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Organizadores
P EDRO A NTONIO V IEIRA
R OSÂNGELA DE L IMA V IEIRA
F ELIPE A MIN F ILOMENO
© Pedro Antonio Vieira; Rosângela de Lima Vieira; Felipe Amin Filomeno
Conselho Editorial
Immanuel Wallerstein, Fernando Novais, Hoyêdo Lins, e Francisco Luiz Corsi
Revisão
Sérgio Meira
Impressão
Gráfica e Editora Copiart Ltda
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
B83
ISBN 978-85-7983-386-1
043362
Sumário
Introdução ............................................................................................................7
Passado, presente e futuro da análise dos sistemas-mundo no Brasil
Pedro Antonio Vieira, Rosângela de Lima Vieira,
Felipe Amin Filomeno
SEÇÃO 1
FUNDAMENTOS DA ANÁLISE DOS SISTEMAS-MUNDO
Capítulo 1
A análise dos sistemas-mundo como movimento do saber ......................17
Immanuel Wallerstein
Capítulo 2
A perspectiva dos sistemas-mundo: fundamentos e tendências .............29
Eduardo Barros Mariutti
SEÇÃO 2
O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
Capítulo 3
O fim do longo século XX ...............................................................................77
Beverly Silver e Giovanni Arrighi
Capítulo 4
Continuidades e transformações na evolução dos
sistemas-mundo ................................................................................................97
Christopher Chase-Dunn e Roy Kwon
Capítulo 5
Desigualdades mundiais de renda: em direção a uma
perspectiva crítica .......................................................................................... 137
Roberto Patricio Korzeniewicz
Capítulo 6
Das eras douradas aos “tempos bicudos” do capitalismo mundial: práticas
empresariais e ilicitudes como estrutura .................................................. 169
Antonio José Escobar Brussi
SEÇÃO 3
O BRASIL NO SISTEMA-MUNDO CAPITALISTA
Capítulo 7
A economia-mundo, Portugal e o “Brasil” no longo século XVI (1450-
1650) ................................................................................................................. 207
Pedro Antonio Vieira
Capítulo 8
A cadeia mercantil do café produzido no Brasil entre 1830 e 1929 ..... 265
Rosângela de Lima Vieira
Capítulo 9
A mudança institucional em perspectiva histórico-mundial: competição
transnacional e propriedade intelectual na agricultura de soja da América
do Sul ................................................................................................................ 297
Felipe Amin Filomeno
Introdução
PASSADO, PRESENTE E FUTURO DA
ANÁLISE DOS SISTEMAS-MUNDO NO BRASIL
7
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
não lidos no curso de Economia, tais como Karl Polanyi, Fernand Braudel,
Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi. Os seminários envolveram pro-
fessores e alunos de outros cursos, que aos poucos foram se dispersando e
voltando para suas respectivas linhas teóricas, enquanto nós já não podíamos
fazer o mesmo, tal foi nosso entusiasmo com as obras de Fernand Braudel,
Immanuel Wallerstein e Giovanni Arrighi. Continuamos então a estudá-las,
incorporando-as em disciplinas da graduação e da pós-graduação, de modo
que, aos poucos, monografias e dissertações foram elaboradas tendo como
referencial teórico a ASM.
Em 2006, foi criado o Grupo de Pesquisa em Economia Política dos
Sistemas-Mundo (GPEPSM), que no ano seguinte organizou em Florianó-
polis o I Colóquio Brasileiro em Economia Política dos Sistemas-Mundo.
Desde então, o Colóquio é realizado anualmente, tendo sido organi-
zado pelo Prof. Antonio Brussi na Universidade de Brasília (2009),
pelo Prof. Eduardo Mariutti na UNICAMP (2011), e pela Profa.
Rosângela de Lima Vieira na UNESP-Marília (2012). A continuidade dos
Colóquios e sua organização em outras universidades que não sua sede ini-
cial, a UFSC em Florianópolis, revelam a difusão da ASM pelo meio acadê-
mico brasileiro, difusão que, ademais das limitações daqueles que lideram o
processo, enfrenta dificuldades inerentes a qualquer inovação, mas que, no
caso específico, parecem decorrer de certas peculiaridades do meio acadê-
mico vis-à-vis a ASM.
No que segue, e no limite do espaço desta Introdução, indicaremos
estas peculiaridades, começando pelas peculiaridades da ASM. Como reitera
Immanuel Wallerstein neste volume, a ASM nasceu como um protesto con-
tra as Ciências Sociais, particularmente a sua expressão dominante nos anos
1970, a teoria da modernização. Para impensar as Ciências Sociais, quatro
princípios metodológicos foram desenvolvidos no processo de criação cole-
tiva da ASM: as Ciências Sociais deveriam ser históricas, a unidade de análise
deveria ser o sistema mundial (em lugar da economia/estado/sociedade na-
cional), a temporalidade de referência deveria ser a longue durée braudeliana
e o enfoque necessariamente unidisciplinar (WALLERSTEIN, 2002). Não é
difícil perceber o quanto esta proposta desafiava cada disciplina em particular
8
INTRODUÇÃO
9
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
1
A primeira ocorreu no século XIII e foi estudada por Janet L. Abu-Lughod no livro Be-
fore European Hegemony –The World System A.D. 1250-1350 (Oxford Univertity Press,
1989); a segunda, iniciada pelos portugueses no século XV, deu lugar, já no XVI, ao que se
convencionou chamar Os Grandes Descobrimentos e ao nascimento da Economia-Mundo
Capitalista; a terceira, no século XIX, liderada pela Grã-Bretanha, deu lugar ao que
Hobsbawn chamou a era do Imperialismo e praticamente incorporou todo o globo terrestre
à Economia-Mundo Capitalista.
10
INTRODUÇÃO
e Giovanni Arrighi, dois dos principais expoentes da ASM, tem sido publi-
cadas. Poderíamos até dizer que, neste aspecto, Arrighi têm sido mais co-
nhecido porque seus três principais livros têm edição brasileira2. Contudo,
nenhum dos quatro volumes da obra seminal da perspectiva, The Modern
World-System, de Immanuel Wallerstein, mereceu uma edição brasileira3.
Considerando que o conhecimento desta obra é fundamental para o contato
direto com os fundamentos sistêmicos, históricos e unidisciplinares da ASM,
podemos imaginar a lacuna que isto implica para a formação das novas ge-
rações de pesquisadores. Além de Arrighi e Wallerstein, continuam com-
pletamente desconhecidos no Brasil pesquisadores que têm dado contribui-
ções importantes para a ASM, como é o caso de Christopher Chase-Dunn
e Roberto Patrício Korzeniewicz.
Faltava também no Brasil uma obra dedicada inteiramente à ASM e
que apresentasse, além dos autores estrangeiros, as contribuições que pesqui-
sadores brasileiros estão dando para este campo de estudos. O presente livro
é o primeiro passo nesta direção. A intenção dos organizadores foi oferecer
uma obra em que a ASM apareça tanto em discussões teórico-metodológicas
quanto em pesquisas empíricas, abarcando tanto o passado quanto o presen-
te, do Brasil e do mundo. Assim, a coletânea de textos revela a pluralidade e
o potencial da ASM para o estudo da mudança social e dos problemas que
afligem a humanidade na atual conjuntura do sistema-mundo capitalista.
Na parte I do livro são discutidos os fundamentos e tendências da Aná-
lise dos Sistemas-Mundo. No texto de abertura, Immanuel Wallerstein faz
uma espécie de recuperação da evolução, das pretensões e dos dilemas atuais
da ASM. A tese central do criador da ASM é que “A análise dos Sistemas-
Mundo é mais do que uma perspectiva; é também mais do que uma teoria, se
é que é uma teoria. É um movimento do saber, e isso é de crucial importân-
cia para o desenvolvimento futuro das ciências sociais históricas.” Como se
vê, a ASM está sendo vista não apenas como uma inovação epistemológica,
2
O leitor não terá dificuldade de encontrar essas obras, razão pela qual não as relacionamos aqui.
3
Os dois primeiros volumes foram publicados por Edições Afrontamento de Portugal, mas
estão esgotados.
11
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
mas sim como um movimento social, uma força de mudança social, no cam-
po do saber. Como movimento de mudança, o destino da ASM está indis-
soluvelmente ligado à evolução da economia-mundo capitalista. No capítulo
2, Eduardo Mariutti aponta as condições para o surgimento da Análise dos
Sistemas-Mundo, focando em dois contextos históricos, a modernidade e o
período de 1945 a 1968 para, na sequência, analisar criticamente a evolução
desta perspectiva, balizando a análise em torno da sua oposição radical à
teoria da modernização e apontando os pontos de convergência com o ma-
terialismo histórico.
A parte II do livro contém trabalhos dedicados à análise da conjun-
tura atual do sistema-mundo capitalista. No capítulo 3, Giovanni Arrighi
e Beverly Silver utilizam a teoria dos ciclos sistêmicos de acumulação para
analisar as transformações associadas ao governo de George W. Bush, à crise
mundial inaugurada em 2008, e à ascensão da China. O trabalho, que é um
dos últimos de Arrighi, é uma extensão da análise feita em O Longo Século
XX (por Arrighi) e em Caos e Governabilidade no Moderno Sistema Mundial
(por Arrighi, Silver e colaboradores).
No capítulo 4, Christopher Chase-Dunn e Roy Kwon analisam o
capitalismo contemporâneo da perspectiva evolucionária e comparativa
dos sistemas-mundo. Fenômenos como a Primavera Árabe, o movimento
“Occupy Wall Street” e a ascensão de governos de centro-esquerda na Amé-
rica Latina são situados num esquema analítico que considera três horizon-
tes temporais: 500, 5.000 e 50.000 anos.
No capítulo 5, Roberto Patricio Korzeniewicz, que tem empregado a
ASM para estudar a desigualdade mundial de renda, avalia o impacto que
as transformações que têm caracterizado a economia-mundo nos últimos
vinte anos e a crise atual tiveram sobre a estratificação e a mobilidade so-
cial em nível mundial. Após oferecer uma análise empírica do problema,
Korzeniewicz usa o trabalho de Giovanni Arrighi para mostrar por que tan-
to as abordagens dominantes quanto as críticas são incapazes de explicar a
redução recente da desigualdade mundial. O autor conclui ressaltando al-
guns dos dilemas enfrentados atualmente por aqueles que visam promover
“uma ordem mundial mais igual e solidária”.
12
INTRODUÇÃO
13
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Bibliografia
14
SEÇÃO 1
FUNDAMENTOS DA ANÁLISE DOS SISTEMAS-MUNDO
CAPÍTULO 1
I MMANUEL W ALLERSTEIN 1
1
Doutor em Sociologia pela Columbia University, é atualmente Senior Research Scholar na
Yale University e, de 1976 a 2005, foi diretor do Fernand Braudel Center da State University
of New York - Binghamton.
17
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
2
I. WALLERSTEIN et al., Open the Social Sciences: Report of the Gulbenkian Commission on
the Restructuring of the Social Sciences, Stanford, CA: Stanford Univ. Press, 1996. Este relatório
foi traduzido para 25 línguas. No Brasil, foi publicado pela Cortez em 1996.
18
A ANÁLISE DOS SISTEMAS - MUNDO COMO MOVIMENTO DO SABER
19
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
20
A ANÁLISE DOS SISTEMAS - MUNDO COMO MOVIMENTO DO SABER
21
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
22
A ANÁLISE DOS SISTEMAS - MUNDO COMO MOVIMENTO DO SABER
23
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
24
A ANÁLISE DOS SISTEMAS - MUNDO COMO MOVIMENTO DO SABER
25
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
26
A ANÁLISE DOS SISTEMAS - MUNDO COMO MOVIMENTO DO SABER
27
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
do saber tem sido relativamente exitosa em difundir seus seguidores por to-
das as atuais disciplinas das ciências sociais históricas e difundido sua base
organizacional para além dos Estados Unidos, para outras partes do mundo
– notavelmente, mas não somente, para América Latina, Europa Ocidental
e o leste asiático.
A questão para a análise dos sistemas-mundo como movimento do sa-
ber é se ela pode continuar jogando o jogo organizacional que tem jogado até
agora. Na medida em que uma transição estrutural transcorre, o sucesso da
análise dos sistemas-mundo pode ser medido pelo seu desaparecimento como
um movimento do saber resultante da reorganização radical do mundo do sa-
ber. É cedo demais para dizer se isso de fato vai acontecer. Mas se a análise dos
sistemas-mundo acabar se tornando meramente uma posição teórica a mais
dentro das ciências sociais, ela terá falhado no que esperava realizar.
28
CAPÍTULO 2
4
Doutor em Economia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professor do
Instituto de Economia da UNICAMP.
29
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
os fundamentos sociais dos conflitos políticos nos EUA nas décadas de 1950
e 60, com o objetivo de - enquanto homem racional, confessa - discriminar
as suas diversas modalidades para conseguir interferir no curso dos aconte-
cimentos, almejando constituir uma sociedade melhor. Esta preocupação,
simultaneamente ingênua e pretensiosa, levou o então jovem sociólogo a es-
tudar os processos de descolonização na África, acreditando que ao observar
o fenômeno em seus estágios iniciais – em um nível mais elementar, portan-
to – ele teria mais facilidade para entender a sua forma mais complexa. Mas
a experiência não foi bem-sucedida: trouxe mais problemas do que soluções.
Suspeitando das bases de sua própria formação intelectual, Wallerstein se viu
forçado a revisitar as grandes questões debatidas durante a fase de forma-
ção das Ciências Sociais, entre os séculos XVIII e XIX. Como se sabe, além
das profundas transformações sociais, este período foi marcado pela disputa
acirrada entre as formas mais tradicionais do conhecimento – Teologia (em
franco declínio), Filosofia e História – e as novas modalidades de reflexão,
as ciências. Wallerstein suspeitou que esta discussão teórica não poderia ser
realizada de forma independente, isto é, destacada da compreensão do proces-
so histórico que resultou na formação do mundo moderno. O primeiro passo
concreto nesta direção foi dado em 1974, com a publicação de The Modern
World-System I, livro que, indubitavelmente, deu origem à perspectiva do
sistema-mundo.
Logo, como ponto de partida, utilizarei como parâmetro básico o con-
junto da obra deste autor para conduzir a argumentação. Seria impossível
em um capítulo cobrir todas as dimensões e, sobretudo, as diversas correntes
que fazem parte – ou que alegam fazer parte - da perspectiva do sistema-
mundo. A despeito de um certo ecletismo que a caracteriza, nem toda teoria
sistêmica – ou “pensamento sistêmico” - é compatível com esta perspectiva.5
5
A própria ênfase de Wallerstein na ideia de que se trata de uma perspectiva e não de uma te-
oria do sistema-mundo abre margem para o ecletismo: ela se define essencialmente pela críti-
ca reflexiva dos pressupostos das ciências sociais “modernas”, que sistematicamente deslocam
a atenção da verdadeira unidade de análise – o sistema-mundo e não as estruturas e subsiste-
mas que ele contém – e prometem uma objetividade que não podem realizar. É cedo demais
para teorizar: “Eu tenho considerado o trabalho dos últimos vinte anos e de mais alguns que
virão com o trabalho de limpar a vegetação rasteira, para que possamos construir um aparato
30
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
mais adequado para as ciências sociais” (WALLERSTEIN, 1998, p. 103). Embora essa postura
possa efetivamente dar margem à pluralidade – bastante evidente dentre os seus entusiastas
– há critérios mínimos que garantem a especificidade da perspectiva: a fusão entre o tempo
e o espaço na demarcação dos limites do sistema-mundo (qualquer que seja ele) e a tipologia
básica em que as análises se sustentam: a distinção entre economia-mundo e império-mundo.
31
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
6
Ao conceber o sistema-mundo como a unidade de análise Wallerstein é forçado a utilizar uma
concepção bastante restrita – e pouco rigorosa - de Modo de Produção: este termo é usado,
por vezes, como sinônimo de organização da produção, ora como sistema econômico e, de
forma mais recorrente (e ainda menos precisa), como um sistema que submete praticamente
tudo a uma “lei do valor”: a acumulação incessante de capitais. Wallerstein á categórico
em um aspecto: em um sistema-mundo consolidado, apenas um Modo de Produção pode
dominar, embora ele possa subordinar diversos outros.
32
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
7
Esta orientação afetava diretamente o cotidiano das heterogêneas comunidades camponesas,
criando um terreno propício à manifestação de revoltas, vistas pelos olhos eclesiásticos como
heresias que, como tal, deveriam ser erradicadas violentamente. Estas agitações também afe-
tavam o poder secular em consolidação. Onde a Coroa era forte, a tendência foi no sentido
de reprimir, em conjunto com a Igreja, os infiéis (fato que, no futuro, converteu o Tribunal do
Santo Ofício em um braço do Estado). Porém, onde o Rei era fraco (ou praticamente inexisten-
te, como nos sistemas de Dietas da Europa Centro-Oriental), as heresias foram um elemento
político importante a favor dos nobres locais. Logo, o entrecruzamento entre as tensões sociais
e a disputa teológica, centrada no papel dos representantes da Igreja (se eram sobrenaturais ou
não) é uma das marcas mais características do Antigo Regime.
8
Nem sempre se destaca a relação complementar entre os dois movimentos: a questão reli-
giosa como um ingrediente da questão política (e vice versa). Mas Arrighi (1996, p. 42) vai
direto ao ponto: “Paralelamente a essa escalada dos custos de proteção [os constantes conflitos
militares do Século XVI e XVII], houve uma escalada na luta ideológica. A progressiva desar-
ticulação do sistema de governo medieval levara a uma mistura de propostas religiosas ino-
vadoras e restauradoras, vindas de cima, seguindo o princípio do cuius régio eius religio, que
provocou o ressentimento popular e rebeliões contra ambas. À medida que os governantes
transformavam a religião num instrumento de suas lutas pelo poder, os súditos seguiram seu
exemplo e transformaram a religião num instrumento de insurreição contra os governantes”.
33
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
34
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
9
O conservadorismo é, como todo sistema de ideias complexo, bastante heterogêneo. Para
nossos propósitos, basta reter alguns elementos que são comuns a todas as suas variantes: i)
a desconfiança com relação à Razão e, principalmente, na possibilidade de utilizá-la como
critério na adoção de políticas destinadas a aprimorar a sociedade; ii) uma visão da História
centrada na lenta cristalização dos costumes (na longa duração), que fundamenta a rejeição
aos movimentos “bruscos” da política; iii) uma tendência ao pragmatismo, que deriva da
desconfiança da razão e do que é novo (ou que se propõe como novo), na medida exata em
que o “novo” é incerto, e não passou pela prova do Tempo; iv) a crítica à espontaneidade,
típica do pensamento anarquista e demais correntes libertárias. É contra esta atitude que os
conservadores diluem o papel do indivíduo (mas não necessariamente eliminam, tal como na
vigorosa linha conservadora baseada em Tocqueville) e valorizam as ordens, corporações, a
família e demais grupos sociais tradicionais. Esses atributos, na realidade, refletem um traço
fundamental: embora tenha sofrido modificações importantes, o conservadorismo moderno
permanece, essencialmente, uma doutrina negativa, que se exacerba na medida em que a mo-
dernidade desloca os costumes mais “tradicionais” e se aferra à ideia de progresso.
35
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
10
Dentro do campo revolucionário, o exemplo mais cristalino desta oposição simultaneamente
teórica, “institucional” (A Aliança Internacional da Democracia Socialista) e tática é Bakunin.
Contra o alegado cientificismo defendido por Marx e Engels – a diferenciação entre socialismo
utópico e científico, exposta no Manifesto do Partido Comunista - que ele tentava ridicularizar,
taxando de “douto socialismo”, “o pior de todos os governos despóticos!” (BAKUNIN, 2001,
p. 62) – e seu sujeito – o proletariado, taticamente liderado pelos Partidos Operários - ele contra-
punha a solidariedade espontânea (“paixão instintiva” era o termo de sua predileção), típica das
camadas mais humildes do proletariado, que eventualmente poderia ganhar expressão na con-
solidação de comunidades regionais horizontalmente administradas, articuladas eventualmente
por um regime federativo. Por fim, sua crítica a qualquer forma de hierarquia – baseada na ideia
de que o poder político (que para ele é quase sinônimo de partidário e estatal) necessariamente
“despersonifica” e corrompe – era contrária à tática proposta por Marx, Engels e seus aliados na
condução da Associação Internacional dos Trabalhadores. Para Bakunin, eles representavam o
setor mais aburguesado do proletariado. Seu herói, portanto era outro: “Por flor do proletariado
quero dizer, principalmente, essa grande massa, esses milhões de não-civilizados, deserdados,
miseráveis e analfabetos que o Sr. Engels e o Sr. Marx pretendem submeter ao regime paternal
de um governo muito forte, sem dúvida, para a sua própria salvação, como todos os governos
não foram estabelecidos, é evidente, no próprio interesse das massas. Por flor do proletariado,
refiro-me precisamente a essa carne de governo eterno, essa grande canalha popular, que, sendo
mais ou menos virgem de toda civilização burguesa, traz em seu seio, em suas paixões, em seus
instintos, em suas aspirações, em todas as necessidades e misérias de sua posição coletiva, todos
os germes do socialismo do futuro, e que só ela é hoje bastante poderosa para inaugurar e fazer
triunfar a Revolução Social.” (BAKUNIN, 2001, p. 60-1). Mas Bakunin foi vítima do seu despre-
zo pela política convencional e, talvez, do excesso de igualitarismo econômico (termo que ele
gostava de destacar, já que, em todos os outros domínios, ele era um defensor da espontaneida-
de e da diversidade). Uma postura excessivamente antissistêmica para a época?
11
Curiosamente, isto decorreu da derrota da primavera dos povos que, de um lado, enfraqueceu
as tradições socialistas mais arraigadas (ligadas aos artesãos em luta contra o sistema de máqui-
nas, pequenos camponeses, e sistemas de pensamento mais formalmente elaborados, inspirados
em personalidades como Charles Fourier, Saint-Simon e Proudhon) e, de outro, aprimorou o
senso tático de Marx e Engels, empenhados desde então a analisar com mais acuidade o papel
da luta de classes na História, para entender melhor os motivos da derrota (CLAUDIN, 1976).
36
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
12
Ideologia não pode ser confundida com visão de mundo (Weltanschauung). “Modernidade
é a combinação de uma determinada realidade social com uma determinada Weltanschauung,
ou visão de mundo, que substituiu e até sepultou uma outra combinação, que nós denominamos
Ancien Régime.[...] Neste sentido, uma ideologia não é, em si mesma, uma Weltanschauung,
mas uma das respostas possíveis a esta nova Weltanschaaung que chamamos de moder-
nidade.” (WALLERSTEIN, 2002, p. 83-4). O ponto é que ideologias só fazem sentido
no interior de visões que sejam imanentes e admitam a endogeneidade da mudança so-
cial: elas representam metaestratégias políticas destinadas a tentar controlar as mudanças
(WALLERSTEIN, 2011, p. 1; 2002, p. 86-90). Para tentar destacar isto, Wallerstein criou a
exótica categoria Geocultura (uma analogia com “Geopolítica”), entendida como um conjun-
to de ideias, valores e normas que são amplamente aceitas no conjunto do sistema-mundo e,
deste modo, constrange as ações sociais em seu interior (2007a cap. 4). Quem tem familiari-
dade com a obra de Mannheim irá perceber sua influência. E ela não reside apenas na clara
afinidade entre a Geocultura e o sentido “total” de ideologia: a ideia de que os momentos
transitórios são caracterizados por rupturas fundamentais na unidade do pensamento típico
de uma dada época – convertendo deste modo as ideologias em armas políticas – é bastante
trivial na sociologia do conhecimento. Curiosamente, ao discutir ideologia, Wallerstein não
cita Mannheim: as únicas referências a ele são feitas em outro âmbito, mediante a comparação
entre as concepções de utopia em Mannheim, Engels e Thomas More (cf. WALLERSTEIN,
1991, p. 170-84). Esta é uma temática que precisa ser desenvolvida, e isto envolverá um diá-
logo mais intenso com a “velha” sociologia do conhecimento e o que os adeptos das Relações
Internacionais costumam denominar de “teoria crítica”. A este respeito, ver Cox (1996, cap. 6).
37
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
13
Como já sugeri, esta era a tônica de Bakunin contra a suposta tática marxista de conquista
do Estado pela ação vanguardista dos partidos operários. Há claros pontos de convergência
com o aspecto crítico implícito na veemente retomada da ideia de antipoder, empreendida
por John Holloway (2003). Talvez por força do seu ofício, Wallerstein busca se distanciar das
posições exclusivamente militantes: em tese, há um espaço positivo na agenda intelectual,
mas ela deve ser capaz de assimilar democraticamente o discurso de todos os grupos de in-
teresse (de um modo que, curiosamente, lembra a Ética Discursiva habermasiana). Mas este
espaço é, a seu ver, curiosamente, restrito. Durante a fase de funcionamento regular, o sistema
não admite contraposições essenciais – afinal, capitular frente à instrumentalização derivada
do liberalismo “centrista” não foi o resultado de todas as lutas intelectuais desde 1789 a 89? Na
38
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
fase de crise a situação é diferente. Por conta da imprevisibilidade intrínseca destas situações,
o que nos resta é uma orientação moral: a luta na direção de um sistema igualitário e democrá-
tico, na medida exata que um sistema democrático só pode ser igualitário (WALLERSTEIN,
2002, p. 35). E, neste aspecto, ressurge o constante diálogo de Wallerstein com a tradição do
pensamento anarquista: em Utopístics, a forma organizacional das unidades imaginadas por
ele como o padrão de um sistema moralmente superior possui o mesmo estilo de instituição
celebrado pelos anarquistas (e alguns marxistas “autonomistas”): os modelos de autogestão,
locais e descentralizadas, orientados para atender as demandas da comunidade. E, com uma
pitada de Proudhon e Braudel, as inter-relações entre as múltiplas “empresas” produtivas não
lucrativas poderiam ser mediadas pelo mercado, não o antimercado do capitalismo, mas o
mercado de concorrência perfeita (o “mercado verdadeiro”) (WALLERSTEIN, 1998a, p. 74-5).
Essas formas de organização de orientação mais artesanal e espontânea sempre exerceram
fascínio sobre intelectuais humanistas – especialmente oriundos das fileiras da classe média,
que ascenderam socialmente na grande expansão do sistema universitário ocorrida a partir
da década de 1950 - e de bem nascidos diletantes.
14
O volume 4 de The Modern World System, um livro importante, repleto de insights frutí-
feros e fundado em cima das questões que realmente são essenciais, infelizmente, reproduz
e intensifica o que After Liberalism tinha de pior: uma espécie de análise combinatória das
diversas formas possíveis de discurso ideológico, levando em conta alguns parâmetros: su-
jeito histórico, relação com a noção de progresso e os eventuais pontos de oposição e de
aproximação. Para Wallerstein – em linha, como veremos, com um dos elementos da pers-
pectiva idiográfica - todas as ideologias são negativas, já que elas se formam por oposição.
No entanto, por conta da oposição ferrenha, para manter a polaridade, elas podem gerar
combinações: e foram estas combinações, sempre mediadas pela tentativa de controlar o
Estado, que resultaram na preponderância do liberalismo “centrista”, e, desse modo, na
criação de uma unidade, a Geocultura.
39
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
15
Este é mais um ponto frágil. Em alguns momentos, Wallerstein dá a entender que era pos-
sível, entre 1879-1848, um resultado diferente da polêmica “vitória” do liberalismo centrista.
No entanto, quando ele discute as tendências seculares e, principalmente em seus textos pos-
teriores à década de 1990, a tendência de sua argumentação muda: a derrota das reações é tida
como inevitável, pois o sistema estava em sua fase de funcionamento regular. Mas, misteriosa-
mente, depois do colapso do socialismo real, Wallerstein parece ter tido acesso aos desígnios
(até então) secretos da divina Providência: agora é diferente, pois, ao se aproximar das assín-
totas – algo já em curso desde 1968, mas que deve ocorrer definitivamente por volta de 2025 -
o sistema entrará definitivamente na fase de bifurcação. Agora – e somente agora – o futuro
está aberto.
40
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
16
O pensamento liberal é herdeiro direto deste tipo de tensão, na medida em que tem como
base uma questão bastante similar: como combinar a dimensão da liberdade individual com
uma sociedade progressivamente baseada na interdependência?
41
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
17
Ponto onde já começa a polêmica: quais são os limites de uma época ou de uma socieda-
de? A escola histórica alemã, por exemplo, de forte inclinação ideográfica, claramente queria
demarcar as diferenças entre a sociedade germânica (cujos limites eram, também, bastante
indefinidos) e a anglo-saxã, embora, evidentemente, ambas fossem contemporâneas.
18
A identificação e análise destes pontos aglutinadores, onde as polarizações ficam mais ex-
pressivas e, portanto, ganham sentido é um vasto campo de pesquisas, ainda insuficientemen-
te explorado. Fernando Novais dá um exemplo de tema aglutinante: “A evolução das idéias
políticas na Época Moderna, aliás, dá lugar a problemas peculiares: nenhum setor da produ-
ção cultural revela mais claramente a sua natureza ideológica que o pensamento político, ça
va de soi; difícil, sim, é demarcar o elemento comum na oposição contínua que os teóricos
mantêm entre si. Talvez se pudesse acompanhar as vicissitudes da ‘teoria do contrato’, desde os
jesuítas espanhóis e os polemistas protestantes franceses no século XVI, passando pelos clás-
sicos da revolução inglesa (Locke, especialmente), até Rousseau. A ideia do ‘contrato social’
seria o terreno comum de entrecruzamento e oposições entre os vários teóricos” (NOVAIS,
2005, p. 164).
42
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
19
Não é possível associar a idiografia exclusivamente com o relativismo absoluto: afirmar que
eventos isolados só podem ser efetivamente compreendidos se situados organicamente em
sua época não impede, necessariamente, a qualificação das épocas. O pensamento idiográfico
não recusa, necessariamente, conceitos gerais como Feudalismo, Capitalismo, Liberalismo,
etc. O pensamento idiográfico se opõe a filosofias da história lineares e a formas de pen-
samento reducionistas, que tentam decodificar a realidade em elementos invariantes e, por
conta disto, universais (BENDIX, 1967; COX, 1996, p. 65-6).
20
Este impulso teve força para afastar as nascentes ciências sociais do campo das Humanida-
des, mas, para o bem do espírito humano, não foi suficiente para abolir a distinção entre os
domínios da natureza e da sociedade (uma tendência que, como veremos, ressuscitou no final
do século XX e, tragicamente, adentrou no XXI): por mais que alguns desejassem, por moti-
vos que deveriam ser óbvios para qualquer pessoa dotada de bom senso, os cientistas sociais
jamais foram plenamente integrados à hard science. (C.G.R.C.S., 1996, p. 17-9; 21).
43
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
21
Para os países que se situavam no epicentro da competição mundial, a etnografia tornou-
se um saber importante: tanto para preservar as regiões anexadas quanto para favorecer a
penetração e a conquista de novos povos.
22
“A ‘questão nacional’, como os velhos marxistas a chamavam, está situada na intersecção
da política, da tecnologia e da transformação social. As nações existem não apenas como
funções de um tipo particular de estado territorial ou da aspiração em assim se estabelecer
– amplamente falando, o Estado-Cidadão da Revolução Francesa – como também no con-
texto de um estágio peculiar de desenvolvimento econômico e tecnológico. A maioria dos
estudiosos, hoje, concordaria que as línguas padronizadas nacionais, faladas ou escritas, não
podem emergir nessa forma antes da imprensa e da alfabetização em massa e, portanto, da
escolarização em massa.” (HOBSBAWM, 1990, p. 19). Logo, portanto, desde o ensino básico
ao superior, criaram-se condições institucionais mínimas para a preservação das disciplinas
de orientação ideográfica.
44
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
23
Há, inclusive, tentativas de fusão entre os domínios. No âmbito da Economia, isto se
expressa nas diversas ressurreições da Economia Política (que tenta estabelecer uma
simbiose com a política, com a “intrusão” da História) e, em um terreno mais inclinado à
nomotética, do Neoinstitucionalismo (que tenta aproximar a Economia e a Política (reduzida
ao funcionalismo e à “teoria dos jogos”, uma aproximação favorecida pela suposta homologia
entre os seus métodos)). São comuns também as tentativas de combinação entre a sociologia
e a ciência política (sociologia do poder (Michael Mann e, e em menor grau Charles Tilly
45
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
(mais afinado com uma ciência política retrospectiva)), a macrossociologia histórica, etc.).
Mas estes esforços – que, geralmente, tem como horizonte a interdisciplinaridade, e não a
transdiciplinaridade almejada pela perspectiva do sistema-mundo – jamais foram capazes
de ameaçar seriamente o mainstream em cada uma das grandes ciências sociais nomotéticas.
24
“As ciências sociais emergentes recortam, pois, esferas da existência – econômica, social, polí-
tica, cultural – para poder conceituar sobre o seu objeto, isto é, para poder dominá-lo racional-
mente. [...] Quanto mais rigoroso o recorte do objeto, mais precisa a conceitualização, e final-
mente mais eficaz a sua aplicação. Efetivamente há uma relação intrínseca entre a cientificidade
e a capacidade de intervenção no real: das ciências exatas para as humanas já existe um diferen-
cial. No interior das ciências humanas, se compararmos, como às vezes se faz, a economia com
a sociologia, isso fica manifesto. A história, por sua vez, configura uma situação-limite, uma vez
que carece de sentido “história aplicada.” (NOVAIS; FORASTIERI, 2011, p. 22).
25
No calor dos acontecimentos, a tese da reversibilidade dos fenômenos - desdobramento
lógico de um universo mecânico baseado na simetria temporal – contudo, encontrou maior
resistência entre os adeptos das ciências sociais, principalmente entre os reformistas: embria-
gados pela ideia de progresso, como eles poderiam imaginar a possibilidade de um retorno às
velhas condições? A modernidade era vista, portanto, como um ponto de mutação irreversí-
vel. Boaventura de Sousa Santos chamou a atenção para este aspecto curioso: “Na mecânica
Newtoniana, o mundo da matéria é uma visto como uma máquina cujas operações podem
ser determinadas precisamente por meio de leis físicas e matemáticas – um mundo eterno
e estático pairando em um espaço vazio, um mundo onde o racionalismo cartesiano torna
cognoscível pela divisão em suas partes constituintes. Esta idéia de um mundo-máquina era
tão forte que se tornou na grande hipótese universal da era moderna. É surpreendente, até
mesmo paradoxal, que esta forma de conhecimento pudesse se tornar um dos pilares da ideia
de progresso que impregnou o pensamento europeu desde o século dezoito e que se converteu
no símbolo intelectual da ascensão da burguesia.” (SANTOS, 1992, p. 17 - grifos meus).
46
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
47
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
26
Immanuel Wallerstein (2004, p. 11-2), recentemente, fez menção a 4 debates: os três acima
citados mais a polêmica em torno do “Modo Asiático de Produção”. Situado na Guerra Fria,
este debate tinha implicações políticas muito claras: se não há uma sucessão unilinear e ine-
xorável de Modos de Produção, é legítimo refletir se a URSS encontra-se mesmo na fase de
transição ao Comunismo ou se, pelo contrário, ela deu origem a um novo Modo de Produção
(muito similar ao asiático, isto é, um modo de produção redistributivo, onde o poder público
era o organizador da economia), fato que exigiria transformações significativas nos prognós-
ticos do Partido Comunista da URSS sobre o seu futuro e sobre o futuro dos países do terceiro
mundo. O interesse deste debate para a perspectiva do sistema-mundo é duplo: i) por romper
com a ideia de sucessão automática, mediante estágios predefinidos, esta discussão ajudou a
contestar as variantes “marxistas” da teoria da modernização; ii) o debate, pelo menos indire-
tamente, alimentou movimentos antissistêmicos mais radicais, que passaram a denunciar um
suposto conluio americano-soviético para manter o status quo na década de 1960.
48
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
eram nítidas: o próprio Sweezy, ao abrir a sua crítica a Dobb, afirmou ex-
plicitamente em 1950 que o interesse pela passagem do feudalismo ao capi-
talismo derivava da situação contemporânea, isto é, a transição ao socialis-
mo. Por fim, e para nós isto é mais importante, o debate sobre a transição
era marcado por outra sobreposição de problemas: ao lado das questões
específicas da transição, na essência, a discussão envolvia concepções
distintas sobre o Materialismo Histórico e, mais particularmente, sobre o
conceito de Modo de Produção. Quais mecanismos fazem um novo modo de
produção brotar das contradições internas do velho? A transição se proces-
sa mediante o progresso das forças produtivas, que entram em contradição
com as relações de produção ou é a mudança nas relações de produção que
explica o desenvolvimento das forças produtivas?27
Outro tema importante, implícito em toda a discussão, diz respeito à
polêmica em torno da unidade da análise. A mudança ocorre – e, portanto,
só pode ser compreendida - no plano do conjunto ou, pelo contrário, ela é a
resultante de múltiplas transições, onde as diversas sociedades mudam no seu
próprio ritmo, predominantemente em função de seus atributos internos?28
No primeiro caso, as dificuldades residem em pelo menos dois pontos. Pri-
meiro, como combinar a análise das subunidades – os Estados em consoli-
dação – com o movimento do conjunto; ou, em outros termos, como esta-
belecer as mediações entre a determinação geral e o movimento das partes?
Segundo, como definir critérios para a periodização do conjunto? Se isso já
27
Essa questão se mescla com outra: qual é o papel específico da luta de classes durante um
período transitório? Ela conduz à transição (fato que implica grau considerável de indetermi-
nação) ou, pelo contrário, ela se processa dentro de limites estabelecidos pelas combinações
entre as forças produtivas e as relações de produção? O conflito entre as camadas dominantes
– e sua transformação - pode ser mais decisivo na transição do que as tentativas de insubor-
dinação das camadas inferiores da sociedade?
28
Questão que, imediatamente, leva a outra: nas variantes do marxismo que não tomam axio-
maticamente a economia como a base da dinâmica social (e da mudança), há alguma esfera
da existência social que determina a posição ou o movimento das demais e, portanto, conduz
a transição? Na primeira fase da polêmica sobre a transição, mesmo as versões mais econo-
micistas do materialismo histórico abriram caminho para incorporar as transformações indu-
zidas pela política. Na segunda fase, contudo, Guy Bois tentou reforçar a posição mais orto-
doxa, questionando o marxismo “político” derivado de Dobb e reforçado por Robert Brenner
(MARIUTTI, 2004).
49
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
29
Dobb enfatizou um aspecto decisivo: não há nenhuma relação linear entre o desenvol-
vimento do comércio e o afrouxamento dos laços servis, rumo ao trabalho assalariado. A
expansão do comércio foi acompanhada tanto pelo reforço como pela dissolução da servidão.
O caráter decisivo não era o comércio, mas que classe social desenvolvia as relações mercantis
ou se associava ao mercador: onde o produtor direto teve acesso aos mercados, a tendência
foi no sentido do trabalho livre. Mas onde a nobreza se associava ao mercador, a tendência era
o reforço da servidão. Embora Dobb fosse um ferrenho defensor do papel crucial das trans-
formações internas – para a Grã-Bretanha pelo menos – na condução da transição, isso abriu
caminho para uma interpretação apta a destacar a dimensão transnacional da luta de classes.
Isto, além de ampliar a discussão para os movimentos do conjunto, possibilita destacar os
vínculos entre a forma de controle sobre o trabalho, o sistema político e o poder do Estado:
“Por que há uma coincidência temporal entre diferentes modos de organização do trabalho –
escravidão, ‘feudalismo’ [i.é., o reforço da servidão na Europa Oriental], trabalho assalariado
e auto-emprego [pequeno produtor independente] – no interior da Economia-Mundo? Por
que cada forma de controle de trabalho se ajusta melhor a tipos particulares de produção.
E porque estes modos estavam concentrados em zonas distintas da economia-mundo [...]?
Porque as formas distintas de controle sobre o trabalho afetam significativamente o sistema
político (a força do aparato de Estado em particular) e as possibilidades de uma burguesia
autóctone prosperar. A economia-mundo estava precisamente baseada no pressuposto de que
existiam estas três zonas [periferia, semi-periferia e centro] e que elas possuíam efetivamente
diferentes formas de controle sobre o trabalho. Se não fosse deste modo, não seria possível
assegurar o tipo de fluxos de excedentes que permitiu que o sistema capitalista existisse.”
(WALLERSTEIN, 1974, p. 87).
50
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
30
Infelizmente, não há espaço para aprofundar este tema aqui. Mas a função de Levi-Strauss
não foi apenas a de antípoda de Braudel. O renomado antropólogo publicou nos Annales em
algumas ocasiões e tendeu a se aproximar mais ainda, ao atenuar as diferenças entre o (seu)
estruturalismo e a História da segunda geração dos Annales. Ironicamente, a continuidade da
aproximação entre a antropologia - uma certa antropologia pelo menos - e a Nova História
destruiu esse diálogo, mediante a “dissolução” das estruturas. Se a qualidade dos interlocutores
é um critério para avaliar a vitalidade de uma corrente do pensamento, a substituição de Lévi-
Strauss por Marhsal Sahlins diz muito sobre a relevância da Nova História.
31
As implicações políticas desta visão são evidentes: o tempo curto – de uma geração, por
exemplo - não é capaz de produzir nenhuma mudança fundamental. As ditas “revoluções”
51
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
só arranham a superfície: por mais espetaculares que possam parecer, toda a poeira que elas
levantam acaba por se assentar mais ou menos no mesmo lugar. E esse viés conservador foi
se acentuando, principalmente após ascendência intelectual de Jean Paul Sartre, com um
programa de pesquisa orientado pela subjetividade e centrado na ação política imediata. A
única brecha aberta por Braudel neste sentido aparece em suas alusões à espontaneidade que
ressurge sistematicamente nas economias de mercado “genuínas”, que ressurgem somente
para serem engolidas e metabolizadas pelo “capitalismo”. Logo, esta posição abre um fosso
intransponível entre Braudel e Wallerstein.
32
Giovanni Arrighi, em O Longo Século XX (1996) afirmou que a principal categoria do livro, os
ciclos sistêmicos de acumulação, foram inspirados na reflexão de Braudel. Mas isto, na realidade, o
afasta da problemática a qual pretende se filiar. Fernand Braudel jamais tentou reformar conceitos
ou modalidades de reflexão, introjetando elementos da “história” para corrigir o excesso de abs-
tração. Este procedimento tornou-se padrão entre as diversas ciências sociais que se pretendem
“heterodoxas”. Curiosamente, foi exatamente este papel que Levi-Strauss tentou atribuir à história:
um ponto de apoio para uma reflexão essencialmente sincrônica. Por extensão, portanto, não é
difícil notar que esta apropriação de Braudel por Arrighi é, no mínimo questionável.
52
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
33
Naturalmente, Wallerstein matiza esta afirmação: isto não quer dizer que todos os seus
membros operam implacavelmente com base nesta “lei do valor”. Mas, em congruência com
os fundamentos do sistema, todas as instituições da economia-mundo capitalista são designa-
das para recompensar materialmente os que aderem ao seu princípio básico e, indiretamente,
para punir os que não o fazem (WALLERSTEIN, 2001).
34
Wallerstein não concebe a multiplicidade de regimes de trabalho como um mero anacro-
nismo ou um resquício pré-capitalista. Pelo contrário. Seu papel na valorização do capital é
análogo ao exercido pelas disparidades geográficas entre zonas de salários elevados/baixos
salários, criadas artificialmente pelo controle internacional sobre a mobilidade da mão de
obra: o recurso ao trabalho compulsório e ao emprego da força de trabalho parcialmente
53
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
não é somente ocupacional, mas também regional: ela reflete uma hierarquia
de tarefas que demandam níveis distintos de qualificação e de capitalização,
determinando assim a transferência extensiva da mais-valia da periferia para
o centro. Mas o quadro é um pouco mais complexo. Entre o centro e a pe-
riferia da economia-mundo existe uma zona intermediária, razoavelmente
favorecida pela divisão mundial do trabalho: a semiperiferia. Por combinar
características dos dois extremos que polarizam a economia-mundo capita-
lista, ela atua como uma zona periférica para os Estados do centro e, simul-
taneamente, como centro com relação à periferia. Esta posição intermediária
reduz a tensão entre os extremos e, deste modo, ajuda a preservar o sistema-
mundo moderno.35 Mas, além disto, ela proporciona também uma função
dinamizadora: nos períodos de contração econômica, quando a luta para
açambarcar um quinhão do excedente mundial em declínio se intensifica,
54
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
36
Fernand BRAUDEL, ao mesmo tempo em que critica Wallerstein por estar “hipnotiza-
do” pelo século XVI, neste aspecto, em particular, reconhece a importância da semiperiferia:
“Assim, através de todos os avatares políticos da Europa, por causa deles ou a despeito deles,
constituiu-se precocemente uma ordem econômica européia, ou melhor, ocidental, ultrapas-
sando os limites do continente, utilizando as suas diferenças de voltagem e as suas tensões.
Bem cedo o “coração” da Europa viu-se cercado por uma semiperiferia próxima e um pe-
riferia longínqua. Ora, essa semiperiferia que oprime o coração, que o obriga a bater mais
depressa – o norte da Itália em redor de Veneza nos séculos XIV e XV, os Países Baixos em
torno de Antuérpia – é talvez a característica essencial da estrutura européia. Ao que parece,
não há semiperiferia em torno de Pequim, de Delhi, de Ispahan, de Istambul, até de Moscou.”
(BRAUDEL, 1997, p. 45) [vol. 3].
37
Ao longo de sua obra, Wallerstein foi modificando ligeiramente os recortes temporais que
demarcou em 1974, culminando na criação do conceito de “longos períodos sobrepostos”
(WALLERSTEIN, 2011, p. xii). Mas, no que diz respeito à consolidação e funcionamento re-
gular da Geocultura, o período é 1789-1873/1914. Depois de 1914 o primado do liberalismo
reformista começou a ser ameaçado, e as rupturas mais decisivas começaram a aparecer a
partir de 1968.
55
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
38
Outro ponto polêmico, que não poderemos aprofundar aqui, diz respeito à periodização
dos ciclos que compõem o sistema-mundo moderno: de um lado, a polêmica tese da articula-
ção dos ciclos de longa (tendências seculares), média (Kondratieff) e curta duração. De outro,
a celeuma em torno dos ciclos hegemônicos (disputa que extravasa o campo da perspectiva
do sistema-mundo) e seu vínculo com os “ciclos sistêmicos de acumulação” (Arrighi). Apro-
fundei este tema em Mariutti (2008, p. 45-86). Contudo, um aspecto importante é necessário
destacar aqui. Um limite básico à discussão sobre os ciclos econômicos é sua evidente capi-
tulação ao status quo. Ernest Mandel destaca isto ao repudiar veementemente a discussão
sobre os ciclos de Kondratieff. Há, na opinião de Mandel, uma diferença fundamental entre
a passagem da fase ascendente para a descendente e a reversão da fase descendente para a
ascendente. Um certo caráter automático só se verifica no primeiro caso. A explicação para
isto repousa na tendência à queda da taxa de lucro, que é imanente à economia capitalista:
o pico da fase ascendente é caracterizado pela superprodução, a qual intensifica o problema
da realização da mais-valia e acaba por reverter as expectativas de lucratividade. Esta inver-
são das expectativas produz a queda dos investimentos e a redução do ritmo da economia
(fase B). Já a passagem da fase de declínio para a nova fase de expansão só pode ocorrer se
for provocada por choques sistêmicos exógenos, capazes de gerar a expansão súbita do mer-
cado e transformar positivamente as condições de acumulação capitalista. De acordo com
Mandel (1996, p. 618-21), estes choques ocorreram três vezes na história: a) em 1848, com
as revoluções burguesas e a descoberta do ouro na Califórnia; b) depois de 1893, com a esca-
lada de investimentos no mundo colonial (imperialismo) em conjunto com a descoberta de
jazidas de ouro na África do Sul; c) a partir de 1940 nos EUA e 1948-9 na Europa Ocidental
e no Japão, devido ao acúmulo dos resultados de longo prazo do fascismo e da guerra. As
implicações políticas deste ajuste teórico são evidentes: a única característica automática do
capitalismo é sua tendência à autodestruição. A irrupção de crises é um atributo normal do
modo de produção capitalista: a solução destas crises é que envolve sempre transformações
importantes no regime de acumulação, as quais sempre são modeladas pela luta de classes.
Assim, uma situação de crise é sempre crítica, no sentido de exigir uma reforma significativa
do capitalismo ou a sua supressão.
56
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
O passado só pode ser contado como realmente é, não como foi. Pois
recontar o passado é um ato social do presente, feito por homens do
presente e que afeta o sistema social do presente. A “verdade” muda
porque a sociedade muda. Em cada momento dado, nada é sucessivo,
tudo é contemporâneo, mesmo o que é passado. E no presente somos
todos irremediavelmente o produto do nosso meio, do nosso ofício, da
39
Termo que, naturalmente ele rejeita: em sua visão, devemos conceber esse fenômeno não
como uma crise, mas como uma retração dentro de uma estrutura que se consolidou no ápice
de uma expansão precedente (isto é, a expansão que se seguiu à crise do XIV, que encerrou o
feudalismo e liberou os elementos que se combinaram, forjando o capitalismo).
57
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
nossa personalidade e do nosso papel social, bem como das pressões es-
truturais dentro das quais nós operamos. (WALLERSTEIN, 1974, p. 9).
Esta premissa continua sendo basilar. Mas o fato de toda história ser
contemporânea, evidentemente, não deve ser entendida de forma estreita:
não se pode rejeitar a priori nenhum tema histórico, por mais remoto que seja.
Dentre os diversos temas de interesse do analista social, a questão central não
é o que se estuda, mas como. E uma série de estudos nas últimas décadas ex-
travasou a ênfase original na economia-mundo capitalista, tentando transpor
as categorias forjadas para dar conta deste fenômeno para o estudo de outros
sistemas-mundo. Uma tarefa que não é nem um pouco trivial (AMIN, 1991;
CHASE-DUNN, 1992).
Nesta linha, Before European Hegemony é um exemplo vívido de expan-
são do escopo e de variação temática que, essencialmente, não rompe com as
preocupações referentes aos problemas sociais do presente. O ponto de partida
da pesquisa, que levou a autora a escrever o livro, é potencialmente frutífero:
munida de diversos estudos gerais (com claro destaque para Willian McNeill),
Janet Abu-Lughod passou a investigar as diversas conexões – em todas as esfe-
ras da vida social - entre grandes entidades geo-históricas (sistemas-mundo?)
distintas, isto é, os múltiplos circuitos – que transcendem o comércio - que
articulavam (frouxamente, é importante insistir) as grandes civilizações da
Eurásia, cerca de 1250-1350. O ponto alto do livro é, exatamente, a discrimi-
nação das conexões entre diversos “sistemas e subsistemas” em uma ampla
zona geográfica, que envolvia uma parcela da Europa, do Oriente Médio (no
qual, coerentemente, ela inclui o Norte da África) e a zona costeira e as este-
pes asiáticas. Se ela mantivesse a inspiração original – o estudo dos diversos
circuitos entre sistemas-mundo em um período específico – o livro ganharia
em qualidade.40
Mas não foi o que ela acabou fazendo. O seu verdadeiro mote é des-
mistificar as explicações civilizacionais pautadas pela alegada superioridade
40
Samir Amin (1991, p. 357-9), por exemplo, faz isto de forma muito mais rigorosa.
58
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
41
Sintomaticamente, em todo o livro, a autora utiliza a expressão world system, ao invés de
world-system. Aí reside a fragilidade teórica fundamental do livro: o exagero na elasticidade
do termo sistema retira o seu conteúdo concreto, fazendo com que praticamente tudo possa
ser agregado ao estudo.
59
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
42
Para a crítica desta posição ver Amin (1991, p. 351-3; 377-85); Arrighi (1999); e Wallerstein
(1999).
43
Ibid, p. XV. O termo não é dele, mas de Albert Bergesen (1982). Porém, Frank levou esta
ideia às últimas consequências. Ele afirma que escreveu Reorient com o propósito de substi-
tuir a ciência eurocêntrica inaugurada por Marx e Weber (grotescamente apelidados de “Marx
Weber”) pela globologia: o único método realmente holístico, capaz de superar o falso univer-
salismo eurocêntrico (FRANK, 1998, p. 12-34).
60
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
44
Ou aquém: como apontei, essa ideia já tinha sido exposta por Janet Abu-Lughod.
61
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
45
O livro, intitulado Maps of time: an introduction to Big History, é realmente surpreendente.
O relato começa com a origem do universo. O ritmo se acelera com o surgimento do planeta
Terra, quando, depois de uma parte mais monótona (a história natural da terra antes da vida),
o autor discorre sobre o surgimento das primeiras formas de vida elementares, que evolvem
para os grandes ecossistemas, até o surgimento da humanidade e da vida social (também ele-
mentar). O problema é que a humanidade passou milênios vivendo em “mundos” separados,
até o advento da modernidade que, progressivamente unifica a humanidade (globalização!!).
Mas o futuro é incerto... Nada garante que a globalização irá sobreviver. Se os constrangimentos
ambientais não destruírem o capitalismo, provavelmente a humanidade irá começar a coloniza-
ção da Lua e do sistema solar. O autor é cético com a possibilidade de ultrapassar estes marcos,
por conta das grandes distâncias e da sugestão de Einstein de que nada pode ir mais rápido que
a velocidade da luz (cf. p. 484). No entanto, nada impede a humanidade de produzir “arcas es-
paciais” lançadas para o desconhecido: se elas forem mais confortáveis do que os asteroides ou
planetas eventualmente encontrados, os tripulantes podem viver nelas indefinidamente. Mas,
mesmo confinada ao sistema solar, será que a unidade da sociedade humana resistirá às distân-
cias siderais? O isolamento no cosmo irá, tal como na ilha de Galápagos, produzir a especiação?
Quem tiver interesse nestes problemas, deve consultar o livro!
62
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
46
Corretamente, ela afirma que as relações de determinação em um sistema são complexas:
elas não podem ser concebidas a partir de variáveis discretas, tidas como independentes. A
transformação se expressa em mudanças na direção e configuração dos grandes vetores (que,
invariavelmente, ela usa como sinônimo de tendência). Estas mudanças são, entretanto, a
resultante do efeito cumulativo de múltiplas variações em vetores menores que, embora inde-
pendentes, são influenciados pelas pressões do sistema. Até aqui, nada de novo. O problema
básico, que a afasta definitivamente da perspectiva do sistema-mundo, é a sua noção de ciclo:
eles variam também em função do seu grau de organização ou de desorganização. Em outros
termos: o sistema ascende quando a conexão entre as suas partes aumenta – i.e, ele torna-se
mais reticulado – e declina quando as conexões se esgarçam (ABU-LUGHOD, 1989, p. 368-9).
63
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Por esta via, o caminho aberto para a História existe apenas no plano
da retórica. Este tipo de lógica, aparentemente polivalente, na realidade, apa-
ga as diferenças entre os sistemas físico-naturais e a sociedade.48
O tempo todo ela está falando das frouxas e intermitentes ligações entre sistemas-mundo (que
se processam no que Wallerstein chamou de Arena Externa), e não de um sistema-mundo do-
tado de dinâmica própria. Foi esta trilha que, como já adiantei, tragicamente, Gunder Frank
et caterva seguiu.
47
Na verdade, quando ele fala em biologia, refere-se principalmente ao darwinismo – parti-
cularmente do estudo dos padrões de seleção natural – e, aparentemente, aos estudos sobre
ecossistemas complexos.
48
A ideia não é, naturalmente, tentar reforçar a “velha” clivagem entre ciências naturais e so-
ciais, muito menos continuar a tratar a natureza como uma exterioridade meramente passiva,
reversível e atemporal. Qualquer tentativa coerente de aproximação entre estes dois conjun-
tos deve partir de suas diferenças. Projetar traços sociais na natureza não resolve o problema,
do mesmo modo que a tradição original – tratar a sociedade como se ela fosse “natural” (eli-
minando as idiossincrasias e a subjetividade, em prol da quantificação) – criou mais dificul-
dades do que soluções. A grande questão, contudo, não diz respeito somente se ou como será
possível unir as ciências sociais às naturais: o verdadeiro desafio é reconstruir a centralidade
das humanidades, subordinando as tendências pragmáticas e o culto à tecnologia à de uma
sociedade melhor e mais igualitária. Em suma: as preocupações de Rousseau – a relação entre
64
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
ciência e virtude; como reduzir o hiato entre o que a sociedade efetivamente é e o que ela po-
der ser - devem ser reconduzidas ao centro do debate público (SANTOS, 1992, p. 9-11; 34-5).
49
“Ao longo das últimas décadas, um conceito novo tem conhecido um êxito cada vez maior:
a noção de instabilidade dinâmica associada à de ‘caos’. Este último sugere desordem, im-
previsibilidade, mas veremos que não é assim. É possível, porém, como constataremos nes-
tas páginas, incluir o ‘caos’ nas leis da natureza, mas contanto que generalizemos esta noção
para nela incluirmos as noções de probabilidade e irreversibilidade. Em suma, a noção de
instabilidade obriga-nos a abandonar a descrição de situações individuais (trajetórias, fun-
ções de onda) para adotarmos descrições estatísticas. É, pois, no plano estatístico que pode-
mos evidenciar o aparecimento de uma simetria temporal quebrada.” (PRIGOGINE, 2002,
p. 8) (Grifo meu). Prigogine foi capaz de assimilar alguns conceitos e insights típicos das
ciências humanas, que são incorporados à sua “teoria” das estruturas dissipativas e da or-
dem mediante flutuações, que desembocam na ideia da bifurcação e da geração espontânea
de novos sistemas. Pergunto: há alguma contribuição no sentido inverso, isto é, isso contribui
de alguma maneira para renovar a tradição hermenêutica das ciências sociais? O único efeito
positivo parece operar no ego dos humanistas e cientistas sociais: frequentemente acusados
de estarem atrasados com relação à Hard Science, o advento da teoria do caos mostrou que, na
verdade, eles podem ocupar uma posição de vanguarda.
50
As ciências sociais, ao se constituírem, tentaram analisar a sociedade de forma análoga
à natureza. Esta tendência se inverteu: “Este fato não só começou a mudar o equilíbrio de
poder vivido nas lutas internas das ciências sociais como contribuiu também para reduzir
a distinção rígida que vê as ciências naturais e as ciências sociais como dois ‘superdomínios’
totalmente apartados. No entanto, e ao contrário de anteriores tentativas no mesmo sentido,
esta diminuição das contradições entre as ciências naturais e sociais não implicou conceber a
65
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
humanidade como algo de mecânico, mas antes o conceber a natureza como algo de ativo e
criativo” (C.G.R.C.S., 1996, p. 91-2). Uma posição deísta, plenamente compatível com a moda
de alguns adeptos da Hard Science aceitarem a tese do “design inteligente”.
51
E essa é sempre a dificuldade: definir o que é interno e o que é externo, a natureza das deter-
minações ou influências internas. Tudo depende de como se delimitam as fronteiras.
66
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
52
“Pode-se descrever uma crise sistêmica como a situação em que o sistema chegou a um pon-
to de bifurcação, ou ao primeiro de sucessivos pontos de bifurcação. Ao se afastarem de seus
pontos de equilíbrio, os sistemas chegam a essas bifurcações, onde múltiplas soluções para a
instabilidade, por oposição a uma única, se tornam possíveis. Nesses pontos, o sistema vê-se
diante de uma escolha entre possibilidades. A escolha depende tanto da história do sistema
como da força imediata de elementos externos à sua lógica interna. Esses elementos externos,
chamados “ruídos”, são ignorados quando os sistemas estão funcionando normalmente. Em
situações distantes do ponto de equilíbrio, porém, os efeitos das variações aleatórias provoca-
das pelos “ruídos” são ampliados, justamente por causa do aumento do desequilíbrio. Agindo
caoticamente, o sistema se reconstruirá radicalmente, de maneiras imprevisíveis, mas que
conduzem a novas formas de ordem. Nestas condições, pode haver (e normalmente há) não
só uma, mas uma cascata de bifurcações, até que um novo sistema, isto é, uma nova estrutura
dotada de relativo equilíbrio de longo prazo, se estabeleça e mais uma vez entremos em uma
situação de estabilidade determinística. O novo sistema emergente é diferente do velho e,
provavelmente, mais complexo.” (WALLERSTEIN, 1995, p. 135-6).
67
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
53
Parte das provocações não são realmente provocações. Refletindo sobre os movimentos
antissistêmicos pós 1968, Wallerstein fez uma declaração que, aos desavisados pode parecer
surpreendente: “O marxismo é completamente diferente [da terceira geração da escola dos
Annales]. Ele foi concebido como uma ideologia, não de conjuntura, mas de estrutura. Ele
se atribuiu a pretensão de ser a ideologia de todas as forças anti-sistêmicas do mundo da
economia capitalista e de ser a ideologia da transição mundial do capitalismo para o socialismo.
Sua causa parece bem defendida. À medida que se desenvolverem as forças políticas anti-
sistêmicas, o marxismo se expandirá, enquanto ideologia. Um dia talvez descubramos que o
marxismo subitamente tornou-se o Weltanschauung universal do capitalismo defunto e do
sistema que o sucederá, exatamente como o cristianismo foi o Weltanschauung do falecido
Império Romano e do período que o sucedeu a partir da proclamação de Constantino.”
(WALLERSTEIN, 1989, p. 28). Esta declaração, que despertou a fúria dos marxistas mais
cientificistas, capta os atributos essenciais do materialismo histórico, isto é, um movimento
de contestação simultaneamente teórico e prático, criado pelas contradições do capitalismo, e
que tem como inspiração básica e razão de ser a sua superação. Logo, por mais que os liberais
e reacionários tentem enterrar o materialismo histórico, jamais conseguirão: somente o fim
do capitalismo poderá realizar esta tarefa.
68
A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
54
Nestes termos, a questão sempre foi referente ao telos (e ao sujeito histórico mais apropriado
para a sua concretização): a razão, a abundância material, a democracia ou, nos termos da
Guerra Fria, saber qual era efetivamente o “último estágio”: o capitalismo (deturpado pelas
ameaças totalitárias - primeiro o nazismo e depois o comunismo) ou o socialismo real (que
não realizava suas potencialidades por conta do cerco capitalista).
55
Aqui há mais uma inovação: o conflito social é a força transformadora por excelência. Sem-
pre que uma classe dominante afirma seus valores, sua visão de mundo e cristaliza seus meca-
nismos de dominação, ela acaba por gerar, como fruto do seu próprio movimento, a possibili-
dade das classes subalternas também definirem uma visão de mundo própria. Portanto, ainda
permanece decisiva a distinção entre “classe em si” e “classe para si”, estabelecida por Georg
Lukács e sutilmente incorporada por Wallerstein.
69
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
56
O modo como Wallerstein reconstrói a crise do feudalismo – i.é., mostrando como todas as
esferas da existência se transformam - e como esta crise gesta as estruturas do capitalismo durante
o longo século XVI é compatível com esta concepção ampliada de Modo de Produção (cf.
WALLERSTEIN, 1974, cap. 1). Um trecho sintético ilustra isto: “A economia da Europa feudal
passava nesse período [séculos XIV e XV] por uma crise interna profunda, que sacudia seus
alicerces sociais. As classes dominantes destruíam umas às outras, em grande escala. O sistema
da propriedade da terra, base da estrutura econômica, se desfazia, e a reorganização em curso
apontava para uma distribuição muito mais igualitária. Os pequenos camponeses demonstravam
grande eficiência como produtores. As estruturas políticas ficavam em geral mais fracas, e a
preocupação com a luta fratricida entre os politicamente poderosos deixava pouco tempo para
reprimir a força crescente das massas populares. O cimento ideológico do catolicismo estava sob
grande pressão; movimentos igualitários nasciam no seio da própria Igreja. As coisas estavam de
fato desmoronando” (WALLERSTEIN, 1995, p. 39).
57
Esta conversão teve duas raízes. A mais evidente é a tentativa de reduzir o marxismo a uma
“teoria econômica” ou, alternativamente, reforçar o caráter “infraestrutural” da Economia. A
segunda, em uma aparente reação à primeira, levou os marxistas de gabinete – um produto
da expansão do sistema universitário na era de Bretton Woods – a se refugiarem no plano
da cultura (com uma ênfase inicial – e muito frutífera - na crítica literária britânica, mas
que, infelizmente, logo desandou em vulgatas), usando táticas de guerrilha – crescentemente
pernósticas - contra o arrivismo das classes médias “aburguesadas”, que, em sua maioria, esses
mesmos intelectuais fazem parte. Foi exatamente a combinação destas duas tendências que
gerou a crítica de Wallerstein ao “marxismo”.
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A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
Referências
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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A PERSPECTIVA DOS SISTEMAS - MUNDO
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74
SEÇÃO 2
O CAPITALISMO CONTEMPORÂNEO
CAPÍTULO 3
O fim do longo século XX
B EVERLY S ILVER
G IOVANNI A RRIGHI 58
58
Beverly Silver é Doutora em Sociologia pela State University of New York - Binghamton e
Professora do Departamento de Sociologia da Johns Hopkins University.
Giovanni Arrighi (1937-2009) é Doutor em Economia pela Universidade Bocconi (Itália) e
Professor do Departamento de Sociologia da Johns Hopkins University.
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
59
Neste capítulo apresentamos um resumo de alguns dos mais importantes resultados de nossas
pesquisas prévias. Aqui preferimos omitir desde citações extensas até a riqueza do material
teórico e histórico em que foram construídas nossas análises anteriores. Para uma versão
completa dos argumentos apresentados neste capítulo (incluindo referências bibliográficas
extensas) ver Arrighi (1996; 2008); Arrighi; Silver (2001a; 2001b); Silver; Arrighi (2003);
Silver (2005).
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
Recorrência
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
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A fórmula geral do capital de Marx é MCM’, onde M é capital em dinheiro investido em C
(mercadorias, incluindo trabalho, maquinaria e matéria-prima), e M’ é capital em dinheiro
acumulado pelo capitalista depois que os bens produzidos são vendidos. Se M’ for maior do
que M, então o capitalista teve lucro. Se M’ for consistentemente menor do que M, então não
haverá lucro, nem incentivo para que os capitalistas invistam na produção, seja como indiví-
duos ou como classe (MARX, 1959).
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
Evolução
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Podemos imaginar este processo como um conjunto de curvas-S sobrepostas. A sobreposi-
ção indica o fato de que um novo ciclo sistêmico de acumulação emerge ao mesmo tempo em
que o regime dominante está chegando a seus limites.
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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Para uma análise histórica detalhada dos padrões evolucionários resumidos nesta seção, ver
Arrighi (1996); Arrighi; Silver (2001a).
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
Organização
governamental Tipo de regime/ciclo Custos internalizados
líder
Reprodução
Extensivo Intensivo Proteção Produção Transação
Estado-Mundo
Norte-
Americano Sim Sim Sim Não
Cidade-Estado
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
aniquilação militar contra seus inimigos. Esse poder, combinado com o ta-
manho, a insularidade e a riqueza natural do país, permitiu que sua classe ca-
pitalista internalizasse os custos de proteção e produção, como já tinha sido
feito pela classe capitalista britânica. Porém, eles foram pioneiros na formação
das corporações multinacionais integradas verticalmente; a classe capitalista
americana também foi capaz de internalizar os “custos de transação”, ou seja,
internalizar os mercados dos quais dependia a autoexpansão de seu capital.
Se fôssemos tirar conclusões baseadas nos padrões da evolução discu-
tidos até agora, então, poderíamos predizer que a organização capital-Estado
que lideraria qualquer ciclo sistêmico de acumulação futuro seria necessa-
riamente de tamanho e complexidade maiores do que os dos Estados Uni-
dos. Não é plausível que qualquer dado país consiga preencher esses requisi-
tos. Por exemplo, a China é muito maior, mas também muito mais pobre do
que os Estados Unidos, apesar de décadas de rápido crescimento econômico.
Assim, a evolução futura delineada na figura 1 é um movimento em direção
a algum tipo de “Estado-mundo”.
Contudo, a clara tendência linear em relação a maior tamanho e com-
plexidade é parcialmente moderada por outro padrão histórico, que está resu-
mido na figura 1 como um tipo de pêndulo que vai e volta entre regimes de
acumulação “intensivos” e “extensivos”. As companhias comerciais Holande-
sas, tal como a Companhia das Índias Orientais (VOC), eram organizações
formalmente mais complexas que as redes familiares de negócios da diáspora
capitalista genovesa. Porém, as empresas familiares nas quais floresceu a in-
dústria têxtil britânica eram formalmente menos complexas do que as compa-
nhias comerciais holandesas. Além do mais, o sucesso do capital britânico em
escala mundial dependeu da recriação, em formas novas e mais complexas, da
combinação de estratégias e estruturas do capitalismo cosmopolita genovês e
do territorialismo global ibérico. Do mesmo modo, as corporações multina-
cionais estadunidenses eram formalmente mais complexas que as empresas
familiares britânicas, embora o sucesso do capital estadunidense em escala
mundial tenha dependido da recriação em formas novas e mais complexas das
estratégias e estruturas do capitalismo corporativo holandês.
Quais são as implicações para o presente desse movimento pendular
entre regimes “extensivos” (cosmopolita-imperiais) e regimes “intensivos”
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
Anomalias
63
Para saber mais sobre este ponto, ver Arrighi (1996); Arrighi; Silver (2001a, cap. 2 e conclusão).
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
do Tesouro Americano realizadas pelo Leste Asiático, primeiro pelo Japão e de-
pois pela China. Da mesma forma que nas transições hegemônicas do passado,
o hegemon em declínio (os Estados Unidos) se transformou de maior nação cre-
dora em maior nação devedora. Essa transformação, no caso dos Estados Uni-
dos, aconteceu em escala e velocidade sem precedentes (ver figura 2).
Ainda assim, os recursos militares de relevância global estão concen-
trados esmagadoramente nas mãos dos Estados Unidos. Não há sinais crí-
veis de que os estados em ascensão econômica, incluindo a China, tenham
a intenção de desafiar diretamente o poder militar dos Estados Unidos. Po-
rém, ainda sem um desafio direto, os Estados Unidos não mais possuem
os recursos financeiros necessários para dar suporte ao seu aparato militar
no mundo (e agora conseguem fazer isso somente entrando numa dívida
externa cada vez mais profunda). Além disso, como ficou claro no fracasso
do projeto da administração Bush para um Novo Século Americano, a pro-
jeção do poder militar não tem sido particularmente efetiva em submeter o
mundo à vontade dos Estados Unidos nem no combate à escalada de crises
políticas e sociais no nível do sistema.
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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O FIM DO LONGO SÉCULO XX
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Para conhecer razões para pensar que a China pode ter capacidade de aproveitar o legado da
era comunista e a herança da “revolução industriosa” da época imperial para formar um novo
modelo híbrido, que constitua um caminho alternativo possível, ver Arrighi (2008).
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Referências
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CAPÍTULO 4
Continuidades e transformações na
evolução dos sistemas-mundo
65
Christopher Chase-Dunn é Doutor em Sociologia pela Stanford University. Roy Kwon é
Doutor em Sociologia pela University of California - Riverside. Ambos são pesquisadores do
Institute for Research on World-Systems da University of California - Riverside. Os autores
agradecem a Kirk Lawrence e Thomas D. Hall pela ajuda com este artigo, que resultou de
pesquisa financiada pela National Science Foundation dos Estados Unidos.
66
Neste capítulo, o termo “organização política” aparece como tradução para o português
do termo inglês polity, o qual se refere genericamente a organizações, governos ou sistemas
políticos (sendo o Estado nacional um tipo de polity).
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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CONTINUIDADES E TRANSFORMAÇÕES NA EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS - MUNDO
um centro interno de estados capitalistas que se tornou, por fim, capaz
de dominar as organizações políticas de todas as outras regiões do plane-
ta. Este sistema eurocêntrico foi o primeiro no qual o capitalismo se tornou o
modo predominante de acumulação, apesar de cidades-estados capitalis-
tas semiperiféricas existirem desde a Idade do Bronze nos espaços entre os
impérios tributários. Esse sistema eurocêntrico se expandiu em uma série
de ondas de colonização e incorporação (Figura 1). A mercantilização se ex-
pandiu na Europa, evoluiu e se aprofundou em ondas desde o século XIII,
razão pela qual os historiadores discordam sobre quando o capitalismo se
tornou o modo predominante. Desde o século XV, o sistema moderno pre-
senciou quatro períodos de hegemonia em que a liderança no desenvolvi-
mento do capitalismo foi alçada a novos patamares. O primeiro período foi
conduzido por uma coalizão entre os capitalistas financeiros genoveses e a
Coroa Portuguesa (WALLERSTEIN, 2011 [1974]; ARRIGHI, 1994). Poste-
riormente, as hegemonias foram organizações políticas: os holandeses no
século XVII, os ingleses no século XIX e os Estados Unidos no século
XX (WALLERSTEIN, 1984a). A própria Europa, e todas as quatro regiões
hegemônicas modernas, foram ex-semiperiferias que ascenderam, primei-
ramente, ao status de centro e, em seguida, ao de hegemonia.
99
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Entre esses períodos de hegemonia, havia períodos de rivalidade he-
gemônica em que vários candidatos lutaram pelo poder global. O núcleo
(core) do sistema-mundo moderno permaneceu multicêntrico, o que significa
que vários estados soberanos se aliavam e competiam entre si. Houve sistemas
mundiais regionais anteriores que experimentaram um período de império
central ampliado em que um único império se tornou tão grande que não ha-
via fortes candidatos à predominância. Isso não acontecia no sistema-mundo
moderno até o momento em que os Estados Unidos se tornaram a única su-
perpotência após a dissolução da União Soviética, em 1989.
A sequência de hegemonias pode ser compreendida como a evolução
da governança global no sistema moderno. O sistema interestatal, de acordo
com a institucionalização no Tratado de Paz de Westfália em 1648, ainda
é um aspecto institucional fundamental da organização politica do sistema
moderno. O sistema de estados teoricamente soberanos foi expandido a
fim de incluir as regiões periféricas em duas grandes ondas de descoloni-
zação (Figura 1), o que acabou resultando em uma situação na qual todo
o sistema moderno se tornou composto de estados nacionais soberanos. O
leste da Ásia foi incorporado a esse sistema no século XIX, embora aspectos
do antigo sistema estatal tributário-comercial do Leste Asiático não tenham
sido completamente suprimidos por tal incorporação (HAMASHITA, 2003).
Proporcionalmente ao sistema como um todo, cada uma das hege-
monias suplantou a hegemonia anterior em tamanho. E cada uma desen-
volveu as instituições de controle econômico e político-militar que guiaram
o sistema ampliado, de modo que o capitalismo penetrou cada vez mais
fundo em todas as áreas do planeta. E após as Guerras Napoleônicas nas
quais a Grã-Bretanha finalmente derrotou seu principal concorrente, a
França, as instituições políticas globais começaram a emergir acima do sis-
tema internacional de Estados nacionais. O primeiro protogoverno mundial
foi o Concerto da Europa, uma flor frágil que acabou murchando quando
seus principais proponentes, a Grã-Bretanha e o Império Austro-Húngaro,
discordaram sobre como lidar com a revolução mundial de 1848. O Concer-
to foi seguido pela Liga das Nações e, em seguida, pelas Nações Unidas e as
instituições financeiras internacionais de Bretton Woods (o Banco Mundial,
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Horizontes temporais
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50.000 Anos
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5.000 Anos
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500 Anos
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O capitalismo é uma combinação de propriedade privada nos meios de produção, troca
mercantil e produção de mercadoria visando lucro. Naturalmente há muitas variedades de
capitalismo. Desejamos incluir especialmente o que tem sido chamado capitalismo periférico,
que é o uso de trabalho forçado (escravidão, servidão) para a produção de mercadoria. O
capitalismo de Estado pode existir quando a propriedade não privada dos meios de produção
permite a uma elite contolar a sociedade e se apropriar de grandes parcelas dos lucros.
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Globalização econômica
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CONTINUIDADES E TRANSFORMAÇÕES NA EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS - MUNDO
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Utilizando as estimativas nacionais de importações em moedas nacionais de Mitchell (1992,
1993, 1995), Chase-Dunn et al. (2000) criaram uma medida da globalização do comércio entre
1795 e 1995. Apesar de Chase-Dunn et al. terem explorado a possibilidade de converter estas
estimativas de importação em unidades monetárias comparáveis usando taxas de câmbio (FX,
em inglês) entre as moedas dos diversos países e o dólar norte-americano, esta estratégia se
mostrou irreal, pois pressupõe que as conversões de divisas refletem com precisão o valor
relativo dos bens e serviços em diferentes países. Embora uma solução popular para sanar as
“deficiências” das taxas de câmbio tenha sido converter essas medidas em paridades do poder
de compra (PPC) - que calculam o preço de uma cesta doméstica de bens a fim de gerar uma
estimativa mais relativa das moedas nacionais (FIREBAUGH, 2003), Korzeniewicz e Moran
(2009, p. 60-3) mostram que as estimativas das PPC são irrealistas para uma pesquisa que
examine longos períodos de tempo a menos que os pesos para as PPC sejam recalculados para
períodos anteriores de tempo. Dadas as questões associadas à conversão de moeda, Chase-Dunn
et al. cuidadosamente compilaram a estimativa da globalização do comércio calculando,
separadamente, o nível de abertura de cada nação ao comércio internacional . Para realizar esse
cálculo, é computado o nível de abertura comercial de uma nação (importações/PIB), usando
moedas locais no numerador e denominador, eliminando-se, assim, a necessidade de converter
moedas locais em dólares ou outras unidades comparáveis. Esses estudiosos, em seguida,
tomaram a proporção de abertura comercial de cada nação (comércio/PIB) e ponderaram as
razões multiplicando-as pela população de um país, que é estimada como uma proporção da
população mundial (para uma descrição mais detalhada, consulte CHASE-DUNN et al., 2000,
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CONTINUIDADES E TRANSFORMAÇÕES NA EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS - MUNDO
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
e diferenças entre a crise atual e as respostas com períodos anteriores de des-
locamento e ruptura no moderno sistema-mundo e em sistemas-mundo an-
teriores.
Esta análise é relatada em Chase-Dunn e Kwon (2011). As conclu-
sões são de que as crises financeiras são business as usual para a economia-
mundo capitalista. As teorias de uma “nova economia” e de uma “sociedade
em rede” foram, sobretudo, justificativas para a financeirização. A grande
diferença é o tamanho da bolha e a maior dependência da enorme economia
norte-americana e do dólar por parte do resto do mundo. Apesar da bolha
financeira global ter sido reinflada com sucesso, até certo ponto, através do
resgate de Wall Street financiado pelo governo, os problemas estruturais bá-
sicos não foram resolvidos; no entanto, foram evitados (até agora) um colap-
so de verdade, a deflação e a retirada de cena da massa inflada de títulos que
constituem a bolha financeira. Esta não é uma situação estável, mas também
não é o fim do capitalismo.
69
Conceituamos a sociedade civil global e o conjunto de cidadãos do mundo como todos
aqueles que têm a intenção de causar impacto no sistema-mundo como um todo. Isto inclui
alguns atores cujos objetivos não são compatíveis com os grupos que identificamos como par-
te da Nova Esquerda Global. Referimo-nos a alguns dos atores da elite global, cujo princi-
pal objetivo é proteger seus privilégios e bens, assim como alguns movimentos fundamenta-
listas religiosos.
114
CONTINUIDADES E TRANSFORMAÇÕES NA EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS - MUNDO
70
Desde 2005, o Grupo de Pesquisa em Movimentos Sociais Transnacionais da Universi-
dade da Califórnia-Riverside realiza estudos sobre os movimentos que participam do Fó-
rum Social Mundial. A página do projeto na Internet pode ser visitada no endereço <http://
www.irows.ucr.edu/research/tsmstudy.htm>.
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A Maré Cor-de-Rosa
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A Carta de Princípios do Fórum Social Mundial não permite a participação de representantes
de organizações que estão envolvidas ou que defendem a luta armada. Tampouco os governos,
as instituições confessionais ou os partidos políticos devem enviar representantes para o
FSM. Consulte a Carta de Princípios do Fórum Social Mundial na página <http://wsf2007.
org/process/wsf-charter>.
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Quais foram os efeitos da crise financeira global sobre os contra-
movimentos e os regimes progressistas nacionais? O slogan do Fórum So-
cial Mundial “Um Outro Mundo é Possível” parece muito mais atraente ago-
ra do que quando o projeto de globalização capitalista estava em expansão. O
discurso crítico foi levado mais a sério por um público mais amplo. O geó-
grafo marxista David Harvey foi entrevistado pela BBC. Os discursos mile-
naristas dos regimes da Maré Cor-de-Rosa e os movimentos sociais radicais
parecem estar pelo menos parcialmente confirmados. O triunfalismo do
“fim da história” e as teorias da “nova economia” parecem ter sido varridos
para o lixo. A perspectiva dos sistemas-mundo tem encontrado maior apoio,
pelo menos entre os primeiros críticos, como os marxistas mais tradicio-
nais. A insistência de Wallerstein, Arrighi e outros de que a hegemonia dos
EUA está em declínio há muito tempo já encontrou ampla aceitação.
Em um nível mais prático, a maioria das organizações de movimen-
tos sociais e ONGs vêm enfrentando mais dificuldade em arrecadar fun-
dos, mas isso tem sido contrabalançado por uma participação mais am-
pla (ALLISON et al., 2011). O movimento ambientalista está enfrentando
alguns contratempos porque tem vindo à tona a questão da elevada taxa de
desemprego. De forma geral, a cúpula de Copenhague foi considerada um
fracasso. O amplo entendimento de que os custos energéticos vão continu-
ar a subir aumentou o número de pessoas que apoia o desenvolvimento da
energia nuclear, apesar dos custos ambientais em longo prazo. Mas o terre-
moto no Japão , o tsunami e a crise nuclear em 2011 levaram o governo ale-
mão à declaração de um futuro não nuclear. Além disso, a alternativa radi-
cal do ambientalismo indígena ganhou impulso (WALLERSTEIN, 2010). A
Conferência Mundial dos Povos sobre Mudança Climática e Direitos da Mãe
Terra, realizada em Cochabamba, na Bolívia, em abril de 2010, discutiu a
Declaração Universal dos Direitos da Mãe Terra, um referendo Popular
Mundial sobre Mudança Climática, e o estabelecimento de um Tribunal de
Justiça Climática. A reunião foi assistida por 30.000 ativistas de mais de 100
países e recebeu o apoio financeiro dos governos da Bolívia e da Venezuela.
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CONTINUIDADES E TRANSFORMAÇÕES NA EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS - MUNDO
72
A intervenção da OTAN na Líbia exibiu a ilegitimidade tanto de Khadafi quanto do nascente
Estado global que o depôs.
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Conclusões
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Referências
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135
CAPÍTULO 5
73
Doutor em Sociologia pela State University of New York - Binghamton. Professor da
University of Maryland.
137
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
74
Nosso foco recai no impacto da crise nas desigualdades mundiais de renda mais do que na
trajetória da crise em si. Para uma visão geral da última, consulte o artigo de BLACKBURN,
Robin. “The Subprime Crisis” (A Crise do Mercado Subprime), New Left Review, p. 63-106,
mar-abr. 2008.
138
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
139
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
dos anos 1990 e meados dos anos 2000; na verdade, há indícios constantes de
uma convergência crescente entre as nações de alta renda.
II, América do Norte (2) PNBPC 123,0 103,0 126,5 106,9 103,2 112,0 106,2 105,0 103,7
POP 47,1 48,6 49,5 50,1 51,0 52,0 52,6 52,8 52,9
III, Austrália e N. Zelândia (2) PNBPC 79,4 80,9 82,7 76,1 69,5 65,7 71,4 75,9 78,3
POP 3,3 3,4 3,6 3,7 3,8 3,8 3,9 4,0 4,0
Observações: Os dados de PNBPC (produto nacional bruto per capita) e POP (população)
são razões para seus equivalentes do núcleo orgânico de Arrighi (Áustria, Benelux e países
escandinavos, Alemanha, Suíça, França, Reino Unido, Estados Unidos, Canadá, Austrália e
Nova Zelândia)
140
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
Observações: Os dados de PNBPC (produto nacional bruto per capita) e POP (população)
são razões para seus equivalentes do núcleo orgânico de Arrighi (consulte a Tabela 1)
141
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Observações: Os dados de PNBPC (produto nacional bruto per capita) e POP (população)
são razões para seus equivalentes do núcleo orgânico de Arrighi (consulte a tabela 1)
142
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
China Índia
1990 3,8 5,6
1991 9,2 2,1
1992 14,2 4,4
1993 14,4 4,9
1994 13,1 6,2
1995 10,9 7,4
I996 10,0 7,6
1997 9,3 4,6
1998 7,8 6,0
1999 7,6 6,9
(Continua)
143
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
(Conclusão)
China Índia
2000 8,4 5,7
2001 8,3 3,9
2002 9,1 4,6
2003 10,0 6,9
2004 10,1 7,9
2005 10,4 9,2
2006 11,6 9,8
2007 13,0 9,4
2008 9,6 7,3
2009 8,7 5,7
75
Arrighi e Drangel (1986), e também Korzeniewicz e Moran (2000 e 2009), afirmam que as
medidas de renda FX, ajustadas pelo mercado Forex, são as mais adequadas para a análise da
desigualdade global, especialmente em estudos longitudinais.
144
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
Observação: com a China, tamanho da amostra = 117 países; 86% da população do mundo
em 2000
145
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
146
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
2005 2006 2007 2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
G7 2,4 2,6 2,2 0,2 -3,4 2,4 2,3 2,3 2,3 2,2 2,1
União Europeia 2,2 3,4 3,1 0,9 - 4, 1 1,0 1,8 2,2 2,3 2,2 2,1
Europa Central
5,9 6,5 5,5 3,0 -3,7 2,8 3,4 4,0 4,0 4,0 4,0
e Oriental
Ásia em
9,0 9,8 10,6 7,9 6,6 8,7 8,7 8,6 8,6 8,6 8,5
desenvolvimento
China 10,4 11,6 13,0 9,6 8,7 10,0 9,9 9,8 9,7 9,6 9,5
Índia 9,2 9,8 9,4 7,3 5,7 8,8 8,4 8,0 8,1 8,1 8,1
Oriente Médio
5,4 5,7 5,6 5,1 2,4 4,5 4,8 4,8 4,7 4,8 4,8
e Norte da África
África
6,3 6,5 6,9 5,5 2,1 4,7 5,9 5,5 5,6 5,5 5,4
Sub-Sahariana
Hemisfério
4,7 5,6 5,8 4,3 -1,8 4,0 4,0 4,3 4,2 4,1 4,0
ocidental
147
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Qual impacto pode ser esperado da atual crise econômica nas ten-
dências observadas na distribuição mundial da renda? Conforme sugere a
tabela 5, abaixo, a expectativa é de que as taxas do crescimento econômico na
China e na Índia permaneçam altas em um futuro próximo: o Fundo Mo-
netário Internacional (FMI) projeta uma taxa média de crescimento anual
de 9,6%, para a China, e de 7,8%, para a Índia, no período de 2008 a 2015.
Essas taxas são menores do que o ápice das taxas de crescimento econômico
obtidas em 2006 (Índia) ou em 2007 (China), mas permanecem espetacular-
mente altas para os padrões mundiais.
O rápido crescimento econômico não se limitou apenas à Índia e à
China. Diversos países foram privilegiados pela recente alta do preço das
matérias primas (por exemplo, este é o caso da Argentina, onde as taxas de
crescimento após o colapso econômico do começo dos anos 2000 se apro-
ximaram do que os observadores locais na região chamaram de “taxas chi-
nesas”). Além disso, as taxas médias de crescimento na América Latina e na
África continuaram acima do patamar alcançado nas duas últimas décadas
do século 20.
Em contraste, a crise foi acompanhada de contração econômica e de-
semprego crescente no centro. De acordo com as projeções do FMI, as taxas
médias do crescimento econômico no G-7 (Canadá, França, Alemanha, Itá-
lia, Japão, Reino Unido e Estados Unidos) decresceram de 2,5%, em 2006,
para 2,3%, em 2007, e para 1,1%, em 2008, havendo a expectativa de que
continuem baixas, retornando a uma variação de 2,3 a 2,4% no período de
2010 a 2015. No caso dos Estados Unidos, por exemplo, houve um declí-
nio constante nas taxas de crescimento econômico entre 2005 e 2008-9, de
aproximadamente 3% para quase 0,5%, embora aqui a recuperação tenha
sido projetada para alcançar níveis mais altos entre 2011 e 2013 do que no
restante dos países do G-7.
A atual crise econômica foi especialmente acentuada em alguns dos
países que haviam atingido elevadas taxas de crescimento econômico na
148
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
149
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Observação: com a China e a Índia, tamanho da amostra = 174; 97% da população do mun-
do em 2000
Fonte: Cálculos dos autores baseados no Banco Mundial (2010); os números após 2009 são
projeções baseadas no FMI (2010)
76
Consultar, como exemplo, o artigo de John Pomfret, Beijing tries to push beyond ‘Made in
China’ status to find name-brand innovation (Pequim tenta superar o status ‘Made in China’
para a inovação de marcas), The Washington Post, 24 maio 2010). Disponível em: <http://
www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/05/24/AR2010052404126.html>.
150
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
desigualdade no país: isso pode não apenas se tornar uma fonte de demandas
políticas em prol de uma maior equidade dentro do país, dificultando uma
trajetória simples de crescimento contínuo, mas também acabar propiciando
um novo aumento na desigualdade mundial como um todo.77
Há questões que permanecem em aberto no que tange à evolução das
desigualdades entre países nas outras regiões do mundo (especialmente na
África e na América Latina). Aqui, não está claro se outros países de ren-
da baixa e média serão capazes de seguir o mesmo caminho, por exemplo,
encontrar sinergias com o crescimento da China e da Índia por meio da
produção de alimentos e matérias-primas, ou se o próprio sucesso da China
e da Índia prejudicará as oportunidades de crescimento econômico em ou-
tros lugares.78 Além disso, devemos destacar também que mesmo depois de
vinte e cinco anos de crescimento extraordinário nas regiões periféricas, as
desigualdades entre países continuariam em um nível extremamente alto –
poucos países do mundo apresentam coeficientes de Gini acima de 0,676
(o nível em que as desigualdades entre países permaneceria em 2015, se as
projeções otimistas para a China e a Índia se mantivessem conforme as pro-
jeções do FMI).
Talvez os governos dos países ricos também fiquem tentados a adotar
políticas destinadas a reverter essas mudanças relativas na desigualdade da
renda mundial. Em primeiro lugar, especialmente em resposta à crise econô-
mica, os formuladores de políticas de instituições financeiras internacionais
e organizações multilaterais em 2010 defenderam a adoção de políticas de
ajuste nas nações ricas e um crescimento econômico mais lento na China.
Captando alguns aspectos desta estratégia dupla, o jornal The Washington
Post observou que “o fluxo da dívida dos EUA com o Banco Popular da
China atuou como uma espécie de cartão de crédito coletivo gigante, fi-
nanciando consumidores nos Estados Unidos e impulsionando modelos de
77
O Professor Ho-Fung Hung, do Departamento de Sociologia da Universidade Johns
Hopkins, está desenvolvendo a pesquisa desta última questão em seu estudo atual.
78
Como exemplo, para uma avaliação pessimista do impacto da produção chinesa de matéria-
prima no continente africano, consultar: <http://www.elpais.com/articulo/portada/nuevos/
amos/Africa/elpepusoceps/20100509elpepspor_9/Tes>.
151
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
79
<http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/04/23/AR2010042305258.
html>.
80
Assim, um artigo recente publicado no The New York Times (26 out. 2010) indica que “o
governo de Obama, diante de uma relação conturbada com a China, no que diz respeito a
taxas alfandegárias, comércio e questões de segurança, está tornando sua abordagem com
Pequim cada vez mais rígida, procurando aliados para o confronto com esta nova potência
agressiva assertiva, que, segundo relatos oficiais, informa ter poucas intenções de negociar
com os Estados Unidos. Extraído e traduzido do site: <http://www.nytimes.com/2010/10/26/
world/asia/26china.html?hp>.
152
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
81
Disponível em: <http://www.weforum.org/en/initiatives/gcp/GlobalEnablingTradeReport/
index.html>. Acesso em: 28 maio 2010.
82
Gowan (2009, p. 28) também afirma que “as economias do leste asiático, principalmente
a da China, serão cada vez mais essenciais para as tendências macroeconômicas globais, ao
passo que o longo histórico de centralidade dos Estados Unidos se enfraquecerá durante um
longo grande período de estagnação.”
153
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
154
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
83
Como um exemplo simples deste argumento, consulte Firebaugh (2003, p. 174), que acredi-
ta que “o aumento (durante grande parte do século XIX e na primeira metade do século XX),
a redução (na segunda metade do século XX) e o decréscimo da desigualdade entre nações
são explicadas, essencialmente, pela disparidade na expansão da industrialização para nações
pobres. […] Já que a industrialização se iniciou nas nações mais ricas, a expansão da globa-
lização estimulou o nível de desigualdade entre nações. […] Agora, no entanto, a difusão da
industrialização visa compactar a desigualdade entre nações.”
155
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
p. 581; ver também WADE, 2008) argumenta que, quando medida pela renda
média per capita ajustada pelas paridades do poder de compra, a desigualdade
entre países diminuiu, “mas retire a China e mesmo essa medida indicará um
aumento da desigualdade”. Por fim, mesmo ao reconhecer que pode ter havido
um crescimento econômico significativo em países como a China ou a Índia,
os observadores críticos contra-argumentam que este crescimento enfrenta li-
mites imediatos, e é improvável que dure por muito tempo.84
Subjacente a estas perspectivas críticas, há a compreensão de que o
crescimento da “globalização” ou dos mercados ao longo das últimas duas
décadas ainda é marcado por padrões persistentes de polarização e desigual-
dade. Aqui, as perspectivas contemporâneas se conectam às abordagens mais
antigas e críticas do papel dos mercados na perpetuação das desigualdades.
Entre essas abordagens mais antigas, Raul Prebisch (p. ex., 1950) e Arghiri
Emmanuel (1972) argumentam que a diferença de riqueza entre nações ricas
e pobres foi mantida e/ou aprofundada pelas interações do mercado, pois as
diferenças salariais entre o centro e a periferia estavam na origem da dete-
rioração dos termos de intercâmbio (Prebisch) ou da troca desigual (Emma-
nuel) entre produtos periféricos e centrais.85 Em diferentes graus, a noção de
que o mercado é uma arena importante para o desdobramento da troca de-
sigual, e de que a troca desigual constitui a principal força que molda as de-
sigualdades entre as nações centrais e periféricas, é fundamental para muitas
formulações das abordagens do sistema-mundo e da dependência – espe-
cialmente aquelas que tendem a perceber as desigualdades principalmente
84
Nessa mesma linha, Balakrishnan (2009, p. 5) argumenta que “a taxa de crescimento da
China, em razão do mercado de exportação, estagnará, porque os mercados estarão esgota-
dos. Ainda não está claro se o país pode mudar o foco para a acumulação baseada no mercado
doméstico sem um decréscimo significativo no crescimento. Apenas após um longo processo
sociopolítico de transformação e produção de uma demanda doméstica compensatória é que
as bases sólidas do crescimento sustentável serão lançadas para a população de 1,25 bilhão
de habitantes.”
85
Representações mais simplistas desses argumentos concluem que para as nações, o status
central ou periférico na economia mundial corresponde, respectivamente, à produção ma-
nufatureira e à produção de matérias primas. Arrighi (1986; 1990) contestou tal conclusão,
criticando qualquer noção de que a manufatura ou a industrialização correspondam neces-
sariamente ou estejam ligadas ao desenvolvimento ou a uma fatia maior da renda mundial.
156
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
como resultado da exploração (de uma classe por outra ou de países pobres
por países ricos).86
A obra de Giovanni Arrighi nos obriga a pensar criticamente sobre es-
tes argumentos. Comecemos pela troca desigual. Depois de lembrar aos leito-
res que o conceito de “troca desigual” tal como desenvolvido por Emmanuel
“refere-se ao comércio entre estados caracterizados por níveis salariais di-
ferentes, mas com a taxa de lucro e nível de produtividade iguais”, Arrighi
observa que, apesar do papel histórico que essas trocas podem ter desempe-
nhado no aprofundamento da desigualdade entre as nações, nada impede
que a troca desigual mude de posição e proporcione vantagens comparativas
à periferia. Assim,
[um] país que vende commodities que incorporam mão de obra com
altos salários em troca de commodities que possuem mão de obra com
baixos salários pode continuar fazendo isso e colher os benefícios da
troca apenas na medida em que a relação da produção e do consumo
entre os dois tipos de commodity seja de complementaridade em vez
de concorrência. Se por qualquer razão a relação de complementari-
dade enfraquecer e a de concorrência tornar-se mais forte, neste sen-
tido, a troca desigual torna-se a arma do país “explorado” para obter
riqueza, poder e bem-estar em relação ao país “explorador” e, possi-
velmente, em detrimento do mesmo. (ARRIGHI, 1990, p. 12-14).
86
Assim, para Andre Gunder Frank (1979, p. 22-3), “três séculos de comércio desigual
baseado em valores desiguais [..] sugaram uma grande quantidade de capital das colônias e das
populações do “Novo Mundo”, capital que a Europa investiu em desenvolvimento econômico
e que, por sua vez, consolidou o subdesenvolvimento da América Latina no século XIX.”
157
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
158
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
159
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
87
“Portanto, qualquer propriedade acumulada pela parcela industriosa da população rural se
refugiou, naturalmente, nas cidades, que se tornaram os únicos santuários em que poderia ser
assegurada àqueles que a adquiriram” (SMITH, 1976, I, p. 427).
160
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
88
Essas perspectivas críticas se desenvolveram desde cedo. Sorokin, depois de analisar dados
referentes ao declínio da população das ilhas do Pacífico durante o século XIX, argumentou
que “esses fatos mostram que, em vez de melhorar, o nível de bem-estar social e econômico
no século XIX sofreu declínio e causou a extinção de tais povos. Por sua vez, em parte, o
desenvolvimento econômico da Europa no século XIX, ocorreu, em parte em razão da explo-
ração e do saque. O que foi benéfico para um grupo, foi desastroso para os demais. Ignorar
esses outros grupos — centenas de milhares de pessoas na Índia, na Mongólia, na África, na
China, ou seja, os nativos de todos os continentes e ilhas não europeus, para alguns dos quais
o progresso da Europa custou muitíssimo e que, durante o último século, tiveram crescimento
ínfimo no padrão de vida — e fomentar a teoria da ‘espiral permanente do progresso’ com
base em alguns países europeus é completamente subjetivo, parcial e fantasioso.” Cf. Sorokin
(1927, p. 31).
89
Considerando os conceitos de Arrighi sobre a desigualdade mundial, vê-se que a pers-
pectiva relacional está na raiz de sua análise teórica, a qual não é, como afirmam discussões
recentes, um simples “resumo dos argumentos de Brenner” sobre a taxa descendente do lucro
de países de alta renda. Cf. Elvin (2008, p. 108).
161
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
90
Por exemplo, ao explicar o crescimento das cidades durante “a criação da classe operária
inglesa”, Walker e Buck (2007, p. 41) indicam que “todos os camponeses, trabalhadores braçais,
artesãos e pequenos manufatureiros foram forçados a se deslocar, pois seus meios de subsistên-
cia foram destruídos, seja pela pelo cercamento das terras, apropriação de suas terras ou pela
competição do mercado, criada por fazendas e fábricas mais produtivas.”
162
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
91
O próprio Arrighi afirmou que muitos procuraram superar o abismo da desigualdade da
renda mundial por meio da migração.
92
É por isso que Aglietta (2008, p. 62) afirma que “as economias de mercado e o capitalismo
estão ligados, mas não são idênticos. O paradigma do mercado é formado pelo comércio entre
iguais; [...]. O capitalismo é uma força de acumulação. [..] A desigualdade está em sua essência”.
163
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Conclusão
93
Faz-se quase desnecessário afirmar que tal perspectiva nos conduz a um lugar bem diferente
do que aqueles apregoados pelas panaceias otimistas com raízes no paradigma da modernização.
164
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
Referências
165
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
166
DESIGUALDADES MUNDIAIS DE RENDA : EM DIREÇÃO A UMA PERSPECTIVA CRÍTICA
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CAPÍTULO 6
94
Doutor em Sociologia pela State University of New York - Binghamton. Professor do Insti-
tuto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
169
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
95
Por descaminho entende-se a entrada no país de produtos sem o pagamento de taxas e
impostos de importação. Contrabando refere-se à entrada de produtos proibidos de serem co-
mercializados no país. Serão utilizados aqui indistintamente porque o que importa na análise
é o conteúdo ilícito presente no negócio.
170
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
171
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
172
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
96
As referências apresentadas neste texto foram traduzidas pelo autor (AB).
97
Segundo Wilson (2009, p. 239) o título original desse texto seminal era De Indis (Sobre as
Índias), mas passou a ser mais conhecido por De Jure Praedae Commentarius (Comentários
sobre a Lei do Saque e da Pilhagem). O texto foi escrito entre fins de 1604 e novembro de 1606.
173
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
174
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
98
É importante lembrar que a diferença entre pirata e corsário é que o último age autorizado
por um poder estatal enquanto o primeiro empreende uma ação privada.
175
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
e duradoura indústria de imitação que por mais de 150 anos copiou a cor e o
estilo – um dos significados de pirataria – da porcelana do Extremo Oriente
(BOXER, 1965, p. 175).
Se a montagem de um monopólio comercial evitou uma dolorosa con-
corrência doméstica entre as companhias holandesas do início do século XVII,
uma decisão que não afetou os sentimentos morais dos habitantes das Provín-
cias Unidas, o mesmo não pode ser estendido às vastas prerrogativas e direitos
concedidos à empresa, especialmente com o que tais privilégios podiam alcan-
çar. Na verdade, se se considerar os campos de ação da companhia poder-se-ia
facilmente notar que as atribuições e a autonomia da VOC alcançavam ex-
tensões tão vastas que mais de uma vez a empresa foi vista como um estado
dentro do estado. Entretanto, se tal concentração de poder era vista como in-
dispensável para assegurar à VOC poderio suficiente para desempenhar suas
atividades comerciais em terras distantes – entre seus direitos encontram-se
autorização para estabelecer tratados e alianças, construir fortificações, alistar
pessoal civil, militar e naval de quem se exigia juramento de lealdade à compa-
nhia e ao estado, e mesmo declarar “guerras defensivas” (BOXER, 1965, p. 24)
– é de qualquer modo necessário enfatizar que o desdobramento de considera-
ções ético-morais baseadas nesses tópicos estimulou conflitos desde a criação
da corporação. Muitos acionistas potenciais decidiram não se envolver com
tal empresa devido ao risco do comportamento da companhia tender perigo-
samente para ações agressivas e belicosas. A respeito dessas suspeitas de parte
dos investidores em aceitar engajamentos da companhia em guerras, mesmo
defensivas, Boxer afirma que:
176
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
177
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
178
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
99
O sentido literal da expressão significa “A era banhada a ouro”, no sentido de um tempo que
apresentava bela, mas ilusória aparência. Foi emprestado de King John, de Shakespeare: “To
179
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
gild refined gold, to paint the lily... is wasteful and ridiculous excess.” Há ainda o sentido pejora-
tivo que contrasta uma era dourada ideal e outra, menos valiosa, com apenas tênue cobertura
de ouro sobre metal barato, sentido que acabou prevalecendo para identificar os excessos
daqueles anos. In: The Complete Works of Mark Twain, Delphy Classics, The Novels, Prefácio.
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Não faz parte dos propósitos deste trabalho avançar por todas as mu-
danças que abalaram a sociedade norte-americana após o final da guerra ci-
vil. O que deve ser brevemente mencionado, no entanto, é que a Era Banhada
a Ouro – ou da Aparência (Gilded Age) – foi marcada por um período de
profunda mudança social, ancorada em um intenso processo de urbaniza-
ção, resultado da expansão da industrialização. Esse movimento fez emergir
e rapidamente expandir uma nova classe média enquanto essa mesma ex-
pansão “[...] eclipsava largamente a ‘velha’ classe média de pequenos empre-
endedores, moralistas, vivendo para si mesmos em suas pequenas e isoladas
comunidades.” (WIEBE, 1967 apud MAHONEY, 2005, p. 357). A dispersão/
dissolução dos laços tradicionais de identidade e de coesão social, causada
pela migração e pela mobilidade vertical e horizontal dela derivadas, aca-
bavam por enfraquecer os benefícios que a nova solidariedade no local de
trabalho supostamente criava nesse novo ambiente – emprego, promoção
e carreira – tornando-os menos úteis e confiáveis em vista de sua fluidez
(MAHONEY, 2005). Em tal cenário social
182
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
100
Essa breve referência às classes médias e o silêncio a respeito da classe operária deve-se ao
fato de as primeiras terem tradicionalmente sido consideradas como fornecedoras de quadros
burocráticos ao governo federal e a seus estados constitutivos, assim como para as corporações
que cresciam no final nas últimas décadas do século XIX. Com referência à classe operária,
além de estar ausente dessa mobilidade social ascendente que floresceu durante aqueles anos
nos Estados Unidos, sua principal importância na política externa foram suas demandas que
acabaram por produzir o que Poulantzas uma vez chamou de “efeitos pertinentes na estrutura”,
que significava, aqui, que a Diplomacia do Dólar assegurava mercados para as mercadorias pro-
duzidas domesticamente evitando, assim, possíveis conflitos e dificuldades trabalhistas.
183
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
101
O poema de Kipling, cuja primeira estrofe serviu de epígrafe a esta seção, traz como
subtítulo “Os Estados Unidos e as Ilhas Filipinas” (The United States and the Philippine
Islands) com o ano 1899, portanto imediatamente após a anexação/aquisição das Filipinas
pelos Estados Unidos, em consequência da vitória sobre a Espanha na guerra de 1898.
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102
A invasão da Nicarágua em 1912 é um bom exemplo de como esses dois princípios eram
combinados, ao menos no caso das relações dos Estados Unidos com os países do Caribe.
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103
Informações detalhadas a respeito das definições e composições do setor informal que o
IBGE utiliza estão em IPEADATA, no site <www.ipeadata.gov.br>. Os dados utilizados estão na
tabela 4.1.9 da Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio, IBGE-PNAD 2011, tabela 4.1.9.
189
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
104
É importante lembrar que atividades informais inscritas nessa definição podem perfei-
tamente estar organizadas de acordo com o que é típico do setor ao mesmo tempo em que
190
DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
esses os referenciais que, de acordo com a autora, geraram algumas das im-
portantes interpretações acerca do tema, das quais ela ressalta as perspecti-
vas dualista e estruturalista dos estudos sobre informalidade.
A esse respeito, é suficiente afirmar aqui que os estudos do informal
de cunho mais estrutural concebem essas atividades como parte de um todo
hierarquizado e integrado de um mesmo processo mundial de acumulação
de capital que, em síntese, pode ser aqui entendido como parte da diversi-
ficação dos modos de exploração e de expropriação das classes subalternas,
globalmente implementados e localmente particularizados. Exemplos des-
sa orientação são os estudos fundamentados na noção de desenvolvimento
dependente e nas do subdesenvolvimento, embora sejam sempre algo arbi-
trárias separações rígidas desses dois grupos. Mesmo assim, pode-se arris-
car dizer que os estudos de marginalidade105, bastante comuns na década de
1970, são exemplos de trabalhos do primeiro tipo de orientação (CASTELL,
1971; QUIJANO, 1971; KOWARICK, 1975) e os de procedência cepalina e
alguns de orientação marxista – especialmente quando tratam do subem-
prego e do desemprego urbano no quadro do subdesenvolvimento – entre
os do segundo grupo. Desse segundo grupo, a contribuição de Furtado a
respeito da subocupação ou desocupação da força de trabalho rural e urbana
no contexto de economias de base agrícola e heterônomas e o famoso estu-
do de Baran sobre o subdesenvolvimento são exemplos referenciais do que
pretendo ressaltar.106
191
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
107
Refiro-me, aqui, à extensa produção parcialmente inspirada nos estudos sobre imperia-
lismo, nos desdobramentos do dependentismo, no terceiro mundismo e no neomarxismo.
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
que, embora recente, deve ser vista, em seus determinantes últimos, como
parte dessa longa recorrência, que precisamos ter objetivamente conectada
se pretendemos entender informalização como estrutura. Nessa direção, ela
faria parte de um movimento de declínio que sucedeu um longo período de
intensa expansão da vida econômica, cujo intervalo estendeu-se da segunda
metade do século XVIII ao final da década de 1960 (BRAUDEL, 1984).
Seja como for, creio ser possível agora rascunhar tentativamente um
esboço de alcance mais estrutural para a ocorrência de alterações nas va-
lorações dos comportamentos dos agentes econômicos, ou de parte deles,
na dinâmica da economia-mundo capitalista. É indispensável alertar que
a ocorrência de novos referenciais éticos em fases ou momentos específi-
cos dos ciclos sistêmicos de acumulação de modo algum pressupõe que se
transformem em normas predominantes de comportamento dos agentes
econômicos de um eventual ciclo sistêmico de acumulação emergente. As-
sim, o fato da hegemonia holandesa apresentar tamanha identidade com o
ambiente das companhias de comércio não quer dizer que comportamentos
e princípios que aparecem em outras fases de crise e de reorganização sistê-
mica inevitavelmente tenham que afirmar-se também como o padrão ético
do ciclo sistêmico que surge. Mostram-se mais como conjunto de compor-
tamentos que destoam dos prevalecentes, apresentando-se como opções que
podem ser descartadas quando contrapostas a outras formas de proceder
percebidas como mais eficientes no longo prazo ou mais afinadas aos tratos
culturais predominantes naqueles contextos socioambientais.
Não é o caso de insistir nessa direção, até porque o surgimento e di-
fusão desses novos princípios éticos na vida econômica comentados acima,
tudo indica, tendem a surgir em momento de crise e de reorganização sis-
têmicas: o primeiro nas Províncias Unidas durante as décadas que precede-
ram a hegemonia holandesa, ainda durante a Guerra dos Oitenta Anos; o
segundo nos EUA depois da Guerra da Secessão e simultâneo ao início do
declínio da hegemonia inglesa e aos distúrbios econômicos e políticos que o
acompanharam; e, por fim, o terceiro durante o atual declínio da hegemonia
americana, com a banalização mundialmente difusa do ilícito e do ilegal na
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DAS ERAS DOURADAS AOS “TEMPOS BICUDOS” DO CAPITALISMO MUNDIAL
De acordo com o fio condutor desse texto temos, então, que a pre-
sente crise oferece uma situação até então inédita de tantas quantas foram
108
“ (A)s dinâmicas urbanas hoje redefinidas sob o impacto de formas de circulação de bens
e riquezas que seguem os amplos circuitos da migração por onde se estruturam redes trans-
nacionais de um proliferante comércio ambulante. São redes que atravessam fronteiras, ar-
ticulam centros comerciais espalhados em vários pontos do planeta e se territorializam sob
as diversas modulações do chamado mercado informal em expansão nos centros urbanos
[...] em particular nas cidades de fronteira, situadas nos pontos de conexão entre esses vários
circuitos, muitas delas ponto de chegada de vagas migratórias anteriores e que agora se rede-
finem nessa cartografia mutante do mundo contemporâneo.” (TELLES, 2009, p. 159).
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Conclusão
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Foram essas práticas desonestas que inspiraram Mark Twain a resumi-las como segue:
“Qual é o principal objetivo do homem? ... Ficar rico. De que modo? Desonestamente, se pu-
dermos; honestamente se precisarmos.” Comentando a respeito do autor dessa famosa frase,
Jeff Randall fez o seguinte comentário: “Se fossem distribuídos prêmios por cinismo, Twain
certamente teria recebido uma medalha de ouro. Esse comentário, publicado pela primeira
vez no The New York Tribune em 1871, era típico de um escritor que acreditava que a verdade
era o bem mais valioso, e que por isso deveríamos ‘economizá-la’.” (RANDALL, Jeff. Disponí-
vel em: <www. telegraph.co.uk/ finance/newsbysector/banksandfinance>).
201
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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203
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
204
SEÇÃO 3
O BRASIL NO SISTEMA-MUNDO CAPITALISTA
CAPÍTULO 7
A economia-mundo, Portugal e o
“Brasil” no longo século XVI (1450-1650)
110
Doutor em Economia pela Universidade Autónoma do México. Professor do Departamen-
to de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. O autor
agradece os comentários e sugestões de Ricardo Zortéa Vieira, Luiz Mateus da Silva Ferreira,
Fábio Pádua dos Santos, Rosângela de Lima Vieira e Felipe Amin Filomeno, que foram funda-
mentais para melhorar a argumentação geral. Não foi possível incorporar todas as sugestões,
mas a elas voltaremos na continuação da pesquisa.
207
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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“Four our own time, it is hard to imagine the construction of any valid analysis of long term-
structural change that does not connect particular alterations, directly or indirectly, to the two
interdependent master processes of the era: the creation of a system of national states and the
formation of a worldwide capitalist system. We face the challenge of integrating big structures,
large processes and huge comparisons into history.” (TILLY, 1984, p. 147).
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A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
112
Quando escreveu “o modelo da economia-mundo certamente é valido”, Braudel fez uma
apreciação positiva do primeiro volume de O Moderno Sistema-Mundo, mas mostrou uma
certa discordância ao dizer que que os volumes seguintes dariam a oportunidade de “voltar à
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210
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
115
Veneza teve “um longo século de preponderância indiscutível (1378-1498)” (BRAUDEL,
1998, p. 131).
116
Deve ser notado que Quijano e Wallerstein se referem à América Latina como um constructo
geosocial, que resultou do amálgama cultural, econômico, político e ecológico posterior a 1492.
211
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
117
“[...] no século XIII, quando chegam por primeira vez a Portugal, os italianos se esforçam
por atrair os povos ibéricos para o comércio internacional. Uma vez ali, os italianos passariam
a jogar o papel de iniciadores dos esforços colonizadores ibéricos, pois tendo chegado tão
cedo, “foram capazes de conquistar posições-chave na península ibérica”. ” (WALLERSTEIN,
1999, p. 71). Wallerstein também cita Virginia Rau (1957, p.718), para quem em 1317, “a
cidade e o porto de Lisboa seriam o grande centro do comércio genovês.”
213
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A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Como é de seu feitio, Braudel não esclarece com precisão o que en-
tende por periferia e por isso seria mais adequado classificar Portugal como
216
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
118
No que toca à estratégia de acumulação de poder, que é o objetivo último de qualquer Es-
tado, Arrighi (1996) distingue os estados territorialistas – aqueles que através da conquista de
territórios buscam ampliar seu poder – dos estados capitalistas, aqueles que buscam acumular
riqueza como meio para ampliar seu poder.
119
Ao inserir Portugal e Brasil na entidade que ele denomina o Antigo Sistema Colonial
(ASC), Novais (1995 [1979]) avança em relação a Caio Prado e Celso Furtado. Na pers-
pectiva aqui adotada, o próprio ASC seria um subsistema do todo que é a economia-mundo
capitalista.
217
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
120
“Os povos peninsulares vão permanecer enredados nas estruturas, agora arcaizantes, que
tinham feito sua glória mas estavam inteiramente desajustadas. Em contraste com as civilizações
industrializadas, não apenas os povos subdesenvolvidos mas ainda os povos com estruturas
persistentes de antigo regime; alguns, em vias de desenvolvimento, outros, recusando a
modernidade para cuja eclosão até tinham contribuído.” (GODINHO, 1971, p. 56).
218
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
121
Com este conceito Arrighi (1996) designa os diferentes fases das estratégias de acumulação
de poder e de capital que foram levadas a cabo por agentes capitalistas desde o século XV
até o presente. Um grupo de capitalistas em aliança com um estado consegue por um deter-
minado período liderar os processo de acumulação e exercer a hegemonia. Este período é o
que Arrighi (1996) denomina Ciclo Sistêmico de Acumulação.
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
122
Godinho (1971, p. 7) avalia que os fatores que impedem a modernização na Península
Ibérica “remontam [...] geralmente, há séculos não recentes, e a chave dos problemas que nos
debatemos parece estar nessa economia e sociedade agrícola e mercantilizada, nobiliárquico-
-eclesiástica e de abortada burguesia, mas poderosa oligarquia que os descobrimentos gera-
ram.”
123
“[...] Ao fim e ao cabo, apesar de todos os matizes que possamos introduzir, a nova repú-
blica [As Províncias Unidas] se transformou na primeira verdadeira nação capitalista e bur-
guesa, com uma identidade nacional muito mercantil fortemente marcada.” (SMIT, J.W. 1970,
p. 52-53 apud WALLERSTEIN, 1999, p. 295, nota 206).
220
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
124
“A partir da última década do século XV e, mais claramente, no curso do século XVI, as
burguesias, primordialmente organizadas em cidades-estado, - inclusive a veneziana – deixa-
ram de desempenhar o papel de classes capitalistas dominantes na economia mundial euro-
péia. Esse papel passou a ser cada vez mais desempenhado pelas burguesias expatriadas, or-
ganizadas em “nações” cosmopolitas, que se especializavam nas altas finanças e no comércio
de longa distância e deixavam que as organizações territorialistas cuidassem da produção.”
(ARRIGHI, 1996, p. 186).
125
“O desprezo pelo comerciante e por sua profissão estava profundamente enraizado na so-
ciedade portuguesa, como, aliás, em muitas outras. As raízes desse desprezo estavam na hie-
rarquia medieval [...]” (BOXER, 2002, p. 331).
126
“[...] a burguesia mercantil não precisou adotar um modo de agir e pensar absolutamente
novo, ou instituir uma nova escala de valores, sobre os quais firmasse permanentemente seu
predomínio. Procurou antes associar-se às antigas classes dirigentes, assimilar muitos dos
seus princípios, guiar-se pela tradição, mais do que pela razão fria e calculista.” (HOLLANDA,
1986, p. 8).
127
Com a morte do Rei D. Sebastião em 1579, o primeiro na linha de sucessão era seu tio-avô,
o Cardeal D. Henrique, que foi aclamado rei.
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128
Estamos adotanto aqui a conceituação de Wallerstein (1999), baseando-nos sobretudo no
poderio do Estado Português, que não era um estado desprezível na virada do século XV para
o XVI, e também na acumulação de riqueza que, embora não possamos medir, era também
apreciável.
223
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
129
Estes comerciantes, como vinham fazendo desde o século XIII, controlavam o comér-
cio externo de Portugal: “Em 1533, mais de 50.000 peças de tecido saem de Antuérpia com
destino a Portugal e Espanha. Os navios da Zelândia e da Holanda tornaram-se senhores da
ligação Flandres-Espanha a partir de 1530 [...]” (BRAUDEL,1998, p. 134).
130
Esta feitoria existia antes em Bruges, de onde teria sido transferida para Antuérpia. Sobre a
Feitoria de Bruges, diz Azevedo (1988, p. 120) que ela “rematou a transformação da monar-
quia com fundamento na agricultura em potência comercial. O rei, que era o principal senho-
rio agrário, era agora também o principal mercador.” A Casa da Índia funcionava no andar
inferior do palácio real. “Como qualquer mercador da escola antiga, D. Manuel estabeleceu a
residência no local do seu comércio.” (AZEVEDO, 1988, p. 110).
131
“Na década de 1530, os turcos puderam chegar outra vez ao golfo Pérsico, e a partir de então,
declina a participação portuguesa no comércio [com o Levante].” (WALLERSTEIN, 1999, p. 480).
224
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
132
O comércio do Mediterrâneo, principalmente oriental, ressurge a partir de 1540, “em parte
devido à incapacidade portuguesa para controlar o comércio do Oceano Índico em parte a al-
gumas vantagens competitivas venezianas sobre Portugal, e em parte à debilidade portuguesa
na Europa, assim como à crise da Espanha nos Países Baixos.” (WALLERSTEIN, 1999, p. 307),
225
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
133
“Na verdade, os impérios de um tipo ou de outro ainda predominavam na Europa na época
da abdicação de Carlos V, em 1557. Neste momento os estados nacionais começaram a ganhar
relevância. E conseguiram-no por dois motivos afins: primeiro, a comercialização e acumu-
lação de capital em estados maiores como a Inglaterra e a França reduziram as vantagens na
guerra dos pequenos estados mercantis; e segundo, a guerra expandiu-se em custo e em escala
[...]. Os esforços dos estados menores para defenderem-se os transformaram, absorveram ou
combinaram em estados nacionais.” (TILLY, 1996, p. 270/1).
134
“Em essência, os estados nacionais sempre aparecem em concorrência um com o outro, e
adquirem as suas identidades por contraste com estados rivais; pertencem a sistemas de esta-
do” (TILLY, 1996, p. 72). Esta é uma parte da explicação que dá o autor para as características
dos estados. Tais características são também moldadas nas relações que os formadores dos
estados estabelecem com as classes e grupos sociais sobres os quais exercerão seu poder e
dos quais extrairão os meios materiais e financeiros necessários à constituição de exércitos e
burocracias estatais.
226
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
135
A guerra entre os Habsburgo e os Valois (1521-29) desarticulou a economia de Antuérpia,
mas após a paz de Cateau-Cambrésis (1559), apesar de reveses no comércio e nas finanças,
“Antuérpia procurou e encontrou a sua salvação na indústria. Os capitais, como já não en-
contrassem pleno emprego na atividade comercial ou nos empréstimos públicos, voltaram-se
para as oficinas. Verificou-se um progresso extraordinário, em Antuérpia e nos Países Baixos,
da indústria de panos, dos tecidos e das tapeçarias.” (BRAUDEL,1998, p. 137).
227
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136
“Não era só o temor de corsários franceses e visitas ambiciosas de castelhanos, que voltavam
a atenção de portugueses para o Brasil. Também o surto econômico-financeiro, o entusiasmo
por negócios além-oceano, notícias trazidas de metais preciosos nos domínios de Carlos V e
mais fatores oriundos das mesmas causas despertavam interesse para regiões americanas, que
circunstâncias várias tinham impedido de devidamente apreciar.” (PRADO, 2007, p. 112).
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137
Baseado em Vieira (2010).
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Talvez mesmo antes, no Algarve, pois “no começo do século quinze, encorajados pela
Coroa Portuguesa, os genoveses tentaram implementar a produção de açúcar no Algarve.”
(PEREIRA, 1995 apud GALLOWAY , 2005, p. 34).
139
Sobre a relevância da experiência obtida em São Tomé para a agromanufatura do açúcar na
América Portuguesa ver, entre outros, Schwartz (1988).
140
O desenho da cadeia mercantil do açúcar e da distribuição global de seus nódulos encontra-se
em Vieira (2010).
231
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
141
Para uma quantificação da evolução do número de engenhos e do volume produzido ver,
entre outros, Ferlini (2003), Mauro (1997) e SCHWARTZ (1988; 2004).
142
“Vibra, nas normas jurídicas que orientaram a distribuição do solo aos colonos, a velha
lei consolidatória de D. Fernando I (provavelmente) de 1375 [...]” (FAORO, 2008, p. 146).
143
“Um fato que não se pode deixar de tomar em consideração no exame da psicologia
desses povos [ibéricos] é a invencível repulsa que sempre lhes inspirou toda moral fundada
no culto ao trabalho. [...] É compreensível, assim, que jamais se tenha naturalizado entre
gente hispânica a moderna religião do trabalho e o apreço à atividade utilitária. Uma digna
ociosidade sempre pareceu mais excelente, e até mais nobiliante, a um bom português, ou
a um espanhol, do que a luta insana pelo pão de cada dia.” (HOLANDA, 1986[1936], p. 9).
144
Alencastro (2010) faz uma distinção entre homem colonial e homem ultramarino. En-
quanto o primeiro acumula nas colônias para desfrutar em Portugal, o segundo circula e acu-
mula em várias partes do reino, mas fixa-se numa delas, onde investe seus capitais e ascende
socialmente. A América é onde mais se verificou a segunda opção.
232
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
145
Para uma análise da preferência da elite mercantil luso-brasileira pelos bens raízes e pelo modus
vivendi aristocrático nas primeiras décadas do século XIX, ver Fragoso e Florentino (2001).
146
Não deve ser negligenciado o fato de que a produção do açúcar na colônia americana
aumentou significativamente a oferta na Europa, contribuindo para diminuir os preços, au-
mentar a demanda e provocar mudanças importantes nos hábitos alimentares e culturais. Ver
a respeito, Stols (2004).
147
Analisando a contabilidade de alguns engenhos baianos, Schwartz (1988) concluiu que a
maioria dos proprietários eram remediados e não abastados senhores, como afirmou Furtado
(1995).
148
Como qualquer outra relação humana, a relação escravo-senhor é definida ou estruturada
pela proporção de poder que cada uma das partes tem sobre a outra. Neste sentido, a relação
de escravidão se distingue das demais 1) pela extrema desproporção de poder que envolve e
também pelo volume e forma de coerção necessário para criar e manter a relação; 2) pelo caráter
233
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
234
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
quando este foi substituído pelo trabalho livre, a lógica da distribuição desi-
gual não se alterou significativamente, no mínimo no século seguinte ao fim
da escravidão151.
Resta ainda mencionar mais um traço estrutural da economia e da
sociedade coloniais que decorre da produção para a exportação e também
da natureza do Estado e da economia em Portugal. Como vimos, a au-
topreservação do Estado português obrigava-o a conter a acumulação de
capital e as mudanças que o livre desenvolvimento da lógica capitalista
provoca em todos os âmbitos da vida econômica, política e cultural. Nisto,
o estado se aliava à nobreza e ao clero, que compartilhavam esta ojeriza
ao programa burguês. Estas características do Estado português se expres-
savam na colônia através da quase obsessão com a cobrança de impostos,
com a preocupação em controlar e legislar sobre tudo e evitar o floresci-
mento de atividades econômicas autônomas que pudessem se desenvolver
ao lado e mesmo conectadas à economia exportadora e que dariam lugar
ao surgimento das classes médias – comerciantes, artesãos e pequenos in-
dustriais – que provocariam mudanças políticas e sociais. Nunca é demais
lembrar que a ação estatal se dava sobre uma economia escravista exporta-
dora, que dificultava ou mesmo impedia o florescimento de uma economia
de mercado, o que também era obstaculizado pela ação dos capitalistas-co-
merciantes (portugueses ou não) que intermediavam a oferta (do açúcar) e
a demanda (suprimentos e mão de obra) geradas pela agromanufatura do
açúcar na colônia152.
Ainda que esquematicamente, esperamos ter evidenciado que a in-
serção do território americano na cadeia mercantil mundial do açúcar li-
derada por capitalistas-comerciantes europeus, ao ser realizada através do
151
A não realização de uma Reforma Agrária e a existência do Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra sustentam esta afirmação.
152
Celso Furtado (1995, p. 55) menciona os interesses dos exportadores holandeses e por-
tugueses que se beneficiavam “dos fretes excepcionalmente baixos que podiam propiciar os
barcos que seguiam para recolher açúcar” e também “a preocupação política de evitar o sur-
gimento na colônia de qualquer atividade que concorresse com a economia metropolitana.”
235
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
153
O açúcar, o engenho e a escravidão desempenharam papéis cruciais na definição e con-
formação da sociedade brasileira [...] porque os princípios em que se assentou a sociedade
açucareira foram amplamente compartilhados, adaptáveis a novas situações e sancionados
pela Igreja e pelo Estado (SCHWARTZ, 1988, p. 209).
154
Ver a respeito o capítulo 4 de Braudel (1995, p. 265) que escreve: “Não é de estranhar que
tenha havido necessariamente na origem do mercado nacional uma vontade política centra-
lizadora: fiscal, administrativa, militar ou mercantilista.”
155
Até ser superado pelo café na primeira metade do século XIX, o açúcar foi o mais impor-
tante produto de exportação da colônia portuguesa da América.
236
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
156
“By 1500 the Dutch had become leaders in the Baltic trade and were steadily increasing their
share of it.” (DAVIS, 1973, p. 178).
237
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
157
Merece ser sublinhado que no contexto de estados dinásticos que eram Portugal e Espanha,
casamentos entre nobres dos dois reinos eram bastante comuns. Felipe II, rei de Espanha, era
filho de uma rainha portuguesa. Daí que, “a união peninsular, apesar de rejeitada e temida por
muitos, não pode deixar de estar no horizonte das dinastias ibéricas. [...] Só não se adivinhava
quando, nem a beneficio de quem , embora o poder dos Habsburgos se destacasse cada vez
mais.” (RAMOS et al., 2010, p. 256).
158
A parte sul, os Países Baixos, que permaneceu fiel à Espanha, corresponde mais ou menos
à Bélgica atual.
238
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
In the 1590s, at the same time that de Dutch ships first penetrated to the
Mediterranean Sea and Indian Ocean, they also began trading in Equa-
torial West Africa, South America, and the Caribbean. (DE VRIES;
DER WOUDE, 1997, p. 396).
159
“No século XVII, muitas áreas semiperiféricas perderam terreno – Espanha, Portugal,
a antiga espinha dorsal da Europa (desde Flandres passando pela Alemanha ocidental
e meridional, até o norte da Itália), porém outras tantas ganharam, em especial Suécia,
Brandenburgo-Prusia e as colônias “setentrionais” da América do Norte britânica (Nova
Inglaterra e as colônias do Atlântico médio).” (WALLERSTEIN, 1998, p. 248).
160
“[...] o autor do impulso suplementar que colocaria Amsterdam na primeira fila, uma vez
mais foi a Espanha, destruindo o sul dos Países Baixos, onde a guerra se prolongou, retoman-
do Antuérpia, em 18 de agosto de 1585, destruindo, sem querer, a força viva da concorrente
de Amsterdam e fazendo da jovem República o ponto de reunião obrigatório da Europa pro-
testante, deixando-lhe, ainda por cima, um amplo acesso à prata americana.” Para avaliar a
relevância da prata para o sucesso holandês é mister saber que um pouco antes Braudel havia
dito: “com toda a evidência a fortuna da Holanda foi construída a partir do Báltico e da Espa-
nha ao mesmo tempo.” (BRAUDEL, 1998, p. 192).
161
Wallerstein (1998, p. 52), entende por hegemonia a condição em que um estado do centro
tem uma eficiência econômica superior à dos outros estados centrais, condição que faz do
estado hegemônico o maior beneficiário de um mercado mundial inteiramente livre e que
permite que esta superioridade, por um breve período de tempo, seja “simultaneamente [...]
produtiva, comercial e financeira sobre todas as outras potências do centro.” A Holanda teria
desfrutado desta posição “provavelmente entre 1625 e 1675”. (idem) Como sabemos, Arrighi
(1996) usa o termo hegemonia para designar a liderança moral, política, militar e econômica
exercida por um estado sobre o sistema mundial. Para ele a hegemonia holandesa teria vigo-
rado de 1640 a 1780.
239
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
162
A monarquia portuguesa, que detinha o monopólio das especiarias, concedia o direito
de exploração a determinados comerciantes. Em 1591, o concessionário era um consórcio
formado por comerciantes de várias nacionalidades (alemães, italianos e portugueses basea-
dos em Antuérpia), que forneciam para os comerciantes holandeses através de seus agentes
em Amsterdam e Middelburg, embora o porto preferido fosse Hamburgo (DE VRIES; DER
WOUDE, 1997, p. 383).
163
Davis (1973, p. 183) confirma esta análise. Os holandeses chegaram ao Oceano Índico pre-
parados para lutar e bem informados sobre os portugueses, que há muito se sentiam seguros
e por isso operavam com navios praticamente sem defesa. A superioridade militar batava foi
suficiente para excluir portugueses e ingleses das praças mais rentáveis e também para “ater-
rorizar os nativos”, obrigando-os a negociar nos termos propostos.
240
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
164
Analisando o comércio português de especiarias, Lane (1979, p. 19/20) concluiu que a
opção de basear o comércio no uso da força – elevando os custos de proteção dos concorren-
tes - aumentou a renda do estado no curto prazo. Ele calcula que, no longo prazo (50-100
anos), uma política comercial mais pacífica seria mais vantajosa. Daí que a via seguida pelos
portugueses “não oferece um caso claro de sucesso de uso da força para aumentar a prospe-
ridade da nação.”
241
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
165
“O verdadeiro salto adiante de Amsterdam não ocorreu antes de 1590.” (WALLERSTEIN,
1999, p. 305).
242
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
166
Dada a proeminência de Amsterdam, pode-se pensar, como faz Braudel (1998, p. 157), que
estamos diante do derradeiro caso de uma cidade ser centro da economia-mundo capitalista.
A partir daí, só estados nacionais ocupariam este lugar.
243
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
167
Braudel (1998, p. 167) aponta um efeito colateral positivo desta descentralização que con-
trasta com Portugal: “A tolerância acabou por se instalar e se reforçar, ao mesmo tempo que as
liberdades individuais, favorecidas pela fragmentação da autoridade política.” Sobre a relação
da liberdade individual com a acumulação de capital, ver Méchoulan (1992).
168
A Holanda cobria quase 60% dos gastos do governo e Amsterdam a metade da quota ho-
landesa (WALLERSTEIN, 1998, p. 86).
169
Tilly (1996, p. 244) termina sua análise do Tratado de Westfália com a seguinte asserção:
“Portanto, o término da Guerra dos Trinta Anos consolidou o sistema europeu de estados
nacionais.”
244
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
170
Nesta perspectiva, a criação do sistema interestatal parece ter sido decisiva para que
o sistema social chamado capitalismo histórico (WALLERSTEIN) atinjisse o grau de
organização “no qual aqueles que operaram segundo essas regras [acumulação incessante
de capital] produziram um impacto tão grande sobre o conjunto que acabaram criando
condições às quais os outros foram forçados a se adaptar ou cujas consequências passaram
a sofrer. É o sistema social em que o alcance dessas regras (a lei do valor) se ampliou cada
vez mais, em que sua imposição se tornou cada vez mais firme e sua penetração no tecido
social cada vez maior, mesmo quando teve de enfrentar uma oposição social mais enfática e
organizada.” (WALLERSTEIN, 2001, p. 18).
245
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
171
É tão intenso o corso francês que as viagens marítimas portuguesas estiveram a ponto de
serem suspensas em 1552 (GODINHO, 1983).
172
“As guerras tinham de ser incessantes, por constituírem a principal indústria. Além das
presas havia as contas” ou melhor o roubo através das prestações de contas. Os comandantes
adiantavam de seu bolso as somas precisas [necessárias], e depois nos relatórios punham
cento por dez [...]” (AZEVEDO, 1988, p. 163).
246
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
173
“A verdade é que só à época da conquista a Índia pagava seu custo; não porém das rendas nor-
mais de um Estado, mas do eventual, do proveniente das guerras.” (AZEVEDO, 1988, p. 151).
174
“Índia e África, se empobreciam o Estado, enriqueciam a casta nobre, que desfrutavas os
governos, capitanias de fortalezas e armadas, e os proventos inerentes, além do soldo, aos
ofícios.” (AZEVEDO, 1988, p. 152).
175
Em seu esforço para destacar a relevância do tráfico de escravos – e da África - na formação
do Brasil, Alencastro (2000, p. 78) parece esquecer que sem açúcar não haveria o tráfico. Por
isto, o tráfico não é o principal esteio econômico do Império português do Ocidente e sim o
tráfico junto com o açúcar, pois como lucidamente destacava um contemporâneo, “o Brasil
leva todo este Reino atrás de si bem como as rendas reais porque sem o Brasil não há Angola”.
(NARBONA Y ZÚÑIGA, 1950, p. 169, apud MELLO, 2003, p. 29).
176
“A exportação para as colónias do Ultramar de produtos agrícolas metropolitanos conjuga-
-se com a nova prosperidade dos tratos brasileiros e angolanos e com a economia salineira
247
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
(graças à qual se obterá a prata de Sevilha por intermédio das frotas nórdicas) para que a
economia e a sociedade portuguesa recuperem a prosperidade, sob outra forma embora.”
(GODINHO, 1983, p. 219).
177
Em Vieira (2010) expusemos nossa visão das relações mútuas entre estado, ciência e ide-
ologia enquanto causa e consequência do desenvolvimento da economia-mundo capitalista.
Sobre as relações entre a busca de poder e o avanço da tecnologia na história, o livro clássico
é The Pursuit of Power, de William H. McNeill.
248
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
vimos, em Portugal, além de não existir tal conflito, havia, ao contrário, uma
“evolução cultural-ideológica e social” comum entre as classes dominantes
ibéricas (GODINHO, 1983, p. 218).
Se este abortamento de sentimentos nacionalistas pode ser tomado
como uma conjectura, não o foi a imposição das orientações ideológicas (an-
tissemitismo e o anticapitalismo) e dos interesses geopolíticos castelhanos,
que não eram necessariamente os do Estado lusitano, como também parece
ter sido o envolvimento na guerra da Espanha contra as Províncias Unidas,
com quem, se consideramos os Países Baixos como um todo, Portugal man-
tinha relações comerciais há séculos.
Pelo seu alcance temporal (1580-1663) e espacial, praticamente o
mundo todo,178 a guerra entre Espanha e as Províncias Unidas debilitou Por-
tugal política, econômica e militarmente. A guerra comercial foi iniciada em
1585, quando Filipe II determinou o confisco de um grande número de na-
vios holandeses ancorados no porto de Lisboa (PUNTONI, 1999, p. 34) e
continuou em 1591 com a proibição de qualquer navio estrangeiro negociar
em portos do Reino. Não obstante, dados os laços comerciais entre Portu-
gal e os Países Baixos, autoridades e comerciantes lusitanos de tudo fizeram
para evadir as proibições espanholas e continuaram fazendo negócios com
os batavos179. No caso do açúcar, os negócios com os Países Baixos vinham
desde mais ou menos 1460, primeiro em Bruges, depois em Antuérpia e,
após 1585, em Amsterdam180.
178
“De 1580 a 1663, a guerra que opôs os Portugueses e os Espanhóis aos Holandeses foi um
verdadeiro conflito mundial, cujos teatros de operações se alargaram desde os campos da
Flandres e do Mar do Norte até regiões tão afastadas como o estuário do Amazonas, o interior
de Angola, a ilha do Timor e a costa do Chile. Esta guerra era muito moderna, pois os seus desa-
fios eram, antes de mais, econômicos: o cravo-da-índia e a noz-moscada das Molucas, a canela
do Ceilão, a pimenta do Malabar, a prata do México, do Peru e do Japão, o ouro da Guiné, o açú-
car do Brasil e os escravos negros da África Ocidental.” (LABOURDETTE, 2008, p. 379). Entre
as mercadorias em disputa, cabe acrescentar o sal, matéria-prima essencial para indústria da
pesca holandesa e para obtenção de outras mercadorias. Quando deixaram de receber o sal de
Setúbal (Portugal), os comerciantes o foram comprar na Venezuela, domínio espanhol.
179
Para detalhes destes desvios às proibições ver Holanda e Pantaleão (2007), principalmente
p. 183 e seguintes.
180
O açúcar não era, diz Mello (2010, um negócio propriamente holandês, uma vez que era
controlado por judeus sefarditas portugueses que, fugindo da inquisição espanhola, se haviam
249
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
mudado para Antuérpia e daí para Amsterdam quando a primeira cidade foi retomadas pelos
Espanhóis em 1585. Estes comerciantes, chamados também de marranos, se envolveram
desde o início na agromanufatura do açúcar na colônia americana, financiando, produzindo
e comercializando.
181
Mello (2010) afirma que atualmente é dado como certo que a WIC não foi criada por
iniciativa dos judeus sefarditas e sim de um grupo de comerciantes calvinistas que deixou os
Países Baixos Espanhois depois de 1585, entre os quais Willem Ussenlicx, que liderou o pro-
cesso de criação da Companhia. Oposto aos comerciantes baseados em Amsterdam que eram
propensos ao comércio pacífico, principalmente com Portugal, este grupo, diz Mello (2010,
p. 14) “pode ser razoavelmente referido como um partido da guerra.”
250
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
182
De fato, durante a trégua a economia neerlandesa “passou a dominar entre metade e 2/3 da
navegação entre Portugal e o Brasil, de maneira autorizada ou clandestina.” (MELLO, 2003, p. 27).
183
De Vries & Der Woude (1997) destacam que, além da busca de lucro, a WIC tinha também
a missão de combater a Espanha católica, o que, se afastou investidores em Amsterdam, ga-
nhou adeptos em outras províncias.
184
No prosseguimento da pesquisa vamos abordar as consequências desta ocupação para a
região, principalmente para Recife e Olinda.
185
Para detalhes do envolvimento dos holandeses com o tráfico de escravos ver Puntoni (1999).
251
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
186
As perdas de Portugal não corresponderam a ganhos para os holandeses, porque a conquis-
ta e a reação posterior desmantelaram a produção, de modo que em 1654 a produção pernam-
bucana era apenas 10% do total da colônia. Mesmo durante o período de paz (1640-45) esse
percentual não passou de 20%, muito longe dos 60% do final do século XVI (SCHWARTZ,
1988, p. 158).
187
“Embora essas perdas já fossem graves durante as décadas de 1620 e 1630, no decênio
seguinte tornaram-se arrasadoras. Em 1647 e 1648, perderam-se 130 navios baianos, já carre-
gados ou ainda rumando para a capitania.” (SCHWARTZ, 1988, p. 159). “No reino a falência
rondava a maioria das seguradoras” e o Pe. Antonio Vieira chegou a sugerir a suspensão da
navegação, no que não foi acatado por D. João VI (MELLO, 2003, p. 131).
188
McCusker e Menard (2004) argumentam que tem havido uma excessiva ênfase na influên-
cia dos holandeses em prejuízo do papel exercido pelos comerciantes britânicos.
189
“Na década de 1630, aproximadamente 80% do açúcar vendido em Londres provinha do
Brasil [...], em 1670 essa proporção caiu para 40% e, em 1690, para apenas 10%” (SCHWARTZ,
1988, p. 163).
190
Felipe IV, rei de Espanha, se dispôs a reconhecer o domínio das Províncias Unidas sobre “o
Brasil holandês, do Ceará ao São Francisco”, se a França e as Províncias Unidas se abstivessem
de apoiar os regimes rebeldes da Catalunha e de Portugal (MELLO, 2003, p. 35), o que nos
parece um exemplo eloquente da não coincidência dos interesses de Portugal e da Espanha
que mencionamos mais acima.
252
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
191
Para sobreviver, a monarquia portuguesa tentava ganhar a proteção da França e para isso
propôs, em 1647, o casamento de D. Teodósio (filho de D. João IV) com uma Bourbon. A
negativa francesa e o desespero do monarca português o levaram “a adicionar o compromisso
dramático de abdicar da Corôa, retirando-se para a cidade de Angra (Ilha Terceira), onde
ficaria com o domínio dos Açores e do Estado do Maranhão e Grão-Pará. Na menoridade do
príncipe herdeiro, o próprio duque de Orleães, o pai da noiva, seria o regente de Portugal.”
(MELLO, 2003, p. 101).
253
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
192
As agruras do Estado Português eram tão grandes, que, para viabilizar a Companhia, D.
João IV enfrentou o Santo Ofício e recorreu aos comerciantes judeus, cujos bens, mesmo
daqueles condenados pelo Santo Oficio, ele proibiu sequestrar. Acrescente-se que a sugestão
de acudir aos capitalistas judeus foi do Pe. Antonio Vieira (REIS, 2003).
193
Provavelmente Caio Prado está se referindo à pimenta do reino, da qual hoje “o Brasil é
um dos maiores produtores [...], oscilando entre a segunda e terceira posição no mercado
mundial. Das 50 mil toneladas por ano, o País exporta 45 mil, principalmente para a Europa
e para os Estados Unidos.” Disponível em: <http://www.ceplac.gov.br/radar/pimentadoreino.
htm>. Acesso em: 17 maio 2012.
254
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
p. 55). Não temos motivo para duvidar da veracidade deste relato, que é ple-
namente compatível com um dos traços estruturais da economia portugue-
sa, a prática do chamado comércio de trânsito, quer dizer, a intermediação
entre regiões produtoras e consumidoras, e que, se bem possibilitou certa
prosperidade, ao ser constrangido pelas instituições políticas e ideológicas,
cristalizou forças que impediram o florescimento primeiro do capitalismo
comercial e, depois, do industrial e do financeiro. Em outras palavras, não
permitiu o desenvolvimento de uma expressiva produção doméstica, seja na
metrópole, seja na Colônia, e como consequência, ampliou o atraso em re-
lação aos países mais adiantados economicamente. No quadro do conflito
generalizado que foi a Guerra dos Trinta Anos e não dispondo de meios pró-
prios para alcançar nenhum dos três objetivos estratégicos vitais retrocitados,
“para sobreviver como metrópole colonial Portugal deveria ligar seu destino
a uma grande potência, o que significava necessariamente alienar parte de
sua soberania.” (FURTADO, 1995, p. 32) A tutela da Grã-Bretanha, potência
então ascendente, foi formalizada no tratado de 1642, que concedia privilé-
gios comerciais, jurídicos e religiosos aos súditos ingleses e também autori-
zava a nomeação de “comissários para tratar das concessões aos ingleses
no comércio brasileiro, o que representou a primeira batida formal dos
ingleses à porta da América do Sul portuguesa” (MANCHESTER, 1973,
p. 20, grifos nossos).194
Ao encolhimento econômico, político e militar da Metrópole se con-
trapõem as potencialidades da Colônia e a agressividade daqueles que em
África, em Portugal e no Brasil percebiam as mútuas relações entre o tráfico
de escravos e a produção de açúcar e que por isso viam a urgência de recu-
perar Angola195, desde 1641 sob controle dos Holandeses. Tanto para não
194
O mesmo autor ressalta que o acordo não teve consequências práticas relevantes, mas “foi,
na verdade, a base de todos os tratados subsequentes” e seus termos serviram de argumentos
para Oliver Cromwell impor novas exigências em 1654, e para a Monarquia restaurada fazer
o mesmo em 1661 (MANCHESTER, 1973, p. 20, grifos nossos). Celso Furtado (1995, p. 33)
observa que o acordo de 1654 foi imposto na sequência de uma ataque marítimo britânico a
Portugal, precisamente quando este país se encontrava em guerra com Espanha e Holanda.
195
Alecanstro (2000) faz um estudo detalhado dos grupos, motivações e consequências da
recuperação de Angola.
255
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
196
Salvador de Sá foi o grande líder desta empreitada, tanto no processo de convencimento da
urgência da reconquista, iniciado em 1643, quanto na arregimentação dos recursos e ainda na
liderança militar. Alencastro (2000, p. 234), afirma que 70% das despesas da expedição (onze
navios, quatro patachos e cerca de dois mil homens) foram cobertas pelos “negreiros e fa-
zendeiros fluminenses”, o que dá uma medida da relevância por eles atribuída ao controle do
tráfico de escravos. Relevância que se torna mais notável quando se tem mente que no mesmo
momento os holandeses ocupavam o nordeste brasileiro e ameaçavam atacar a Bahia e Rio de
Janeiro. Simultaneamente, para escravizar os nativos, Raposo Tavares se embrenha no inte-
rior, numa expedição de três anos (1648-51) que de São Paulo, atravessa o Centro-Oeste, e se-
guindo pelos rios Mamoré, Madeira e Amazonas, chega à foz deste último. (ALENCASTRO,
2000). Como se vê, fluminenses e paulistas buscam em lugares diferentes a mão de obra que
– como mercadoria e energia – sustenta a colônia nesta conjuntura de escassez de força de
trabalho devida ao domínio holandês sobre Angola.
197
Além de retomar o fluxo de escravos, que revitalizariam a economia açucareira e que tam-
bém seriam trocados pela prata peruana, a retomada de Luanda “desestabilizou o adversário
[os holandeses] em todas as frentes, obrigando-o a recuar em todas as frentes do Atlântico
Sul.” (ALENCASTRO, 2000, p. 231).
198
Essa avaliação se baseava no seguinte balanço das respectivas forças navais: As Províncias
Unidas possuíam 14.000 navios e 200.000 marinheiros, Portugal 13(!) navios e 4.000 mari-
nheiros. Na Ásia, a Cia. das Índias Ocidentais disporia de mais de 100 barcos de guerra, o Es-
tado da Índia, nenhum. No Brasil, a proporção seria de 60 para 7. A superioridade holandesa
em equipamentos e quadros militares era enorme. E no terreno diplomático, Portugal não ti-
nha amigos e as PU não tinham inimigos. Apesar de considerar irreais os números esgrimidos
por Vieira, o historiador pernambucano não nega a desigualdade de forças (MELLO, 2003).
199
Em Recife, as forças luso-brasileiras venceram os holandeses em 1648 e 1649, nos combates
conhecidos como as batalhas de Guararapes, nome do monte onde se deram os confrontos.
256
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
257
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
200
Embora a síntese possa ter ocorrido só no século XVIII, a colonização direta se inicia com
a tomada aos espanhóis de diversas ilhas caribenhas. Barbados foi ocupada pelos ingleses em
1627 e começou a exportar açúcar na década de 1640. Os Franceses ocuparam Guadalupe
(1635) e Martinica (1635), cujas exportações de açúcar atingiram proporções importantes
a partir de 1670. Com o açúcar, instalou-se a escravidão. Os atos de navegação podem ser
considerados os marcos iniciais das politicas mercantilistas. Desenvolveu-se assim “um novo
modelo de exploração colonial, baseado na exportação de manufaturas européias a um ritmo
crescente e seguro” (HOBSBAWM, 1990, p. 29-30). Para o historiador britânico esse novo
colonialismo foi “a maior conquista da crise do século XVII” e substituiu o colonialismo por-
tuguês e espanhol que se guiava por uma lógica econômica medieval, oposta ao capitalismo
(HOBSBAWM, 1990, p. 63).
258
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
Toda a história da Europa nos séculos XVII e XVIII ilustra esta incapa-
cidade de um Estado frágil, dependente ou muito pequeno para con-
duzir uma política de intervenção e de desenvolvimento econômico.
(DEYON, 2004, p. 38).
Referências
259
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
260
A ECONOMIA - MUNDO , PORTUGAL E O “BRASIL” NO LONGO SÉCULO XVI (1450-1650)
261
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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CAPÍTULO 8
Introdução
201
Doutora em História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Profes-
sora da Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho - Marília.
265
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
202
Cf. VIEIRA, R. L. O arquétipo do capitalismo: uma construção. In: Colóquio Brasileiro
em EPSM - Economia Política dos Sistemas-Mundo, 4, Florianópolis: UFSC, 2010. Dispo-
nível em: <http://www.gpepsm.ufsc.br/html/ arquivos/o_arquetipo_do_capitalismo_%20
uma_construcao.pdf>. Acesso em: 02 ago. 2011.
266
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
203
Para detalhamento ver VIEIRA, R. Fernand Braudel: a relação do método historiográfico e
o conhecimento histórico. Assis: 2002. Tese de doutorado.
267
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
268
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
269
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
270
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
204
Professor da Universidade Federal de Santa Catarina, onde coordena o Grupo de Pesquisa
da Economia Política dos Sistemas-Mundo.
271
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
205
“D. João VI e os fidalgos que o acompanhavam estimularam o uso do café e o seu plan-
tio. Taunay, em sua ‘propagação da cultura cafeeira’, relata um episódio interessante sobre a
distribuição de sementes pelo próprio monarca, aos nobres da Corte, insistindo para que as
cultivassem” (SIMONSEN, 1938, p. 20).
206
1929: o crack da Bolsa de Nova York e a crise econômica subsequente atingiram diretamente
a produção e a comercialização do café. Assim, são queimadas ou lançadas ao mar cerca de 40%
da produção brasileira do início da década de 1930. Cf. Martins; Johnston (1992, p. 58).
272
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
273
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
274
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
275
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
276
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
uma maneira autônoma, enquanto capital comercial puro; ele domina dire-
tamente a produção e a submete às suas exigências” (SILVA, 1976, p. 61). Ele
elucida ainda que “a dominação do capital comercial explica-se pela posição
ocupada pelo Brasil no seio da economia mundial” (ibid., p. 62), de cuja divi-
são do trabalho o Brasil participa como fornecedor de produtos primários e
consumidor de manufaturados, o que reitera o pensamento de Caio Prado Jr.
Embora não utilizem a abordagem aqui desenvolvida, as análises desses
autores contribuem indelevelmente para a perspectiva da cadeia mercantil.
Outro autor, referência para pensarmos questões da temática do café
é Antônio Delfim Netto, que no livro O problema do café no Brasil, também
faz algumas indicações da presença do capital internacional nos negócios
cafeeiros:
277
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Nesse sentido torna-se obrigatória a leitura do livro 150 anos de café, de Mar-
tins e Johnston, no qual encontramos a história da empresa Johnston, funda-
da nos anos 30 do século XIX para intermediar o comércio em geral e de café
em particular. Segundo seus autores,
o fato de não ser preciso haver uma conexão nítida entre os mercados
onde as exportações da América Latina eram vendidas e a nacionali-
dade dos comerciantes que lidavam com elas resultou no aparecimen-
to de casas britânicas em toda a América Espanhola e no Brasil, à pro-
cura de oportunidades de negócios. Portanto, o negócio que Edward
Johnston fundou não era de modo algum singular. O desenvolvi-
mento do comércio internacional no século XIX dependia cada vez
mais de uma cadeia de intermediários para transferir a propriedade
de bens do produtor para o consumidor. (MARTINS; JOHNSTON,
1992, p. 151).
278
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
Instrumentos
Processos Etapas Atividades Maquinaria
Insumos
NO BRASIL Desmatamento, plantio, alfanjes (foice), enxadas,
carpa, poda, colheita, cestos de taquara, peneiras,
1ª fase secagem, despolpamento, pilão, monjolo, terreiro,
baixo desenvolvimento descascamento, ventilação, animais para tração, água e
técnico e intensa catação, brunimento e armazéns, sacas
utilização de mão de ensaque
obra
Produção Carpideira de tração
(exigência animal, engenhos de pilões
inicial: grandes 2ª fase hidráulicos, terreiros
extensões de desenvolvimento técnico As atividades se repetem, impermeáveis (material de
terra) em substituição a uma porém com a utilização de construção), ventiladores,
parte da mão de obra máquinas cai a quantidade despolpadores,
de mão de obra descascadores,
máquinas modernas (de
processo contínuo), vapor,
eletricidade
Torradores, moinhos,
NO EXTERIOR Torrefação e moagem
embalagens
279
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
O processo produtivo
207
SOUZA, Francisco Eduardo Pires. A evolução das técnicas produtivas no século XIX: o
engenho de açúcar e a fazenda de café no Brasil. Campinas: 1978. Dissertação de Mestrado
IFCH/UNICAMP.
208
Importante lembrar que o acesso às terras no Brasil é um capítulo particular de análise, cuja
síntese se pode fazer a partir de um único termo: concentração. Para a análise do tema, ver:
Prado Jr. (1994); Costa, (2007).
280
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
209
Não é possível estabelecer uma data precisa para o início do desenvolvimento técnico; o
que se tem são informações de quando alguma inovação já ocorreu e foi documentada. Além
disso, se deve considerar que o processo de inovação técnico ocorre de forma irregular e
espontânea.
210
Principais fontes: ARGOLLO, André. Arquitetura do café. Campinas: Editora da UNICAMP;
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2004. RIBEIRO, Luiz Cláudio. “A in-
venção como ofício: as máquinas de preparo e benefício do café no século XIX”. In: Anais
do Museu Paulista. Universidade de São Paulo, Museu Paulista. v.14, n.1, p.121-165. jan/jun
2006. SOUZA, Francisco Eduardo Pires. Op. cit.
281
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
211
Cf. AQUINO. “Apontamentos sobre a história do café em São Paulo: das origens a 1930,
pp. 69-70. In: ODÁLIA; CALDEIRA (Orgs.). História do Estado de São Paulo: a formação da
unidade paulista. São Paulo: Editora UNESP; Imprensa Oficial: Arquivo Público do Estado,
2010. Volume II, p. 61-82.
212
Cf. WITTER. “Imigrante, um fator de transformação da sociedade brasileira – São Paulo
(1850-1914). In: ODÁLIA; CALDEIRA. Op. cit., p. 120-134.
282
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
213
Renato Marcondes refere-se ao Vale do Paraíba fluminense, mineiro e paulista.
283
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284
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
285
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
214
Início das atividades da primeira ferrovia em solo paulista a São Paulo Railway. Detalha-
mento da malha ferroviária, ver Martins (2008, p. 160-172).
215
Cf. PETRATI-TEIXEIRA (2010, p. 239).
286
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
216
Para descrição detalhada ver Araújo Filho (1969, p. 147-148).
217
Cf. FURTADO, 1997, p. 186-194; Araújo Filho, no livro Santos, o porto do café (1969,
p. 164-166), apresenta detalhes importantes sobre a política de valorização do café.
287
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
1821-30 3.178
1831-40 10.430
1841-50 18.367
1851-60 27.339
1861-70 29.103
1871-80 32.509
1881-90 51.631
218
Cf. Prado Jr. (1994, p. 222 e seguintes); Marcondes; Hanley (2010, p. 103-131); Silva (1976.
p. 29-40).
288
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
289
290
C A D E I A M E R C A N T I L D O C A F É (1 83 0 - 1 92 9 )
FINANCIAMENTOS
EUA
Desmatamento Colheita Lavagem Despolpamento Beneficiamento
Secagem Ensacamento Transporte
plantio, carpa e Descascamento
Separação
poda Catação
Brunimento EUROPA
Distribuidores
LEGENDA Mercadorias para a
Escravos Imigrantes subsistência dos
BRASIL EUA trabalhadores:
Torrefação
milho, feijão, algodão
Moagem
e outros
EUROPA BRASIL Fumo Farinha Aguardente Armas
EUROPA Tecidos
ÁFRICA EUA Mercadorias usadas na troca por escravos Utensílios Consumidores
A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
Considerações finais
291
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Referências
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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A CADEIA MERCANTIL DO CAFÉ PRODUZIDO NO BRASIL ENTRE 1830 E 1929
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
296
CAPÍTULO 9
Introdução
219
Doutor em Sociologia pela Johns Hopkins University. Professor do Departamento de Eco-
nomia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina. Este artigo é
baseado na tese de doutorado do autor, intitulada “The Social Basis of Intellectual Property
Regimes: Biotechnology in South American Soybean agriculture”, a qual foi realizada com
apoio da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e da Comissão
Fulbright (EUA) (FILOMENO, 2012a).
297
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
explicar (ou que são usados como fonte de explicação) têm escopo tem-
poral e espacial diverso daquele dos Estados nacionais (WALLERSTEIN,
1996). Um campo de pesquisa em que este problema é flagrante é o estudo
da mudança institucional, especialmente na tradição do institucionalismo
histórico e crítico, representada por acadêmicos como Barrington Moore Jr.,
Evelyne Huber, Theda Skocpol e Dietrich Rueschemeyer. Seja em pesquisas
que procuram demonstrar as causas da mudança institucional ou em estu-
dos que procuram demonstrar seus efeitos, esta tradição geralmente toma
suas variáveis dependentes e independentes como congruentes com os limi-
tes dos Estados nacionais.
Como exemplo recente do primeiro tipo de estudos, tem-se o volume
editado por Mahoney e Thelen (2010), em que uma teoria da mudança insti-
tucional é apresentada, tendo como suporte empírico estudos de caso que ex-
plicam a transformação de instituições nacionais (o sistema nacional de saúde
do Brasil, o sistema de documentação de propriedade fundiária do Quênia, as
regras do parlamento dos Estados Unidos etc.). Como exemplo do segundo
tipo de estudos, tem-se o volume editado por Chang (2007), em que diferen-
ças em níveis de desenvolvimento econômico nacional são explicadas a partir
de diferenças em instituições nacionais. Nestes dois conjuntos de trabalhos,
as instituições sociais, suas causas e efeitos são, na maior parte das vezes, tra-
tados como atributos de países. Quando a dimensão internacional é conside-
rada, ela aparece apenas na forma de “choque” ou “contexto” externo, o que,
na prática, acaba significando tratar variáveis internacionais como mais um
atributo nacional. Assim é, por exemplo, quando Skocpol (1979) afirma que o
envolvimento de um Estado nacional em guerras aumenta a probabilidade de
ocorrência de uma revolução nacional em seu interior.
Embora esta tradição acadêmica tenha oferecido importantes con-
tribuições para a compreensão da mudança institucional, ela é insuficiente
para tratar situações em que as relações entre as unidades nacionais estuda-
das, e/ou entre elas e o sistema histórico-mundial que as mesmas integram,
explicam a mudança institucional ocorrida (isto é, situações em que as cau-
sas, efeitos e/ou a própria instituição social em estudo são, ao menos em par-
te, transnacionais). Em termos mais amplos, esta perspectiva “circunscreve
298
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
299
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
300
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
301
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
302
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
legal era a Seção 301 do Trade Act, de 1974, que autoriza o presidente dos EUA
a retaliar contra práticas de governos estrangeiros que ameacem o comér-
cio internacional norte-americano. Conjuntamente, estas duas estratégias
diminuíram a capacidade dos governos dos países em desenvolvimento de
formar uma coalizão contra a Quad e os colocaram como concorrentes no
acesso ao mercado de consumo norte-americano (especialmente aqueles
que necessitavam de receitas de exportação para solucionar problemas de
endividamento externo).
Por sua posição contrária à inclusão da PI nas negociações do GATT,
a Argentina foi objeto de coerção dos EUA, aparecendo na “lista negra” da
Seção 301 de 1989 a 1995 e sendo processada por esta razão em três casos
durante o período (RODRÍGUEZ, 2003, p. 511–512). Em 1995, o gover-
no argentino, sob a administração de Carlos Menem, finalmente assinou o
adendo ao tratado de criação da Organização Mundial do Comércio relativo
à PI – o Acordo sobre Aspectos da Propriedade Intelectual Relativos ao Co-
mércio (TRIPS, na sigla em inglês). As concessões feitas pelo país foram uma
resposta à coerção dos EUA e usadas como moeda de troca em demandas
por vantagens em outras áreas, como o acesso a mercados internacionais
para exportações agrícolas argentinas (RODRÍGUEZ, 2003, p. 510, 514). Em
seguimento à assinatura do tratado, o parlamento argentino aprovou uma
nova lei de patentes em 1995 (Ley de Patentes de Invención y Modelos de
Utilidad), mas que ficou aquém das expectativas dos EUA e de obrigações
estabelecidas no TRIPS (FELIX, 2009, p. 581). Por isso, a pressão dos EUA
continuou (incluindo uma disputa na Organização Mundial do Comércio)
(EDELMAN, 1999, p. 2), até que, em dezembro de 2003, o parlamento ar-
gentino aprovou uma nova lei que adaptava a legislação patenteária do país
às exigências do governo norte-americano e do TRIPS (FELIX, 2009, p. 582).
O Brasil, que ao longo dos anos 1980 tinha se alinhado consistente-
mente a outros países em desenvolvimento com o objetivo de excluir a PI
das negociações do GATT, também sofreu pressão do governo dos EUA na
forma de sanções comerciais e, mais sutilmente, de assistência técnica legal
na área de PI (HERMANN, 2004). Após a eleição de Fernando Collor de
303
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
304
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
305
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
306
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
ser assinada. Para evitar adesão à ata mais restritiva de 1991, o Congresso
Nacional argentino ratificou em setembro de 1994 a ata de 1978. Do ponto
de vista do TRIPS, o regime baseado na lei de sementes argentina é adequa-
do, pois constitui um sistema sui generis de proteção.
No Brasil, a ratificação do TRIPS estimulou a criação de legislação es-
pecífica para a PI em variedades vegetais inspirada pela ata da UPOV de 1978.
Em face de pressão dos EUA na forma de sanções comerciais, foi aprovada,
em 1997, a Lei de Proteção de Cultivares (VELHO, 1995, p. 9–10), garantin-
do no Brasil, pela primeira vez, a proteção da PI em variedades vegetais na
forma de direitos do obtentor. Para evitar a adesão à ata de 1991, em 1999 o
parlamento brasileiro ratificou a ata da UPOV de 1978. Ainda assim, a Lei
de Proteção de Cultivares incorporou conceitos da ata de 1991, como o ins-
tituto da variedade essencialmente derivada. Segundo Araújo (2010, p. 57),
a aprovação da lei também foi motivada pela necessidade de harmonizar a
legislação brasileira à dos parceiros do Mercosul, pois já em 1997 todos os
membros do bloco, à exceção do Brasil, eram signatários de alguma ata da
UPOV e o crescente comércio agrícola intrabloco estimulava a harmoniza-
ção das normas. Da perspectiva do TRIPS, a Lei de Proteção de Cultivares
constitui um sistema sui generis de proteção da PI em variedades vegetais.
No caso de cultivos transgênicos, a Lei de Propriedade Industrial (garantin-
do patentes sobre o processo biotecnológico de inserção de genes em varie-
dades convencionais) e a Lei de Proteção de Cultivares (garantindo direitos
do obtentor sobre as variedades vegetais em que os genes são inseridos) têm
sido utilizadas combinadamente pela Monsanto e outras empresas para jus-
tificar seus direitos e práticas de controle de PI.
No Paraguai, uma lei instituindo direitos do obtentor foi aprovada
pelo parlamento em 1994 (Ley de Semillas y Protección de Cultivares). Ela
foi o resultado do trabalho de uma comissão formada em 1991 pelo Minis-
tério de Agricultura e Pecuária, que contou com a colaboração de Carmen
Gianni, coordenadora de PI do Instituto Nacional de Sementes da Argenti-
na (INASE) (SENAVE 2009, p. 50; entrevista com Asociación de Producto-
res de Semillas do Paraguay – APROSEMP, Assunção, Março de 2011). Na
307
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
308
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
309
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
310
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
Fonte: cálculo do autor baseado em dados da Organização das Nações Unidas para Agricul-
tura e Alimentação
220
Este aumento também é explicado por fatores outros que a adoção de soja RR, como a
expansão da fronteira agrícola e novos métodos de produção.
311
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Em 2001, a Monsanto, que desde 1995 vinha tentando obter uma pa-
tente sobre a soja RR na Argentina, foi finalmente derrotada na corte su-
prema do país. Desde então, há um conflito intermitente entre a empresa,
de um lado, e o Estado argentino e sojicultores do outro. Em retaliação à
derrota judicial, em 2004 a Monsanto suspendeu suas atividades de pesquisa
e comercialização de soja na Argentina. A medida foi seguida de ameaças,
da parte da transnacional, de iniciar ações judiciais contra produtores e ex-
portadores de soja da Argentina em países de destino em que a Monsanto
tivesse patentes sobre a soja RR. As ameaças se intensificaram no primeiro
semestre de 2005, estimulando o secretário de agricultura da Argentina –
312
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
221
O documento, obtido em pesquisa de campo em Asunção em Março de 2011, é intitulado
Acuerdo marco sobre incorporación de biotecnología agrícola e é assinado por APROSEMP,
APS, CAP, CAPECO e FECOPROD.
313
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
222
Carta endereçada a Enrique Grazzini e Alberto Barbero (executivos da Monsanto), assina-
da por APROSEMP, APS, CAP, CAPECO, FECOPROD e Central Nacional de Cooperativas
– UNICOOP.
314
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
315
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
316
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
ataca lavouras na América do Sul e causa perdas anuais de US$ 300 milhões
no Brasil, valor que pode chegar a US$ 1 bilhão se perdas de produtividade
forem incluídas (FOLHA ON LINE, 05/09/2007). Na nova variedade, ge-
nes de uma bactéria que produz substâncias com propriedades inseticidas
(Bacillus thuringienssis – Bt) são adicionados à sequência genética da soja
RR, razão pela qual a nova variedade se chama soja RRBt. De acordo com
a Monsanto, esta tecnologia aumentará a produtividade das lavouras de 7 a
11% (CORREIO DO POVO, 27/08/2008). Se estas estimativas forem preci-
sas, produtores rurais que não adotarem sementes RRBt tornar-se-ão menos
competitivos no mercado mundial de soja.
Esta possibilidade tem sido usada pela Monsanto para obter conces-
sões do Estado e sojicultores argentinos nos conflitos sobre PI. Em 2007,
Alfonso Alba – presidente da Monsanto do Brasil – afirmou que a empresa
decidiu investir na pesquisa da nova variedade no Brasil porque o país de-
monstrou respeito à PI e que, pela razão oposta, a nova tecnologia não será
liberada na Argentina (FOLHA ON LINE, 05/09/2007). Num comunicado à
imprensa, de 9 de Abril de 2010, a companhia afirmou que
317
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
318
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
que, sendo este um dos principais mercados para sementes de soja, nenhu-
ma companhia abster-se-ia de oferecê-las no país por causa de uma suposta
ineficácia do regime argentino de PI sobre variedades vegetais (entrevista,
Agosto de 2010).
Por outro lado, a Confederación Intercooperativa Agropecuaria
(CONINAGRO) – uma das principais organizações do setor rural argen-
tino, representando produtores médios organizados em cooperativas – foi
mais clara na adoção de uma postura mais flexível em relação ao direito de
reservar sementes para uso próprio: “o direito de reservar sementes com pra-
ticamente nenhuma restrição além do produtor ter comprado legalmente a
semente original terá de ser eventualmente reconsiderado” (CONINAGRO,
2010, p. 28, tradução livre). De acordo com a entidade, em 2009, negociações
entre a ASA e as principais organizações de produtores rurais resultaram
num consenso de que
319
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
Conclusão
320
A MUDANÇA INSTITUCIONAL EM PERSPECTIVA HISTÓRICO - MUNDIAL
321
O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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O BRASIL E O CAPITALISMO HISTÓRICO
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