Você está na página 1de 5

EDIÇÃO 04 -FEVEREIRO 2022

26
ARTIGO
Construção de viveiros para
piscicultura comercial - Parte I:
Demanda hídrica de um projeto
Prof. Dr. Carlos Eduardo Zacarkim
Programa de Pós-graduação em Aquicultura e Desenvolvimento Sustentável
Coordenador do Curso de Engenharia de Aquicultura
Universidade Federal do Paraná – UFPR/Setor Palotina
zacarkim@ufpr.br

V
amos do princípio. Da mesma forma que na avi- Para o comércio de um lote qualquer de peixes com
cultura um galinheiro em nada se parece com uniformidade de tamanho, peso e sanidade, variando
um aviário, desconsiderando-se o fato de am- entre 800g a 900g, em valores comerciais de hoje, o
bos possuírem galinhas, a mesma equivalência pode ser entreposto de pescado pagará de R$4,10 a R$4,60 kg/
feita quando tratamos da piscicultura comercial inten- peixe, dependendo do frigorífico e a distância ao en-
siva. Açudes, poças d’água ou tanques construídos de treposto. Para o mesmo lote, caso este estivesse fora
qualquer forma, não são unidades de cultivo (viveiros) de um padrão aceitável demandado pelos abatedouros,
de piscicultura comercial excetuando-se, claro, a água com peixes variando entre 500g a 1kg, por exemplo, o
e os peixes. Neste sentido, viveiros destinados ao cul- lote seria avaliado facilmente entre os R$3,00 a R$3,60
tivo intensivo de peixes devem atender as demandas kg/peixe, acarretando significativo prejuízo ao produtor.
específicas relativas ao tamanho, controle, prevenção Parece bastante óbvio que a falta de uniformidade de
de doenças, manejo e padronização necessários a ob- um lote de peixes pode ter muitas origens, como alev-
tenção da uniformidade dos lotes de peixes deman- inos defeituosos, linhagens ruins, peixes mal revertidos,
dados pelas unidades de processamento de pescado incidência de doenças, falta de assistência técnica entre
(frigoríficos de pescado). outros, mas excluídas situações adversas, de maneira

EDIÇÃO 02 - FEVEREIRO 2022


Na piscicultura comercial intensiva (industrial), assim geral a produção irá depender predominantemente do
como na avicultura, os peixes devem ter uniformidade manejo adotado ao longo do cultivo.
de peso, tamanho, sanidade e tempo de cultivo, inde- Neste sentido, o presente trabalho irá abordar al-
pendente da variedade do peixe ou espécie cultivada, guns aspectos considerados relevantes a respeito da
que pode mudar de acordo com cada região. A ausên- construção de viveiros para piscicultura comercial in-
cia de tais critérios, não apenas irá prejudicar o plane- tensiva, no tocante ao facilitar o manejo da produção,
jamento na unidade de processamento, mas predom- reduzir custos de produção e na construção de em-
inantemente, implicará em prejuízo ao produtor, uma preendimentos para aperfeiçoar os ganhos e processos
vez que peixes fora de padronização irão render entre adotados. Entre os aspectos considerados relevantes,
20 a 50% a menos na venda do pescado ao frigorífico. estão a demanwda hídrica de projetos e os aspectos
Um exemplo disso é a relação comercial entre frig- construtivos de viveiros comerciais, tais como layout,
oríficos de pescado e produtores na região oeste do es- tamanho, forma, solo e os dispositivos de controle de
tado do Paraná, no cultivo e comercialização de tilápias. vazão, manejo e despesca.

ARTIGO 27
Demanda hídrica de um projeto na demanda por água no projeto, como também nos
processos relacionados a construção propriamente
A demanda hídrica de um empreendimento aquícola dita, como movimentação de terra, empolamento,
será dada pela quantidade de água necessária para o compactação, inclinação dos taludes, etc.
funcionamento pleno da unidade produtiva, indepen- Desta forma, especificamente para demanda hídrica,
dente do porte ou finalidade. Parece evidente que para um dos aspectos mais relevantes será a permeabilidade
um projeto de piscicultura comercial se necessita de de água no solo, caracterizada pela propriedade que
água, mas o que se observa em muitos casos, são pro- o solo apresenta de permitir o escoamento da água
jetos mal executados, onde este aspecto elementar e através dele, avaliado pelo coeficiente de permeabili-
fundamental é desconsiderado na fase de planejamento dade (kp) e seu gradiente hidráulico, conforme a Lei de
do empreendimento. Darcy (1856).
Em piscicultura comercial não obstante as perdas
de água por infiltração e evaporação da água, devem
ser considerados a renovação de água diária no siste-
ma, além de uma possível demanda pontual por con- Coeficiente de Permeabilidade
ta do manejo adotado ao longo do cultivo, como por Quanto maior a granulometria do solo, maior tam-
exemplo, redistribuição dos peixes nos viveiros para bém será o índice de vazios, ou seja, espaços vazios
padronizar os lotes (repiques), operações de despesca, entre partículas e, consequentemente, maior a possibi-
controle de algas etc. lidade de a água transitar por estes espaços acarretando
no aumento do fluxo de água deste solo, caracterizado
pelo coeficiente de permeabilidade ou percolação (kp),
conforme expresso na Figura 1.
Desta forma, a permeabilidade será caracterizada
Parece evidente que para um pro-
pela quantidade máxima de água que pode infiltrar no
jeto de piscicultura comercial se
solo, em um dado intervalo de tempo, sendo expressa
necessita de água, mas o que se geralmente em mm/s ou cm/s, também nominada de
observa em muitos casos, são pro- Veloci- dade de Básica de Infiltração (VIB), dependendo
jetos mal executados, onde este do método avaliado.
aspecto elementar e fundamental é Esta permeabilidade poderá ser avaliada pelo profis-
desconsiderado na fase de planeja- sional por vários métodos, adotados conforme a dis-
mento do empreendimento. ponibilidade e acesso a cada um deles. Entre os mét-
odos mais adotados estão o da granulometria do solo
(Fórmu- la de Hazen), do permeâmetro (Lei de Darcy)
ou no próprio campo, por técnicas mais simples do
EDIÇÃO 04 -FEVEREIRO 2022

Neste aspecto, o primeiro ponto a ser avaliado pelo tubo aberto e trincheira permeável.
profissional é o tipo de solo da região onde será con-
struído o empreendimento aquícola. Por definição,
solos são conjunto de partículas sólidas (minerais e
orgânicas) e de espaços ou poros ocupados pelo ar e
pela água, onde a combinação de suas partículas e da
proporção em que estas se encontram no material irá
Figura 1: Coeficiente de permeabilidade (kp), de acordo com a
dar ao profissional a classificação do solo existente no granulometria do solo. Fonte: Caputo, 2015.
local, bem como lhe fornecer informações importantes
a respeito da permeabilidade de água, granulometria,
índice de vazios, compactação, estabilidade, plastici-
dade entre outros fatores caracterizados na mecânica
dos solos. Tais informações, influenciarão não somente

28 ARTIGO
Evapotranspiração Caso o corpo hídrico não atenda esta demanda,
o engenheiro responsável deverá ou reduzir o porte
Outro aspecto pertinente e que deve ser levado do empreendimento ou entrar com medidas palia-
em conta no planejamento da demanda hídrica de um tivas para reduzir a perda de agua por infiltração ou
pro- jeto é a evaporação de água diária ou evapotrans- reposição de água, alterando também o manejo adota-
piração, dada na forma de (mm/dia), que irá variar de do. A Tabela 1 sintetiza alguns cálculos considerando as
acordo com os meses do ano, temperatura, umidade perdas de água por infiltração e evaporação, expressas
do ar ou ação dos ventos, sendo obtidas em estações em m3/h por hectare de lâmina d’água.
meteorológicas ou institutos de meteorologia de cada
estado (Figura 2). Desta forma, para uma área de 1 hectare de
Desta forma, o profissional poderá facilmente avaliar lâmina dágua (10.000m2), teremos a demanda
parte da demanda hídrica de um projeto, consideran- hídrica de 72,83m3/h ou 20,52 litros por segundo,
do as perdas de água por evaporação e infiltração por con- siderando apenas perdas de água por infil-
unidade de área, normatizando as unidades (deixan- tração e evaporação.
do-as iguais), e multiplicando pela área produtiva con- Se considerarmos a reposição de água no ex-
forme exemplo abaixo: emplo acima em torno de 3% ao dia, para viveiros
que possuem em média 2 metros de profundi-
dade, teremos ainda, o acréscimo de 25m3/h ou
6,94 litros por segundo.
Neste caso, a piscicultura demandaria de no
mínimo 97,83m3/h ou 27,46 litros por segundo
para manutenção de suas atividades.
Em resumo, o corpo hídrico onde será real-
izada a captação de água para o empreendimento
deverá ter vazão mínima de 146,74 m3/h que pos-
sibilite a construção desta piscicultura, desconsid-
erando-se o fato da captação de água estar limitada
Figura 2: Evapotranspiração no Estado do Paraná, em dezembro de pelo uso já outorgado a outros produtores.
2016. Fonte: IAPar, 2017.

EDIÇÃO 02 - FEVEREIRO 2022


Exemplo prático
Suponhamos que um produtor deseja construir uma
unidade produtiva de pescado no oeste do estado do
Paraná, com 1 hectare de lâmina d’água, onde o solo
foi caracterizado como franco-argilo arenoso no teste
de granulometria, ou seja, possui níveis intermediários
de areia, silte e argila e a permeabilidade do solo foi
avaliada pelo teste do permeâmetro em 0,0002cm/s
(0,002mm/s ou 7,2mm/h). Além disso, na avaliação
da evaporação da região para mês de dezembro
(maior incidência de solar), foi estimada em 4,5mm/dia
(0,083mm/h), expresso na Figura 2.

ARTIGO 29
Percolação Evaporação (mm/dia)
cm/h mm/h 1,5 2 4 6 8 10
0,05 0,5 5,625 5,833 6,667 7,500 8,333 9,167
0,10 1,0 10,625 10,833 11,667 12,500 13,333 14,167
0,15 1,5 15,625 15,833 16,667 17,500 18,333 19,167
0,20 2 20,625 20,833 21,667 22,500 23,333 24,167
0,25 2,5 25,625 25,833 26,667 27,500 28,333 29,167
0,30 3,0 30,625 30,833 31,667 32,500 33,333 34,167
0,35 3,5 35,625 35,833 36,667 37,500 38,333 39,167
0,40 4,0 40,625 40,833 41,667 42,500 43,333 44,167
0,45 4,5 45,625 45,833 46,667 47,500 48,333 49,167
0,50 5,0 50,625 50,833 51,667 52,500 53,333 54,167
0,60 6,0 60,625 60,833 61,667 62,500 63,333 64,167
0,70 7,0 70,625 70,833 71,667 72,500 73,333 74,167
0,80 8,0 80,625 80,833 81,667 82,500 83,333 84,167
0,90 9,0 90,625 90,833 91,667 92,500 93,333 94,167
1,00 10,0 100,625 100,833 101,667 102,500 103,333 104,167
1,20 12,0 120,625 120,833 121,667 122,500 123,333 124,167
1,40 14,0 140,625 140,833 141,667 142,500 143,333 144,167
1,60 16,0 160,625 160,833 161,667 162,500 163,333 164,167
1,80 18,0 180,625 180,833 181,667 182,500 183,333 184,167
2,00 20,0 200,625 200,833 201,667 202,500 203,333 204,167

Tabela 1: Demanda hídrica de água considerando perdas por infiltração e evaporação de água por hectare de lâmina d’água (m3/h).
EDIÇÃO 04 -FEVEREIRO 2022

Nos próximos artigos da série, o autor abordará as Assuntos dos próximos artigos:
etapas seguintes do processo de con- strução de
viveiros para o cultivo comercial de peixes, com de- Escolha do local;
staque para a piscicultura de água doce. O conjunto Tamanho e formato;
de artigos sintetizará, nas páginas da Aquaculture Brasil, Profundidade;
as experiências adquiridas pela região Oeste do Estado Demarcação;
do Paraná, um dos principais polos da piscicultura em Movimentação de terra e construção;
viveiros escavados no País. Dispositivos hidráulicos;
Despesca.

Continue acompanhando a Revista Aquaculture


Brasil e não perca esta série inédita de artigos na
área de construção de viveiros para piscicultura.

30 ARTIGO

Você também pode gostar