeres.
Muitos/as daqueles/as que se dedicam a pesquisar este campo
fazem referência aos estudos de Michel Foucault, em especial à
sua obra História da sexualidade. Tal referência implica assumir, nas
palavras do filósofo, que “a sexualidade é o nome que se pode dar
a um dispositivo histórico” e que “[...] não se deve concebe-la como
uma espécie de dado da natureza que o poder é tentado a pôr em
xeque, ou como um domínio obscuro que o saber tentaria, pouco a
pouco desvelar.” (FOUCAULT, 1988, p. 100). Se formos buscar um

89
io
ár entendimento mais preciso sobre o sentido e a função metodológica
m
Su

do termo dispositivo, ouviríamos Foucault dizer:


Através deste termo tento demarcar [...] um conjunto
decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,
organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições
filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são
os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode
estabelecer entre estes elementos. (FOUCAULT, 1979, p. 244).

Ele supõe que entre esses elementos exista “um tipo de jogo, ou
seja, mudanças de posição, modificações de funções”. Para Foucault,
o dispositivo pode ser visto “como um tipo de formação que, em um
determinado momento histórico, teve como função principal responder
a uma urgência”. Tais indicações nos fazem reafirmar, portanto, que, tal
como ocorre com o gênero, haveria de se compreender a sexualidade
como um constructo histórico, como sendo produzida na cultura,
cambiante, carregada da possibilidade de instabilidade, multiplicidade
e provisoriedade.

A argumentação que coloca os gêneros e as sexualidades no


âmbito da cultura e da história, leva a compreendê-los implicados com
o poder. Não apenas como campos nos quais o poder se reflete ou
se reproduz, mas campos nos quais o poder se exercita, por onde
poder passa e onde o poder se faz. Neste caso, mais uma vez será
possível perceber, entre nós, distinções nas formas de compreender
as dinâmicas do poder. Contudo, a manter-se a referência a Foucault,
teremos de admitir que o poder não pode ser tomado como uma matriz
geral, uma oposição binária global entre dominantes e dominados e
sim que ele se exercita a partir de muitos pontos e em várias direções.

Essas referências teóricas permitem encaminhar alguns


comentários de ordem metodológica. Antes, parece importante lembrar
que os campos de estudo em que nos movimentamos (quer sejam

90
io
ár denominados como estudos feministas, estudos de gênero, estudos
m
gays e lésbicos, estudos da sexualidade ou teoria queer) podem ser,
Su

todos, considerados campos teóricos e políticos. Essa característica


empresta-lhes algumas peculiaridades, algumas potencialidades
e, talvez, também alguns problemas. Estreitamente vinculados aos
movimentos sociais, esses campos têm promovido novas políticas
de conhecimento, novas articulações entre sujeitos e objetos de
conhecimento. Isso significa que implicam o privilegiamento de um
modo de conhecer, o que envolve, por sua vez, decisões sobre o que
conhecer, e como, porque ou para que conhecer.

Não são apenas novos temas ou novas questões que têm


sido levantadas por esses campos. É muito mais do que isso.
Já há algumas décadas, grupos organizados e intelectuais vêm
provocando importantes transformações que dizem respeito a
quem está autorizado a conhecer, ao que pode ser conhecido e às
formas de se chegar ao conhecimento. Novas questões vêm sendo
colocadas a partir das experiências e das histórias dos grupos
considerados “minoritários”; áreas e temáticas vistas, até alguns anos
atrás, como pouco “dignas” ocupam agora o espaço e o tempo da
academia e passam a ser objeto de centros universitários e núcleos
de pesquisa. Sobre o mundo do privado e do doméstico; sobre
as muitas formas de viver o feminino e o masculino, a família, as
relações amorosas, a maternidade e a paternidade; sobre o erotismo
e o prazer, sobre a pornografia e as “perversões” fazem-se teses,
escrevem-se livros, realizam-se seminários e cursos. Mobilizam-se,
freqüentemente, outras estratégias e métodos de estudo e análise,
reinventam-se técnicas de investigação, valorizam-se “fontes” até
então desprezadas. Tenho argumentado que as transformações
trazidas por esses campos provavelmente ultrapassam o terreno
dos gêneros e da sexualidade e podem nos levar a pensar, de um
modo renovado, a cultura, as instituições, o poder, as formas de
aprender e de estar no mundo (LOURO, 2004b). Essa potencialidade

91
io
ár é acompanhada, também, por alguns riscos. Um deles, que se
m
Su

coloca de forma especial para nós, pesquisadores/as e intelectuais,


é a sutil distinção entre disposição política e militância. Nossos textos
acadêmicos certamente apontarão para nossos propósitos políticos
mas precisariam evitar o tom panfletário ou a exaltação à luta. Um
equilíbrio difícil, delicado, mas necessário.

Acredito que já sinalizei para a impossibilidade de discorrer aqui


sobre estratégias, procedimentos, táticas ou técnicas de investigação
que sejam igualmente adequadas, pertinentes ou legítimas para o
conjunto de estudiosos e pesquisadoras deste GT. Se nossos enfoques
teóricos têm distinções então, obviamente, o mesmo acontecerá com
as metodologias que colocamos em ação.

Além disso, vale a pena ressaltar o quanto o campo da educação


tem se comunicado com outros campos disciplinares, tais como a
psicologia, a antropologia, os estudos culturais, a comunicação, a
literatura, a história, a sociologia, os estudos de cinema e muitos outros.
Cada vez mais acontece o borramento das fronteiras entre os campos
de estudo, o que praticamente inviabiliza ou torna sem sentido os rótulos
que tradicionalmente se constituíam numa imposição (e, de certa
forma, uma limitação) para as pesquisas. Não me parece adequado
supor, portanto, um único modo de conhecer “científico” que deva ser
buscado por todos. Aproveito para expressar aqui minha desconfiança
nos cursos de metodologia “geral” aos quais, obrigatoriamente, todos
estudantes de pós-graduação devem seguir, sejam quais forem
suas escolhas teóricas ou temáticas. O modo como pesquisamos e,
portanto, o modo como conhecemos e também como escrevemos é
marcado por nossas escolhas teóricas e por nossas escolhas políticas
e afetivas. É, certamente, afetado por nossa história pessoal, pelas
posições-de-sujeito que ocupamos, pelas oportunidades e encontros
que tivemos e temos. O modo como conhecemos é, por tudo isso,

92
io
ár incontrolável, volátil. Mas essa constatação não significa que não
m
possamos refletir sobre este processo.
Su

Para a discussão que pretendo desenvolver aqui, parece


pertinente destacar a íntima articulação teoria-metodologia. Antes de
me envolver num debate sobre eventuais vantagens dos métodos
qualitativos sobre quantitativos, a eficiência da técnica de observação
participante ou de grupos focais, das entrevistas estruturadas ou
de histórias de vida, dos depoimentos temáticos ou das análises
de texto e visual, a produtividade da etnografia ou dos estudos de
recepção, prefiro enfatizar que a eleição de um determinado caminho
metodológico está comprometida com as formulações teóricas
que se adota. Ainda que, muitas vezes, nas teses, dissertações ou
relatórios de pesquisa, as referências a prestigiadas e inovadoras
teorias contemporâneas se justaponham a modelos convencionais
de investigação e se faça um uso frouxo de enunciados e conceitos, é
indispensável notar que tal descompasso e inconsistência fragilizam
(e muito) a pesquisa e o texto.

Na perspectiva pós-estruturalista, que é a que privilegio, atribui-


se especial atenção à linguagem. Supõe-se que a linguagem que
se usa não apenas reflete o modo pelo qual se conhece, mas que
ela faz mais do que isso, que ela institui um jeito de conhecer. Em
outra oportunidade (Louro, 2004), já comentei que, ao apresentarmos
nossas idéias como “fatos”, nós nos colocamos na posição de quem
sabe o que está afirmando e, de algum modo, oferecemos a quem lê a
possibilidade de discordar ou concordar com o que estamos dizendo.
Distintamente, quando carregamos nossos textos de questões,
provocamos um deslizamento na fonte de autoridade e instigamos ou
convidamos o/a leitor/a a formular respostas às indagações feitas. O
“tom” de um texto pode encerrar uma discussão ou, em vez disso,
provocar polêmica ou dissenso. Qual dessas formas deveria ser
considerada a mais “científica”? Não sei, mas estou convencida de

93
io
ár que os textos que escrevemos são constituintes do nosso processo
m
Su

de conhecer e de dar a conhecer. Conseqüentemente, o modo como


escrevemos tem tudo a ver com nossas escolhas teóricas e políticas.

Minhas escolhas têm me levado a desconfiar das certezas


definitivas. Venho aprendendo a operar com o transitório, o mutante,
e também com o local e o particular. Essa posição sugere uma certa
modéstia e implica praticar, freqüentemente, o auto- questionamento.
É preciso abandonar a pretensão de dominar um assunto ou uma
questão ou de trazer “a grande resposta” para um problema. Admitir
a incerteza e a dúvida supõe poucas (raras) afirmativas categóricas
ou indiscutíveis e o uso freqüente de formulações mais abertas. Para
muitos, um texto com tais características pode parecer incompleto,
inconcluso. No entanto, pode-se pensar que esse estilo de escrita
também é capaz de sugerir transposições e expansões, talvez mais
do que outros. O/a leitor/a é “chamado/a” mais fortemente a intervir
ou a tomar posição, e a leitura pode se transformar (quem sabe?) num
processo ainda mais provocativo e instigante.

Empreender tal escolha teórica implica lidar com contradições,


sim, mas implica deixar de lado a lógica da dialética, que supõe a síntese
e a superação da contradição. Nesta perspectiva, buscamos superar
o raciocínio do tipo ou isso ou aquilo e ensaiamos a produtividade de
pensar que algo pode ser, ao mesmo tempo, isso e aquilo. Coerente
com a crítica à lógica dos binarismos, apostamos na possibilidade
de questionar as oposições consagradas, entre elas homem/mulher,
masculino/feminino, heterossexual/homossexual.

Ao assumir uma perspectiva teórica pós-estruturalista,


parecerá pouco adequado, então, lançar mão de ou construir tabelas
de categorias fixas, colunas e quadros classificatórios, escalas e
matrizes. Se um autor ou autora que assim se qualifica insistir em
utilizar tais recursos penso que deveria, necessariamente, “perturbar”
essas tabelas ou colunas em suas análises, embaralhando, de

94
io
ár algum modo, as linhas ou os enquadramentos. Mais ou menos na
m
Su

mesma direção me parece razoável questionar a delimitação de


fases, seqüências lineares de períodos ou de etapas progressivas.
Identidades de gênero e sexuais, quando conceituadas na ótica
dos estudos culturais ou na perspectiva pós-estruturalista, admitem
e supõem deslizamentos e, dificilmente, podem se “encaixar” com
exclusividade num único registro.

Nos campos do gênero e da sexualidade em que nos


movimentamos, poder e diferença são questões recorrentes. Os
processos de constituição de uma prática sexual como normal (e,
então, como a prática a ser compulsoriamente adotada por todos) e de
outras práticas como desviantes ou anormais, se dá, como sabemos,
em meio e por meio de jogos de poder. Para compreender como se
constituem identidades e práticas sexuais e de gênero bem como para
perceber a “força” e eficiência de pedagogias culturais provavelmente
será mais adequado pensar o poder como disseminado, multifacetado
e produtivo, em vez de lidar com uma noção de poder centralizado,
unidirecional ou meramente repressivo. Foucault comentou, certa vez,
que o que tentava fazer, num nível empírico, era “tomar as coisas pelo
meio”. Não se perguntar “[...] de onde vem o poder, para onde ele
vai?, mas ´Por onde ele passa e como isso se passa, quais são todas
as relações de poder, de que modo se podem descrever algumas
das principais relações de poder exercidas em nossa sociedade?´”
(FOUCAULT, 2004, p. 73). Não me parece que se trate, aqui, de eleger
aquela técnica ou procedimento decisivo capaz de determinar a
origem do poder e, conseqüentemente, capaz de indicar as formas
de combate-lo; antes se trata mais de uma espécie de disposição
investigativa que seria a disposição de voltar o olhar para os processos
minuciosos, percorrer com olhar atento os caminhos e as nuances
do exercício do poder, observar por onde ele se infiltra e se disfarça,
prestar atenção aos detalhes, às “ninharias”, “o grão do poder”, ser
meticuloso, como diz François Ewald. Trata-se de “abandonar a visão

95
io
ár macroscópica em favor das abordagens microscópicas” (EWALD,
m
Su

1993, p.27). A dinâmica de poder entre os gêneros e a sexualidade


é, muitas e muitas vezes, plena de sutilezas, insinuante, exercida com
discrição, quase imperceptível.

Uma pesquisa que queira dar conta dessa dinâmica e,


portanto, que se volte para uma abordagem das minúcias vai supor
um texto ou uma escrita onde a descrição ganha realce. Observar
e descrever, com tantos detalhes quanto fosse possível, os jogos
através dos quais se instituem as referências de normalidade e de
diferença, de sujeitos normais e de sujeitos “diferentes” colocam-se
como os procedimentos fundamentais. Imediatamente, haveria que
tentar demonstrar, pela análise e pela desconstrução, como nessas
instâncias poder e resistência se exercitam, como as dicotomias e
oposições são fabricadas.

Não me atrevo a ir adiante, sugerindo as questões mais


relevantes, o desenho da investigação mais produtivo, as estratégias
pertinentes. Espero ter sido capaz de evitar, ao longo desta fala, o
tom prescritivo tão recorrente entre nós, educadoras/es; é provável,
contudo, que ele tenha se insinuado, aqui ou ali. Espero, ao menos,
escapar das conclusões iluministas, que elucidam as dúvidas e indicam
os caminhos a seguir. Se as idéias que trouxe aqui contribuírem para
estimular nossas discussões e aprofundar nosso debate, esta fala terá
realizado seu propósito.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
EWALD, François. Foucault. A norma e o direito. Trad. Fernando Cascais.
Lisboa: Vega, 1993.
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Trad. Roberto Machado. 11a Ed.
Rio de Janeiro: Graal, 1979.

96
io
ár FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade. A vontade de saber.Trad. M.
m
Thereza Albuquerque e J. A. Guilhon Albuquerquer. 11a Ed. Rio de Janeiro:
Su

Graal, 1988.
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos. Vol. V. Ética, sexualidade, política. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2004.
HARAWAY, Donna. Ciencia, cyborgs y mujeres. La reinvención de la
natureleza. Manuel Talens. Valencia: Madrid: Ediciones Catedra, 1995.
LARRAURI, Maite. La sexualidad según Michel Foucault. Valencia.
Tandem, 2000.
LOURO, Guacira. “Conhecer, pesquisar escrever”. In Texto apresentado na
V ANPEd Sul, Curitiba, 2004.
LOURO, Guacira. “Os estudos feministas, os estudos gays e lésbicos e a
teoria queer como políticas de conhecimento”. In: LOPES, Denílson Lopes et
al. (Orgs.). Imagem e diversidade sexual. Estudos de Homocultura. Brasília:
Nojosa, 2004.
NICHOLSON, Linda. Interpretando o gênero. Estudos Feministas, v. 8, n. 2, p.
9-42, jul./ago., 2000.

97
4
Capítulo 4

TRAJETÓRIAS TEÓRICO-
METODOLÓGICAS EM 10 ANOS
DE PRODUÇÃO DO GT 23 DA
ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE
PÓS-GRADUAÇÃO E Cláudia
PESQUISAMaria Ribeiro
Constantina Xavier Filha
EM EDUCAÇÃO – ANPED1
TRAJETÓRIASCláudia Maria Ribeiro
TEÓRICO-METODOLÓGICAS
Constantina Xavier Filha

EM 10 ANOS DE PRODUÇÃO
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.98-130

DO GT 23 DA ASSOCIAÇÃO
NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO
E PESQUISA EM EDUCAÇÃO
– ANPED1
1 A versão original deste texto foi publicada na Revista Periódicus (UFBA), e esta versão
é publicada neste livro com anuência da Comissão Editorial do referido periódico. Uma
versão preliminar também foi apresentada como trabalho encomendado no GT23, em
1 A2013.
versão original deste
Referência texto
original: foi publicada
RIBEIRO, CláudianaM.;
Revista
XAVIERPeriódicus (UFBA), e esta
FILHA, Constantina. versão
Trajetórias
é publicada neste livroem
teórico-metodológicas com 10 anuência da Comissão
anos de produção do GTEditorial do referidoNacional
23 da Associação periódico.de Uma
Pós-
versão preliminar
Graduação também
e Pesquisa foi apresentada
em Educação como
– ANPEd. trabalho
Revista encomendado
Periódicus, nop.GT23,
v. 1, n. 2, em
167–185.
2013. Referência
Disponível original: RIBEIRO, Cláudia M.; XAVIER FILHA, Constantina. Trajetórias
em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/12886
teórico-metodológicas em 10 anos de produção do GT 23 da Associação Nacional de Pós-
Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd. Revista Periódicus, v. 1, n. 2, p. 167–185.
Disponível em: https://periodicos.ufba.br/index.php/revistaperiodicus/article/view/12886
io
ár INÍCIO DE NOSSAS TRAJETÓRIAS...
m
Su

Como se fora brincadeira de roda, memória. Jogo do trabalho


na dança das mãos, macias. O suor dos corpos na canção
da vida, história. O suor da vida no calor de irmãos, magia.

Gonzaguinha

10 anos! Quanta história! Quanta memória! Quantas pessoas


deram-se as mãos, de diferentes maneiras, suando seus corpos para
implantar e implementar o Grupo de Trabalho (GT) 23. A memória
remete ao ano de 2003, durante a 26ª Reunião Anual (RA) da
ANPEd, realizada em Poços de Caldas – MG, em que um grupo de
pesquisadoras/es, docentes e estudantes, mobilizou-se para propor
à Associação a criação de um Grupo de Estudos que se voltasse
para as temáticas de gênero e sexualidade em sua articulação com a
educação. Muito suor para que – de GT em GT – nas distâncias dos
hotéis naquela cidade, conseguíssemos a adesão de 500 assinaturas.
A proposta foi encaminhada à Assembleia Geral daquela RA e
aprovada. Criava-se, assim, o Grupo de Estudos (GE) 23 Gênero,
Sexualidade e Educação. A rede de estudiosas/os e pesquisadores/
as que, há vários anos, ensaiava contatos no âmbito da ANPEd
conquistava um espaço privilegiado.

Os muitos grupos e núcleos de pesquisa ligados aos estudos


de gênero, de sexualidade e de educação para a sexualidade,
existentes nas instituições de educação superior e nos programas
de pós-graduação do país, dispersos e distantes uns dos outros,
passavam a ter o GE 23 como um ponto de referência; aqueles
pesquisadoras/es e estudantes que, muitas vezes isoladamente,
desenvolviam investigações ou práticas pedagógicas focadas
nessas temáticas eram estimulados/as a buscar na ANPEd,
parceiras/os para o diálogo e para o debate teórico. Espaço

99
io
ár legitimado no interior da mais importante associação brasileira de
m
Su

educação, para constituir uma rede que ampliasse as possibilidades


para as visibilidades e para o fortalecimento do campo marcando
uma consolidação acadêmica e política.

A pluralidade teórico-metodológica e a constante autocrítica


que têm acompanhado a produção de conhecimento nos estudos de
gênero e sexualidade foram ressaltadas por colegas que abriam as
discussões do GE e logo se mostrariam evidentes nas exposições e
debates. Aqui contemplou-se extratos do texto veiculado na página
da internet2 apresentado à Assembleia Geral da ANPEd com a
proposição de transformação de GE em Grupo de Trabalho, no ano
de 2005. As partes do referido texto são retomadas pela sua força
histórica ressaltando a importância da constituição do espaço Gênero,
Sexualidade e Educação na ANPEd.

Nesses 10 anos de existência do GT 23 foram inventadas


modalidades de relações, formas de troca entre as pessoas, tanto
integrantes do GT quanto em sua relação com a Associação, para
potencializar a canção da vida e o calor de irmãos/ãs que traduzimos
como as possibilidades da tessitura de outro tecido relacional,
navegando entre as capturas, as relações de poder e a força criativa
da amizade:
A amizade [...] é a afirmação de existências livres. Os amigos
vivem pelas suas diferenças. Não são espelhos para os outros,
identidade coletiva ou ideal, fusão numa unidade superior.
Os amigos livres são seus principais inimigos, não deixam as
coisas sossegadas, como se houvesse um patamar acima a ser
atingido onde residem o equilíbrio, a doçura e as delicadezas
obrigatórias. (PASSETTI, Edson, 2003, p. 12)

O autor fala da amizade em Michel Foucault e o quanto ela está


inundada de conflitos, experimentações, reflexões, trabalhos, suores,

2 Texto completo disponível em www.ded.ufla.br/gt23 e www.anped.org.br (GT 23).

100
io
ár danças, diferenças que inquietam e que potencializam a liberdade
m
Su

necessária para transitar nas relações de poder; para a construção


de outro tecido relacional que fortaleça as pessoas para os embates
cotidianos – políticos, éticos, sociais. Nessa tessitura, nesses 10
anos, quanto conhecimento produzido, apresentado e veiculado nas
Reuniões Anuais da Associação. Quanta possibilidade de interferir em
processos educativos de formação inicial e continuada de educadores
e educadoras a partir dos estudos do material produzido, quantas
possibilidades de novas proposições de estudos, provocações,
problematizações e desejo de navegarmos por mares revoltos e
instáveis do conhecimento.

OS 10 ANOS DE PRODUÇÃO
TEÓRICO-METODOLÓGICA

Este texto tem por objetivo mapear e esboçar uma análise dos
trabalhos (apresentação oral e pôster) apresentados3 no decorrer
dos anos da 27ª. à 36ª. RA (de 2004 a 2013). Fez-se o download de
todos os trabalhos e pôsteres dos 10 anos contemplando o seguinte
procedimento: separou-se cada reunião em uma pasta de arquivo no
computador; efetuou-se a leitura individual e completa de cada trabalho
e pôster com vistas a mapear os autores e as autoras, as instituições
e região de origem, a temática dos trabalhos, o referencial teórico e
se havia financiamento ou não. Produziram-se tabelas, por Reunião
Anual (RA), fazendo-se, também, uma síntese de cada trabalho e
pôster anotando os aspectos significativos tanto para a construção de
uma tabela final quanto para problematizações em torno das temáticas

3 Analisamos os trabalhos dispostos em cada uma das Reuniões Anuais no site da ANPEd,
dentre eles os excedentes que, no caso, não foram apresentados mas aprovados e
publicados nos Anais e site da ANPEd.

101
io
ár e referenciais teóricos abordados. Abaixo a tabela 1 com os dados
m
Su

gerais de todos os trabalhos analisados.

Tabela 1 – Trabalhos e Pôsteres do GT 23 (10 anos).

ANO GE/GT REUNIÃO LOCAL TRABALHO APROVADO/


APRESENTADO
Trabalho- Pôster
Apresentação Oral
2004 GE 27ª Caxambu/MG 13 05
2005 GE 28ª Caxambu/MG 13 08
2006 GT 29ª Caxambu/MG 12 04
2007 GT 30ª Caxambu/MG 16 01
2008 GT 31ª Caxambu/MG 11 03
2009 GT 32ª Caxambu/MG 12 02
2010 GT 33ª Caxambu/MG 15 03
2011 GT 34ª Natal/RN 15 00
2012 GT 35ª Porto de 17 03
Galinhas/PE
2013 GT 36ª Goiânia/GO 17 02
TOTAL 141 31
TOTAL GERAL (Trabalho e Pôster) 172

Fonte: Trabalhos apresentados no GT 23 – Site da ANPEd

Observamos que há uma regularidade de trabalhos


apresentados no GT 23, inclusive com a seleção de trabalhos
como excedentes, revelando com isso a consolidação do grupo
ao longo dos seus dez anos de existência com a apresentação e
discussão de estudos e pesquisas relevantes e que incitam a novos
estudos. Outro aspecto analisado refere-se a região de origem dos
trabalhos apresentados. Essa organização foi feita dividida em
dois períodos, a primeira (Tabela 2) dos primeiros cinco anos de

102
io
ár trabalhos apresentados no GT e a segunda (Tabela 3) com os dos
m
Su

últimos cinco anos.

Tabela 2 - Região de Origem dos trabalhos/pôsteres


apresentados no GT 23 – 2004-2008.

Região de origem - Trabalhos GT 23 – 2004 a 2008


Região Trabalho Pôster Total
Sudeste 36 18 54
Sul 23 3 26
Nordeste 5 0 5
Centro-Oeste 1 0 1
Norte 0 0 0
Total 65 21 86

Fonte: Trabalhos apresentados no GT 23 - Site da ANPEd.

Tabela 3 – Região de Origem dos trabalhos/pôsteres


apresentados no GT 23 – 2009-2013.

Região – Trabalhos GT 23 – 2008 a 2013


Região Trabalho Pôster Total
Sudeste 30 6 36
Sul 32 1 33
Centro-Oeste 4 2 6
Norte 3 0 3
Nordeste 3 1 4
Centro-Oeste e Sudeste 1 0 1
Nordeste e Sudeste 1 0 1
Não consta 2 0 2
Total 76 10 86

Fonte: Trabalhos apresentados no GT 23 – Site da ANPEd.

103
io
ár Profissionais da região Sudeste inscreveram e aprovaram a
m
Su

maioria dos trabalhos e pôsteres apresentados ao longo desses


10 anos. Muitos questionamentos poderiam ser feitos em relação
a ausência das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Distância?
Dificuldades de financiamento? Apresentação dos trabalhos nas
reuniões científicas regionais? Quanto ao financiamento4, a partir da
29ª. RA há aumento de trabalhos financiados apresentados.

Passaremos a seguir para a descrição e análise dos trabalhos


e pôsteres apresentados/selecionados no GT 23. Nossa escrita está
dividida em dois blocos; no primeiro com o detalhamento de cada
uma das cinco primeiras RAs. No segundo, com a discussão sobre os
trabalhos apresentados nos últimos cinco anos do GT 23, buscando
proximidades, distanciamentos, silenciamentos... entre todos os
apresentados/selecionados5.

PRODUÇÕES E SABERES DOS


TRABALHOS NOS PRIMEIROS CINCO
ANOS DE EXISTÊNCIA DO GT 23

27ª. RA – a primeira reunião do Grupo de Estudos 23

Iniciaremos pelos pôsteres. Dos 5 apresentados, 4 remetem


à educação para a sexualidade6 no cotidiano escolar – nenhum

4 Não foi possível obter essa informação de todos os trabalhos devido a inexistência desses
dados no site em algumas RAs.
5 No decorrer de nossas análises, não realizaremos as devidas referências a todos os
inúmeros trabalhos destacados somente os que citamos ao longo do texto.
6 Ver conceito em XAVIER FILHA, Constantina. Educação para a sexualidade, para a equidade
de gênero e para a diversidade sexual. Campo Grande, MS: Editora da UFMS, 2009.

104
io
ár utiliza essa nomenclatura havendo a preferência para a terminologia
m
orientação sexual ou educação sexual. Os trabalhos abordam as
Su

seguintes temáticas: a) a homossexualidade no cotidiano escolar em


relação à discriminação, violência e resistências; b) orientação sexual
na escola e os limites e possibilidades da efetivação de um projeto
com crianças de 4ª série do Ensino Fundamental; c) proposta de ação
resultante da análise sócio-educativa com jovens na temática da saúde
reprodutiva; d) significados de gênero para meninos e meninas de 4ª
série do Ensino Fundamental. O outro tema refere-se a pesquisa de
como as mulheres deixam suas marcas nos bordados. Apenas um
trabalho informa que teve financiamento e é decorrente das análises
do material empírico da pesquisa de campo realizada no mestrado,
em continuidade no doutorado. As metodologias consistem nas
observações de campo, entrevistas semiestruturadas e etnografias.
As pesquisas apresentadas revelam seu caráter de intervenção
no cotidiano escolar considerando a produção de conhecimento
comprometido com as políticas educacionais e as possibilidades de
transformação.

Os trabalhos, em número de 13, veiculam a diversidade dos


temas possíveis tanto para as sexualidades quanto para as relações
de gênero e, muitas vezes, entrelaçam-se: 1) práticas discursivas que
produzem a identidade de profissionais da educação em uma série de
vídeos educativos do Ministério da Saúde – DST/AIDs; 2) a produção e
reprodução da homossexualidade no ambiente escolar; 3) sexualidade
adolescente; 4) análise de filmes dos estúdios Disney; 5) seleção de
passagens da Bíblia para ilustrar a permanência do discurso bíblico
no inconsciente coletivo das mulheres professoras; 6) fracasso e
sucesso escolar de meninos e meninas nas séries iniciais; 7) relações
de gênero no Ensino Fundamental; 8) análise de revistas nacionais
do segmento editorial com a temática da infância; 9) experiências
masculinas na carreira administrativa no Estado de São Paulo (1950-
1980); 10) representações de gênero entre sindicalistas; 11) gênero

105
io
ár e futebol feminino; 12) proposta de ação socioeducativa na temática
m
Su

da gravidez na adolescência; 13) interações de mulheres educadoras


com imagens cinematográficas. Para o acesso ao material empírico,
os instrumentos de pesquisa foram: observação, textos produzidos
no âmbito da pesquisa, análise de proposta de ação, entrevistas,
questionários, seleção de artigos de revistas, de filmes, de trechos da
Bíblia e diários de campo.

A maioria dos textos circunscrevem as problematizações no


referencial teórico de Michel Foucault, Joan Scott, Guacira Lopes
Louro, Judith Butler, Nikolas Rose, Robert Connell e Stuart Hall. Alguns
trabalhos assumem a perspectiva pós-estruturalista de análise, os
Estudos Culturais e Estudos de Gênero. Há esse anúncio generalizante
e algumas aproximações entre os trabalhos são possíveis, outras
não. A tônica das análises recai no olhar para os corpus analíticos
como textos que constroem verdades e para as diferentes posições
de sujeitos que apresentam seus enunciados. Poderíamos pensar
com Foucault que os trabalhos apresentados possibilitam “[...] criar
uma história dos diferentes modos pelos quais, em nossa cultura, os
seres humanos tornam-se sujeitos.” (FOUCAULT In RABINOW, Paul;
DREYFUS, Hubert, 1995, p. 231).

Outros conceitos deste autor transitam pelos trabalhos, a


saber: população, biopoder, dispositivos de saber/poder, técnicas de
normalização, disciplina. Há, portanto, citações deste autor, e muitos
outros referenciais emergem e, alguns, na tentativa de interlocução,
tais como Alberto Melucci, Pierre Bourdieu, dentre outros, nem sempre
bem sucedidas, pois são sutilezas teóricas que diferenciam as
concepções – algumas vezes apresentadas como semelhantes. Um
único trabalho refere-se a Judith Butler que, baseando-se na Teoria dos
Atos Performativos de John Austin, elabora essa teoria para Gênero e
Sexualidade. Também, pela primeira vez, cita-se o autor acques Derrida,
que deu origem ao conceito de citacionalidade na obra de Butler. Em

106
io
ár outro trabalho há parágrafos inteiros sobre a performatividade e não
m
Su

remete à autoria do conceito. Outro aspecto que discutimos, pois


nossa proposta para a escrita deste texto é levantar questionamentos
que consideramos interessantes para problematizações e não realizar
classificações, foi o fato de que trabalhos advindos de uma mesma
instituição trazem contribuições teóricas específicas como os estudos
de gênero a partir da perspectiva de Robert Connell ou mesmo um
levantamento de pesquisas sobre Educação e Relações de Gênero
em obras latino americanas – inclusive brasileiras – e francesas. Devido
a especificidade de trabalhos resultantes de processos históricos,
outras pesquisas da mesma natureza foram também apresentadas, o
que ampliou sobremaneira a discussão deste capítulo. A maioria dos
trabalhos remete às contribuições para a Educação contemplando
problematizações que atravessam os processos educativos na Escola.

28ª. RA – cumprindo o “estágio probatório”


para transformação em GT

Esta foi a RA na qual mais pôsteres foram apresentados –


em número de 8 –, durante todos os dez anos. Nesse movimento
que imprimimos ao texto: perguntas geradoras de perguntas e
não com o intuito das classificações, seguimos nossa viagem
pelas produções: 2 trabalhos financiados e um deles decorrente
de verba para projetos de extensão, o que anuncia a possibilidade
de articulação com a pesquisa. Os temas foram diversos, a saber:
1) práticas cotidianas articuladas ao bordado; 2) violência sexual
contra crianças e adolescentes; 3) gênero, raça e etnia na formação
docente; 4) desempenho das mulheres no indicador nacional de
alfabetismo funcional; 5) práticas de gênero e sexualidade nas
concepções de alunas/os do Ensino Médio; 6) aids na infância; 7)
gênero na prática pedagógica da Educação Infantil; 8) sexualidade,
infância e adolescência.

107
io
ár Os trabalhos foram em número de 13 e são decorrentes de
m
estudos etnográficos, entrevistas semiestruturadas, observações,
Su

fonte documental, depoimentos, registros iconográficos, buscas


em páginas brasileiras na internet, grupos de discussão, grupos
focais, questionários – para navegar entre diferentes temas: 1)
apropriação de personagens de novelas por adolescentes de
camadas populares; 2) monstruosidades no currículo da Educação
Sexual; 3) apropriação de novas tecnologias por docentes; 4)
como a educação sexual é transmitida na escola; 5) desempenho
escolar e gênero; 6) sexualidade e jovens do MST; 7) educação
sexual no Brasil nos documentos da Inquisição (séculos XVI e XVII);
8) brinquedos e gênero; 9) construção da personagem Lara Croft;
10) aids na escola; 11) gênero e o uso dos tempos na escola; 12)
sexualidades de pessoas deficientes; 13) gravidez na adolescência.
Tantos temas, tantas possibilidades para problematizações, mas
desta RA gostaríamos de pensar as possibilidades de interação
da produção nos GTs e a formação de educadores e educadoras,
tanto inicial quanto continuada. Pela facilidade de acesso à internet,
nesses processos de formação, indica-se a leitura para discussão.
Essa seria uma interessante investigação: onde, como e quando
os textos aprovados no GT 23 são discutidos em outros espaços?
Especialmente o texto de Jimena Furlani (2005), intitulado Sexos,
sexualidades e gêneros – monstruosidades no currículo da Educação
Sexual, tem mobilizado educadoras e educadores a refletirem a
partir desse fenômeno metafórico cultural: “os monstros” (COHEN,
Jeffrey, 2000) – que fascinam e apavoram. Tem como referência a
desconstrução (DERRIDA, Jacques, 2001) como método analítico
questionando a linguagem utilizada numa coleção de livros
paradidáticos. O texto navega pela problematização dos binarismos,
das certezas, do caráter construído das identidades culturais e da
educação sexual marcada pela polêmica, pela provisoriedade e
pela normatização. Que aproximações poderiam ser feitas deste

108
io
ár texto e de outros apresentados nesta RA? Fundamentalmente
m
Su

porque a maioria deles remetem ou efetivam suas pesquisas no


chão da escola e deparam com os medos e os fascínios em relação
a Educação para a Sexualidade e os entraves para a implantação
nas escolas de quaisquer níveis.

Assim, essa produção efetiva – complexa e profícua – embasou


a proposição da passagem do Grupo de Estudos (GE) Gênero,
Sexualidade e Educação para Grupo de Trabalho (GT) na ANPEd. E
não só reportando-nos aos trabalhos e pôsteres, mas nesse movimento
de consolidação acadêmica e política desse campo, reportando-nos
também aos trabalhos encomendados, as participações nas Sessões
Especiais, as Sessões Conversa, o trabalho do grupo de consultores
e consultoras ad hoc, a representação do GE no Comitê Científico,
o número representativo de diferentes instituições de ensino superior
do país e a participação de membros do GE em reuniões científicas
nacionais e internacionais.

29ª. RA – primeiro ano de produção


após alçar a condição de GT

O número de pôsteres apresentados reduziu-se à metade. Alguns


questionamentos: tempo de existência do GT para que as pessoas
se organizassem para as suas produções de trabalhos completos?
Valorização e visibilidade das exposições orais7? Decidiu-se, a partir
desta RA, que a apresentação do pôster seria feita também no espaço do
GT e os temas foram os seguintes: 1) as mulheres e o futebol no cotidiano
escolar; 2) alfabetização e as questões de gênero; 3) representações
sociais de educadores/as do Ensino Fundamental sobre sexualidade e
4) representações de homens e mulheres acerca da maternidade.

7 Os trabalhos orais somaram 76 e os pôsteres, dez.

109
io
ár Os trabalhos foram em número de 12 e versaram sobre os
m
Su

seguintes temas: 1) grupos gays, educação e a constituição do sujeito


homossexual; 2) (des)construção de corpos “deficientes”; 3) testes da
imprensa feminina das décadas de 50 a 70 do século XX; 4) gênero e
risco da HIV/Aids nas campanhas de educação em saúde; 5) juventude e
pedagogias amorosas/sexuais; 6) gênero, educação e educação física
na produção teórica brasileira; 7) violência sexual contra crianças e
adolescentes; 8) a escrita que aparece nos bordados; 9) representações
de gênero nos livros didáticos de matemática; 10) cinema, relações de
gênero e mulheres idosas; 11) a homossexualidade no espaço escolar;
12) infâncias, adolescências e aids. Temas diversos evidenciando a
amplitude de possibilidades para problematizar as relações de gênero
e sexualidade. Qualquer fio que se puxasse de qualquer um desses
trabalhos subsidiaria muitas discussões. Nossa opção foi focar a (des)
construção dos corpos “deficientes” (CAMPOS, Miriam, 2006). Há a
informação de que este trabalho é parte da dissertação de mestrado
da autora que anuncia o tabu de nossa sociedade em relação ao tema
engalfinhado a expressão da sexualidade com rótulos que navegam
entre as fronteiras de pessoas assexuadas a hipersexualizadas – anjos
ou demônios. No decorrer das problematizações, a autora busca as
contribuições de Francisco Ortega (2002) e alguns conceitos, tais
como bioidentidade, autoperitagem, biossociabilidade, retórica do
risco, prática ascética, bio-ascese, são discutidos. Poderíamos puxar
outros fios, de outros trabalhos que abordam temas instigantes tais
como as homossexualidades (FERRARI, Anderson, 2006), mulheres
idosas (FERNANDES, Wânia; SIQUEIRA, Vera, 2006), as análises
de anúncios televisivos de campanhas oficiais de risco de HIV/Aids
(SANTOS, Luis H; OLIVEIRA, Dora, 2006), violência sexual contra
crianças e adolescentes (LIBÓRIO, Renata; CAMARGO, Luciane,
2006), dentre outros.

110
io
ár 30ª. RA: trabalhos aprovados e veiculados
m
Su

para além dos limites do GT

Apenas um pôster, intitulado Abordagem do HPV na escola:


caminhos e questionamentos no terceiro ano do Ensino Médio,
foi apresentado. Consiste em uma pesquisa para avaliar o nível de
conhecimento dos/das adolescentes sobre essa DST. Já em relação
aos trabalhos, esta RA foi a que contemplou, até agora, o maior número
de trabalhos aprovados para apresentação e navegam pelos seguintes
temas: 1) imprensa feminina e discursos de professoras; 2) banheiros
escolares; 3) homossexualidades masculinas no contexto escolar;
4) professores homens na docência com crianças; 5) o jogo e as
estratégias de gênero na alfabetização; 6) trajetória de vida de alunas
egressas de um curso de pedagogia da década de 80; 7) desempenho
escolar de meninos e meninas; 8) a boneca Barbie e a educação de
meninas; 9) produção das mães nas páginas da revista Pais & Filhos;
10) gênero e sexualidade nos PCNs; 11) sexualidade e o currículo de
formação de professores e professoras; 12) obrigação no trabalho
doméstico familiar de jovens estudantes; 13) gênero, sexualidade
e bordado; 14) gênero e envelhecimento; 15) representações de
sexualidade no curso normal noturno; 16) feminização da profissão
docente na Educação Infantil.

Resolvemos puxar o fio dos trabalhos aprovados, apresentados


e que receberam o convite para a participação no livro Tecendo gênero
e diversidade sexual nas redes de proteção (RIBEIRO e SOUZA,
2008). O referido livro integrou o projeto do mesmo nome, aprovado
pela SECAD, hoje SECADI – Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação –
MEC, que objetivou realizar a formação de educadoras e educadores
no sul de Minas Gerais e, para tanto, deveria produzir um livro que seria
estudado com as pessoas integrantes do projeto. Houve, então, uma

111
io
ár tiragem de 5.000 exemplares; os livros foram distribuídos para estudos
m
Su

e discutidos em processos de formação, contemplando metodologias


específicas. Quanto subsídio teórico com a leitura e discussão
dos textos: “O que é Loba??? É um jogo sinistro, só para quem for
homem...” gênero e sexualidade no contexto escolar, de Anderson
Ferrari (2008); Banheiros escolares – promotores de diferenças de
gênero, de Adla Betsaida Martins Teixeira e Ana Elvira S. Silva Raposo
(2008); A sexualidade feminina entre práticas divisoras: da mulher
“bela adormecida” sexualmente à multiorgástica – imprensa feminina e
discursos de professoras, de Constantina Xavier Filha (2008).

O primeiro texto possibilitou as discussões sobre as violências


na escola, marcadas pelo conflito com foco na construção das
homossexualidades masculinas no contexto escolar. O segundo,
ao articular gênero, sexualidade e educação fez brotar inúmeros
questionamentos sobre esse espaço – os banheiros – de “alta
densidade simbólica”. O terceiro, ao veicular a pesquisa sobre os
discursos produzidos em revistas e seus efeitos na constituição da
subjetividade de mulheres brasileiras e portuguesas, possibilitou a
discussão dos seguintes conceitos: a ordem do discurso (FOUCAULT,
2003), prática divisora (FOUCAULT, 2004), urgências históricas,
dispositivo da sexualidade (FOUCAULT, 1997). As imagens da mulher
Bela Adormecida e a da multiorgástica fizeram com que as mulheres
reportassem às suas próprias histórias inserindo-as no contexto sócio-
histórico-cultural macro e falassem sobre a sexualidade da mulher sob
o prisma da anormalidade, frigidez, dificuldade em atingir o êxtase
sexual, sexo e reprodução, performance no sexo, prazer sexual dentro
e fora do casamento, virgindade, menopausa, sensualidade, erotismo,
masturbação, disfunções sexuais, pudores, hipersexualização,
intimidade. Outras autoras também têm os seus textos veiculados na
referida publicação, mas apresentaram seus trabalhos na 28ª. RA:
Relações dialógicas interculturais: brinquedos e gênero, de Mônica Ledo
Silvestri e Flávia de Oliveira Barreto (2008); Construindo a masculinidade

112
io
ár hegemônica: acomodações e resistências a partir da apropriação de
m
Su

personagens de novelas por adolescentes das camadas populares, de


Claudia Regina Santos Ribeiro e Vera Helena Ferraz de Siqueira (2008).

31ª. RA: muitos fios a puxar

Três pôsteres apresentados com temas dos mais instigantes:


a) álbuns de mulheres negras; b) tendas da sexualidade e gênero; c)
posturas de alunas mal comportadas.

Os trabalhos foram em número de 11 e os temas são os


que seguem: 1) organização e distribuição de espaços, objetos e
atividades no cotidiano da Educação Infantil; 2) politização do feminino
e da maternidade nas revistas Pais & Filhos de 1968 a 2004; 3) Gênero
e livros didáticos das décadas de 20 a 50 em MG; 4) formação
docente para a abordagem da sexualidade no ambiente escolar; 5)
os manuais de conduta e a escrita feminina no início do século XX; 6)
questões de gênero e diversidade sexual e o trabalho com literatura
infantil; 7) narrativas de jovens mulheres em diários autobiográficos;
8) sexualidade na escola mediada pela literatura; 9) pedagogia queer;
10) como meninos e meninas em situação de rua vivem suas relações
familiares; 11) linguagem empregada para designar a genitália e
práticas sexuais na cultura brasileira.

Tantos fios a puxar! A escolha recaiu sobre o trabalho que se


debruça sobre o referencial teórico de Bourdieu com o argumento
de que este autor também foi citado algumas vezes nos trabalhos
analisados. O título do trabalho é: Roteiros de gênero: a pedagogia
organizacional e visual gendrada no cotidiano da Educação Infantil, de
autoria de Maria Eulina Pessoa de Carvalho, Eliana Célia Ismael da
Costa e Rosemary Alves de Melo (2008). O primeiro conceito veiculado
é o de habitus (BOURDIEU, 1986, 1977; BORDIEU; PASSERON,

113
io
ár 1975). As autoras entendem que a organização dos espaços, objetos,
m
Su

rotinas e atividades no cotidiano dessas Instituições de Educação


Infantil constituem roteiros prescritivos de habitus e relações de
gênero; para tanto discutem também a reprodução da dominação
masculina (BOURDIEU, 1999) e tantos outros aspectos da pedagogia
organizacional e visual gendrada.

LEGITIMAÇÃO E CONSOLIDAÇÃO DO GT
23 NAS ÚLTIMAS CINCO REUNIÕES ANUAIS
DA ANPED (2009/32ª. A 2013/36ª. RAS)

Dos 869 trabalhos apresentados nos últimos cinco anos


no GT 23, observamos recorrências, dissonâncias, proximidades,
distanciamentos de temas, abordagens metodológicas e teorizações
diversas, revelando um campo de conhecimento com encaminhamentos
teórico-metodológicos plurais. Louro (2007), ao analisar as correlações
entre afinidade política e tensões teórico- metodológicas no campo dos
estudos de gênero, sexualidade e educação, destaca a pluralidade
dos distintos modos de conhecer, de conceber gênero e sexualidade
e as múltiplas e diversas possibilidades metodológicas adotadas em
pesquisa nesses campos teóricos.

Esta multiplicidade está presente nos inúmeros trabalhos


apresentados no GT 23, evidenciando que gênero e sexualidade
encontram terreno fértil no campo da educação. Além disso, esses
estudos são frequentes no diálogo com outros campos disciplinares:
Estudos de Gênero, Estudos Culturais, sociologia, antropologia,
cinema, estudos da infância, psicanálise, interface entre gênero, etnia/
raça e classe social, entre muitos outros. O ‘borramento’ de fronteiras
teóricas e disciplinares são marcas que unem os vários estudos
apresentados nos últimos anos.

114
io
ár Nesses últimos cinco anos vivemos um período de
m
Su

consolidação e legitimação do GT, tanto pelo reconhecimento da


Associação quanto por sua efetivação como espaço profícuo de
encontros, discussões, estudos, trocas teóricas e afetivas, espaço
de muitas discussões e ideias que nos instigaram a produzir
coletivamente, em grupos de estudos e de pesquisa em várias
regiões do Brasil. Diante de toda a riqueza de conceitos, proposições
e novas formas de pensar trazidas pelos textos, passaremos,
nessa última parte, a refletir com eles, sobretudo como parte de
uma rede de conhecimento que se caracteriza pela multiplicidade,
pela complexidade e pela provisoriedade que nos marcam como
pesquisadoras e pesquisadores nos campos dos conhecimentos
teóricos e políticos em sexualidades, gênero e educação.

Desse período, dois trabalhos, dentre os apresentados no GT


23, se destacam por analisar os discutidos no GT. Um deles é de
Márcia Ondina Vieira Ferreira e de Georgina Helena Lima Nunes (2008).

Nele, as autoras buscaram reconstruir o panorama da produção


sobre gênero e sexualidade nas reuniões da ANPEd. Ganhou destaque,
dentre os vários GTs, o 23, como espaço privilegiado e agregador
das discussões que envolviam gênero, sexualidade e educação. O
outro, de autoria de José Licínio Backes e Ruth Pavan (2008), buscou
analisar, nos textos apresentados, especificamente no GT 23, como
os conceitos de identidade, diferença e cultura foram discutidos nos
anos de 2005 a 2009. Os/as autores/as ressaltaram que os trabalhos
apresentam resultados ricos e relevantes que incitam a novos estudos,
bem como destacaram a importância do espaço privilegiado do GT em
uma associação que discute e prioriza a educação.

A educação, segundo a maioria dos trabalhos, é concebida de


forma ampla, para além da desenvolvida em instâncias educativas
como família e escola. Este pressuposto é compartilhado por pesquisas
que problematizam outros espaços educativos constituidores de

115
io
ár identidades e de produção de subjetividade mediante pedagogias
m
Su

culturais e pedagogias da sexualidade e de gênero (LOURO, 2000).


Para esses estudos, a educação é um processo amplo. Dagmar Meyer
(2009) problematiza:
[...] o conjunto de processos através do qual indivíduos são
transformados ou se transformam em sujeitos de uma cultura.
Tornar-se sujeito de uma cultura envolve um complexo de
forças e de processos de aprendizagem que hoje deriva de
uma infinidade de instituições e “lugares pedagógicos” para
além da família, da igreja e da escola, e engloba uma ampla
e variada gama de processos educativos, incluindo aqueles
que são chamados em outras teorizações de “socialização”.
(MEYER, 2009, p. 222).

Segundo a autora, somos sujeitos culturais e nos tornamos


sujeitos da cultura em meio a inúmeros processos de aprendizagem e
de interação constante com a cultura. Os trabalhos apresentados no GT,
que investem na discussão das mais diversas instituições educativas,
lugares e espaços pedagógicos, bem como em diversas pedagogias
culturais, procuraram investigar: 1) o currículo do Orkut; 2) o currículo de
masculinidade nos estádios de futebol; 3) as pedagogias do cinema, ao
vincular o amor romântico em filmes destinados ao público da infância;
4) a análise da revista Pais & Filhos e os imperativos da maternidade
e paternidade responsáveis; 5) a subjetividade da mãe naturalista e
a produção da maternidade ecológica; 6) o discurso sobre o corpo
idoso, em caderno de saúde em jornal de grande circulação, visando
a entender os argumentos a capturar pessoas idosas a terem corpos
saudáveis e em movimento. A escola também é amplamente discutida
como espaço específico de produção de identidades e subjetividades.
Dentre os estudos apresentados, alguns a destacam como locus de
produção de identidade e de subjetivação de alunos com orientação
homossexual. Outro estudo a ser destacado é o de Neil Franco e Maria
Veranilda Soares Mota (2010), no qual se analisam as histórias de
vida e as trajetórias de formação escolar e acadêmica de professoras

116
io
ár trans e de professores/as homossexuais e lésbicas, destacando os
m
Su

processos de sua exclusão da vivência no espaço da escolarização e


das maneiras de se constituir como docentes, tendo que se subjetivar
em espaços escolares heteronormativos e excludentes.

Outro aspecto que une os vários trabalhos apresentados nos


últimos anos refere-se ao entendimento da sexualidade no campo
político, como afirma Louro (2000). Para a autora, a “[...] sexualidade
não é apenas uma questão pessoal, mas é social e política” e “é
aprendida” (LOURO, 2000, p. 61). Estas questões são compartilhadas
pelas pesquisas e trabalhos apresentados, independente da
diversidade de suas escolhas teórico-metodológicas. Os estudos
apresentados se interessaram politicamente para combater a
homofobia, o sexismo, a misoginia e a LGBTfobia, entre quaisquer
outras formas de violência, segregação, iniquidade e infração dos
direitos humanos dentro e fora da escola, e estão comprometidos
contra todas elas.

Dentre todos os trabalhos que se posicionam politicamente


diante dessas questões, citamos alguns que tematizam: 1) a
heterossexualização compulsória; 2) a discussão sobre o silêncio,
a segregação e exclusão de corpos, gêneros e sexualidades que
não correspondem à norma heterossexual; 3) a problematização de
silêncios, negações e violações dos direitos humanos na escola em
discursos de agentes públicos; 4) as experiências de preconceito
contra professoras travestis e transexuais no exercício da docência; 5)
a homofobia, a transfobia e a lesbofobia nas relações estabelecidas
entre escola e famílias homoafetivas.

Os públicos investigados nos trabalhos apresentados também


são plurais: crianças, adolescentes e jovens, adultos, idosos/
as. Poucos estudos, porém, priorizaram pesquisas com crianças,
buscando ouvir suas vozes e perceber que elas são sujeitos produtores
de cultura. Dentre os trabalhos apresentados, destacam-se dois. O

117
io
ár primeiro, de Gabriela Silveira Meireles (2009), analisou as relações de
m
Su

gênero na Educação Infantil de crianças de quatro a cinco anos de


idade. A autora, mediante observação participante e entrevistas com
crianças, buscou evidenciar que elas aprendem a se situar diante
das concepções do que é ser menina e ser menino de acordo com o
que espera a instituição educativa. Analisa como as crianças buscam
se fixar em lugares que para elas já foram definidos culturalmente e
também procuram se libertar desse jogo binário que as aprisiona e
as impede de circular entre os opostos. O segundo trabalho é o de
Constantina Xavier Filha (2011), que analisou as representações de
gênero de crianças, estudantes do 5º ano no Ensino Fundamental,
de uma escola pública. A partir das discussões sobre um livro infantil,
a autora discutiu com as crianças sobre gênero, provocando novas
formas de pensar sobre o assunto. Dessas discussões, nasceram
novas metodologias e a produção de um filme de animação.

A discussão sobre a adolescência e a juventude também ganhou


destaque entre os trabalhos apresentados: 1) constituição identitária de
jovens da periferia; 2) gravidez na adolescência nas vozes das jovens/
adolescentes e seus processos de subjetivação; 3) masculinidades
de alunos estudantes da EJA e seus processos de escolarização; 4)
juventude e processos de escolarização; 5) gênero, raça, juventude
e fracasso escolar; 5) escolarização, gênero e vulnerabilidade social
nas narrativas juvenis de estudantes da EJA; 6) adolescentes e
constituição de masculinidades na periferia. Percebemos, em alguns
deles, a articulação entre gênero e escolarização. Isto nos leva a refletir
acerca dos processos avaliativos e, sobretudo, a entender como os/
as adolescentes se constituem e são constituídos nos processos
educativos e de escolarização na escola.

Políticas públicas constituíram alvo de discussão e de crítica


por parte de algumas pesquisas: 1) o programa Mulheres da Paz e os
processos de governamentalidade da mulher-mãe; 2) a Infância Feliz

118
io
ár e o envolvimento de mulheres como cuidadoras, educadoras e como
m
Su

principais responsáveis pelo cuidado pela prole; 3) a Primeira Infância


Melhor, cuja centralidade está na infância, e os processos pelos quais
se subjetiva a figura feminina para exercer o cuidado sobre a criança e
garantir-lhe a sobrevivência; 4) a formação docente e, nesse segmento,
o curso de formação continuada GDE – Gênero e Diversidade na Escola
–, além da possibilidade de discutir o currículo do curso em várias
regiões do país e seu alcance educativo na ‘formação’ da docência.

A formação docente em torno de temas como sexualidade,


gênero e diversidades também ganhou destaque em estudos de caso
e nas análises de currículos de cursos de graduação de formação
do/a pedagogo/a. A formação inicial é analisada nos estudos de
Roney Polato de Castro e Anderson Ferrari (2011), que destacam
uma disciplina no curso de pedagogia. As trajetórias das discussões,
dos saberes-poderes instituídos no âmbito da disciplina optativa são
descritos pelos autores, os quais, ao mesmo tempo em que narram
a experiência, se subjetivam como pesquisadores e professores.
O currículo de alguns cursos de pedagogia, voltados à análise da
presença, da ausência ou dos silenciamentos das temáticas de
gênero e sexualidade também ganharam destaque, além dos que
analisaram as experiências de formação continuada.

A docência e as mais diversas práticas pedagógicas também


ganharam relevo nas tramas das várias pesquisas apresentadas no GT
23. A docência de professoras travestis, transexuais e de professores/
as homossexuais e lésbicas foi analisada observando especialmente
os efeitos dessas vivências em espaços heteronormativos, como já
se destacou anteriormente. Outras práticas e vivências na docência
destacam a presença de professor-homem na Educação Infantil; a
visibilidade da sexualidade do/a docente homossexual na escola; as
práticas de educação física como espaço de discussão e/ou de ensino
da norma heteronormativa nas práticas desportivas; a discussão de

119
io
ár práticas que visam a garantir espaços de diferenciação em jogos e
m
Su

brincadeiras de meninos e meninas na Educação Infantil; as discussões


sobre as aulas de biologia e de entendimento de como o corpo é
priorizado nessa área de conhecimento. A Educação Infantil também foi
alvo de discussão e estudos, em especial com a problematização das
práticas pedagógicas das docentes com crianças pequenas. Destaca-
se o estudo de Cláudia Maria Ribeiro (2012), que analisa as narrativas
de professoras dessa etapa em momento de formação continuada,
acerca das expressões de sexualidade e de gênero das crianças.
Argumenta que nos labirintos da Educação Infantil sexualidade e gênero
estão emaranhados nas práticas cotidianas, mas que nem sempre os/
as profissionais que lá atuam conseguem dialogar abertamente e tratar
das possibilidades de incluir as questões de sexualidade, gênero e
diversidades nos currículos.

A educação sexual é analisada mais detidamente em dois


trabalhos. Um deles analisa o histórico da educação sexual na primeira
metade do século XX, de autoria de Lucélia de Moraes Braga Bassalo
(2008); o outro, escrito por Maria Rita Assis César (2008), discute
educação sexual e governamento dos corpos. A autora problematiza
historicamente como a questão sexualidade desperta o interesse das
instituições até chegar à escola nos dias de hoje com o controle dos
corpos e com o governamento da sexualidade.

Dos trabalhos apresentados/selecionados no GT 23, nos


últimos cinco anos de sua existência, percebemos uma diversidade
de abordagens metodológicas: etnografia, entrevista semiestruturada,
entrevista narrativa, observação participante, análise documental,
questionário, grupo focal, pesquisa com crianças, estudo de caso,
cartografia, pesquisa-ação, pesquisa teórica. As fontes de estudos
também foram múltiplas: narrativas orais, política pública, livro
paradidático, livro didático, o Parâmetro Curricular Nacional – em
especial o de Orientação Sexual –, manuais médicos, músicas,

120
io
ár revistas, documentos oficiais e de divulgação de programas e projetos
m
Su

governamentais, dentre outros.

Na utilização das várias possibilidades metodológicas, foram


elaboradas outras maneiras de utilizar fontes e estratégias de pesquisa,
com vistas a estimular a criatividade e a recriar as técnicas de pesquisa
convencionais. Esta opção se deu devido à articulação com as
teorizações escolhidas. Em sua grande maioria, as abordagens teóricas
dos trabalhos apresentados nos últimos cinco anos no GT podem ser
descritas como pós-críticas8. Dagmar Meyer e Marlucy Paraíso (2012)
destacam que o rótulo de ‘pós’ traz em seu bojo as teorizações do
pós-estruturalismo, pós-modernismo, pós-gênero, pensamento da
diferença, Estudos Culturais, Estudos de Gênero, Estudos étnicos e
raciais, Estudos Queer, dentre outros. Experimentamos formas éticas
e estéticas de fazer pesquisa, de descrever experiências, de buscar
problematizar algo que é socialmente naturalizado, de tencionar o que
está sacralizado pelas normas socialmente aceitas como ‘verdades
únicas’. As pesquisas apresentadas no GT 23 acenam para novas
formas de se lidar com a produção do saber-poder-verdade, de nos
colocar em xeque diante do novo, da adoção de diversas formas de
pesquisar, de aprender junto e de nos subjetivar com nossas pautas de
estudos, que são políticas e comprometidas com novas possibilidades
de ser, conhecer e pensar novas realidades e possibilidades. O
esforço em construir novas metodologias se deve ao fato de que “[...]
sabemos que o modo como fazemos nossas pesquisas vai depender
dos questionamentos que fazemos, das interrogações que nos
movem e dos problemas que formulamos.” (PARAÍSO, 2012, p. 24).
As teorizações dos estudos e ensaios apresentados fundamentaram-
se especialmente em Foucault, Derrida e Guatarri, Nietzsche, Scott,
Louro, Butler, Preciado, Connell, Borrillo, Lacan.
8 Há poucos trabalhos que se posicionam teoricamente nas pesquisas críticas, com
conceitos de reprodução social, capital cultural, entre outros, especialmente com estudos
fundamentados em Bourdieu, Moscovici, Thompson. No entanto, apesar dessa opção
teórica, utilizam-se conjuntamente teorias como as de Louro, Butler, Foucault.

121
io
ár A opção pelas teorizações pós-críticas nos estudos
m
Su

apresentados no GT 23 instigam a pensar e a repensar o fazer


pesquisa9. Dentre as várias discussões apontadas, destacaram-se:
1) questionar e evidenciar a linguagem como produção de sentidos;
2) suspeitar das metanarrativas; 3) problematizar e explorar a
indeterminação, a ambiguidade, a instabilidade, a multiplicidade
e a provisoriedade dos sentidos e significados; 4) problematizar
a cultura e perceber que ela é fruto de construções discursivas,
de poder e que, portanto, não é imutável; 5) priorizar o local e o
particular em detrimento do global, universal; 6) questionar o que
é dado como natural, correto, normal; 7) rejeitar e problematizar
noções essencialistas e universais de homem/mulher, entre outras.

Os conceitos de sexualidade e gênero também são citados


e destacam as teorizações utilizadas por seus autores e autoras. O
conceito de sexualidade como dispositivo histórico, analisado por
Foucault (1997), é quase que unânime nos trabalhos apresentados
nos últimos anos no GT, mesmo para os que adotam perspectivas
teórico-críticas diferentes das do pós-estruturalismo. Já na opção pelo
gênero, há divergências em torno do conceito, em especial entre os
trabalhos que adotam as teorizações dos Estudos Queer. Os estudos
apresentados, ao utilizar o conceito de gênero, destacam, sobretudo,
as teorizações de quatro autoras: Scott, Louro, Meyer e Butler.

O conceito de gênero é oriundo dos movimentos sociais


feministas. Segundo Louro (1997), é através das feministas anglo-
saxãs que gender passou a ser usado como distinto de sex e,
sobretudo, para diferenciar do objeto das pautas dos movimentos
feministas que priorizavam a ‘mulher’ como objeto de lutas políticas.
Ainda segundo a autora, é na década de 1980 que o conceito de
gênero passa a ser utilizado no Brasil como ferramenta teórico-política
9 Questões apontadas em estudos de teóricas/os que se utilizam das teorias pós-críticas em
seus estudos, especialmente Louro (1997; 2000; 2001; 2007), Meyer (2003; 2012); Paraíso
(2012) e Silva (2003).

122
io
ár nos estudos da academia, questionando o determinismo biológico e
m
Su

a essencialização do sujeito.

Na década de 1990, uma importante contribuição teórica foi a


tradução e publicação no Brasil, por Guacira Lopes Louro, do texto de
Joan Scott (1995) Gênero: uma categoria útil de análise histórica. O
gênero pode ser compreendido como “[...] elemento constitutivo de
relações sociais baseadas nas diferenças percebidas entre os sexos”
e como “[...] uma forma primária de dar significado às relações de
poder.” (SCOTT, 1995, p. 86). Para a autora, o conceito passou a ser
entendido como elemento constitutivo das relações sociais baseadas
nas diferenças percebidas entre os sexos e também como uma forma
de dar significado às relações de poder. Em síntese, o gênero foi
tomado como categoria relacional; como construção social, cultural
e histórica e como categoria analítica. Temos inúmeros trabalhos
apresentados no GT 23 que compartilham desses pressupostos e
continuam a utilizar as teorizações da autora como principal base de
trabalho. Outros articulam esses conceitos com os da autora Guacira
Lopes Louro.

Louro (1997, 2000) discute o conceito de gênero na articulação


entre os estudos feministas e o pós-estruturalismo, possibilitando
repensá-lo nas relações de poder e nas formas de ressignificação da
linguagem. Para ela, gênero é:
[...] construção social feita sobre diferenças sexuais. Gênero
refere-se, portanto, ao modo como as chamadas “diferenças
sexuais” são representadas ou valorizadas; refere-se àquilo que
se diz ou se pensa sobre tais diferenças, no âmbito de uma
dada sociedade, num determinado grupo, em determinado
contexto. (LOURO, 2000, p. 26)

A autora argumenta que não analisa o conceito ligado ao


desempenho de papéis (masculino e feminino), mas como constitutivo
da produção de identidades (múltiplas, instáveis e plurais) de mulheres

123
io
ár e homens no interior de práticas sociais e culturais. Os estudos da
m
Su

autora são amplamente discutidos e problematizados em quase todas


as pesquisas e ensaios apresentados nos últimos anos no GT 23.

Na linha dos estudos de Louro, os estudos de Meyer (2003,


2009, 2012) também contribuem sobremaneira nas discussões
apresentadas nos trabalhos. A autora argumenta que gênero continua
a ser uma ferramenta conceitual, política e pedagógica central
para nossas pesquisas. Destaca que o conceito nos leva a pensar
que nada é ‘natural’ e que aponta para a noção de que ao longo
da vida nos constituímos como homens e mulheres em processos
inacabados e não-lineares. O conceito ainda revela que “[...] existem
muitas e conflitantes formas de definir e viver a feminilidade e a
masculinidade.” (LOURO, 2003, p. 17). A autora também ressalta
que tomar o conceito de gênero como um elemento organizador da
cultura possibilita examinar os diferentes modos pelos quais o gênero
opera na cultura e no social. Assim, gênero “[...] engloba todos os
processos pelos quais a cultura constrói e distingue corpos e sujeitos
femininos e masculinos.” (MEYER, 2012, p. 51).

Pensando o gênero como elemento organizador da cultura e


como aspecto relacional, alguns trabalhos apresentados no GT 23
destacam como prioridade analisar a constituição do feminino com
a análise da narrativa de professoras mulheres, jovens grávidas,
adolescentes estudantes da EJA. Outros estudos, no entanto,
pretenderam estudar a masculinidade ao entender os processos
de subjetivação de professores-homens na Educação Infantil,
na constituição da masculinidade na dança, na constituição de
masculinidades juvenis na periferia, na presença de homens nos
cargos de gestão das escolas, nos processos de masculinidade,
fracasso e escolarização. Nesses estudos, evidenciamos que o
conceito de gênero é utilizado como categoria de análise para
entender os processos relacionais de constituição de masculinidades

124
io
ár e feminilidades. O conceito de masculinidade hegemônica de Connell
m
Su

(1995) é articulado ao de gênero, provocando vigorosas discussões


sobre os processos culturais, relacionais e históricos da constituição
dos sujeitos, em muitos dos trabalhos apresentados.

Os estudos que se utilizam do conceito gênero, apresentados


no GT 23 nos últimos cinco anos, também chamam a atenção sobre
um ponto enfatizado por Nicholson (2000), que é o determinismo
biológico presente em algumas discussões sobre gênero, sobretudo
para quem considera o ‘sexo’ algo alheio à cultura. Ou seja, o conceito
de gênero estaria ancorado em um corpo sexuado. Esta visão limita
o entendimento das diferenças entre as mulheres, as diferenças entre
homens e as diferenças em relação a quem pode ser considerado
homem ou mulher (NICHOLSON, 2000). Louro (2007) discute as
ponderações descritas por Nicholson, estimulando-nos a refletir que
a “[...] construção social se faz sobre um corpo significa colocar
em questão a existência de um corpo a priori, quer dizer, um corpo
que existiria antes ou fora da cultura” (p. 209). Seria possível, assim,
entender que a designação de “[...] gênero não é, simplesmente, a
descrição de um corpo, mas aquilo que efetivamente faz existir esse
corpo – em outras palavras, o corpo só se tornaria inteligível no âmbito
da cultura e da linguagem.” (p. 209).

Louro, a partir das perspectivas construcionistas, questiona o


essencialismo e o determinismo biológico e nos leva a pensar o gênero
como construção social e cultural. A autora amplia essas discussões
ao introduzir os estudos de Judith Butler no Brasil, especificamente
nas análises da educação, quando publica a Teoria Queer: uma política
pós-identitária para a educação (2001), e o livro Um corpo estranho
(2004). Butler (2003) enfatiza a necessidade de romper com o sistema
binário que corrobora a relação entre gênero e sexo, ao afirmar que
o primeiro é determinado pelo segundo. Assinala que o gênero não
pode ser entendido apenas como algo que se consolida mediante a

125
io
ár heterossexualidade normativa mediante atos performativos. Alguns
m
Su

últimos trabalhos apresentados no GT questionam veementemente o


conceito de gênero comumente adotado e utilizam o conceito de Butler
para questionar os binarismos que se consolidaram ao tratar de gênero
em alguns estudos.

O trabalho de Denise da Silva Braga (2011) é enfático em afirmar


que o conceito de gênero adotado na maioria dos trabalhos parte da
discussão do corpo biológico e do binarismo de gênero masculino
e feminino, na perspectiva da heteronormatividade. Questiona como
as vidas na fronteira, especialmente para as pessoas trans, não são
visibilizadas e legitimadas pelo conceito de gênero vigente. Utiliza
Butler (2003, 2004) para “desfazer o gênero” e pensá-lo como
produto de processos performativos, ou seja, resultante da repetição
constante das normas que regulam corpos, sexos e gêneros. Para
Braga, gênero é algo pensado como uma imitação persistente, que
passa como real e, no entanto, é a própria repetição da norma que
ocasiona a sua ressignificação e a sua proliferação para além da
estrutura binária (masculino/feminino).

Essas discussões ainda são incipientes nos trabalhos do GT, mas


acenam para reflexões e problematizações vindouras; dentre elas, a de
pensarmos se o conceito de gênero não traz à discussão a desconstrução
do binarismo do masculino e feminino de forma relacional. Entre outras
questões: Como repensar conceitualmente gênero? Ressignificá-lo?
Construí-lo e desconstruí-lo em nossos estudos?

Trata-se de temas férteis sobre os quais é preciso refletir


nos próximos dez anos do GT. Quais outros temas/conceitos serão
emergentes? Silenciados? Quais serão (re)significados? Como
pensar a provisoriedade dos saberes? Como escapar das conclusões
iluministas em nossos estudos (LOURO, 2007)? Como navegar pela
ars erótica (FOUCAULT, 1997)?

126
io
ár Enfim... não tem fim! Muito há que se produzir e aventurar nesses
m
Su

mares revoltos das incertezas e dos inusitados. Que venham muitos


anos radiantes para o nosso pulsante... potente... GT 23.

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130
5
Capítulo 5

O CAMPO DO GÊNERO NA ANPED.


HIPÓTESES EM CONSTRUÇÃO1

Márcia Ondina Vieira Ferreira

Márcia Ondina Vieira Ferreira

O CAMPO
DO GÊNERO
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.131-154

NA ANPED:
HIPÓTESES
EM CONSTRUÇÃO1

1 A versão original deste texto foi apresentada no GT 23, em 2015. Em 2017 uma versão
ampliada foi publicada na revista Educação e Pesquisa (FERREIRA; CORONEL, 2017).
Referência original: FERREIRA, Márcia Ondina V. O campo do gênero na ANPEd. Hipóteses
1 em
A versão original
construção. In:deste textoANUAL
REUNIÃO foi apresentada no GT 23,
DA ASSOCIAÇÃO em 2015.DE
NACIONAL EmPÓS-GRADUAÇÃO
2017 uma versão
ampliada
E PESQUISAfoi publicada na revista
EM EDUCAÇÃO Educação
– ANPEd, 37, e2015,
Pesquisa (FERREIRA;
Curitiba/PR. CORONEL,
Anais... 2017).
Rio de Janeiro:
Referência original:
ANPEd, 2015. FERREIRA,
Agradeço Márcia pelo
ao CNPq Ondina V. O campo do
financiamento gênero
dos na ANPEd.
estudos Hipóteses
originais; e aos
em construção.
membros In: REUNIÃO
das equipes ANUALpor
de pesquisa DAseu
ASSOCIAÇÃO NACIONAL
árduo trabalho DE PÓS-GRADUAÇÃO
no transcorrer dos anos.
E PESQUISA EM EDUCAÇÃO – ANPEd, 37, 2015, Curitiba/PR. Anais... Rio de Janeiro:
ANPEd, 2015. Agradeço ao CNPq pelo financiamento dos estudos originais; e aos
membros das equipes de pesquisa por seu árduo trabalho no transcorrer dos anos.
io
ár SITUANDO O ESTUDO E A DISCUSSÃO
m
Su

Qualquer campo, o científico, por exemplo, é um campo de


forças e um campo de lutas por transformar esse campo de
forças (BOURDIEU, Pierre, 2003b, p. 76).

O desenvolvimento dos estudos de gênero tem uma história


não muito longa, se considerarmos sua incorporação como categoria
de análise reconhecida como capaz de colaborar na interpretação
de processos de desigualdade ou outros fenômenos sociais. Assim,
embora há muito tempo venha se debatendo a posição subordinada
das mulheres em diferentes sociedades – origem das discussões
sobre gênero -, só a partir dos movimentos gerados ao final dos anos
1960 que elaborações teóricas mais radicais foram sendo gestadas de
forma a inserir o gênero no espaço mais propriamente acadêmico.

No que tange ao Brasil, relatos de uma série de autoras


confluem no sentido de demonstrar que os responsáveis por introduzir
a discussão no campo das Humanidades foram núcleos de estudos
e pesquisas situados em várias instituições, especialmente a partir da
década de 1970. Como algumas dessas autoras descrevem (SOUZA-
LOBO, Elisabeth, 1991; COSTA, Albertina de Oliveira, 1994; 1996;
BRUSCHINI, Cristina; PINTO, Céli Regina, 2001; BLAY, Eva, 2006; etc.),
a luta pela legitimidade acadêmica forçou a visibilidade do gênero em
diversos campos de conhecimento, de tal maneira que nos anos 1980
a discussão acadêmica sobre gênero se amplia, mesmo que muitas
vezes estivesse situada no plano, apenas, da situação das mulheres.
Isso não quer dizer, entretanto, que o gênero tenha encontrado o seu
espaço de legitimação. As autoras referem, também, que um processo
levado a efeito por grupos hegemônicos nas disciplinas científicas
tinha por objeto a “concessão” de nichos específicos aos estudos de

132
io
ár gênero, de tal maneira que os parâmetros tradicionais das disciplinas
m
Su

se mantivessem intactos2.

Tomemos o exemplo da Sociologia. Souza-Lobo (1991)


denuncia as dificuldades da Sociologia em incorporar o gênero, ao
querer criar um ramo específico para as investigações que tomam
em consideração esta categoria, deixando incólumes as análises
tradicionais sobre trabalho ou movimentos sociais, que continuariam
atuando com categorias sexualmente cegas. Miriam Adelman (2004)
usa o termo “mecanismos de contenção” para explicar a tendência a
criar espaço para o gênero como uma variável meramente descritiva,
que não afete os conceitos sociológicos considerados mais
importantes.

Não obstante essas dificuldades, podemos reportar,


brevemente, uma série de eventos que confluíram para o fortalecimento
do campo do gênero em nosso país, sem prejuízo de outros tantos
que ocorreram. Costa (1996) indica o seminário “Mulheres na força
de trabalho na América Latina” (IUPERJ), origem de um grupo de
trabalho criado na ANPOCS (Associação Nacional de Pós-Graduação
e Pesquisa em Ciências Sociais) sobre o tema; e um edital capitaneado
pela Fundação Carlos Chagas para bolsas de pesquisa sobre a
temática da mulher, ambos em 1978.

Desse período em diante produções e núcleos de estudos se


desenvolvem, e outras autoras (BRUSCHINI; PINTO, 2001) recordam,
no início dos anos 1990, o seminário “Estudos sobre a mulher no Brasil:
avaliação e perspectiva”, desde o qual foi publicado o livro “Uma questão
de gênero” (COSTA; BRUSCHINI, 1992). Outro marco importante citado
foi o surgimento da Revista Estudos Feministas, em 1992.

2 O que é compreensível se entendemos o campo científico como um lugar onde ocorre uma
luta pela autoridade científica (“definida, de maneira inseparável, como capacidade técnica
e poder social” (BOURDIEU, 1983, p. 122], no qual quem pretende legitimar-se precisa
disputar o monopólio da competência científica.

133
io
ár Já a revista Cadernos Pagu, do Núcleo de Estudos de
m
Su

Gênero Pagu, da UNICAMP, foi criada em 1993. Para Costa (2008),


o aparecimento desse periódico e da Revista Estudos Feministas foi
resultado da demanda por espaço de publicação, frente à vitalidade da
produção, resultado do incremento de cursos e núcleos de pesquisa
sobre a temática.

Cabe citar, também, o “Seminário Internacional Fazendo


Gênero”, cuja gênese remonta a 1994, no “Fazendo Gênero - Seminário
de Estudos sobre a Mulher”, ligado à área de Literatura (UFSC). Desde
aí o evento bianual e transdisciplinar já contemplou dez encontros (em
2013), ampliando seu escopo às mais variadas áreas e temáticas.

Essas atividades expressam a força do debate alicerçado nos


núcleos sobre os assuntos em várias instituições brasileiras, sejam
elas universidades, organizações não-governamentais ou instituições
de pesquisa. Mas, além disso, denotam formas de organização que
revelam a existência subjacente de redes informais sustentadas pela
solidariedade e suporte mútuo, e que fazem uso daquilo que Costa
(1996) chamou de estratégia da caminhada na corda bamba. Ela
encontrou, entre 1980 e 1990, vinte núcleos ou grupos de estudos de
gênero pela geografia brasileira, e assinala que ao final dos anos 1980
a maior parte das associações de pesquisa do país já contava com
grupos especializados em questões de gênero.

A autora desenvolve outros argumentos significativos para quem


quer pensar o desenvolvimento da pesquisa na área, no Brasil:
O avanço dos estudos das mulheres no princípio dos anos 1980
foi mais quantitativo que qualitativo; respondendo a urgentes
questões ideológicas, os produtos tinham um alto potencial
de formadores de opinião, mas um baixo nível de abstração
[...]. Nos anos 1990, os estudos de gênero são aparentemente
um campo bem estabelecido, mas ainda tem pés de barro;
isso inclui extremas disparidades [...]; estudos de gênero
são reconhecidos como geradores de pesquisas pioneiras

134
io
ár e inovações teóricas e metodológicas, enquanto várias de
m
suas necessidades infra-estruturais básicas estão ainda em
Su

condições impróprias e permanecem altamente dependentes


de recursos estrangeiros (COSTA, 1996, p. 45-46).

Mas no momento mais recente da produção nacional já


encontramos uma série de editais específicos de recursos para
pesquisa e premiações voltadas ao tema relações de gênero, que
buscam aportar meios para superar minimamente as dificuldades
registradas. Além disso, a repercussão do tema tem-se feito presente
em outros aspectos, como na produção de documentos pelo INEP (por
exemplo, GODINHO, Tatau et alii, 2006; RISTOFF, Dilvo; GIOLO, Jaime,
2006; RISTOFF et al., 2007; RISTOFF et al., 2008), buscando examinar
e discutir as desigualdades de gênero na educação. A Secretaria
Especial de Políticas para as Mulheres (Presidência da República)
tem promovido eventos e publicado seus resultados (por exemplo,
BRASIL, 2006), bem como o próprio Ministério da Educação, por meio
da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade
e Inclusão (por exemplo, MELO Hildete P., et al., 2006; JUNQUEIRA,
Rogério Diniz, 2009).

Igualmente não podemos esquecer o surgimento e/ou


fortalecimento de organizações voltadas a fazer avançar as discussões
sobre diversidade sexual, certamente uma vertente importante
com atuação significativa quanto mais nos aproximamos dos dias
recentes. Das articulações desses grupos, organizados ou não sob
forma de associações de pesquisa, resultaram parcerias com órgãos
governamentais como o importante programa “Brasil sem Homofobia”,
dedicado a combater a violência contra e a discriminação da população
LGBT (BRASIL, 2004).

Voltando-nos particularmente ao campo acadêmico da


educação, elaborações significativas sobre gênero vêm se expressando
por dentro da ANPEd, na condição de organização representativa dos

135
io
ár Programas de Pós-Graduação da área. Mas aí também o espaço vem
m
sendo ganho lenta e arduamente, já que em todo campo científico vige
Su

uma “[...] hierarquia de objetos legítimos, legitimáveis ou indignos”


(BOURDIEU, 1998, p. 35): para ingressar num campo e participar da luta
por legitimação de um objeto é preciso ingressar no jogo e “[...] produzir
a crença no valor do que está em jogo.” (BOURDIEU, 2003a, p. 122).

Neste sentido, este trabalho é parte de um longo esforço para


sistematizar a presença do gênero na produção científica selecionada
como significativa, em vários campos de investigação temáticos e/
ou disciplinares, no âmbito da ANPEd. Ele vai registrar alguns dos
resultados de dois estudos sobre a trajetória da pesquisa sobre
gênero na história da associação (FERREIRA, Márcia Ondina Vieira;
2012; FERREIRA, 2015). A metodologia do estudo inscreve-se nos
marcos dos estados da arte, mapeando a produção e descrevendo-a
segundo categorias que vão tomando forma a partir da imersão no
conjunto de trabalhos. A seleção dos trabalhos implicou na leitura na
íntegra daqueles cujos títulos e resumos expressavam abordagens de
questões relativas a gênero e sexualidades. Os trabalhos selecionados,
agrupados por reunião/ano, tiveram suas características descritas em
quadros, conformando um banco de dados. Uma divisão significativa
entre os trabalhos selecionados precisa ser esclarecida: trata-se da
separação entre trabalhos que consideramos utilizar o gênero como
ferramenta principal de análise (FP), isto é, os que concebem o gênero
como categoria interpretativa; e trabalhos que usam o gênero como
ferramenta secundária (FS), meramente descrevendo as populações
investigadas ou acrescentando aspectos relativos a gênero sem que
esse seja seu objeto principal3.

Neste texto em especial serão analisadas duas questões


originárias da reflexão promovida pela imersão no banco de dados.

3 Tal divisão nos permitiu a detecção de pessoas voltadas desde o início a pesquisas com
foco central no gênero.

136
io
ár A primeira delas refere-se a como está o processo de constituição do
m
Su

campo do gênero na ANPEd, abordando o período compreendido entre


2000 e 2011. O campo do gênero na ANPEd dá indícios de legitimação?

A segunda questão aborda quais forças sustentam o referido


campo: há grupos de pesquisa com atuação frequente e preeminente
no espaço da ANPEd, de forma a garantir seu desenvolvimento e a
multiplicação de estudos? E em quais instituições tais grupos estão
localizados? Para problematizar esse aspecto o período de tempo
analisado será o compreendido entre 2007 e 2011.

Para efeitos desta análise serão levados em consideração


principalmente os trabalhos e pôsteres apresentados nos Grupos de
Trabalho (GTs) durante as reuniões anuais examinadas.

ACOMPANHANDO O AVANÇO DOS


ESTUDOS DE GÊNERO NA ANPED

Dentro de um campo científico fortemente autônomo, um


produtor particular não pode esperar o reconhecimento do
valor de seus produtos (“reputação”, “prestígio”, “autoridade”,
“competência”), senão de outros produtores, os quais, sendo
também seus competidores, são os menos proclives a dar-lhe
a razão sem discussão nem exame (BOURDIEU, 2003b, p. 18).

Em nosso estudo original conseguimos plenamente quantificar


a produção sobre gênero e sexualidades na ANPEd só a partir de
2000, pois somente desde a 23ª Reunião a totalidade dos textos
apresentados no evento anual passou a estar disponível online.
Contudo, anteriormente a esta data buscamos verificar o maior
número possível de fontes4 para, ao menos, termos uma ideia relativa

4 Boletins e CD-ROM “25 anos da ANPEd”.

137
io
ár à presença do gênero. Desta forma, de maneira rápida, seguem-se
m
Su

nossos principais resultados.

Foi possível perceber que, entre os anos 1990 e 1999, o GT 2


(História da Educação) expressava fortemente a presença de estudos
de gênero – compreendidos, aqui, de maneira ampla -, seguido pelos
GT 6 (Educação Popular), 3 (Movimentos Sociais e Educação) e 12
(Currículo). De fato, essa hegemonia do GT 2 foi-nos confirmada pela
pesquisadora Guacira Lopes Louro, fato compreensível tendo em
vista objetos abordados no GT, até hoje: a constituição da docência
como trabalho feminino, a produção escolar da feminilidade e da
masculinidade; e a história de educadoras.

Para os anos seguintes, em primeiro lugar indicaremos valores


totais da produção (todas as modalidades de trabalhos – GTs e outras
atividades), incluindo tanto os textos em que o gênero foi FP quanto
aqueles em que foi FS. Entre 2000 e 2003 – anteriormente, pois, à
criação do GT 23 (Gênero, Sexualidade e Educação) – alcançamos a
porcentagem de 4,1%. Entre 2004 e 2006 esse valor já corresponde a
6,1%. E entre 2007 e 2011 temos uma proporção de 8,5% de trabalhos
sobre gênero e sexualidades apresentados nas reuniões. Embora o
universo não seja o mesmo de período a período, é evidente o aumento
da produção, e para especificar a magnitude de nossa coleta de dados
basta dizer que o número total de trabalhos presentes na página WEB
da ANPEd nestes 12 anos corresponde a 5515.

Mas, em segundo lugar, para melhor apreender se o


gênero realmente vem ampliando seu espaço, é preciso divisar
as características da produção. Centremo-nos, então, apenas nos
trabalhos e pôsteres considerados FP – um total de 237 textos,
correspondente a 4,9% do que foi apresentado nos GTs. O primeiro
comentário confirma que a pesquisa sobre nosso assunto é realizada
preponderantemente por mulheres (ROSEMBERG, Fúlvia 2001;
MATOS, Marlise; MARQUES, Danusa,2010): 80,2% de autoras;

138
io
ár 13,9% de autores e 5,9% de coautorias homem/mulher. Ainda assim,
m
Su

o número de homens vem crescendo, em especial a partir de 2004,


pois desde aí dos 45 textos apresentados por homens ou por parceria
mulher/homem, 30 o foram no GT 23. Homens, em sua ampla maioria,
têm se dedicado a investigar questões relativas a sexualidades.

As instituições responsáveis pela produção situam-se


terminantemente nas regiões sudeste e sul, tal como indicado em
estudos com outros corpora documentais (ROSEMBERG, 2001;
MATOS; MARQUES, 2010; VIANNA, Claudia M., et alii, 2011) ou
em estudo voltado ao próprio GT 23 (RIBEIRO; Cláudia M.; XAVIER
FILHA, Constantina, 2013): 124 textos produzidos na região sudeste,
76 na região sul, 16 no Centro-oeste, 15 no Nordeste e apenas 4
provenientes da região norte (mais um trabalho oriundo de Portugal
e outro onde não consta a instituição da autora). Além disso, as
maiores responsáveis pela produção são as instituições públicas de
ensino superior, com 175 trabalhos, dos quais 113 da rede federal, 61
das redes estaduais e um de uma rede municipal. 54 trabalhos são
oriundos de instituições privadas e oito foram feitos por pessoas não
vinculadas ao ensino superior.

Trata-se, agora, de revelar quais são as instituições com maior


número de trabalhos aceitos, sem mencionar as que apenas contam
com um trabalho. Na região sudeste a UERJ desponta com 21 trabalhos;
UFMG e USP com 12; UNESP, 11; UFJF, sete; UNICAMP e UFU contam
com seis. A PUC/Rio conta com quatro trabalhos. PUC/MG, UFF, UFLA,
UFRJ, UFSCar e UNIRIO computam três estudos cada uma. UNA,
CUML, UFV, UI e UNIVALE apresentaram dois textos cada uma.

Na região sul, UFRGS, com 25 textos; UNISINOS, com oito;


UFPR e UFSC com seis; ULBRA com cinco; e UNIJUÍ com quatro.
FEEVALE e UFPel apresentam três trabalhos cada uma; e UDESC,
UEM, UNISUL e UTFPR, dois textos cada uma.

139
io
ár No Centro-oeste, UFMT traz cinco textos; UFMS, quatro; e
m
Su

UnB contou com três. Na lista com dois trabalhos destaca-se a UFG.
Enquanto isso, do Nordeste UFPB enviou quatro trabalhos e UNEB,
três. UFPE e UFRN apresentaram dois trabalhos. Finalmente, do Norte
dois estudos foram apresentados por UEPA.

Essas informações não revelam nada mais do que a própria


distribuição desigual da pesquisa em nosso país. A produção sobre
gênero está radicada com mais força em instituições mais bem
situadas no ranking das universidades brasileiras, que vêm recebendo
maior aporte de financiamento em pesquisa e cujos programas de
pós-graduação têm sido mais bem avaliados.

Em relação ao financiamento - indício do reconhecimento de


quem pesquisa e de suas instituições –, 103 desses trabalhos foram
financiados, equivalendo a 43,4% da produção. Dos 132 trabalhos do
GT 23, 59 (44,7%) foram desenvolvidos com auxílio de algum órgão de
apoio à pesquisa ou à pós-graduação. Tais números são significativos
e podem expressar uma ampliação do número de pesquisas sobre
gênero que obtém financiamento, hipótese que foge às condições de
comprovação no âmbito deste trabalho. De todas as formas, parece-nos
que estudiosas/os do gênero vêm participando ativamente das disputas
no campo científico, de forma a tornar legítimo seu objeto de estudo.

Contudo, outras características da produção são mais importantes


para demonstrar que tipo de avanços vem ocorrendo na associação,
o que pode ser percebido pela análise da Tabela anexa. Inicialmente,
três GTs nunca tiveram, entre 2000 e 2011, algum estudo que utilizasse
o gênero como categoria de análise: os GTs 11 (Política da Educação
Superior), 15 (Educação Especial) e 17 (Filosofia da Educação).

Em segundo lugar, todos os demais grupos ao menos contam


com um trabalho no período, sendo que há quatro deles com 10 ou
mais trabalhos: os GTs 2 (16 trabalhos); 7 (Educação da Criança de

140
io
ár 0 a 6 Anos), com 14 trabalhos; e com 10 trabalhos os GTs 3 e 14
m
Su

(Sociologia da Educação). Em seguida, o GT 23 alcança 132 trabalhos


porque todos seus estudos são enquadrados, por nós, na categoria FP.

Mas, finalmente, uma leitura horizontal da tabela dá


informações mais significativas para a comparação da produção
do GT 23 em relação à dos demais GTs. Tomando-se primeiramente
os GTs 2, 3, 7 e 14 podemos ver que, excetuando o GT 3, os outros
apresentam regularidade em sua produção, pois são raros os anos
onde o dígito é zero. Parece que há receptividade à temática nos
grupos citados, e/ou há pesquisadoras/es do gênero que mantêm
seu vínculo com tais grupos no transcorrer do tempo.

Além disso, antes de 2004 (ano criação do GT 23) a hegemonia


da produção recaía sobre os GTs 2 e 7. E, ano a ano, é bem razoável a
soma de todos os textos dos grupos reunidos, em comparação com os
do GT 23. Isso é mais claro em 2010, quando esse contou com número
de textos idêntico (17) aos dos demais grupos reunidos.

Portanto, queremos destacar que, embora seja evidente


o espaço aberto pela criação do GT 23, não parece haver uma
atração ao grupo de parte de associadas/os que já pesquisavam
sobre gênero. Ou seja, percebe-se a manutenção da regularidade da
produção nos outros GTs que já vinham dando lugar ao gênero, o que
pode indicar a permanência de pessoas que pesquisam gênero em
seus próprios GTs, sem migrar ao GT 23. Este, sim, passou a abrigar
uma demanda represada.

Em suma, o avanço dos estudos de gênero é significativo na


ANPEd, pois além do relatado existe também uma inserção maior do
tema em atividades gerais dos eventos (sessões especiais, sessões
conversa), ampliando, de fato, a visibilidade. Mas, por outra parte, há
lugares onde o gênero simplesmente “não existe”, não importa, não

141
io
ár interessa. Documentos do GT 235 descrevem um processo de inegável
m
Su

ganho de espaço e aceitação da relevância da existência de um GT


para abrigar os estudos de gênero; contudo, em nossa opinião isso
não é idêntico à legitimação do gênero como categoria de análise útil
em todos os campos da área de educação.

DISCUTINDO A INFLUÊNCIA DOS GRUPOS


DE PESQUISA PARA O AVANÇO DO
CAMPO DO GÊNERO E EDUCAÇÃO

Nem no campo científico nem no campo das relações de


classe existe instância alguma que legitime as instâncias de
legitimidade; as reivindicações de legitimidade obtêm sua
legitimidade da força relativa dos grupos cujos interesses
expressam (BOURDIEU, 2003b, p. 22).

Uma mirada panorâmica nas informações coletadas – que


condizem com indagações de outras autoras (VIANNA et al., 2011) -,
permite relatar uma grande dispersão na produção encontrada entre
2000 e 2011. Por dispersão queremos dizer que objetos e áreas de
conhecimento de origem dos estudos são muito variados, sendo
difícil perceber, à simples vista, acúmulo de conhecimentos e posterior
investimento em temas novos. Nesse sentido, pensamos que uma
forma de captar articulação entre estudos seria observar a produção
trazida por grupos de pesquisa.

Não obstante, para assegurar-nos, com maior precisão, do


impacto dos grupos de pesquisas - enquanto fonte da produção
qualificada e garantia da multiplicação da discussão e intervenção
nas políticas educacionais sobre gênero e diversidade sexual -,
5 Veja-se, por exemplo, a “Proposição de passagem do GE 23 a GT”, disponível em:
https://www.anped.org.br/grupos-de-trabalho/gt23-g%C3%AAnero-sexualidade-e-
educa%C3%A7%C3%A3o. Acesso em: 29 jun. 2021.

142
io
ár seria preciso verificar grupos e orientadoras/es de trabalhos de pós-
m
Su

graduação. Ou seja, seria preciso ver a articulação entre estudos de


orientadoras/es e orientandas/os e ementas de linhas de pesquisa de
programas de pós-graduação e de grupos de pesquisa.

Aqui apresentamos uma análise preliminar dessas articulações,


em parte devido às dificuldades metodológicas para a coleta de
dados, pois a ANPEd não solicita a discriminação do tipo de estudo
de origem (dissertação, tese ou pesquisa de outra natureza) nem
se o trabalho contou com orientação, detalhe interessante para nós,
pois não necessariamente um trabalho sobre gênero foi orientado
por alguém que também pesquisa o tema. Rastrear orientadoras/es
implicaria num exercício não passível de ser realizado neste momento,
de forma que nos reduzimos, a partir do curriculum Lattes, a levantar
a titulação das e dos autores à época em que o texto foi apresentado
na ANPEd, para saber se cursavam a pós-graduação stricto sensu. Por
outra parte, para examinarmos o pertencimento a grupos de pesquisa
somente poderíamos ser precisas no caso da vinculação atual, pois não
havia histórico de pertencimento a grupos dos quais as pessoas não
mais participam6. Ademais, o pertencimento varia: algumas pessoas
estavam ligadas a grupos à época de sua titulação aos quais hoje
não mais pertencem; há pessoas que se transferiram de instituição e
constituíram outros grupos etc.

Desta forma, para essa apreciação criamos alguns cenários:


em primeiro lugar, visamos os trabalhos FP apresentados nos GTs
que indicaram financiamento entre 2007 e 2010 - pois em 2011 essa
informação não consta dos textos registrados na página WEB -, e
verificamos o pertencimento atual do/a primeiro/a autor/a a grupo
vinculado ao Diretório de Grupos de Pesquisas do CNPq. Como é
possível manter-se vinculado a vários grupos, utilizamos critérios
6 Informações coletadas anteriormente à nova versão do Diretório de Grupos de Pesquisa do
CNPq, lançada em 23.04.2014 (conforme: http://www.cnpq.br/web/guest/noticiasviews/-/
journal_content/56_INSTANCE_a6MO/10157/1851256. Acesso em 30 jun. 2014).

143
io
ár alternados: indicar o grupo em que a pessoa fosse líder; indicar o
m
Su

grupo cuja ementa sugerisse abordagem mais aproximada aos


estudos de gênero e sexualidades; indicar o grupo certificado pela
instituição de vinculação do/a autor/a; enfim, uma complexa seleção
de grupos-referência.

Então, fixando-nos em todos os GTs, menos o 23, percebemos


que apenas quatro grupos de pesquisa, num total de 30 textos,
apresentam mais que um texto nas reuniões 30ª a 33ª. São eles:
Formação em Diálogo: Narrativas de Professoras, Currículos e Culturas,
da UERJ (31ª e 32ª Reunião), ambos os trabalhos no GT 4 (Didática);
INOVAR, da UFMG (31ª e 32ª Reunião), ambos os trabalhos no GT 14
(Sociologia da Educação); Trabalho, Educação e Conhecimento, da
UNISINOS (32ª e 33ª Reunião), ambos os trabalhos no GT 6 (Educação
Popular); e Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Currículos e Culturas
– GECC, da UFMG (dois trabalhos na 33ª Reunião no GT 12). Observe-
se que tais grupos estão situados em instituições do Sudeste e do Sul;
e que dentre os GTs citados somente o GT 4 não se encontra entre
aqueles que expressam maior produção sobre gênero.

Outro detalhe corresponde a bolsas de produtividade7 de


pessoas (primeiro/a autor/a) que apresentaram estudos financiados
em 2007/2010. Localizamos somente cinco pessoas, três8 com
trabalhos em 2007 e duas9 com trabalhos em 2010. Os grupos
foram, respectivamente às Reuniões citadas: GT 5 (Estado e
Política Educacional) e GT 14 (dois trabalhos); e GTs 19 (Educação
Matemática) e 22 (Educação Ambiental). Como se vê, os campos de
conhecimento onde os estudos foram submetidos são bem variados,
diferindo, inclusive, da configuração indicada no caso de grupos com
maior índice de produção. Ou seja, não há correlação entre grupos de

7 Informação coletada em maio de 2014.


8 Ângelo R. Souza; Marília Pinto de Carvalho; Alceu Ravanello Ferraro.
9 Gelsa Knijnik; Isabel Cristina de Moura Carvalho.

144
io
ár pesquisa, bolsistas de produtividade e publicações constantes sobre
m
gênero em GTs específicos, excetuando-se o caso de Marília Pinto de
Su

Carvalho (que costuma participar do GT 14).

Contudo, se nos detivermos exclusivamente no GT 23, a


situação altera-se bastante, pois ali há a hegemonia de alguns grupos
de pesquisas, presentes repetidamente em várias reuniões. Neste
caso, somente duas autoras com trabalho financiado nas reuniões
em questão possuem bolsa de produtividade, e aqui estamos falando
de um montante de 37 trabalhos10. Fixando-nos nas titulações
percebemos que a maior parte dos participantes estava na condição
de estudantes (14 docentes versus 23 pessoas em formação), o que
muito provavelmente significa que o financiamento se refira a bolsas
de pós-graduação.

Esses 37 trabalhos foram enviados por pessoas ligadas a 19


grupos, com seis trabalhos de pessoas que não constam no Diretório
de Grupos de Pesquisas. O grupo que mais aparece é o GEERGE
(UFRGS) - com pesquisadoras já formadas e outras/os em formação
-, mas ainda assim, em termos de número de grupos, a região sudeste
supera as demais.

Em segundo lugar, se tomarmos, agora, as reuniões entre


2007 e 2011, encontramos outros elementos importantes. Alguns
dos grupos que estiveram à frente da criação do GT 23, em 2004,
vêm se constituindo nos alicerces de sua sustentação, em termos
de coordenação e de representação no Comitê Científico da ANPEd.
Assim, GEERGE, GEPSEX (UFMS), e Relações entre Filosofia e
Educação para a Sexualidade na Contemporaneidade: A Problemática
da Formação Docente (UFLA) vêm se alternando na coordenação
e vice-coordenação do GT. Tais grupos, somados a Educação,

10 Outros/as três bolsistas de produtividade apresentaram trabalhos, mas não indicaram


financiamento: Anderson Ferrari (30ª Reunião); Maria Rita de Assis César (31ª Reunião);
Edvaldo Souza Couto (33ª Reunião).

145
io
ár Diversidade e Inclusão (UFPB), LABIN - Laboratório de Investigação
m
Su

em Corpo, Gênero e Subjetividade na Educação (UFPR) e NUDISEX


– Núcleo de Pesquisa e Estudo em Diversidade Sexual (UEM), têm
ocupado a função de representação do GT no Comitê Científico.

Em terceiro lugar, se tomarmos por referência o total de 77


trabalhos e pôsteres publicados nas cinco reuniões examinadas,
encontramos pessoas que têm estudos em várias reuniões: uma
pessoa publicou seus estudos em quatro reuniões, cinco pessoas
publicaram em três reuniões, enquanto nove pessoas têm dois textos
publicados no conjunto de cinco reuniões; juntos, tais trabalhos
alcançam quase a porcentagem de 50%. Desta forma, no período
analisado existe pouca rotatividade de pessoas11.

Por fim, é preciso tecer outros comentários. Tornou-se evidente


que são grupos de pesquisa, e não apenas indivíduos, que têm dado
sustentação à maioria dos estudos sobre gênero e sexualidades
expressos na ANPEd. Isso é mais claro no que se refere ao GT 23, ao
ser ele a canalizar a maior parte da produção a respeito.

Igualmente observa-se que a maioria dos grupos é


originária da área de Educação, embora haja outros provenientes
da Antropologia, Psicologia e Educação Física, indicando a
interdisciplinaridade característica dos estudos de gênero.

Parece, também, que o Diretório de Grupos de Pesquisa


veio a impulsionar a formação e consolidação de grupos em nosso
país, tendo em conta que a maioria dos grupos indicados foi criada
não somente após o lançamento do referido Diretório (1992),
como também há grupos com tempo de fundação muito variado,
dependentes, provavelmente, do processo de formação de quadros

11 De um ponto de vista qualitativo aqui caberia verificar as diferenças e semelhanças


entre trabalhos apresentados pelas mesmas pessoas/grupos, com vistas a discutir a
possibilidade de um tipo de endogenia acadêmica.

146
io
ár docentes com atuação nas instituições de ensino superior. Dentre os
m
grupos com trabalhos financiados entre 2007 e 2010 encontramos
Su

apenas quatro grupos formados na década de 1990. O mais antigo


é o GEERGE (1990), seguido pelo FOCUS – UNICAMP (1994), pelo
Núcleo Interdisciplinar de Estudos de Gênero – UFV (1996) e pelo
grupo Processo de Trabalho Docente – UFPel (1999). Os demais 15
grupos foram criados posteriormente ao ano 2000, sendo quatro
deles do ano de 2010 em diante. Por outra parte, em relação à data
de fundação do GT 23 (2004), encontramos 11 grupos criados em
anos posteriores, alguns deles com forte presença dentro do GT
(como é o exemplo do Grupo de Estudo em Gênero, Sexualidade e
Sexo em Educação – GSS – UFMG).

Ainda ficou evidente que algumas pessoas que estavam em


formação em nível de pós-graduação migraram ou instituíram novos
grupos, realimentando a produção sobre gênero e colaborando na
ampliação de grupos de pesquisa em nosso país. Só para ter-se uma
ideia, os grupos Juventude, Educação e Sociabilidades – UEPA; e
Gênero, Corpo, Sexualidade e Educação – UFU foram institucionalizados
em 2013, dois anos após, portanto, que as autoras a eles vinculadas
apresentassem seus trabalhos na 33ª Reunião da ANPEd.

Finalmente, cabe observar que a última versão do Diretório


de Grupos de Pesquisa permitirá um acompanhamento futuro mais
pormenorizado de alguns dos movimentos sublinhados; por exemplo,
uma funcionalidade agora existente refere-se a registro para egressos,
o que possibilita acompanhar melhor a formação de recursos humanos
para a pesquisa.

147
io
ár CONSIDERAÇÕES FINAIS: ESTÃO OS ESTUDOS
m
Su

DE GÊNERO LEGITIMADOS NA ANPED?

O capital científico é uma espécie particular de capital simbólico


(do qual sabemos que sempre se apóia em atos de conhecimento
e reconhecimento) que consiste no reconhecimento (ou no
crédito) outorgado pelo conjunto dos pares-competidores
dentro do campo científico (BOURDIEU, 2003b, p. 79).

Embora apresentem relações entre si, as duas questões


abordadas neste texto poderiam ser discutidas de forma independente.
Deste ponto de vista, com a primeira questão quisemos problematizar
nossas próprias convicções anteriores, ao perceber que, mesmo
considerando os imensos avanços dos estudos de gênero na ANPEd
– e que expressam, em alguma medida, como está a discussão em
nível da pós-graduação e como se encontra a pesquisa a respeito
–, parece que seu crescimento deve-se mais à criação de um nicho,
como indicado nas referências apresentadas no início deste trabalho,
do que a uma real aceitação de relevância analítica da categoria na
instituição como um todo. Em síntese, em toda a história da ANPEd há
áreas nas quais o gênero simplesmente ainda não ingressou.

É possível dizer, então, que os estudos de gênero estão


legitimados no espaço da ANPEd? Essa é uma provocação trazida ao
debate, mas as pistas de nossa conclusão transparecem nas palavras
do autor que vem sendo utilizado em nossas epígrafes:
Um problema filosófico (ou científico etc.) legítimo é aquele que
os filósofos (ou os cientistas) reconhecem [...] como tal – porque
se inscreve na lógica da história do campo e em suas disposições
historicamente constituídas para e pelo pertencimento ao campo
– e que, pelo fato mesmo da autoridade específica que se lhe
reconhece, tem grandes possibilidades de ser amplamente
reconhecido como legítimo (BOURDIEU, 2003a, p. 123-124).

148
io
ár O outro lado dessa discussão – ganho de espaço, aceitação
m
Su

da relevância (legitimação...) – radica naqueles e naquelas que têm


pleiteado a inclusão do tema como problema relevante e legítimo, ou
seja, pesquisadoras e pesquisadores que, como tentamos demonstrar,
vêm utilizando o artifício (legítimo, isto é, segundo a força dos grupos,
dentro das regras do campo) de aprofundar o conhecimento do tema
por meio de grupos de pesquisa reconhecidos pelas instituições
organizadoras da produção científica no país. Os grupos de pesquisa
são inegavelmente os propulsores da produção e da luta por
legitimação, especialmente dentro do GT 23, onde investem forte e
constantemente. Não é isso que ocorre nos demais GTs da ANPEd,
nos quais pouco se encontra em termos de produções de pessoas
diferentes ligadas a mesmos grupos de pesquisa. Ou seja, ao investir
em apresentações no GT 23, os grupos de pesquisa fornecem a seus
membros o aval de seu capital científico – situação, aliás, que por si só
já se constitui em outro interessante objeto de análise.

Por fim, um comentário de natureza qualitativa. Em termos


de conteúdo dos estudos, o GT 23 parece ser hegemonizado pela
perspectiva pós-estruturalista, especialmente num aspecto que, em
nossa opinião, expressa avanços nas análises de gênero: a concorrência
de perspectivas diferenciadas sobre gênero e diversidades sexuais.
Essa ligação é uma potente característica do GT, sendo que nos demais
GTs muito pouco se encontra sobre diversidades sexuais entre 2007 e
2011, predominando trabalhos – da mesma forma, relevantes – sobre
a condição das mulheres; sobre a feminização da docência; sobre as
relações de gênero no ambiente escolar, no currículo e nos processos de
avaliação etc. Por outra parte, há pouca presença de outros enfoques,
o que pode conduzir a um estreitamento da compreensão do objeto.
Disputas são essenciais para que um campo científico avance.

149
io
ár REFERÊNCIAS
m
Su

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150
io
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151
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ár NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E
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152
Su
m
ár
io
* Inclui trabalhos completos e pôsteres.

GT1; 2 TOTAL REUNIÕES ANUAIS/TRABALHOS G/S


TRABALHOS TOTAL
2000/2011 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2007 2007 2008 2009 2010 2011 TRABALHOS
(23ª) (24ª) (25ª) (26ª) (27ª) (28ª) (30ª) (30ª) (31ª) (32ª) (33ª) (34ª) G/S POR GT

2 233 1 3 1 1 1 2 0 2 0 3 0 2 16 (6,9%)

(2000-2011) (somente uso do gênero como ferramenta primária)*


gênero e sexualidades (G/S) por GT 23ª à 34ª Reunião da ANPEd
3 179 2 0 0 0 2 2 1 0 0 0 2 1 10 (5,6%)

Número total de trabalhos versus número de trabalhos sobre


4 210 0 0 0 0 0 0 0 0 1 2 0 0 3 (1,4%)
Fonte: elaboração própria a partir de dados coletados

5 271 0 0 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 (0,4%)

6 213 1 0 1 0 0 0 0 0 0 2 2 1 7 (3,3%)
na página da ANPEd (www.anped.org.br).

7 242 1 2 2 0 0 2 3 1 0 1 0 2 14 (5,8%)

8 359 0 2 0 0 0 3 0 0 0 0 0 1 6 (1,7%)

9 219 0 0 0 0 1 0 0 0 0 1 1 0 3 (1,4%)

10 216 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 0 1 (0,5%)

11 206 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

12 278 0 0 0 2 0 0 0 1 0 1 3 1 8 (2,9%)

13 241 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 1 (0,4%)

14 169 1 0 0 1 1 1 0 2 1 1 1 1 10 (5,9%)

15 217 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

16 274 0 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 5 (1,8%)

17 178 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0

18 220 0 0 1 0 0 0 0 0 2 0 2 1 6 (2,7%)

19 215 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 2 1 3 (1,4%)

20 194 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1 0 2 (1%)

21 177 X X 2 1 1 0 1 1 0 0 0 1 7 (4%)

22 139 X X X 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 (0,7%)

23 132 X X X X 18 21 16 17 14 14 17 15 132 (100%)

243 99 X X X X X X X 0 0 0 1 0 1 (1%)

TOTAL 4881 7 7 8 7 25 31 21 25 18 26 34 28 237 (4,9%)


153
io
ár 1
Nomes dos GTs: GT 2 - História da Educação; GT 3 - Movimentos Sociais e
m
Educação; GT 4 - Didática; GT 5 - Estado e Política Educacional; GT 6 - Educação
Su

Popular; GT 7 - Educação da Criança de 0 a 6 anos; GT 8 - Formação de


Professores; GT 9 - Trabalho e Educação; GT 10 - Alfabetização, Leitura e Escrita;
GT 11 - Política de Educação Superior; GT 12 – Currículo; GT 13 - Educação
Fundamental; GT 14 - Sociologia da Educação; GT 15 - Educação Especial; GT
16 - Educação e Comunicação; GT 17 - Filosofia da Educação; GT 18 - Educação
de Pessoas Jovens e Adultas; GT 19 - Educação Matemática; GT 20 - Psicologia
da Educação; GT 21 - Educação e Relações Étnico-Raciais; GT 22 - Educação
Ambiental; GT 23 – Gênero, Sexualidade e Educação; GT 24 - Educação e Arte.
2
A letra “X” aponta a inexistência do grupo nos anos indicados.
3
Na 30ª e 31ª Reunião o atual GT 24 intitulavase, simplesmente, GE
(Grupo de Estudos).

154
6
Capítulo 6

GÊNERO, SEXUALIDADE E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES:
UMA ANÁLISE A PARTIR DA
PRODUÇÃO ACADÊMICA DA ANPED1

Maria Cláudia Dal’Igna


Maria Cláudia Dal’Igna
Renata Porcher Scherer
Renata Porcher Scherer
Éderson da Cruz Éderson da Cruz

GÊNERO, SEXUALIDADE
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.155-183

E FORMAÇÃO
DE PROFESSORES:
UMA ANÁLISE
A PARTIR DA PRODUÇÃO
ACADÊMICA DA ANPED1
1 A versão original deste texto foi publicada na Revista Inter-ação (UFG), e esta versão é
publicada neste livro com anuência da Comissão Editorial do referido periódico. Uma versão
preliminar também foi apresentada no GT23, em 2016. Referência original: DAL’IGNA, Maria
1 Cláudia;
A versãoSCHERER,
original deste textoPorcher;
Renata foi publicada
CRUZ, na Revista
Éderson da.Inter-ação (UFG), e esta
Gênero, sexualidade versão é
e formação
publicada
de neste livro
professores: umacom anuência
análise dada
a partir Comissão
produçãoEditorial do referido
acadêmica periódico.
da ANPEd. Uma versão
Inter-ação, v. 42,
preliminar
p. 632-655,também foi apresentada
2018. Disponível no GT23, em 2016. Referência original: DAL’IGNA, Maria
em: https://www.revistas.ufg.br/interacao/article/view/48941
Cláudia; SCHERER, Renata Porcher; CRUZ, Éderson da. Gênero, sexualidade e formação
de professores: uma análise a partir da produção acadêmica da ANPEd. Inter-ação, v. 42,
p. 632-655, 2018. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/interacao/article/view/48941
io
ár O CONTEXTO DA ANÁLISE
m
Su

A análise que está sendo aqui apresentada é desenvolvida a partir


de uma revisão bibliográfica, tal como compreende Alda Alves-Mazzotti
(1998), pois pretende organizar uma certa produção acadêmica,
tentando identificar as dimensões que vêm sendo destacadas e
privilegiadas, e aquelas que ainda merecem ser investigadas.

Assim, este texto apresenta e discute os resultados de uma


análise realizada a partir da produção acadêmica da Associação
Nacional de Pesquisadores em Educação (ANPEd), que se constitui
como uma importante associação de pesquisa em educação do
Brasil, especialmente aquela desenvolvida por pesquisadoras e
pesquisadores vinculados ao Grupo de Trabalho 23 (GT 23): Gênero,
Sexualidade e Educação.

O corpus de análise foi constituído por 25 trabalhos que articulam


gênero e/ou sexualidade ao focalizar a formação de professores e
professoras, todos apresentados no GT 23 no período de 2004 a 2014.
A análise desse corpus foi elaborada para subsidiar um conjunto de
pesquisas realizadas na região Sul do Brasil, vinculadas a um Programa
de Pós-Graduação em Educação. Atualmente, duas pesquisas de
doutorado, dois trabalhos de conclusão de curso e um projeto de
pesquisa mais amplo que reúne estes estudos2 têm se servido da

2 Pesquisa mais abrangente, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Educação


da Unisinos: “Pibid/Capes: impactos de uma política de formação inicial na construção
da identidade profissional da pedagoga.” (DAL’IGNA, 2017). Pesquisas de doutorado
e de graduação/iniciação científica, citadas respectivamente, integrantes do projeto de
pesquisa mais abrangente: “Metamorfoses no mundo do trabalho docente: uma analítica
de gênero” (SCHERER, 2017); “Homens, cinema e docência: masculinidades na telona.”
(CRUZ, 2017); “Gênero, Sexualidade e Profissionalidade: uma análise das narrativas de
docentes homossexuais.” (SILVA, 2018); “Famílias homo parentais: implicações para a
formação do pedagogo.” (PRADO,2017). Não localizei o nome completo. Agradecemos ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Coordenação
de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) pelo apoio financeiro concedido
aos estudos que deram origem a este trabalho e a equipe de pesquisa coordenada pela
professora Maria Cláudia Dal’Igna.

156
io
ár analítica desenvolvida sobre a produção acadêmica do GT 23 da
m
Su

ANPEd, para construir e delimitar seus problemas. Ao mesmo tempo,


a sistematização e a análise dessa produção acadêmica sobre gênero,
sexualidade e formação de professores podem fornecer subsídios
necessários para que outras possibilidades e desdobramentos de
pesquisas envolvendo tais temáticas possam ser produzidas, tanto no
espaço do programa da pós- graduação a que essas cinco pesquisas
se vinculam, como também para que seus resultados possam
potencializar outras pesquisas afins.

Tanto as pesquisas referidas como o presente texto assumem


como referencial teórico os Estudos de Gênero e os Estudos
Foucaultianos. De modo mais específico, assumimos três pressupostos
teórico-metodológicos que irão guiar nossas análises, com base nas
contribuições da pesquisadora Dagmar E. Meyer (2012):

Primeiro. A linguagem ocupa centralidade para a significação


do mundo, uma vez que não é compreendida como mero instrumento
neutro de comunicação com o exterior, ou como espelho da realidade,
mas como uma construção social, histórica e cultural que institui formas
de ser e de viver e dar significado à realidade3.

Segundo. A educação, em um sentido mais amplo, é aqui


compreendida como conjunto de processos pelos quais indivíduos
são transformados ou se transformam em sujeitos de uma cultura, o
que significa, no âmbito dessa análise, assumir uma postura segundo
a qual tais processos não são formativos apenas a partir daquilo que se
elegeu importante ensinar, mas que, num sentido mais amplo, também

3 Mauro Condé (1998), comentando as implicações do pensamento de Wittgenstein para


a noção de linguagem, afirma que a pergunta sobre os diferentes usos que fazemos
da linguagem indica uma recusa da busca de sua essência ou, ainda, a negação da
possibilidade de uma linguagem universal.

157
io
ár formam através daquilo que é posto à margem do ensino, instituindo
m
Su

marcas, lugares e posições nos jogos de poder4.

Terceiro. O gênero funciona como organizador do social e


da cultura, e de tal forma, assim como já anunciaram autoras como
Joan Scott (1995) e Linda Nicholson (2000), constitui-se um elemento
importante a ser considerado para análise, não disperso da constituição
histórica dos sujeitos e das culturas e como uma forma primária de
significar as relações de poder. Considerando esses três pressupostos
teórico-metodológicos, pode-se afirmar que esse trabalho assume um
compromisso em descrever e problematizar os processos pelos quais
significados da produção acadêmica sobre gênero, sexualidade e
formação de professores são produzidos, a partir de complexas redes
de saber e de poder, e que esses processos produzem consequências
para os indivíduos e/ou grupos aos quais eles se dirigem. Assim, ao optar
por trabalhos acadêmicos como superfície analítica, compreendemos
que eles podem nos auxiliar a compreender as formas pelas quais as
relações de gênero e sexualidades podem ser vividas pelos indivíduos
em diferentes momentos da sua vida. Trata-se de um emaranhado
de fios que constituem complexas teias discursivas, que não apenas
descrevem, mas que conformam os modos de compreender, também,
as relações de gênero e as sexualidades, em articulação com a
formação de professores, objetos dessa análise.

Debruçando-se sobre tais pressupostos teórico-metodológicos,


este trabalho busca fomentar um debate sobre o que tem sido dito
acerca da formação de professores, e que atravessamentos de gênero

4 Dagmar Meyer, Maria Cláudia Dal’Igna e Maria Simone Schwengber (2015, p. 185), ao
analisar o verbete Educação, explicam que: “[...] o ato ou processo de educar ou educar-
se no mundo inclui o conhecimento e desenvolvimento resultantes desse ato ou processo.
Nesse sentido, o termo educar reúne dois grupos de significados, associados aos termos
educare – de fora para dentro do indivíduo, com o sentido de orientar, levá-lo do ponto em
que se encontra para outro que se deseja alcançar – e educere – de dentro para fora, no
sentido de promover as potencialidades que o indivíduo possui”. (grifo das autoras).

158
io
ár e de sexualidade são possíveis de serem identificados (ou não) nas
m
Su

pesquisas desenvolvidas pelo GT 23.

Para desenvolver nossa argumentação, estruturamos a


discussão a seguir em duas seções: na primeira, A produção
acadêmica da ANPEd em contexto, explicamos de que modos a
análise proposta neste capítulo foi organizada e desenvolvida, e
apresentamos a justificativa para a escolha dos trabalhos e a
definição da temporalidade examinada; na segunda, Gênero,
sexualidade e formação de professores em debate na pesquisa
educacional, apresentamos o material empírico analisado neste
texto e discutimos os modos como gênero e sexualidade são
abordados ao focalizar a formação de professores; na terceira e
última seção, após a explanação desses resultados, apresentamos,
então, as conclusões advindas da análise de parte da produção
acadêmica do GT 23 da ANPEd sobre os temas gênero, sexualidade
e formação de professores.

A PRODUÇÃO ACADÊMICA DA
ANPED EM CONTEXTO

O processo metodológico que nos propusemos a realizar deu-


se, inicialmente, pela tentativa de mapear a produção acadêmica
brasileira sobre formação de professores, articulada às relações de
gênero e às sexualidades. Fizemos isso em alguns bancos de dados
reconhecidos na área educacional, e dentre eles destacamos o que
chamamos de banco de dados sistematizado da produção acadêmica
da ANPEd, disponível em formato digital no portal da Associação.5

5 Desde 2000, a ANPEd disponibiliza uma versão completa de cada trabalho e pôster
apresentados nos grupos de trabalho, nas reuniões científicas nacionais. Para maiores
detalhes, ver: http://www.anped.org.br/.

159
io
ár Em 1978, a ANPEd realizou na Universidade Federal do Ceará
m
sua primeira reunião científica nacional. E, desde 2000, a partir da
Su

23ª reunião, a ANPEd disponibiliza uma versão completa de cada


trabalho e pôster apresentado nos grupos de trabalho, nas reuniões
científicas nacionais. Considerando essas características do banco de
dados da Associação, empreendemos uma primeira busca usando
como palavras-chave os termos gênero, sexualidade e formação
de professores, em relação. Essa busca nos direcionou para a
produção acadêmica apresentada nos grupos de trabalho Formação
de Professores (GT 08), Educação Fundamental (GT 13) e Gênero,
Sexualidade e Educação (GT 23).

Nesse primeiro levantamento de informações sobre a produção


acadêmica, identificamos 615 trabalhos publicados nos referidos
grupos no período de 2004 a 2014. Todos os 615 trabalhos foram
examinados por nós e, a partir dessa triagem, foi verificado que
apenas 26 trabalhos buscavam realizar uma articulação entre os temas
aos quais nos propomos investigar. Desses 26 trabalhos, 25 foram
publicados no GT Gênero, Sexualidade e Educação e apenas um no
GT Formação de Professores.

Em 2004, o Grupo de Estudos (GE) 23 Gênero, Sexualidade


e Educação é criado (ainda como grupo de estudos, consolidando-
se como grupo de trabalho dois anos após, em 2006), e parte da
produção acadêmica dirigida às relações de gênero e sexualidades,
antes diluída em outros grupos de trabalho, passa a ser apresentada
sistematicamente neste grupo. Em 2014, nós (autoras e autor deste
texto), realizamos um primeiro exercício analítico deste corpus e o
apresentamos em uma reunião regional no eixo temático Gênero,
Sexualidade e Educação. Com isso, justificamos a temporalidade
estabelecida (2004 a 2014) e o conjunto de trabalhos analisados (25).
Esse primeiro movimento já tornou possível inferir que os trabalhos que
optam por olhar para a formação de professores de forma articulada

160
io
ár aos conceitos de gênero e/ou sexualidade têm se concentrado, nos
m
Su

últimos dez anos, no GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação, e que tal


articulação não tem sido enfatizada no GT 08 Formação de Professores.
Por isso, escolhemos lançar nosso olhar para a produção desse grupo
de trabalho, para podermos descrever os modos como percebemos
que gênero e sexualidade são abordados nos trabalhos analisados, ao
focalizarem a formação de professores.

Além disso, é importante e necessário neste momento registrar


que o estudo da produção acadêmica do GT 23 Gênero, Sexualidade
e Educação já foi realizado por outras autoras e autores, em ocasiões
distintas, por pesquisadoras e pesquisadores que compõe o GT.
Ressaltamos aqui os seguintes estudos: Cláudia Ribeiro, Dagmar
Meyer e Paulo Ribeiro (2004); Guacira L. Louro (2006); Márcia Ferreira
e Georgina Nunes (2010); Cláudia Ribeiro e Constantina Xavier Filha
(2013); Márcia Ferreira (2015); Márcia Ferreira e Márcia Coronel (2017).

Trabalho encomendado. Cláudia M. Ribeiro (UFLA); Dagmar


E. Meyer (UFRGS); Paulo R. M. Ribeiro (UNESP/Araraquara). Título:
“Gênero, sexualidade e educação:‘olhares’ sobre algumas das
perspectivas teórico-metodológicas que instituem um novo GE.”
Apresentado na 27ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em 2004.

Trabalho encomendado. Guacira L. Louro (UFRGS). Título:


“Gênero, Sexualidade e Educação – das afinidades políticas às
tensões teórico- metodológicas.” Apresentado na 29ª Reunião Anual
da ANPEd, realizada em 2006.

Comunicação de Pesquisa. Márcia Ondina V. Ferreira (UFPel);


Georgina H. L. Nunes (UFPel). Título: “Panorama da produção sobre
gênero e sexualidades apresentada nas reuniões da ANPEd (2000-2006)”.
Apresentada na 33ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em 2010.

161
io
ár Trabalho encomendado. Cláudia M. Ribeiro (UFLA); Constantina
m
Su

Xavier Filha (UFMS). Título: “Trajetórias teórico-metodológicas em 10


anos de produção do GT 23”. Apresentado na 36ª Reunião Anual da
ANPEd, realizada em 2013.

Comunicação de Pesquisa. Márcia Ondina V. Ferreira (UFPel).


Título: “O campo do gênero na ANPEd: hipóteses em construção.”
Apresentada na 37ª Reunião Anual da ANPEd, realizada em 2015.

Artigo publicado em periódico. Márcia Ondina V. Ferreira (UFPel);


Márcia C. V. K. Coronel (UFPel). Título: “Sobre a legitimação do campo
do gênero na ANPEd.” Publicado na revista Educação e Pesquisa, v.
43, n. 3, p. 815-831, jul./set., 2017.

Considerando os objetivos propostos para este capítulo e sua


limitada extensão, optamos por não detalhar as conclusões desses
estudos. Apesar disso, consideramos importante citar cada um
porque juntos eles compõem uma consistente fotografia da produção
acadêmica do GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação, e destacam
as diferentes abordagens teóricas e metodológicas que sustentam
essa produção, os grupos de pesquisa que estão radicados no GT,
as disputas conceituais que têm se estabelecido e as afinidades
políticas que mobilizam o grupo de pesquisadoras e pesquisadores.
Os resultados apontam, ainda, desafios relacionados à visibilidade e
à legitimação das relações de gênero e das sexualidades na ANPEd
e no próprio GT 23. Por fim, um estudo detalhado desta produção
nos mostrou que uma análise como esta proposta por nós, neste
texto, ainda se faz necessária porque a produção acadêmica do GT
não foi examinada focalizando a formação de professores, como
estamos buscando fazer.

Tendo feito esse parêntese, a seguir apresentamos uma


distribuição temporal dos trabalhos encontrados no GT 23 Gênero,
Sexualidade e Educação:

162
io
ár Tabela 1 – Total de trabalhos apresentados e selecionados para análise.
m
Su

Trabalhos selecionados,
Número de trabalhos a partir das temáticas
Ano apresentados investigadas
2004 13 1
2005 13 1
2006 12 0
2007 16 4
2008 11 2
2009 12 1
2010 15 3
2011 15 2
2012 17 3
2013 17 5
2014 26 3

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras e pelo autor (2017).

Ao olharmos com atenção a tabela, podemos identificar que


a produção do GT, voltada para a discussão sobre formação de
professores, mesmo sendo pequena, tem se mantido constante.
Apenas em 2006 não se teve nenhuma produção sobre formação de
professores e, nos demais anos, teve-se, em média, de um a cinco
trabalhos produzidos/apresentados. A leitura desses 25 trabalhos
selecionados possibilitou elencarmos três unidades de sentido,
denominadas: (1) Feminização do magistério e constituição da
docência; (2) Diferenças de gênero e de sexualidade na formação
de professores; (3) Gênero e sexualidade em foco na formação
de professores. Temporalmente, dividimos essas unidades da
seguinte forma:

163
io
ár Tabela 2 – Unidades de sentido criadas a partir dos trabalhos selecionados.
m
Su

Unidade

2014

2013

2012

2011

2010

2009

2008

2007

2006

2005

2004

Total
de análise

(1) 0 0 1 0 1 0 0 2 0 0 1 5
(2) 3 2 1 1 0 0 2 0 0 1 0 10
(3) 0 3 1 1 2 1 0 2 0 0 0 10

Fonte: Tabela elaborada pelas autoras e pelo autor (2017).

A tabela nos mostra um número menor de trabalhos relacionados


à primeira categoria, enquanto, na segunda e na terceira categorias,
percebe- se um aumento significativo no número de trabalhos
apresentados. Outro fator temporal que nos chama atenção refere-
se ao fato de que os trabalhos relacionados à primeira categoria que
elencamos somente surgiram a partir de 2007, demonstrando o percurso
de amadurecimento e de ampliação de discussões pelo qual o GT
veio passando desde sua criação, em 2004. Também consideramos
importante refletir – brevemente – que o aumento, a diminuição ou até
mesmo a inexistência de determinadas discussões e temáticas nos
trabalhos apresentados no GT podem ser fatores que estão articulados
ao surgimento (ou não) de determinadas condições de possibilidade
para que tais temas viessem a emergir, com maior ou menor ênfase, e
que fossem abordadas tais temáticas e não outras. Porém, o presente
texto focará na análise dos trabalhos sem cruzá-los com tais condições,
ciente de que essa articulação também constitui um elemento potente
a ser pesquisado. Na próxima seção, apresentaremos considerações
a partir das categorias analíticas que elencamos.

164
io
ár GÊNERO, SEXUALIDADE E FORMAÇÃO
m
Su

DE PROFESSORES EM DEBATE NA
PESQUISA EDUCACIONAL

Levando em conta o objetivo já referido deste estudo, para refletir


sobre as relações entre gênero, sexualidade e formação de professores
a partir da produção acadêmica do GT 23 Gênero, Sexualidade e
Educação da ANPEd, no período de 2004 a 2014, organizamos três
unidades de sentido que nos permitiram discutir os significados que
foram atribuídos às relações de gênero e às sexualidades pelas
pesquisas que focalizavam a formação de professores, e em que
medida estas estavam implicadas na constituição de significações a
partir do uso que delas fazemos. Essas três unidades de sentido são
apresentadas a seguir.

(1) Feminização do magistério e constituição da docência

A primeira unidade de sentido foi organizada a partir dos


trabalhos que examinaram a constituição da identidade docente
articulada aos processos de feminização do magistério. Começamos
nossa análise apresentando o estudo desenvolvido por Lúcia P. S.
Villas Bôas, Clarilza P. de Sousa e Maria Rosa Lombardi (2012).6 As
autoras mostram como diferentes aspectos históricos têm contribuído
para a feminização da profissão docente no Brasil, apontando para a
existência de uma representação da docência que parece consoante

6 Os trabalhos referidos nesta seção foram apresentados em reuniões anuais da


ANPEd, e estão disponíveis no site da associação: http://www.anped.org.br/reunioes-
-cientificas/nacional, no banco de dados do GT Gênero e Sexualidade e Educação,
conforme o ano de realização. Considerando que tais trabalhos são usados neste texto
como materiais empíricos, e não como fontes bibliográficas, optamos por não citar os
trabalhos nas referências.

165
io
ár ao modelo de feminino e de feminilidade convencional que prevalece
m
Su

na sociedade brasileira.

No ano de 2010, o trabalho escrito por Sônia M. da S. Araújo, ao


discutir os processos relativos à constituição da docência na Amazônia,
mostra que a herança cultural das professoras pesquisadas, aliada
às condições de sobrevivência econômica e às perspectivas de vida
para além do mundo rural revelam histórias de resistência em que
ser mulher tem se apresentado como condição para lutar e fazer a
diferença nessas localidades.

No ano de 2007, encontramos mais dois trabalhos. Destacamos


o trabalho de Marli L. T. Zibetti, que, ao investigar o que pensam as
professoras de Educação Infantil sobre a feminização da profissão
docente, mostra que o discurso de que as mulheres possuem
capacidades inerentes ao trabalho com crianças pequenas está
presente entre as próprias professoras participantes da pesquisa.
A autora considera relevante destacar que esse não se constitui um
discurso hegemônico, pois algumas das participantes do estudo
apresentam questionamentos sobre a discriminação e os estereótipos
que desvalorizam o trabalho em creches e pré-escolas. Ainda em
2006, temos o trabalho desenvolvido por Marisa Barletto, que, ao
investigar sobre emórias e trajetórias na formação de pedagogas,
destacou como um dos achados mais importantes entre as narrativas
das pedagogas participantes do estudo, as pequenas revoluções nas
vidas das pedagogas, atribuídas ao curso de Pedagogia. Segundo a
pesquisadora, a dimensão curricular mais importante estava menos
nos conteúdos e mais na possibilidade de as pedagogas conhecerem
pessoas diferentes, referências culturais e conviverem com pessoas e
situações adversas (BARLETTO, 2006).

O último trabalho vinculado a essa categoria foi apresentado no


ano de 2004 e desenvolvido por Fábio Vasconcelos e Maria Celeste de
M. Andrade. Intitulado“A mulher professora: gênero e constituição da

166
io
ár identidade docente”, nele os autores analisam o discurso bíblico a partir
m
de autores pós-estruturalistas e mostram que podem ser identificados
Su

nesse discurso elementos do imaginário sobre a mulher educadora,


sobre diferenças entre sexo e gênero no decorrer da história, e como
os significados contidos nesse discurso produzem subjetividades para
a constituição da mulher professora. Esse trabalho, além de trazer
importantes contribuições para que possamos refletir sobre como a
identidade docente se constitui em diferentes espaços para além dos
espaços formalizados de formação docente, mostra que esse é um
dos questionamentos que emerge junto com a criação do grupo de
trabalho de Gênero, Sexualidade e Educação.

Ao olhar para a feminização do magistério como um processo


histórico e cultural, e que também demarcou atravessamentos políticos,
Guacira Louro (2011) nos faz refletir que o espaço da docência, ao
mesmo tempo em que, politicamente, constituiu-se importante para as
lutas feministas, por ser um dos primeiros espaços de trabalho a serem
ocupados por mulheres fora do espaço doméstico, aos poucos, foi
também se tornando enredado numa teia de sentidos produzidos pela
linguagem, que conferiu à profissão docente, e ao trabalho da mulher
nesse espaço, um estatuto de extensão do lar.

Não queremos, com isso, desmerecer as relações de


proximidade que professoras mulheres tenham (ou não) com os
espaços onde exerçam a docência, mas o que nos chama atenção
é o modo como, junto com essa feminização do magistério, também
foi sendo gestado um movimento aparente de simplificação e de
precarização do trabalho da professora e do professor, fato que tem
se tornado motivo para diversas mobilizações sindicais em defesa
de melhores condições para essas e esses profissionais em todo o
país. O que desejamos provocar com essa breve síntese é mostrar
como as questões de gênero e sexualidade parecem silenciadas e/
ou secundarizadas em tais debates. Assim, ao darmos visibilidade

167
io
ár aos modos como gênero e sexualidadesão abordados na formação
m
Su

de professores, a partir da produção acadêmica de um grupo de


pesquisadores e pesquisadoras, desejamos marcar também uma
posição política e ressaltar a importância de tais questões ganharem
mais visibilidade diante desse cenário de precarização do trabalho
docente.7

(2)Naturalização das diferenças de gênero e de


sexualidade na formação de professores

Na segunda unidade de sentido, agrupamos os trabalhos que


discorrem sobre a inserção de sujeitos que não têm tradicionalmente
ocupado o espaço escolar e que, ao começarem a frequentar esses
espaços, suscitam tensionamentos importantes, criando condições de
possibilidade para a discussão das temáticas de gênero e sexualidade
na formação de professores. Queremos destacar, primeiramente,
o trabalho de Mariana K. Monteiro e Helena Altmann (2013), que
examinou as trajetórias docentes de professores homens na Educação
Infantil; o trabalho de Rogério M. Rosa (2010), que investigou o modo
como professores de Ensino Médio, que não estão integrados nos
domínios da masculinidade hegemônica, experienciam seus corpos e
constroem suas masculinidades na relação com atividade docente; e o
trabalho de Frederico A. Cardoso (2006), que discute de que modos os
professores homens não identificam o magistério como uma profissão
exclusivamente feminina, mesmo com uma produção cultural de
discursos sobre a relação do magistério com as mulheres. Ao mesmo
tempo, o autor também identificou como uma marca da identidade
masculina trânsito na carreira docente, mostrando que os homens têm

7 A precarização do trabalho docente sob uma perspectiva de gênero é um dos focos


analisados por duas de nós em outras pesquisas que desenvolvemos. Para ampliar as
reflexões sobre essa questão, ver Renata Scherer e Maria Cláudia Dal’Igna (2017).

168
io
ár fugido de espaços como alfabetização, e procurado ocupar espaços
m
Su

na Educação Física ou na Gestão da Educação, espaços esses


que, segundo o autor, ainda são notadamente demarcados para as
vivências de suas masculinidades (CARDOSO, 2006).

Esses três trabalhos, produzidos respectivamente em 2013,


2010 e 2007, mostram uma preocupação das pesquisadoras e dos
pesquisadores, que fazem parte do GT 23, com relação à inserção
de professores homens no espaço escolar e como esses homens
têm se relacionado e experienciado suas masculinidades em um
contexto marcado pelo feminino, o que mostra um movimento, no GT,
de tensionamento e de posicionamento em relação aos processos de
naturalização das relações de gênero em espaços escolares e nos
modos de exercer a docência.

Ainda nessa categoria, gostaríamos de destacar, do ano de


2013, os trabalhos de Marco A. Torres, que analisa a emergência
da rede TRANS EDUC BRASIL, olhando para os significados
construídos sobre docência, transexualidade e travestilidade, e o
trabalho de Neil Franco e Graça A. Cicillini, que trouxe contribuições
para a reflexão sobre o processo de escolarização de professoras
travestis e transexuais.

No ano de 2012, destacamos o trabalho de Liane K. Rizzato, que,


ao investigar as percepções dos docentes sobre homofobia na escola,
mostrou que as compreensões dos professores são compostas a partir
de suas experiências pessoais, e que os professores participantes
dessa pesquisa relatavam múltiplas situações de violência vividas. Um
ano antes, Lucélia de M. B. Bassalo (2011), ao investigar os significados
atribuídos à homossexualidade pelos professores e professoras,
mapeou três posicionamentos distintos: negação, revisão e defesa. Do
mesmo ano, destacamos mais um trabalho, produzido por Neil Franco
juntamente com Maria V. S. Mota (2011), que, ao buscar compreender
e problematizar aspectos da constituição identitária de professores que

169
io
ár transitam pelas fronteiras das sexualidades e de gênero, mostraram
m
Su

que permanece um sentimento de estranhamento e repulsa com esses


sujeitos na escola. Para finalizar o mapeamento desse grupo, temos a
pesquisa de Mirian P. Silva (2007), que, ao analisar as narrativas de três
professores de Ciências sobre as temáticas de gênero e sexualidade,
destacou que o currículo de formação de professores pode se constituir
como um espaço onde experiências e subjetividades são constituídas e
que elas não podem ser deslocadas da constituição do “ser professor”.

O que queremos aqui ressaltar é o deslocamento dos


professores que compuseram a investigação de Mirian Silva (2007),
para os professores e professoras que integraram as pesquisas
de Torres (2013) e de Franco e Cicillini (2013), nos anos seguintes.
Silva (2007) destaca que esses professores sentiam a necessidade
de esconder sua sexualidade tanto de alunos como de colegas,
sentindo grande insatisfação por essa necessidade. Nos trabalhos
apresentados em 2013, Marco Torres (2013), Neil Franco e Graça Cicillini
(2013) assinalaram outros significados construídos para docência, na
articulação com a transexualidade e a travestilidade. Entendemos que
esse é um deslocamento bastante significativo, em pouco espaço de
tempo, e acreditamos que o conhecimento produzido no interior do
próprio GT possa ter contribuído para tal deslocamento.

Ainda com relação a esse deslocamento, fazemos duas


considerações: primeira, essas análises só se tornaram potentes no
momento em que foram realizadas nos referidos estudos, porque
os processos de naturalização das diferenças de gênero e de
sexualidade vinham constituindo os espaços da docência; segunda,
essa materialização dessas diferenças nos estudos sobreformação de
professores só foi estabelecida e pode ser identificada porque elas
foram consideradas desviantes em relação às normas constituídas.
Como nos ensina François Ewald (2000), a norma distingue e ao
mesmo tempo torna comparável, e, por isso, funciona como medida

170
io
ár comum que permite avaliar todos e todas – separando-os em normais
m
Su

e anormais, regulando e conformando aquilo que entendemos por


bom professor e boa professora, por exemplo.

(3) Gênero e sexualidade em foco na


formação de professores

Nesta terceira e última unidade de sentido, destacamos


pesquisas que focalizaram os temas gênero e sexualidade para
investigar a formação de professores. Através de diferentes
estratégias, as pesquisadoras e pesquisadores assinalam a
importância da inserção dos conceitos de gênero e de sexualidade
em suas pesquisas, e apresentam diferentes estratégias para
esse trabalho.

Começamos pelas pesquisas apresentadas no ano de 2014.


Nesse ano, Roney P. de Castro apresentou uma pesquisa que teve
como objetivo problematizar as relações entre formação docente
no curso de Pedagogia, gênero e sexualidade. O autor verificou
que muitas das alunas participantes do estudo expressaram em
suas narrativas conflitos produzidos entre a formação religiosa
recebida na educação familiar e as desconstruções propostas
pela disciplina (CASTRO, 2014).

A pesquisa de Éderson da Cruz e Maria Cláudia Dal’Igna (2014)


também focalizou o ensino superior para problematizar a relação
entre gênero e currículo no âmbito da formação inicial de docentes.
Os autores mostraram que, na formação de professores, um dos
processos de naturalização das relações de gênero ocorre por meio
da visão dicotômica do currículo, que polariza teoria (“currículo do
papel”) e prática (“currículo em movimento”), o que permite identificar

171
io
ár tensionamentos de gênero somente na dimensão prática dessa
m
Su

formação (CRUZ; DAL’IGNA, 2014).

Para finalizar os trabalhos apresentados em 2014, temos a


pesquisa desenvolvida por Marcos L. de Souza. Nela, o autor investiga
o Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência)
como espaço formativo, narrando e discutindo os desafios enfrentados
pelos participantes do Programa, relacionados às questões de gênero
e de sexualidade. Entre os principais resultados do trabalho, pode-se
destacar a tensão entre família e escola, marcada muitas vezes por
discursos religiosos, que ao mesmo tempo se constituem como uma
situação imobilizadora das ações da escola, em outros momentos
também potencializam essas ações (SOUZA, 2014).

No ano de 2013, queremos destacar os estudos de Roney P. de


Castro, que, ao analisar diários de bordo produzidos por estudantes
de Pedagogia em uma disciplina que busca tensionar os conceitos de
gênero e de sexualidade a partir de uma perspectiva pós-estruturalista,
mostra que esses diários podem estar funcionando como mecanismos
de subjetivação e registram deslocamentos das estudantes sobre
suas ideias/comportamentos e seus valores vinculados às relações de
gênero e sexualidade; e de Taisa de S. Ferreira (2013), que, ao investigar
a presença de gênero e de sexualidade no curso de Pedagogia, mostra
que os docentes desse curso assinalam a presença de gênero e
sexualidade no curso como“audácias e estripulias” em arranjos que
ora tensionam, ora silenciam essas questões.

Do ano de 2012, destaca-se o trabalho de Cláudia M. Ribeiro,


que, ao problematizar as falas de educadoras que atuam na
Educação Infantil, aponta e discute alguns temas que emergiram na
fala das professoras, como os conflitos existentes na educação para
sexualidade, os genitais das crianças, a erotização precoce e os textos
culturais, tais como novelas, música e religião. Em 2011, temos o
estudo de Roney P. de Castro e Anderson Ferrari, que ao buscarem um

172
io
ár diálogo entre formação docente e as questões de gênero e sexualidade,
m
Su

realizaram observações participantes em uma disciplina que enfocou


essa temática com alunas de Pedagogia, e assim investigaram quais as
implicações políticas e culturais de incluir questões relativas ao gênero
e à sexualidade nos currículos de formação inicial de professores.

Em 2008, outro trabalho escrito por Roney P. de Castro, que


ao se propor discutir a constituição de sujeitos no contexto de
um programa que se destinou a refletir sobre educação afetivo-
social com professores, mostrou que as escolas parecem optar
por conduzir atividades ligadas à sexualidade de forma bastante
cautelosa, buscando refúgio no campo científico; entretanto, foi
possível visualizar entre os participantes do processo de formação
alguns deslocamentos dessas práticas, contextualizando social e
culturalmente algumas dessas questões.

No mesmo ano, o trabalho desenvolvido por Cintia de S. B.


Tortato (2008) investigou um trabalho formativo, objetivando discutir
algumas questões voltadas para gênero e sexualidade a partir da
literatura infantil, tendo como público-alvo profissionais que atuam
na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, com destaque para
a importância de se trabalhar as questões de gênero e diversidade
sexual na escola. Segundo a pesquisadora, foi visível a satisfação
dos participantes nas atividades que envolveram os livros infantis,
pois esses participantes puderam ver nos livros uma ferramentaque
poderia ser utilizada como suporte para discussão dessas temáticas
no cotidiano escolar (TORTATO, 2008).

Para finalizar essa categoria, destacamos o trabalho da


pesquisadora Maria Cláudia Dal’Igna (2005), que, ao realizar um
estudo com professoras de anos iniciais sobre desempenho escolar
e gênero, mostra que as práticas pedagógicas desenvolvidas pelas
professoras estão implicadas na produção de determinados “jeitos
de ser” menino e menina, o que produz hierarquias e desigualdades

173
io
ár relativas ao desempenho escolar. Para a autora esses processos de
m
Su

diferenciação distinguem meninos de meninas, mas também meninos


de meninos e meninas de meninas, e ao mesmo tempo torna cada
feminilidade e masculinidade comparável (DAL’IGNA, 2005).

Ao concluir a apresentação dos trabalhos selecionados


nessa unidade de sentido, ressaltamos a visibilidade da discussão
dessas temáticas, tanto na formação inicial como continuada de
docentes. Mas consideramos pertinente lembrar, como os trabalhos
apresentados também destacaram, que mesmo que possa ser
visível a ampliação de conhecimentos, a reflexão e os debates
em torno das temáticas de gênero e sexualidade, não devemos
entender esses movimentos como garantia de mudanças definitivas
dos comportamentos discriminatórios que ocorrem na escola e na
universidade com os diferentes sujeitos envolvidos.

Essa unidade de sentido também, direta ou indiretamente, ao


focar questões de gênero e de sexualidade, olhando para espaços
educativos, acaba por focalizar o currículo. Cabe-nos aqui lembrar
das contribuições da autora Marlucy Paraíso (2010), cujo trabalho tem
mostrado que os currículos de formação de professores são artefatos
generificados, tanto quando refletem a preocupação com a realização
de discussões sobre gênero e sexualidade, quando não refletem,
pois, de alguma forma, as construções de gênero e de sexualidade
acabam por atravessar e dimensionar esses artefatos, tanto no sentido
de uma tendência à normatização e ao silenciamento das diferenças,
quanto no sentido de uma subversão dessa lógica. E mesmo que esse
currículo não se proponha a abordar esses temas, o silenciamento
também ensina sobre gênero e sexualidade.

174
io
ár CONSIDERAÇÕES FINAIS
m
Su

Nosso objetivo neste capítulo foi apresentar e discutir os


resultados de uma análise realizada a partir da produção acadêmica da
Associação Nacional de Pesquisadores em Educação (ANPEd), que se
constitui como uma importante associação de pesquisa em educação
do Brasil, especialmente aquela desenvolvida por pesquisadoras e
pesquisadores vinculados ao Grupo e Trabalho 23 (GT 23): Gênero,
Sexualidade e Educação. Essas pesquisas analisadas têm produzido
dados importantes para pensarmos a formação de professores no
contexto atual do nosso país, desde a perspectiva das relações de
gênero e das sexualidades.

Além de encontrar uma diversificada produção acadêmica


sobre as temáticas examinadas, no decorrer de nossa análise, fomos
percebendo, além dos pontos já destacados, outros aspectos que nos
levaram aos questionamentos a seguir.

Em primeiro lugar, nota-se que existe um deslocamento no


quadro dos trabalhos publicados sobre formação de professores
no GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação. Percebemos que,
inicialmente, os trabalhos que discutiam formação de professores no
GT tinham como foco a investigação da feminização do magistério e
a constituição da identidade docente. Após, a ênfase desloca-se para
pensar como as diferenças de gênero e de sexualidade, ao entrar
nos espaços da educação básica e superior, começam a fomentar
mudanças significativas na produção acadêmica sobre a formação
de professores. Juntamente, vemos surgir os trabalhos que discorrem
sobre a importância de inserirmos a discussão relativa ao gênero e à
sexualidade nos cursos de formação inicial e continuada de docentes,
tensionando, inclusive, os processos de naturalização de gênero

175
io
ár e sexualidade em ação nos currículos escolares e universitários, no
m
âmbito no qual a profissão docente vem sendo constituída.
Su

Em segundo lugar, é importante fazer um destaque com


relação à quantidade de trabalhos, os quais têm se mantido
constantes, pois praticamente em todos os anos temos uma média
de dois a quatro trabalhos que buscam focalizar as relações de
gênero e as sexualidades em articulação com a formação de
professores no GT analisado – ainda que exista um GT específico
para discutir a formação de professores no mesmo evento (GT 08). O
questionamento que poderia emergir é que a discussão de formação
de professores tem sido encontrada presente no GT Gênero,
Sexualidade e Educação, mas essa discussão parece silenciada nos
outros GTs analisados. Assim, entendemos que estudos como os de
Márcia Ondina Ferreira (2010, 2015, 2017), já referidos, que analisam
os trabalhos apresentados nos anos anteriores à criação do GT
Gênero, Sexualidade e Educação, são importantes para discutirmos
a inexistência, visibilidade e legitimidade das discussões na ANPEd
sobre gênero e sexualidade na formação de professores.

Sobre esse último ponto, ressaltamos que a presença, na


ANPEd, de um GT que discute gênero, sexualidade e educação não
pode ser justificada apenas por meio de discussões que articulam
esses elementos à formação docente, haja vista já existir, na ANPEd,
um GT que discute essa formação. No entanto, uma vez que essa
formação não tem sido discutida no GT Formação de Professores
a partir de perspectivas que articulam gênero e sexualidade,
são criadas condições de possibilidade para que o GT Gênero,
Sexualidade e Educação assuma tal função, ao mesmo tempo em
que, ao serem deslocadas do GT Formação de Professores para o
GT Gênero, Sexualidade e Educação, pode-se refletir sobre uma certa
secundarização das dimensões de gênero e de sexualidade pelo
campo da formação docente.

176
io
ár Tais apontamentos reforçam a importância de que a questão
m
Su

da formação docente não seja excluída das discussões e trabalhos


apresentados no GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação, porém
também mostram a necessidade de movimentos, dentro do próprio GT,
de desnaturalização de uma cultura acadêmica de que somente nesse
espaço tais questões devam ser discutidas, ainda que articuladas a
temas caros a outros GTs. Isso evidencia a importância da ampliação do
escopo dessas pesquisas no GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação,
a fim de impulsionar e de articular essas discussões a outros espaços e
a outros GTs da ANPEd, de modo a promover tensionamentos e outras
formas de estudar a própria formação de professores. Por fim, espera-
se que, com a análise apresentada aqui sobre os modos como gênero
e sexualidade são abordados ao focalizar a formação de professores
no GT Gênero e Sexualidade e Educação, se possa impulsionar outras
pesquisas para além daquelas que constituem o corpus analítico
desse trabalho e daquelas que estão sendo desenvolvidas, no tempo
presente, a partir do exame desse material empírico. Esperamos, ainda,
que a argumentação aqui desenvolvida possa possibilitar manter vivas
as nossas perguntas e afi(n)ar nossos olhares diante das diferenças
e das desigualdades de gênero e de sexualidade que se constituem
no exercício da docência e que produzem a própria docência. Afinal,
ainda há muito o que fazer/dizer/investigar sobre gênero, sexualidade
e formação de docentes em nosso país!

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183
7
Capítulo 7

SUBVERSÃO E RESISTÊNCIA
NO GT 23 DA ANPED A PARTIR
DE MICHEL FOUCAULT 8

Anderson Ferrari

Danilo Araujo de Oliveira


Anderson Ferrari
Danilo Araujo de Oliveira

SUBVERSÃO
E RESISTÊNCIA
DOI: 10.31560/pimentacultural/2021.360.184-216

NO GT 23
DA ANPED
A PARTIR
DE MICHEL
FOUCAULT1
8 A versão original deste texto foi publicada na Revista Interinstitucional Artes de Educar,
e esta versão é publicada neste livro com anuência da Comissão Editorial do referido
periódico. Referência original: FERRARI, Anderson, OLIVEIRA, Danilo Araujo de. “Subversão
1 eAresistência
versão original
no GTdeste
23 datexto foi publicada
ANPEd naMichel
a partir de RevistaFoucault.”
Interinstitucional
Revista Artes de Educar,
Interinstitucional
e estadeversão
Artes Educaré v.publicada neste livro
6, n. 3, p. 815-835, comDisponível
2020. anuência em:
da https://www.e-publicacoes.uerj.
Comissão Editorial do referido
periódico. Referência original: FERRARI, Anderson, OLIVEIRA, Danilo Araujo de. “Subversão
br/index.php/riae/article/view/54561.
e resistência no GT 23 da ANPEd a partir de Michel Foucault.” Revista Interinstitucional
Artes de Educar v. 6, n. 3, p. 815-835, 2020. Disponível em: https://www.e-publicacoes.uerj.
br/index.php/riae/article/view/54561.
io
ár O novo não está no que é dito, mas no
m
acontecimento de seu retorno.
Su

(FOUCAULT, Michel, 1996, p.26)

INTRODUÇÃO

A proposta de um dossiê com o título “Itinerâncias entre Michel


Foucault e Educação” nos coloca uma questão inicial: quais os efeitos
do pensamento foucaultiano em um campo de conhecimento como a
Educação? Uma pergunta fundamental para pensar o impacto de um
filósofo que não se dedicou a problematizar a educação de forma direta.
No entanto, o tipo de inquietações e de pesquisas implementadas por
Foucault foi capaz de desenvolver um pensamento transversal que
impactou em diferentes áreas, dentre elas, a Educação. Alfredo Veiga
Neto (2003), ao escrever um livro com essa mesma temática – Foucault
e a Educação –, argumentou que faltava um livro que explicasse a
filosofia de Michel Foucault para a educação. Um livro que facilitasse
a compreensão do “[...] que ele escreveu sobre o sujeito, os saberes,
os poderes e as instituições modernas, mas que também discutisse o
que se pode e o que não se pode fazer com ele e a partir dele e o quão
produtivo tudo isso é para a Educação.” (VEIGA-NETO, 2003, p. 8). A
partir dessa provocação de Veiga Neto (2003) é que queremos pensar
o que podemos fazer com Michel Foucault e para além dele.

Considerando que essa influência se deu em maior grau


em determinadas áreas da Educação, fomos buscar, na principal
associação de pesquisa em educação do Brasil – Associação Nacional
de Pesquisas em Educação (ANPEd) –, dados que nos possibilitem
construir análises sobre a influência do pensamento transversal
de relação gênero, sexualidade e educação. Dois motivos foram
definitivos para nossa escolha por essas temáticas. O primeiro é o fato
de ser essa nossa área de pesquisa e investigação ao longo dos anos,

185
io
ár interessados nas construções das homossexualidades masculinas em
m
Su

diferentes contextos, sobretudo nas escolas. A segunda motivação foi


baseada nos atuais ataques que essa área vem sofrendo, o que nos
exige um tipo de resistência criativa e inventiva, o que vai ao encontro
da potencialidade do arcabouço foucaultiano.

Em 2003, na 26ª reunião anual da ANPEd, um grupo de


pesquisadores e pesquisadoras encabeçaram a proposta de criar
um Grupo de Trabalho novo, intitulado “Gênero, Sexualidade e
Educação”, sob o argumento que essa era uma área com um campo
de pesquisa, de grupos de estudos e de investigação na pós-
graduação já consolidados.

Essa situação – um campo já consolidado e a ausência de um


GT específico – fazia com que as discussões de gênero e sexualidade
estivessem presentes nas reuniões da ANPEd em diversos Grupos
de Trabalho, como Movimentos Sociais, Formação de Professores,
Currículo e Sociologia da Educação. Com base nesses argumentos,
foi aprovada a proposta para a construção de um Grupo de Estudos
(GE), segundo a regulamentação da Associação, para, só em 2006,
ser transformado em Grupo de Trabalho.

Desde essa data, o GT 23 se tornou um “[...] espaço legitimado


no interior da mais importante associação brasileira de educação,
para constituir uma rede que ampliasse as possibilidades para
as visibilidades e para o fortalecimento do campo marcando uma
consolidação acadêmica e política.” (RIBEIRO, Cláudia Maria; FILHA,
Constantina Xavier, 2014, p. 2).

Já se passaram 15 anos da criação do GT 23 – Gênero,


Sexualidade e Educação e, nesse período, podemos perceber as
transformações no que diz respeito às temáticas, que dialogam com as
questões sociais e políticas nacionais. No entanto, um fato nos chama
atenção: a influência do pensamento de Michel Foucault nesse GT,

186
io
ár algo que sempre esteve presente e continua atual, o que nos permite
m
afirmar que ele é o autor mais utilizado nos trabalhos.
Su

Para constatar essa presença, fizemos uma pesquisa na


página oficial da ANPEd, considerando o período de existência do GT,
ou seja, da 29ª reunião anual, em 2006, à 39ª reunião anual, o que
significa dizer que o nosso recorte temporal vai de 2006 a 2019. Do
total de 1679 trabalhos disponibilizados na página, distribuídos nas 11
reuniões anuais, 89 deles citaram ou tomaram como referência algum
livro de Michel Foucault, de maneira que podemos afirmar que ele é o
autor mais utilizado nos trabalhos apresentados no GT.

Nosso procedimento metodológico para esta pesquisa foi


acessar a página da ANPEd e acessar cada uma das reuniões anuais,
com o objetivo de verificar, no GT 2310, a presença de obras de Michel
Foucault. Em cada trabalho publicado na página, nós buscávamos
as referências ao autor, considerando que o conjunto do que ele
escreveu engloba seus livros, cursos, entrevistas e artigos presentes
em outros livros organizados. Ao final, verificamos que a utilização de
Michel Foucault está centrada nos livros11, que eram os mais citados,
como pode ser visto na tabela abaixo, construída por nós após essa
primeira etapa da pesquisa. Ressalte-se que nos 89 trabalhos que
citaram algum escrito de Michel Foucault, o destaque é a “História da
Sexualidade I”, que aparece em 49 deles.

9 Esse número não leva em consideração os trabalhos apresentados na 33ª reunião anual,
de 2010, em função da falta de acesso na página, sendo a única reunião que não é possível
ter acesso aos trabalhos. Também não leva em consideração a totalidade de trabalhos
aprovados e apresentados na 39ª reunião anual, de 2019, visto que, a partir desse ano, os
autores e autoras não eram obrigados a disponibilizar os trabalhos para serem publicados
na página da ANPEd.
10 A escolha do GT23 para a presente pesquisa é um posicionamento político em resistência
aos recentes ataques a esse campo do conhecimento já consolidado na Educação.
11 Estamos considerando aqui como livro não somente os livros escritos por Foucault como
tal, mas também os cursos dados por ele, posteriormente transformados em livros, e as
diversas entrevistas compiladas e transformadas em livro.

187
io
ár Tabela 1 – Relação livro e trabalhos em que é referência.
m
Su

Livro Nº de trabalhos
em que é
referência
A Arqueologia do Saber 22
A Coragem da Verdade: o governo de si e dos outros 02
A hermenêutica do sujeito 02
A ordem do discurso 18
As palavras as coisas: uma arqueologia das ciências humanas 04
Ditos e Escritos II: Arqueologia das Ciências e 01
História dos Sistemas de Pensamento
Ditos e Escritos IV: estratégia, poder-saber 06
Ditos e Escritos V: Ética, Sexualidade, Política 15
Ditos e Escritos VI: Repensar a Política 02
Do governo dos vivos 01
El yo minimalista e otras conversaciones 02
Em defesa da sociedade 06
Herculine Barbin: o diário de um hermafrodita 01
História da Sexualidade I: a vontade de saber 49
História da Sexualidade II: O uso dos prazeres 12
História da sexualidade III: Cuidado de si 06
Microfísica do poder 22
Nascimento da Biopolítica 06
O Belo Perigo 01
O nascimento da clínica 01
Os anormais 05
Resumo dos Cursos do Collège de France 01
Tecnologías del yo y otros textos afines 04
Um diálogo sobre os prazeres do sexo: Nietzche, Freud e Marx 02
Vigiar e punir: nascimento da prisão 26
Segurança, território, população 05
Segurança, território, população 05

Fonte: Elaborada pelos autores, 2020.


io
ár Com base nessa tabela, é possível constatar a forte presença
m
Su

da obra “História da Sexualidade I: a vontade de saber”, como talvez


já fosse esperado, em se tratando de um GT que tem como foco da
discussão a relação entre gênero, sexualidade e educação. Passamos,
então, para a segunda etapa da pesquisa, que foi ler somente os
trabalhos em que essa obra era referência, para pensar como ela
influenciou essa área do conhecimento, ou seja, qual a contribuição
da obra para o GT 23.

Nosso foco de análise está na importância da obra para além


dela, concentrando nos efeitos das análises para colocar sob suspeita
nossas formas de pensar, de ser e estar no mundo. Nesse sentido
e, diante da impossibilidade de trabalhar com todos os artigos que
tomaram essa obra de Michel Foucault como referência, optamos
por centrar nossa análise em três partes. Na primeira, analisamos os
significados da fidelidade infiel a Foucault e como essa postura abre
novas possibilidades de pesquisa e de construção do conhecimento
a partir do contexto brasileiro. Em seguida, tomamos a definição de
instaurador de discursividade para recuperar as análises dos três
conceitos que unem os trabalhos no GT 23: sujeito, discurso, verdade,
poder-resistência. Ao final, com base nas discussões anteriores,
debruçamo-nos sobre os conceitos de subversão e resistência na
História da Sexualidade I, tomando como detonador os trabalhos que
se dedicaram a investigar a presença de transexuais e travestis nas
escolas. Em todas essas partes, vamos fazer referências a alguns
trabalhos apresentados, utilizando-os como exemplos das análises
que queremos fazer da importância da obra “História da Sexualidade
I” para a construção do campo do gênero, sexualidade e e ducação.

189
io
ár A FIDELIDADE INFIEL COMO
m
Su

CARACTERÍSTICA DO GT 23

Essa expressão fidelidade infiel nos chegou ainda na primeira


fase da pesquisa, depois da constatação dos diferentes usos das
obras de Michel Foucault nos trabalhos do GT 23. Na segunda etapa
da pesquisa – após constatar que o livro “História da Sexualidade
I: a vontade de saber” (HSI) é o livro mais utilizado nos trabalhos
apresentados –, ao agruparmos os textos por temáticas, percebemos
que elas eram variadas. Trata-se de temas e situações que dizem de
sujeitos que assumem um certo jeito transgressivo de ser e estar no
mundo. Assim, os trabalhos nos ajudam a problematizar como vamos
construindo isso que chamamos de realidade, de escola, de professor
e professora, organizados pelas relações de gênero e sexualidade.
Dessa forma, o resultado encontrado foi o seguinte: Homossexualidades
(FERRARI, Anderson, 2006); Deficiência (CAMPOS, Miriam Piber
2006); Feminilidade (XAVIER, Constantina Filha 2006; VARGAS, Juliana
Ribeiro; XAVIER, Maria Luisa Merino ,2013; NEVES, Regiane Farias,
2019); Infâncias (CRUZ, Elizabete Franco ,2006; MEIRELES Gabriela
Silveira, 2009; RIBEIRO, Gabriela Chicuta, 2012; PEREIRA, Angélica
Silvana, 2017); Escola (BALESTRIN, Patrícia Abel, 2007; RIBEIRO,
2012; NEVES, Paulo Rogério da Conceição, 2012; GOETTEMS, Lisiane;
SCHWENGBER, Maria Simone Vione; WISNIEWSKI, Rudião Rafael,
2017; ALMEIDA, Edwana Nauar de.,2017); Docência (SILVA, Mirian
Pacheco, 2007; ALMEIDA, Neil Franco Pereira, 2009; CASTRO, Roney
Polato de 2009; BASSALO, Lucélia de Moraes Braga , 2009; SILVA,
Andréa Costa da; SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de., 2012; RIZZATO,
Liane Kelen, 2010; CASTRO, 2015; SOUZA, Marcos Lopes de., 2015;
PARREIRA, Fátima Lúcia Dezopa; SILVA, Elenita Pinheiro de Queiroz
,2015), Literatura (SILVA, SIQUEIRA, 2008); Pedagogia Queer (CÉSAR,
Maria Rita de Assis, 2008); Educação sexual (CASTRO, 2008; XAVIER
FILHA, 2009); Escrita (SOUSA, Bernardina Santos Araújo de, 2008;

190
io
ár CASTRO, 2013); Transexualidade (CÉSAR, 2009; TORRES, Marco
m
Su

Antônio, 2013; SANTOS, Dayana Brunetto Carlin dos., 2013; SANTOS,


2015; SEVILLA, Gabriela Garcia, 2015; SANTOS, 2017; SANTOS,
Sandro Prado, 2019); Família (FERNANDES, Letícia Prezzi, 2009);
Homoparentalidade (REALI, Noeli Gemelli, 2009); Mídia (SCHWENGBER,
Maria Simone Vione, 2009); Ensino de ciências (SILVA, Elenita Pinheiro
de Queiroz, 2012); Maternidade (RITTI, Rosalinda Carneiro de Oliveira,
2013; SCHWENGBER, 2015); Gentrificação (PORTINARI, Denise.
2015); Psiquiatrização da educação (NOGUEIRA, Juslaine de Fátima
Abreu, 2015); Corpo (MORESCO, Marcielly Cristina, 2017); Políticas
educacionais (MOREIRA, Jasmine, 2017; SIERRA, Jamil Cabral, 2012),
Juventudes (KLEIN, Carin, 2019).

A partir desse resultado, argumentamos que há, no GT23,


uma fidelidade infiel a Foucault, o que possibilita uma profusão de
temas nos trabalhos apresentados, os quais tomam as teorizações
foucaultianas como caixa de ferramentas para abordagens de gênero
e sexualidades, como provocações para construir pesquisas autorais
a partir do contexto brasileiro. Essa diversidade de temas nos remete
à potencialidade do arcabouço foucaultiano: como um pensamento
educacional que se abre à problematização do presente e do sujeito
pode alargar as possibilidades de pesquisa com as teorizações
genealógicas de Foucault?

A expressão fidelidade infiel é atribuída a Jacques Derrida


(SANTOS, Luã Sarcinelli; HADDOCK-LOBO, Rafael ,2018), escritor
francês que provocou modificações na língua francesa a partir dos
usos que ele fazia dela, torcendo o léxico, a sintaxe e a semântica. Em
sua última entrevista, ele caracteriza essa fidelidade infiel a uma forma
de violência com respeito e refinamento que ele faz com a língua. O
autor demonstra, assim, que a língua é móvel e é vida. E é essa mesma
relação que ele quer explorar com os textos, levando-os “ao limite do
que podem dizer, investindo naquilo que, neles, abre espaço para o

191
io
ár movimento de diferenciação”, de modo que a fidelidade infiel explora
m
não “[...] o significado oculto de um texto, a verdade sobre o que
Su

um pensador quis dizer, mas aquilo que escapa à representação da


plenitude de um sistema de signos, de seu funcionamento inconteste.”
(SANTOS; HADDOCK-LOBO, 2018, p. 159).

É esse movimento de diferenciação possível, quando se tem


essa forma de fidelidade, que parece interessar aos/às estudiosos/
as foucaultianos/as, fazendo suas teorizações se desdobrarem em
diversas pesquisas e reflexões no campo da Educação. De acordo com
Veiga-Neto, no que se refere a Foucault, “ser pertinente em relação ao
seu pensamento não implica uma fidelidade irrestrita ao filósofo”, pelo
contrário, implica abrir novos caminhos, de modo a examinar “[...] seus
conceitos e os encaminhamentos que ele deu às suas investigações,
para segui-los naquilo em que eles podem ser úteis e importantes para
nossas próprias investigações.” (VEIGA-NETO; RECH, Tatiana Luiza,
2014, p. 72). O próprio Foucault já havia falado desse investimento que
ele mesmo fazia a propósito dos seus usos com Nietzshe: “O único
sinal de reconhecimento que se pode ter para com um pensamento
como o de Nietzsche, é precisamente utilizá-lo, deformá-lo, fazê-lo
ranger, gritar. Que os comentadores digam se se é ou não fiel, isto não
tem o menor interesse.” (FOUCAULT, 1981, p. 143).

Essa última citação do Foucault não nos deixa apenas vestígios


metodológicos de como o autor trabalhava, mas amplia os modos de
desenvolver pesquisas com as teorizações foucaultianas que as tome
como experiências e ferramentas que podem ter usos múltiplos. Em
outro momento, Foucault ressalta de que forma o pensamento dele
se insere nas relações de poder para produção da verdade e como
podemos utilizá-lo:
Meu discurso é, evidentemente, um discurso de intelectual
e, como tal, opera nas redes de poder em funcionamento.
Contudo, um livro é feito para servir a usos não definidos

192
io
ár por aquele que o escreveu. Quanto mais houver usos novos,
m
possíveis, imprevistos, mais eu ficarei contente. Todos os meus
Su

livros seja História da loucura seja outros podem ser pequenas


caixas de ferramentas. Se as pessoas querem mesmo abri-
las, servirem-se de tal frase, tal ideia, tal análise como de uma
chave de fenda, ou uma chave-inglesa, para produzir um curto-
circuito, desqualificar, quebrar os sistemas de poder, inclusive,
eventualmente, os próprios sistemas de que meus livros
resultam, pois bem, tanto melhor! (FOUCAULT, 2006, p. 52).

Nesse sentido, parece-nos importante evidenciar os


usos novos, possíveis e imprevistos de Foucault no GT23, no
qual se desdobram diferentes temáticas e estudos que não
estão preocupados em apenas dizer ou difundir as teorizações
foucaultianas, mas fazer algo com elas, colocar o conhecimento em
movimento de modo a violentar o presente da forma como o vemos,
como “dado”, constituído de uma vez por todas.

Dessa maneira, a pergunta inicial que fizemos – como um


pensamento educacional que se abre à problematização do presente
e do sujeito pode alargar as possibilidades de pesquisa com as
teorizações genealógicas de Foucault? – pode nos indicar que esse
pensamento educacional tem algo em comum, mas, ao mesmo
tempo, é heterogêneo e marcado pela invenção. Iremos, então, tratar
do que une esses trabalhos e, em seguida, dizer de que forma essa
unidade se multiplica pela afirmação da vida na educação. A fidelidade
infiel dos trabalhos se afasta de uma forma de utilizar autores como
Michel Foucault que consiste em redizer o que o filósofo já escreveu
ou mesmo traduzir suas ideais. Eles se dedicaram a proliferar as ideias
do autor para dar vida a novos discursos sobre gênero, sexualidade e
educação, como um instaurador de discursividade.

193
io
ár FOUCAULT, O INSTAURADOR
m
Su

DE DISCURSIVIDADE

O termo instaurador de discursividade foi utilizado pelo próprio


Foucault, como nos lembra Sílvio Gallo (2014):
Para o campo de pesquisas em Educação, Michel Foucault
parece estar funcionando da forma como ele indicou a outros,
como Freud ou Marx por exemplo, em uma célebre conferência
de 1969: como um “instaurador de discursividade”, como
uma “função autor”, que ele caracteriza como sendo a
“característica do modo de existência, de circulação e
de funcionamento de certos discursos no interior de uma
sociedade”. (GALLO, 2014, p. 16).

Como instaurador de discursividade, o que a presença de


Foucault no GT 23 nos provoca é pensar sua utilização como um
movimento que faz circular e funcionar “certos discursos” no campo
das relações de gênero, sexualidade e educação. Se “História da
Sexualidade I” é o livro mais utilizado, é importante dizer que ele
estabelece diálogo com as outras obras em torno da construção de
um arcabouço teórico do autor que tem que ser visto ao longo de sua
trajetória de investigação e produção.
Os instauradores de discursividade não se limitam aos
textos que escreveram, mas produzem um novo campo
de investigações, de possibilidades de pensamento, de
enunciação de discursos. Quando uma função autor passa
a operar como instauradora de dis-cursividade, vê-se um
movimento de reatualização, de renovação, de reativação de
discursos. Um movimento que implica a produção de discursos
novos, os quais, embora guardem relação com a função autor
que os originou, são novos discursos que não se importam em
ser “fiéis” àquela origem (GALLO, 2014, p. 16-17).

Operar com Foucault diz de assumir uma perspectiva para a


pesquisa, o que implica tomar alguns importantes conceitos para

194
io
ár guiar as problematizações e como esses conceitos foram sendo
m
Su

reatualizados, renovados e reativados a partir do contexto educacional


brasileiro no campo do gênero, sexualidade e educação. Sujeito,
discurso, verdade, poder/resistência são alguns desses conceitos
centrais que unem essas pesquisas e o modo como diversos/as
autores/as lançam problematizações sobre seus objetos. O sujeito
em Foucault não existe a priori, não é dado. Isso significa dizer que,
quando problematizamos o sujeito, procuramos mostrar os processos
de subjetivação, como cada sujeito se constitui como tal.

Esse processo, de acordo com Foucault (2014b), se dá a partir


de três modos: a) modos de objetivação, b) práticas divisoras e c)
maneiras que um ser humano pode tornar-se sujeito de si mesmo.
O primeiro diz de uma atuação dos discursos nos quais se toma o
sujeito como objeto, como faz, por exemplo, a gramática, a filosofia,
a linguística e a ciência. O segundo diz da divisão do sujeito em seu
interior e em relação aos demais, de modo que há a separação dos
sujeitos entre louco e são, doente e sadio, homossexual e heterossexual,
anormal e normal etc. Isso nos permite evidenciar que os sujeitos
são produzidos a partir de práticas de divisão, separação, inclusão,
exclusão. Por último, considera-se que não somente a partir de práticas
de dominação que o sujeito é constituído, mas os indivíduos agem
sobre si próprios, efetuando uma série de operações sobre si para
se tornarem sujeitos. No que se refere à sexualidade, por exemplo, a
preocupação de Foucault em “História da Sexualidade I” – livro base
na maioria das pesquisas do GT23 – é a maneira como o indivíduo
aprende a se reconhecer como sujeito de uma sexualidade.

Algo que aparece, por exemplo, nos seguintes trabalhos:


Ferrari (2009); Cruz (2009); Balestrin (2007); Silva (2007); Castro
(2010). Nesse sentido, considerando um efeito dos discursos,
historicamente construídos acerca da homossexualidade, Anderson
Ferrari (2009, p. 4) busca “verificar como os grupos estão trabalhando

195
io
ár na problematização das práticas e discursos que estão construindo
m
Su

as imagens e identidades dos homossexuais presentes na cultura”.


Considerando também a produção do sujeito, outra pesquisa mostra
como, “em nosso tempo histórico, num jogo de poder-verdade-
saber”, os discursos operam “inventando” aqueles que chamamos de
crianças adolescentes vivendo com HIV/AIDS (CRUZ, 2009, p. 2). A
sexualidade na constituição dos sujeitos é problematizada ainda em
um outro trabalho para demonstrar “[...] até que ponto os feminismos
estão dando conta das discussões sobre sexualidade e a implicação
deste campo (da sexualidade) na vida de mulheres e homens.”
(BALESTRIN, 2007, p. 4). O sujeito, tal qual apresentado em HSI e nos
trabalhos aqui abordados é uma invenção, é um efeito e produção do
discurso. Discurso entendido como prática que constitui aquilo que
ele diz. Entendimento que nos faz compreender que, se esse sujeito
“[...] está preso em relações de produção e em relações de sentido,
ele está preso em relações de poder de uma grande complexidade.”
(FOUCAULT, 2014a, p. 119).

O poder não é visto aqui como repressão, coercitivo ou negativo,


mas, conforme mostrado no trabalho de Miriam Pacheco Silva (2007, p.
10), “podemos falar em poder como difuso no social e nas relações”.
O poder é visto em seu aspecto produtivo, como uma “situação
estratégica”, é “[...] algo que se exerce” não que se adquire, que tem
“miras e objetivos”, como evidenciado no HSI” (FOUCAULT, 2014a,
p. 102-103). É acionando esse conceito de poder, para analisar os
discursos docentes mediados pelo livro didático, que uma pesquisa do
ano de 2012 indica que “´os discursos verdadeiros’ estão mergulhados
em relações de poder, produzidas discursivamente e ao mesmo tempo
produtoras de discursos, de saberes e de verdades” (SILVA; SIQUEIRA,
2012, p. 4). Dessa forma, a verdade é uma invenção, é vista como
um perspectivismo. Considerando esse modo de entender a verdade,
outro trabalho problematiza como “[...] a escola tem se constituído

196
io
ár como grande lugar em que se processam as produções de verdade
m
Su

sobre o sexo, o gênero e a sexualidade” (SIERRA, 2012, p. 4).

Esse mesmo entendimento de verdade e de relações de poder


constitui uma outra pesquisa que nos ajuda a entender a construção
dos sujeitos nos seus processos educativos como “um sujeito que é
constituído a partir de verdades inventadas às quais se submete ou
pode resistir, num jogo em que outras verdades podem ser construídas,
podendo também entrar em circulação nos processos de subjetivação
(RITTI, 2013, p. 1). Nesse trabalho, aparece um outro conceito que
compõe a perspectiva que une os trabalhos do GT23 que utilizam o
HSI: resistência. A resistência constitui as relações de poder, já que,
em toda relação de poder, ocupa-se uma posição reversível, vez
que os “[...] pontos de resistência estão presentes em toda a rede
de poder.” (FOUCAULT, 2014a, p. 104). A resistência inscreve-se nas
relações de poder como “um interlocutor irredutível” (Ibidem.). O
entendimento de sujeito, discurso, verdade, poder e resistência, que
une essas pesquisas que utilizam o livro HSI, no GT pesquisado, é um
marcador importante nas pesquisas em educação. Permite ampliar o
próprio entendimento de educação apenas ligado a uma instituição,
uma escola mais precisamente, para lançar nosso olhar para outros
artefatos que também fabricam sujeitos, educam-nos e estão até
disputando com a escola, divulgando verdades e constituindo os
sujeitos de determinado forma. Constitui-se sujeito a partir dos grupos
gays (FERRARI, 2006), da mídia (SCHWENGBER, 2010) e da música
(VARGAS, XAVIER, 2013), por exemplo.

Dizemos, assim, que o arcabouço foucaultiano provocou


inflexões importantes para todos nós que pesquisamos em educação
as questões de gênero e sexualidade e permitiu a emergência de
problematizações acerca da produção dos sujeitos como uma ação
não apenas da escola, mas dos diversos espaços e artefatos que
alcançam esse sujeito de formas variadas. Essas pesquisas estão

197
io
ár inseridas em um campo sempre muito aberto, pois as técnicas
m
Su

de poder se atualizam, ganham novas formas e funcionamento, de


modo que outras pesquisas sempre estão surgindo mostrando essa
dinâmica. Os/as autores/as se familiarizam com Foucault, fazem um
uso interessado dele para deixá- lo para trás, para avançar através de
um exercício do pensamento que os faz pensar de outros modos.

Se, por um lado, as pesquisas do GT23 referenciadas pelo


HSI examinam alguns conceitos e encaminhamentos dados no
pensamento foucaultiano, seguindo-os naquilo que eles são úteis
e importantes para as diferentes investigações, há, por outro lado,
uma fidelidade infiel ou, como disse Veiga-Neto, “[...] um tipo de
adesão intelectual condicionada às circunstâncias determinadas
pelo próprio ato de aderir.” (VEIGA- NETO, 2014, p. 72). Desse modo,
essa fidelidade não diz de abandonar os conceitos construídos pelo
autor, ou negá-los, mas parte da “[...] necessidade de constantes
atualizações.” (VEIGA-NETO, 2014, p. 73). Assim, cada produção do
GT23 está imersa no seu próprio tempo, no presente e a partir do
contexto brasileiro.

Nesse sentido, o modo como o próprio Foucault sugere que


ele seja usado – como ferramenta, fogo artifício –, a questão de
fazer uma história do presente e o modo como compreendemos
educação a partir também do pensamento foucaultiano potencializam
a emergência de uma multiplicidade de temas nesse GT23, que vão
desde a “Educação Sexual à transexualidade”. Entendemos que
um pensamento educacional que se abre à problematização do
presente e do sujeito, alargando as possibilidades de pesquisa com
o as teorizações genealógicas de Foucault, pode instaurar práticas
de liberdade nos diversos espaços pedagógicos que funcionam
como tecnologias de produção de sujeitos. Fazemos essa afirmação
ancorados no pensamento de Foucault. Se ele investigou tantos
modos de subjetivação e, através de suas investigações, continuamos

198
io
ár a mostrar esses modos também no presente, fazemos isso como um
m
Su

investimento para que nós mesmos e os próprios sujeitos pensem


acerca dos poderes e verdades que os constituem de determinada
forma e possamos problematizar: Por que penso o que eu penso?
Por que me constituo dessa forma e não de outra? Dessa maneira,
podemos acionar um objetivo principal às nossas investigações, tal
qual Foucault nos ensinou:
“O objetivo principal, hoje, não é descobrir, mas recusar o que
nós somos. Devemos imaginar e construir o que poderíamos
ser para nos livrarmos dessa espécie de ‘dupla obrigação’
política que são a individualização e a totalização simultânea
das estruturas do poder moderno” (FOUCAULT, 2014b, p. 128).

Nesse sentido, somos instigados pelo autor a “[...] promover


novas formas de subjetividade, recusando o tipo de individualidade
que se impôs durante vários séculos.” (FOUCAULT, 2014b, p. 128).

Os trabalhos, por darem lugar para essas novas formas de


subjetividade, também nos possibilitam pensar que eles fazem parte
de um movimento, de uma disposição a não acomodação, colocando
sob suspeita o que classificamos como “normal”. Essa talvez seja
uma das lições mais aprendidas na “História da Sexualidade I”: que
o sujeito racional, coerente e unificado não existe e que é preciso
libertar nossos desejos de qualquer repressão. Nessa obra, Foucault
vai nos convocar a pensar a sexualidade como um dispositivo, algo
construído e que tem uma história, de maneira que trabalhar com
a sexualidade como tendo uma história implica pensar que ela é
resultado de diferentes discursos. O autor, portanto, vai argumentar
que a história da sexualidade só pode ser construída, se levarmos em
consideração a história dos discursos e das relações de saber-poder
que atravessam nossos entendimentos de sexualidade.

A identificação com a “não-acomodação” nos trabalhos do GT


23 também dizem da história de constituição desse campo no Brasil,

199
io
ár demonstrando como o espaço do GT vai se construindo em diálogo
m
Su

com o movimento no campo. É exemplo disso a entrada das discussões


da teoria Queer e as discussões da transexualidade, que vão aparecer
somente em 2008 (CÉSAR, 2008), tomando um fôlego maior nos
anos seguintes com os trabalhos mais dedicados à transexualidade
e realidade brasileira (CÉSAR, 2009; TORRES, 2013; SANTOS, 2013;
SANTOS, 2015; SEVILLA, 2015; SANTOS, 2017; SANTOS, 2019).

Contribuindo com esse diálogo, há ainda o único trabalho


dedicado à família homoparental (REALI, 2009). Essas são, de fato,
discussões muito recentes no cenário das relações de gênero,
sexualidade e educação no Brasil, datadas de meados da década de
2010, adquirindo força na década seguinte.

Respondendo à atualidade dessas temáticas, Maria Rita César


(2008), recorrendo aos estudos de Michel Foucault, já defendia a entrada
dessas discussões no campo da Educação pela não acomodação dos
sujeitos a uma sexualidade normatizada: “[...] todos/as são sujeitos
que subvertem as expectativas em relação ao sistema sexo/gênero e
podem abrir um diálogo para um currículo ou uma pedagogia queer.
Por que queer? Para que possamos viver uma vida não fascista.”
(CÉSAR, 2008, p.1). A não acomodação desses sujeitos nos convoca
a pensar a escola e a educação a partir de uma outra perspectiva,
a partir da denúncia que esses corpos e suas transgressões fazem
desse espaço. É a “História da Sexualidade I” que é chamada para a
percepção do teor transgressivo que a expressão queer adquiriu.
Os leitores[as] que buscavam uma maior compreensão acerca
da história do sexo e das práticas sexuais através dos tempos,
na tentativa de entenderem o binômio entre a repressão sexual
e a liberação do sexo nos anos setenta, se surpreendiam com
as teses do autor sobre o conceito de sexualidade como uma
criação discursivoinstitucional, cuja função seria o controle dos
indivíduos e das populações produzindo a normalização dos
corpos. (CÉSAR, 2008, p. 6-7).

200
io
ár A obra é parte de um projeto mais amplo de problematizar como
m
Su

nos tornamos o que somos. Nesse investimento em questionar nossas


formas de saber, as relações de poder que nos constituem e nossas
ações sobre os outros e sobre nós mesmos, Foucault vai rompendo
com os silêncios, vai propondo novas e provocativas questões. A
sexualidade é parte dessa proposta de questionar as verdades e as
normalidades. Falando sobre a importância de Michel Foucault para a
discussão da sexualidade, Guacira Lopes Louro nos diz:
A respeito da sexualidade, duvidou do suposto silêncio e
repressão que a teriam cercado e afirmou que, em vez disso,
essa era uma questão sobre a qual muito se falava e há
muito tempo. Assumindo sua ótica, passamos a afirmar que
a sexualidade era e é construída discursivamente (LOURO,
2009, p. 136).

O que a citação reforça é a influência de Foucault como um


instaurador de discursividade, como aquele que foi capaz de produzir
uma nova perspectiva de análise para as sexualidades, diferente do que
era apresentado no campo da Psicologia. Ele instaurou uma nova forma
vinculada aos discursos, à sexualidade como dispositivo discursivo,
como uma incessante vontade de saber e produzir saberes sobre os
sujeitos, seus corpos, desejos, emoções, práticas, ensinando-nos que
essa incessante produção discursiva que deu origem à sexualidade
está atravessada o tempo todo pela relação saber-poder. Como Sílvio
Gallo (2004) argumenta, o instaurador de discursividade não se limita
aos textos que escreve, estando seus escritos implicados em produzir
novos campos de investigação, novas possibilidades de pensar e
novas enunciações discursivas.
Sua obra costuma ser didaticamente dividida em três fases:
a primeira marcada por As palavras e as coisas (1966); a
segunda por Vigiar e Punir (1975); e a terceira pela História da
sexualidade -, publicada em três volumes, o primeiro deles (A
vontade de saber) tendo aparecido em 1976.

201
io
ár A primeira fase é marcadamente epistemológica, buscando
m
desvendar o solo do qual brotam os saberes; a segunda,
Su

podemos dizer que é política, pois Foucault procura mostrar a


íntima relação entre os saberes e os poderes; a terceira, volta-
se para a Ética quando, ancorado em Nietzsche, o francês
vai propor que cada um faça de sua vida uma obra de arte
(GALLO, 2004, p. 80).

Na citação de Sílvio Gallo, podemos perceber que a terceira


fase dialoga com as anteriores, o que nos possibilita pensar a
sexualidade como uma construção discursiva que está implicada
com um jogo de reconstrução, de renovação e reativação constante
de discursos. Um jogo que está centrado na relação dos sujeitos
com esses discursos e nas suas possibilidades de resistência e de
subversão ao que está dado como natural e normal no campo das
relações de gênero e sexualidade.

Os trabalhos do GT 23, quando dão lugar a esses sujeitos


que “inauguram” modos resistentes e subversivos de ser e estar no
mundo, estão no jogo da produção de discursos novos no campo da
educação, não somente a educação escolarizada, mas principalmente
um sentido de educação que diz da produção de sujeitos em meio
a instituições, discursos, saberes e poderes. Embora Foucault não
tenha discutido diretamente temas como transexuais e travestis na
escola (CÉSAR, 2009), homoparentalidade e escola (REALI, 2009),
professores e professoras que transitam nas fronteiras do gênero e
sexualidade (ALMEIDA; MOTA, Maria Veranilda Soares, 2009), tais
discussões foram possíveis de ser instauradas a partir da “História da
Sexualidade I”, para além dessa obra, transformando- se em temas
novos, resultando em novos discursos que são infiéis a Michel Foucault
e que inauguram novas formas de subjetividade.

A terceira fase de Foucault, em que a discussão da sexualidade


toma protagonismo, pode ser considerada a que “mais elementos
possam nos trazer para, indo além do diagnóstico do presente,

202
io
ár pensarmos possíveis futuros para a Educação” (GALLO, 2004, p. 95).
m
Su

Nesse sentido, a “História da Sexualidade I” cumpre sua função no


GT 23, na medida em que é uma obra tomada na sua perspectiva
ética de pensar novas formas de produzir a vida. Uma vida que
valha a pena ser vivida, denunciando as mazelas que nos assolam
no interior de instituições como a escola, a universidade, e em
suas relações de saber- poder. Ressaltamos, ainda, que depois da
“História da Sexualidade I”, as três obras mais citadas no GT 23 são
“Arqueologia do Saber”, “Vigiar e Punir” e “Microfísica do Poder” são,
respectivamente. Não por acaso, são as obras que marcam as fases
da arqueologia e da genealogia e que nos convidam a problematizar a
educação para além da disciplinarização. São obras que nos incitam
a construir escolas e processos educativos mais responsáveis com
ética, possibilitando processos de subjetivação que resultem numa
educação comprometida com o cuidado de si mesmo e do outro,
construindo novas formas de produção de si e de relações com os
outros. Esse é um aspecto que nos interessa na utilização que é feita
da “História da Sexualidade I”, ou seja, como ela é tomada para pensar
outras formas de ser e estar no mundo, investindo nas subversões e
resistências as normas de gênero e sexualidade.

SUBVERSÃO E RESISTÊNCIA

Podemos pensar que o conceito de “subversão” se deve muito


à obra de Michel Foucault, sobretudo à “História da Sexualidade I”,
em que o autor vai demonstrar a construção da sexualidade ligada
aos discursos e às relações de saber-poder, contribuindo para que
outros autores e autoras ampliem essa compreensão, de forma que
possam afirmar que gênero é uma forma de regulação social (BUTLER,
Judith, 2006). Uma regulação social advinda dos dispositivos próprios
para tal função, dos quais podemos destacar, regulações legais,

203
io
ár institucionais, educacionais, dentre outras que agem com a intenção
m
Su

de regular os sujeitos. Durante muito tempo, a tendência foi tomar esse


processo de regulação dos sujeitos pelo gênero e sexualidade a partir
de uma certa separação entre o poder de regulação, compreendido
quase como uma estrutura única, coesa e autônoma, e o gênero.
O equívoco era pensar que esses dispositivos de regulação agiam
reprimindo e moldando os sujeitos aos seus gêneros e sexualidades,
transformando-os em homens masculinos heterossexuais e mulheres
femininas heterossexuais.

Assim, explorando os clássicos livros da história da sexualidade


e ampliando suas potencialidades como problematizações, os
trabalhos (CÉSAR, 2009; TORRES, 2013) que se dedicam a tomar
a subversão como possibilidade vêm colocando sob suspeita essa
separação entre o poder de regulação e os sujeitos, com seus
gêneros e sexualidade, demonstrando que não há uma regulação
anterior ou mesmo autônoma que vai criar o gênero. Ao contrário
disso, os trabalhos demonstram que esses sujeitos só existem a
partir da sua sujeição às regulações de gênero. A nossa sociedade
do enquadramento não nos permite escapar dessa regulação de
gênero como processo de constituição dos sujeitos.

Na “História da Sexualidade I”, Foucault vai trabalhar esse


entendimento de regulação da sexualidade e subjetivação a partir
das relações de poder, para dizer que o poder não é simplesmente
opressor das subjetividades, ele é, também, parte da sua constituição.
O poder é positivo e criativo, além de estar diretamente ligado aos
mecanismos de regulação e aos processos disciplinares que ele é
capaz de construir e de manter, de tal maneira que esses discursos
reguladores são responsáveis, ao mesmo tempo, pela construção
dos sujeitos detentores dos “seus gêneros” e pela produção da
sujeição (FOUCAULT, 1988).

204
io
ár Interessado nas relações entre os jogos de saber-poder e a
m
Su

produção das subjetividades, Foucault (1988) vai demonstrar que é na


própria maquinaria do poder que se encontram as forças de resistência
e subversão, tão importantes para o desafio e a potencialidade da
transformação. Só existem relações de poder porque há sempre a
possibilidade de resistência, uma certa insubmissão que é condição
imanente dessas relações de poder, que guarda e permite as invenções
e transgressões como forças capazes de subverter esse diagrama de
forças. Por isso, é importante entender que não é contra o poder que as
subversões e resistências se originam, mas é contra os efeitos desse
poder num espaço aberto que elas adquirem vida, sendo acionadas
como estratégias de luta.

Essas forças de subversão e resistência nos chamaram atenção


no conjunto de trabalhos que toma as transexualidades como tema de
investigação. Em todos eles (CÉSAR, 2009; TORRES, 2013; SANTOS,
2013; SANTOS, 2015; SEVILLA, 2015; SANTOS, 2017; SANTOS, 2019),
a escola é o campo em que esses sujeitos – que subvertem e resistem
– circulam, sejam como alunas e alunos, ou como professoras e
professores. A escola é apresentada como espaço da resistência e
da subversão da norma corpo-gênero- sexualidade. Se a sexualidade
é uma construção histórica e discursiva, é um dispositivo, como nos
aponta Foucault, a escola é parte desse processo. Na escola, também
aprendemos e ensinamos sexualidade.

Embora Foucault não tenha se dedicado a essa relação entre a


construção da sexualidade e a cultura escolar, suas obras ajudaram a
fomentar as investigações sobre a escola nas suas múltiplas relações
com a construção do gênero e sexualidade. Conforme observamos,
as pesquisas que aparecem no GT 23, dedicadas a essas relações,
se apropriam de suas obras, sobretudo da “História da Sexualidade
I”, em diálogo com “Vigiar e Punir” e “Microfísica do Poder”, para
investigar sobre os processos disciplinares, a arquitetura, o currículo,

205
io
ár o exame e classificações, os exercícios corporais, as punições e as
m
Su

premiações. Mais recentemente, essas obras passaram a ajudar nos


trabalhos que discutem a relação entre biopoder nas escolas, para
pensar o governo das populações a partir do dispositivo discursivo
da sexualidade, sobretudo a partir das ideias de prevenção, saúde,
sexualidade e corpo. A subversão não se dá em qualquer espaço,
mas numa instituição marcada pela disciplina e controle dos corpos,
pelos mecanismos de construção dos sujeitos e seus pertencimentos
a corpos biológicos, a desejos heteronormativos e sexualidades tidas
como “normais”.
Por que a instituição escolar recusa o nome social, produzindo
a evasão? A resposta pode ser imediata: se a escola é o lugar
por excelências das formas de normalização dos corpos,
os corpos de transexuais e travestis representam o outro da
norma, aquele/a que sempre escapará das teias disciplinares
e biopolíticas do governamento escolar. Ou ainda: por que
estes corpos não normativos colocam em cheque as certezas
estabelecidas pelo sistema sexo-corpo-gênero, que a escola,
mesmo diante de programas de educação sexual, diversidade
sexual e combate ao preconceito, ainda insiste em preservar
(CÉSAR, 2009, p. 2-3).

Apoiando-se em Foucault, Maria Rita César (2009) vai colocar


uma problemática atual nas escolas brasileiras, que é o processo de
expulsão das transexuais das escolas, numa demonstração de poder
e prazer que marca essa instituição disciplinar. Poder-prazer que se
reforçam no controle, na vigilância dos corpos e sujeitos com suas
sexualidades, prazer de classificar e nomear e mesmo o poder-prazer
em minar as resistências. As transexuais passam a ser “o outro da
norma, aquele/a que sempre escapará das teias disciplinares e
biopolíticas do governamento escolar”. Marco Antônio Torres (2013)
também se dedica a pensar os sujeitos que, durante muito tempo,
ficaram afastados das escolas, que sofreram processos de expulsão
dessa instituição, não entendida como espaço de transgressão às
normas de corpo-gênero- sexualidade.

206
io
ár Travestis e transexuais são sujeitos desclassificados por
m
discursos que os produzem a partir da desordem social
Su

e psíquica, pois têm sido associados à prostituição e aos


diagnósticos psicológicos e psiquiátricos, entre outros
dispositivos orientados pela heteronormatividade. Quando
esses sujeitos começam a emergir na escola como docentes
temos evidenciada uma questão, quais as formas de ingresso
e sustentação das professoras travestis e transexuais femininas
no ambiente escolar? (TORRES, 2013, p. 1).

A escola continua sendo o espaço de problematização da


presença desses sujeitos que não se enquadram, que resistem e
subvertem a norma. Não somente alunas e alunos, mas também
professoras e professores. Essas transgressões à norma só
podem ser entendidas a partir da noção sexo como dispositivo, um
entendimento construído a partir da “História da Sexualidade I” e que
vai marcar esses trabalhos que estão pensando a constituição desses
sujeitos que escapam ao limite da compreensão de corpos somente
como homens ou como mulheres, vivenciando exclusivamente o
desejo heterossexual.
No entanto, a imposição dessa presença às instituições
escolares, não ocorre sem um esforço da própria instituição em
regulá-la. As pessoas que fabricam seus corpos e identidades
de gênero, diferente daquele atribuído a partir da genitália ao
nascer e que ousam adentrar os espaços e tempos escolares
como estudantes, em geral, “causam” estranhamentos,
incômodos, curiosidades e mexericos, perturbando a ordem da
escola. (SANTOS, 2013, p. 1-2).

A autora segue argumentando acerca da importância dos


estudos de Foucault para além do que ele próprio pesquisou, para
ampliar seu escopo de análise e construir algo autoral no que diz
respeito à transexualidade.
A possibilidade de se perguntar pela normalidade constituiu-
se nas condições de possibilidade também para a invenção
da transexualidade. Como um dos desdobramentos do

207
io
ár dispositivo da sexualidade (FOUCAULT, 1988), o dispositivo da
m
transexualidade organiza os saberes, as práticas e os discursos
Su

que as sustentam produzindo a patologização da experiência


transexual e um personagem: a/o verdadeira/o transexual.
(SANTOS, 2013, p. 6).

O que está em jogo nesses trabalhos é o que Santos (2013)


nomeia como “possibilidade para a invenção da transexualidade”. As
possibilidades de se inventar estão ligadas às possibilidades de resistir
e de subverter o que está destinado aos sujeitos. As resistências e
as subversões em Foucault dizem da liberdade do sujeito. “História
da Sexualidade I” é a continuidade das questões abertas pelo autor,
interessado nos processos de constituição dos sujeitos a partir da
análise do poder. O último Foucault ou também chamado de terceiro
Foucault12 (1978-1984) se dedica mais particularmente a estudar das
dinâmicas das resistências, nos seus variados aspectos, sobretudo em
diálogo com a complexa rede de relações de poder na atualidade. É
esse último Foucault que é tomado nesses trabalhos que se dedicam a
problematizar a constituição das transexualidades, como uma questão
atual e candente nas escolas brasileiras.

Para essas investigações em torno das experiências de


subversão ao gênero – a transexualidade –, “História da Sexualidade
I” é utilizada como se fosse para construir um campo problemático
de investigação a partir dos antecedentes históricos de construção
das sexualidades no Ocidente para pensar as resistências e suas
possibilidades de êxito. Nesse terceiro Foucault, o interesse se
concentra em pensar os combates e as lutas associando-as às
relações de poder. É aí que as resistências ao poder passam a ser
consideradas como formas de manutenção das liberdades dos

12 A definição de último ou terceiro Foucault acontece para fins didáticos. É uma maneira
de separar todo o conjunto de obras do autor, basicamente, em três fases: arqueológica
(primeiro Foucault), genealógica (segundo Foucault), ética (terceiro/último Foucault). Cada
uma dessas fases ele se debruça de maneiras, e com focos diferenciados para seus objetos
de pesquisa, conferindo qualidades específicas aos conceitos e modos metodológicos de
operar com as questões de pesquisa. Para mais detalhes ver: Veiga-Neto (2003).

208
io
ár sujeitos. E, talvez, por isso “História da Sexualidade I” seja a obra
m
Su

mais utilizada nos trabalhos que discutiram a transexualidade, porque


ela é porta de entrada para essa última fase de Foucault, uma fase
muito diferente das anteriores em que o indivíduo pouco ou nada
podia fazer nas lutas de transformação do mundo social e político
(BRANCO, Guilherme Castelo, 2001).

A “História da Sexualidade I”, nesses trabalhos destinados a


pensar as transexualidades, convida- nos a problematizar e mesmo
restaurar o lugar e o papel dos sujeitos éticos, sensíveis e resistentes
no cenário educacional brasileiro. Um sujeito que resiste porque é
livre, que pode ser considerado, ontologicamente, livre porque tem
sensibilidade, razão e poder de modificar sua realidade. Talvez esse
seja o maior ensinamento de Foucault, ao problematizar a história da
sexualidade como dispositivo discursivo atravessado por saber-poder:
que resistência e liberdade dos sujeitos devem ser pensadas na
prática das lutas sociais, na precariedade da vida, na contingência dos
acontecimentos e na mobilidade das construções sociais e políticas.

Nesse sentido, acreditamos que os trabalhos apresentados no


GT 23 aprenderam e ampliaram o pensamento foucaultiano nos seus
encontros com as escolas, com o sistema educacional brasileiro e
com o entendimento de que educação é algo que acontece para além
das escolas, envolvido nos processos de constituição dos sujeitos. Os
trabalhos se debruçam sobre as práticas, dedicam-se a analisar as
estratégias que constroem essas práticas de subversão e resistência,
enfim, as diferentes maneiras que são acionadas pelos indivíduos,
livremente, em suas lutas, negociações, confrontos, projetos para se
constituírem como sujeitos de suas práticas ou mesmo recusarem as
práticas que lhes são impostas. Assim como Foucault, que acreditava
na liberdade humana, os trabalhos que se utilizam desse autor mantêm
viva essa crença na liberdade como mola propulsora de transformação
e resistência do que chamamos de realidade.

209
io
ár CONSIDERAÇÕES FINAIS
m
Su

É importante recuperar dois pontos que insistimos ao longo do


texto. Dois pontos que convergem na demonstração de que o GT 23
– Gênero, Sexualidade e Educação – é um espaço de criação a partir
do pensamento foucaultiano. O primeiro ponto é a defesa da utilização
infiel a Foucault para produzir algo próprio e autoral no que diz respeito
ao contexto educacional brasileiro, sabendo-se valer dos conceitos
de sujeito, saber-poder, verdade, resistência, para problematizá-los
a partir do presente, de situações, práticas e relações do cotidiano
educacional. A infidelidade a Foucault reforça sua classificação como
instaurador de discursividade, uma vez que estamos sendo capazes
de produzir discursos para além dele, a partir dele, com ele.

O segundo ponto é o trabalho com as possibilidades de


subversão e resistências, como práticas necessárias para o
enfrentamento da situação atual de ataques às relações entre
gênero, sexualidade e educação. Os trabalhos apresentados no
GT23, ao longo desses 15 anos, nos ensinaram que não é inútil
nos revoltarmos, diante de uma insistência e investimento pela
continuidade. Esse é o desafio que podemos tirar como lição desses
trabalhos, ou seja, manter viva a resistência criativa, aquele que é
capaz de afirmar a vida, de defender as lutas em torno de novas
possibilidades de ser e estar no mundo.

Um GT que, no seu conjunto, nos mostra o quanto a área de


conhecimento Gênero, Sexualidade e Educação é recente, e o quanto
ela – a área - é ameaçadora para as forças conservadoras, mas
também o quanto ela está ameaçada. Mostramos, tomando um foco
de análise como central – as transexualidades – que a resistência e
a subversão ao que nos é instituído como corpo-gênero-sexualidade
é que possibilitam as transformações e novas formas de pensar a

210
io
ár escola, a educação, a relação entre sujeitos. Não queremos dizer com
m
Su

isso que somente as transexualidades possam ser consideradas como


atos de resistência e subversão, mas, ao contrário disso, que elas só
foram possíveis de ser entendidas como tais a partir da ampliação
do entendimento de sexualidade inaugurado pela obra “História da
Sexualidade I”, em que os discursos e as relações de poder com seus
efeitos sobre o sujeito tomou o centro das problematizações de que
como nos tornamos o que somos.

Os trabalhos do GT 23, de forma geral, nos possibilitaram


pensar a utilização de Foucault no campo da Educação a partir de
duas perspectivas, tanto os assujeitamentos quanto os processos de
subjetivação. No primeiro, temos o sujeito sendo subjetivado pelas
forças do poder, já no segundo, o foco está na ação desse sujeito
sobre si mesmo. Os trabalhos se apropriam dessas duas perspectivas
que não são excludentes, ou seja, que se misturam para nos constituir.
Mas é contra as diferentes formas de assujeitamento e de subjetivação
que estamos lutando para recusar o que nós somos.

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políticas educacionais para a população LGBT. In: 38ª. Reunião Anual da
ANPEd, São Luís, 2017.
NEVES, Paulo Rogério da Conceição. Violência, traição e gênero: uma
briga de meninas em uma escola privada. In: 35ª. Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu, 2012.
NEVES, Regiane Farias. Educação feminina e os devires da sexualidade em
Antônia Cudefacho. In: 39ª. Reunião Anual da ANPEd, Niterói, 2019.
PARREIRA, Fátima Lúcia Dezopa; SILVA, Elenita Pinheiro de Queiroz.
Discursos de bolsistas do programa institucional de bolsa de iniciação à
docência sobre sexualidade. In: 37ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu,
2015.

213
io
ár NOGUEIRA, Juslaine de Fátima Abreu. Dispositivo da sexualidade e
m
psiquiatrização da educação: notas farmacobiopolíticas sobre o corpo. In:
Su

37ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2015.


PEREIRA, Angélica Silvana. Barbie, Max Steele os heróis que estão em você:
consumo e pedagogias de gênero na produção da criança em tempos de
(in)tolerância. In: 38ª. Reunião Anual da ANPEd, São Luís, 2017.
PORTINARI, Denise. A gentrificação do queer e as intensificações do
biopoder In: 37ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2015.
REALI, Noeli Gemelli. Homoparentalidade e escola: que conjugação é essa?
In: 32ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2009.
RIBEIRO, Gabriela Chicuta. Gênero, sexualidade e diversidade sexual na
educação física escolar. Uma cartografia das práticas discursivas em escolas
paranaenses. In: 35ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2012.
RIBEIRO, Cláudia Maria; XAVIER FILHA, Constantina. Trajetórias teórico-
metodológicas em 10 anos de produção do GT 23 da Associação Nacional
de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação – ANPEd. Revista Periódicus,
2ª. edição, Salvador: UFBA, p. 1-19, abr. 2015.
RITTI, Rosalinda Carneiro de Oliveira. “Todo dia eu penso: meu Deus, onde
foi que eu errei?”: os desafios de ser mãe na periferia”. In: 36ª. Reunião Anual
da ANPEd, Caxambu, 2013.
RIZZATO, Liane Kelen. Percepções docentes sobre a homofobia na escola:
entre dissonâncias e continuidades. In: 36ª. Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu, 2013.
SCHWENGBER, Maria Simone Vione. Pobres meninas “ricas” com a
gravidez. In: 32ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2009.
SCHWENGBER, Maria Simone Vione. Os meus filhos e os deles: os filhos da
esperança. In: 37ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2015.
SANTOS, Dayana Brunetto Carlin dos. A escola como empreendimento
biopolítico de governo dos corpos e subjetividades transexuais. In: 36ª.
Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2013.
SANTOS, Dayana Brunetto Carlin dos. Corpos e subjetividades trans na
escola e nos movimentos sociais: a reinvenção das tentativas de captura
por meio das normativas oficiais. In: 37ª. Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu, 2015.

214
io
ár SANTOS, Dayana Brunetto Carlin dos. Docências trans: entre a decência e a
m
abjeção. In: 38ª. Reunião Anual da ANPEd, São Luís, 2017.
Su

SANTOS, Sandro Prado. Cartografias das experiências de pessoas trans com


os territórios da Educação em Biologia. In: 39ª. Reunião Anual da ANPEd,
Niterói, 2019.
SANTOS, Luã Sarcinelli; HADDOCK-LOBO, Rafael. Entre errâncias: Derrida e
Deleuze. Revista Humus, Maranhão, v. 8, n. 14, p. 158-174, dez. 2018.
SEVILLA, Gabriela Garcia. Pedagogias de gênero e sexualidade em artefatos
culturais: reflexões sobre uma experimentação. In: 37ª. Reunião Anual da
ANPEd, Caxambu, 2015.
SIERRA, Jamil Cabral. O governamento da diversidade sexual e o desafio
de uma ética/estética pós- identitária para a teorização político-educacional
LGBT. In: 35ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2012.
SILVA, Mirian Pacheco. Quando o estranho é o professor: narrativas sobre
sexualidade e o currículo de formação de professores. In: 30ª. Reunião Anual
da ANPEd, Caxambu, 2007.
SILVA, Andréa Costa da; SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de. Sexualidade na
escola mediada pela literatura: apropriações docentes. In: 31ª. Reunião Anual
da ANPEd, Caxambu, 2008.
SILVA, Andréa Costa da; SIQUEIRA, Vera Helena Ferraz de. Sexualidade
e gênero: discursos docentes mediados pelo livro paradidático. In: 35ª.
Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2012.
SILVA, Elenita Pinheiro de Queiroz. Corpo e sexualidade no ensino de
ciências: experiências de sala de aula. In: 35ª. Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu, 2012.
SOUSA, Bernardina Santos Araújo de. Os manuais de conduta e a escrita
feminina no início do século xx: o que desvelam as narrativas? In: 31ª.
Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2008.
SOUZA, Marcos Lopes de. O PIBID como espaço formativo de desarranjos,
reinvenções e pluralizações dos gêneros e das sexualidades. In: 37ª. Reunião
Anual da ANPEd, Caxambu, 2015.
TORRES, Marco Antônio. Docência, transexualidades e travestilidades:
a emergência rede Trans Educ Brasil. In: 36ª. Reunião Anual da ANPEd,
Caxambu, 2013.

215
io
ár VARGAS, Juliana Ribeiro de; XAVIER, Maria Luisa Merino. A feminilidade em
m
discurso: mídias musicais contemporâneas produzindo modos de ser jovem
Su

e mulher. In: 36ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2013.


VEIGA NETO, Alfredo. Foucault & Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.
VEIGA-NETO, Alfredo; RECH, Tatiana Luiza. Esquecer Foucault? Pro-
Posições, Campinas, v. 25, n. 2, p. 67- 82, mai./ago. 2014.
XAVIER, Constantina Filha. “Qual destas moças é você?” O
autoconhecimento produzido pelos testes da imprensa feminina – décadas
de 50 a 70 do século XX. . In: 29ª. Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2006.
XAVIER FILHA, Constantina. Catálogo eletrônico de produções bibliográficas
sobre educação sexual e de gênero – décadas de 1930 a 1985. In: 32ª.
Reunião Anual da ANPEd, Caxambu, 2009.

216
io
ár
SOBRE AS AUTORAS E AUTORES
m
Su

Anderson Ferrari
Professor da Faculdade de Educação da UFJF, professor permanente do
PPGE/UFJF. Pós-doutor em Educação e Cultura Visual pela Universidade
de Barcelona/Espanha, Doutor em Educação pela Unicamp. Coordenador
do Grupo de Estudos e Pesquisas em Gênero, Sexualidade, Educação e
Diversidade (GESED/UFJF). E-mail: ferrarianderson13@gmail.com

Cláudia Maria Ribeiro


Professora titular aposentada do Departamento de Educação da Universidade
Federal de Lavras - Minas Gerais. Pós-doutora na Universidade do Minho,
Braga, Portugal, em estudos do Imaginário das Águas. Integrante do grupo
de pesquisa: Relações entre filosofia e educação para a sexualidade na
contemporaneidade: a problemática da formação docente.Coordenadora
do Fórum Sul Mineiro de Educação Infantil e integrante do Comitê Gestor do
Fórum Mineiro de Educação Infantil. E-mail: ribeiro@ufla.br

Cláudia Vianna
Professora Sênior no Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (FEUSP), onde concluiu seu doutorado e livre-
docência. Possui Pós-Doutorado em Sociologia e Gênero na Universidad
Atónoma de Madrid e é bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq.
Coordena, com Marília Pinto de Carvalho, o grupo de Estudos de Gênero,
Educação e Cultura Sexual (EdGES) e desenvolve investigações na área das
relações de gênero e produção das sexualidades nas políticas públicas de
educação. Além de diversos artigos e capítulos, é autora de “Os nós do nós:
crise e perspectivas da ação coletiva docente em São Paulo” (Xamã, 1999) e
“Políticas de Educação, Gênero e Diversidade Sexual: breve história de lutas,
danos e resistências” (Autêntica, 2018). E-mail: cpvianna@usp.br

Constantina Xavier Filha


Professora da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, na Faculdade
de Educação. Possui doutorado em Educação pela FEUSP, mestrado em
educação pela UFMS e dois pós-doutorados, o primeiro pela UNICAMP e o
segundo pela UNIRIO. Desenvolve pesquisa nas áreas de gênero, sexualidade
e direitos humanos. Desde o ano de 2010 desenvolve projetos de pesquisa e

217
io
ár extensão em escolas públicas municipais de Campo Grande/MS produzindo
m
coletivamente filmes de animação com crianças da primeira etapa do Ensino
Su

Fundamental. É líder-coordenadora do GEPSEX – Grupo de Estudos e


Pesquisas em Sexualidades, Educação e Gênero. E-mail: tinaxav@gmail.com

Dagmar Estermann Meyer


Professora titular aposentada da UFRGS. Trabalhou como professora, com
dedicação exclusiva, no Departamento de Enfermagem da UFMT (1980
a 1991) e, depois, na Faculdade de Educação da UFRGS, de 1992 até se
aposentar em 2011, à qual permaneceu vinculada como docente colaboradora
voluntária, sem remuneração, até julho de 2019. Foi docente pesquisadora e
orientadora (2000 a 2019) nos Cursos de Mestrado e Doutorado nas áreas
da Educação, da Enfermagem e da Saúde Coletiva da UFRGS, atuando em
linhas de pesquisa vinculadas aos Estudos de Gênero e de Sexualidade e aos
Estudos Culturais. Foi integrante-fundadora do Grupo de Estudos de Educação
e Relações de Gênero (GEERGE, de 1990 a 2019) e bolsista de Produtividade
em Pesquisa do CNPq (2001 a 2018, nível 2 a 1B).Graduada em Enfermagem
pela PUC/SP (1979), com Mestrado e Doutorado em Educação pela UFRGS
(1991/1999), e Pós-Doutorado no Departamento de Medicina Preventiva da
USP (2005). E-mail: dagmaremeyer@gmail.com
Danilo Araujo de Oliveira
Professor de Educação Básica na Prefeitura de Lagoa Santa. Doutorando no
Programa de Pós-Graduação em Educação: Conhecimento e Inclusão Social
da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais. Mestre
em Educação pela Universidade Federal de Sergipe. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisas em Currículos e Culturas (GECC) e do Observatório da
Juventude. Suas pesquisas analisam os seguintes temas: Currículo, gênero,
sexualidade, formação docente. E-mail: danilodinamarques@hotmail.com

Éderson da Cruz
Professor e gestor escolar na Educação Básica das redes pública estadual
e privada no Rio Grande do Sul. Graduado em Letras (UNISINOS) e em
Pedagogia (UFRGS); Especialista em Gestão Escolar (UNIP); Mestre e Doutor
em Educação (UNISINOS). Integrante do Grupo Interinstitucional de Pesquisa
em Docências, Pedagogias e Diferenças (GIPEDI - UNISINOS - CNPq). Suas
pesquisas analisam os temas: Gênero, masculinidades, currículo e docências.
E-mail: prof.dr.edersoncruz@gmail.com

218
io
ár Eliane Rose Maio
m
Su

Professora do Programa de Pós-graduação em Educação (PPE), da


Universidade Estadual de Maringá (UEM), Graduação em Psicologia (UEM);
Mestrado em Psicologia (UNESP/Assisi); Doutorado em Educação Escolar
(UNESP/Araraquara); Pós-Doutorado em Educação Escolar (UNESP/
Araraquara). Coordenadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Diversidade
Sexual (NUDISEX-CNPq). As pesquisas analisam os seguintes temas: gênero,
educação em sexualidade; violência sexual; formação docente. E-mail:
elianerosemaio@yahoo.com.br

Fernando Pocahy
Professor Associado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)/
Faculdade de Educação, onde atua como pesquisador-docente do quadro
permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação (ProPEd) e do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social (PPGPS). Líder do GENI
- Estudos de Gênero e Sexualidade. Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq e do Programa Jovem Cientista do Nosso Estado (JCNE-FAPERJ);
Procientista (UERJ-FAPERJ). Doutor em Educação e Mestre em Psicologia
Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Tem realizado estudos e intervenções a partir de interlocuções entre Educação
e(m) Saúde, interessado principalmente nos seguintes temas: envelhecimento,
gênero e sexualidade. E-mail: fernando.pocahy@gmail.com

Fernando Seffner
Professor titular da Faculdade de Educação da UFRGS. Vinculado ao
Programa de Pós-Graduação em Educação, na linha de pesquisa Educação,
Sexualidade e Relações de Gênero, e ao Mestrado Profissional em Ensino de
História PROF HISTÓRIA, na linha de Pesquisa Saberes Históricos no Espaço
Escolar. É coordenador do Grupo de Estudos de Educação e Relações de
Gênero GEERGE e foi coordenador do GT 23 Gênero, Sexualidade e Educação
da ANPEd (2017/2021). Email: fernandoseffner@gmail.com

Guacira Lopes Louro


Professora titular aposentada da UFRGS. Graduada em História e mestre em
Educação pela UFRGS, Doutora em Educação pela UNICAMP. Foi fundadora
do GEERGE (Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero/UFRGS).
Atuou como professora e pesquisadora no Programa de Pós-graduação em
Educação da UFRGS, onde orientou dissertações e teses sobre questões

219
io
ár de gênero, sexualidade e estudos queer em articulação com o campo da
m
Educação. Publicou artigos, livros e capítulos sobre essas temáticas. Entre
Su

suas publicações destacam-se “Gênero, sexualidade e educação” (Ed.


Vozes); “Um corpo estranho” (Autêntica Editora) e “Flor de Açafrão” (Autêntica
Editora). E-mail: guacira.louro@gmail.com

Márcia Ondina Vieira Ferreira


Professora aposentada da Faculdade de Educação da Universidade Federal
de Pelotas, sendo atualmente professora permanente credenciada do
Programa de Pós-Graduação em Educação da mesma unidade da UFPel.
Foi Vice-Coordenadora (2001/2003) e Coordenadora (2008) do PPGE/UFPel;
e Bolsista de Produtividade em Pesquisa (2) entre 2009 e 2021. Coordena
o Grupo de Pesquisas Processo de Trabalho Docente, criado em 1999. Foi
membro do Comitê Assessor de Educação e Psicologia da Fundação de
Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul/FAPERGS (2013-2015). Integra
a Direção Colegiada da Rede de Pesquisadores e Pesquisadoras sobre
Associativismo e Sindicalismo dos Trabalhadores e das Trabalhadoras em
Educação (Rede ASTE). Graduada em Filosofia (Licenciatura e Bacharelado
- 1983) e Mestre em Educação (1987) pela UFRGS. Doutora em Sociologia
pela Universidad de Salamanca (Espanha, 1997), com estágio pós-doutoral,
concluído em 2004, na Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales/
Argentina (FLACSO). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em
Sociologia da Educação, atuando principalmente com os seguintes temas:
trabalho docente, sindicalismo docente, docência e relações de gênero,
diferenças culturais e desigualdades educativas, educação e formação de
professores. E-mail: marciaondina@uol.com.br

Maria Cláudia Dal’Igna


Professora dos cursos de Licenciatura e do PPG em Educação da Unisinos.
Integrante do Comitê de Ética da Unisinos. Doutora e Mestra em Educação
(UFRGS). Graduada em Pedagogia (UNISINOS). Atuou como professora e
gestora na educação básica, em escolas públicas e privadas, em serviços de
apoio especializado, e em espaços não escolares. Pesquisadora do Grupo
Interinstitucional em Docências, Pedagogias e Diferenças (GIPEDI/UNISINOS/
CNPq) e do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE/
UFRGS/CNPq). Suas pesquisas analisam os seguintes temas: educação,
gênero e sexualidade; docência, trabalho docente, profissionalidade docente,
formação de professores; docência, afeto, amor e cuidado; pedagogia e
curso de pedagogia, ciência e carreira. Em consonância com o movimento

220
io
ár #maternidadenolattes, destaca também que é mãe de duas gurias gêmeas.
m
E-mail: mcdaligna@hotmail.com
Su

Maria Eulina Pessoa de Carvalho


Professora Titular do Departamento de Habilitações Pedagógicas do Centro
de Educação da Universidade Federal da Paraíba, do Curso de Pedagogia
e do Programa de Pós-graduação em Educação. Pedagoga (UFPB), Mestra
em Psicologia Educacional (Unicamp), PhD em Currículo, Ensino e Política
Educacional (MSU/USA), estágio pós-doutoral (UV/ES). Fundadora do Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisa e Ação sobre Mulher e Relações de Sexo e Gênero
(NIPAM/CE/UFPB). Líder do grupo de pesquisa Gênero, educação, diversidade
e inclusão (GEDI/UFPB/CNPq). É bolsista de produtividade do CNPq. Pesquisa
atualmente gênero na educação superior. Mãe de dois filhos e uma filha e avó
de três netos. E-mail: mepcarv@gmail.com

Paula Regina Costa Ribeiro


Professora Titular do Instituto de Educação e professora do Programa de Pós-
Graduação: Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande
- FURG. Doutora em Ciências Biológicas e pós-doutorado na Escola Superior
de Educação de Coimbra/Instituto Politécnico de Coimbra. Pesquisadora do
Grupo de Investigación en Educación y Sociedad - GIES, composto pelas
seguintes instituições: Universidad de Castilla-La Mancha, Universidade
Federal do Rio Grande - FURG, Universidad de Córdoba, Instituto Politécnico
de Coimbra - Escola Superior de Educação. Editora da Revista Diversidade
e Educação. É líder do Grupo de Pesquisa Sexualidade e Escola - GESE,
atuando principalmente nos seguintes temas: corpos, gêneros e sexualidades.
Bolsista produtividade 1C do CNPq. E-mail: pribeiro.furg@gmail.com

Paulo Rennes Marçal Ribeiro


Professor Associado (MS-5) do Departamento de Psicologia da Educação
da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, em Araraquara. É professor
e orientador de mestrado e doutorado nos seguintes Programas de Pós-
Graduação da UNESP, em Araraquara: Educação Sexual, do qual é o
coordenador do Programa; e Educação Escolar, onde coordena a Linha
de Pesquisa Sexualidade, Cultura e Educação Sexual. É especialista do
Conselho Estadual de Educação – SP e atua nas áreas de Educação e
Psicologia, com ênfase na pesquisa em Sexualidade Humana, principalmente
com os seguintes temas: educação sexual, história da sexualidade e da

221
io
ár educação sexual, adolescência, sexualidade e sociedade. Possui graduação
m
em Psicologia (1985) pela PUCCAMP; graduação em Pedagogia (1983) e
Su

mestrado em Educação (1989) pela UNICAMP; especialização em Psiquiatria


e Psicologia Clínica da Infância (1988) e doutorado em Saúde Mental (1995)
pela UNICAMP; e pós-doutorado em Saúde Mental (1996-1997) pela UFRJ.
E-mail rennes@fclar.unesp.br

Renata Porcher Scherer


Professora de Atendimento Educacional Especializado (AEE) no Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense- Câmpus
Camaquã. Também atua como docente permanente no Mestrado Profissional
em Educação Profissional e Tecnológica em Rede - ProfEPT. Integra o Grupo
Interinstitucional de Pesquisa em Docências, Pedagogias e Diferenças
(GIPEDI/UNISINOS/CNPq) e o Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação
Profissional e Tecnológica (GEPEPT/IFSUL/CNPq). Doutora (2019) e mestra
(2015) em Educação, especialista em Educação Especial (2012) e graduada
em Educação Física (2007) pela UNISINOS. Licenciada em Pedagogia (2019)
pela UFRGS. Desenvolve investigações nas temáticas de trabalho docente,
educação inclusiva e práticas pedagógicas na Educação Básica e na Educação
Profissional e Tecnológica. E-mail: renatapscherer@gmail.com

222
io
ár
ÍNDICE REMISSIVO
m
Su

A diversidade 22, 31, 34, 44, 54, 55, 57,


adolescência 56, 63, 106, 107, 108, 61, 62, 84, 89, 97, 104, 105, 111, 113,
118, 222 117, 120, 129, 135, 142, 173, 183,
ambiente escolar 105, 113, 149, 207 191, 206, 214, 215, 221
análise 36, 37, 57, 63, 66, 72, 73, 79, docência 15, 111, 117, 119, 138, 149,
91, 96, 101, 104, 105, 106, 116, 119, 156, 163, 165, 166, 167, 169, 170,
120, 123, 124, 130, 132, 136, 137, 177, 178, 179, 181, 182, 213, 217, 220
140, 142, 143, 149, 151, 152, 155, E
156, 157, 158, 159, 162, 163, 164,
Educação 14, 19, 21, 22, 23, 24, 26,
165, 175, 177, 179, 182, 189, 193,
27, 31, 32, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 42,
201, 207, 208, 210
43, 44, 46, 47, 51, 54, 55, 56, 57, 60,
ANPEd 11, 13, 14, 15, 25, 127, 128,
65, 71, 74, 75, 77, 78, 79, 81, 82, 98,
130, 159, 184, 214, 215, 216, 219
99, 100, 104, 107, 108, 109, 111, 113,
arte 19, 59, 60, 136, 202
114, 118, 119, 120, 124, 128, 129,
C 130, 131, 135, 138, 140, 141, 144,
campo científico 133, 136, 137, 140, 145, 146, 147, 151, 152, 154, 156,
142, 148, 149, 150, 173 158, 160, 161, 162, 165, 166, 167,
campo da educação 12, 17, 29, 41, 65, 168, 169, 172, 173, 175, 176, 177,
92, 114, 151, 202 178, 179, 180, 181, 182, 183, 185,
classe 12, 18, 27, 59, 68, 77, 114, 186, 187, 190, 192, 194, 198, 200,
142, 152 203, 210, 211, 212, 213, 214, 215,
Comitê Científico 16, 22, 32, 34, 40, 216, 217, 218, 219, 220, 221, 222
45, 51, 109, 145, 146 educação básica 14, 175, 220
conhecimento 15, 20, 40, 41, 43, 45, Educação Infantil 107, 111, 113, 114,
49, 60, 62, 70, 71, 72, 76, 91, 97, 100, 118, 119, 120, 124, 166, 168, 172,
101, 105, 111, 114, 115, 120, 132, 173, 217
142, 144, 148, 149, 158, 170, 180, Educação Sexual 23, 24, 51, 108, 128,
185, 187, 189, 193, 210 198, 221
escolarização 117, 118, 124, 169, 180
D
estudos de gênero 15, 17, 20, 27, 39,
debate 17, 26, 27, 29, 30, 38, 53, 71, 41, 55, 68, 85, 89, 91, 99, 100, 107,
77, 79, 85, 93, 96, 99, 129, 134, 148, 114, 127, 132, 134, 137, 138, 141,
158, 159, 165 142, 144, 146, 148, 151
discursividade 189, 193, 194, 201, 210

223
io
ár Estudos Feministas 19, 29, 79, 97, gênero 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18,
m
129, 133, 134, 151, 181 19, 20, 21, 22, 23, 24, 26, 27, 28, 29,
Su

F
30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38, 39,
41, 42, 43, 44, 45, 47, 48, 49, 51, 52,
feminino 55, 67, 69, 78, 86, 87, 91, 94, 53, 54, 55, 57, 59, 60, 61, 63, 64, 66,
106, 113, 123, 124, 126, 138, 166, 169 67, 68, 69, 70, 75, 77, 79, 84, 85, 86,
fidelidade infiel 189, 190, 191, 192, 87, 88, 89, 90, 91, 95, 97, 99, 100,
193, 198 104, 105, 107, 108, 109, 110, 111,
formação 13, 14, 20, 22, 26, 32, 34, 112, 113, 114, 115, 116, 118, 119,
35, 39, 41, 43, 45, 47, 63, 65, 71, 72, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 126,
78, 90, 101, 107, 108, 111, 112, 113, 127, 128, 129, 130, 131, 132, 133,
116, 119, 120, 127, 145, 146, 147, 134, 135, 136, 137, 138, 140, 141,
150, 155, 156, 157, 158, 159, 160, 142, 143, 144, 145, 146, 147, 148,
161, 162, 163, 165, 166, 167, 168, 149, 150, 151, 152, 153, 156, 157,
170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 165,
177, 179, 181, 182, 215, 217, 218, 166, 167, 168, 169, 170, 171, 172,
219, 220 173, 174, 175, 176, 177, 178, 179,
formação de professores 111, 155, 156, 180, 181, 182, 183, 185, 186, 189,
157, 158, 159, 160, 161, 162, 163, 190, 191, 193, 194, 195, 197, 200,
165, 168, 170, 171, 174, 175, 176, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 208,
177, 182, 215, 220 210, 211, 212, 213, 214, 215, 216,
formação docente 13, 34, 107, 113, 217, 218, 219, 220, 221
119, 127, 167, 171, 173, 176, 177, gênero, sexualidade e educação 11, 21,
179, 217, 218, 219 29, 30, 33, 51, 68, 112, 114, 115, 176,
Foucault 47, 61, 62, 67, 74, 89, 90, 95, 185, 189, 193, 194, 195, 200, 210
96, 97, 100, 106, 121, 122, 129, 179, geração 12, 18, 27, 34, 40, 59, 68, 213
184, 185, 186, 187, 189, 190, 191, Gestão 13, 16, 169, 218
192, 193, 194, 195, 198, 199, 200, Grupo de Estudos 17, 21, 27, 35, 36,
201, 202, 203, 204, 205, 206, 207, 65, 99, 104, 109, 144, 160, 186, 217,
208, 209, 210, 211, 212, 213, 216 218, 219, 220, 222
G Grupo de Trabalho 14, 17, 27, 99, 100,
GE 15, 17, 18, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 109, 156, 186
28, 32, 39, 42, 43, 50, 56, 99, 100, GT 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 22,
102, 109, 142, 160, 161, 186 24, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 36,
GE 23 15, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 27, 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 49,
28, 32, 50, 99, 142 50, 53, 54, 56, 84, 92, 98, 99, 100,
GEISH 21, 24, 42, 60, 61 102, 103, 104, 107, 108, 109, 111,
114, 115, 116, 119, 120, 121, 122,

224
io
ár 123, 124, 125, 126, 127, 131, 138, M
m
139, 140, 141, 142, 144, 145, 146,
Su

Ministério da Educação 19, 43, 77,


147, 149, 151, 153, 154, 156, 157, 111, 135, 151
159, 160, 161, 162, 163, 164, 165,
N
169, 170, 175, 176, 177, 181, 184,
186, 187, 189, 190, 194, 197, 199, nacionalidade 18, 27, 59, 68, 69, 77
200, 202, 203, 205, 209, 210, 211, O
214, 219
orientação sexual 19, 71, 73, 74, 77,
GT 23 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 29,
105
30, 31, 32, 33, 34, 36, 37, 38, 39, 41,
42, 43, 44, 45, 49, 50, 53, 54, 56, 98, P
100, 102, 103, 104, 108, 114, 115, Pedagogia 31, 70, 71, 128, 166, 171,
119, 120, 121, 122, 123, 124, 125, 172, 173, 180, 181, 182, 190, 218,
127, 131, 138, 139, 140, 141, 142, 220, 221, 222
145, 146, 147, 149, 151, 154, 156, pedagógicos 69, 71, 116, 198
157, 159, 160, 161, 162, 165, 169, pensamento educacional 14, 191, 193,
175, 177, 181, 184, 186, 187, 189, 198
190, 194, 199, 202, 203, 205, 209, pesquisadoras 11, 12, 14, 17, 18, 21,
210, 211, 214, 219 23, 27, 36, 37, 40, 42, 43, 46, 52, 59,
H 62, 84, 92, 99, 115, 141, 145, 149,
156, 161, 162, 168, 169, 171, 175, 186
História da Sexualidade 97, 128, 187,
política 15, 18, 19, 20, 30, 34, 41, 55,
188, 189, 190, 194, 195, 199, 200,
59, 60, 66, 79, 80, 87, 92, 97, 100,
202, 203, 204, 205, 207, 208, 209,
109, 114, 117, 120, 122, 124, 125,
211, 212
128, 129, 151, 156, 168, 179, 186,
I 199, 202
infância 50, 56, 57, 63, 69, 105, 107, Política Educacional 31, 144, 154, 221
114, 116, 119 práticas 16, 17, 22, 28, 36, 37, 38, 44,
investigações 17, 40, 63, 71, 73, 99, 45, 48, 51, 52, 53, 54, 56, 57, 61, 62,
133, 192, 194, 198, 199, 205, 208, 63, 75, 83, 84, 95, 99, 105, 107, 112,
217, 222 113, 119, 120, 124, 173, 195, 196,
198, 200, 201, 208, 209, 210, 214, 222
L
práticas pedagógicas 17, 99, 119, 120,
liberdade 16, 101, 198, 208, 209 173, 222
literatura 19, 33, 48, 59, 60, 69, 92, produção acadêmica 18, 27, 30, 37,
113, 173, 183, 215 53, 54, 59, 60, 65, 152, 155, 156, 157,
158, 159, 160, 161, 162, 165, 168, 175

225
io
ár professores 22, 46, 70, 71, 111, 117, Sexualidade 14, 21, 23, 27, 32, 36, 38,
m
119, 124, 155, 156, 157, 158, 159, 39, 42, 46, 48, 50, 56, 60, 70, 75, 77,
Su

160, 161, 162, 163, 165, 168, 169, 78, 79, 80, 97, 99, 100, 106, 109, 128,
170, 171, 173, 174, 175, 176, 177, 138, 145, 147, 154, 156, 160, 161,
178, 181, 182, 202, 205, 207, 211, 162, 165, 167, 175, 176, 177, 180,
215, 220 186, 187, 188, 189, 190, 194, 195,
Programa 31, 35, 46, 65, 71, 150, 156, 199, 200, 202, 203, 204, 205, 207,
172, 179, 217, 218, 219, 220, 221 208, 209, 210, 211, 212, 215, 217,
publicações 19, 28, 47, 65, 145, 220 218, 219, 221
R T
reflexão 26, 61, 63, 78, 136, 169, 174 teologia 19, 59
resistência 25, 45, 58, 96, 152, 166, transexuais 117, 119, 169, 180, 189,
184, 186, 187, 189, 195, 197, 202, 202, 206, 207, 212, 214
203, 205, 209, 210, 211 transexualidade 169, 170, 198, 200,
Reunião Anual da ANPEd 15, 17, 24, 207, 208, 209
25, 27, 58, 161, 162, 211, 212, 213, transformação 18, 43, 64, 100, 105,
214 107, 205, 209
S
transgressões 200, 205, 207
travestis 117, 119, 169, 180, 189, 202,
saúde 19, 39, 53, 59, 64, 69, 105, 110, 206, 207, 212
116, 130, 181, 206

226

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