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QUADRO: Primeira Missa do Brasil

https://artsandculture.google.com/asset/primeira-missa-no-brasil-v%C3%ADto
r-meireles/IQFUWbm_Wu1XaA?hl=pt-BR)

O Brasil é um país visualizado mundialmente como uma nação com beleza


esplêndida, de várias culturas e etnias – como a dos povos indígenas e quilombolas
- e um povo que não tem uma ‘cara’ específica, como os europeus são vistos, que
são geralmente de traços finos. Tais características são retratadas como qualidades,
como belos enfeites que decoram uma sala ampla repleta de riquezas, onde o ouro
reluz e os tecidos macios e costurados contam uma história linda e sem manchas. O
que se esquece de olhar nesse espaço, são os cantos e os tapetes que escondem
por trás de tudo, uma realidade muito oposta do que se é contada nos quadros,
contos, canções, hinos e qualquer outro acervo que conta sobre o que é o Brasil,
principalmente o colonial.

A maioria da dos patrimônios que foram usados para entender o processo de


formação do país, foram produzidos em grande maioria com uma visão idealizada e
eurocêntrica, com visões de mundo que não buscavam entender que se existia uma
cultura já em solo, querendo apenas expandir sua colonização e levar a novos
povos a civilização que tanto acreditavam. Foi justamente o que aconteceu na
Carta de Pero Vaz de Caminha, principal inspiração para o quadro ”A Primeira
missa do Brasil”, em que ao chegar no território do “Novo Mundo” – como as terras
brasileiras foram chamadas a princípio – se admirou por toda a beleza do lugar,
assim como demonstrou fascínio com a interação que teve com os nativos.

“Outra trazia ambos os joelhos com as curvas assim tintas, e também


os colos dos pés; e suas vergonhas tão nuas, e com tanta inocência
assim descobertas, que não havia nisso desvergonha nenhuma."

"Mostraram-lhes um papagaio pardo que o Capitão traz consigo;


tomaram-no logo na mão e acenaram para a terra, como se os
houvesse ali.
(Trechos retirados da Carta de Pero Vaz de Caminha”)

Além disso, o quadro de Vitor Meireles, chamado de a ” Primeira Missa do


Brasil”, historicamente ocorrida no dia 26 de abril de 1500, confirma, visualmente
essa representação equivocada das tribos, que foram apresentadas com
características romantizadas, que lhes excluíram toda a identidade verídica do que
eles realmente eram: povos guerreiros, com costumes e tradições fortes, que
lutavam pela sobrevivência com instinto e uma cultura muito própria. O quadro, que
é uma arte de óleo sobre tela, possui um jogo de luz e uma centralidade de
elementos muito marcada, sendo facilmente percebida ao passar os olhos pela cruz
apoiada em um baú e também, pelo padre erguendo um cálice em direção a uma
cruz maior. Essa simples questão, nos faz entender de forma clara, quais
personagens são os valorizados e quais são as vítimas dessa história de guerra, de
genocídio e de exploração ferrenha.

É tudo apresentado como uma cerimônia religiosa que abria e abençoava as


novas terras para a colonização que chegava, como uma bênção e um novo
caminho de salvação. Ademais, para contribuir com essa ideia, colocou-se os
indígenas amontoados e em posições que expressavam a curiosidade e o fascínio
com o que ocorria, demonstrando uma conversão passiva e interessada. Entretanto,
basta analisar um pouco mais a história para se concluir que essa não é a história
real. E ao contrário do que se conta, não foi um encontro de cultura, e sim um
encontro de extermínio, tanto dos costumes que haviam sido enraizados pelos
séculos de convívio daquelas populações, quanto das próprias vidas de homens,
mulheres, crianças e idosos, que perderam seus livre arbítrios e também foram
acometidos de diversas doenças que os europeus trouxeram para essa “Terra
Santa”, como eles mesmo chamaram.

Segundo pesquisa feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai) mais de


70% da população nativa ao entrar em contato com os estrangeiros morreram de
doenças e também de resistências contra a colonização ferrenha que começava ali,
além de uma forte imigração aqueles que tentavam ao máximo evitar contato com
os diferentes. Há registros históricos de batalhas nas matas do Brasil, que de um
lado se tinha todo o conhecimento da região por parte dos nativos e do outro a
expertise em conflitos por parte dos europeus. Quem olhar para essa história e não
enxergar todo o sangue que foi usado para construir a nação, é concordar com
todos os séculos de dominância que exterminaram culturas e populações com
violências físicas e simbólicas.

Em suma, é necessário se colocar uma lente sobre como consumimos as


produções artísticas que tentam contar a história dos povos antigos. Apesar de toda
a importância para o acervo, mundial e nacional, é imprescindível olhar para uma
pintura como essa e entender que tudo se trata de uma visão eurocêntrica. É
necessário se virar para o outro lado da moeda e conhecer a visão índigena,
necessário levantar o tapete e abrir a janela para lembrar sempre de todo o sangue
que marca a nossa história, seja ela passada ou não.

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