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vol 16 • nº 1 • Jan/Fev/Mar • 2015

Revista SUMÁRIO

DOR
Pesquisa, Clínica e Terapêutica
Revista da
Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor
ARTIGOS ORIGINAIS
Volume 16 – nº 1 Clinical evaluation of different epinephrine concentrations for local dental anesthesia __1
Janeiro a Março 2015 Avaliação clínica da epinefrina em diferentes concentrações para anestesia local odontológica
Cristina Saragiotto Caldas, Cristiane de Cássia Bergamaschi, Guilherme de Menezes Succi,
Publicação Trimestral
Rogério Heládio Lopes Motta, Juliana Cama Ramacciato

DIRETORIA SBED
Stability of physical therapy effects on temporomandibular disorder ________________6
Gestão 2015 Estabilidade dos efeitos da fisioterapia na disfunção temporomandibular
Muriel Priebe, Ana Gabrieli Ferreira Antunes, Eliane Castilhos Rodrigues Corrêa
Presidente
Durval Campos Kraychete
Influence of temporomandibular disorder presence and severity on oral health-related
Vice-Presidente quality of life____________________________________________________________10
Irimar de Paula Posso Influência da presença e gravidade da disfunção temporomandibular na qualidade de vida relacionada
Diretor Científico com a saúde oral
Silvia Regina Dowgan Tesseroli de Siqueira George Azevedo Lemos, Marcília Ribeiro Paulino, Franklin Delano Soares Forte, Rejane
Diretor Administrativo Targino Soares Beltrão, André Ulisses Dantas Batista
Marcia Carla Morete Pinto
Tesoureiro
Prevalence of pain at the head, face and neck and its association with quality of life in
Bárbara Maria Müller
general population of Piracicaba city, Sao Paulo: an epidemiological study __________15
Secretária Prevalência de dor no segmento cefálico e sua associação com qualidade de vida na população geral do
Mirlane Guimarães de Melo Cardoso município de Piracicaba, São Paulo: um estudo epidemiológico
Marília Araújo Ruivo, Marcelo Corrêa Alves, Maria da Graça Rodrigues Bérzin, Fausto Bérzin
Sociedade Brasileira
para o Estudo da Dor Pressure pain threshold and pain perception in temporomandibular disorder patients: is
Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 there any correlation? _____________________________________________________22
Cj. 2 – Vila Mariana Limiar de dor à pressão e percepção da dor em pacientes com disfunção temporomandibular: existe
04014-012 São Paulo, SP alguma correlação?
Fone/Fax: (55) 11 5904-2881/3959 Juliana Stuginski-Barbosa, Rafael Santos Silva, Carolina Ortigosa Cunha, Leonardo Rigoldi
www.dor.org.br Bonjardim, Ana Cláudia de Castro Ferreira Conti, Paulo César Rodrigues Conti
E-mail: dor@dor.org.br
Study of the effectiveness of interferential current as compared to transcutaneous
As citações da Revista Dor, electrical nerve stimulation in reducing chronic low back pain ____________________27
Pesquisa, Clínica e Terapêutica Estudo da eficácia da corrente interferencial em comparação à estimulação elétrica transcutânea na
devem ser abreviadas para Rev Dor
redução da dor lombar crônica
Marcelo Baptista Dohnert, Jordana Peres Bauer, Tiago Sebastiá Pavão
A Rev Dor não assume
qualquer responsabilidade
pelas opiniões emitidas nos artigos. Psychosocial and quality of life impact on patients with failed back surgery syndrome 32
Impacto psicossocial e na qualidade de vida de pacientes com síndrome dolorosa após laminectomia
Gabriel de Azambuja Beigin, Marielza Regina Ismael Martins, Alexandre Venâncio de Souza,
Os anúncios publicados nesta edição
não geram conflitos de interesse. José Eduardo Nogueira Forni

Transcranial direct current stimulation in fibromyalgia: effects on pain and quality of life
evaluated clinically and by brain perfusion scintigraphy _________________________37
Indexada na SciELO Indexada na LILACS Indexada na Latindex Estimulação elétrica transcraniana por corrente contínua em fibromialgia: efeitos sobre a dor e a
qualidade de vida, avaliados clinicamente e por cintilografia de perfusão cerebral
Publicação editada e produzida pela Levi Higino Jales Junior, Maria do Desterro Leiros Costa, Levi Higino Jales Neto, João Paulo
MWS Design – Fone: (11) 3399-3028 Moraes Ribeiro, Waleska Jessiane Silva do Nascimento Freitas, Manoel Jacobsen Teixeira

Jornalista responsável
Perception of muscle-skeletal pain and hypertension ____________________________43
Marcelo Sassine - Mtb 22.869
Percepção de dor musculoesquelética e hipertensão arterial
Diretora de arte Sandra Aires Ferreira, Eduardo Kokubun, Sebastião Gobbi, Rômulo Araújo Fernandes, Marcos
Anete Salviano Roberto Queiroga
EDITOR CIENTÍFICO
João Batista Santos Garcia Sexuality and chronic pain in long-lived females: description of interferential factors __48
Universidade Federal do Maranhão, São Luiz, MA – Brasil. Sexualidade e dor crônica em idosas longevas: descrição de fatores interferenciais
EDITORA EXECUTIVA Alana Meneses Santos, Fânia Cristina dos Santos, Maysa Seabra Cendoroglo
Judymara Lauzi Gozzani
São Paulo, SP – Brasil.
ARTIGOS DE REVISÃO
CONSELHO EDITORIAL
Adrianna Loduca
Acupuncture therapeutic protocols for the management of temporomandibular
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, disorders _______________________________________________________________53
São Paulo, SP – Brasil.
Andréa Golfarb Portnoi
Protocolos de acupuntura para o tratamento da disfunção temporomandibular
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. André Luís Porporatti, Yuri Martins Costa, Juliana Stuginski-Barbosa, Leonardo Rigoldi
Ângela Maria Sousa
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Bonjardim, Paulo César Rodrigues Conti
Cibele Andrucioli de Mattos Pimenta
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Cinara Maria Camparis Revisiting methadone: pharmacokinetics, pharmacodynamics and clinical indication __60
Universidade Estadual Paulista. Araraquara, SP – Brasil. Revisitando a metadona: farmacocinética, farmacodinâmica e uso clínico
Dirce Maria Navas Perissinotti
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. José Osvaldo Barbosa Neto, Marília Arrais Garcia, João Batista Santos Garcia
Durval Campos Kraychete
Universidade Federal do da Bahia, Salvador, BA – Brasil.
Eduardo Grossmann Meperidine: opioid not indicated for analgesia _________________________________67
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS – Brasil. Meperidina: opioide não indicado para analgesia
Erich Talamoni Fonoff
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Andresa Graciutti Botan, Simone Aparecida Biazzi de Lapena
Hazem Adel Ashmawi
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Irimar de Paula Posso RELATOS DE CASO
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Spiritual dimension of pain and suffering control of advanced câncer patient. Case
Ismar Lima Cavalcanti
Instituto Nacional de Câncer e Universidade Iguaçu, report _________________________________________________________________71
Rio de Janeiro, RJ – Brasil. Dimensão espiritual no controle da dor e sofrimento do paciente com câncer avançado. Relato de caso
José Tadeu Tesseroli de Siqueira
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil. Joicilene Oliveira da Silva, Vânia Maria Cavalcante de Araújo, Bárbara Guimarães de Melo
Josenília Maria Alves Gomes Cardoso, Mirlane Guimarães de Melo Cardoso
Universidade de Fortaleza, Fortaleza, CE – Brasil.
Levi Higino Jales Júnior
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN – Brasil.
Li Shih Min The use of dextroketamine as postoperative adjuvant analgesia in a patient undergoing
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC – Brasil. thoracotomy. Case report __________________________________________________75
Lin Tchia Yeng
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Uso de dextrocetamina como adjuvante de analgesia pós-operatória em paciente submetido a
Luiz Fernando de Oliveira toracotomia. Relato de caso
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Manoel Jacobsen Teixeira
Vanise Barros Rodrigues da Mota, Nildany Reis e Brito, Alba Maria Soares Moraes
Universidade de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Marcelo Henrique Mascarenhas
Associação Brasileira de Odontologia, Seção Minas INSTRUÇÕES AOS AUTORES ____________________________________________78
Gerais, Belo Horizonte, MG – Brasil.
Maria Belén Salazar Posso
Universidade do Vale do Paraíba, São José dos Campos, SP – Brasil.
Miriam Seligman de Menezes
Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS – Brasil.
Mirlane Guimarães de M. Cardoso
Universidade Federal do Amazonas, Manaus, AM – Brasil.
Onofre Alves Neto
Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO – Brasil.
Oscar César Pires
Universidade de Taubaté, Taubaté, SP – Brasil.
Osvaldo José Moreira do Nascimento
Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, RJ – Brasil.
Osvandré Luiz Canfield Lech
Universidade de Passo Fundo, Passo Fundo, RS – Brasil.
Paulo Cesar Rodrigues Conti
Faculdade de Odontologia de Bauru, Bauru, SP – Brasil.
Rogério Teixeira da Silva
Coordenador do NEO – Núcleo de Estudos em
Esportes e Ortopedia, São Paulo, SP, Brasil.
Ruth Guinsburg
Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP – Brasil.
Sergio Henrique Ferreira
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP – Brasil.

INTERNATIONAL BOARD
Allen Finley
Dalhousie University, Halifax – Canadá.
Antoon De Laat
Catholic University of Leuven – Bélgica.
Gary M. Heir
Medicine and Dentistry University of New Jersey, New Jersey – EUA.
Jeftrey P. Okeson
Kentucky University, Lexington – EUA.
José Manoel Castro Lopes
Universidade do Porto, Porto – Portugal.
Lee Dongchul
Department of Anesthesiology and Pain Medicine
Guwol – Dong Mamdong-gu, Incheon – Korea.
Mark Jensen
Washington University, Washington – USA.
Ricardo Plancarte Sánchez
Instituto Nacional de Cancerologia, México – México

COORDENAÇÃO EDITORIAL
Os artigos deverão ser enviados através de submissão online:
Evanilde Bronholi de Andrade http://www.sgponline.com.br/dor/sgp/.
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):1-5 ARTIGO ORIGINAL

Clinical evaluation of different epinephrine concentrations for local


dental anesthesia*
Avaliação clínica da epinefrina em diferentes concentrações para anestesia local odontológica
Cristina Saragiotto Caldas1, Cristiane de Cássia Bergamaschi2, Guilherme de Menezes Succi3, Rogério Heládio Lopes Motta4,
Juliana Cama Ramacciato4

*Recebido da Faculdade São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150001

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Clinical trials comparing JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Estudos clínicos comparan-
lidocaine associated to different epinephrine concentrations are scarce. do o uso da lidocaína associada a diferentes concentrações de epi-
This study aimed at comparing cardiovascular parameters, anesthetic nefrina na odontologia são escassos. O objetivo deste estudo foi
efficacy and level of discomfort during the injection of two 2% li- comparar parâmetros cardiovasculares, eficácia anestésica e grau
docaine solutions associated to 1:100.000 or 1:200.000 epinephrine. de desconforto durante a injeção de 2 soluções de lidocaína a 2%
METHODS: Participated in this cross-sectional double blind study associadas a epinefrina 1:100.000 ou 1:200.000.
30 patients (24.3±4.7 years) who were submitted to anamnesis, vital MÉTODOS: Trinta pacientes (24,3±4,7 anos) foram incluídos
signs evaluation and baseline threshold measurement of right upper (estudo cruzado e duplamente encoberto) e submetidos a ana-
canine tooth. In each clinical session, with 15 days interval, 1.8mL of mnese, avaliação de sinais vitais e mensuração do limiar basal
one of the anesthetic solutions were administered. Anesthetic efficacy do dente canino superior direito. Em cada sessão clínica, com
was measured with electric stimulation and vital parameters were eva- intervalo de 15 dias, foram administrados 1,8mL de uma das
luated in three periods: 5 minutes before, during and soon after anes- soluções anestésicas. A eficácia anestésica foi mensurada com es-
thesia. At the end of each session, the visual analog scale was applied tímulo elétrico, e os parâmetros vitais foram avaliados em 3 pe-
to evaluate injection pain sensitivity, which was repeated 24h later. ríodos: 5 minutos antes, durante e logo após a anestesia. Ao final
RESULTS: All volunteers had satisfactory pressure levels to car- de cada sessão foi aplicada a escala analógica visual para avaliação
ry out the trial. There has been no statistically significant diffe- da sensibilidade dolorosa da injeção, e repetida após 24h.
rences in systolic blood pressure (p=0.33), diastolic blood pres- RESULTADOS: Todos os voluntários apresentaram níveis pres-
sure (p=0.1505), heart rate (p=0.9464) and oxygen saturation sóricos satisfatórios para realização do estudo. Não houve dife-
(p=0.9297) considering each local anesthetic solution in each renças estatisticamente significativas entre os valores de pressão
moment (during and after anesthesia). Formulations of 2% li- arterial sistólica (p=0,33), pressão arterial diastólica (p=0,1505),
docaine with 1:100.000 and 1:200.000 epinephrine have shown frequência cardíaca (p=0,9464) e saturação de oxigênio
no statistical differences for all anesthetic parameters (p>0.05).
(p=0,9297) considerando cada anestésico local em cada momen-
CONCLUSION: Considering the volume used in this study,
to (durante e após a anestesia). As formulações de lidocaína a 2%
decreased epinephrine concentration on lidocaine solution has
com epinefrina a 1:100.000 e 1:200.000 não apresentaram dife-
not affected its clinical efficacy and has not influenced cardiovas-
rença estatística para todos os parâmetros anestésicos (p>0,05).
cular parameters.
CONCLUSÃO: Considerando o volume utilizado no presente
Keywords: Epinephrine, Local anesthesia, Vasoconstrictors.
estudo, a redução da concentração da epinefrina na solução de
lidocaína não afetou sua eficácia clínica e não influenciou os pa-
1. Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic, Área de Biossegurança, Campinas, SP, Brasil.
râmetros cardiovasculares.
2. Universidade de Sorocaba, Departamento de Ciências Farmacêuticas, Sorocaba, SP, Brasil. Descritores: Anestesia local, Epinefrina, Vasoconstritores.
3. Faculdade de Medicina São Leopoldo Mandic, Campinas, SP, Brasil.
4. Faculdade de Odontologia São Leopoldo Mandic, Área de Farmacologia, Anestesiologia e
Terapêutica, Campinas, SP, Brasil. INTRODUÇÃO
Apresentado em 02 de outubro de 2014.
Aceito para publicação em 24 de novembro de 2014. Os anestésicos locais são os fármacos mais utilizados em Odontolo-
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: Fundação de Amparo à Pesquisa do gia para o controle da dor perioperatória, sendo essencial para o su-
Estado de São Paulo – FAPESP.
cesso dos procedimentos clínicos. Entretanto, fatores como a escolha
Endereço para correspondência: inadequada da solução anestésica, a sobredosagem do sal anestésico,
Cristina Saragiotto Caldas
Rua José Rocha Junqueira, 13 – Ponte Preta a injeção intravascular acidental de vasoconstritor e a administração
13045-755 Campinas, SP, Brasil. rápida da solução podem levar a um aumento sanguíneo do fármaco
E-mail: cristina.caldas@slmandic.edu.br
administrado e a um maior potencial para efeitos tóxicos1,2.
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor As complicações sistêmicas relacionadas à injeção intravascular de

1
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):1-5 Caldas CS, Bergamaschi CC, Succi GM, Motta RH e Ramacciato JC

anestésicos locais recaem basicamente sobre a interação entre os va- Registro na ANVISA Esfigmomanômetro n° 10385180030, Registro
soconstritores adrenérgicos e os receptores do sistema nervoso au- na ANVISA Estetoscópio nº 80275310014), saturação parcial de oxi-
tônomo simpático, pois sua ação terapêutica vasoconstritora ocorre gênio (SpO2), frequência cardíaca (OX-P-10, Transmai Equipamentos
por meio da ligação com os receptores α1. Além disso, os vasocons- Médicos Hospitalares Ltda., Registro na ANVISA n° 80052640002),
tritores podem atuar em outros receptores, alterando parâmetros e avaliação do limiar basal de resposta do canino superior direito com
cardiovasculares como a pressão arterial e a frequência cardíaca3. o aparelho emissor de impulsos elétricos Pulp tester elétrico (Vitality
A adição de vasoconstritores a uma solução anestésica traz várias van- Scanner modelo 2006, Analytic Technology, Redmond, EUA, Re-
tagens clínicas, pois aumentam a duração e a qualidade da anestesia, gistro no Ministério da Saúde nº 103.1111.0033). Para este último
diminuem os níveis plasmáticos do sal anestésico e, consequentemen- parâmetro foi considerado o valor da média de 3 medidas distintas.
te, a probabilidade de ocorrerem efeitos sistêmicos adversos e toxicida- Os voluntários foram submetidos a mais duas sessões clínicas, com
de. Além disso, reduzem a concentração necessária para anestesia ade- uma ordem de aplicação aleatória previamente definida para apli-
quada e controlam a hemorragia durante procedimentos cirúrgicos3-5. cação das duas soluções em teste e com intervalo mínimo de duas
Entretanto, a injeção intravascular acidental dos vasoconstritores semanas entre as anestesias. Em cada sessão de anestesia foi adminis-
simpatomiméticos ou o seu uso em doses excessivas podem oca- trado 1,8mL (1tubete) da solução A (lidocaína a 2% com epinefrina
sionar manifestações sistêmicas como distúrbios cardiovasculares, 1:100.000 - DFL®, Rio de Janeiro) ou solução B (lidocaína a 2%
hipertensão, taquicardia, arritmias, tremores e cefaleia. De acordo com epinefrina 1:200.000 - DFL®, Rio de Janeiro) na região vesti-
com Laragnoit et al.6, pacientes saudáveis toleram um aumento de bular apical do canino superior direito (técnica infiltrativa subpe-
epinefrina no plasma, mas o mesmo pode não ocorrer em pacientes rióstica), e cada paciente foi controle dele mesmo. A infiltração no
com problemas cardiovasculares. Existe controvérsia na literatura canino superior foi administrada com tubete anestésico de lidocaína
a respeito do uso de anestésicos locais associados à epinefrina em a 2% com epinefrina 1:100.000 ou tubete de lidocaína a 2% com
pacientes com problemas cardiovasculares, embora a administração epinefrina 1:200.000, ao longo do ápice da raiz do canino superior
dessas soluções seja utilizada para evitar a dor e o desconforto dos direito. Em cada sessão todos os parâmetros vitais foram avaliados
pacientes durante o atendimento odontológico7. em três períodos: 5 minutos antes da administração do anestésico;
Estudos prévios têm demonstrado a segurança clínica da utilização durante a injeção do anestésico; e logo após a injeção.
da epinefrina a 1:100.000 em pacientes cardiopatas controlados8,9, A administração das soluções sempre foi realizada por um único
mas ainda são escassos os trabalhos na literatura que tenham compa- operador que utilizou a prática da boa técnica anestésica com ve-
rado a lidocaína associada a epinefrina em diferentes concentrações. locidade de injeção lenta (em média 2 minutos por tubete, ou seja,
Assim, o objetivo deste estudo foi comparar os parâmetros cardio- 1mL/min) para um conforto maior do paciente10. O pesquisador-
vasculares, a eficácia anestésica e o grau de desconforto durante a -operador não foi envolvido na avaliação dos parâmetros da aneste-
injeção de 2 soluções anestésicas de lidocaína a 2% associadas a con- sia, caracterizando o estudo como duplamente encoberto. Ao final
centrações diferentes de epinefrina. de cada sessão foi aplicada a escala analógica visual (EAV) para ava-
liação da sensibilidade dolorosa da injeção. Essa mesma escala foi
MÉTODOS aplicada 24h após cada sessão para avaliação de dor após o procedi-
mento anestésico no local da punção.
Foram avaliados 30 voluntários, sendo 18 do gênero feminino e 12 A EAV é uma linha de 10cm sem números ou demarcações, exceto
do gênero masculino. A idade entre os gêneros não mostrou diferen- nas extremidades onde havia as marcações entre zero e 10. A marca-
ças estatisticamente significativas (teste t, p=0,3243), sendo que as ção zero corresponde a nenhuma dor, e o número 10 corresponde a
mulheres tinham em média 22,6±3,7 anos e os homens 24,3±4,7 dor de máxima intensidade (Figura 1). A classificação da dor foi feita
anos. Todos passaram por avaliação médica e apresentavam boa saú- pela colocação de uma marca vertical sobre a linha; a distância entre
de. Além disso, não tomavam qualquer fármaco que pudesse alterar a marca e a extremidade da marcação zero foi medida por um paquí-
a percepção da dor, conforme verificado na anamnese escrita e no metro digital, (Pantec, São Bernardo do Campo, Brazil), avaliando-
questionamento oral. -se a sensação de dor do paciente. Os pacientes foram orientados
Os critérios de inclusão foram possuir dentes caninos superiores do a preencher as escalas para demarcar o nível de dor que estavam
lado direito livres de cáries e restaurações extensas, traumas, tratamen- sentindo no momento da anotação11,12.
to endodôntico, e responsíveis a estímulo elétrico (“Pulp tester”); não A profundidade da anestesia foi monitorada com o estímulo elétrico
terem feito uso de qualquer fármaco que alterasse a percepção de dor (“Pulp tester”). Imediatamente após o término da injeção do anesté-
(anti-inflamatórios, analgésicos, ansiolíticos, antidepressivos). Os cri- sico local, o canino superior direito foi estimulado com o Pulp tester a
térios de exclusão foram gestantes, histórico de hipersensibilidade aos cada dois minutos, até não apresentar resposta ao estímulo máximo
fármacos em estudo (lidocaína) e conservantes contidos nas soluções (80), passando então a ser estimulado a cada 10 minutos até o retor-
testadas (bissulfito de sódio), evidência de disfunção orgânica ou des-
vio significativo do normal, história de doença psiquiátrica que pudes-
se comprometer a capacidade de fornecer consentimento por escrito, 0 10
história de dependência de drogas ou consumo abusivo de álcool. Nenhuma dor Dor de máxima
A pesquisa foi realizada em três sessões, sendo a primeira sessão para ana- intensidade
mnese e avaliação de sinais vitais basais: pressão arterial por meio de um
esfigmomanômetro aneroide com estetoscópio (AccumedGlicomed®, Figura 1. Escala analógica visual

2
Avaliação clínica da epinefrina em diferentes Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):1-5
concentrações para anestesia local odontológica

no ao limiar basal de resposta. A ausência de resposta até o estímulo ram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido concordando
máximo no Pulp tester (80) foi considerada como anestesia pulpar. em participar da pesquisa.
A anestesia foi considerada como bem sucedida quando apresen-
tou duas ausências de respostas consecutivas dentro dos 10 minutos RESULTADOS
iniciais. O tempo de latência foi considerado como o período en-
tre o final da injeção anestésica até a não percepção do estímulo13. Todos os voluntários apresentaram níveis pressóricos satisfatórios
Após a técnica anestésica, os voluntários foram submetidos ao teste para a realização do estudo. Em relação à saturação de oxigênio,
de pin-prick, sendo a mucosa vestibular puncionada com o bisel de não houve uma variação dos níveis iniciais observados, os quais
uma agulha gengival 30G a cada 10 minutos, até o retorno total da permaneceram por volta de 96% de saturação. Quanto à frequên-
anestesia em tecido mole14. cia cardíaca, não houve variações significativas que pudessem in-
terferir nos resultados obtidos no estudo. A figura 2 mostra os va-
Análise estatística lores dos sinais vitais obtidos durante e após a anestesia utilizando
Os dados foram analisados pelo BioEstat, versão 5.0 (Instituto Ma- as duas soluções com epinefrina 1:100.000 (1:100) ou 1:200.000
mirauá, Belém, PS, Brasil). A idade, dor, latência e duração de anes- (1:200). Não houve diferenças estatisticamente significativas entre
tesia foram comparadas pelo teste t de Student. Demais variáveis os valores de pressão arterial sistólica (Friedman, p=0,33), pressão
foram comparadas pelo teste de Friedman. O nível de significância arterial diastólica (Friedman, p=0,1505), frequência cardíaca (Frie-
estabelecido foi de 5%. dman, p=0,9464) e saturação de oxigênio (Friedman, p=0,9297)
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas da considerando cada anestésico local em cada momento (durante
Faculdade São Leopoldo Mandic (CEP/SL Mandic - Protocolo e após a anestesia). A tabela 1 mostra as características gerais da
07/125) e previamente às sessões de anestesia, os voluntários assina- amostra avaliada.

200 150
Pressão arterial diastólica (mmHg)
Pressão arterial sistólica (mmHg)

150
100

100

50
50

0 0
Trans Pós Trans Pós Trans Pós Trans Pós
Lidocaína a 2% – Lidocaína a 2% – Lidocaína a 2% – Lidocaína a 2% –
ADR 1:100.000 ADR 1:200.000 ADR 1:100.000 ADR 1:200.000

150 150
Frequência cardíaca (bpm)

Saturação de oxigênio (%)

100 100

50 95

0 90
Trans Pós Trans Pós Trans Pós Trans Pós
Lidocaína a 2% – Lidocaína a 2% – Lidocaína a 2% – Lidocaína a 2% –
ADR 1:100.000 ADR 1:200.000 ADR 1:100.000 ADR 1:200.000

Figura 2. Valores dos sinais vitais durante e após anestesia utilizando ambas as soluções

3
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):1-5 Caldas CS, Bergamaschi CC, Succi GM, Motta RH e Ramacciato JC

Tabela 1. Características gerais dos voluntários avaliados vasoconstritor (18 e 9µg, respectivamente) e a possível interferên-
Variáveis Categorias Distribuição Valor de p cia nos parâmetros cardiovasculares. A formulação com epinefrina
Gênero (n e %) Feminino 18 (60) -
a 1:200.000 já existia em outros sais anestésicos, como a articaína
e a bupivacaína. Entretanto, a associação com a lidocaína foi recen-
Masculino 12 (40) -
temente viabilizada no mercado brasileiro, e ainda são escassos os
Idade (anos)* Feminino 22,6±3,7 0,3243 trabalhos comparando soluções anestésicas de lidocaína associadas a
Masculino 24,3±4,7 diferentes concentrações de epinefrina.
*Valores expressos em média ± DP. A metodologia utilizada para avaliação de anestesia pulpar foi o teste
elétrico (“pulp tester”), reconhecido como o padrão para esse tipo de
A tabela 2 mostra a porcentagem de sucesso e latência de anestesia estudo desde 1946, sendo considerado um método seguro, preciso
pulpar e duração da anestesia pulpar em tecidos moles. As formula- e reprodutível, pois mimetiza as respostas nervosas funcionais15-17,
ções de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:100.000 e 1:200.000 não sem causar lesões à polpa dental18. A resposta ao estímulo elétrico é
apresentaram diferenças estatísticas para todos os parâmetros anesté- caracterizada como uma sensação subjetiva, entretanto, os voluntá-
sicos avaliados (p>0,05). rios foram seus próprios controles, dando confiabilidade ao estudo.
O “pulp tester” pode ser usado como uma ferramenta efetiva para
Tabela 2. Sucesso da anestesia, latência da anestesia pulpar (minu- prever o nível de anestesia antes de um procedimento odontológico,
tos), duração da anestesia pulpar (minutos) e duração da anestesia alertando o clínico para possíveis problemas anestésicos17.
em tecido mole (minutos) com ambas as soluções Neves et al.8 compararam o uso de lidocaína a 2% sem vasocons-
Lidocaína a 2% Lidocaína a 2% Valor tritor e associada a epinefrina 1:100.000 em bloqueio do nervo al-
com epinefrina com epinefrina de p
veolar inferior em pacientes com problemas coronarianos. Os au-
1:100.000 1:200.000
tores avaliaram pressão arterial e eletrocardiograma e constataram
Sucesso da anestesia
(%)
100 100 - que não houve diferença de comportamento de pressão arterial e
nem de alteração de frequência cardíaca, concluindo que o uso do
Latência da anestesia
pulpar (min)
1,29±1,90 1,10±1,47 0,67 vasoconstritor é seguro para esse perfil de paciente. A técnica uti-
lizada apresenta maior incidência de injeção intravascular aciden-
Duração anestesia
41,61±14,16 41,03±17,79 0,88 tal e mesmo assim, o estudo mostrou que não houve interferência
pulpar (min)
Duração anestesia em
nos parâmetros cardiovasculares. Além disso, no estudo de Neves
148,06 ± 58, 10 137,93 ± 70,67 0,54 et al.8 foi utilizada a epinefrina 1:100.000, enquanto que no pre-
tecido mole (min)
sente estudo também foi avaliada a lidocaína associada a epinefrina
A tabela 3 mostra a dor relatada pelos voluntários na EAV (em mi- 1:200.000, diminuindo ainda mais a concentração de vasoconstritor.
límetros) durante a administração das soluções anestésicas e a dor Conrado et al.9 mostraram que o uso de vasoconstritor (epinefrina
na região anestesiada 24h após as sessões. As formulações não dife- 1:100.000) na solução anestésica para extração dentária não cau-
riram com relação à dor durante a injeção anestésica (p>0,05). Com sou riscos adicionais aos pacientes com problemas cardiovasculares
relação à dor após o procedimento anestésico, com a formulação comparando-se ao uso de anestésico sem vasoconstritor. No pre-
de lidocaína a 2% com epinefrina a 1:200.000, os voluntários não sente estudo, tanto a concentração de 1:100.000 como 1:200.000
relataram sensibilidade no dia seguinte à injeção, diferentemente da demonstraram ser seguras no volume utilizado, corroborando com
lidocaína a 2% com epinefrina 1:100.000 (p=0,001). Além disso, os autores mencionados. Além disso, Cáceres et al.19 concluíram
nenhum voluntário apresentou qualquer tipo de sintomatologia as- que o efeito do anestésico local, com ou sem vasoconstritor, não
sociada, como cefaleia, taquicardia e tontura. apresentou alterações significativas nos parâmetros cardiovasculares
e Morais et al.2 e Bispo et al.20 também concluíram que as diferentes
concentrações de epinefrina associadas a lidocaína e articaína não
Tabela 3. Dor durante a injeção e 24 horas após a administração de
ambas as soluções alteraram os parâmetros cardiovasculares dos voluntários.
De maneira semelhante aos resultados apresentados na literatura, o
Lidocaína a 2% Lidocaína a 2% Valor
com epinefrina com epinefrina de p presente estudo mostrou que o uso de vasoconstritor nas concen-
1:100.000 1:200.000 trações de 1:100.000 ou 1:200.000 não alterou os parâmetros car-
Dor durante 29,03±22,01 19,24±17,83 0,06 diovasculares e a saturação de oxigênio. Dessa forma, menor con-
injeção (mm) centração (1:200.000) testada no presente trabalho pode ser uma
Dor pós-injeção 2,58±7,28 0±0,0 *0,001 alternativa ainda mais segura aos pacientes com comprometimentos
(mm) sistêmicos, tais como os idosos, apresentando maior margem da
segurança para esses pacientes. Entretanto, novos estudos clínicos
DISCUSSÃO devem ser realizados para esta comprovação.
Apesar de a epinefrina exercer menor interferência na pressão
O presente estudo avaliou a eficácia anestésica de duas soluções arterial por ação nos receptores β-2 adrenérgicos3 que os outros
comerciais de lidocaína a 2% associadas a concentrações distintas vasoconstritores adrenérgicos, a dose máxima recomendada para
de epinefrina (1:100.000 e 1:200.000) utilizando o volume de um pacientes cardiopatas compensados é de apenas 0,04mg/sessão,
tubete anestésico (1,8mL), a fim de minimizar a concentração de ou seja, 2 tubetes anestésicos contendo epinefrina a 1:100.00021.

4
Avaliação clínica da epinefrina em diferentes Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):1-5
concentrações para anestesia local odontológica

Adicionalmente, a literatura demonstra que é possível utilizar 2 REFERÊNCIAS


tubetes de lidocaína com epinefrina 1:100.000 com boa eficácia
1. Brkovic BM, Savic M, Andric M, Jurisic M, Todorovic L. Intraseptal vs. periodontal
anestésica ou ainda utilizar o dobro de tubetes com a mesma se- ligament anaesthesia for maxillary tooth extraction: quality of local anaesthesia and
gurança clínica com a lidocaína associada a epinefrina 1:200.000. haemodynamic response. Clin Oral Investig. 2010;14(6):675-81.
Quando há a necessidade de se usar volumes maiores de anestési- 2. de Morais HH, de Santana Santos T, da Costa Araújo FA, de Freitas Xavier RL, Vajgel
A, de Holanda Vasconcellos RJ. Hemodynamic changes comparing 2% lidocaine and
cos locais, é também aconselhável utilizar a menor concentração 4% articaine with epinephrine1:100,000 in lower third molar surgery. J Craniofac
de epinefrina (1:200.000)7,22. Surg. 2012;23(4):1204-11.
3. Brown RS, Rhodus NL. Epinephrine and local anesthesia revisited. Oral Surg Oral
Hersh et al.23 compararam os parâmetros cardiovasculares de vo- Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2005;100(4):401-8.
luntários submetidos a anestesia infiltrativa em região de canino 4. Haas DA. An update on local anesthetics in dentistry. J Can Dent Assoc.
superior direito com altas doses de articaína a 4% associada a epine- 2002;68(9):546-51.
5. Vieira CL, Caramelli B. Como deve ser realizada a anestesia para tratamento odonto-
frina 1:100.000 ou 1:200.000. De maneira semelhante ao presen- lógico em pacientes com doença cardíaca? Rev Assoc Med Bras. 2003;49(3):230.
te estudo, as formulações de articaína com epinefrina 1:200.000 e 6. Laragnoit AB, Neves RS, Neves IL, Vieira JE. Locoregional anesthesia for dental treat-
ment in cardiac patients: a comparative study of 2% plain lidocaine and 2% lidocaine
1:100.000 apresentaram eficácia anestésica semelhante. Entretanto, with epinephrine (1:100,000). Clinics. 2009;64(3):177-82.
os pesquisadores observaram um aumento da pressão sistólica e da 7. de Morais HH, de Santana Santos T, Araújo FA, Vajgel A, de Holanda Vasconcellos
frequência cardíaca durante a anestesia com epinefrina 1:100.000, RJ. Hemodynamic changes comparing lidocaine HCl with epinephrine and articaine
HCl with epinephrine. J Craniofac Surg. 2012;23(6):1703-8.
concluindo que concentrações menores de vasoconstritor são mais 8. Neves RS, Neves IL, Giorgi DM, Grupi CJ, César LA, Hueb W, et al. Effects of
seguras para pacientes que apresentem alterações sistêmicas. epinephrine in local dental anesthesia in patients with coronary artery disease. Arq
BrasCardiol. 2007;88(5):545-51.
De maneira semelhante aos resultados apresentados no presen- 9. Conrado VC, de Andrade J, de Angelis GA, de Andrade AC, Timerman L, Andrade
te estudo, Elad et al.24 demonstraram que a articaína associada a MM, et al. Cardiovascular effects of local anesthesia with vasoconstrictor during den-
tal extraction in coronary patients. Arq Bras Cardiol. 2007;88(5):507-13.
epinefrina 1:200.00 e lidocaína associada a epinefrina 1:100.000 10. Kanaa MD, Meechan JG, Corbett IP, Whitworth JM. Speed of injection influences
apresentaram a mesma eficácia clínica e não interferiram nos pa- efficacy of inferior alveolar nerve blocks: a double-blind randomized controlled trial in
râmetros cardiovasculares como pressão sistólica, pressão diastó- volunteers. J Endod. 2006;32(10):919-23.
11. Ferreira-Valente MA, Pais-Ribeiro JL, Jensen MP. Validity of four pain intensity rating
lica, frequência cardíaca e saturação de oxigênio. Cassidy et al.25 scales. Pain. 2011;152(10):2399-404.
recomendaram o uso da lidocaína a 2% associada a epinefrina 12. Noboa MM, Ramacciato JC, Teixeira RG, Vicentini CB, Groppo FC, Motta RH.
Evaluation of effect soft wo dexamethasone formulations in impacted third molar
1:200.000 devido à menor possibilidade de alterações cardiovascu- surgeries. Rev Dor. 2014;(15)3:163-8.
lares quando comparada ao risco potencial com a concentração de 13. Certosimo AJ, Archer RD. A clinical evaluation of the electric pulp tester as an indi-
1:100.000 em certos pacientes com comprometimento sistêmico. cator of local anesthesia. Oper Dent. 1996;21(1):25-30.
14. Sreekumar K, Bhargava D. Comparison of onset and duration of action of soft tissue
Embora o presente estudo não tenha envolvido a avaliação de pro- and pulp al anesthesia with three volumes of 4% articaine with1:100,000 epinephrine
cedimentos cirúrgicos para avaliar a eficácia anestésica em voluntá- in maxillary infiltration anesthesia. Oral Maxillofac Surg. 2011;15(4):195-9.
15. Dreven LJ, Reader A, Beck M, Meyers WJ, Weaver J. An evaluation of an electric
rios, é importante ressaltar a influência dessa diferença de concen- pulptester as a measure of analgesia in human vital teeth. J Endod.1987;13(5):233-8.
tração de vasoconstritor em parâmetros clínicos como a hemostasia. 16. Lemmer B, Wiemers R. Circadian changes in stimulus threshold and in the effect of a
Um estudo de Moore et al.26 mostrou que que em pacientes subme- local anaesthetic drug in human teeth: studies with an electronic pulptester. Chrono-
biol Int. 1998;6(2):157-62.
tidos a cirurgia periodontal, ambas as concentrações de epinefrina 17. Raab WH, Reithmayer K, Müller HF. A procedure for testing local anesthetics. Dtsch
proporcionaram controle de dor adequado, entretanto, os autores Zahnarztl Z. 1990;45(10):629-32.
18. Mc Daniel KF, Rowe NH, Charbeneau GT. Tissue response to an electric pulptester.
enfatizam que a maior concentração de epinefrina (1:100.000) J Prosthet Dent. 1973;29(1):84-7.
favorece a melhor visualização do campo cirúrgico, assim como 19. Cáceres MT, Ludovice AC, Brito FS, Darrieux FC, Neves RS, Scanavacca MI, et al.
Effect of local anesthetics with and without vasoconstrictor agent in patients with
menor sangramento, devendo essa associação ser indicada em ventricular arrhythmias. Arq Bras Cardiol. 2008;1(3):128-33,142-7.
pacientes que toleram a maior concentração do vasoconstritor. 20. Bispo CG, Tortamano IP, Rocha RG, Francischone CE, Borsatti MA, da Silva JC
Dessa forma, espera-se que o presente estudo possa contribuir para Jr, et al. Cardiovascular responses to different stages of restorative dental treatment
unffected by local anaesthetic type. Aust Dent J. 2011;56(3):312-6.
a comprovação científica da eficácia da associação de lidocaína a 21. Budenz AW. Local anesthetics and medically complex patients. J Calif Dent Assoc.
2% com epinefrina a 1:200.000. Entretanto, considerando a im- 2000;28(8):611-9.
22. McEntire M, Nusstein J, Drum M, Reader A, Beck M. Anesthetic efficacy of 4% arti-
portância do tema e o tamanho da amostra avaliada, é imprescin- caine with 1:100,000 epinephrine versus 4% articaine with 1:200,000 epinephrine as a
dível a realização de novos estudos clínicos para que seja cada vez primary buccal infiltration in the mandibular first molar. J Endod. 2011;37(4):450-4.
mais evidenciado o uso da epinefrina em menor concentração na 23. Hersh EV, Giannakopoulos H, Levin LM, Secreto S, Moore PA, Peterson C, et al. The
pharmacokinetics and cardiovascular effects of high-dose articaine with 1:100,000
Odontologia. and 1:200,000 epinephrine. J Am Dent Assoc. 2006;137(11):1562-71.
24. Elad S, Admon D, Kedmi M, Naveh E, Benzki E, Ayalon S, et al. The cardiovascular
effect of local anesthesia with articaine plus 1:200,000 adrenalin versus lidocaine plus
CONCLUSÃO 1:100,000 adrenalin in medically compromised cardiac patients: a prospective, ran-
domized, double blind study. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod.
Considerando o volume anestésico utilizado, os resultados do pre- 2008;105(6):725-30.
25. Cassidy JP, Phero JC, Grau WH. Epinephrine: systemic effects and varying concentra-
sente estudo mostraram que a redução da concentração da epi- tions in local anesthesia. Anesth Prog. 1986;33(6):289-97.
nefrina na solução de lidocaína não afetou a sua eficácia clínica 26. Moore PA, Doll B, Delie RA, Hersh EV, Korostoff J, Johnson S, et al. Hemostatic and
anesthetic efficacy of 4% articaine with 1:200,000 epinephrine and 4% articaine HCl
e demonstrou segurança clínica nos parâmetros cardiovasculares with 1:100,000 epinephrine when administered intraorally for periodontal surgery. J
avaliados. Periodontol. 2007;78(2):247-53.

5
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):6-9 ARTIGO ORIGINAL

Stability of physical therapy effects on temporomandibular disorder*


Estabilidade dos efeitos da fisioterapia na disfunção temporomandibular
Muriel Priebe1, Ana Gabrieli Ferreira Antunes2, Eliane Castilhos Rodrigues Corrêa3

*Recebido da Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, RS, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150002

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Physical therapy con- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A fisioterapia contribui para
tributes to mitigate temporomandibular disorder symptoms amenizar os sintomas da disfunção temporomandibular, pois
because, in addition to stimulating proprioception and the além de estimular a propriocepção e a produção do líquido sino-
production of joint synovial fluid, it improves adhered muscle vial na articulação, melhora a elasticidade das fibras musculares
fibers elasticity. This study aimed at evaluating the stability of aderidas. O objetivo deste estudo foi avaliar a estabilidade dos
therapeutic results in a follow-up period post- physical therapy resultados terapêuticos em um período de follow-up após a fisio-
in temporomandibular disorder patients. terapia, em pacientes com disfunção temporomandibular.
METHODS: Participated in the study 25 individuals of both MÉTODOS: Vinte e cinco indivíduos, de ambos os gêneros,
genders, with temporomandibular disorder diagnosis. After a com diagnóstico de disfunção temporomandibular participaram
multimodal physical therapy program during 10 weeks, which do estudo. Após um programa de fisioterapia multimodal, du-
included self-care guidance and home exercises, participants rante 10 semanas, que incluiu orientações de autocuidado e de
were re-evaluated by the Research Diagnostic Criteria for Tem- exercícios domiciliares, foram reavaliados pelos Critérios Diag-
poromandibular Disorders and algometry. Results obtained im- nósticos para Pesquisa em Desordens Temporomandibulares e
mediately after treatment were compared to results of the evalu- por algometria. Os resultados obtidos logo após o tratamento
ation carried out after two months of follow-up. foram comparados aos resultados da avaliação realizada após 2
RESULTS: From 25 participants, with mean age of 31.6 years, meses de follow-up.
76% had no temporomandibular disorder diagnosis immedia- RESULTADOS: Dos 25 participantes do estudo, com média
tely after treatment and from these, 68% have maintained this de idade de 31,6 anos, 76% apresentaram ausência de diagnós-
result in the two-month follow-up period. With regard to joint tico de disfunção temporomandibular logo após o tratamento
noises, 60% of participants have remained with no noises and e destes, 68% mantiveram esse resultado no follow-up de dois
pressure pain threshold values had no statistically significant di- meses. Quanto aos ruídos articulares, 60% dos participantes per-
fferences between evaluations. maneceram sem ruídos e os valores de limiar de dor à pressão
CONCLUSION: Multimodal physical therapy intervention, não apresentaram diferença estatisticamente significativa entre as
combined with self-care guidance and home exercises has pro- avaliações.
duced, in this study, positive and long-lasting effects on tempo- CONCLUSÃO: A intervenção fisioterapêutica multimodal,
romandibular disorder symptoms, maintaining results for two combinada à orientação de autocuidado e exercícios domiciliares
months after treatment completion. produziu, neste estudo, efeitos positivos e duradouros nos sinto-
Keywords: Facial pain, Musculoskeletal manipulations, Physical the- mas de disfunção temporomandibular mantendo os resultados
rapy, Temporomandibular joint disorders, Therapeutic approaches. obtidos por dois meses após o término do tratamento.
Descritores: Condutas terapêuticas, Dor facial, Fisioterapia,
Manipulações musculoesqueléticas, Transtornos da articulação
1. Universidade Federal de Santa Maria, Programa de Pós-Graduação em Distúrbios da Co- temporomandibular.
municação Humana, Santa Maria, RS, Brasil.
2. Universidade Federal de Santa Maria, Curso de Fisioterapia e Reabilitação, Santa Maria,
RS, Brasil. INTRODUÇÃO
3. Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fisioterapia e Reabilitação, Santa
Maria, RS, Brasil.
A disfunção temporomandibular (DTM) é caracterizada pela altera-
Apresentado em 25 de setembro de 2014. ção funcional ou patológica que afeta a articulação temporomandi-
Aceito para publicação em 10 de fevereiro de 2015. bular (ATM), podendo trazer prejuízos dos músculos mastigatórios
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
e sistema estomatognático. O número de portadores da DTM está
Endereço para correspondência: aumentando cada vez mais, possivelmente pela influência da tensão
Muriel Priebe
Rua Tuiutí, 1155/301B – Centro psicológica da atualidade, com base nos conceitos atuais etiológicos,
97015-190 Santa Maria, RS, Brasil. condições físicas e sistêmicas, assim como fatores psicológicos são
E-mail: muri_priebe@hotmail.com
responsáveis pela orientação e manutenção de DTM1,2.
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Os sintomas da DTM incluem dor persistente ou recorrente nos

6
Estabilidade dos efeitos da fisioterapia na disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):6-9

músculos da mastigação ou na ATM, limitações ou desvios do mo- Esse instrumento pode proporcionar a elaboração de diagnóstico,
vimento mandibular, ruídos na ATM, desconforto articular e dor de além de verificar a eficácia de tratamentos para a dor miofascial13.
cabeça. Além do comprometimento da funcionalidade, esses fatores O programa de fisioterapia incluiu a combinação de modalidades
interferem consideravelmente na qualidade de vida (QV) desses in- terapêuticas, com enfoque sobre as estruturas do sistema craniocer-
divíduos3-5. vicomandibular, como: ultrassom terapêutico, liberação miofascial,
Para amenizar os sintomas da DTM, a terapia manual visa, por meio terapia manual, exercícios de alongamento e neuromusculares, além
de técnicas de manipulação, mobilização e exercícios específicos, es- de orientações de autocuidado e de exercícios domiciliares15. Esta
timular a propriocepção, produzir elasticidade das fibras aderidas, pesquisa seguiu a aplicação das modalidades do mesmo protocolo.
estimular o líquido sinovial e promover a redução da dor. Por isso, Neste estudo, foram comparados os dados da avaliação logo após
quando associada a outras técnicas fisioterápicas é de grande valia o término do tratamento com a avaliação das mesmas variáveis no
nos resultados do tratamento6,7. período de follow-up, a fim de verificar a conservação dos efeitos
Orientações de exercícios domiciliares e reeducação postural nas obtidos com o tratamento. Em relação aos diagnósticos do RDC/
atividades de vida diária podem auxiliar no controle da sintoma- TMD, 96% dos pacientes evoluíram, deixando de apresentar algum
tologia da DTM8. Ainda, combinados a exercícios terapêuticos e diagnóstico de DTM para o grupo sem diagnóstico, quando avalia-
terapia manual podem ser eficazes no tratamento de pacientes com dos imediatamente após o tratamento, e somente um dos 25 avalia-
deslocamento de disco e beneficiar os pacientes que não têm sucesso dos manteve o mesmo diagnóstico inicial.
com tratamentos convencionais9,10. Ressalta-se ainda a efetividade Foram utilizados o teste de Shapiro-Wilk para verificar a normalida-
da associação da abordagem terapêutica cervical com o tratamento de dos dados. Por serem não paramétricos, utilizou-se o teste Wil-
orofacial em pacientes com cefaleia cervicogênica associada a sinais coxon para a comparação dos resultados da algometria entre as duas
e sintomas de DTM11. avaliações, considerando o nível de significância de 95% (p < 0,05).
Para a avaliação dos efeitos da fisioterapia sobre quadros álgicos, Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da instituição sob
tem-se a algometria como um recurso amplamente utilizado em pes- protocolo nº 0281.0.243.000-08.
quisas. Permite uma mensuração objetiva da sensibilidade dolorosa
à pressão, com alto nível de confiabilidade, tanto para a avaliação RESULTADOS
de indivíduos com doenças miofasciais, quanto para indivíduos de
grupo controle12,13. Além disso, a algometria também contribui para Foram acompanhados neste estudo 25 participantes, 20 mulheres
inferir a importância da avaliação de outras regiões do corpo de pa- e 5 homens, com média de idade de 31,6±12,21 anos, 19 (76%)
cientes com DTM, não somente a região craniofacial14. com boa evolução pós-tratamento, ou seja, apresentaram ausência
Além da avaliação de resultados após a intervenção da fisioterapia, de diagnóstico de DTM logo após o tratamento. Destes, 17 (68%)
ressalta-se a importância de acompanhar a durabilidade dos seus mantiveram esse resultado no follow-up de dois meses, conforme
efeitos terapêuticos. Portanto, este estudo teve como objetivo avaliar a avaliação do RDC/TMD. Ainda, um paciente (4%) manteve o
a estabilidade dos efeitos terapêuticos de um programa de fisiotera- diagnóstico de deslocamento de disco com redução, 4 (16%) que
pia multimodal, comparando os sinais e sintomas de DTM, bem possuíam algum diagnóstico do grupo II (deslocamento de disco)
como o limiar de dor à pressão observado logo após o tratamento e evoluíram para ausência de diagnóstico, e 8%, que após o tratamen-
após um período de follow-up de dois meses. to apresentavam-se sem diagnóstico de DTM, passaram a demons-
trar alguma disfunção do grupo I (desordens musculares) (Figura
MÉTODOS 1). Assim, totalizando, 21 pacientes sem diagnóstico de DTM nessa
avaliação.
Os participantes da pesquisa eram provenientes do Laboratório de Quanto à sensibilidade da dor à pressão, não houve diferença signi-
Motricidade Orofacial, onde realizaram avaliação e tratamento fisio- ficativa no limiar da dor na comparação dos resultados logo após o
terapêutico para DTM. Indivíduos de ambos os gêneros, com idade tratamento e após dois meses do seu término (Tabela 1). Os ruídos
de 18 a 65 anos e diagnóstico de DTM, obtido pelo instrumento
Critérios Diagnósticos para Pesquisa em Desordens Temporoman-
25
dibulares (RDC/TMD), submetidos a 10 atendimentos, com fre- 21
quência semanal e duração de 45 minutos, participaram do estudo. 20 19
Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido. 15
Os dados coletados das fichas de avaliação dos participantes fo- Após tratamento
ram: resultados da avaliação do RDC/TMD, presença de ruídos 10 Follow-up
articulares, sensação dolorosa das regiões musculares e articulares, 6
4
bem como os valores de limiar doloroso à pressão em 16 músculos 5
avaliados bilateralmente: temporal anterior, médio e posterior, mas-
0
seter superior, médio e inferior, esternocleidomastóideo e trapézio Sem diagnóstico DTM
superior.
Para a avaliação do limiar de dor, utilizou-se o algômetro de pressão Figura 1. Diagnóstico de disfunção temporomandibular após o trata-
- Dinamômetro Force Dial® FDK/FDN (Wagner Instruments)9,12. mento e no período de follow-up

7
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):6-9 Priebe M, Antunes AG e Corrêa EC

articulares permaneceram ausentes em 60% dos pacientes; em 20% assinalou um aumento imediato no limiar de dor à pressão dos mús-
dos pacientes os ruídos aumentaram e o restante diminuiu. culos masseter e temporal em pacientes com diagnóstico de pontos
gatilhos latentes, imediatamente após o tratamento com manipu-
Tabela 1. Valores de limiar de dor à pressão (kg/cm2) logo após o lação ou técnicas para tecidos moles, sem verificar a permanência
tratamento e follow-up
desses resultados13.
Músculos Pós- Follow-up Valor Em relação aos ruídos, 60% mantiveram-se sem os mesmos, 20%
-tratamento (média±DP) de p diminuíram e no restante constatou-se a presença dos ruídos articu-
(média±DP)
lares após 2 meses de follow-up. Resultados estatisticamente signifi-
Temporal posterior D 4,27±1,89 4,39±1,68 0,345 cativos demonstraram os efeitos positivos da terapia manual cervical
E 4,12±2,04 4,02±1,26 0,384 e da terapia manual orofacial associada à terapia manual cervical nos
Temporal médio D 4,33±1,95 4,12±1,53 0,728 sinais da DTM e nas disfunções da coluna cervical11. Concordando
E 4,00±1,79 3,93±1,59 0,782 com os achados do presente estudo, os autores também verificaram
Temporal anterior D 3,54±2,02 3,54±1,85 0,614 que os seus resultados ainda se mantiveram após um período de seis
meses de follow-up.
E 3,46±1,99 3,35±1,45 0,884
Assim como no presente estudo, a osteopatia e tratamento conven-
Masseter superior D 2,39±1,09 2,15±0,82 0,190
cional em indivíduos com DTM demonstrou que ambos foram efi-
E 2,43±1,02 2,15±0,87 0,666 cazes para o alívio dos sintomas dolorosos, aumento da amplitude de
Masseter médio D 2,25±1,09 1,94±0,86 0,599 abertura máxima da boca e movimento lateral da cabeça em torno
E 2,20±0,98 1,93±0,91 0,074 de seu eixo, sendo que esses efeitos permaneceram após um período
Masseter inferior D 2,26±1,02 2,04±0,86 0,283 de follow-up de 2 meses, considerando os efeitos positivos num pe-
E 2,05±0,89 1,95±0,84 0,496 ríodo de curto a médio prazo. Os valores da escala analógica visual,
Esternocleidomastoideo D 1,56±1,11 1,42±0,99 0,654
amplitude de movimento da boca e os movimentos de rotação da
cabeça foram piorando no grupo osteopatia no decorrer de 2 meses
E 1,56±0,89 1,38±0,79 0,161
de follow-up, quando comparados à reavaliação realizada ao final do
Trapézio superior D 4,03±2,35 3,87±2,19 0,659
tratamento16.
E 4,39±2,62 4,15±2,28 0,668 Outro estudo, com 70 pacientes voluntários, comparou um grupo
D = direito; E = esquerdo. que recebeu somente orientações de autocuidado, verificando me-
lhora dos sintomas da DTM em 57% dos pacientes, com outro gru-
Em relação à dor durante a palpação, das 24 estruturas analisadas po que combinou fisioterapia (exercícios domiciliares) à orientações
no RDC/TMD, 21 delas mantiveram os resultados pós-tratamento de autocuidado, obtendo melhora em 77% dos pacientes. O grupo
no período de follow-up, com exceção do masseter inferior direito, que realizou fisioterapia e praticou regularmente autocuidado, obte-
pterigóideo lateral direito e tendão do temporal esquerdo. ve relaxamento da musculatura mastigatória, alívio da dor e melhora
nos sintomas da depressão e na qualidade do sono. Os autores indi-
DISCUSSÃO cam que as orientações de autocuidado, o esclarecimento dos fatores
de risco e o treinamento de exercícios domiciliares proporcionam
Na avaliação do diagnóstico de DTM (RDC/TMD), 19 (76%) ganhos de ordem física e psicológica, melhorando os sintomas e a
pacientes apresentaram ausência de diagnóstico de DTM após trata- ansiedade dos pacientes17.
mento com um protocolo de intervenção multimodal15 e, de acordo Alguns autores têm investigado os efeitos de intervenções multimo-
com os resultados coletados no presente estudo, 17 (68%) pacientes dais nos sinais e sintomas da DTM, os quais têm se mantido, mesmo
mantiveram-se sem DTM na avaliação do follow-up de dois meses. depois de finalizado o tratamento fisioterapêutico, principalmente
Em 4 (16%) pacientes que ainda apresentavam diagnóstico após o quando este inclui exercícios mandibulares e cervicais passivos e ati-
tratamento, houve a remissão da disfunção na avaliação após follow- vos, técnicas de relaxamento, correção postural e exercícios dirigi-
-up de dois meses. Por meio dessa intervenção, os autores obtiveram dos4,11,18. Com isso, demonstra-se a importância do enfoque sobre
uma redução significativa da gravidade da disfunção, avaliada pelo o sistema craniocervicomandibular no tratamento de pacientes com
Indice Temporomandibular15, sendo que esses efeitos terapêuticos se DTM, abrangendo a coluna e os músculos cervicais, uma vez que
mantiveram após um período de follow-up de 2 meses. Os resulta- esse sistema consiste em uma unidade funcional. Além disso, essa
dos concordantes com os do presente estudo podem ser atribuídos, abordagem, introduzida no presente estudo, pode ser um importan-
além da abordagem multimodal, às orientações de autocuidado e te fator contribuinte para a conservação dos resultados terapêuticos.
de exercícios domiciliares também incluídos no protocolo de inter- Exercícios de autocuidado apresentam benefícios comprovados19 e
venção, imprescindíveis para a obtenção de resultados em curto e considera-se que, juntamente com a educação dos pacientes, cons-
longo prazo. tituem fatores relevantes para manutenção do tratamento e conti-
Com base nos resultados descritos na avaliação do limiar de dor à nuidade terapêutica20. Ainda, possuem baixo custo e perpetuam os
pressão no período de follow-up, não se observou mudanças esta- efeitos do tratamento fisioterápico, cujo efeito possui durabilidade,
tisticamente significativas em nenhum dos músculos analisados em mas contata-se o seu declínio no decorrer de dois meses15,16.
relação aos valores obtidos logo após o tratamento. Outro estudo, O presente estudo contou com limitações como o tamanho da
apesar de não apresentar evidências estatisticamente significativas, amostra e a ausência de cegamento dos examinadores. Ainda, a es-

8
Estabilidade dos efeitos da fisioterapia na disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):6-9

cassez e heterogeneidade metodológica das pesquisas encontradas mandibular disorders. J Oral Rehabil. 2009;36(9):644-52.
5. Strini PJ, Souza GC, Bernardino Junior R, Fernandes Neto AJ. Alterações biomecâ-
sobre o tema, principalmente quanto à permanência dos efeitos tera- nicas em pacientes portadores de disfunção temporomandibular antes e após o uso de
pêuticos, limitaram a sua discussão. Ainda, sugere-se que, para con- dispositivos oclusais. Rev Odonto. 2009;17(33):42-7.
6. Grossi DB, Chaves TC. Physiotherapeutic treatment for temporomandibular disor-
firmação de estabilidade de resultados terapêuticos, períodos mais ders (TMD). Braz J Oral Sci. 2004;3(10):492-7.
longos de follow-up, ou seja maior que 6 meses, sejam estudados. 7. Kalamir A, Pollard H, Vitello AL, Bonello R. Manual therapy for temporomandibular
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9. Maluf AS, Moreno BG, Alfredo PP, Marques A, Rodrigues G. Exercícios terapêuti-
cos nas desordens temporomandibulares: uma revisão de literatura. Rev Fisioter Pesq.
A maioria dos pacientes manteve o mesmo resultado quanto ao diag- 2008;15(4):408-15.
nóstico de DTM e presença de ruídos articulares após dois meses do 10. Yoda T, Sakamoto I, Imai H, Honma Y, Shinjo Y, Takano A, et al. A randomized
controlled trial of therapeutic exercice for clickink due to disc anterior displacement
tratamento. Ainda, o efeito do tratamento sobre a sintomatologia with reduction in temporomandibular joint. Cranio. 2003;21(1):10-6.
dolorosa também permaneceu, uma vez que não houve diferença 11. von Pierkartz H, Hall T. Orofacial manual therapy improves cervical movement im-
nos valores de limiar de dor à pressão avaliados logo após e após pairment associated with headache and features of temporomandibular dysfunction: a
randomized controlled trial. Man Ther. 2013;18(4):345-50.
dois meses do término do tratamento. Sendo assim, a intervenção 12. Vedolin GM, Lobato VV, Conti PC, Lauris JR. The impact of stress and anxiety on the
da fisioterapia se mostrou efetiva e com efeito duradouro no trata- pressure pain threshold of myofascial pain patients. J Oral Rehabil. 2009;36(5):313-21.
13. Oliveira-Campelo NM, Rubens-Rebelatto J, Martí N-Vallejo FJ, Albuquerque-Sedí
mento desses pacientes. Esse resultado pode ser atribuído à melhora NF, Fernández-de-Las-Peñas C. The immediate effects of atlanto-occipital joint ma-
do equilíbrio muscular e redução da sobrecarga articular obtida com nipulation and suboccipital muscle inhibition technique on active mouth opening
and pressure pain sensitivity over latent myofascial trigger points in the masticatory
o tratamento, incluindo todo o sistema craniocervicomandibular, muscles. J Orthop Sports PhysTher. 2010;40(5):310-7.
bem como as orientações de autocuidado e exercícios domiciliares, 14. Silveira A, Armijo-Olivo S, Gadotti IC, Magee D. Masticatory and cervical muscle
fundamentais para a obtenção e manutenção dos resultados tera- tenderness and pain sensitivity in a remote area in subjects with a temporomandibular
disorder and neck disability. J Oral Facial Pain Headache. 2014;28(2):138-46.
pêuticos. 15. Freire AB, De Nardi AT, Boufleur J, Chiodelli L, Pasinato F, Corrêa EC. Abordagem
fisioterapêutica multimodal: efeitos sobre o diagnóstico e a gravidade da disfunção
temporomandibular. Fisioter Mov. 2014;27(2):219-27.
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directed at the cervical spine on pain sensitivity in patients with myofascial temporo- romandibulares: estudo retrospectivo. Rev Fisiot Univ São Paulo. 2003;10(2):77-83.

9
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):10-4 ARTIGO ORIGINAL

Influence of temporomandibular disorder presence and severity on oral


health-related quality of life*
Influência da presença e gravidade da disfunção temporomandibular na qualidade de vida
relacionada com a saúde oral
George Azevedo Lemos1, Marcília Ribeiro Paulino2, Franklin Delano Soares Forte3, Rejane Targino Soares Beltrão3, André Ulisses
Dantas Batista4

*Recebido do Departamento de Odontologia Restauradora, Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150003

ABSTRACT CONCLUSION: Temporomandibular disorder severity has


negative impact on quality of life, especially in volunteers with
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Temporomandibular simultaneous joint and muscle clinical signs.
disorders are highly prevalent and may impair several oral func- Keywords: Pain, Quality of life, Temporomandibular joint di-
tion-related aspects. This study aimed at evaluating the impact of sorders.
the presence and severity of temporomandibular disorder signs
and symptoms on oral health-related quality of life. RESUMO
METHODS: Participated in the study 135 dentistry students of
the Federal University of Paraiba. The presence of temporoman- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As disfunções temporo-
dibular disorder was determined by means of an anamnesis ques- mandibulares são altamente prevalentes e podem comprometer
tionnaire and a summarized clinical evaluation protocol. Oral diversos aspectos relacionados à função oral. O objetivo deste
health-related quality of life was determined by the summarized estudo foi avaliar o impacto da presença e gravidade dos sinais e
Oral Health Impact Profile version translated and validated for sintomas de disfunção temporomandibular na qualidade de vida
the Portuguese language. Statistical comparisons between Oral relacionada com a saúde oral.
Health Impact Profile-14 means related to the presence of tem- MÉTODOS: Cento e trinta e cinco estudantes de odontologia
poromandibular disorder signs and symptoms were achieved da Universidade Federal da Paraíba foram avaliados. A presença
with Mann-Whitney and Kruskal-Wallis tests. de disfunção temporomandibular foi determinada por meio de
RESULTS: Volunteers with temporomandibular disorder questionário anamnésico e por um protocolo resumido de ava-
(p<0.001), needing treatment (p<0.001) and higher severity liação clínica. A qualidade de vida relacionada com a saúde oral
(p<0.001) had higher impact on oral health-related quality of life. foi determinada por meio da versão resumida do Oral Health
Volunteers with clinical temporomandibular disorder signs had Impact Profile em sua versão traduzida e validada para o portu-
further quality of life impairment, being that individuals with guês. Comparações estatísticas entre as médias do Oral Health
simultaneous muscle and joint temporomandibular disorders Impact Profile-14 relacionadas à presença de sinais e sintomas de
(p=0.034) had higher Oral Health Impact Profile-14 scores. Most disfunções temporomandibulares foram realizadas por meio dos
impaired domains were physical pain (p=0.045), functional limi- testes de Mann-Whitney e Kruskal-Wallis.
tation (p=0.007) and psychological discomfort (p=0.045). RESULTADOS: Os voluntários com disfunção temporomandi-
bular (p<0,001), necessidade de tratamento (p<0,001) e maior
gravidade (p<0,001) exibiram maior impacto na qualidade de
1. Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Biologia, Campinas, SP, Brasil. vida relacionada com a saúde oral. Os voluntários com sinais
2. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN, Brasil.
3. Universidade Federal da Paraíba, Departamento de Clínica e Odontologia Social, João clínicos de disfunção temporomandibular apresentaram maior
Pessoa, PB, Brasil. comprometimento da qualidade de vida, sendo que os indiví-
4. Universidade Federal da Paraíba, Departamento de Odontologia Restauradora, João Pes-
soa, PB, Brasil.
duos com sinais de disfunção temporomandibular muscular e
articular simultaneamente (p=0,034) apresentaram os maiores
Apresentado em 06 de novembro de 2014. escores do Oral Health Impact Profile-14. Os domínios mais
Aceito para publicação em 12 de fevereiro de 2015.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: CNPq comprometidos foram dor física (p=0,045), limitação funcional
(p=0,007) e desconforto psicológico (p=0,045).
Endereço para correspondência
George Azevedo Lemos CONCLUSÃO: A gravidade da disfunção temporomandibular
Universidade Federal da Paraíba, Centro de Ciências da Saúde - Campus I, Departamento representa impacto negativo na qualidade de vida, especialmente
de Odontologia Restauradora
Campus Universitário - Cidade Universitária - Castelo em voluntários com sinais clínicos articulares e musculares si-
58051-900 João Pessoa, PB, Brasil. multâneos.
E-mail: lemos.george@yahoo.com.br
Descritores: Dor, Qualidade de vida, Transtornos da articulação
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor temporomandibular.

10
Influência da presença e gravidade da disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):10-4
na qualidade de vida relacionada com a saúde oral

INTRODUÇÃO questionário anamnésico adaptado12, contendo perguntas relaciona-


das aos sintomas de DTM, a ser respondido pelos alunos.
Disfunção temporomandibular (DTM) é um termo genérico para O questionário é composto por 10 perguntas, cada uma contendo
uma série de sinais e sintomas clínicos envolvendo os músculos da três respostas possíveis: “sim”, “não” ou “às vezes”; às quais foram
mastigação, as articulações temporomandibulares (ATM) e estrutu- atribuídos os seguintes valores, respectivamente: “10”, “0”, “5”. A
ras associadas1. somatória dos valores atribuídos às respostas foi comparada com o
O sintoma mais frequentemente relatado é a dor, localizada nos com índice anamnésico DMF12, que permite classificar a população
músculos mastigatórios e/ou região pré-auricular, sendo agravada segundo o grau de DTM, de acordo com o total de pontos obtidos,
pela mastigação ou outra atividade mandibular2. Também podem sendo estabelecidos valores de 0-15 (ausência de DTM), de 20-40
estar presentes outros sintomas tais como limitação ou assimetria (DTM leve), de 45-65 (DTM moderada) e 70-100 (DTM grave).
dos movimentos mandibulares, ruídos articulares, hipertrofia não Os dados do índice anamnésico também permitem classificar a
dolorosa dos músculos mastigatórios, fadiga muscular, e desgastes amostra em dois grupos adicionais: voluntários “sem necessidade de
oclusais anormais associados a parafunções como o bruxismo2-4. tratamento” (ausência de DTM e DTM leve) e “com necessidade de
Devido a essa grande variedade de sinais e sintomas, os pacientes tratamento” (DTM moderada e grave)12.
com DTM podem apresentar elevado grau de comprometimento Os voluntários também foram submetidos a um protocolo resumi-
físico e mental, exibindo características clínicas comuns com por- do de avaliação clínica de DTM, registrado em ficha clínica adequa-
tadores de outros tipos de doenças crônicas, e reflexo negativo na da. O exame foi realizado na clínica de Oclusão do Departamento
qualidade de vida (QV)5. de Odontologia Restauradora (DOR) da UFPB por um único exa-
Alguns autores, utilizando indicadores subjetivos de saúde, têm de- minador treinado e com experiência na área.
monstrado que a DTM apresenta um grande impacto na QV6,7. A presença de sinais clínicos permitiu a classificação da DTM de
No entanto, a relação entre esse impacto, a gravidade e os diferentes acordo com os seguintes critérios:
tipos de DTM ainda não foi totalmente explorada. • Sinais de DTM muscular: duas ou mais áreas de dor muscular;
Neste sentido, o conceito de QV relacionada com a saúde oral ofe- • Sensibilidade articular: uma ou mais áreas de dor articular;
rece grande oportunidade para sintetizar uma variedade de possíveis • Alterações dos movimentos mandibulares: uma ou mais alterações
impactos psicossociais em relação a determinadas doenças bucais, dos movimentos mandibulares (restrição de abertura, hipermobili-
sendo possível caracterizar a carga psicossocial da DTM e comparar dade, desvios e deflexão);
esse impacto entre os seus diagnósticos específicos8,9. • Sons articulares: uma ou mais áreas de ruídos articulares (estalidos
Um dos instrumentos mais utilizados para mensurar a QV relacio- e crepitação);
nada com a saúde oral é o Oral Health Impact Profile (OHIP). O • Sinais de DTM articular: duas ou mais áreas de desvios da norma-
questionário original, versão com 49 itens e sua versão reduzida com lidade da ATM (dor articular, ruídos ou movimentos mandibulares
14 itens (OHIP-14) possuem sete domínios de impacto: limitação alterados).
funcional, dor física, desconforto psicológico, incapacidade física,
incapacidade psicológica, incapacidade social e deficiência, permi- Avaliação da qualidade de vida relacionada com a saúde oral
tindo sua aplicabilidade no diagnóstico do impacto de diversas con- A QV relacionada com a saúde oral foi estimada através do OHIP,
dições orais, inclusive as DTM10,11. em sua versão reduzida e validada para o português (OHIP-14)13,14.
Sua versão reduzida, OHIP-14, distingue os sete domínios da saú- O questionário é composto por 14 perguntas, com cinco opções
de bucal utilizando dois itens para cada domínio. O OHIP-14 de- de respostas: nunca, raramente, às vezes, repetidamente e sempre,
monstrou excelentes propriedades psicométricas, sendo um instru- graduadas, respectivamente como zero, um, dois, três e quatro. To-
mento válido, reprodutível e consistente11. das as respostas ordinais são somadas para produzir um escore total
Dessa forma, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto da do OHIP-14, que poderá variar de zero a 56, com maiores escores
presença e gravidade dos sinais e sintomas da DTM na qualidade de significando impacto mais negativo na saúde oral13,14.
vida relacionada com a saúde oral, através do OHIP-14. OHIP-14 distingue sete domínios da saúde bucal utilizando dois
itens para cada domínio. Os itens são organizados de acordo com
MÉTODOS um modelo hierárquico para os domínios que vão de limitação fun-
cional a deficiência. A pontuação de cada um dos sete domínios do
Foram selecionados 135 voluntários, alunos do curso de odontolo- OHIP-14 pode variar de zero a oito pontos, com maiores escores
gia da UFPB com idades entre 18 e 25 anos, sendo 58 homens e 77 significando maior comprometimento13.
mulheres, no período de setembro de 2011 a maio de 2012.
Os critérios de exclusão adotados foram: dois ou mais dentes per- Análise estatística
didos (exceto os terceiros molares); uso de prótese removível; parti- Os dados foram analisados no programa StatisticalPackage for Social
cipantes que no momento do estudo faziam uso de aparelhos orto- Sciences (SPSS) versão 17.
dônticos, participantes em tratamento para DTM ou outras dores O teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov demonstrou que os
orofaciais agudas e crônicas. escores do OHIP-14 não apresentaram distribuição normal, dessa
forma, os testes não paramétricos Mann-Whitney e Kruskal-Wallis
Classificação da DTM foram utilizados para comparações entre as médias do OHIP-14 re-
Para avaliação da presença e gravidade da DTM foi utilizado um lacionadas aos sinais e sintomas de DTM.

11
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):10-4 Lemos GA, Paulino MR, Forte FD, Beltrão RT e Batista AU

Em ambos os testes estatísticos o nível de significância utilizado foi Os indivíduos com necessidade de tratamento, segundo o índice
de 95%, adotando-se p<0,05 como indicativo de diferença estatís- DMF, exibiram maiores escores do OHIP-14 em comparação aos
tica significativa. indivíduos sem necessidade de tratamento (p<0,001) (Tabela 1).
Este estudo foi aprovado pelo Conselho do Comitê de Ética em Pes- Os indivíduos com DTM leve, moderada e grave exibiram escores
quisa com Seres Humanos do Hospital Universitário Lauro Wan- do OHIP-14 estatisticamente maiores do que o grupo sem DTM
derley da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) sob protocolo de e, quanto maior o grau de comprometimento da DTM, maior o
nº 149/2011. impacto na QV relacionada com a saúde oral (Tabela 1).
Os indivíduos com algum sinal clínico de DTM exibiram maiores
RESULTADOS escores do OHIP-14 quando comparados aos indivíduos sem sinais
de DTM. Um maior impacto na QV foi observado no grupo com
O grupo de indivíduos com DTM exibiu escore médio do OHIP- ambos os sinais de DTM muscular e articular, seguido do grupo
14 estatisticamente maior em comparação ao grupo sem DTM (ín- com sinais musculares, no entanto apenas o primeiro foi estatistica-
dice DMF) (p<0,001) (Tabela 1). mente significativo (p=0,034) (Tabela 2).
Conforme se observa na tabela 2, os grupos com algum sinal clíni-
co de DTM apresentaram maiores escores em todos os domínios
Tabela 1. Comparações estatísticas entre as médias do Oral Health
Impact Profile-14 relacionadas à presença e gravidade da disfunção avaliados, exceto deficiência no grupo com sinais de DTM mus-
temporomandibular. João Pessoa/PB cular. No entanto apenas limitação funcional (p=0,045), no grupo
Classificação da DTM Média OHIP-14 ± DP Valor de p
com sinais de DTM muscular, e dor física (p=0,007) e desconforto
(Questionário anamnésico) psicológico (p=0,045), no grupo com sinais de DTM muscular e
Presença de DTM articular, foram estatisticamente significativos.
Ausente 3,91±4,431 <0,001*
Presente 8,99±7,739 DISCUSSÃO
Necessidade de tratamento
Ausente 6,24±6,663 <0,001* Os pacientes com DTM relatam consideráveis sintomas dolorosos,
Presente 13,20±7,430 sejam articulares ou musculares, além de um vasto número de si-
Grau de DTM nais e sintomas que eventualmente podem influenciar nas caracte-
Sem DTM 3,91±4,431 0,016** rísticas individuais e psicossomáticas do indivíduo, reduzindo a sua
DTM Leve 7,26±7,225 QV8,15,16.
DTM Moderada 11,52±7,292 <0,001** No presente estudo, os indivíduos com DTM apresentaram maior
DTM grave 18,71±5,057 <0,001** impacto na QV relacionada com a saúde oral, quando comparados
DTM = disfunção temporomandibular; DP = desvio padrão.
* Estatisticamente significativo (p<0,05) (Teste de Mann-Whitney). ** Estatistica-
aos indivíduos sem DTM.
mente significativo (p<0,05) (Teste de Kruskal-Wallis). Corroborando o presente estudo, outros estudos também demons-

Tabela 2. Comparações estatísticas entre as médias do Oral Health Impact Profile-14 e de seus domínios relacionadas à presença de sinais
clínicos de DTM (exame físico). João Pessoa/PB
Qualidade de Sinais clínicos de DTM
vida Sinais musculares Sinais articulares Sinais musculares e articulares
A/P M ±DP p A/P M ±DP P A/P M ±DP Valor de p
OHIP geral P 8,81 ±7,765 0,182 P 8,48 ±8,591 0,247 P 10,30 ±6,677 0,034*
A 5,66 ±5,944 A 5,66 ±5,944 A 5,66 ±5,944
OHIP-1 P 0,81 ±1,377 0,045* P 0,41 ±1,045 0,140 P 0,22 ±0,518 0,224
A 0,30 ±0,814 A 0,30 ±0,814 A 0,30 ±0,814
OHIP-2 P 1,13 ±1,408 0,156 P 1,04 ±1,282 0,114 P 1,78 ±1,594 0,007*
A 0,54 ±0,838 A 0,54 ±0,838 A 0,54 ±0,838
OHIP-3 P 2,44 ±2,065 0,436 P 2,78 ±2,449 0,326 P 3,65 ±2,405 0,045*
A 2,04 ±1,840 A 2,04 ±1,840 A 2,04 ±1,840
OHIP-4 P 1,13 ±1,586 0,076 P 0,70 ±1,314 0,177 P 1,00 ±1,314 0,105
A 0,46 ±1,182 A 0,46 ±1,182 A 0,46 ±1,182
OHIP-5 P 1,38 ±1,544 0,197 P 1,50 ±1,871 0,246 P 1,65 ±1,584 0,161
A 0,94 ±1,284 A 0,94 ±1,284 A 0,94 ±1,284
OHIP-6 P 1,44 ±1,548 0,383 P 1,52 ±1,786 0,509 P 1,65 ±1,402 0,342
A 1,02 ±1,301 A 1,02 ±1,301 A 1,02 ±1,301
OHIP- 7 P 0,50 ±0,816 0,314 P 0,50 ±1,225 0,591 P 0,30 ±1,063 0,572
A 0,36 ±0,875 A 0,36 ±0,875 A 0,36 ±0,875
OHIP = Oral Health Impact Profile; DTM = disfunção temporomandibular; P = presença de diagnóstico clínico de disfunção temporomandibular (exame físico), A =
ausência de diagnóstico clínico de disfunção temporomandibular (exame físico), M = média do OHIP-14, DP = desvio padrão, OHIP-1 = limitação funcional, OHIP-2 =
dor física, OHIP-3 = desconforto psicológico, OHIP-4 = incapacidade física, OHIP-5 = incapacidade psicológica, OHIP-6 = incapacidade social, OHIP-7 = deficiência.
* Estatisticamente significativo (p<0,05) (Teste de Kruskal-Wallis).

12
Influência da presença e gravidade da disfunção temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):10-4
na qualidade de vida relacionada com a saúde oral

traram pontuações do OHIP-14 marcadamente superiores em pa- estalidos, crepitação e desvios mandibulares influenciam o com-
cientes com DTM em comparação a indivíduos assintomáticos, portamento dos indivíduos afetados podendo ser percebidos pelo
indicando maior comprometimento da QV relacionada à saúde oral OHIP-14 e, portanto, não podem ser negligenciados pelo clínico.
no grupo DTM6,8. O maior comprometimento da QV no grupo com ambos os sinais
Já um estudo de base populacional de saúde em uma região da Ale- musculares e articulares pode ser explicado por este grupo apresentar
manha mostrou que sintomas de DTM foram associados a uma maior gravidade da DTM ao exibir sintomatologia muscular e arti-
redução significativa na QV, sendo que a redução foi maior para as cular10,15. Nesse sentido, outro estudo também mostrou que pacien-
mulheres do que para os homens17. tes com diagnósticos de dor muscular e articular simultaneamente
A necessidade de tratamento, segundo o índice DMF, reflete a pre- exibiram escores significativamente maiores do OHIP9.
sença de maior gravidade da DTM. No presente estudo, os indi- Em relação aos sete domínios do OHIP-14, os grupos com algum
víduos que necessitavam de tratamento apresentaram comprometi- sinal clínico de DTM apresentaram maiores escores em todos os do-
mento da QV relacionada com a saúde oral estatisticamente maior mínios avaliados, exceto deficiência no grupo com sinais de DTM
em comparação aos indivíduos sem necessidade de tratamento. muscular. Limitação funcional (p=0,045), dor física (p=0,007) e
Os presentes dados também mostraram relação positiva entre a gra- desconforto psicológico (p=0,045) foram os domínios mais com-
vidade da DTM e maior impacto na QV. Indivíduos com DTM prometidos.
grave queixam-se principalmente da presença de dor, tendo esta um Vários estudos também demonstraram que dor física é o domínio
papel relevante no comportamento psicossocial e na QV. com maior comprometimento em pacientes com DTM, e deficiên-
Outros trabalhos também mostraram relação positiva entre os esco- cia o domínio menos afetado6,8,10,13,15,19. No entanto, em contraste
res do OHIP-14 e a gravidade da DTM6,10. Corroborando os pre- aos presentes resultados, um estudo mostrou que limitação funcio-
sentes resultados, uma revisão sistemática da literatura demonstrou nal não foi estatisticamente associada à presença de DTM8.
que a dor é um dos sintomas mais relevantes na DTM e afetam É importante salientar que as diferenças encontradas entre o presen-
negativamente a QV relacionada com a saúde oral15. Nesse sentido, te estudo e os demais podem ser explicadas por diferenças metodo-
a dor orofacial tem um impacto adverso substancial no bem-estar lógicas. Neste estudo, embora se tenha utilizado um protocolo de
funcional, físico e psicossocial18. avaliação clínica, o mesmo não apresenta especificidade para diag-
Em relação aos sinais clínicos, foi observado no presente estudo que nosticar o tipo específico de DTM que o paciente apresenta. Em
indivíduos com algum sinal clínico de DTM apresentaram maior contrapartida, os estudos que utilizam o protocolo de avaliação pelo
comprometimento da QV relacionada com a saúde oral em com- RDC/TMD tem a vantagem de poder afirmar com exatidão o tipo
paração aos indivíduos sem sinais de DTM. Os sinais clínicos de de DTM apresentada.
DTM muscular representaram comprometimento ligeiramente su-
perior em comparação aos sinais articulares, porém sem diferença es- CONCLUSÃO
tatística significativa. Já o grupo de indivíduos com ambos os sinais
musculares e articulares exibiu comprometimento da QV estatistica- A presença e a gravidade da DTM comprometem a QV relacionada
mente maior em comparação ao grupo sem sinais clínicos de DTM. com saúde oral. O OHIP-14 é um instrumento rápido e versátil,
O maior impacto observado nos indivíduos com sinais de DTM capaz de estimar o grau de comprometimento dos sinais e sintomas
muscular pode ser suportado pela observação clínica de que pacien- da DTM na QV, podendo também ser utilizado para monitorar o
tes com distúrbios musculares costumam apresentar mais sintomas impacto dos diferentes tipos de tratamentos para a DTM permitin-
dolorosos6,7. Esses sintomas podem, consequentemente, causar do melhores resultados clínicos.
maiores limitações em relação aos pacientes com sinais articulares,
que muitas vezes podem ser assintomáticas, especialmente em casos AGRADECIMENTOS
de deslocamento de disco com redução9.
Estes resultados estão de acordo com outros estudos, nos quais foi Ao CNPq pelo apoio financeiro e incentivo a pesquisa.
observado que o impacto psicossocial da DTM está relacionado aos
sinais e sintomas específicos, sendo que diagnósticos de DTM asso- REFERÊNCIAS
ciados à dor, por exemplo, dor miofascial e artralgia, tem um maior
impacto na QV6,7,9,15. 1. Thilander B, Rubio G, Pena L, de Mayorga C. Prevalence of temporomandibular
dysfunction and its association with malocclusion in children and adolescents: an epi-
Nesse sentido, indivíduos com distúrbios miogênicos apresentaram demiologic study related to specified stages of dental development. Angle Orthod.
QV relacionada com a saúde oral mais prejudicada do que os in- 2002;72(2):146-54.
2. Leeuw, R. Dor orofacial: guia de avaliação, diagnóstico e tratamento. 4ª ed. São Paulo:
divíduos com transtornos de dor na ATM e tanto a dor miofascial Quintessence; 2010.
quanto a articular exibem maior impacto que o deslocamento de 3. Winocur E, Littner D, Adams I, Gavish A. Oral habits and their association with signs
and symptoms of temporomandibular disorders in adolescents: a gender comparison.
disco com redução9. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod. 2006;102(4):482-7.
No entanto, foi observado no presente estudo que a presença de si- 4. Figueiredo VM, Cavalcanti AL, Farias AB, Nascimento SR. Prevalência de sinais, sin-
nais clínicos de DTM articular, incluindo sons articulares e desvios de tomas e fatores associados em portadores de disfunção temporomandibular. Acta Sci,
Health Sci. 2009;31(1):159-63.
abertura bucal, exerceu influência negativa sobre a saúde percebida. 5. Moreno BG, Maluf SA, Marques AP, Crivello-Júnior AP. Avaliação clínica e da qua-
Corroborando os presentes resultados, outro estudo também mos- lidade de vida de indivíduos com disfunção temporomandibular. Rev Bras Fisioter.
2009;13(3):210-4.
trou um impacto negativo de distúrbios articulares na QV9. Embora 6. Barros VMde M, Seraidarian PI, Côrtes MI, de Paula LV. The impact of orofacial pain
muito desses distúrbios não sejam associados à dor, sintomas como on the quality of life of patients with temporomandibular disorder. J Orofac Pain.

13
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):10-4 Lemos GA, Paulino MR, Forte FD, Beltrão RT e Batista AU

2009;23(1):28-37. 2004;21(4):306-11.
7. John MT, Reissmann DR, Schierz O, Wassell RW. Oral health-related quality of life 14. Oliveira BH, Nadanovsky P. Psychometric properties of the Brazilian version of
in patients with temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 2007;21(1):46-54. the Oral Health Impact Profile-short form. Community Dent Oral Epidemiol.
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14
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21 ARTIGO ORIGINAL

Prevalence of pain at the head, face and neck and its association with
quality of life in general population of Piracicaba city, Sao Paulo: an
epidemiological study*
Prevalência de dor no segmento cefálico e sua associação com qualidade de vida na
população geral do município de Piracicaba, São Paulo: um estudo epidemiológico
Marília Araújo Ruivo1, Marcelo Corrêa Alves2, Maria da Graça Rodrigues Bérzin3, Fausto Bérzin1

*Recebido da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Universidade Estadual de Campinas, Piracicaba, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150004

ABSTRACT CONCLUSION: The study has identified high prevalence of


head, face and neck pain, significant morbidity of people affec-
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Head, face and neck ted by this condition and its negative impact on quality of life.
pain affects a large portion of the world population, however Keywords: Chronic pain, Epidemiology, Prevalence, Quality
there are few studies reporting this condition in general Brazilian of life.
population. This study aimed at investigating the prevalence of
head, face and neck pain and its impact on the quality of life of RESUMO
adults of Piracicaba city, São Paulo.
METHODS: The sample was made up of 400 volunteers of JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: As dores que acometem o
both genders, aged between 20 and 50 years, who were randomly segmento cefálico afetam grande parte da população mundial,
approached in six crossing points of the city. Socio-demographic, porém são poucos os trabalhos que retratam essa condição na
pain prevalence, location, frequency, duration and severity, and população geral do Brasil. O objetivo deste estudo foi investigar
self-perception of quality of life data were collected by means of a prevalência de dor no segmento cefálico e seu impacto sobre
anonymous self-applied questionnaires: Orofacial Pain Questio- a qualidade de vida de adultos do município de Piracicaba, São
nnaire and WHOQOL-BREF. Paulo.
RESULTS: Pain prevalence was 54.75%, of predominantly seve- MÉTODOS: A amostra foi composta por 400 voluntários de am-
re intensity (21.30%), daily recurrence (41.10%) and present for bos os gêneros, com idade entre 20 e 50 anos que foram aleato-
more than six months (91.32%). Most affected region was the riamente abordados em seis pontos de passagem do município. A
head (36%) being the intraoral region the less frequently repor- coleta de dados sócio-demográficos, prevalência, localização, fre-
ted (6%). There has been no significant association between pain
quência, duração, gravidade da dor e autopercepção da qualidade
and factors such as age, economic level and education (p>0.05);
de vida foi realizada por meio de questionários anônimos autoa-
however there has been significant prevalence among females. No
plicados, o Questionário de Dor Orofacial e o WHOQOL-BREF.
pain was frequently associated to better quality of life (p<0.05).
RESULTADOS: A prevalência de dor foi de 54,75%, de in-
Volunteers reporting pain were more unhappy with quality of
tensidade predominantemente intensa (21,30%), recorrência
sleep (p<0.05), however there has been no significant association
diária (41,10%) e presente há mais de seis meses (91,32%). A
with the frequency of negative feelings.
região mais acometida foi a cabeça (36%) sendo a região intra-
oral menos frequentemente apontada (6%). Não se observou
associação significativa entre a presença de dor e fatores como
idade, nível econômico e escolaridade (p>0,05), porém houve
significativa prevalência de dor entre as mulheres. A ausência de
1. Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Piracicaba, dor foi frequentemente associada à melhor qualidade de vida
SP, Brasil.
2. Universidade de São Paulo, Piracicaba, SP, Brasil. (p<0,05). Voluntários que relataram dor apresentaram maior
3. Centro Clínico de Piracicaba, Piracicaba, SP, Brasil. insatisfação com a qualidade do sono (p<0,05), porém não foi
 
Apresentado em 29 de setembro de 2014. observada associação significativa com a frequência de senti-
Aceito para publicação em 19 de fevereiro de 2015. mentos negativos.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: CAPES.
CONCLUSÃO: O estudo identificou alta prevalência de dor no
Endereço para correspondência: segmento cefálico, significante morbidade das pessoas acometi-
Marília Araújo Ruivo
Av. Limeira, 901 das por essa condição e seu impacto negativo sobre a qualidade
13414-903 Piracicaba, SP, Brasil. de vida.
E-mail: marilia_ruivo@hotmail.com
Descritores: Dor crônica, Epidemiologia, Prevalência, Qualida-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor de de vida.

15
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21 Ruivo MA, Alves MC, Bérzin MG e Bérzin F

INTRODUÇÃO MÉTODOS

O termo epidemiologia pode ser definido como “estudo da distribui- Trata-se de um estudo transversal e observacional da população de
ção e dos determinantes de estados ou eventos relacionados à saúde em adultos do município de Piracicaba, São Paulo. Participaram da
populações específicas e a aplicação desse estudo no controle dos problemas pesquisa 400 voluntários de ambos os gêneros (200 homens e 200
de saúde”1. Pesquisas epidemiológicas na área de dor são importantes, mulheres), com idade entre 20 e 50 anos (média de 34,70 anos e
pois fornecem informações sobre sua prevalência em diferentes seg- desvio padrão de 8,75 anos), oriundos de 68 bairros do município,
mentos da população e sobre os fatores associados à sua etiologia e aleatoriamente abordados em 6 pontos de passagem de grande mo-
persistência, sendo de grande utilidade para os profissionais de saúde e vimento populacional do município.
para o desenvolvimento de programas de combate à dor2. O tamanho da amostra foi calculado a partir da população oficial do
Considerada atualmente um grave problema de saúde pública, a município, 385.287 habitantes (Fonte do Instituto Brasileiro de Geo-
dor, cuja prevalência é crescente, representa o principal motivo de grafia e Estatística, 2013)18, com nível de confiança de 95% e intervalo
procura por assistência à saúde por parte da população geral3. de confiança de 5%, calculado por meio do SampleSize Calculator19.
Dentre as queixas dolorosas mais frequentes estão aquelas prove- A coleta de dados sobre prevalência, características da DOF e a auto-
nientes do segmento cefálico4, as chamadas dores orofaciais (DOF), percepção da QV, foi realizada por meio da aplicação de dois ques-
que podem acometer tecidos moles e duros da cabeça, face e pes- tionários estruturados, padronizados e pré-testados, anônimos e au-
coço5. Estudos populacionais têm mostrado que a prevalência das toaplicados, o Questionário de Dor Orofacial e o Questionário de
dores do complexo oral e craniofacial é alta, afetando cerca de um Avaliação da Qualidade de Vida WHOQOL-BREF.
quarto da população pelo menos uma vez na vida6. O presente estudo é parte integrante do projeto de pesquisa “Estudo
As DOF podem ser classificadas de várias maneiras. Uma delas dife- epidemiológico de dores bucofaciais e correlação com saúde e qua-
rencia a dor aguda da dor crônica. As dores agudas comumente são lidade de vida na população geral da região sudeste do Brasil”, e foi
associadas às odontogênicas e periodontais. Já as dores persistentes realizado de acordo com os princípios éticos contidos na declaração
ou crônicas são mais presentes nos quadros de disfunção temporo- de Helsinki e na Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde.
mandibular e dor facial idiopática7.
Levantamentos epidemiológicos realizados nos Estados Unidos, Ca- Questionário de dor orofacial
nadá e Reino Unido verificaram que a frequência das DOF na po- Elaborado pelos próprios autores, sem a intenção de ser um instru-
pulação geral adulta pode variar de 14 a 40%8-11. Estudos epidemio- mento de diagnóstico, o questionário é composto por questões que
lógicos sobre a população brasileira referem uma variação de 32,2 a objetivam a caracterização demográfica da amostra (gênero, idade,
73,1% na frequência de DOF, principalmente crônica, dependendo escolaridade, condição econômica, bairro em que reside), seis ques-
das condições avaliadas e metodologias utilizadas12-15. tões que avaliam a existência da DOF e, quando presente, as carac-
Quando a dor persiste, tornando-se crônica, pode produzir impac- terísticas da dor (local, frequência, duração, intensidade e localização
tos negativos sobre a qualidade de vida (QV) do indivíduo. A dor da dor de acordo com as regiões anatômicas topográficas da cabeça
torna-se o foco primário de sua atenção, pode produzir disfunções e do pescoço), uma questão relacionada à ocorrência de traumas re-
fisiológicas, alterar o equilíbrio emocional do indivíduo e causar centes na cabeça, pescoço ou maxila, consumo de fármacos, trata-
prejuízos de natureza social e profissional como distúrbios do sono, mentos realizados e a presença de doença sistêmica.
fadiga física e emocional, perda de contato social, dificuldade de se Foi desenvolvido um Índice para Classificação Econômica (ICE)
alimentar, limitação das atividades diárias e absenteísmo no traba- baseado em uma somatória de pontos atribuídos de acordo com res-
lho16. No âmbito odontológico, indivíduos acometidos pela DOF postas dadas a algumas questões. Àqueles que indicaram não receber
vivenciam grandes mudanças nas atividades diárias, dentre elas, in- benefícios do governo foram atribuídos 10 pontos, àqueles com casa
satisfação com a condição bucal, ingestão de fármacos e modificação própria, 20 pontos, se a casa própria estiver quitada, 20 pontos adi-
da dieta alimentar, podendo comprometer a QV mais do que outras cionais ao passo que se a mesma estiver financiada, apenas 10 pon-
condições sistêmicas como diabetes, hipertensão ou úlcera17. tos. Se a casa em que mora tiver piscina, foram atribuídos 40 pontos
A alta prevalência de dores no segmento cefálico e suas repercussões e se a pessoa tiver acesso, em casa, à internet com banda larga, 10
negativas na QV dos indivíduos têm merecido destaque nas investi- pontos. De acordo com os cálculos, um voluntário pode auferir um
gações em saúde pública, dada a morbidade que essas condições po- escore que varia de 0 (pessoa com benefício do governo, sem acesso
dem causar. No entanto, em que pese a relevância desses sintomas, à internet com banda larga, sem casa própria e cuja casa em que
estudos epidemiológicos brasileiros envolvendo a população geral reside não tem piscina) até 100 (pessoa que não recebe benefícios
ainda são escassos e utilizam, em sua maioria, amostras de conveni- do governo, tem casa própria com piscina e quitada e com acesso à
ência como populações vinculadas a clínicas de tratamento ou uni- internet por meio de banda larga).
dades assistenciais, o que dificulta o estabelecimento de políticas so- Cada voluntário foi classificado de acordo com os critérios descritos
ciais e de saúde que priorizem e viabilizem a prevenção e tratamento e, posteriormente, foi feita a classificação em quartis.
adequados, minimizando custos na área da saúde e principalmente
o sofrimento daqueles que padecem de dor, especialmente crônica. Questionário de avaliação da qualidade de vida (WHOQOL-
Nesse contexto, o objetivo deste estudo foi estimar a prevalência e as -BREF)
características da dor no segmento cefálico na população geral adulta Validado no Brasil, o questionário é composto por 26 questões que
do município e correlacioná-la à autopercepção da saúde e QV. quantificam a percepção da QV de acordo com 4 domínios: físico,

16
Prevalência de dor no segmento cefálico e sua associação com qualidade de vida na Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21
população geral do município de Piracicaba, São Paulo: um estudo epidemiológico

psicológico, relações sociais e meio ambiente do indivíduo. Para de Qui-quadrado para teste da igualdade de proporções. Tabelas
a análise dos resultados, foi utilizado um escore cuja pontuação de contingência bidimensionais foram construídas para estudo da
varia de 0 a 100 pontos, sendo considerados três níveis da QV: existência de associação entre variáveis, tendo sido aplicado o teste
boa – 75 a 100 pontos; indiferente – 50 a 75 pontos e ruim – 25 de Cochram, Mantel e Haenszel para comparação dos escores de
a 50 pontos20. respostas nos diferentes níveis das variáveis adotadas como fatores.
Adicionalmente, foi calculada a estatística Odds ratio. Para testar a
Coleta dos dados existência de associação entre as variáveis usadas na construção das
Os questionários foram aplicados em seis diferentes pontos de pas- tabelas bidimensionais foi adotado o teste de Qui-quadrado de
sagem selecionados por permitirem a abordagem de pessoas de dife- Mantel e Haenszel para fatores ordinais e de Wald para fatores no-
rentes níveis socioeconômicos, idade, gênero e de todas as regiões da minais. Em todos os testes foi adotado o nível de significância de
cidade: Terminal Central de Integração do Sistema de Ônibus Urba- 5% (α=0,05).
no, Faculdade de Odontologia de Piracicaba, praças, áreas comerciais Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o
tradicionais, Shopping Center e Terminal Rodoviário Intermunicipal. protocolo nº 094/2010 – UNIFAL-MG.
Os voluntários abordados na Faculdade de Odontologia de Piracicaba
não incluíram pacientes em tratamento na clínica de graduação ou RESULTADOS
pós-graduação da instituição e sim apenas os funcionários da institui-
ção e acompanhantes de pacientes da clínica odontológica. De um total de 400 participantes, 200 (50%) eram mulheres e 200
Os indivíduos foram abordados aleatoriamente e convidados a par- (50%) eram homens, com média de idade de 34,7 anos. Quanto à
ticipar da pesquisa. Em caso de aceite, os objetivos e métodos do escolaridade, apenas 2 voluntários (0,50%) declararam não ter escola-
estudo eram apresentados de forma clara e por escrito. Após lerem e ridade. Cerca de metade dos voluntários completou o ensino médio
assinarem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (49,75%), enquanto 106 (26,63%) declararam possuir ensino médio
iniciava-se a aplicação do Questionário de Dor Orofacial, seguido incompleto e 92 (23,12%) concluíram o ensino superior. A média
do Questionário de Avaliação de Qualidade de Vida. Em caso de au- do ICE foi de 41,23 com prevalência do quartil 3 composto por 190
sência de dor, os voluntários eram orientados a preencher as questões voluntários (47,50%), seguido do quartil 2 com 97 pessoas (24,25%),
para avaliação sócio-demográfica e eram posteriormente direciona- quartil 1 com 83 voluntários (20,75%) e do quartil 4 que correspon-
dos a responder o questionário WHOQOL-BREF. deu a 7,50% da amostra, ou seja, 30 voluntários (Tabela 1).
A coleta dos dados foi realizada de forma padronizada e apenas no A prevalência de dor no segmento cefálico verificada, 54,75%, não
período da manhã, abordando-se os indivíduos antes de irem ao tra- apresentou diferença estatisticamente significativa (p=0,0574), com
balho, como no Terminal Central de Integração e nas praças. Os frequência diária (41,10%), predominantemente intensa (21,30%)
funcionários da Faculdade de Odontologia de Piracicaba, Estabe- e com duração de mais de seis meses (91,32%), sendo a cabeça a
lecimentos Comerciais e da Rodoviária Intermunicipal foram abor- região do segmento cefálico mais frequentemente apontado (36%),
dados antes do início do expediente de trabalho, a fim de se evitar seguida dos ombros (22,25%), face (20,00%), pescoço (19,25%),
o cansaço acumulado pelo dia de trabalho que poderia influenciar dentes (9,50%) e região intraoral (6%) (Tabela 2).
as respostas. Com o objetivo de se verificar a variação dos índices de prevalên-
cia da dor de acordo com as variáveis gênero, idade, escolaridade
Análise estatística e condição econômica, foi aplicado o teste de Cochran, Mantel e
Os dados foram analisados pelo programa estatístico SAS21. Foram Haenszel para a primeira variável e o teste de Qui-quadrado de Wald
construídas tabelas de contingência univariadas e correlatos testes para as demais variáveis (Tabela 3). Não se observou diferença esta-

Tabela 1. Frequência e porcentagem de dados sócio-demográficos e valor-p do teste de Qui-quadrado para igualdade de proporções.
Fatores Categorias Frequência (n) Porcentagem (%) Valor de p
Gênero Masculino 200 50,00 1,0000
Feminino 200 50,00
Idade (anos) 20 – 30 132 33,00 0,9200
30 – 40 137 34,25
40 – 50 131 32,75
Escolaridade Não tem 2 0,50 0,0001
Médio incompleto 106 26,63
Médio completo 198 49,75
Superior 92 23,12
Condição econômica Quartil 1 83 20,75 0,0001
Quartil 2 97 24,25
Quartil 3 190 47,50
Quartil 4 30 7,50

17
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21 Ruivo MA, Alves MC, Bérzin MG e Bérzin F

Tabela 2. Frequência e porcentagem das classificações da dor orofacial relatada pelos voluntários e valor-p do teste de Qui-quadrado para
igualdade de proporções
Característica da dor Categoria Frequência (n) Porcentagem (%) Valor de p
Presença Sim 219 54,75 0,0574
Não 181 45,25
Frequência Diária 90 41,10 a 0,0001
Semanal 51 23,29 b
Raramente 34 15,53 bc
Mensal 30 13,70 c
Quinzenal 14 6,39 d
Cronicidade Crônica 200 91,32 a 0,0001
Aguda 6 2,74 b
Subaguda 13 5,94 b
Intensidade Ausente 181 45,36 a 0,0001
Intensa 85 21,30 b
Moderada 64 16,04 b
Insuportável 41 10,28 c
Leve 28 7,02 c
Localização Cabeça 144 36,00 a 0,0001
Ombros 90 22,25 b
Face 89 20,00 b
Pescoço 77 19,25 b
Dentes 38 9,50 c
Dentro da boca 24 6,00 c
Porcentagens com letras iguais não diferem entre si numa mesma característica pelo teste de Qui-quadrado (α=0,05).

Tabela 3. Distribuição da autopercepção da existência de dor orofacial de acordo com gênero, idade, escolaridade e condição econômica

Fatores Com dor Sem dor Odds ratio (IC-95%)


n % n % Valor de p
Idade (anos) 20 a 30 70 53,03 62 46,97 1,18 (0,72 - 1,92)
30 a 40 74 54,01 63 45,99 1,14 (0,70 - 1,84)
40 a 50 75 57,25 56 42,75 1,00 (Referência)
p=0,77
Escolaridade Não tem 1 50,00 1 50,00 1,78 (0,10 - 29,52)
Médio Incompleto 58 54,52 48 45,28 1,48 (0,83 – 2,62)
Médio Completo 100 50,51 98 49,49 1,75 (1,05 – 2,91)
Superior 59 64,13 33 35,87 1,00 (Referência)
p=0,20
Condição Econômica Quartil 1 48 57,83 35 42,17 1,00 (Referência)
Quartil 2 52 53,61 45 46,39 1,18 (0,65 – 2,14)
Quartil 3 103 54,21 87 45,79 1,15 (0,68 – 1,95)
Quartil 4 16 53,23 14 46,67 1,20 (0,51 – 2,77)
p=0,94
Gênero Masculino 85 42,50 115 57,50 1,00 (Referência)
Feminino 134 67 66 33,00 1,57 (1,30 – 1,90)
p<0,0001
Valor de p calculado a partir do teste de Cochran, Mantel e Haenszel para a variável “gênero”e Qui-quadrado de Wald para as demais e estatística Odds ratio.

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Prevalência de dor no segmento cefálico e sua associação com qualidade de vida na Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21
população geral do município de Piracicaba, São Paulo: um estudo epidemiológico

tisticamente significativa entre a prevalência de dor e os fatores idade DISCUSSÃO


(p=0,77), escolaridade (p=0,30) e condição econômica (p=0,94); no
entanto, o estudo verificou maior frequência de relato de dor entre O presente estudo descreve um panorama geral acerca das caracte-
as mulheres (p<0,0001). A análise de Odds ratio sugere um risco rísticas biopsicossociais da população geral de adultos do município
de 1,57 vezes maior de as mulheres apresentarem dor no segmen- de Piracicaba em relação à dor no segmento cefálico.
to cefálico em relação aos homens, porém não forneceu indícios de Apesar de não apresentar uma frequência estatisticamente significa-
que indivíduos de determinada faixa etária, grau de escolaridade ou tiva, pode-se afirmar que a DOF é uma condição altamente preva-
condição econômica específica, apresentem maior risco para desen- lente na amostra estudada (54,75%). Trata-se de um resultado que
volver DOF. possui importância clínica biológica, levando-se em conta que mais
O teste de Qui-quadrado de Mantel e Haenszel fornece fortes indí- da metade da população adulta do município é portadora de dor,
cios (p<0,01) da existência de associação linear entre a presença de com intensidade predominantemente intensa (21,30%) e moderada
dor e a autopercepção da QV e qualidade do sono, de forma que é (16,04%), frequentemente diária (41,10%) e presente há mais de
menos provável se estar satisfeito com o sono ou relatar uma boa seis meses (91,32%), além de se mostrar superior a valores apresen-
qualidade de vida quando há relato de dor (Tabelas 4 e 5). A inten- tados por estudos realizados em diferentes populações11,22,23.
sidade da dor também se mostrou linearmente associada à autoper- Observou-se maior frequência de relato de dor pelo gênero feminino
cepção da QV (p=0,0002) (Tabela 4). Entretanto, não foi observada (67%), o que se constata na literatura11,15,24,25, porém, sem ênfase
associação significativa entre a frequência de sentimentos negativos numa faixa etária, grau de escolaridade ou nível econômico. Diver-
como depressão, ansiedade, mau humor, desespero e o relato de sos estudos observaram uma variabilidade na prevalência de dor em
DOF (p=0,11) (Tabela 6). diferentes grupos etários, porém, vale ressaltar que as amostras in-

Tabela 4. Autopercepção da qualidade de vida de acordo com o WHOQOL-BREF dos grupos com e sem dor orofacial e nível de qualidade de
vida em relação à intensidade da dor
Grupos Boa Indiferente Ruim Valor de p
n % n % n %
Com dor 48 21,92 147 67,12 24 10,96 0,0001
Sem dor 78 43,09 97 53,59 06 3,31
Dor leve 8 28,57 18 64,29 2 7,14 0,0002
Dor moderada 17 26,56 43 67,19 4 6,25
Dor intensa 14 16,47 63 74,12 8 9,41
Dor Insuportável 9 21,95 22 53,66 10 24,39
Valor de p calculado a partir do teste de Qui-quadrado de Mantel e Haenszel.

Tabela 5. Prevalência de indicadores da qualidade do sono de voluntários com e sem dor orofacial de acordo com o WHOQOL-BREF
Com dor Sem dor Valor de p
Indicadores da qualidade Muito insatisfeito 25 (92,95%) 2 (7,41%) <0,0001
do sono (16)
Insatisfeito 34 (72,34%) 13 (27,66%)
Nem satisfeito, nem insatisfeito 55 (58,51%) 39 (41,49%)
Satisfeito 81 (49,39%) 83 (50,61%)
Muito satisfeito 24 (35,29%) 44 (64,71%)

Tabela 6. Prevalência de sentimentos negativos em voluntários com e sem dor orofacial, de acordo com o WHOQOL-BREF (domínio psicológico)
Com dor Sem dor Valor de p
Frequência de sentimen- Nunca 25 (11,42%) 38 (21,11%) 0,11
tos negativos (26)
Algumas vezes 124 (56,62%) 97 (53,89%)
Frequentemente 38 (17,35%) 29 (16,11%)
Muito frequentemente 17 (7,76%) 9 (5,00%)
Sempre 15 (6,85%) 7 (3,89%)
Valor de p calculado a partir do teste de qui-quadrado de Mantel e Haenszel.

19
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21 Ruivo MA, Alves MC, Bérzin MG e Bérzin F

cluíam jovens e idosos9,11,14,23, enquanto a amostra do presente estu- cializados e horas perdidas no processo produtivo11, assim como o
do foi constituída apenas por indivíduos adultos. Entretanto, ainda comprometimento da qualidade do sono34. A intensidade da dor
assim, outros autores também não identificaram essa associação6,26. também se mostrou associada a uma maior frequência de relatos
Em relação aos aspectos sociais, é possível observar na literatura negativos na avaliação do nível da QV. Indivíduos que referiram
resultados discrepantes no que se refere à prevalência da DOF em ausência ou grau mais leve de DOF apresentaram maiores médias
relação ao grau de escolaridade e nível econômico. Nesse aspecto, do WHOQOL, em relação àqueles que relataram dor intensa ou
convém ressaltar as dificuldades de conceituação e mensuração dos insuportável. De acordo com outros autores29,35 a intensidade da
diferentes níveis socioeconômicos em geral, o que sugere que esses dor se mostra como um importante determinante dentre todas as
fatores tenham importância secundária no desenvolvimento dessa outras características da DOF como número de sintomas, frequên-
condição dolorosa27. cia e duração, sobre a QV, merecendo grande atenção por parte do
Em relação à gravidade da dor no segmento cefálico, a preva- profissional no tratamento de pacientes portadores dessa condição
lência observada de dor intensa e moderada é semelhante à ve- dolorosa.
rificada por outros autores6,28. O fato de mais de um quinto da Não se identificou significado estatisticamente relevante na as-
amostra referir dor intensa, sugere que uma proporção conside- sociação entre a frequência de sentimentos negativos como mau
rável de adultos residentes no município apresenta uma morbi- humor, desespero, ansiedade e depressão, com a presença ou não
dade importante associada à DOF. Outro aspecto que reforça tal da dor, como também verificado em outro estudo26, o que ressalta
condição relaciona-se à frequência da experiência da dor. Quase a subjetividade do significado que o indivíduo concede à dor em
metade dos indivíduos que relata DOF sofre com essa condição relação aos demais aspectos da qualidade de vida avaliados pelo
diariamente. Os resultados estão de acordo com estudo sobre questionário WHOQOL-BREF e ao fato de que, apesar de haver
DOF, conduzido na Espanha29 com pacientes de um centro de forte evidência de que a dor crônica possa estar associada à inca-
saúde de Córdoba, cujas respostas mais recorrentes foram: “com pacidade física, distúrbios emocionais e dificuldades sociais, estes
bastante frequência” e “muito frequentemente”. Tal comparação não são fenômenos universais e embora algumas pessoas tornem-
ressalta a importância clínica dos resultados observados entre os -se fisicamente incapacitadas, outras parecem se ajustar bem à dor
moradores do município de Piracicaba, que referiram frequência crônica por meio de estratégias eficazes de enfrentamento da dor36.
de dor semelhante a pacientes em tratamento de dor apontada Além disso, não é possível estabelecer, por meio de um estudo
pelo referido estudo. transversal, se os mesmos sentimentos são resultado da presença da
A dor de maior prevalência foi a de cabeça (36,00%), seguida DOF. No entanto, os resultados apontam para a importância de
dos ombros (22,25%), face (20,00%), pescoço (19,25%), den- se reconhecer a eventual presença de tais sentimentos em pessoas
tes (9,50%) e, por último, região intraoral (6,00%). Raros são que referem dor e possam necessitar de tratamento especializado.
os estudos que investigaram a frequência de dor no segmento Algumas limitações devem ser levadas em conta ao interpretar os
cefálico presente nas DOF15,32 . Alguns deles apontam maior resultados deste estudo que foram baseados no autorrelato acer-
prevalência de dor odontogênica em comparação às dores arti- ca dos sintomas de dor, sem um exame clínico dos voluntários.
culares, faciais ou ardência bucal6,13,14,26. Entretanto, este traba- No entanto, acredita-se na fidelidade dos relatos dos voluntários,
lho verificou maior prevalência de dor de cabeça, de natureza o que não afeta, necessariamente, os resultados. O questioná-
crônica, resultado também verificado por outros autores15,30. É rio WHOQOL-BREF, utilizado para avaliar a QV é um instru-
possível que a baixa prevalência de dor odontogênica possa estar mento de pesquisa já consagrado no meio clínico por fornecer
associada às medidas de prevenção ao desenvolvimento da cárie indicadores importantes obtidos a partir da análise dos diversos
(principal responsável pelo desenvolvimento das odontalgias de domínios. Dessa forma, os resultados indicam uma associação
origem pulpar) realizadas no município, como a abrangente flu- entre a presença de DOF e uma percepção ruim da QV, ainda
oretação da água que chega aos domicílios, além do fácil acesso que não se possa estabelecer uma relação direta de causalidade
aos serviços públicos de assistência odontológica especializada no entre os dois fatores.
tratamento das odontalgias.
O mesmo não se pode afirmar quanto ao acesso da população a CONCLUSÃO
tratamentos especializados em dores de cabeça, faciais e articulares.
Apesar de o município contar com 241 estabelecimentos de assistên- O estudo verificou alta prevalência de dor no segmento cefálico na
cia à saúde, a formação acadêmica, em geral, de cirurgiões-dentistas população geral adulta do município de Piracicaba, predominante-
e médicos apresenta indicadores de deficiências teórico-técnicas na mente intensa e moderada, de frequência diária e duração de mais de
área de dor31, dificultando assim a prática diagnóstica e terapêutica seis meses. Os resultados apontam para a necessidade do desenvolvi-
eficaz na assistência aos indivíduos acometidos pela DOF. mento de políticas de saúde baseadas no esclarecimento, educação,
Os resultados do estudo também confirmam a associação entre prevenção e controle da dor que afeta significativamente a qualidade
DOF, especialmente crônica, e o impacto negativo sobre os as- de vida da população.
pectos funcionais, sociais e psicológicos da QV dos indivídu-
os6,12-15,22,23,29,33. A dor exerce um importante impacto na QV das AGRADECIMENTOS
pessoas, devido ao sofrimento e às limitações causadas na vida di-
ária, o que gera sérios efeitos para o próprio indivíduo e também Financiamento da pesquisa: este estudo foi financiado pela Coorde-
para a sociedade como os elevados custos com tratamentos espe- nação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

20
Prevalência de dor no segmento cefálico e sua associação com qualidade de vida na Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):15-21
população geral do município de Piracicaba, São Paulo: um estudo epidemiológico

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21
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):22-6 ORIGINAL ARTICLE

Pressure pain threshold and pain perception in temporomandibular


disorder patients: is there any correlation?
Limiar de dor à pressão e percepção da dor em pacientes com disfunção temporomandibular:
existe alguma correlação?
Juliana Stuginski-Barbosa1, Rafael Santos Silva2, Carolina Ortigosa Cunha1, Leonardo Rigoldi Bonjardim1, Ana Cláudia de Castro
Ferreira Conti3, Paulo César Rodrigues Conti1

*Received from Bauru School of Dentistry, University of Sao Paulo, Bauru, SP, Brazil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150005

ABSTRACT and Pressure Pain Threshold suggests that other factors are clear-
ly important in explaining the pain experience of temporoman-
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Physical evaluation of dibular disorder patients, including the contribution of central
temporomandibular disorder patients commonly includes evalu- nervous system nociceptive processes and psychological variables
ation of pain response to muscular and articular palpation and to the maintenance of chronic pain.
there is a considerable uncertainty of how self-reported pain in- Keywords: Pain, Pain threshold, Temporomandibular joint dis-
tensity relates to Pressure Pain Threshold obtained in an algom- orders, Temporomandibular joint dysfunction syndrome.
etry exam. The present study aimed at determining whether pain  
intensity is associated to Pressure Pain Threshold in temporo- RESUMO
mandibular disorder patients.
METHODS: Eighty arthralgia patients and one hundred JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A avaliação clínica de paci-
and thirty masticatory myofascial pain patients participated entes com disfunção temporomandibular inclui a avaliação da
in this study. Pain intensity was recorded with visual analog resposta dolorosa à palpação muscular e articular e existe uma
scale. Pressure Pain Threshold was measured using a pressure incerteza sobre como a intensidade da dor relatada pelo paciente
algometer. Pressure was applied bilaterally on the temporo- se relaciona com o limiar de dor à pressão obtido com exame de
mandibular joint in arthralgia patients and masseter and an- algometria. O presente estudo objetivou determinar se há uma
terior temporalis muscles. Pearson correlation coefficient (r) associação entre essas duas variáveis.
was calculated to determine the strength of the relationship MÉTODOS: Oitenta pacientes com artralgia e 130 com dor
between pain intensity and the lowest Pressure Pain Thresh- miofascial mastigatória participaram deste estudo. A intensi-
old value in each site. dade de dor foi aferida com a escala visual analógica. O limiar
RESULTS: The correlation between all pain intensity and Pres- de dor à pressão foi aferido utilizando o algômetro. A pressão
sure Pain Threshold values was statistically weak. Correlations foi aplicada bilateralmente na articulação temporomandibu-
between pain intensity and joint Pressure Pain Threshold (r=- lar nos pacientes com artralgia e nos músculos masseter e
0.236; p=0.035) in the arthralgia group and pain intensity and temporal anterior. O teste utilizado na análise estatística foi
masseter’s Pressure Pain Threshold (r=-0.312; p<0.001) and o coeficiente de correlação de Pearson (r) para determinar a
between pain intensity and anterior temporalis Pressure Pain força da correlação entre intensidade de dor e o menor valor
Threshold (r=-0.240; p=0.006) were statistically significant. de limiar de dor à pressão.
CONCLUSION: The weak correlation between pain intensity RESULTADOS: As correlações entre os valores de intensidade
de dor e limiar de dor à pressão foram estatisticamente fracas. As
correlações entre intensidade de dor e limiar de dor à pressão na
articulação temporomandibular (r=-0,236; p=0,03), no masseter
1. University of Sao Paulo, Bauru School of Dentistry, Bauru, SP, Brazil.
(r=-0,312; p<0,001) e no temporal anterior (r=-0,240; p=0,006)
2. State University of Parana, Brazil, Maringá, PR. Brazil. foram estatisticamente significantes.
3. University of Northern Parana, Brazil, Londrina, PR, Brazil. CONCLUSÃO: A baixa correlação entre intensidade de dor
Submitted in November 09, 2014. e limiar de dor à pressão sugere que outros fatores possam ser
Accepted for publication in February 03, 2015. claramente importantes para explicar a experiência dolorosa de
Conflict of interests: none – Sponsoring sources: none.
pacientes com disfunção temporomandibular, incluindo a con-
Correspondence to: tribuição do processo nociceptivo no sistema nervoso central e as
Juliana Stuginski-Barbosa
Alameda Otávio Pinheiro Brizola, 9-75 variáveis psicossociais para a manutenção da dor crônica.
17012-901 Bauru, SP, Brasil. Descritores: Dor, Limiar da dor, Síndrome da disfunção da ar-
E-mail: juliana.dentista@gmail.com
ticulação temporomandibular, Transtornos da articulação tem-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor poromandibular.

22
Pressure pain threshold and pain perception in temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):22-6
disorder patients: is there any correlation?

INTRODUCTION (VAS) in TMD patients immediately after treatment. The PPT


test was performed at the belly of masseter muscle and a weak
Quantitative sensory testing (QST) procedures have been used but significant correlation was found between PPT and pain in-
in clinical and research settings to assess pain threshold1. The tensity. In contrast, Isselée et al. reported that VAS pain rating
common concepts in QST methods are that the assessment of did not correlate with PPT in patients with masticatory myo-
normal and non-normal responses to various stimuli provides fascial pain, and the statistical analysis showed that VAS ratings
information about the functioning of the peripheral and cen- could not be used as predictors for PPT measurements8.
tral nervous system. These responses can be quantified by the A physical assessment of TMD patients commonly includes eval-
amount of physical stimuli required to evoke specific levels of uation of pain in response to muscle and temporomandibular
sensory perception2. QST battery assembles a list of short form joint (TMJ) palpation and there is a considerable uncertainty of
tests representing measurements of all relevant factors of the so- how the intensity of reported pain relates to PPT.
matosensory system1. The aim of this study was to assess, compare and determine
Pressure Pain Threshold (PPT) is one of these tests and it is de- whether self-reported pain intensity (PI) is correlated to an ex-
fined as the minimum force applied which induces pain. This perimental pain stimulus induced by an algometer (PPT values)
measure has proven to be commonly useful in evaluating muscles close to the site of presumed tissue damage in TMD patients.
and articular tenderness symptoms, which are associated to pain-
ful musculoskeletal conditions, as well as for diagnosis of such METHODS
conditions and for management strategies efficacy analysis3-5.
The use of an algometer (pressure device that induces mechani- Participants were selected among patients presenting for treat-
cal stimuli) is to standardize the amount of pressure applied, ment at the Orofacial Pain Clinic at Bauru School of Dentistry
similar to that when performing muscle palpation. It can im- – University of Sao Paulo, with diagnosis of articular or muscular
prove reliability for the assessment of deep pain sensitivity6. Pain TMD according to the Research Diagnostic Criteria for Tem-
and tenderness in masticatory muscles are common findings in poromandibular Disorders (RDC/TMD) Axis I. A comprehen-
temporomandibular disorder (TMD) population7. Since the di- sive history was taken and all patients were clinically examined
agnosis of articular and muscular pain involves a report of pain regarding pain and dysfunction signals and symptoms of the sto-
during the palpation exam, PPT is commonly used to quantify matognathic system before being included in the study.
muscle tenderness8. Inclusion criteria were as follows: age between 18 and 65 years,
In the literature it was described that reduction of PPT values fluent in spoken and written Portuguese and pain in masticatory
occurring in TMD patients5,9-12 can be explained by both pe- muscles or TMJ for at least 3 months in accordance with the
ripheral and central mechanisms. In peripheral, tissue injury in- RDC/TMD. Exclusion criteria included patients with systemic
creases the excitability of nociceptors membrane that will reduce disease like fibromyalgia or rheumatic conditions, odontogenic
the amount of action potential required to initiate a depolariza- or neuropathic pain and history of TMJ surgery. Patients on
tion (reducing nociceptor threshold). Peripheral hyperexcitabil- ongoing use of medication, such as analgesics, benzodiazepines,
ity can increase ascending signaling to the brain while reducing antipsychotics or antidepressants were also excluded.
descending inhibitory signals, precipitating spontaneous and Participants were divided into two groups: arthralgia patients
widespread pain, leading to central sensitization10. Superficial so- and miofascial pain patients according to the RDC/TMD di-
matic pain is the result of a lowered pain threshold, and because agnosis.
the site of pain and the location of its true source are the same, Eighty arthralgia patients (n=80) and one hundred and thirty
the discomfort that results from provocation at the site of pain is (n=130) myofascial patients participated in this study. Seventy-
related faithfully to the stimulus13. eight (n=78) arthralgia patients (97.5%) and 120 myofascial
Patients’ description of pain and their self-report of pain inten- patients (92.3%) were females. One calibrated and experienced
sity can be the most accurate and reliable evidence of pain and its operator evaluated each group.
intensity. So it is tempting to speculate that PPT is strongly as- At baseline participants independently rated their present pain
sociated to the intensity of pain experienced by TMD patients7. intensity (PI) on a VAS. The VAS was a 100-mm line in which
The hypothesis is that scores of both measures (PPT and self-re- the patient recorded pain intensity by marking a point on the
ported pain intensity) might reflect the severity of the condition line between the two extremes where the left extreme of the scale
and be strongly associated, especially when PPT is performed at is marked “no pain” and the right one is marked “the worst imag-
the same location of the reported pain. Lower PPT close to the inable pain”. VAS is a simple, efficient, reliable and valid method
site of injury or related pain seems to reflect peripheral nocicep- to measure pain intensity and is extensively used in clinical set-
tors sensitization and has been reported in patients with TMD14 tings and researches18,19.
when compared to healthy controls9,11,12,15. PPT was measured using a pressure digital algometer with a 1
Few studies have investigated the relationship between pain cm2 flat-circular shape tip at one end (Kratos® Equipamentos
report and PPT in TMD patients and none has observed this Industriais). The probe tip was covered with a 1-mm-thick rub-
relationship in arthralgia patients. The findings have been in- ber pad to minimize irritation of the skin. The probe was held
consistent. List, Helkimo & Karlsson16 analyzed the correlation perpendicularly at each assessment site to apply the pressure over
between PPT and pain intensity rated by a visual analogue scale the TMJ or muscles. Pressure application rate was set approxi-

23
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):22-6 Stuginski-Barbosa J, Silva RS, Cunha CO,
Bonjardim LR, Conti AC and Conti PC

mately at 0.5 kgf/cm2/sec9. The participant was asked to indicate pain patients between PI and PPTm [-0.312; p<0.001; 95%CI(-
when the sensation changed from pressure only to pressure and 0.465; -0.141)] (Figure 2) and between PI and PPTat [r=-0.240;
pain using a hand-held switch that recorded the PPT value in p=0.006; 95%CI (-0.401; -0.064)] (Figure 3).
the digital algometer when triggered, and at that moment the
pressure was stopped and the value displayed. The device used in
the present study has a button, controlled by the patient, who is 100 r = 0.236
asked to press it at the very beginning of pain sensation. Before p = 0.035
95% CI (-0.433; -0.018)
PPT measurements, each patient underwent a short training for 90

Present Pain Intensity


(Visual Analog Scale)
familiarization with the algometer, its hand-held device and its
application method. 80
In arthralgia patients, PPT (PPT/TMJ) was measured once at
the lateral pole of the temporomandibular joint (TMJ) on both 70
sides. Before the assessment, TMJ lateral poles were located ask-
ing the patient to open and close the mouth three times with the 60

operator’s finger placed in front of the tragus. In myofascial pain


50
patients, PPT was measured once at masseter muscles (PPTm)
0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0
and anterior temporalis (PPTat) muscles on both sides in a re-
Present Pain Thereshold in Temporomandibular Joint (kgf/cm2)
laxed posture. During the examination, the operator´s hand
passively supported the individual’s head. Reliable data can be
Figure 1. Correlation between pressure pain threshold in temporo-
obtained from an algometer if all the factors are standardized, mandibular joint (kgf/cm2) and present pain intensity (visual analogue
like size of tip, rate of pressure and degree of muscle contraction9. scale) in arthralgia patients (n=80)

Statistical analysis
For statistical analysis, PPT values of the side that was the most 10 r = 0.312
p < 0.001
painful according to the patient’s report were used. When bilat- 95% CI (-0.465; -0.141)
8
eral, the most painful side was chosen by the operator.
Present Pain Intensity
(Visual Analog Scale)

Mean and standard deviation (SD) of each variable were de-


6
scribed. Two t tests were used to compare the two groups by
variables scores. 4
Pearson correlation coefficient (r) was calculated to determine
the strength of the relationship between PI and the lowest PPT 2
in each assessed site. Statistical significance was set at p<0.05.
Confidence intervals around Pearson r coefficient were calcu- 0
lated using a transformation to the Fisher z statistic. 0,0 0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5
Ethics clearance for the study was granted by Bauru School of Present Pain Thereshold in Masseter (kgf/cm2)
Dentistry (protocols: #026/2002 and #042/2009) and consent
form was obtained from all subjects. The present study was con- Figure 2. Correlation between pressure pain threshold in masseter
ducted in accordance to the Helsinki Declaration of 1975, re- muscle (kgf/cm2) and present pain intensity (visual analogue scale) in
myofascial pain patients (n=130)
vised in 1983.

RESULTS
10 r = 0.236
p = 0.035

Mean age for arthralgia patients was 40.84±12.19 years old and 8
95% CI (-0.433; -0.018)
Present Pain Intensity
(Visual Analog Scale)

37.48±11.74, for myofascial pain patients. There was no sig-


nificant difference between groups regarding mean age [2t Test; 6
p>0.05; 95%CI (-0.01; 6.73)]. Self-reported (VAS) pain intensi-
ty was 6.853±0.163 cm for arthralgia patients and 4.834±2.560 4

cm for myofascial pain patients. Pain intensity was significantly


2
higher in arthralgia group patients [2 t test; p<0.001; 95%CI
(1.573; 2.465)]. Pressure pain threshold mean in the TMJ was 0
1.07±0.44 kgf/cm2; in masseter, 1.329±0.479 kgf/cm2 and in the
0,5 1,0 1,5 2,0 2,5 3,0 3,5
anterior temporalis, 1.89±0.593 kgf/cm2. Present Pain Thereshold in Anterior Temporalis (kgf/cm2)
No correlation between age and PPT was found for any group.
The correlation between PI and PPT values was statistically Figure 3. Correlation between pressure pain threshold in anterior tem-
weak, but significant in arthralgia (PPTtmj) patients [r=-0.236; poralis muscle (kgf/cm2) and present pain intensity (visual analogue
p=0.035; 95%CI (-0.433; -0.018)] (Figure 1) and in myofascial scale) in myofascial pain patients (n=130)

24
Pressure pain threshold and pain perception in temporomandibular Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):22-6
disorder patients: is there any correlation?

DISCUSSION perception from others emotional factors3. VAS scores for pain
intensity in the present study were very similar to those report-
The relationship between pain and increased sensitivity to pres- ed in earlier studies on masticatory myofascial pain patients8,23,
sure in TMD patients is not as simple as it was hypothesized. In TMD and others chronic pain conditions3,21.
this study, a weak association was found between PI and PPT in Our study has relevant limitations. First, as described in the lit-
TMJ and masticatory muscles, as observed at the initial assess- erature, self-reported TMD pain could be shaped by psychologi-
ment. It was a surprising result as it was expected that those sub- cal, behavioral and even genetic factors23. Stress and anxiety can
jects with severe pain might be expected to have greater sensitiv- influence muscle PPT and pain report in masticatory myofascial
ity and lower PPT values. These findings suggest that mechanical pain patients. TMD patients show higher levels of catastroph-
sensitivity may not explain the pain reported by TMD patients. izing complaints, depression and/or anxiety symptoms as well
Pain has been accepted as a sensation influenced by several as- as poor quality of sleep. Moreover, patients also tend to overesti-
pects, so it is hard to determine how much of self-reported mate their pre-treatment pain levels20. However, we were unable
pain is a result of local stimulation of the injured site or it is to explore the influence of these factors in the present investiga-
due to an emotional component20. PPT and VAS are subjective tion, which could explain some results.
clinical measurement tools and can only approximate of a true Significant PPT values could be found higher in men than in
measurement of pain21. However, as both are assessing pain, it women in TMD patients16. Among healthy individuals, women
might be reasonable to expect that correlations would reach at showed greater pain sensitivity than men7. In the present study,
least a value of 0.522. Our findings for masseter muscle PPT/ there was insufficient power in statistical analysis for the com-
VAS correlation were similar to List, Helkimo & Karlsson16. parison between genders, since only 5.7% of the sample was
While results for PPT were in agreement with results of self- male. In fact, studies described that TMD is more prevalent in
reported pain intensity recording in both studies, the strength women. Predisposition for this involves many factors like female
of this correlation was weak. As reported by Isselée et al.8, pain hormonal events, comorbidities, psychological factors and up-
intensity rated by VAS did not correlate with PPT values. Al- regulated nociceptive mechanisms7.
though in another study PPT test performed in an extra oral Even knowing that reliable data can be obtained from an algom-
site (hand) in masticatory myofascial pain patients showed that eter if all parameters are standardized9, in this study there was no
most patients with lowest values for PPT in the hand had VAS reliability and reproducibility analysis of current data as well as
mean scores greater than 5 (out of 10), even though this find- the number of evaluated sites was restricted.
ing was not statically significant23. The influence of central nervous system changes on pain self-
Our findings are also similar to those observed in patients report takes a longer time to have some real effect. PPT and PI
with whiplash injuries21, fibromyalgia25 and other chronic could be affected by the presence of chronic pain. As central sen-
pain conditions3. sitization is a process that needs time to occur and characterizes
PPT value reflects the pressure value that the individual first per- chronic pain21, pain duration could be a confounder factor, and
ceived to be painful1. Decreased PPT could reflect an increased it was not evaluated in the present study.
excitability at any point of the nociceptive pathway25. There is a
pronounced difference between PPT in patients and asymptom- CONCLUSION
atic controls, which has been shown in a large case-control study,
where a variety of mechanical and thermal stimuli were tested7. A statistically significant correlation between PI and PPT was
The algometer has been tested and used in research and clinical observed in both arthralgia and myofascial pain TMD patients.
settings, with good reliability and validity in TMJ and masti- However, the weakness of these correlations suggests that other
catory muscles9. In the present study the patient was carefully factors are clearly important in explaining pain experience of
informed about the procedures and the measurements were TMD patients, including the contribution of nociceptive pro-
performed in a quiet room as recommended by Laursen et al.3. cesses in the central nervous system and psychological variables.
However, it is possible that the placement of the algometer did Besides, it is extremely important to explore in future studies the
not directly stress the injured tissues in TMJ and masticatory standardization of algometer devices and algometry exam.
muscles, despite being within the area of self-reported pain21,
which could explain actual results. Masseter muscle had the low- REFERENCES
est PPT value. In fact, it was described that this part of the mas-
1. Svensson P, Baad-Hansen L, Pigg M, List T, Eliav E, Ettlin D, et al. Guidelines and
seter muscle seems to be the most sensitive predictor of tender- recommendations for assessment of somatosensory function in oro-facial pain condi-
ness of all masticatory muscles tested9,16. tions--a taskforce report. J Oral Rehabil. 2011;38(5):366-94.
2. Porporatti AL, Costa YM, Stuginski-Barbosa J, Bonjardim LR, Conti PC, Svensson P.
The use of pain scales in clinical and pain studies settings is Quantitative methods for somatosensory evaluation in atypical odontalgia. Braz Oral
widely disseminated in the pain field since these rating scales are Res. 2015;29(1):1-7.
simple, economic and easy for patients to understand. However, 3. Laursen BS, Bajaj P, Olesen AS, Delmar C, Arendt-Nielsen L. Health related quality
of life and quantitative pain measurement in females with chronic non-malignant
these scales assume pain to be one-dimensional experience that pain. Eur J Pain. 2005;9(3):267-75.
can vary only in intensity20. When asking patients to indicate the 4. Fredriksson L, Alstergren P, Kopp S. Absolute and relative facial pressure-pain thresh-
olds in healthy individuals. J Orofac Pain. 2000;14(2):98-104.
level of pain intensity on a continuous VAS, even after careful 5. McMillan AS, Blasberg B. Pain-pressure threshold in painful jaw muscles following
instruction, it could be difficult for the patient to separate pain trigger point injection. J Orofac Pain. 1994;8(4):384-90.

25
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):22-6 Stuginski-Barbosa J, Silva RS, Cunha CO,
Bonjardim LR, Conti AC and Conti PC

6. Isselée H, De Laat A, De Mot B, Lysens R. Pressure-pain threshold variation in tem- dibular disorders before and after treatment with acupuncture and occlusal splint
poromandibular disorder myalgia over the course of the menstrual cycle. J Orofac therapy: a controlled clinical study. J Orofac Pain. 1993;7(3):275-82.
Pain. 2002;16(2):105-17. 15. Nielsen CS, Price DD, Vassend O, Stubhaug A, Harris JR. Characterizing individual
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old in the detection of masticatory myofascial pain: an algometer-based study. J Oro- 16. Price DD, McGrath PA, Rafii A, Buckingham B. The validation of visual analogue scales
fac Pain. 2005;19(4):318-24. as ratio scale measures for chronic and experimental pain. Pain. 1983;17(1):45-56.
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26
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):27-31 ARTIGO ORIGINAL

Study of the effectiveness of interferential current as compared to


transcutaneous electrical nerve stimulation in reducing chronic low
back pain*
Estudo da eficácia da corrente interferencial em comparação à estimulação elétrica
transcutânea na redução da dor lombar crônica
Marcelo Baptista Dohnert1, Jordana Peres Bauer1, Tiago Sebastiá Pavão1

*Recebido da Universidade Luterana do Brasil, Torres, RS, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150006

ABSTRACT Keywords: Low back pain, Physiotherapy, Transcutaneous elec-


trical nerve stimulation.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Chronic low back pain
has an incidence of 70% in general population and induces sig- RESUMO
nificant limitations. As treatment, physiotherapy stands out with
a wide variety of techniques among them, for pain relief, elec- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor lombar crônica possui
trotherapy is a useful tool. This study aimed at comparing the incidência de 70% na população induzindo a limitações signifi-
analgesic effects of transcutaneous electrical nerve stimulation cativas. Como tratamento, a fisioterapia destaca-se com ampla
and interferential current in patients with chronic low back pain. variedade de técnicas, onde para o alívio da dor a eletroterapia
METHODS: Randomized clinical trial carried out between Au- é uma ferramenta aliada. O objetivo deste estudo foi comparar
gust 2013 and May 2014 in the clinic school of physiotherapy, os efeitos analgésicos da estimulação elétrica transcutânea e da
Ulbra-Torres, with chronic low back pain patients. Patients were corrente interferencial em pacientes com lombalgia crônica.
divided in two groups: intervention group (IG) treated with in- MÉTODOS: Ensaio clínico randômico realizado entre agosto de
terferential current and control group (CG) treated with transcu- 2013 e maio de 2014 na clínica escola de fisioterapia da Ulbra
taneous electrical nerve stimulation. Visual analog scale, Oswes- - Torres, com pacientes com dor lombar crônica. Os pacientes fo-
try Questionnaire and Roland Morris Disability Questionnaire ram divididos em dois grupos: grupo intervenção (GI), receben-
were used for baseline evaluation. Patients were treated for five do tratamento através da corrente interferencial e grupo controle
weeks, twice a week, in a total of 10 interventions. At the end, (GC), realizando tratamento através da estimulação elétrica trans-
they were re-evaluated and one month after they were submitted cutânea. Foi realizada avaliação inicial com a escala analógica visu-
to follow-up with the visual analog scale.
al, Questionário de Oswestry e Questionário de Incapacidade Ro-
RESULTS: Participated in the study 28 patients, being 14 in
land Morris. Atendidos por cinco semanas, duas vezes na semana,
IG and 14 in CG. Sample was homogeneous intragroups for
totalizando 10 intervenções, ao final eram reavaliados e após um
gender, age, color and mean pain duration. There has been sig-
mês submetidos a um follow-up com escala analógica visual.
nificant pain improvement in both groups by the visual analog
RESULTADOS: Participaram do estudo 28 pacientes, sendo
scale and functionality improvement by Oswestry and Roland
14 no GI e 14 no GC. A amostra foi homogênea intragrupos
Morris Disability Questionnaires when comparing baseline and
para gênero, idade, cor e média de tempo de dor. Encontrou-se
final evaluations (p<0.05).
CONCLUSION: There were positive results in chronic low back melhora significativa em ambos os grupos na dor pela escala ana-
pain improvement both with transcutaneous electrical nerve sti- lógica visual e funcionalidade pelos questionários de Oswestry e
mulation and interferential current, without significant differen- de Incapacidade Roland Morris da avaliação inicial para a final
ce between transcutaneous currents. (p<0,05).
CONCLUSÃO: Houve resultados positivos na redução da dor
lombar crônica com aplicação tanto com estimulação elétrica
transcutânea quanto com corrente interferencial, não havendo
1. Universidade Luterana do Brasil, Torres, RS, Brasil.
diferença significativa entre as correntes transcutâneas.
Apresentado em 29 de setembro de 2014. Descritores: Dor lombar, Fisioterapia, Estimulação elétrica
Aceito para publicação em 18 de fevereiro de 2015.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. transcutânea.
Endereço para correspondência:
Marcelo Baptista Dohnert INTRODUÇÃO
Rua Gonçalves Chaves, 3949 bloco A apto 201
96015-560 Pelotas, RS, Brasil.
A dor lombar crônica (DLC) é um dos problemas mais comuns nos
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor países desenvolvidos1,2. Estima-se que mais de 70% dos adultos têm

27
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):27-31 Dohnert MB, Bauer JP e Pavão TS

pelo menos um episódio de dor lombar (DL) durante sua vida3, enças reumáticas, com sinais de radiculopatia e irradiação de dor
causando frequente limitação física em indivíduos com menos de para membros inferiores, que faltaram a duas sessões consecutivas
45 anos4. A incapacidade funcional e a cronicidade relacionadas a ou a três sessões alternadas, com qualquer disfunção cognitiva ou
essa doença são fenômenos complexos e multifatoriais, associados incapacidade de responder questionários e com contraindicações a
a elevados custos sociais e de saúde5-7. Frequentemente, a DLC não eletroterapia (cardiopatas portadores de marca-passo).
decorre de doenças específicas, mas sim de um conjunto de cau- Todos os pacientes realizaram a mesma avaliação inicial com o pes-
sas como doenças inflamatórias, degenerativas, neoplásicas, defeitos quisador e foram avaliados com a EAV, Questionário de Oswestry
congênitos e também por influência de fatores sócio-demográficos, e RMDQ, onde cada paciente fez o preenchimento conforme seus
comportamentais e atividades cotidianas8. sintomas.
Na reeducação do paciente quanto aos fatores de risco das afecções Após a avaliação inicial, os pacientes foram divididos em dois gru-
vertebrais, a fisioterapia e a terapia farmacológica são os alicerces pos, de forma aleatória em grupo intervenção (GI), recebendo o tra-
para o tratamento da dor na coluna. Na fisioterapia, a eletroterapia tamento através da corrente interferencial e grupo controle (GC),
pode ser útil para diminuir os sintomas desses pacientes9. Além da realizando tratamento através da TENS.
terapia manual e dos exercícios, os métodos de eletroterapia são bas- O GC recebeu a intervenção através da aplicação da TENS no
tante utilizados na prática clínica para redução da dor. Dentre eles, modo acupuntura com o paciente em decúbito ventral, com dois
os mais conhecidos são a estimulação elétrica neural transcutânea canais e eletrodos (10x10cm) posicionados de forma a cercar a área
(TENS) e a corrente interferencial1,10,11. de dor, fechando o circuito da dor, utilizando gel e fita para fixação,
A corrente interferencial é uma corrente de média frequência que com ajuste de frequência de 20Hz e uma largura de pulso de 100
produz baixa impedância para a pele permitindo uma penetração pulsos por segundo (pps), com um tempo de aplicação de 30 mi-
mais profunda no tecido10, sendo assim considerada eficaz para nutos e a intensidade conforme a tolerância de cada paciente. Os
reduzir imediatamente a dor12. Já na estimulação elétrica com a procedimentos adotados foram realizados duas vezes na semana em
TENS, os impulsos elétricos variam em intensidade e frequência ao um período de cinco semanas, totalizando 10 intervenções.
estimular o nervo no percurso da medula espinhal, bloqueando a O GI recebeu a intervenção através da aplicação da corrente inter-
transmissão da dor e sendo utilizada para o alívio da dor musculoes- ferencial na forma tetrapolar com o paciente em decúbito ventral.
quelética, incluindo DL baixa de qualquer etiologia13,14. Os eletrodos (5x10 cm) foram posicionados de forma a fechar o
Para investigar o sugestivo efeito analgésico das correntes são utili- circuito da dor estando dispostos na lombar sobre o ponto central
zadas escalas como a escala analógica visual (EAV) que quantifica a da dor, utilizando gel e fita para fixação. Foi utilizada uma frequência
intensidade da dor no paciente e os questionários de Roland Morris portadora de 4000Hz, com uma amplitude modulada de frequên-
(RMDQ) e Oswestry que averiguam a funcionalidade dos pacientes cia (AMF) de 20Hz, ∆AMF de 10Hz e inclinação de 1/1 durante
com DLC, todas de extrema importância para a credibilidade da 30 minutos e a intensidade conforme a tolerância de cada paciente.
pesquisa5,15-22. Quanto à limpeza dos materiais utilizados, depois de removidos os
Apesar de os estudos prévios apontarem a eletroterapia como um eletrodos do paciente foi realizada limpeza com papel toalha na área
recurso favorável na redução da dor de pacientes com DLC, existem da aplicação removendo o excesso do gel. Na sequência, os eletro-
dúvidas sobre qual das correntes é mais efetiva. O objetivo deste dos foram lavados em água corrente e secos com papel toalha. Esse
estudo foi comparar os efeitos analgésicos da TENS e da corrente procedimento foi realizado sempre após o atendimento individual
interferencial em pacientes com lombalgia crônica. de cada paciente.
Ao final do protocolo de intervenção (após as cinco semanas de in-
MÉTODOS tervenção) os pacientes foram reavaliados com a EAV e os questio-
nários de Oswestry e RMDQ.
Estudo do tipo ensaio clínico randômico, elaborado de acordo com Após 30 dias dessa reavaliação os pacientes foram submetidos a uma
as Diretrizes e Normas Regulamentadoras de pesquisa envolvendo avaliação de follow-up onde foi aplicada a EAV para verificar a ma-
seres humanos. A coleta de dados ocorreu no período de agosto de nutenção da analgesia tardia do tratamento proposto.
2013 a maio de 2014 na clínica escola de fisioterapia da ULBRA –
Campus Torres. Cálculo da amostra e randomização
Os indivíduos que constituíram a amostra foram convidados a par- Utilizou-se o programa estatístico EPI-INFO®, versão 7.0 para calcu-
ticipar do estudo e orientados sobre os objetivos, a metodologia e a lar o tamanho da amostra. Após a revisão da literatura, observou-se
forma de aplicação. O Termo de Consentimento Livre Esclarecido prevalência de aproximadamente 70% de DL na população3. Saben-
foi assinado por todos os pacientes elegíveis com DLC. do que a população do município é de cerca de 40.000 e utilizando
A amostra foi constituída por pacientes com DL igual ou acima de um poder de força para o estudo de 80%, um nível de confiabilidade
5 na EAV por período maior que três meses, que não estivessem re- de 95% e um poder de efeito de 40, chegou-se ao número estimado
alizando nenhum outro tipo de tratamento farmacológico ou físico de 20 sujeitos para cada grupo do estudo. Acreditando que as perdas
no momento do estudo, com idade superior a 18 anos e com dor e recusas ficaram em torno de 50%, chegou-se ao número final de
inespecífica. Os critérios de exclusão foram pacientes que durante 30 sujeitos para cada grupo do estudo.
o estudo estavam fazendo uso de fármaco analgésico, mulheres nos
primeiros três meses de gestação, com história prévia de cirurgia na Análise estatística
região lombar baixa, pacientes diagnosticados clinicamente com do- Utilizamos o SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) ver-

28
Estudo da eficácia da corrente interferencial em comparação à Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):27-31
estimulação elétrica transcutânea na redução da dor lombar crônica

são 17.0 como banco de dados e pacote estatístico. Os dados foram Tabela 2. Classificação do questionário de Oswestry em ambos os
duplamente digitados a fim de evitar erros de digitação e expressos grupos
em média e desvio padrão. Após, foram analisados estatisticamente Variáveis Grupo controle Grupo intervenção Valor
(n=14) (n=14) de p*
pelos testes paramétricos t de Student pareado para análise dentro de
cada grupo do início ao fim do tratamento e teste t de Student não Avaliação inicial (n)
pareado para análise das variáveis entre os grupos. Para as variáveis Moderado 11 13
não paramétricas foram utilizados os testes de Wilcoxon e Mann- Grave 3 1 0,60
-Whitney, respectivamente, para dentro de cada grupo e entre os Avaliação final (n)
grupos. O nível de significância estabelecido para o teste estatístico Pouco acometido 13 13
foi de p<0,05.
Moderado 1 1 1,00
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da insti-
Valor de p 0,0003 0,001
tuição sob o nº 319.672.
*Qui-quadrado.

RESULTADOS

Da amostragem inicial, 28 pacientes concluíram todas as fases do


Pontuação do
estudo, sendo 14 em cada grupo. Destes, 22 eram do gênero femi- 25 questionário de
nino. A média de idade foi de 61,93 anos. O tempo de evolução da Oswestry inicial
dor foi em média de 8,11 anos. A tabela 1 representa a caracterização Pontuação do
20 questionário
da amostra por grupos. Os grupos foram homogêneos quanto a gê- de Oswestry
nero, idade, cor da pele, ocupação e tempo de dor. avaliação final
Na tabela 2 apresenta-se o resultado com informação qualitativa so- Média 15
bre a funcionalidade do paciente, onde o grau de acometimento foi
notavelmente reduzido em ambos os grupos. Na avaliação inicial 10 *
todos os sujeitos se enquadravam em moderado e grave e, ao final *
do tratamento, 26 sujeitos apresentavam escores considerados como
5
pouco acometidos, 13 em cada grupo.
Nas figuras 1 e 2 foram obtidas informações de forma quantitati-
va sobre o acometimento da funcionalidade do paciente. Ambos os 0
grupos apresentaram melhora significativa nos escores funcionais, Controle Intervenção
(TENS) (corrente
porém não houve diferença entre eles tanto na avaliação inicial interferencial)
quanto na final. Na figura 1 verifica-se que o escore inicial do Oswes- Grupo intervenção
try Disability Index foi de 17,64±4,36 para o GC e 16,21±2,86 para
o GI. Na avaliação final houve redução para 6,50±4,35 e 3,93±0,27, Figura 1. Pontuação do questionário Oswestry Disability Index nos
respectivamente. grupos de estudo
Quanto aos escores verificados no questionário Roland Morris, o *p<0,05 em comparação a avaliação inicial.

Tabela 1. Caracterização da amostra do estudo

Variáveis Total Grupo controle Grupo intervenção Valor de p*


(n=28) (n=14) (n=14)
Gênero n. (M/F) 6/22 2/12 4/10 0,65
Média de idade, (anos) (DP) 61,93 (9,66) 60,64 (10,55) 63,21 (8,89) 0,40
Cor da pele
Branco 28 14 14
Preto 0 0 0 -
Ocupação n. (%)
Do lar 9 (32,1) 5 (35,7) 4 (28,6)
Professor(a) 5 (17,9) 3 (21,4) 2 (14,3)
Vendedor 3 (10,7) 1 (7,1) 2 (14,3)
Empregada doméstica 2 (7,1) 0 2 (14,3)
Outros 9 (32,2) 5 (35,6) 4 (28.5) 0,47
Média do tempo de dor (anos) (DP) 8,11(4,80) 8,43 (4,90) 7,79 (4,81) 0,64
*Qui-quadrado.

29
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):27-31 Dohnert MB, Bauer JP e Pavão TS

grupo controle apresentava 13,64±4,45 pontos, reduzindo para também os efeitos das correntes eletroterapêuticas na qualidade de
5,43±2,60 (p=0,0001). Já o grupo intervenção reduziu o escore de vida e funcionalidade, pois a literatura demonstra que essas questões
Roland Morris de 12,64±3,00 para 3,79±2,74 (p=0,0001). Não foi são afetadas no paciente com DLC23,24.
encontrada diferença estatisticamente significativa entre os grupos Estudos demonstraram que a aplicação da corrente interferencial
ao final da intervenção. e da TENS no tratamento da dor do paciente com lombalgia re-
Na figura 3 é representado o grau de dor observada através da EAV, presenta uma forma de intervenção viável, significativamente eficaz
onde é observada redução significativa comparando avaliação inicial e bem tolerada pelos pacientes6,9,10,12,15,25-27. Encontraram-se outras
e final em ambos os grupos, com manutenção da analgesia alcança- intervenções fisioterapêuticas realizadas como forma de tratamento
da no período de follow-up. Não foi encontrada diferença entre os nessa doença como aplicação de laser, ondas curtas, correntes diadi-
dois grupos. nâmicas de Bernard, eletroacupuntura e outros recursos cinesiotera-
pêuticos6,9,10,12,15,25,26.
Observou-se que ainda não existe um consenso sobre o melhor tipo
Pontuação do de intervenção para o paciente com lombalgia, nem para a dura-
20
questionário Roland ção do tratamento e para sua frequência, havendo na literatura uma
Morris inicial
grande variável quanto a essas informações6,9,10,12,15,25,26.
Pontuação do
15 questionário Roland A pesquisa realizada analisou grupos homogêneos, fato que não tem
Média

Morris avaliação sido comum em outros estudos e que pode ter interferido nos re-
final
10
sultados. Foram encontradas divergências no que diz respeito às ca-
racterísticas das amostras sugerindo uma justificativa para não haver
*
*
um consenso de parâmetros no tratamento27. Outros autores encon-
5 traram dificuldade devido às conclusões divergentes pela utilização
de vários parâmetros e aparelhos nessa prática28.
0 Os presentes resultados corroboraram os de Faccil et al.10 que de-
Controle Intervenção monstraram eficácia do tratamento tanto com corrente interferen-
(TENS) (corrente
interferencial)
cial quanto com TENS, não havendo diferença estatística significa-
Grupo intervenção
tiva entre eles. O efeito benéfico de ambas as correntes também foi
reconhecido em uma revisão29. Nesses dois estudos os parâmetros
Figura 2. Resultados do questionário Roland Morris nos grupos de das estimulações elétricas foram semelhantes.
estudo Essa analgesia também pode ser interpretada como um aumento no
*p<0,05 em comparação a avaliação inicial limiar da dor e a TENS convencional pode ser responsável por esse
efeito, uma vez que interfere na transmissão das sensações dolorosas
para os níveis supraespinhais. A TENS e a corrente interferencial
Grau de dor
8
avaliação inicial com baixa frequência de estímulo podem atingir analgesia via libera-
Grau de dor ção de opioides endógenos30.
avaliação final Outro estudo utilizou eletroacupuntura e corrente interferencial,
6
Grau de dor composto de 10 sessões, não havendo alterações significativas na for-
avaliação
Média

ma de aplicabilidade das técnicas utilizadas10. Porém, ambas foram


follow-up
4 benéficas no tratamento, assemelhando-se ao resultado encontrado
* ** * ** no presente estudo. Este resultado é confirmado por outros estu-
dos24,28, divergindo apenas no número de sessões em um estudo que
2 foi de oito sessões24.
Estudo com amostra composta por gestantes com DL divididas em
quatro grupos (controle, exercícios, fármaco analgésico e TENS) de-
0
Controle Intervenção monstrou que o grupo tratado com a TENS sobressaiu-se como for-
(TENS) (corrente ma de tratamento mais eficaz15. Contradizendo a esse achado, outro
interferencial)
estudo relatou que os exercícios foram uma forma de tratamento de
Grupo intervenção
grande eficácia e efeito duradouro, caracterizando e sugerindo o uso
Figura 3.Variação do escore de dor baseada na escala analógica vi- de ambos os tratamentos viáveis24.
sual nos grupos controle e intervenção durante o período do estudo Estudos26,27utilizando TENS, ondas curtas, corrente interferencial,
*p<0,05 em comparação a avaliação inicial, ** p<0,05 em comparação a avaliação Core training e exercícios relataram que quando houve associação
inicial dentro do grupo.
da eletroterapia com o exercício o resultado obtido foi ainda mais
satisfatório. Autores ressaltaram a aplicabilidade de um programa de
DISCUSSÃO exercícios como ferramenta benéfica e de grande eficácia para tratar a
dor e restabelecer a função do individuo4,24. Outro estudo defendeu
A amostra foi homogênea intragrupos em gênero (p=0,65), idade amplamente o uso da eletroterapia com resultados positivos29, pois
(p=0,40), cor e média de tempo de dor (p=0,64). Analisaram-se ocorreu a redução significativa da DL dos pacientes submetidos ao

30
Estudo da eficácia da corrente interferencial em comparação à Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):27-31
estimulação elétrica transcutânea na redução da dor lombar crônica

tratamento. Uma revisão sistemática recente refere e confirma o efei- 85.Portuguese.


9. Carvalho AR, Fungueto EM, Canzi IM, Barbieiro C, Moraes V, Bertolini GR, et al.
to analgésico gerado pela TENS, porém salienta que seus resultados Correntes diadinâmicas de Bernard e Iontoforese no tratamento da dor lombar. Fisio-
comparados a outras modalidades ainda requerem novos estudos31. ter Movim. 2005;18(4):11-9.
10. Faccil LM, Nowotny JP, Tormem F, Trevisani VF. Effects of transcutaneous elec-
Buchmuller et al.32 usaram como ferramenta em seu estudo a TENS trical nerve stimulation (TENS) and interferential currents (IFC) in patients with
em um grupo e o outro grupo recebeu tratamento placebo, onde o nonspecific chronic low back pain: randomized clinical trial. Sao Paulo Med J.
período de aplicação da técnica foi de três meses. O resultado en- 2011;129(4):206-16.
11. Tugay N, Akbayrak T, Demirtürk F, Karakaya IC, Kocaacar O, Tugay U, et al. Effec-
contrado foi satisfatório já na sexta semana de intervenção e ao final tiveness of transcutaneous electrical nerve stimulation and interferential current in
dos três meses o resultado apenas tinha se mantido, assemelhando-se primary dysmenorrhea. Pain Med. 2007;8(4):295-300.
12. Cheing GL, So EM, Chao CY. Effectiveness of electroacupuncture and inter-
com o presente estudo, onde ao final do tratamento (cinco sema- ferential electrotherapy in the management of frozens houlder. J Rehabil Med.
nas) a dor havia sido reduzida pela metade, ou seja, estatisticamente 2008;40(3):166-70.
13. Jorge S, Parada CA, Ferreira SH, Tambeli CH. Interferential therapy produces anti-
significativo e no follow-up (após um mês) o resultado se manteve. nociception during application in various models of inflammatory pain. PhysTher.
Quando utilizados exercícios terapêuticos, verificou-se melhora fa- 2006;86(6):800-8.
vorável da capacidade funcional e redução da dor dos pacientes com 14. Dounavi MD, Chesterton LS, Sim J. Effects of interferential therapy parameter com-
binations up on experimentally induced pain in pain-free participants: a randomized
DLC no mesmo período em questão33. controlled trial. PhysTher. 2012;92(7):911-23.
Observou-se na literatura, de forma evidente, a importância da apli- 15. Keskin EA, Onur O, Keskin HL, Gumus II, Kafali H, Turhan N. Transcutaneous
electrical nerve stimulation improves low back pain during pregnacy. Gynecol Obstet
cação de um programa de exercícios associados aos tratamentos em Invest. 2012;74(1):76-83.
questão, para maior eficácia e qualidade do protocolo a ser aplicado. 16. Briganó JU, Macedo CS. Análise da mobilidade lombar e influência da terapia
manual e cinesioterapia na lombalgia. Semina: Ciências Biológicas e da Saúde.
2005;26(2):75-82.
CONCLUSÃO 17. Pinheiro J, Figueiredo P, Branco J, Ramos S, Ferreira L. [Non specific chronic low
back pain and function: a clinical study in a physical medicine and rehabilitation
consultation]. Acta Med Port. 2011;24(Suppl2):287-92. Portuguese.
O presente estudo apontou resultados positivos na redução da DLC 18. Inoue M, Nakajima M, Hojo T, Kitakoji H, Itoi M. Spinal nerve root electroacu-
com aplicação tanto com TENS quanto com corrente interferencial, puncture for symptomatic treatment of lumbar spinal canal stenosis unresponsive to
standard acupuncture: a prospective case series. Acupunct Med. 2012;30(2):103-8.
não havendo diferença significativa entre as correntes transcutâneas. 19. Monteiro J, Faísca L, Nunes O, Hipólito J. [Roland Morris disability questionnaire –
Quando analisados desfechos secundários pode ser observado adaptation and validation for the Portuguese speaking patients with back pain]. Acta
através de relatos dos pacientes que o efeito analgésico das cor- Med Port. 2010;23(5):761-6. Portuguese.
20. Vigatto R, Alexandre NM, Correa Filho HR. Development of a Brazilian Portuguese
rentes se manteve a partir do terceiro atendimento. A TENS foi version of the Oswestry Disability Index: cross-cultural adaptation, reliability, and
de fácil aplicação e é uma forma de tratamento bem tolerada, não validity. Spine. 2007;32(4):481-6.
21. Assis FD, Amaral C, Tucci C, Costa SM. Uso terapêutico da radiofrequência pul-
requerendo cooperação do paciente o que facilita quando levada sátil no gânglio dorsal da raiz de L2 na lombalgia discogênica. Coluna/Columna.
em conta a limitação causada pela dor no paciente. Quanto ao 2009;8(2):139-42.
22. Stefane T, Santos AM, Marinovic A, Hortense P. Dor lombar crônica: intensidade de
follow-up, o resultado obtido superou expectativas e foi de extrema dor, incapacidade e qualidade de vida. Acta Paul Enferm. 2013;26(1):14-20.
importância para a credibilidade do tratamento proposto, sugerin- 23. Zaniewska R, Okurowska-Zawada B, Kułak W, Domian K. [Analysis of quality of life
do ainda que esse tipo de população seja submetido a tal protocolo in patiens with low back pain after receiving transcutaneous electrical nerve stimula-
tion (TENS)]. Med Pr. 2012;63(3):295-302. Polish.
em tempos alternados, para uma melhor qualidade de vida. 24. Maher CG. Effective physical treatment for chronic low back pain. Orthop Clin Nor-
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31
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):32-6 ARTIGO ORIGINAL

Psychosocial and quality of life impact on patients with failed back


surgery syndrome*
Impacto psicossocial e na qualidade de vida de pacientes com síndrome dolorosa após
laminectomia
Gabriel de Azambuja Beigin1, Marielza Regina Ismael Martins1, Alexandre Venâncio de Souza2, José Eduardo Nogueira Forni3

*Recebido da Clínica da Dor, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150007

ABSTRACT RESUMO

BACKGROND AND OBJECTIVES: Triggering and chronici- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: O desencadeamento e a


ty of failed back surgery syndrome should consider psychosocial cronificação da síndrome dolorosa pós-laminectomia deve con-
and emotional factors which impair quality of life. This study siderar fatores psicossociais e emocionais, que comprometem a
aimed at identifying such factors and at evaluating quality of life qualidade de vida. O objetivo deste estudo foi identificar esses
of failed back surgery syndrome patients. fatores e avaliar a qualidade de vida de pacientes com síndrome
METHODS: This is a descriptive, exploratory, comparative, dolorosa pós-laminectomia.
cross-sectional study with quantitative approach. Sample was MÉTODOS: Trata-se de um estudo descritivo, exploratório,
made up of a test group (I) diagnosed with failed back surgery comparativo, de corte transversal e abordagem quantitativa,
syndrome (n=16) and a control group (II) undergoing inter-con- com amostra de um grupo teste (I), com diagnóstico de sín-
sultation in the Pain Clinic (n=15). Tools were the visual analog drome dolorosa pós-laminectomia (n=16) e um grupo contro-
scale and Fischer dolorimeter. WHOQOL-Bref questionnaire le (II) submetido a interconsulta na Clínica da Dor (n=15).
was used to evaluate quality of life and Beck Anxiety Inventory Os instrumentos foram a escala analógica visual e o doloríme-
and Depression Inventory were used to evaluate emotional fac- tro de Fischer. Para avaliar a qualidade de vida, foi utilizado
tors anxiety and depression. questionário WHOQOL-Bref e para os fatores emocionais
RESULTS: There has been predominance of females on both ansiedade e depressão, o Inventario Beck de Ansiedade e de
groups, mean age was 42.3±5.8 (group I), most were married Depressão.
and mean education was 8.4±3.0 years. Mean pain duration RESULTADOS: Na amostra dos dois grupos houve predomínio
was 0.7±0.3 months after surgery in group I with lower pain do gênero feminino, média de idade de 42,3±5,8 anos (grupo I),
threshold. Physical dimensions and social relations were the most maioria casada e média de escolaridade de 8,4±3,0 anos. O tem-
affected on quality of life, as well as anxiety and depression levels. po médio de dor foi de 0,7±0,3 meses após a cirurgia no grupo
CONCLUSION: Our results have shown worse pain, quality of I com limiar de dor mais baixo. As dimensões físicas e relações
life, anxiety and depression in group I, suggesting a better kno- sociais foram as mais comprometidas na qualidade de vida, assim
wledge of potential postoperative complications aiming at pre- como os níveis de ansiedade e depressão.
venting the establishment of an abnormal functionality pattern. CONCLUSÃO: Esses resultados mostraram pior dor, qualida-
Keywords: Chronic pain, Failed back surgery syndrome, Psycho- de de vida, ansiedade e depressão no grupo I, sugerindo maior
-social impact, Quality of life. conhecimento de possíveis complicações pós-operatórias bus-
cando não permitir que se estabeleça um padrão anormal de
funcionalidade.
1. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil. Descritores: Dor crônica, Impacto psicossocial, Qualidade de
2. Hospital do Câncer de Barretos, Departamento de Psicologia, Barretos, SP, Brasil. vida, Síndrome pós-laminectomia.
3. Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, Departamento de Ortopedia e Trauma-
tologia, São José do Rio Preto, SP, Brasil.
INTRODUÇÃO
Apresentado em 05 de agosto de 2014.
Aceito para publicação em 20 de fevereiro de 2015.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: Programa Institucional de Bolsas de A síndrome dolorosa pós-laminectomia (SDPL), também chamada
Iniciação Científica (PIBIC)/Cnpq/FAMERP. de síndrome da falha cirúrgica, é caracterizada por dor residual ou
Endereço para correspondência: persistente após procedimentos cirúrgicos da coluna lombar sendo
Gabriel de Azambuja Beigin cada vez mais uma entidade comum na medicina moderna1. Em-
Avenida Brigadeiro Faria Lima 5416
Departamento de Ciências Neurológicas bora a prevalência de dor lombar persistente, secundária ao envolvi-
15090-000 São José do Rio Preto, SP, Brasil. mento de articulações lombossacrais tenha sido descrita em estudos
E-mail: gabrielbeigin@gmail.com
controlados em torno de 15 a 45%, a prevalência de dor pós-inter-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor venção cirúrgica ainda não foi estudada2.

32
Impacto psicossocial e na qualidade de vida de pacientes Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):32-6
com síndrome dolorosa após laminectomia

O individuo com dor crônica definida como persistente (além do realizada. Valores mais baixos indicaram limiar de dor mais baixo.
tempo habitual de cura da lesão e por mais de três meses) cursa com O ponto motor foi usado como referência para garantir a reprodu-
maior incapacidade física, maior frequência de uso de analgésicos, tibilidade do procedimento e também com a vantagem de avaliar
bem como com maior procura por unidades de emergência. Isso sempre o mesmo local. Em ambos os grupos a dolorimetria foi rea-
implica um maior volume de gastos por dias não trabalhados3. Veri- lizada nos dois lados. Também foi aplicada a escala analógica visual
fica-se também que quando essas pessoas são submetidas a inúmeras (EAV)11 que consiste em uma linha horizontal de 10cm em que, na
intervenções, estas podem levar a resultados insatisfatórios e incon- extremidade esquerda, há a indicação sem dor e, na direita, pior dor
clusivos conduzindo-as a adotar atitudes passivas, manipuladoras e possível. Os indivíduos foram instruídos a assinalar com um traço
hostis, originando resultados inadequados das terapias analgésicas e na reta o equivalente à intensidade da dor. A EAV é um instrumen-
reabilitadoras4. to simples e confiável para avaliar a dor tanto em situações clínicas
Alguns estudos relatam que os maus resultados do tratamento ope- quanto de pesquisa.
ratório podem advir do diagnóstico incorreto de lombalgia como: Para avaliar a QV empregou-se o questionário genérico de QV
afecções reumatológicas, tumores primários ou secundários da co- WHOQOL-Bref12 que é composto por 26 itens que avaliam 4
luna vertebral, afecções vasculares ou doença inflamatória pélvica, domínios: físico, psicológico, relações sociais e meio ambiente. As
entre outras5,6. Diversos fatores têm sido apontados como contribu- respostas para todas as questões do WHOQOL-Bref são obtidas
tórios para o desencadeamento e a cronificação das síndromes do- através de uma escala do tipo Likert de cinco pontos, na qual a
lorosas lombares, particularmente os fatores psicossociais e emocio- pontuação pode variar de 1 a 5, além de duas questões sobre qua-
nais, que comprometem a qualidade de vida (QV)7. lidade de vida geral calculadas em conjunto para gerar um único
Diante deste contexto, o objetivo deste estudo foi identificar os fa- escore independente dos escores dos domínios, denominada ove-
tores clínicos e psicossociais e avaliar a QV de pacientes com SDPL. rall ou “qualidade de vida geral”. Para o cálculo dos escores dos
domínios, os índices das facetas componentes resumem os domí-
MÉTODOS nios aos quais pertencem. Tanto os domínios como a QV geral são
medidos em direção positiva, ou seja, escores mais altos denotam
Trata-se de um estudo descritivo, exploratório, comparativo, de cor- melhor QV.
te transversal com abordagem quantitativa. Foram incluídos pacien- Fatores emocionais como ansiedade e depressão foram avaliados
tes com SDPL, isto é, dor persistente na região lombar ou recidiva respectivamente pelo Inventário Beck de Ansiedade13 (BAI) que se
precoce antes de três meses após o tratamento cirúrgico de hérnia constitui de 21 itens, e o indivíduo deve apontar, em uma escala
discal (grupo I/n=16), de ambos os gêneros, sem déficit cognitivo, de quatro pontos, o nível de gravidade do sintoma. O escore total
atendidos na Clinica da Dor do Hospital de Base/FAMERP. Os pa- varia de 0 a 63, e permite a avaliação da intensidade da ansiedade.
cientes foram admitidos em ambulatório específico de dor lombar O nível de ansiedade é classificado em mínimo (0-7), leve (8-15),
pós-operatória. Foram excluídos pacientes com evidências de doen- moderado (16-25) ou grave (26-63). A depressão foi avaliada através
ças metabólicas, inflamatórias, oncológicas ou com quadro de ins- do Inventário de Depressão de Beck (BDI)14 que é uma escala auto-
tabilidade segmentar evidenciada por exame de imagem. Todos os aplicada, traduzida e validada no Brasil, composta por 21 itens que
pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido contemplam sintomas e atitudes cognitivas depressivas. A pontua-
(TCLE). ção para cada categoria do BDI varia de zero a três, sendo que zero
Os pacientes foram alocados em dois grupos: o grupo-teste (I), com corresponde à ausência de sintomas depressivos e três à presença de
diagnóstico de SDPL (n=16), e o grupo controle (II), submetido sintomas mais intensos. Para o escore total, até 15 pontos significa
a interconsulta na Clínica da Dor sem diagnóstico de doenças nos ausência ou presença mínima de sintomas depressivos, entre 16 e 20
sistemas musculoesqueléticos e neurológicos, sem história de cirur- pontos há evidências de intensidade leve a moderada de sintomas
gia anterior, com recomendação para realização de caminhadas (dor depressivos, acima de 20 pontos indica sintomas de depressão de
pélvica, causas vasculares, hormonais). O grupo II consistiu de indi- intensidade moderada a grave. Escore de 30 a 63 pontos sinaliza
víduos pareados para idade e nível educacional em relação ao grupo sintomas depressivos de intensidade grave.
I (n=15). A avaliação dos sujeitos foi realizada utilizando-se uma De acordo com a morfologia da SDPL e os métodos de tratamento
entrevista semiestruturada para caracterização sócio-demográfica e utilizados, neste estudo os pacientes foram divididos em dois gru-
clínica (idade, gênero, estado civil, escolaridade, tempo de dor, pre- pos: o grupo I (n=16), que sofre dessa complicação e o grupo II
juízos sociais). (n=15), controle, mas que pareiam idade e condições sociais. Foram
Em relação às afecções da região lombar, foram pesquisados os refle- analisadas características sociais, relacionadas à QV, tendências de-
xos patelar e aquileu classificados como normais, aumentados, dimi- pressivas e ansiedade, além de variações interindividuais relacionadas
nuídos e abolidos8 e o sinal de Laségue9, quando positivo, indicava aos exames físicos, como sensibilidade dolorosa, de reflexos e o sinal
comprometimento radicular. de Laségue.
Para avaliar a dor foi utilizado o dolorímetro de Fischer10 cujo pro-
cedimento foi aplicar uma pressão perpendicular à superfície da Análise estatística
pele com uma velocidade de 1cm/s sobre os pontos motores dos Utilizou-se a sintaxe oferecida pelo Whoqol Group para ser usada no
músculos, por onde passam raízes nervosas, observando possíveis programa de software SPSS (Statistical Package for Social Science).
aumentos de sensibilidade radicular, até que a sensação de pressão se Com ela, o programa pôde checar, recodificar e estabelecer os escores
transformasse em dor, enquanto um manômetro registrava a força dos domínios e das questões de QV geral.

33
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):32-6 Beigin GA, Martins MR, Souza AV e Forni JE

Todos os sujeitos, de ambos os grupos, foram submetidos a uma Tabela 2. Média, desvio padrão e significância da dolorimetria dos
única avaliação, e a análise descritiva foi realizada no programa músculos quadrado lombar, vasto medial, reto femoral, vasto late-
ral, gastrocnêmio/gêmeos, glúteo máximo, glúteo médio, piriforme e
Excel. Os dados qualitativos foram analisados por odds ratio, e os adutor, pesquisados em todos os pacientes
ordinais, por testes não paramétricos. Toda a análise estatística foi
Dolorimetria (kg/cm2) Grupo I Grupo II Valor de p
realizada com nível de significância de 0,05. Músculos
Média e desvio padrão
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da FA-
MERP (2384/2010). QLPD 1,2± 0,6 2,0±0,6 0,06
QLPE 1,5± 0,7 1,9±0,6 0,06
RESULTADOS QLDD 1,2± 0,6 1,7±0,4 0,05
QLDE 1,1± 0,5 1,6±0,7 0,07
A Tabela 1 mostra as características sócio-demográficas desses VMPD 1,1± 0,7 1,2±0,9 0,08
grupos com diferenças e semelhanças em diversos aspectos, como VMPE 1,2± 0,9 1,9±0,6 0,05
tempo de dor e prejuízos sociais, perda de emprego e perda de ca-
VMDD 1,1± 0,7 1,7±0,3 0,06
pacidade de realizar alguma tarefa rotineira, comprometendo seus
VMDE 1,9± 0,6 2,5±0,8 0,06
afazeres diários.
RFPD 1,6± 0,7 2,0±0,5 0,08
RFPE 1,7± 0,4 1,8±0,4 0,06
Tabela 1. Caracterização sócio-demográfica dos grupos estudados
RFDD 1,7± 0,3 1,8±0,7 0,06
Variáveis Grupos n Média, desvio padrão e
frequência (%) RFDE 1,7± 0,4 2,8±0,4 0,07
Idade (anos) I 16 42,3±5,8 VLPD 1,7± 0,3 1,6±0,4 0,06
II 15 39,5±3,5 VLPE 1,7± 0,3 1,4±0,4 0,05
Gênero I 16 Feminino 80 (n=12) VLDD 1,7± 0,4 2,5±0,4 0,06
II 15 Feminino 68 (n=10) VLDE 1,6± 0,3 1,8±0,3 0,06
Estado civil I 16 Solteiro(a) 18 (n=3) GPD 1,8± 0,4 1,8±0,4 0,06
Casado(a) 56 (n=9) GPE 1,5± 0,2 2,0±0,4 0,06
Divorciado(a) 18 (n=3)
Viúvo(a) 8 (n=1) GDD 1,6± 0,4 1,8±0,7 0,08
II 15 Solteiro(a) 20 (n=3) GDE 1,5± 0,4 2,0±0,4 0,07
Casado(a) 42 (n=6) GMAPD 1,7± 0,4 1,7±0,3 0,07
Divorciado(a) 31 (n=4)
Viúvo(a) 7 (n=2) GMAPE 1,7± 0,3 1,9±0,5 0,06

Tempo de dor I 16 13,0±0,3 após cirurgia GMADD 1,5±0,2 1,8±0,3 0,07


(meses) GMADE 1,6± 0,4 2,5±0,4 0,08
II 15 18,5±0,8
Escolaridade I 16 8,4±3,0 GMEPD 1,3± 0,6 1,7±0,4 0,07
(anos) GMEPE 1,4±0,7 2,0±0,4 0,06
II 15 8,0±4,6
GMEDD 1,4±0,7 1,8±0,4 0,05
GMEDE 1,6±0,4 1,7±0,4 0,06
Quanto ao limiar de dor avaliado pelo dolorímetro de Fischer nos
PPD 1,6± 0,4 1,6±0,4 0,06
músculos dos pacientes de ambos os grupos foram evidenciados va-
lores mais baixos no grupo I indicando limiares de dor menores, po- PPE 1,2± 0,6 1,8±0,7 0,07
rém sem diferença estatisticamente significativa. Em ambos os gru- PDD 1,2± 0,6 2,8±0,4 0,06
pos a dolorimetria foi realizada no lado direito e esquerdo (Tabela 2). PDE 1,2± 0,4 1,8±0,4 0,06
Com relação aos reflexos patelar e aquileu avaliados, foram classifi- APD 1,3± 0,3 2,0±0,4 0,08
cados em normais, aumentados, diminuídos e abolidos, verificados APE 1,1± 0,2 1,5±0,5 0,05
no grupo I e apresentados na figura 1. Pode-se observar que dos 16 ADD 1,4±0,2 1,6±0,4 0,06
pacientes do grupo I, 10 (62,5%) apresentaram resultados diver-
ADE 1,4± 0,2 1,8±0,4 0,07
gentes da normalidade, comprovando um comprometimento nesse
QLPD e E = quadrado lombar proximal direito e esquerdo; QLDD e E = quadra-
sistema neural. do lombar distal direito e esquerdo; VMPD e E = vasto medial proximal direito e
De acordo com o sinal de Laségue (SL), o GI apresentou 11 (68%) esquerdo; VMDD e E = vasto medial distal direito e esquerdo; RFPD e E = reto
femoral proximal e esquerdo; RDD e E = reto femoral distal direito e esquerdo;
pacientes positivados em ambos os lados (D e E), 4 (25%) positiva- VLPD e E = vasto lateral proximal direito e esquerdo VLDD e E = vasto lateral
ram apenas o lado direito e 1 negativou bilateralmente. distal direito e esquerdo; GPDe E = gastrocnêmio proximal direito e esquerdo;
Com relação à percepção da dor, a média de pontuação obtida na GDD e E = gastrocnêmio distal direito e esquerdo; GMAPD e E = glúteo máxi-
mo proximal direito e esquerdo; GMADD e E = glúteo máximo distal direito e
EAV nos grupos apresentou aumento no GI. esquerdo; GMEPD e E = glúteo médio proximal direito e esquerdo; GMEDD e
Quanto à análise das variáveis relacionadas a QV a média geral foi E = glúteo médio distal direito e esquerdo; PPD e E = piriforme proximal direito
e esquerdo; PDD e E = piriforme distal direito e esquerdo; APD e E = adutor
de 50,8 no GI, sendo o domínio físico o mais prejudicado, com o proximal direito e esquerdo; ADD e E = adutor distal direito e esquerdo.
escore de 44,1 (Tabela 3). *valor de p<0,05 - teste estatístico não paramétrico de Mann-Whitney.

34
Impacto psicossocial e na qualidade de vida de pacientes Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):32-6
com síndrome dolorosa após laminectomia

6 6 6 6
DISCUSSÃO
6
5 5 5 5 A incidência de falha em cirurgia lombar tendo como resultado a
5
volta da dor tem sido pouco estudada, porém sua cronicidade tem
4 4 4 4
4 Normal sido relatada por alguns autores em 15 a 20% dos indivíduos15.
Aumentado
A idade dos pacientes com SDPL incluídos no estudo variou entre
3 25 e 79 anos (média de 42,3±5,8 anos), com tempo de dor de 13
Diminuído
2
meses e intensidade moderada (7,0). No estudo de Teixeira et al.4 os
Abolido
1 1 1 1 índices apresentados assemelharam-se, discordando apenas em rela-
1 ção ao gênero, que no presente estudo prevaleceu o feminino. Em
relação ao limiar de dor não houve diferença significativa em relação
0
RPD RPE RAD RAE aos grupos.
Alguns autores referem uma variedade de fatores que podem causar
Figura 1. Presença dos reflexos patelar e Aquileu referidos nos pa-
a SDPL, tais como uma possível lesão da raiz do nervo espinhal, que
cientes do grupo I (n=16)
RPD = reflexo patelar direito; RPE = reflexo patelar esquerdo; RAD = reflexo
foi descomprimido pela cirurgia, a não recuperação do trauma ante-
aquileu direito; RAE = reflexo aquileu esquerdo. rior sendo uma contínua fonte de dor no nervo ou dor ciática. Em
outros casos, a formação de cicatrizes, que pode envolver as raízes
Tabela 3. Escores obtidos na avaliação de dor e domínios de quali-
nervosas e provocar dor crônica, a presença de alterações estruturais
dade de vida de acordo com o questionário genérico WHOQOL-Bref na coluna vertebral que se desenvolvem acima ou abaixo do local
em ambos os grupos de uma fusão espinhal, hérnia de disco recorrente, instabilidade li-
Domínios de qualidade Grupo I Grupo II Valor gamentar da coluna vertebral ou pélvica, entre outras, porém para
de vida média e média e de p elaborar um plano de tratamento eficaz é necessário identificar as
desvio padrão desvio padrão variações individuais e o comprometimento na sua QV18.
Físico 44,1±13,9 56,4±3,0 0,04* Assim, devido ao conhecimento de possíveis complicações pós-ope-
Psicológico 50,0±24,0 51,4±16,7 0,08 ratórias, há necessidade de se mensurar a QV, os prejuízos sociais e os
Relações sociais 47,3±21,3 62,0±15,0 0,03* fatores emocionais para se conhecer a dinâmica do processo terapêu-
Meio ambiente 62,0±15,5 62,5±16,7 0,08 tico e intervir quando necessário, não permitindo que se estabeleça
Qualidade de vida geral 50,8±18,5 58,0±12,8 0,04*
um padrão anormal de funcionalidade19.
A QV está diretamente relacionada à recuperação pós-cirúrgica em
Escala analógica visual 7,0±0,27 5,1±0,26 0,048*
pacientes com SDPL, em especial a dimensão física, de acordo com
*Valor estatisticamente significativo - p<0,05. Teste de Mann-Whitney.
o trabalho de Meneffe et al.20 que relata que a influência de fatores
pessoais, culturais, afetivos são fundamentais para uma boa recupe-
A análise dos dados da Escala Beck de Ansiedade (BAI), indicou
ração e manutenção de uma QV adequada dos pacientes. A influ-
uma média de 14,5, considerada leve e sem diferença significativa
ência desses fatores em pacientes com indicação cirúrgica podem ser
(p>0,05) entre os grupos. Já o valor encontrado na média de de-
preditores da ocorrência e expressão do sintoma álgico21.
pressão (BDI) foi de 17,75, o que indica que acima de 16 já existem
indícios de possível quadro depressivo. Nessa correlação estatística North et al.22 avaliaram 102 pacientes com dor persistente ou re-
houve diferença entre os grupos (p>0,05), fato esse que afeta a QV corrente após cirurgia da coluna lombar (média de 2,4 cirurgias an-
dos pacientes que apresentam a SDPL (Figura 2). teriores) e, após seguimento de 5 anos, relataram alivio da dor em
34%; 15% foram aposentados e a maioria reduziu ou eliminou a
ingestão de analgésicos. Também registrou melhores prognósticos
20 em pacientes jovens e do gênero feminino. Esses resultados sugerem
17,75
18 que os critérios de seleção para cirurgia repetida na coluna requerem
16
16
mais avaliações, juntamente com a análise critica dos resultados do
14,5
14 tratamento, e que abordagens alternativas devem ser sempre consi-
12
11,5 deradas.
10 Os indivíduos com dor após falha cirúrgica (GI), neste estudo,
BAI
8 apresentaram escores de depressão significativamente mais elevados
BDI
6 (p<0,05) quando comparados ao GII. Pesquisas que investigam fa-
4 tores emocionais nessa população são escassas, mas de acordo com
2 alguns estudos, os fatores psicossociais têm um impacto significativo
0 sobre a dor sendo responsáveis, muitas vezes, pelo uso crônico de
Grupo I Grupo II Grupo I Grupo II opioides1,19.
Observou-se também o perfil social desta amostra que refere no GI
Figura 2. Características numéricas (média) dos escores das avalia-
ções de ansiedade e depressão segundo o Inventário de Beck para o vários prejuízos sociais (desemprego 17%, aposentadoria 18% e be-
grupo I (n=16) e o grupo II (n=15) nefício 65%), dos quais não foram encontrados dados comparativos
BAI = Inventário Beck de Ansiedade; BDI = Inventário de Depressão de Beck. em outros estudos.

35
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):32-6 Beigin GA, Martins MR, Souza AV e Forni JE

Os resultados aqui apresentados sugerem que a queixa álgica em pa- 7. HelfensteIn Junior M, Goldenfum MA, Siena C. [Occupational low back pain]. Rev
Assoc Med Bras. 2010;56(5):583-9. English, Portuguese.
cientes com SDPL interfere negativamente na QV e o estudo da 8. Hoppenfeld S. Propedêutica ortopédica: coluna e extremidades. São Paulo: Atheneu;
dor deve ser estimulado e priorizado, em virtude da complexidade, 1998.
9. Borges CA, Ximenes AC. Coluna vertebral. In: Porto CC. Semiologia médica. 3ª ed.
subjetividade e individualidade desse assunto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 1997. 894-905p.
10. Fischer AA. Muscle pain syndromes and fibromyalgia. Musculoesk J Pain.
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11. Pimenta CAM. Escalas de avaliação de dor. In: Teixeira MD, (editor). Dor conceitos
CONCLUSÃO gerais. São Paulo: Limay; 1994. 46-56p.
12. Fleck MP, Louzada S, Xavier M, Chachamovich E, Vieira G, Santos L, et al. [Apli-
No presente estudo observou-se dor moderada e duradoura nos cation of the Portuguese version of the abbreviated instrument of quality life WHO-
QOL-brev]. Rev Saude Publica. 2000;34(2):178-83. Portuguese.
pacientes com SDPL. A dimensão física foi a mais comprometida 13. Leyfer OT, Ruberg JL, Woodruff-Borden J. Examination of the utility of the Beck
quando avaliada a QV, e a atividade laboral mostrou-se prejudicada. Anxiety Inventory and its factors as a screener for anxiety disorders. J Anxiety Disord.
2006;20(4):444-58.
Houve alta prevalência de depressão. 14. Gorenstein C, Andrade L. Validation of a Portuguese version of the Beck Depression
Considerando que existem poucas evidências cientificas na avaliação Inventory and the State-Trait Anxiety Inventory in Brazilian subjects. Braz J Med Biol
global desses pacientes, conhecer os fatores envolvidos através de ins- Res. 1996;29(4):453-7.
15. Deyo RA, Tsiu-Wu YJ. Descriptive epidemiology of low-back pain and its related
trumentos e avaliações permite testar intervenções com o objetivo de medical care in the United States.Spine. 1987;12(3):264-8.
melhorar a dor crônica. 16. Manchikanti L, Pampati V, Baha AG, Fellows B, Damron KS, Barnhill RC. Contri-
bution of facet joints to chronic low back pain in postlumbar laminectomy syndrome:
a controlled comparative prevalence evaluation. Pain Physician. 2001;4(2):175-80.
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2014;28(2):117-20. ted operation. Neurosurgery. 1991;28(5):685-91.

36
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):37-42 ARTIGO ORIGINAL

Transcranial direct current stimulation in fibromyalgia: effects on pain and


quality of life evaluated clinically and by brain perfusion scintigraphy*
Estimulação elétrica transcraniana por corrente contínua em fibromialgia: efeitos sobre a dor e
a qualidade de vida, avaliados clinicamente e por cintilografia de perfusão cerebral
Levi Higino Jales Junior1, Maria do Desterro Leiros Costa2, Levi Higino Jales Neto3, João Paulo Moraes Ribeiro4, Waleska
Jessiane Silva do Nascimento Freitas4, Manoel Jacobsen Teixeira5

*Recebido do Hospital Universitário Onofre Lopes, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Faculdade de Medicina da Universi-
dade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150008

ABSTRACT evidence of statistically significant difference in the evaluation of


SF-36 (p<0.05) in Functional Capacity, Physical and Emotional
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Transcranial Direct Aspects domains, where patients have increased respective indi-
Current Stimulation is a neuromodulation method to treat ces after treatment. In Brain Spect, for 3 effective group patients,
neuropsychiatric and other diseases. This study aimed at evalu- there have been significant changes in images with decreased
ating the effect of this technique on pain and quality of life of biparietal hypoperfusion after procedures. No significant Brain
fibromyalgia patients, in addition to studying brain images by Spect image changes were observed in the Sham group.
Brain Perfusion Scintigraphy before and after procedures. CONCLUSION: Transcranial Direct Current Stimulation was
METHODS: Prospective, double-blind, randomized, control- effective for therapeutic pain control and has improved quality
led study with parallel arms evaluated clinically and by CT scan of life of fibromyalgia patients. Brain Spect has contributed for
with single photon emission (Brain Spect). Sample was made complementary fibromyalgia evaluation.
up of 20 female fibromyalgia patients divided in two groups of Keywords: Chronic pain, Electric stimulation, Fibromyalgia,
10. Parameters evaluated were quality of life by the pain Visual Neuromodulation, Scintigraphy.
Analog Scale, Quality of Life Questionnaire SF-36, Fibromyal-
gia Impact Questionnaire and pain level measurement on tender RESUMO
points with Fischer’s Algiometer. The effective group has recei-
ved 1.0mA anodal stimulation for 20 minutes in M1 to the left, JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Estimulação Elétrica Trans-
cathode positioned on the right supraorbital region once a week craniana por Corrente Contínua é um método de neuromodu-
in a total of 10 consecutive weeks. The Sham group received no lação no tratamento de doenças neuropsiquiátricas e outras. O
electric impulses. objetivo deste estudo foi avaliar o efeito dessa técnica sobre a dor
RESULTS: There has been decrease in the Fibromyalgia Impact e qualidade de vida em pacientes fibromiálgicos, além de estudar
Questionnaire (55.36 to 35.42; p=0.0059) and the Visual Analog imagens cerebrais por Cintilografia de Perfusão Cerebral, antes e
Scale (6.05 to 3.60; p=0.0316) scores. There has been statistically após procedimentos.
significant difference (p<0.05) in trigger points measurement in MÉTODOS: Estudo prospectivo, duplamente encoberto, aleató-
the effective group. For the effective group, there has been also rio, controlado, braços paralelos, avaliados clinicamente e por to-
mografia computadorizada de emissão de fóton único (Spect Ce-
rebral). Amostra constituída por 20 pacientes do gênero feminino
1. Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Hospital Universitário Onofre Lopes, fibromiálgicos, dois grupos de 10, sobre dor e qualidade de vida
Natal, RN, Brasil.
2. Universidade Federal da Paraíba, Departamento de Morfologia, João Pessoa, PB, Brasil.
pela Escala Analógica Visual da dor, Questionário de Qualidade de
3. Hospital São Camilo, Departamento de Reumatologia, São Paulo, SP, Brasil. Vida-SF-36, Questionário sobre Impacto da Fibromialgia e men-
4. Centro Clínico de Dor, Sociedade Norte Rio-Grandense para o Estudo da Dor, Natal,
RN, Brasil.
suração do nível de dor em pontos sensíveis, através do Algiômetro
5. Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina, Hospital de Clínicas, Departamento de Fischer. O grupo efetivo recebeu estimulação anódica 1,0mA,
de Neurologia, São Paulo, SP, Brasil. 20 minutos, em M1 à esquerda, catodo posicionado na região
Apresentado em 15 de outubro de 2014. supraorbital direita, uma vez por semana perfazendo 10 semanas
Aceito para publicação em 09 de fevereiro de 2015. consecutivas. O grupo Sham não recebeu impulsos elétricos.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
RESULTADOS: No grupo efetivo observou-se redução dos
Endereço para correspondência: escores do Questionário de Impacto da Fibromialgia (55,36
Levi Higino Jales Junior
Avenida Hermes da Fonseca, 1078 – Petrópolis para 35,42; p=0,0059) e da Escala Analógica Visual (6,05 para
59034-000 Natal, RN, Brasil. 3,60;p=0,0316). Houve diferença estatisticamente significativa
E-mail: ipens@supercabo.com.br
(p<0,05) em relação aos valores mensurados dos pontos-gatilho
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor no grupo efetivo. No grupo efetivo observou-se evidência de

37
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):37-42 Jales Junior LH, Costa MD, Jales Neto LH,
Ribeiro JP, Freitas WJ e Teixeira MJ

diferença estatisticamente significativa na avaliação do SF-36 crônicas5. Estudo de estimulação transcraniana por corrente contí-
(p<0,05), quanto aos domínios de Capacidade Funcional, As- nua em pacientes com FM mostrou redução significativa da dor6.
pectos Físicos e Emocionais, onde os pacientes após o tratamento Com a finalidade de adicionar novos conhecimentos ou confirmar
aumentaram os respectivos índices estudados. No Spect Cerebral resultados de experimentos semelhantes, o presente trabalho visou
foram observadas em 3 pacientes do grupo efetivo, modificações avaliar o emprego da Estimulação Elétrica Transcraniana por Cor-
significativas nas imagens com redução da hipoperfusão bipa- rente Contínua (ETCC), ou termo mais usado na prática médica
rietal observada antes do tDCS e aparecimento de novas áreas Transcranial Direct Current Stimulation (tDCS), em portadores de
com hiperperfusão em núcleos da base, após procedimentos. No FM, dessa maneira, mensurando clinicamente seus efeitos sobre a
grupo Sham não foram observadas alterações significativas nas dor. Paralelamente avaliou a qualidade de vida (QV), como também
imagens dos Spects Cerebrais. estudou imagens dos cérebros desses pacientes, por meio da utili-
CONCLUSÃO: A Estimulação Elétrica Transcraniana por Cor- zação de cintilografia de perfusão cerebral (Spect Cerebral), antes e
rente Contínua foi eficaz no controle terapêutico da dor e pro- após conclusão dos procedimentos com tDCS.
moveu melhora na qualidade de vida dos pacientes fibromiálgi-
cos. O Spect Cerebral contribuiu na avaliação complementar da MÉTODOS
Fibromialgia.
Descritores: Cintilografia, Dor crônica, Estimulação elétrica, Estudo prospectivo duplamente encoberto, randomizado, contro-
Fibromialgia, Neuromodulação. lado por placebo sobre o efeito de tDCS na FM, avaliado clinica-
mente e por Spect Cerebral. O termo SPECT é uma abreviação de
INTRODUÇÃO tomografia computadorizada de emissão de fóton único ou Single
Photon Emission Computer Tomography que constitui um exame es-
A fibromialgia (FM) é uma síndrome na qual o paciente refere dor pecializado em Medicina Nuclear, para avaliar a perfusão diretamen-
crônica difusa pelo corpo, associada a fadiga, alterações do sono te do fluxo sanguíneo cerebral, fornecendo um padrão de imagens
(frequentemente insônia), distúrbios do humor (principalmente de- teciduais do cérebro humano e que indiretamente estuda as ativida-
pressão) e outras manifestações clínicas1. des neuronais da região7.
A dor é predominantemente musculoesquelética, relatada como A coleta dos dados e as aplicações foram realizadas em ambiente
sensação de peso, podendo se apresentar também em forma de quei- ambulatorial por equipe acadêmica e multiprofissional treinada com
mação, pontada, “tipo cansaço” e outros, geralmente com maior uso do aparelho de tDCS, na sede do Instituto de Pesquisa e Ensino
intensidade à noite e pela manhã ao acordar2. A fadiga crônica é Norte Riograndense em Saúde (IPENS) em Natal/RN.
descrita como falta de energia, indisposição para o trabalho, fraqueza Os critérios de inclusão foram pacientes diagnosticados com FM, na
muscular e cansaço mental2. Ao exame clínico o paciente apresenta faixa etária entre 25 e 65 anos, de ambos os gêneros e residentes no
bom estado geral, com presença de pontos sensíveis a digito-pressão município de Natal/RN. Os pacientes foram informados da natu-
(tender points), percebidos em várias partes do corpo2. Em 2010, reza do projeto e concordaram livremente em participar, e permiti-
novos critérios diagnósticos da FM foram estabelecidos pelo Colégio ram o registro de suas atividades através da assinatura do Termo de
Americano de Reumatologia (ACR)3, mas os critérios anteriores de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Durante todo projeto
1990 não foram invalidados. Os novos critérios devem satisfazer a de pesquisa, em ambos os grupos, não houve nenhuma interferência
três seguintes condições: no tratamento convencional aos quais os indivíduos estavam se sub-
1. Índice de dor generalizada, Widespread Pain Index (WPI) ≥7 e metendo, portanto eles continuaram fazendo uso de suas terapias
sintomas de severidade (SS) em uma escala ≥ 5 ou WPI entre 3 e 6 farmacológicas e não farmacológicas, conforme situação pessoal.
e SS com escore ≥9; Os critérios de exclusão foram pacientes portadores de déficits cog-
2. Os sintomas estão presentes em um nível similar há pelo menos nitivos acentuados; analfabetos; pacientes com história pregressa e/
três meses; ou familiar de crises convulsivas; portadores de arritmias cardíacas e
3. O paciente não ser portador de outra doença, que poderia justifi- marca-passo cardíaco, gestantes e nutrizes.
car sensação de dor difusa4. Os pacientes foram estudados clinicamente em relação às caracte-
Segundo a diretriz da Sociedade Brasileira de Reumatologia sobre rísticas da dor e QV, pelos seguintes métodos de avaliação da dor:
a Fibromialgia (2004), o tratamento tem como objetivos: o alívio Escala Analógica Visual (EAV); Questionário de Qualidade de Vida
da dor, melhora da qualidade do sono, condicionamento físico e (SF-36), Questionário de Impacto da Fibromialgia (QIF), mensu-
redução da fadiga, manutenção ou restabelecimento do equilíbrio ração do nível de dor do ponto sensível, por meio dos Tender Points
emocional e o controle clínico específico de desordens associadas4. do Algiômetro Force Dial, também conhecido por Algiômetro de
Apesar de muitos avanços no entendimento da FM, seu tratamento Fischer. Cada paciente teve sua história clínica e o exame físico regis-
ainda é um desafio, havendo uma constante busca por evidências de trado e anexado em cadernos individuais. Todos os pacientes incluí-
intervenções farmacológicas e não farmacológicas efetivas. O em- dos no projeto também foram submetidos ao Spect Cerebral antes e
prego da corrente elétrica de baixa intensidade vem sendo sugerido após o término dos procedimentos.
como uma ferramenta útil no tratamento de doenças neurológicas O Spect é um exame simples em que o paciente se submete a pun-
e para a reabilitação de doenças crônicas, tais como: a doença de ção prévia de acesso venoso e permanece 15 minutos em repouso.
Parkinson, epilepsia, doenças cerebrovasculares, acidente vascular O procedimento consiste em uma injeção na veia do antebraço do
encefálico (AVE) e em diversas síndromes que cursam com dores paciente, com contraste de radiofármacos lipossolúveis, que apre-

38
Estimulação elétrica transcraniana por corrente contínua em Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):37-42
fibromialgia: efeitos sobre a dor e a qualidade de vida, avaliados
clinicamente e por cintilografia de perfusão cerebral

sentam a capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica e con- normas da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e re-
centrar-se dentro das células cerebrais, proporcionalmente ao aporte cebeu parecer consubstanciado do CEP/HUOL nº 128.183 do dia
sanguíneo, incluindo a demanda funcional (metabolismo cerebral)8. 15/10/2012.
No Spect cerebral desta pesquisa foi utilizado o radiotraçador HM- A mensuração do nível de dor realizada em tender points através do
PAO-99mTc (hexametilpropileno - animaoxina marcado com o ra- Algiômetro de Fischer foi realizada nos locais clássicos, de acordo
dioisótopo tecnécio)9,10. A interpretação das imagens do cérebro traz com a recomendação da ACR, demonstrado na figura 1.
informações valiosas sobre o fluxo sanguíneo, nas diversas regiões do
cérebro, correlacionando-o com a provável função metabólica dessas
áreas, com evidencias de sua maior ou menor atividade7. Uma vez
injetado o radiofármaco, o tempo de concentração ideal no cérebro Paciente Nº: ________
para obtenção das imagens é de 15 a 40 minutos. Após esse intervalo
de tempo, foi realizado o estudo tomográfico. Spect cerebral é con-
traindicado em gestantes e nutrizes.
Neste trabalho as imagens dos Spects Cerebrais dos pacientes foram
analisadas e comparadas com o banco de dados normativo interna-
cional Oasis, do programa Segami11.
Em relação aos procedimentos com a tDCS da pesquisa, dois ele-
trodos foram posicionados sobre o couro cabeludo dos pacientes de
forma adequada e sem provocar incômodos. O esboço envolveu 20
participantes, todos do gênero feminino, divididos em dois grupos
de 10 pacientes. Um grupo denominado efetivo recebeu impul-
so elétrico de 1,0mA, fornecido por uma unidade eletrônica com
controles de sinais de corrente contínua, do equipamento Cerebral
Electronic Stimulator (CES). O outro grupo, chamado Sham, não
recebeu impulso elétrico. Durante os procedimentos, os pacientes
ficaram confortavelmente deitados em leitos adequados, com o Total: ________
eletrodo anódico posicionado no escalpo, na face súperolateral do
crânio, região correspondente ao giro pré-central esquerdo (M1 ou Figura 1. Pontos de mensuração do Algiômetro de Fischer (18 tender
área 4 de Brodmann) em seu terço médio. O eletrodo catódico foi points)
posicionado na região supraorbital contralateral. Entre o escalpo e o
eletrodo foi interposta uma esponja de borracha, medindo 3x5cm,
RESULTADOS
previamente umedecida em solução fisiológica a 0,9%. Uma corren-
te contínua de intensidade de 1,0mA foi aplicada durante 20 minu-
Foram avaliados 20 pacientes do gênero feminino, com média de
tos. Para o grupo Sham (controle) os mesmos procedimentos foram
idade de 46,40 anos com desvio padrão de 10,615 anos. Metade
adotados, uma vez por semana durante 20 minutos, por 10 semanas
delas apresentou idade de até 48 anos.
consecutivas também, com uma diferença fundamental de não ter
No grupo efetivo houve diferença estatisticamente significativa
sido ligado o referido aparelho de tDCS. Os pacientes, bem como
(p<0,05) no QIF antes e depois do tratamento, com redução na
o pesquisador responsável e os avaliadores, foram encobertos quan-
variável estudada (Tabela 1).
to à natureza do estímulo aplicado; apenas 2 profissionais tinham
conhecimento do grupo ao qual pertencia a paciente e, portanto Tabela 1. Valores do Questionário de Impacto da Fibromialgia antes e
da natureza do estímulo aplicado. Estes registraram e arquivaram os após tratamento em ambos os grupos
dados obtidos para acompanhamento e análise ao final das sessões. Estatística Mínimo Máximo Mediana Média Desvio
Os dados foram registrados e arquivados para acompanhamento descritiva padrão
e análise científica. A intensidade da dor pela EAV, Questionários Grupo Sham
(QIF e SF-36), mensuração do nível da dor do ponto-sensível (Ten- Pré-tratamento 10,67 84,34 61,93 61,93 24,974
der Points) através do algiômetro de Fischer e os Spects Cerebrais Pós-tratamento 12,67 85,20 47,65 42,42 28,241
dos pacientes, antes e após finalização do tratamento, foram corre- p=0,192
lacionados.
Grupo efetivo
O banco de dados foi construído em formato XLSX, e para cons-
Pré-tratamento 31,19 76,49 55,53 55,36 14,018
trução de tabelas utilizou-se Excel 2010, enquanto que para figuras
e testes estatísticos foi utilizado o software livre estatístico R, versão Pós-tratamento 17,53 60,43 32,26 35,42 12,841
3.0.0. Na pesquisa foi utilizado o teste estatístico não paramétrico de p=0,005
Wilcoxon, para comparar duas amostras pareadas12.
O projeto foi previamente cadastrado na Plataforma Brasil e sub- Houve diferença estatisticamente significativa (p<0,05) em rela-
metido à apreciação do Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital ção aos valores mensurados dos pontos-gatilho no grupo efetivo
Universitário Onofre Lopes (CEP/HUOL/UFRN), de acordo com (Tabela 2).

39
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):37-42 Jales Junior LH, Costa MD, Jales Neto LH,
Ribeiro JP, Freitas WJ e Teixeira MJ

Tabela 2. Valores mensurados na somatória dos pontos-gatilho pelo Tabela 4. Escores dos domínios do questionário de qualidade de vida
Algiômetro de Fisher antes e após tratamento em ambos os grupos antes e após os procedimentos no grupo Sham – continuação
Estatística Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Estatística Mínimo Máximo Mediana Média Desvio
descritiva padrão descritiva padrão
Grupo Sham Aspectos gerais
Pré-tratamento 30,60 78,10 48,85 49,92 14,093 Pré-tratamento 25,00 75,00 50,00 50,00 15,590
Pós-tratamento 34,30 80,40 49,90 52,38 14,821 Pós-tratamento 25,00 75,00 50,00 50,00 16,667
p=0,556 p=1
Grupo efetivo Aspectos emocionais
Pré-tratamento 28,00 59,60 48,30 46,24 10,733 Pré-tratamento 0,00 33,33 16,67 16,67 17,566
Pós-tratamento 31,30 74,00 54,45 53,14 14,008 Pós-tratamento 0,00 100,00 66,67 60,00 43,886
p=0,037 p=0,033
Saúde mental
No grupo efetivo houve diferença estatisticamente significativa Pré-tratamento 36,00 68,00 52,00 51,60 10,741
(p<0,05), em relação à mensuração da dor pela EAV (Tabela 3). Pós-tratamento 36,00 68,00 54,00 54,00 11,963
p=0,399

Tabela 3. Intensidade da dor mensurada pela escala analógica visual


antes e após o tratamento em ambos os grupos No grupo efetivo observou-se evidência de diferença estatisticamen-
Estatística Mínimo Máximo Mediana Média Desvio
te significativa na avaliação do SF-36 (p<0,05), quanto aos domí-
descritiva padrão nios de capacidade funcional, aspectos físicos e emocionais, em que
Grupo Sham os pacientes após o tratamento aumentaram os respectivos índices
Pré-tratamento 3,00 10,0 7,50 6,70 2,111 estudados (Tabela 5).
Pós-tratamento 2,00 9,00 6,00 5,60 2,503
p=0,277 Tabela 5. Escores dos domínios do questionário de qualidade de vida
Grupo efetivo antes e após os procedimentos no grupo efetivo
Pré-tratamento 2,50 9,00 6,00 6,05 2,061 Estatística Mínimo Máximo Mediana Média Desvio
Pós-tratamento 0,00 6,00 3,50 3,60 1,838 descritiva padrão
p=0,031 Capacidade funcional
Pré-tratamento 20,00 65,00 50,00 48,00 16,364
Pós-tratamento 50,00 85,00 70,00 68,50 11,068
Nos domínios do SF-36 houve diferença estatisticamente significati-
p=0,014
va (p<0,05) no grupo Sham (controle), apenas no escore de aspectos
Aspectos físicos
emocionais, com aumento de valores (Tabela 4). Pré-tratamento 0,00 75,00 12,50 17,50 23,717
Pós-tratamento 0,00 100,00 75,00 75,00 31,180
Tabela 4. Escores dos domínios do questionário de qualidade de vida p=0,008
antes e após os procedimentos no grupo Sham Dor
Estatística Mínimo Máximo Mediana Média Desvio Pré-tratamento 10,00 90,00 55,00 55,00 22,730
descritiva padrão Pós-tratamento 10,00 70,00 40,00 43,00 18,288
Capacidade funcional p=0,289
Pré-tratamento 10,00 75,00 20,00 31,00 23,070 Estado geral de saúde
Pós-tratamento 10,00 95,00 32,50 38,00 26,895 Pré-tratamento 50,00 80,00 60,00 63,50 10,554
p=0,120 Pós-tratamento 40,00 75,00 55,00 58,00 11,106
Aspectos físicos p=0,523
Pré-tratamento 0,00 100,00 0,00 22,50 36,228 Vitalidade
Pós-tratamento 0,00 100,00 25,00 47,50 41,583 Pré-tratamento 30,00 60,00 45,00 46,50 10,014
p=0,123 Pós-tratamento 45,00 70,00 52,50 53,50 9,144
Dor p=0,098
Pré-tratamento 40,00 90,00 60,00 62,00 13,166 Aspectos gerais
Pós-tratamento 20,00 80,00 45,00 50,00 23,570 Pré-tratamento 25,00 75,00 50,00 51,25 17,129
p=0,064 Pós-tratamento 12,50 62,50 50,00 47,50 15,366
Estado geral de saúde p=0,429
Pré-tratamento 30,00 80,00 62,50 59,00 15,420 Aspectos emocionais
Pós-tratamento 50,00 85,00 62,50 63,50 9,443 Pré-tratamento 0,00 66,67 16,67 26,67 30,633
p = 0,307 Pós-tratamento 0,00 100,00 100,00 80,00 35,833
Vitalidade p=0,013
Pré-tratamento 40,00 65,00 55,00 54,50 6,852 Saúde mental
Pós-tratamento 45,00 80,00 55,00 58,00 10,055 Pré-tratamento 44,00 68,00 54,00 53,60 8,044
Pós-tratamento 32,00 76,00 60,00 58,40 11,345
p=0,142
p=0,124
Continua... SPECT de perfusão cerebral: alterações significativas nas imagens

40
Estimulação elétrica transcraniana por corrente contínua em Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):37-42
fibromialgia: efeitos sobre a dor e a qualidade de vida, avaliados
clinicamente e por cintilografia de perfusão cerebral

No Spect Cerebral foram observadas em 3 pacientes do grupo efeti- encobertos e controlados17,18, utilizando estimulação transcraniana,
vo (Figura 2), modificações significativas nas imagens com redução mostraram redução também significativa da intensidade das dores
da hipoperfusão biparietal observada antes do tDCS e aparecimento em pacientes com FM. Estudo19 realizou uma revisão sistemática em
de novas áreas com hiperperfusão em núcleos da base, após procedi- periódicos como o Medline, Pshych UNFO, CINAHL e Cochrane
mentos. No grupo Sham não foram observadas alterações significa- Library da utilização da rTMS e tDCS para tratamento da dor em
tivas nas imagens dos Spects Cerebrais. pacientes com FM, encontrando alivio da dor em 100% dos traba-
lhos com adequada metodologia cientifica que utilizaram o tDCS e
10
em 80% dos que utilizaram a rTMS.
7 A EAV foi representativa para auxiliar na aferição da intensidade da
8 dor nos pacientes nesta pesquisa. A tDCS no grupo efetivo reduziu
significativamente os valores da intensidade da dor, com redução da
6
3 pontuação média de 6,05 para 3,60 dos pacientes submetidos a esti-
4 mulação, demonstrando benefícios terapêuticos utilizados. Segundo
o estudo de Fregni et al.6 pacientes que foram submetidos à tDCS
2
com estímulo ativo sobre M1 também mostraram redução significa-
0 tiva da dor medida pela EAV6.
Sem alteração Alteração de perfusão
O questionário SF-36 representa um instrumento extraordinário para
Figura 2. Alterações significativas observadas nas imagens dos avaliação da QV do indivíduo20. O tDCS em relação ao SF-36 deste
Spects Cerebrais no grupo efetivo após tDCS em 3 pacientes (30%) trabalho influenciou os fatores relacionados à capacidade funcional,
física e emocional, promoveu melhora no desempenho e na QV dos
DISCUSSÃO pacientes do grupo efetivo, com aumento da pontuação da média de
48,00 para 68,50 no domínio capacidade funcional. No escore aspec-
Através deste estudo científico preliminar com 20 pacientes do gêne- to físico houve fortalecimento com aumento de valores na média de
ro feminino com idade média de 46,40 anos, observou-se diferença 17,50 para 75,00. No domínio de aspectos emocionais o aumento
estatística significativa no grupo efetivo, no que diz respeito ao QIF, na média foi de 26,67 para 80,00. Esses dados demonstram melho-
EAV, Tender Points e nos Domínios do SF-36: Capacidade Funcio- ra na QV dos pacientes submetidos ao tDCS. Resultados análogos,
nal, Aspectos Físicos e Aspectos Emocionais, com melhora desses mas com estimulação de 2mA, também foram encontrados em ou-
indicadores em comparação ao grupo Sham. tros centros de pesquisas utilizando ETCC em pacientes com FM.
A ETCC é um procedimento indolor e provoca apenas uma sensação Riberto et al.20 empregando procedimentos semelhantes, demonstra-
de prurido ocasional e transitório na pele abaixo dos eletrodos. Apli- ram redução da dor e melhora na QV. Fagerlund et al.21 publicaram
cação de 10-20 minutos de eletroestimulação com uma intensidade recentemente que o tDCS foi eficaz no tratamento da FM e que os
de 1 a 2mA não provoca qualquer lesão ao tecido neural13. Estudos resultados desse referido trabalho sugerem que o método terapêutico
funcionais e de neuroimagem demonstraram que a tDCS anódica está tem grande potencial de induzir o alívio da dor em pacientes com FM.
relacionada a alteração local do fluxo sanguíneo e não provoca edema Pacientes com FM podem apresentar modificações no padrão de
ou distúrbios da barreira hematoencefálica, o que, em parte, garante a perfusão cerebral8,9. O Spect Cerebral tem sido usado em pesquisas
segurança do procedimento6. A estimulação anódica induz um signi- científicas para estudar correlações das imagens cerebrais em pessoas
ficativo aumento na concentração de oxi-hemoglobina, enquanto que portadoras de FM22. Eric Guedj do Serviço Central de Biophysique
um efeito desprezível é visto no catodo, comprovando que a eletroes- et de Médecine Nucléaire em Assistência Publique dês Hôpitaux de
timulação alcança o córtex cerebral em diferentes modos14. A tDCS é Marseille e colegas investigaram a correlação clínica específica de
de fácil aplicação, o que pode ser usado como estratégia complemen- anormalidades funcionais do cérebro, usando Spect. Vinte pacientes
tar no controle da dor15. Ocorre também uma correlação significativa com FM apresentaram hipoperfusão do lobo frontal, córtex cingula-
de melhoria da QV, avaliada por mudanças no QIF. Quanto maior do, temporal e cerebelar23. No presente estudo a avaliação dos Spects
o escore, maior é o impacto da FM na QV do indivíduo16. O tDCS cerebrais do grupo efetivo sofreu alterações significativas na perfusão
neste trabalho, em relação ao QIF, mostrou eficácia significativa na cerebral em 3 pacientes, demonstrando redução da hipoperfusão bi-
redução do impacto negativo da doença nos pacientes submetidos ao parietal, observada antes dos procedimentos e surgimento de novas
tratamento, comparados com o grupo placebo. Houve redução do imagens com áreas de hiperperfusão em núcleos da base após tDCS.
escore observado na pontuação dos valores da média do grupo efetivo Os demais foram inconclusivos. No grupo Sham não foram obser-
de 55,36 para 35,42, com mudança expressiva no desempenho das vadas alterações significativas das imagens cerebrais.
atividades diárias dos pacientes.
Com relação à pesquisa dos pontos sensíveis, a somatória de valores CONCLUSÃO
de sensibilidade encontrada nos Tender Points neste estudo, sofreu
aumento significativo no grupo efetivo, com observação de aumen- A tDCS foi eficaz no controle terapêutico da dor e promoveu me-
to da média de 49,92 para 52,38. O tDCS reduziu significativa- lhora na QV dos pacientes fibromiálgicos, pois representou uma
mente a hipersensibilidade dessas regiões, quando comparado com opção não farmacológica válida no tratamento da FM. As imagens
o grupo placebo. Este resultado satisfatório também foi encontrado dos Spects Cerebrais merecem estudos ulteriores para uma melhor
em outros centros de pesquisas. Estudos randomizados, duplamente compreensão dos resultados.

41
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):37-42 Jales Junior LH, Costa MD, Jales Neto LH,
Ribeiro JP, Freitas WJ e Teixeira MJ

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42
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):43-7 ARTIGO ORIGINAL

Musculoskeletal pain perception and hypertension*


Percepção de dor musculoesquelética e hipertensão arterial
Sandra Aires Ferreira1, Eduardo Kokubun2, Sebastião Gobbi2, Rômulo Araújo Fernandes2, Marcos Roberto Queiroga1

*Recebido do Departamento de Educação Física da Universidade Estadual do Centro-Oeste, Guarapuava, PR, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150009

ABSTRACT entre o relato de dor musculoesquelética e hipertensão arterial


em um grupo de trabalhadores.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Several human studies MÉTODOS: Utilizando-se um diagrama corporal com imagem
have shown an inverse relation between pain perception and e escala para intensidade (1 a 10), 349 trabalhadores (243 ho-
blood pressure. This study aimed at investigating the associa- mens e 106 mulheres) foram questionados a respeito da presença
tion between musculoskeletal pain report and hypertension in e sensibilidade à dor musculoesquelética. Todos foram subme-
a group of workers. tidos a medidas de pressão arterial e diagnóstico de hipertensão
METHODS: Using a body diagram with image and intensity arterial pelo médico do trabalho.
scale (1 to 10), 349 workers (243 males and 106 females) were RESULTADOS: Cem trabalhadores (28,7%) relataram algum
asked about the presence and sensitivity to musculoskeletal pain. tipo de dor musculoesquelética e destes 12 eram hipertensos e
All were submitted to blood pressure measurement and diagnosis 88 normotensos. Não houve diferença nem na prevalência nem
of hypertension by the occupational physician. na sensibilidade da dor musculoesquelética entre trabalhadores
RESULTS: One hundred workers (28.7%) have reported some hipertensos e normotensos. Apesar da ausência de diferença sig-
type of musculoskeletal pain and from these 12 were hyperten- nificativa, em média os hipertensos demonstraram maior preva-
sive and 88 normotensive. There has been no difference in mus- lência (38,7% vs 27,7%) e sensibilidade à dor do que os normo-
culoskeletal pain prevalence and sensitivity between hypertensive tensos (2,3±0,8 vs 2,1±0,9, respectivamente).
and normotensive workers. Notwithstanding the lack of signifi- CONCLUSÃO: Não foi possível confirmar no grupo de traba-
cant difference, in average hypertensive workers had higher pre- lhadores estudados as evidências da literatura de que indivíduos
valence (38.7% vs 27.7%) and sensitivity to pain as compared to hipertensos possuem menor prevalência e sensibilidade à dor do
normotensive workers (2.3±0.8 vs 2.1±0.9, respectively). que normotensos.
CONCLUSION: It was not possible to confirm in the group Descritores: Analgesia, Clínicas de dor, Hipertensão.
of studied workers literature evidences that hypertensive indivi-
duals have lower pain prevalence and sensitivity as compared to INTRODUÇÃO
normotensive individuals.
Keywords: Analgesia, Hypertension, Pain clinics. A hipertensão arterial (HA) e a dor musculoesquelética são fenôme-
nos observados cada vez mais frequentemente na população1,2. Por
RESUMO um lado a HA é considerada uma das principais causas de óbitos
associados a doenças cardiovasculares3 e, por outro, a dor está entre
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Diversos estudos em huma- os distúrbios não letais que mais provocam incapacidades e perda de
nos têm demonstrado relação inversa entre percepção de dor e produtividade no trabalho4.
pressão arterial. O objetivo do estudo foi investigar a associação Embora sejam fenômenos aparentemente distintos, investigações
utilizando animais de laboratório e humanos demonstraram forte
associação entre HA e reduzida percepção de estímulos dolorosos5,6.
Em outras palavras, pessoas com hipertensão relataram menor sen-
sibilidade à dor (hipoalgesia) quando comparadas a indivíduos nor-
1. Universidade Estadual do Centro-Oeste, Departamento de Educação Física, Guarapuava,
PR, Brasil. motensos7.
2. Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Departamento de Educação Considerando que a dor é um sinal que auxilia a proteger o corpo
Física, Rio Claro, SP, Brasil.
de lesões potenciais8, quais as implicações dessa relação para a saúde?
Apresentado em 17 de setembro de 2014. A primeira diz respeito à evidência de que a hipoalgesia pode ser-
Aceito para publicação em 13 de fevereiro de 2015. vir como um método de diagnosticar risco de HA na população6.
Conflito de interesses: não há – Fomentes de fomento: não há.
Outra implicação refere-se a sinais dolorosos de advertência. A esse
Endereço para correspondência: respeito, foi observado que pessoas normotensas, com parentes hi-
Sandra Aires Ferreira
Rua Simeão Camargo Varela de Sá, 03 - Bairro Cascavel pertensos de primeiro grau, demonstraram menor sensibilidade a
85040-080 Guarapuava, PR, Brasil. isquemia e a dor experimental do que indivíduos sem histórico fami-
E-mail: queirogasa@hotmail.com
liar9. Portanto, indivíduos hipertensos ou predispostos à hipertensão
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor poderiam demonstrar menor sensibilidade a sintomas clássicos de

43
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):43-7 Ferreira SA, Kokubun E, Gobbi S, Fernandes RA e Queiroga MR

dor que alertariam, por exemplo, para um infarto do miocárdio10. músculos ou articulações que era percebida durante e após a ativida-
É preciso ressaltar que casos de infarto do miocárdio que não foram de laboral no período compreendido na pergunta (inclusive no mo-
reconhecidos pelos pacientes antes do desfecho representam uma mento da avaliação). Quando o avaliado confirmava a presença de
proporção significativa de óbitos em idosos11. dor o entrevistador apresentava um diagrama corporal de distribui-
Uma questão importante para o estabelecimento da relação entre ção e localização de dor contendo duas figuras do corpo humano na
dor e HA é a forma de quantificar a sensibilidade à dor, uma vez posição anatômica, uma de frente e outra de costas12. O coeficiente
que é um fenômeno subjetivo. A maioria dos estudos que averigua a de reprodutibilidade do diagrama corporal (teste-reteste) foi estima-
relação entre hipoalgesia e pressão arterial utiliza testes que induzem do em r=0,85 enquanto a concordância relativa da distribuição de
dor mediante estimulação elétrica na polpa dentária, temperatura dor foi estimada em 88,2. Após a localização da dor o avaliado foi
(quente, frio) e estimulação eletrocutânea. No entanto, as investi- questionado em relação à sua intensidade mediante observação de
gações que abordam a relação hipoalgesia e pressão arterial não se uma escala de 1 a 10, na qual o escore 1 representava dor branda e o
limitam apenas a utilizar delineamentos experimentais, ou seja, que 10 dor extremamente intensa16.
quantificam a intensidade de dor a partir de um estímulo (instru- A pressão arterial foi verificada a partir do emprego de dois esfig-
mento) que provoca dor. Embora em menor quantidade, questioná- momanômetros de coluna de mercúrio (Mecurial®) devidamente
rios e escalas também são empregados para investigar a prevalência e calibrados. Quatro avaliadores foram especialmente treinados para
a sensibilidade à dor12. a verificação das medidas. Para fins de análise, foi utilizado o valor
Recentemente, procurou-se estabelecer a relação entre dor e HA médio de duas medidas verificadas no braço esquerdo respeitan-
utilizando questionários para quantificar a presença e intensidade do um período de 10 minutos na posição sentada. Para a medida
da dor. Um desses estudos, de caráter epidemiológico, demonstrou e diagnóstico de pressão arterial em adultos de ambos os gêneros
que indivíduos hipertensos apresentavam até 60% menos dor mus- adotou-se as orientações sugeridas nas V Diretrizes Brasileiras de Hi-
culoesquelética do que normotensos13. Em outro, verificou-se que a pertensão Arterial17. Nesse sentido, foram considerados hipertensos
intensidade da dor está associada com pequeno, porém significativo os trabalhadores que apresentavam pressão arterial sistólica (PAS) e
aumento na prevalência de diagnóstico de HA14. diastólica (PAD) igual ou superior a 140 e 90mmHg, respectiva-
Apesar das informações disponíveis na literatura, não há relatos se mente, independentemente de estarem ou não em uso de fármaco
os resultados sobre dor e hipertensão encontrados na população ge- anti-hipertensivo. Para evitar possível viés de classificação, os traba-
ral se repetem em trabalhadores. Para tanto, a hipótese deste estudo lhadores considerados hipertensos agendaram horário com o médi-
estabelece que trabalhadores diagnosticados com HA apresentem e/ co da empresa para diagnóstico preciso dos resultados obtidos. Vale
ou relatem menor índice de dor musculoesquelética. Nesse sentido, destacar que todos os trabalhadores que apresentaram valores eleva-
o objetivo deste estudo foi investigar a associação entre dor muscu- dos de PAS e PAD foram confirmados como hipertensos pelo médi-
loesquelética (prevalência e sensibilidade) e HA em um grupo de co do trabalho. Também foram considerados hipertensos, indepen-
trabalhadores. dentemente dos valores aferidos no local de coleta, os trabalhadores
que já haviam sido diagnosticados por um médico e/ou que estavam
MÉTODOS usando regularmente fármaco para tratamento de HA. A partir de
PAS e PAD, calculou-se a pressão arterial média (PAM) de acordo
Participaram da avaliação 349 trabalhadores (243 homens e 106 com a seguinte fórmula: PAM= [PAS+(2xPAD)]/3.
mulheres) de uma empresa de balas e gomas que possui em seu qua- A massa corporal foi verificada mediante a utilização de uma balança
dro aproximadamente 1300 funcionários distribuídos nas funções antropométrica com precisão de 100g (Welmy®) e a estatura obtida
de segurança, embalagem, transporte e administrativo em turnos por meio de um estadiômetro de madeira com escala de 0,1cm. A par-
matutino, vespertino e noturno. tir das medidas de massa corporal e estatura foi calculado o índice de
Uma rotina de avaliação foi administrada durante três dias de uma massa corporal (IMC) em kg/m2. A circunferência da cintura (CC) foi
semana de prevenção de acidentes realizada na empresa. Todos os medida em duplicata no ponto médio entre a última costela e a crista
trabalhadores foram convidados a participar voluntariamente da ilíaca utilizando-se de uma fita métrica inextensível modelo Mabis®.
avaliação pela equipe de saúde do ambulatório (duas enfermeiras
e um médico). A coleta de dados ocorreu da seguinte forma: 1) Análise estatística
questionário, que além da identificação também incluiu perguntas a As análises foram realizadas com auxílio de pacote estatístico comer-
respeito da presença de dor musculoesquelética bem como sua loca- cial (SPSS, Inc., Chicago, IL - versão 13.0) adotando como nível de
lização e intensidade; 2) verificação da pressão arterial e, 3) medidas significância p≤0,05. O teste de Shapiro Wilk revelou simetria na dis-
antropométricas. Com intenção de evitar uma possível omissão de tribuição dos dados. Dessa maneira, empregou-se a estatística descri-
informações, antes de qualquer procedimento de medida, foi desta- tiva (média e desvio padrão) ou frequências quando apropriado para
cado individualmente que todas as informações fornecidas seriam apresentação dos dados. Objetivando a comparação dos valores mé-
de uso exclusivo para pesquisa e mapeamento dos distúrbios oste- dios entre os grupos hipertenso sem dor (HSD), hipertenso com dor
omusculares na empresa e que, em hipótese alguma, o nome dos (HCD), normotenso sem dor (NSD) e normotenso com dor (NCD)
envolvidos seria divulgado. foi utilizada a Anova two-way (teste post-hoc de Bonferroni). A com-
Após identificação do avaliado, uma pergunta padronizada foi rea- paração entre os gêneros foi realizada a partir do teste t de Student
lizada para cada entrevistado: “você sentiu alguma dor no corpo no para dados não pareados. O teste Qui-quadrado foi aplicado para a
último mês?” As queixas foram definidas pela presença de dor em detecção de associações e comparações de valores percentuais.

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Percepção de dor musculoesquelética e hipertensão arterial Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):43-7

A comparação entre os gêneros foi realizada a partir do teste t de Stu- Com referência ao total de investigados (349) apenas 3,5% pos-
dent para dados não pareados. O teste Qui-quadrado foi aplicado suíam em comum HA e dor. Entre os normotensos (91,1%), a
para a detecção de associações e comparações de valores percentuais. quantidade relativa de queixas associadas a algum desconforto foi
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa para Es- de 25,2%. Considerando todos os hipertensos (31), 38,7% destes
tudos em Humanos (CEP) do Instituto de Biociências da Universi- queixaram-se de algum tipo de dor (n=12) enquanto entre os nor-
dade Estadual Paulista (CEP-IB-UNESP) campus de Rio Claro/SP motensos (n=318) os relatos de dor foram comuns em 27,7% dos
(protocolo no 1916/2007) de acordo com as recomendações éticas casos (n=88).
previstas na resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Os Os trabalhadores que relataram dor musculoesquelética classifica-
sujeitos, após serem informados dos riscos e procedimentos dos testes, ram a intensidade com que percebiam subjetivamente o sintoma a
assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). partir de uma escala de 1 a 10. Embora a análise não tenha revelado
diferença estatística (p=0,279), a percepção foi em média maior en-
RESULTADOS tre os hipertensos (2,3±0,8) do que entre os normotensos (2,1±0,9)
(Tabela 2). Vale destacar que o grupo hipertenso sem dor (HSD)
As características dos participantes de acordo com o gênero são apre- apresentou valores médios de PAS, PAD e PAM superiores ao grupo
sentadas na tabela 1. Os homens constituíram a maior parcela da hipertenso com dor (HCD). Por sua vez, isso se deve provavelmente
amostra (69,6%) e diferiram significativamente das mulheres em ao fato de o grupo HSD não possuir integrantes femininas. Confor-
todas as variáveis, exceto para a idade e IMC. Em relação à amostra me observado na tabela 1, as mulheres demonstraram valores sig-
total, houve maior proporção de homens com HA (7,2%) e dor nificativamente inferiores de pressão arterial o que contribuiu para
(17,5%) do que de mulheres (1,7% e 11,2%, respectivamente). A manter a média do grupo HCD mais baixa. Adicionalmente, é pos-
quantidade de trabalhadores (100) que relataram dor musculoes- sível notar que os indivíduos hipertensos são estatisticamente mais
quelética representou 28,7% da amostra enquanto a HA foi confir- velhos, pesados e com maior quantidade de adiposidade na região
mada em 8,9% da amostra. abdominal (MC, IMC e CC) do que os normotensos (Tabela 2).

Tabela 1. Características gerais dos trabalhadores de acordo com o gênero


Variáveis Homens (243) Mulheres (106) Todos (349) Valor de p
Categóricas*
Hipertensos (n e %) 25 (7,2) 6 (1,7) 31 (8,9) 0,001
Relato de dor (n e %) 61 (17,5) 39 (11,2) 100 (28,7) 0,001
Numéricas**
Idade (anos) 34,3±9,6 35,2 ± 9,1 34,6 ± 9,4 0,481
MC (kg) 78,6±12,8 64,9 ± 12,5 74,5 ± 14,2 0,001
Estatura (cm) 172,9±6,2 158,5 ± 6,1 168,5 ± 9,1 0,001
IMC (kg/m2) 26,3±3,8 25,8 ± 4,7 26,1 ± 4,1 0,341
CC (cm) 89,6±10,9 81,8 ± 11,2 87,2 ± 11,5 0,001
PAS (mmHg) 124,8±14 112,9 ± 12,5 121,2 ± 14,7 0,001
PAD (mmHg) 80,6±10,0 73,8 ± 8,4 78,5 ± 10,1 0,001
PAM (mmHg) 95,3±10,5 86,8 ± 9,0 92,7 ± 10,8 0,001
MC = massa corporal; IMC = índice de massa corporal; CC = circunferência de cintura; PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica; PAM =
pressão arterial media = [PAS+(2xPAD)]/3.
Comparação entre homens e mulheres; *teste Qui-quadrado com correção de continuidade; **teste t independente; média ± desvio padrão.

Tabela 2. Idade, variáveis antropométricas e intensidade de dor relatada em trabalhadores de acordo com a condição de pressão arterial
Grupos/Variáveis Hipertensos (8,9%) Normotensos (91,1%)
HCD (n=12) HSD (n=19) NCD (n=88) NSD (n=230) F Valor de p
Dor grupos (%) 3,5 5,4 25,2 65,9 0,035* 0,685
Intensidade da dor 2,3 ± 0,8 2,1 ± 0,9 1,331 0,264
Idade (anos) 42,3±6,0a 37,3±9,9a 34,6±8,7 33,9±9,6 4,051 0,008
MC (kg) 85,0±9,7a 86,0±12,6a 72,7±14,0 73,6±13,9 7,974 0,000
Estatura (cm) 166,5±10,0 172,9±7,8b 167,0±9,5 168,9±8,8 3,579 0,014
IMC (kg/m2) 31,0±4,7a 28,7±3,4a 26,0±4,1 25,7±3,9 7,506 0,000
CC (cm) 98,8±11,0a 96,3±9,3a 86,1±11,6 86,2±11,1 7,876 0,000
PAS (mmHg) 144,2±5,5a 150,6±12,2a 118,1±12,9 118,7±12,0 50,130 0,000
PAD (mmHg) 96,0±7,3a 100,9±5,8a 76,4±7,2 76,6±8,1 62,336 0,000
PAM (mmHg) 112,0±6,4a 117,5±5,2a 90,3±8,0 90,6±8,5 72,730 0,000
HCD = hipertensos com dor; HSD = hipertensos sem dor; NCD = normotensos com dor; NSD = normotensos sem dor; MC = massa corporal; IMC = índice de
massa corporal; CC = circunferência de cintura; PAS = pressão arterial sistólica; PAD = pressão arterial diastólica; PAM = pressão arterial média= [PAS+(2xPAD)]/3.
*Qui-quadrado com correção de continuidade; aHipertensos ≠ Normotensos; bHSD ≠ NCD.

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Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):43-7 Ferreira SA, Kokubun E, Gobbi S, Fernandes RA e Queiroga MR

DISCUSSÃO são provenientes de estudos experimentais (induzem a dor) que


utilizam amostras de pessoas sem uma atividade laboral definida,
O presente estudo examinou a associação entre dor musculoesque- ao contrário da amostra de trabalhadores que integrou a presen-
lética e HA em trabalhadores. O resultado não confirmou a hipó- te pesquisa. Dessa maneira, para investigar a associação entre dor
tese do estudo, que estabelecia que trabalhadores hipertensos apre- musculoesquelética e HA, sugere-se verificar se a atividade laboral
sentariam menor índice de dor musculoesquelética. A prevalência é por si um risco para o desenvolvimento de lesões o que poderia
de dor foi relativamente superior entre os hipertensos. Dos 31 confundir os resultados. Caso a atividade desempenhada aumente
hipertensos, 38,7% queixaram-se de algum tipo de dor enquanto o risco de sintomas dolorosos, o desenvolvimento de distúrbios
esse valor foi de 27,7% entre todos os normotensos (n=318). Isso musculoesqueléticos poderia surgir independentemente dos níveis
contraria os resultados de outros estudos que demonstraram me- pressóricos e da predisposição a HA.
nor prevalência de relatos de dor entre os hipertensos do que entre Os resultados referentes à pressão arterial e à dor encontrados
os normotensos13,14. no presente estudo devem ser analisados com cautela. A amostra
Discordância com a literatura também foi verificada em relação à utilizada bem como a determinação da dor e sua intensidade não
percepção da intensidade da dor relatada. Nesse sentido, não foi permitem refutar a hipótese de que os mecanismos de dor estão
demonstrada diferença significativa na intensidade da dor entre associados à HA, mas abrem caminho para outros questiona-
trabalhadores hipertensos e normotensos com dor. Os hipertensos mentos nessa relação. Podemos abordar algumas limitações que
relataram em média escores de 2,3±0,8 enquanto os normotensos poderiam sustentar esta declaração. A primeira se refere ao de-
2,1±0,9. Experimentos planejados para induzir dor em indivíduos lineamento transversal, que não permite estabelecer relações de
com diferentes valores de pressão arterial demonstraram que os hi- causalidade e o autorrelato de dor, procedimento esse sensível a
pertensos ou predispostos a HA são menos sensíveis aos estímulos variações individuais. Segundo, os trabalhadores não foram alea-
dolorosos5,7,13,14,18-21. O delineamento adotado no presente estudo torizados para participar do estudo. Terceiro, a amostra utilizada
não induziu a dor, portanto não permite confirmar se hipertensos foi específica, ou seja, diz respeito a um grupo de trabalhadores.
e normotensos, independentemente da condição de dor, estão sob Quarto, os participantes não foram submetidos a testes de dor
efeito hipoalgésico. (indução a dor), apenas questionou-se a presença do fenôme-
Os trabalhadores hipertensos são estatisticamente mais velhos, pe- no. Quinto, os estudos que demonstraram menor prevalência de
sados e com maior quantidade de tecido adiposo na região abdo- dor musculoesquelética em hipertensos investigaram amostras
minal do que os normotensos. A idade e a obesidade, em especial maiores13,14. Por fim, é preciso aprofundar os estudos também na
a depositada na região abdominal, são fatores de risco para HA relação hipertensão, dor e atividade física uma vez que há fortes
e outros distúrbios metabólicos. Tanto a CC quanto o IMC são indícios demonstrando que a prática de exercícios está associada
adotados como indicadores de adiposidade e representam, indi- à redução da sensibilidade à dor32,33. Dessa maneira, a realização
retamente, os depósitos de gordura abdominal e gordura corporal de atividades físicas poderia potencializar os efeitos hipoalgésicos
total, respectivamente22,23. em indivíduos hipertensos. Informações obtidas com os traba-
A quantidade de hipertensos na amostra (8,9%) foi inferior à lhadores e com o coordenador da CIPA (Comissão Interna de
divulgada em estudos de caráter populacional24. Adicionalmente, Prevenção de Acidentes) permitiram concluir que a atividade
houve maior proporção de homens com HA (7,2%) do que de laboral realizada pelos participantes envolvidos no estudo é basi-
mulheres (1,7%) fato este concordante com a literatura25. camente manual (embalagem e transporte), que a grande parcela
Em relação à dor musculoesquelética os trabalhadores deste estu- costuma vir trabalhar a pé ou de bicicleta e que a empresa oferece
do (28,7%) apresentaram menor prevalência quando compara- no local de trabalho três sessões semanais de ginástica laboral,
dos a outras categorias profissionais, como motoristas de ônibus com duração de 15 minutos cada34. Entretanto, como não foi
(61%) e bombeiros militares (48,9%)26. Em relação à amostra objeto de estudo, não se pode afirmar que a atividade física diá-
total, houve maior proporção de homens com dor (17,5%) do ria (trabalho e transporte) realizada pelos participantes possa ter
que de mulheres (11,2%). Como a função dos trabalhadores afetado a relação entre HA e sensibilidade à dor.
não foi considerada para estabelecer um perfil de risco para o
relato de dor não foi possível assegurar que homens estariam CONCLUSÃO
nessa situação devido à tarefa realizada. No entanto, a literatura
demonstra que os opioides endógenos produzem maior efeito Contrariamente ao observado na literatura, os trabalhadores hiper-
analgésico em mulheres do que em homens27. Além de fatores tensos deste estudo não demonstraram diferenças na prevalência
fisiológicos e biológicos, a maior proporção de relatos de dor nos ou sensibilidade à dor musculoesquelética quando comparados aos
homens também pode ser influenciada por questões culturais e trabalhadores normotensos, refutando a hipótese de estudo.
psicológicas28. É interessante destacar que os fatores de risco para
o desenvolvimento de dor e lesões no trabalho estão associados AGRADECIMENTOS
ao tipo de tarefa, ao tempo de exposição, à idade e às condições
ergonômicas do posto de trabalho29. Os autores agradecem à enfermeira Débora Covre por sua assis-
Deve-se admitir a existência de substancial evidência demonstran- tência profissional e aos integrantes do Núcleo de Atividade Física,
do que os mecanismos de dor estão alterados em indivíduos hiper- Esporte e Saúde (NAFES/UNESP Rio Claro) pelo auxílio na co-
tensos e/ ou predispostos a HA30,31. Entretanto, essas evidências leta dos dados.

46
Percepção de dor musculoesquelética e hipertensão arterial Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):43-7

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47
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):48-52 ARTIGO ORIGINAL

Sexuality and chronic pain in long-lived females: description of


interferential factors*
Sexualidade e dor crônica em idosas longevas: descrição de fatores interferenciais
Alana Meneses Santos1, Fânia Cristina dos Santos2, Maysa Seabra Cendoroglo3

*Recebido da Disciplina de Geriatria e Gerontologia, Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina, São Paulo, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150010

ABSTRACT ting that this symptom may impair sexuality during aging.
Keywords: Chronic pain, Geriatrics, Health of the elderly, Phy-
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Approximately 60% siological sexual dysfunction, Sexuality.
of chronic pain individuals complain of sexual dysfunction, the
prevalence of which varies from 20 to 88%. Among sexual com- RESUMO
plaints most reported by elderly females there are low interest,
difficult vaginal lubrication and inability to reach orgasm. This JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Cerca de 60% dos indivíduos
study aimed at checking the prevalence of sexual dysfunction com dor crônica queixam-se de disfunção sexual, cuja prevalência
among long-lived females with chronic pain and at describing varia de 20 a 88%. Entre as queixas sexuais mais relatadas entre as
interfering factors. idosas estão o baixo interesse, a dificuldade de lubrificação vaginal
METHODS: This was a descriptive, analytical and cross-sectio- e a incapacidade de alcançar o orgasmo. O objetivo deste estudo
nal study with females above 80 years of age. Data were collected foi apurar a prevalência de disfunção sexual entre as idosas longe-
on demographics, comorbidities and use of drugs, in addition vas com dor crônica, e descrever os fatores de interferência.
to chronic pain evaluation and measurement and identification MÉTODOS: Foi realizado um estudo descritivo e analítico de
of sexual dysfunctions by the Short Personal Experiences Ques- corte-transversal, com indivíduos acima de 80 anos, do gênero
tionnaire. feminino. Foram coletados dados sócio-demográficos, de comor-
RESULTS: Participated in the study 32 elderly females, with bidades e uso de fármacos, além da avaliação e mensuração da
mean age of 87 years, most of them widows, with less than 4 dor crônica e apuração das disfunções sexuais através do Short
years of education, good self-reported health, without sexual par- Personal Experiences Questionnaire.
tner and with primarily osteoarthritis-induced nociceptive pain. RESULTADOS: Participaram do estudo 32 idosas com média
The prevalence of sexual dysfunction was found to be 78% of el- de idade de 87 anos, a maioria viúva, com menos de 4 anos de
derly with chronic pain with a mean score of 7. Major reason for escolaridade, boa saúde autorreferida, sem parceiro sexual, e com
sexual inactivity was lack of a partner. In approximately 28.1% dor crônica prevalentemente nociceptiva por osteoartrite. A pre-
it was observed that chronic pain would interfere with sexuality. valência de disfunção sexual encontrada foi de 78% das idosas
It was also observed that no elderly female had been previously com dor crônica, com pontuação média de 7. A principal causa
addressed as to their sexuality, although 68.8% have stated that da inatividade sexual foi a ausência de um parceiro. Em cerca de
would have liked to be addressed. 28,1% observou-se que a dor crônica interferia na sexualidade.
CONCLUSION: Chronic pain was considered a factor interfe- Também se observou que nenhuma idosa fora abordada ante-
ring with sexual practices of studied long-lived females, sugges- riormente quanto a sua sexualidade, apesar de 68,8% delas terem
afirmado que gostariam de já ter sido abordadas.
CONCLUSÃO: A dor crônica foi considerada um fator que inter-
feria na prática sexual das idosas longevas estudadas, sugerindo que
1. Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Geriatria, São Paulo, SP, Brasil. esse quadro possa comprometer a sexualidade no envelhecimento.
2. Universidade Federal de São Paulo, Serviço de Dor e Doenças Osteoarticulares, São Paulo,
SP, Brasil.
Descritores: Disfunção sexual fisiológica, Dor crônica, Geria-
3. Universidade Federal de São Paulo, Departamento de Geriatria e Gerontologia, São Paulo, tria, Saúde do idoso, Sexualidade.
SP, Brasil.
 
Apresentado em 08 de outubro de 2014. INTRODUÇÃO
Aceito para publicação em 19 de fevereiro de 2015.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
A expectativa de vida vem aumentando no mundo todo e, conjun-
Endereço para correspondência: tamente, observa-se também um aumento na prevalência de proble-
Alana Meneses Santos
Rua Francisco de Castro, 105 – Vila Clementino mas crônicos entre indivíduos que envelhecem, como os quadros de
04020-050 São Paulo, SP. dor crônica1.
E-mail: alanasantos@homail.com
Aproximadamente 60% dos indivíduos com dor crônica queixam-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor -se de disfunção sexual1. Entre as principais queixas estão o posi-

48
Sexualidade e dor crônica em idosas longevas: Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):48-52
descrição de fatores interferenciais

cionamento durante o ato sexual, a falta da libido, o medo de exa- terferência naquela disfunção, supondo-se que as atitudes negativas
cerbação da dor, a depressão, os problemas de relacionamentos e da sociedade sobre envelhecimento e sexualidade, particularmente
confidências. Típicas posições durante o coito podem comprimir ou entre as idosas longevas, representaria um grande desafio.
hiper-estender um ponto doloroso, piorando a intensidade da dor e
tornando o sexo um fator desencadeante de dor2. MÉTODOS
Outras consequências da dor crônica, como depressão, ansiedade,
isolamento social, distúrbio do sono, dificuldades de movimentação Estudo de delineamento observacional, descritivo e de corte trans-
e deambulação e prejuízo da auto avaliação também comprometem versal realizado a partir do “Projeto Longevos” da Disciplina de Ge-
a saúde geral do paciente e o bem-estar sexual3. O arsenal terapêuti- riatria e Gerontologia (DIGG) da Universidade Federal de São Paulo
co usado para controle da dor também está relacionado à redução de (UNIFESP). Trata-se de um Estudo observacional longitudinal na
libido e incapacidade de alcançar orgasmo4. Os analgésicos opioides cidade de São Paulo, iniciado no ano de 2011, com idosos longevos
e os antidepressivos inibidores de recaptação seletiva da serotonina da comunidade, com 80 anos ou mais, de ambos os gêneros, sem
são comumente associados à redução da libido5. Os procedimentos comprometimento cognitivo, capazes de deambular sem auxílio de
cirúrgicos ou radioterápicos realizados previamente também podem terceiros e sem o diagnóstico de doença potencialmente grave ou
desencadear processos de dor durante o ato sexual6. fatal. Foram excluídos os idosos com déficits sensoriais limitantes,
A saúde sexual é um elemento-chave da saúde geral e qualidade déficit cognitivo ou com doenças clínicas debilitantes.
de vida (QV)7. Manter-se ativo sexualmente pode proporcionar Para a presente casuística foram incluídas as longevas com dor crôni-
benefícios físicos, tais como, saúde cardiovascular8, melhora no ca de duração de 6 meses ou mais, e de intensidade maior ou igual a
exercício físico, redução da sensibilidade à dor, e benefícios psico- 3 na escala numérica de dor. Período de avaliação de fevereiro 2010
lógicos, como redução da depressão, melhora do bem-estar geral, a dezembro de 2012. Todos os pacientes incluídos no estudo assina-
da QV9 e aumento da longevidade10. Um terço dos americanos ram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
entre 75 e 85 anos relata ser ativo sexualmente e que a saúde física Foram realizadas entrevistas com questões referentes a dados sócio-
está mais fortemente correlacionada à atividade sexual do que à -demográficos (idade, estado civil, religião e escolaridade), perfil de
própria idade11. Além da dor crônica, outras causas médicas, psico- funcionalidade para atividades de vida diária19,20, e ao uso de fárma-
lógicas, mudanças na imagem corporal, redução na sensibilidade, cos para tratamento de dor crônica que interferem na função sexual,
falta de parceiro e costumes religiosos e culturais podem reduzir a com antidepressivos inibidores da receptação da serotonina, opioi-
atividade sexual no idoso11. A idade avançada e a saúde debilitada des e anticonvulsivantes. Também, foram realizadas avaliações dos
estão associadas negativamente à impossibilidade de manter-se ati- quadros dolorosos quanto à localização da dor, frequência, caráter,
vo sexualmente12. fatores desencadeantes e atenuantes, natureza segundo sua fisiopato-
A disfunção sexual é comum entre as mulheres idosas, com preva- genia (nociceptiva, neuropática, mista ou psicogênica). Para as men-
lência que varia de 20 a 88%13,14. Esta ainda poderia afetar signifi- surações das intensidades dolorosas utilizou-se a escala de descrição
cativamente a autoestima e a sua QV15,16. A queixa mais importante verbal de dor (EV) (leve, moderada e intensa) e a escala numérica
relacionada àquela disfunção é o baixo interesse sexual, dificuldade verbal de dor (ENV)(0–10).
de lubrificação vaginal e incapacidade de alcançar o orgasmo11. Des- Questões referentes à autopercepção da saúde geral das idosas e
conforto durante a relação sexual é um problema comum da meno- referentes à interferência da dor nas pratica sexual delas foram for-
pausa. A ansiedade pode provocar dispaureunia por diminuição do muladas, além de questões sobre razão/motivo para a redução ou
fluxo sanguíneo para a vagina. A diminuição da lubrificação vaginal inatividade sexual. Aplicou-se o Short Personal Experiences Questio-
causa maior irritação e friabilidade do tecido, podendo resultar em nnaire (SPEQ), que é um instrumento validado em português21, e
dor ou desconforto abdominal5. composto por nove questões que abordam libido (uma pergunta),
Apesar da relativa frequência de disfunções sexuais, poucos homens responsividade sexual (três perguntas), frequência de atividades se-
e mulheres relatam tais queixas ao profissional da saúde17. Apenas xuais (uma pergunta), sentimentos pelo parceiro (duas perguntas),
cerca de 30% dos médicos questionam regularmente a atividade se- dificuldades sexuais do parceiro (uma pergunta) e dor durante a
xual de seus pacientes, sobretudo dos pacientes homens. A principal penetração (uma pergunta) compreendendo um questionário es-
barreira relatada por 53% dos médicos é o fato de achar o tema em- truturado e conciso. Esse questionário tem sido usado, principal-
baraçoso ou medo de ofender os pacientes, além da falta de tempo mente, em estudos com mulheres no climatério, permitindo, as-
durante as consultas e principalmente da falta de formação acadêmi- sim, avaliar a presença de disfunções sexuais e fatores associados,
ca no tratamento de problemas sexuais. O mercado de fármacos e mas também é usado em indivíduos de diferentes idades e estados
dispositivos para tratar disfunção sexual tem aumentado e isso, em menopausais, independentemente da presença ou não de parceiros
parte, aumenta a demanda de acesso a serviços de saúde. O assunto sexuais, e independentemente do tipo de relação, se heterossexuais
sexualidade é praticamente inexistente na atenção básica ao idoso18. ou homossexuais22,23.
Assim, como os determinantes dos problemas sexuais entre as ido-
sas são multifatoriais, estudar os seus múltiplos fatores teria mérito Análise estatística
científico e poderia auxiliar nas orientações na atenção médica da As análises estatísticas foram realizadas utilizando-se o programa es-
paciente idosa. tatístico R versão 2.15.2. Para as variáveis de natureza quantitativa
O objetivo deste estudo foi apurar a prevalência de disfunção sexual (numérica) calcularam-se algumas medidas-resumo, como média,
entre as idosas longevas com dor crônica, e descrever os fatores de in- mediana, valores mínimo e máximo, desvio padrão. As variáveis de

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Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):48-52 Santos AM, Santos FC e Cendoroglo MS

natureza qualitativa (categorizada) foram analisadas através do cálcu- abordadas em algum momento sobre a sexualidade. Quanto à
lo de frequências absoluta e relativa. autopercepção da saúde geral pelas idosas, 3,1% avaliaram sua
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UNI- saúde como excelente, 50,0% como boa, 37,5% como regular e
FESP/EPM - CEP 443.760. 9,4% como ruim (Tabela 2).

RESULTADOS Tabela 2. Distribuição da funcionalidade, autoavaliação da saúde e


uso de fármacos analgésicos coadjuvantes ou não
Entre a amostra estudada, observou-se uma média de idade de 87 Atividades básicas de
anos (desvio padrão de 4,6 anos); variando de 80-100 anos, sendo vida diária
a maioria viúva; 59,4% (21,9% solteira, 15,6% casada, e 3,1% se- Escore médio 5,4
parada), e com uma média de escolaridade de 3,1 anos. Apenas 18 Mediana 5,0
idosas relataram suas religiões, sendo 66,7% católica, 22,2% evan- Mínimo-máximo 5,0-6,0
gélica, 5,6% espírita e 5,6% mórmon (Tabela 1).
Desvio padrão 0,5

Tabela 1. Caracterização da amostra Atividades


instrumentais de vida
Idade (anos) n 32 diária
Média 87,0 Escore médio 24,1
Mediana 86,0 Mediana 25,0
Mínimo-máximo 80,0-96,0 Mínimo-máximo 17,0-27,0
Desvio padrão 4,6 Desvio padrão 2,8
Escolaridade (anos) n 32 Autoavaliação da Excelente 1 3,1%
Média 3,1 saúde
Mediana 3,5 Boa 16 50,0%
Mínimo-máximo 0,0-10,0 Regular 12 37,5%
Desvio padrão 2,0 Ruim 3 9,4%
Estado civil Solteira 7 21,9% Total 32 100,0%
Casada 5 15,6% Analgésico opioide Não 28 87,5%
Separada 1 3,1% Sim 4 12,5%
Viúva 19 59,4% Total 32 100,0%
Total 32 100,0% Antidepressivo Duloxetina 2 6,3%
Religião Católica 12 66,7% Inibidor recaptação 6 18,8%
serotonina
Evangélica 4 22,2%
Tricíclico 4 12,5%
Espírita 1 5,6%
Não usam 20 62,5%
Mórmon 1 5,6% antidepressivos
Total 18 100,0% Total 32 100,0%
Anticonvulsivante Não 30 93,8%
E em relação à dor crônica, 87,5% apresentavam dor nocicepti-
Sim 2 6,3%
va, 3,1% neuropática e 9,4% mista, e segundo a sua intensidade,
Total 32 100,0%
obteve-se uma mediana de 8,0 pela ENV. Considerando a etio-
logia da dor, 71,9% apresentavam dor relacionada a osteoartrite, Interferência da dor na Não 23 71,9%
atividade sexual
6,3% a síndrome miofascial e 21,9% a outros tipos, como cefa-
Sim 9 28,1%
leia, radiculopatia, fibromialgia, sequela de fratura óssea, neural-
gia pós-herpética, sequela de lesão muscular pós-trauma e lesão Total 32 100,0%
do manguito rotador.
Quanto ao uso de fármacos que interferem na função sexual Em toda a amostra foi aplicado o questionário SPEQ. Observou-se
observou-se que 12,5% usavam analgésico opioide, 37,5% al- que no último mês a grande maioria das idosas (81,3%) não teve
gum antidepressivo (duloxetina utilizada por 6,3% das idosas, qualquer atividade sexual (masturbação, excitação e/ou penetração)
inibidor da recaptação da serotonina por 18,8% e tricíclico por (Tabela 3), 9,4% tiveram atividade sexual menos do que 1 vez por
12,5%), 6,3% algum anticonvulsivante, e 62,5% não usavam semana e 9,4% a teve 2 vezes ou mais por semana. Sobre a frequên-
nenhum desses fármacos. Cerca de 28,1% das idosas relataram cia de fantasias e pensamentos sexuais e/ou desejo sexual no último
que a dor crônica interferia na atividade sexual, e nenhuma idosa mês, 46,9% nunca os apresentou, 43,8% apresentaram menos que
na casuística referiu já ter sido questionada antes sobre o assunto 1 vez por semana, 3,1% 1 a 2 vezes por semana e 6,3% apresenta-
de sexualidade, apesar de que 68,8% gostariam de já ter sido ram várias vezes por semana.

50
Sexualidade e dor crônica em idosas longevas: Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):48-52
descrição de fatores interferenciais

Tabela 3. Disfunções sexuais segundo o Short Personal Experiences Entre as que praticavam algum tipo de atividade sexual (Tabela 2),
Questionnaire questionou-se sobre a frequência de ser estimulada ou excitada, ob-
Frequência de ativida- Nunca n % tendo-se de 12 idosas notas variando de 1 a 4 (2,3 de média). A nota
de sexual (a) 26 81,3 de satisfação nas atividades sexuais variou de 1 a 6, (2,7 de média), e
Menos que 1 vez por se- 3 9,4 aquela atribuída à frequência de orgasmo variou de 1 a 6 (média de
mana
2,6). Apenas 9,4% referiram ter tido parceiro sexual no último mês.
1 a 2 vezes por semana 1 3,1
Todas as idosas relataram uma preferência heterossexual, e ainda
Várias vezes por semana 2 6,3
6,3% relataram atividade sexual com penetração. Segundo o SPEQ,
Frequência de fanta- Nunca 15 46,9
78% das idosas apresentaram disfunção sexual (escore médio de 7).
sias (b)
Menos que 1 vez por se- 14 43,8
mana DISCUSSÃO
1 a 2 vezes por semana 1 3,1
Várias vezes por semana 2 6,3 Existem muito poucos estudos sobre sexualidade entre os idosos,
Nota de estimulação Nota
principalmente entre aqueles longevos, acima de 80 anos.
(c) A presente casuística, que contou com mulheres muito idosas (mé-
Média 2,3 dia de 87 anos), observou que mais de 70% eram viúvas, solteiras ou
Mediana 2,0 separadas, e não tinham parceiro sexual, portanto, essa pode ter sido
Mínimo-máximo 1-4 a principal causa da inatividade sexual encontrada. Alguns autores já
Desvio padrão 1,1 observaram que a viuvez foi a principal causa da inatividade sexual
Nota de satisfação (d) Nota
entre as idosas24. Goh et al.25 num estudo com idosos, em Cingapu-
Média 2,7
ra, encontraram uma significativa redução na atividade sexual com
Mediana 2,0
a idade.
Com o aumento da idade, a presença de parceiro sexual pode ser
Mínimo-máximo 1-6
fator protetor contra a inatividade sexual26,27. Num estudo com ido-
Desvio padrão 2,0
sas até 79 anos observou-se que aquelas mais satisfeitas sexualmente
Nota de orgasmo (e) Nota
eram as que tinham parceiro sexual16.
Média 2,6
Nesta amostra, em relação à autopercepção da saúde geral pelas ido-
Mediana 2,0
sas com dor crônica, obteve-se que 50% consideraram boa a sua saú-
Mínimo-máximo 1-6
de, apesar da intensidade média da dor crônica ser grave (EN=7,8),
Desvio padrão 1,7
e de uma prática sexual infrequente. Lindau e Gavrilova7 analisando
Parceiro sexual no últi- Não N % dois grandes estudos populacionais afirmaram que, entre os longe-
mo mês 29 90,6
vos, existe uma correlação positiva entre saúde, presença de parceiro
Sim 3 9,4
e atividade sexual. Também, alguns trabalhos têm mostrado relação
Nota do parceiro 2 1 33,3
entre manter-se sexualmente ativo e o estado de saúde geral11,12,26.
6 2 66,7
Em relação à dor crônica, 28% das idosas afirmaram que o sintoma
Nota de apaixonada 3 1 33,3
dor poderia atrapalhar a vida sexual, e tal porcentagem é considerada
6 2 66,7
significativa. Alguns trabalhos já mostraram efeito negativo da dor
Nota segundo proble- 1 1 33,3 na função sexual. Em um trabalho envolvendo mulheres jovens com
ma sexual do parceiro
espondilite anquilosante observou-se uma alta prevalência de dis-
2 1 33,3
função sexual, possivelmente por altos níveis de depressão, diminui-
6 1 33,3
ção da funcionalidade, mau controle da dor e diminuição da QV28.
Penetração Não 30 93,8
Outro trabalho mostrou que uma melhor função sexual poderia
Sim 2 6,3
aumentar o controle da dor29.
Total 32 100,0
Quanto a fármacos que possivelmente interferem na função sexual,
Nota da dor durante a 1 1 50,0 observou-se que as idosas do presente estudo faziam uso frequente
penetração
daqueles fármacos (12,5% usavam analgésico opioide, 37,5% an-
3 1 50,0
tidepressivo e 6,3% anticonvulsivante), e a disfunção sexual pode
Total 2 100,0
ser considerada um efeito adverso comum de antidepressivos30.
McCall-Hosenfeld et al.16 observaram que idosas mais satisfeitas se-
(a) frequência que a idosa tem tido qualquer atividade sexual (mas- xualmente eram aquelas mais velhas, casadas e com parceiro, e ainda
turbação, excitação e/ou penetração), no último mês, (b) frequência aquelas emocionalmente saudáveis e que não usavam antidepressi-
que a idosa tem tido fantasias e pensamentos sexuais e/ou desejo vos seletivos para a recaptação de serotonina.
sexual, no último mês, (c) nota dada à frequência com que se sentiu Aqui também se obteve que a maioria não praticou qualquer tipo de
estimulada ou excitada (com a vagina lubrificada/úmida), (d) nota atividade sexual (masturbação, excitação e/ou penetração) no último
dada à satisfação na atividade sexual, (e) nota dada à intensidade do mês. Com relação à responsividade sexual, a maioria pontuou notas
orgasmo na atividade sexual. baixas para o estímulo/excitação, satisfação sexual e frequência de or-

51
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):48-52 Santos AM, Santos FC e Cendoroglo MS

gasmo. Lindau et al.11 encontrou que as principais disfunções sexuais REFERÊNCIAS


entre as idosas eram a incapacidade para alcançar o orgasmo, além
1. Maruta T, Osborne D, Swanson DW, Halling JM. Chronic pain patients and spouses:
do baixo desejo sexual e a dificuldade de lubrificação. Tem-se que marital and sexual adjustment. Mayo Clinic Proc.1981;56(5):307-10.
a prevalência de masturbação diminui com a idade, mas segundo 2. Ambler N, Williams AC, Hill P, Gunary R, Cratchley G. Sexual difficulties of chronic pain
alguns autores11, a sexualidade não reduz drasticamente com a idade. patients. Clin J Pain. 2001;17(2):138-45.
3. Santos FC, Souza PMR. Força-tarefa na dor em idoso. 1ª ed. Moreira Júnior; 2011.
Do total estudado, apenas 6,3% apresentavam atividade sexual com 4. Werneke U, Northey S, Bhugra D. Antidepressants and sexual dysfunction. Acta Psychiatr
penetração, e já foi verificado que a importância da penetração vagi- Scand. 2006;114(6):384-97.
5. Ambler DR, Bieber EJ, Diamond MP. Sexual function in elderly women: a review of
nal aumenta com o envelhecimento para as idosas31. current literature. Rev Obstet Gynecol. 2012;5(1):16-27.
Já foi verificado que a taxa de disfunção sexual entre os idosos varia 6. Hughes MKU. Disorders of sexuality and reproduction. In: Berger A, et al., editors. Prin-
ciples and practices of palliative care and supportive oncology. Philadelphia: Lippincott
de 42 a 88%13. E a disponibilidade de um parceiro é fator impor- Williams and Wilkins; 1998. 763-74p.
tante para a função sexual, sobretudo entre os mais idosos32. O ques- 7. Lindau ST, Gavrilova N. Sex, health, and years of sexually active life gained due to good
tionário SPEQ sobre sexualidade tem um escore com pontuação de health: evidence from two US population based cross sectional surveys of ageing. BMJ.
2010;340(7746):c810.
corte inferior ou igual a 7 para considerar a presença de disfunção se- 8. Chen X, Zhang Q, Tan X. Cardiovascular effects of sexual activity. Indian J Med Res.
xual, e aqui, utilizando-se esse instrumento, obteve-se uma média de 2009;130(6):681-8.
9. Brody S. The relative health benefits of different sexual activities. J Sex Med.
7 pontos, sendo que 78% da amostra foram consideradas com dis- 2010;7(4Pt1):1336-61.
função sexual. Da transição menopausal precoce para a tardia, a por- 10. Onder G, Penninx BW, Guralnik JM, Jones H, Fried LP, Pahor M, et al. Sexual satisfaction
centagem de mulheres com SPEQ com baixa função sexual aumen- and risk of disability in older women. J Clin Psychiatry. 2003;64(10):1177-82.
11. Lindau ST, Schumm LP, Laumann EO, Levinson W, O’Muircheartaigh CA, Waite LJ.
ta muito, variando de 42 a 88%33. Segundo a literatura mundial, é A study of sexuality and Health among older adults in the United States. N Engl J Med.
alta a prevalência da disfunção sexual com a idade, e apesar disso, a 2007;357(8):762-74.
12. Laumann EO, Nicolosi A, Glasser DB, Paik A, Gingell C, Moreira E, et al. Sexual pro-
abstinência sexual não é uma consequência inevitável da passagem blems among women and men aged 40–80 y: prevalence and correlates identified in the
do tempo, e uma alta proporção de homens e mulheres permanece Global Study of Sexual Attitudes and Behaviors. Int J Impot Res. 2005;17(1):39-57.
13. Dennerstein L, Lehert P, Burger H, Guthrie J. Sexuality. Am J Med. 2005;118(Suppl
sexualmente ativa até o fim da vida34. O declínio na função sexual do 12B):59-63.
idoso parece ser mais uma resposta a múltiplos estressores em outros 14. Kingsberg S, Althof SE. Evaluation and treatment of female sexual disorders. Int Urogyne-
fatores, que vão da saúde física ao relacionamento intimo35. col J Pelvic Floor Dysfunct. 2009;20(Suppl 1):33-4.
15. Nappi RE, Lachowsky M. Menopause and sexuality: prevalence of symptoms and impact
Interessantemente, no presente estudo observou-se que nenhu- on quality of life. Maturitas. 2009;63(2)138-41.
ma idosa já havia sido questionada sobre o assunto sexualidade, e 16. McCall-Hosenfeld JS, Jaramillo SA, Legault C, Freund KM, Cochrane BB, Manson JE,
et al. Correlates of sexual satisfaction among sexually active postmenopausal women in the
também se observou que a maioria (68,8%) gostaria de já ter sido Women’s Health Initiative-Observational Study. J Gen Intern Med. 2008;23(12):2000-9.
questionada previamente. Sugere-se que talvez isso tenha ocorrido 17. Nicolosi A, Buvat J, Glasser DB, Hartmann U, Laumann EO, Gingell C. Sexual behaviour,
sexual dysfunctions and related help seeking patternsn in middle-aged and elderly Europe-
porque a maioria dos médicos considera a disfunção sexual como ans: the global study of sexual attitudes and behaviors. World J Urol. 2006;24(4):423-8.
“natural” ao próprio envelhecimento, e não como uma condição 18. Lindau ST. Sexuality, sexual function and the aging woman. In. Hazzard WR, et al, edi-
médica possivelmente modificável33. tors. Geriatric medicine and gerontology. 6th ed. New York: Mc Graw Hill; 2009. 567-82p.
19. Katz S, Stroud MW 3rd. Functional assessment in geriatrics. A review of progress and
A expectativa de vida vem aumentando, sobretudo no nosso meio, directions. J Am Geriatr Soc. 1989;37(3):267-71.
assim seria necessário manter o idoso funcional e satisfeito até o final 20. Lawton MP, Brody EM. Assessment of older people: self-maintaining and instrumental
activities of daily living. Gerontologist. 1969;9(3):179-86.
da vida, em todas as suas funções, inclusive na sua sexualidade, que 21. Valadares AL, Pinto-Neto AM, de Sousa MH, Osis MJ. [Sociocultural adaptation of the
pode ser considerada um aspecto importante na QV, assim, não po- short personal experiences questionnaire (SPEQ) in Brazil]. Rev Bras Ginecol Obstet.
2010;32(2):72-6. Portuguese.
dendo ser menosprezada. 22. Dennerstein L, Lehert P, Dudley E. Short scale to measure female sexuality: adapted from
As principais limitações encontradas neste estudo foram a pequena McCoy Female Sexuality Questionnaire. J Sex Marital Ther. 2001;27(4):339-51.
amostragem e também a realização de análises apenas descritivas da 23. Dennerstein L, Anderson-Hunt M, Dudley E. Evaluation of a short scale to assess female
sexual functioning. J Sex Marital Ther. 2002;28(5):389-97.
sexualidade de longevas da comunidade. Contudo, o presente tra- 24. Karraker A, Delamater J, Schwartz CR. Sexual frequency decline from midlife to later life.
balho poderia contribuir com dados científicos inusitados no nosso J Gerontol B Psychol Sci Soc Sci. 2011;66(4):502-12.
25. Goh VH, Tain CF, Tong YY, Mok PP, Ng SC. Sex and aging in the city: Singapore. Aging
meio. Os dados apurados reforçam a questão de que os profissionais Male. 2004;7(3):219-26.
médicos devam abordar o tema da sexualidade nas suas consultas, 26. Laumann EO, Paik A, Rosen RC. Sexual dysfunction in the United States: prevalence and
predictors. JAMA. 1999;281(6):537-44. Erratum in: JAMA. 1999;281(13):1174.
mesmo com os muito idosos, valorizando a dor crônica como uma 27. Blümel JE, Castelo-Branco C, Cancelo MJ, Romero H, Aprikian D, Sarrá S. Impairment
interferência na atividade sexual do indivíduo. of sexual activity in middle-aged women in Chile. Menopause. 2004;11(1):78-81.
28. Demir SE, Rezvani A, Ok S. Assessment of sexual functions in female patients with ankylo-
sing spondylitis compared with healthy controls. Rheumatol Int. 2013;33(1):57-63.
CONCLUSÃO 29. Arabkheradmand J, Foroutan SK, Ranjbar S, Abbasi T, Hessami S, Gorji A. Improvement
of chronic pain by treatment of erectile dysfunction. J Sex Med. 2008;5(12):2911-6.
30. Basson R. Women’s sexual dysfunction: revised and expanded definitions. CMAJ.
Na amostra estudada, a maioria das idosas longevas com dor crôni- 2005;172(10):1327-33.
ca apresentaram-se com disfunção sexual, segundo o instrumento 31. Vares T, Potts A, Gavey N, Grace VM. Reconceptualizing cultural narratives of mature
women’s sexuality in the Viagra era. J Aging Stud. 2007;21(2):153-64.
SPEQ, e a principal causa da inatividade sexual referida foi a falta de 32. Delamater J, Karraker A. Sexual functioning in older adults. Curr Psychiatry Rep.
um parceiro. A dor crônica foi descrita como fator de interferência 2009;11(1):6-11.
na prática sexual das idosas estudadas, fato que acaba comprometen- 33. Yee L. Aging and sexuality. Aust Fam Physician. 2010;39(10):718-21.
34. Nicolosi A, Moreira ED Jr, Villa M, Glasser DB. A population study of the association
do ainda mais a sexualidade no envelhecimento. between sexual function, sexual satisfaction and depressive symptoms in men. J Affect
Diante desses achados, sugere-se que os profissionais de saúde abordem Disord. 2004;82(2):235-43.
35. Laumann EO, Waite LJ. Sexual dysfunction among older adults: prevalence and risk fac-
a sexualidade nas consultas médicas envolvendo mulheres idosas, não se tors from a nationally-representative U.S. probability sample of men and women 57-85
deixando de incluir nessas abordagens também as idosas longevas. years of age. J Sex Med. 2008;5(10):2300-11.

52
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):53-9 ARTIGO DE REVISÃO

Acupuncture therapeutic protocols for the management of


temporomandibular disorders*
Protocolos de acupuntura para o tratamento da disfunção temporomandibular
André Luís Porporatti1, Yuri Martins Costa1, Juliana Stuginski-Barbosa1, Leonardo Rigoldi Bonjardim2, Paulo César Rodrigues Conti1

*Recebido do Departamento de Prótese da Faculdade de Odontologia de Bauru, Universidade de São Paulo, Bauru, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150011

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: For most cases, tem- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Na grande maioria dos ca-
poromandibular disorders should be treated by a non-invasive, sos, o tratamento das disfunções temporomandibulares deve ser
interdisciplinary and integrative process. In traditional Chinese um processo não invasivo, interdisciplinar e integrativo. Dentro
medicine, acupuncture is an excellent tool aiming at treating and da medicina tradicional chinesa, a acupuntura é uma ótima fer-
healing this disease. This study was a critical literature review to ramenta que visa a terapia e cura dessas doenças. O objetivo deste
observe the efficacy of traditional Chinese acupuncture to treat estudo foi conduzir uma revisão crítica da literatura para verifi-
muscular temporomandibular disorders and to identify primary car a eficácia da acupuntura tradicional chinesa no tratamento
acupoints. da disfunção temporomandibular do tipo muscular, bem como
CONTENTS: Pubmed, LILACS, Scielo and Cochrane data- identificar os principais acupontos.
bases were queried to identify scientific articles relevant for the CONTEÚDO: Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados
study. Articles were selected from January 2000 to May 2013. A Pubmed, LILACS, Scielo e Cochrane para identificar artigos
total of 125 articles were found and 21 were included. Acupunc- científicos relevantes para o estudo. Os artigos foram seleciona-
ture treatment alone or as additional therapy, or even compared dos no período de janeiro de 2000 a maio de 2013. Encontrou-se
to other techniques, was superior and effective to improve pain um total de 125 artigos, sendo que 21 foram incluídos. O tra-
and function of patients with temporomandibular disorders and tamento de acupuntura isolado ou como terapia complementar,
most commonly used acupoints were IG4, E6, E7 and F3. ou ainda comparado com outras técnicas, se mostrou superior e
CONCLUSION: This study has shown that acupuncture is a eficiente na melhora da dor e da função de pacientes com disfun-
technique recommended by national and international literatu- ção temporomandibular, e os pontos de acupuntura mais citados
re to treat muscular temporomandibular disorders, promoting foram IG4, E6, E7 e F3.
pain relief and/or total intensity, improvement of joint move- CONCLUSÃO: Este estudo demonstrou que a acupuntura é
ments and oral function and decrease of masticatory muscles uma técnica recomendada pela literatura nacional e internacio-
hyperactivity. nal para o tratamento de disfunções temporomandibulares de
Keywords: Acupuncture analgesia, Acupuncture points, Facial origem muscular, promovendo alivio e/ou redução total da in-
pain, Temporomandibular disorder syndrome, Temporomandi- tensidade dolorosa, melhora nos movimentos mandibulares e na
bular joint disorder. função oral e diminuição da hiperatividade muscular dos mús-
culos da mastigação.
Descritores: Analgesia por acupuntura, Dor facial, Pontos de
acupuntura, Síndrome da disfunção da articulação temporoman-
dibular, Transtornos da articulação temporomandibular.

INTRODUÇÃO
1. Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, Departamento de Pró-
tese, Bauru, SP, Brasil.
2. Universidade de São Paulo, Faculdade de Odontologia de Bauru, Departamento de Ciên- A dor orofacial é a dor associada aos tecidos moles e mineralizados
cias Biológicas, Bauru, SP, Brasil. da cabeça, face e pescoço, e pode ser definida como disfunção e
Apresentado em 04 de outubro de 2014. dor afetando a transmissão sensorial e motora no sistema nervoso
Aceito para publicação em 11 de dezembro de 2014. trigeminal1.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
Dentre as dores que afetam essa região, destacam-se as disfunções
Endereço para correspondência: temporomandibulares (DTM) que representam um termo cole-
André Luís Porporatti
Al. Octávio Pinheiro Brizolla, 9-75 – Vila Universitária tivo relacionado a um grupo de problemas musculoesqueléticos e
17012-901 Bauru, SP, Brasil. articulares que afetam a articulação temporomandibular (ATM) e
E-mail: andreporporatti@yahoo.com.br
estruturas associadas1,2. A DTM pode se apresentar como dor fa-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor cial, sensação de enrijecimento, sons articulares (clique), desvio da

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Bonjardim LR e Conti PC

linha média da mandíbula e movimentos restritos e dor durante a Tabela 1. Resultado da busca realizada em diferentes bancos de da-
dos bibliográficos
função3. Entre essas disfunções, destaca-se a dor miofascial, que tem
sido documentada como a disfunção mais prevalente nessa região1,2, Bases de dados Resultados Seleção Após aplicação dos
inicial pelo critérios de inclusão
podendo afetar a rotina dos indivíduos em maior ou menor grau4-6. título e exclusão
As intervenções atuais para o manuseio das DTM envolvem terapias PubMed 116 67 20
com placas miorrelaxantes, fármacos, fisioterapia, orientações e edu- LILACS 07 03 02
cação para o autocuidado e cirurgias7,8. As terapias não invasivas ou Scielo 01 01 00
mesmo não cirúrgicas são as mais utilizadas e prescritas e segundo Cochrane (incluindo 01 00 00
a literatura essas terapias provêm bastante sucesso até o momento9. Cochrane Central)
Pesquisas vêm mostrando que 74% dos pacientes com DTM pro- Subtotal 125 71 21
curam terapias conservadoras mais alternativas e complementares, Artigos repetidos 01 01 01
buscando terapias manuais, massoterapia, e acupuntura principal- Total 124 70 21
mente10,11. A acupuntura tem sua indicação e eficácia no tratamento
da DTM, baseado nos mecanismos de redução da dor, propriedades
anti-inflamatórias e com efeitos neuro-hormonais endócrinos9,11. e revisões da literatura foram excluídos.
A Medicina Tradicional Chinesa (MTC) é uma medicina energéti- Os critérios de inclusão foram restritos a estudos cujos participantes
ca, ou seja, toma como base a existência de uma estrutura energética fossem:
para além do corpo físico, e afirma que em nosso corpo a energia • Humanos de ambos os gêneros, com idade entre 18 e 80 anos;
circula por canais ou meridianos que, ao serem puncionados, reor- • Indivíduos com diagnóstico de DTM do tipo muscular, se ade-
ganizam a circulação energética de todo o corpo. A doença, por sua quando aos critérios seguintes:
vez, é sempre uma desorganização da energia funcional que controla
e dinamiza os órgãos. A concepção filosófica chinesa a respeito do Critérios para DTM muscular1,6
universo está apoiada em três pilares básicos: a teoria do Yang/Yin, Presença de dor miofascial em músculos da mastigação masseter e/
dos cinco movimentos e dos Zang Fu (órgãos e vísceras)12,13. ou temporal:
A acupuntura visa a terapia e cura das doenças pela aplicação de • Dor na mandíbula, têmpora ou região da orelha no último mês;
estímulos por meio da pele, com a inserção de agulhas em pontos es- • Dor modificada com a movimentação, função ou parafunção;
pecíficos chamados acupontos14,15. Trata-se também de uma terapia • Relato de dor familiar à palpação do masseter ou temporal;
reflexa, em que o estímulo de uma área age sobre outra(s). Para esse • Indivíduos com ou sem limitação de abertura da boca;
fim, utiliza principalmente o estímulo nociceptivo14,15. • Indivíduos com dores musculares causadas por doenças sistêmicas,
O objetivo deste estudo foi conduzir uma revisão crítica da literatu- pacientes com dor dental, indivíduos com transtornos psicológicos
ra, em língua portuguesa e inglesa, para verificar a eficácia da acu- previamente diagnosticados e indivíduos com história recente de
puntura tradicional chinesa no tratamento da DTM do tipo muscu- trauma no rosto e pescoço foram excluídos.
lar, bem como identificar os principais acupontos que irão ajudar a Os dados de interesse constaram de estudos onde protocolos de acu-
nortear a conduta clínica dos profissionais acupunturistas. puntura foram aplicados em pacientes com DTM do tipo muscular
e cujos resultados constassem no trabalho.
CONTEÚDO
Coleta de dados
Foi realizada uma pesquisa nas bases de dados PubMed, LILACS, Um revisor selecionou artigos a partir de dados contidos em seu
Scielo e Cochrane (incluindo o Cochrane Central) para identificar resumo e nos casos em que o resumo não estivesse disponível, por
artigos científicos relevantes para o estudo. Os artigos foram selecio- meio das informações contidas no título. Os dados relevantes para
nados no período de janeiro de 2000 à maio de 2013, utilizando as essa etapa da seleção eram o tipo de estudo e o perfil da amostra. Os
seguintes palavras chaves (DeCS (Descritores em Ciência da Saúde): artigos selecionados deveriam, ainda em sua publicação completa,
Disfunção Temporomandibular E Acupuntura OU Acupuntura Chi- obedecer a todos os critérios de seleção.
nesa OU Técnicas de Acupuntura, nos idiomas inglês e português.
Após a realização da pesquisa, uma triagem prévia dos artigos foi Análise crítica dos artigos
feita, baseada no título e resumo do artigo, excluindo possíveis pu- O próximo passo foi avaliar os artigos selecionados para determinar
blicações não relacionadas ao tema. Após, foram aplicados critérios sua validade interna e externa. Caso houvesse inadequada informa-
para a definitiva seleção dos artigos. Na tabela 1 encontram-se os ção nos artigos não permitindo avaliação dos critérios, o autor do
resultados da busca realizada. estudo seria contatado por e-mail, para esclarecimento sobre o dese-
nho e características do estudo.
Critérios para seleção dos estudos No levantamento de dados bibliográficos foram encontrados 125
Foram incluídos estudos randomizados controlados, estudos clínicos artigos científicos em potencial. Após análise do resumo, 21 artigos
de corte, estudos clínicos, estudos caso-controle, estudos transversais foram selecionados para serem avaliados na íntegra.
e relatos de séries de caso, que constassem em sua metodologia apli- Cento e quatro artigos foram excluídos da pesquisa por não preen-
cação de técnicas diversas de acupuntura, os tipos de pontos e meri- cherem os critérios de inclusão. Dentre eles 25 artigos foram datados
dianos utilizados. Relatos de caso, revisões sistemáticas da literatura como antes do ano de 2000, cinco foram excluídos por ser um relato

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de caso clínico único, oito revisões sistemáticas ou revisões da lite- Os 21 artigos selecionados para esta revisão podem ser encontradas
ratura, três estudos pilotos sem resultados significativos, dois artigos na tabela 2. Grande parte dos artigos encontra-se na língua inglesa,
sem resultados importantes e somente observações clínicas e cinco sendo obtidos somente dois artigos na língua portuguesa.
artigos por não estarem na língua padrão definida (dois em espa- Nas tabelas 2 e 3, são observadas as características principais dos tra-
nhol, um em alemão e dois em chinês). Um total de 54 artigos foi balhos incluídos, como a doença estudada, o tratamento principal
excluído por não se encaixarem no tema proposto por esta revisão. (o recomendado e de escolha para o caso), o tratamento adicional,

Tabela 2. Informações resumidas dos artigos sobre os tratamentos, número de sessões e número de pacientes avaliados
Autores Doença Tratamento principal Tratamento adicional Número de Sessões de
estudada pacientes acupuntura
Ferreira, de Oliveira, DTM crônica Placas miorrelaxantes Comparar laserterapia 14 (7 para cada 12
Guimaraes, et al.16 verdadeira com laser grupo)
placebo em pontos de
acupuntura
Ritenbaugh, DTM crônica Placas miorrelaxantes Comparar Medicina 168 (84 para cada 20
Hammerschlag, Tradicional Chinesa (acu- grupo)
Dworkin, et al.17 puntura, fitoterapia, mas-
sagem) com orientações
Vicente-Barrero, DTM Comparar acupuntura com placa mior- Não houve 20 (10 para cada 15
Yu-Lu, Zhang, et al.18 relaxante grupo)
Itoh, Asai, Ohyabu, DTM crônica Comparar o agulhamento de trigger Não houve 16 (8 para cada 5
et al.19 points verdadeiro com o placebo (sham) grupo)
Borin, Corrêa, Silva, DTM Comparar acupuntura com controle (ne- Não houve 40 (20 para cada 10
et al.20 nhum tratamento) grupo)
Borin, Corrêa, Silva, DTM Comparar acupuntura com controle (ne- Não houve 40 (20 para cada 10
et al.21 nhum tratamento) grupo)
Bu, Chen, Chen, DTM Aguda Comparar eletroacupuntura com eletro- Não houve 96 (48 para cada 1
et al.22 acupuntura + massoterapia grupo)
Noiman, Garty, DTM e Acupuntura (técnica local e distante) Não houve 35 com DTM e 4 08 à 10
Maimon, et al.23 neuralgia com neuralgia
trigeminall
Hotta, Hotta, DTM Laserterapia em pontos de acupuntura Não houve 10 10
Bataglion, et al.24
Simma, Gleditsch, DTM Comparar acupuntura verdadeira com Não houve 23 (11 grupo 1
Simma, et al.25 acupuntura placebo (sham) verdadeira e 12
placebo)
Rancan, Bataglion, DTM Acupuntura tradicional Não houve 17 10
Bataglion, et al. 26
Shen, Younger, DTM Comparar acupuntura verdadeira com Não houve 28 (16 grupo 1
Goddard, et al.27 acupuntura placebo (sham) verdadeira e 12
placebo)
Wang e Zhang28 DTM Comparar acupuntura + eletro- Não houve 82 (52 acupuntura 1
magnetoterapia com a técnica de + magneto e 30
eletromagnetoterapia somente magneto)
Shen e Goddard29 DTM Comparar acupuntura verdadeira com Não houve 15 (09 grupo 1
acupuntura placebo (sham) verdadeira e 06
placebo)
Smith, Mosscrop, DTM Comparar acupuntura verdadeira com Não houve 27 6
Davies, et al.30 acupuntura placebo (sham)
Shin, Ha, Song, et DTM Tratamento de acupuntura com masso- Não houve 49 08 à 10
al.31 terapia
Schmid-Schwap, DTM Comparar acupuntura verdadeira com Não houve 23 1
Simma-Kletschka, acupuntura placebo (Laser em pontos
Stockner, et al.32 aleatórios)
Goddard33 DTM Acupuntura tradicional Não houve 29 1
Wong e Cheng 34
DTM Acupuntura tradicional + placa miorrela- Não houve 85 6
xante + injeção de trigger points
DeBar, Vuckovic, DTM Aplicação de questionários sobre Medi- Não houve 192 Não
Schneider, et al.10 cina Tradicional Chinesa especificado
Goddard, Karibe, DTM Comparar acupuntura em acupontos Não houve 18 (10 acupuntura 1
McNeill, et al.35 reconhecidos com acupuntura placebo verdadeira, 8
em pontos não reconhecidos ou longe acupuntura
da localização dos meridianos placebo)

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Tabela 3. Informações resumidas dos artigos sobre os pontos de acupuntura utilizados e os resultados obtidos
Autores Acupontos Resultados
Ferreira, de Oliveira, E6, ID19, VB20, VB43, IG4, F3, TA3 Laser verdadeiro mostrou melhora significativamente mais rápida e com maior
Guimaraes, et al.16 e Yintang redução da dor
Ritenbaugh, E7 e/ou E6, VB20 e/ou VB21, F3, Melhora da dor mais rápida e na qualidade de vida dos pacientes que re-
Hammerschlag, F4 e Taiyang ceberam tratamento oriental chinês, comparados a aqueles que receberam
Dworkin, et al.17 adicionalmente somente orientações
Vicente-Barrero, Yu- Pontos locais: TA21, VB21, TA17, Os resultados para ambos os grupos foram semelhantes, mostrando redução
Lu, Zhang, et al.18 E6 e Taiyang. Pontos distantes: F4, no relato de dor do paciente e diminuição da dor à pressão em músculo tem-
E36, TA5 e VB34 poral e masseter
Itoh, Asai, Ohyabu, Pontos ashi (pontos dolorosos à Diminuição da intensidade de dor muito maior para o grupo que recebeu agu-
et al.19 pressão ou trigger points) lhamento verdadeiro no trigger points, entretanto não houve diferença entre
os grupos em relação a melhora nas movimentações e na função oral
Borin, Corrêa, Silva, E7, E5, TA17, VB43, IG4, Taiyang e A acupuntura reduziu a atividade dos músculos temporais na posição de re-
et al.20 Yintang pouso mandibular, proporcionando melhor equilíbrio muscular entre estes e
os músculos masseteres
Borin, Corrêa, Silva, E7, E5, TA17, VB43, IG4, Taiyang e Houve redução significativa no nível de dor e na gravidade da disfunção tem-
et al.21 Yintang poromandibular após o tratamento com acupuntura. O grupo controle não
apresentou melhora
Bu, Chen, Chen, VB3, E7, E6, ID19 e IG4 Melhora efetiva para o grupo somado de eletroacupuntura e massoterapia do
et al.22 que para o grupo de eletroacupuntura somente
Noiman, Garty, Locais: Ashi ou trigger points, Dis- Pacientes com disfunção temporomandibular obtiveram melhora na sintoma-
Maimon, et al.23 tantes: variava na região de mão tologia dolorosa em 88,6%, enquanto os pacientes com neuralgia somente
ou pé. Geralmente IG4 e F3 em 25%
Hotta, Hotta, IG4, C3, E6 e E7 Melhora significativa nos sintomas dolorosos e na atividade muscular do mas-
Bataglion, et al.24 seter
Simma, Gleditsch, Postos ashi ou trigger points Redução da dor foi significativamente mais pronunciada após a acupuntura
Simma, et al.25 do que após tratamento placebo
Rancan, Bataglion, IG4, E6, E7, B2, VB14, VB20, ID18, Diminuição na atividade muscular durante os movimentos mandibulares e du-
Bataglion, et al. 26 ID19, F3, E36, VB34, E44 e R3 rante o apertamento dental e diminuição na sintomatologia dolorosa, após o
tratamento com acupuntura
Shen, Younger, IG4 Redução na dor e na sensibilidade dos músculos da mastigação/face e pes-
Goddard, et al.27 coço somente para o grupo que recebeu acupuntura verdadeira
Wang e Zhang28 E7, E6, IG4 Melhora significativa nos sintomas dolorosos em 90,4% do grupo de acupun-
tura mais magneto, enquanto o grupo controle só melhorou 66,7%
Shen e Goddard29 IG4 Melhora significativa na dor da face, dor do pescoço e dor de cabeça para a
acupuntura verdadeira
Smith, Mosscrop, E7 Melhor influência nos resultados clínicos para a acupuntura verdadeira em
Davies, et al.30 relação a placebo
Shin, Ha, Song, et al.31 ID18, ID19, E6, E7, TA17 e IG4 Tratamento proposto produziu melhoras significativas na melhora da dor e na
abertura bucal
Schmid-Schwap, Região retromolar de maxila e Redução na dor, melhora na abertura bucal e melhora na sensibilidade mus-
Simma-Kletschka, mandíbula, região vestibular de cular à palpação, para o grupo que fez acupuntura verdadeira
Stockner, et al.32 mandíbula e maxila. Pontos extra-
orais: IG4, ID2 e ID3
Goddard33 Variavam de paciente para pacien- Redução significativa na intensidade da dor de 5,28 para 2,26
te, entretanto o ponto IG4 sempre
foi utilizado
Wong e Cheng34 Locais: E7, E6, ID17 e o ponto 85% dos pacientes com disfunção temporomandibular apresentaram sinto-
extra Qian Zheng, distantes: IG4, mas aliviados
TA5, F3 e E36
DeBar, Vuckovic, Não especificado 63% dos pacientes relataram utilizar Medicina Tradicional Chinesa para o
Schneider, et al.10 tratamento da dor de disfunção temporomandibular, sendo a acupuntura, a
massoterapia e a quiropraxia as mais satisfatórias e que mais ajudaram os
pacientes
Goddard, Karibe, IG4 e E6 (acupuntura verdadeira) e Ambos os grupos mostraram redução significativa na intensidade de dor, sem
McNeill, et al.35 pontos próximos à IG4 e E6 para diferença entre os grupos
a placebo

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da disfunção temporomandibular

o número de pacientes avaliados e tratados no estudo, o número de Em relação aos meridianos, os mais descritos e aplicados foram o
sessões de acupuntura realizadas, assim como a lista de todos os prin- estômago, com 26 casos, seguido pelo intestino grosso com 15 casos
cipais pontos de acupuntura utilizados nos artigos e os resultados en- e vesícula biliar com 12 casos. As figuras 1 e 2 descrevem todos os
contrados com determinada técnica ou comparação entre técnicas. pontos citados nos 21 artigos incluídos.

16
15

14
Número de artigos que utilizaram o ponto

12

10 10
10

6
5

4 4
4
3 3 3 3 3

2 2 2 2 2 2 2
2
1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1

0
E5
E6
E7

6
4
2
3
17
18
19

3
14
20

VB 1
34

43

4
F3
F4

3
5
21
17

3
B2
R3

Ta en
Yi ng
g
hi
E3
E4

ID
ID

VB

IG

TA
TA

an
As
Zh
ID
ID
ID

VB
VB
VB

VB

TA
TA

a
iy
nt
n
ia
Figura 1. Pontos de acupuntura mais utilizados nos artigos Q
E = estômago; ID = intestino delgado; VB = vesícula biliar; IG = intestino grosso; F = fígado; TA = triplo aquecedor; C = coração, B = bexiga; R = rim.

E 26

IG 15

VB 12

ID 9

TA 8

Extras 7

F 7

R 1

B 1

C 1

0 5 10 15 20 25 30

Figura 2. Meridianos de acupuntura mais utilizados nos artigos


E = estômago; IG = intestino grosso; VB = vesícula biliar; ID = intestino delgado; TA= triplo aquecedor; F = fígado; R = rim; B = bexiga; C = coração.

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Bonjardim LR e Conti PC

DISCUSSÃO diagnóstico realizado é sempre ocidental e o tratamento é o mesmo


protocolo de acupontos para toda a amostra. Então, ao se analisar os
Este estudo proporcionou dados de que a acupuntura é uma técnica artigos que utilizam acupuntura como terapia, deve-se observar que
da MTC indicada e recomendada pela literatura nacional e inter- a acupuntura é uma técnica oriental que busca individualizar o trata-
nacional para o tratamento de DTM. Nos 21 artigos utilizados e mento do paciente e busca sempre uma visão mais holística. Obvia-
descritos nesta revisão, em sua grande maioria, o tratamento de acu- mente, cada artigo científico necessita padronizar sua metodologia, e
puntura isolado ou como terapia complementar ou ainda compara- a individualização do tratamento muitas vezes é impraticável.
do com outras técnicas, se mostrou superior e eficiente na melhora
da dor e da função de pacientes com DTM do tipo muscular. CONCLUSÃO
A acupuntura impacta diretamente o estresse mental, diminuição
da ansiedade e qualidade do sono. A abordagem holística em acu- O tratamento da DTM muscular, por meio da acupuntura, promo-
puntura permite lidar com outras comorbidades, bem como com ve alivio e/ou redução total da intensidade dolorosa, melhora nos
os problemas integrativos, como dores de cabeça e no corpo, com o movimentos mandibulares e diminuição da hiperatividade muscular
objetivo de alcançar um equilíbrio físico e mental27. dos músculos da mastigação. O profissional acupunturista pode ter
Estudos vêm mostrando que o uso de acupuntura para o tratamento em mente que alguns pontos se mostraram eficazes no tratamento
de dores musculoesqueléticas é promissor. Em estudo com 92 pa- das DTM musculares como os acupontos de estômago, intestino
cientes, 69% deles tiveram uma boa ou excelente resposta ao trata- grosso e vesícula biliar.
mento e com pelo menos 30% de redução da dor36. Pacientes com DTM podem, na maioria dos casos, recorrer à acu-
Neste estudo, em todos os artigos pode-se notar uma grande predi- puntura como tratamento alternativo, complementar ou até mesmo
leção pelo ponto IG4 como um ponto distante de ação energética principal para a redução da sintomatologia dolorosa e melhora da
muito forte. O IG4 tem excelente função como agente anti-infla- função oral.
matório e analgésico potente13,36. Mesmo assim, muitos pontos e
meridianos tiveram maior indicação e utilização. Em 17% de todos REFERÊNCIAS
os casos o ponto IG4 foi utilizado como ponto de escolha para o
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tratamento de DTM muscular, seguido por 11% em relação aos American Academy of Orofacial Pain. 4th ed. Chicago: Quintessence; 2008.
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pontos ID19 e TA17 foram indicados. siol. 2007;57(1):94-105.
É interessante notar também que alguns pontos extras foram uti- 4. Mcneill C. Temporomandibular disorders: guidelines for classification, assessment
lizados com maior frequência, indicando que sua prescrição deve and management. 2nd ed. Chicago: Quintessence; 1993.
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ser sempre recomendada. Os pontos Taiyang e Yintang são pontos Research diagnostic criteria for temporomandibular disorders: a systematic review of
extras de fácil acesso e apresentam grande melhora no relato dos axis I epidemiologic findings. Oral Surg Oral Med Oral Pathol Oral Radiol Endod.
2011;112(4):453-62.
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Atualmente, seguindo a visão ocidental, os canais ou meridianos por ders: review, criteria, examinations and specifications, critique. J Craniomandib Di-
sord. 1992;6(4):301-55.
onde circula toda a energia do nosso corpo são considerados áreas 7. Conti PC, de Alencar EN, da Mota Correa AS, Lauris JR, Porporatti AL, Costa YM.
integrativas ou funcionais, onde há a participação de vários sistemas Behavioural changes and occlusal splints are effective in the management of mastica-
locais e sistêmicos, como o sistema nervoso, circulatório, linfático, tory myofascial pain: a short-term evaluation. J Oral Rehabil. 2012;39(10):754-60.
8. Conti PC, Ferreira PM, Pegoraro LF, Conti JV, Salvador MC. A cross-sectional study
endócrino, imunológico, entre outros17,26,36. of prevalence and etiology of signs and symptoms of temporomandibular disorders in
Os mecanismos de ação da acupuntura podem ser explicados por high school and university students. J Orofac Pain. 1996;10(3):254-62.
9. Jung A, Shin BC, Lee MS, Sim H, Ernst E. Acupuncture for treating temporoman-
meio de três princípios. O primeiro deles se baseia no efeito placebo dibular joint disorders: a systematic review and meta-analysis of randomized, sham-
da técnica, o que de certa forma é controverso, devido à acupuntura -controlled trials. J Dent. 2011;39(5):341-50.
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ser utilizada de forma eficaz também em seres não sugestionáveis native medicine for temporomandibular disorders. J Orofac Pain. 2003;17(3):224-36.
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a acupuntura como tratamento fundamenta-se principalmente na 16. Ferreira LA, de Oliveira RG, Guimarães JP, Carvalho AC, De Paula MV. Laser acu-
teoria ocidental de se criar protocolos terapêuticos para cada caso. puncture in patients with temporomandibular dysfunction: a randomized controlled
Por exemplo, para tratar pacientes com DTM muscular deve-se usar trial. Lasers Med Sci. 2013;28(6):1549-58.
17. Ritenbaugh C, Hammerschlag R, Dworkin SF, Aickin MG, Mist SD, Elder CR, et
pontos determinados de acupuntura. Entretanto, a acupuntura é al. Comparative effectiveness of traditional chinese medicine and psychosocial care in
uma técnica da MTC que apresenta um diagnóstico energético e the treatment of temporomandibular disorders-associated chronic facial pain. J Pain.
2012;13(11):1075-89.
individualiza o tratamento para cada paciente, inter-relacionando 18. Vicente-Barrero M, Yu-Lu SL, Zhang B, Bocanegra-Perez S, Duran-Moreno D, Lo-
as consequências para o meio, os fatores emocionais, psicossociais pez-Marquez A, et al. The efficacy of acupuncture and decompression splints in the
treatment of temporomandibular joint pain-dysfunction syndrome. Med Oral Patol
e biológicos. Oral Cir Bucal. 2012;17(6):e1028-33.
Nos artigos científicos, além de criarem protocolos terapêuticos, o 19. Itoh K, Asai S, Ohyabu H, Imai K, Kitakoji H. Effects of trigger point acupuncture

58
Protocolos de acupuntura para o tratamento Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):53-9
da disfunção temporomandibular

treatment on temporomandibular disorders: a preliminary randomized clinical trial. J 29. Shen YF, Goddard G. The short-term effects of acupuncture on miofascial pain pa-
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59
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):60-6 ARTIGO DE REVISÃO

Revisiting methadone: pharmacokinetics, pharmacodynamics and


clinical indication*
Revisitando a metadona: farmacocinética, farmacodinâmica e uso clínico
José Osvaldo Barbosa Neto1, Marília Arrais Garcia2, João Batista Santos Garcia3

*Recebido da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150012

ABSTRACT de dor oncológica refratária à morfina. O objetivo deste estudo


foi apresentar uma revisão desse fármaco com foco nos aspectos
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Methadone is a synthe- farmacocinéticos e farmacodinâmicos, além de seu uso clínico.
tic long-duration opioid with pharmacological properties quali- CONTEÚDO: Foi realizada uma revisão dos artigos disponíveis
tatively similar to morphine for its action on µ-opioid receptor. nas plataformas Medline, Scielo, biblioteca Cochrane e Pubmed
It is primarily used to treat cancer pain refractory to morphine. até julho de 2014, por meio dos seguintes descritores: Metadona;
This study aimed at presenting a review of this drug with focus Dor Aguda; Dor Crônica; Dor Oncológica; e Opioides.
on pharmacokinetic and pharmacodynamic aspects, in addition CONCLUSÃO: As suas propriedades farmacológicas fazem da
to its clinical indication. metadona um analgésico opioide singular, uma vez que é me-
CONTENTS: Articles available in Medline, Scielo, Cochrane nos suscetível a tolerância, previne hiperalgesia, é menos propícia
library and Pubmed platforms until July 2014 were reviewed a consumo abusivo, e tem uma possível melhor ação sobre dor
using the following descriptors: Methadone; Acute Pain; Chro- neuropática. Todavia, os riscos de morte acidental por overdose,
nic Pain; Cancer Pain; and Opioids. de surgimento de arritmia cardíaca, e de interação farmacoló-
CONCLUSION: Its pharmacological properties make metha- gica não devem ser menosprezados. Além disso, faltam estudos
done a unique opioid analgesic, since it is less susceptible to clínicos conclusivos comparando metadona a outros analgésicos
tolerance, prevents hyperalgesia, is less conducive to abusive quanto a seus riscos e benefícios.
consumption and has a possible better action on neuropathic Descritores: Dor, Metadona, Opioides.
pain. However, risks of accidental death due to overdose, of ar-
rhythmias and of pharmacological interactions should not be INTRODUÇÃO
overlooked. In addition, there is lack of conclusive clinical trials
comparing methadone to other analgesics with regard to risks A metadona é um opioide sintético de longa duração utilizado prin-
and benefits. cipalmente no tratamento de dor oncológica refratária a morfina1.
Keywords: Methadone, Opioids, Pain. O objetivo deste estudo foi apresentar uma revisão histórica desse
fármaco, assim como apresentar aspectos farmacocinéticos, farma-
RESUMO codinâmicos, além de seu uso clínico.

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Metadona é um opioide CONTEÚDO


sintético de longa duração com propriedades farmacológicas
qualitativamente semelhantes às da morfina por ação sobre o Foi realizada uma revisão dos artigos disponíveis nas plataformas
receptor µ-opioide. É utilizada principalmente no tratamento Medline, Scielo, biblioteca Cochrane e Pubmed até Julho de 2014,
através dos seguintes descritores: Metadona; Dor Aguda; Dor Crô-
nica; Dor Oncológica e Opioides.
1. Universidade Federal do Maranhão, Serviço de Anestesiologia Clínica, São Luís, MA,
Brasil.
Histórico
2. Faculdade de Medicina do ABC, Santo André, SP, Brasil. A metadona foi sintetizada 1938 por Max Bockmuhl e Gustav
3. Universidade Federal do Maranhão, Serviço de Dor e Cuidados Paliativos do Hospital
Universitário, Hospital de Câncer do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.
Ehrhart, supostamente por ordem do então Líder (Führer) da Ale-
manha - Adolf Hitler, como substituta para morfina, cujos estoques
Apresentado em 03 de novembro de 2014. vinham em vertiginosa queda desde o início da II Guerra Mundial.
Aceito para publicação em 09 de fevereiro de 2015.
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há. Na ocasião ela recebeu o nome comercial de Dolophine, em referên-
cia ao primeiro nome de Hitler2. Porém, essa informação é contro-
Endereço para correspondência:
José Osvaldo Barbosa Neto versa, uma vez que a palavra Dolophine tem sua origem no Latin,
Rua Parnaíba, Nº2. Apto 1303 - Ponta do Farol onde Dolor significa dor e Fin, fim3. Esse opioide foi utilizado pelos
65075-839 São Luís, MA, Brasil.
soldados alemães durante o período da guerra para controle de dor,
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor mas com pouca aceitação devido aos seus efeitos adversos.

60
Revisitando a metadona: farmacocinética, farmacodinâmica e uso clínico Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):60-6

O nome metadona deriva de fragmentos do seu nome químico cialmente em pacientes oncológicos11.
(6-dimetilamina-4,4-difenil-3heptanona)4, e é aceito atualmente Do ponto de vista clínico, essas propriedades farmacocinéticas fa-
como designação para sua mistura racêmica. zem com que ocorra acúmulo de metadona nos tecidos após ad-
Apesar de seu surgimento recente, o estigma de ter sido extensamen- ministração de repetidas doses, aumentando o risco de sobredose.
te utilizado na desintoxicação de usuários de heroína tem limitado E quando o analgésico é finalmente interrompido, uma pequena
a aceitação desse fármaco na terapia antálgica2. No entanto, o reco- concentração plasmática é mantida devido à redistribuição gradu-
nhecimento de suas características farmacológicas especiais, aliado al da metadona para o intravascular. Ainda, essa provavelmente é
a seu baixo custo, tem proporcionado crescimento do seu uso no a razão pela qual esse opioide tem menor propensão a promover
tratamento de dor crônica, especialmente na dor oncológica e neu- síndrome de abstinência.
ropática5. Seu metabolismo é hepático e sua excreção é renal. Como resultado
do seu pH básico (pKa=9,2) e propriedades lipofílicas, mudanças no
Farmacocinética pH urinário podem alterar sua eliminação. Quando o pH urinário é
A metadona é um fármaco básico, lipossolúvel com pKa de 9,2, superior a 6, a eliminação renal responde por apenas 4% do total do
que é administrado como uma mistura racêmica de dois enantiô- fármaco excretado, enquanto que em pH inferior a 6, 30% da dose
meros: R-metadona e S-metadona6. Quando administrada por via total é eliminada pelos rins12.
oral tem absorção rápida e quase completa. Pode ser detectada no Quanto à eliminação hepática, a metadona tem baixa razão de ex-
plasma após 30 minutos de dose oral, e o tempo para atingir o pico tração, o que implica em alta biodisponibilidade após administração
de concentração plasmática é de 2,5h para solução oral e 3h para por via oral, além de trazer consequências relevantes no que concer-
comprimido. A biodisponibilidade é alta, variando de 67 a 95%7. ne à variabilidade interindividual, uma vez que a eliminação dessa
Absorção desse fármaco pela mucosa oral também é possível 7. substância depende tanto da fração livre do fármaco quanto da ativi-
É um agonista opioide de meia-vida longa, em torno de 24h, e dade enzimática intrínseca do fígado7. O metabolismo hepático da
com grande variabilidade entre indivíduos (8 – 90h), sendo mui- metadona é operado por vários citocromos P450 que a degradam
to superior à dos demais opioides utilizados na terapia da dor, tais até seus metabólitos inativos (2-etil-1,5-dimetil-3,3-difenilpirrolidi-
como morfina (t1/2=2-4h), hidromorfona (t1/2=2-3 horas) ou fentanil na e 2-etil-5-metil-3,3-difenil-pirrolina)13.
(t1/2=4 horas)8 (Tabela 1). Dados de experimentos in vitro sugeriam que CYP3A4 seria a iso-
forma de maior responsabilidade na metabolização de metadona em
Tabela 1. Comparação entre as propriedades farmacocinéticas de humanos14. No entanto, dados recentes sugerem que a CYP2B6 se-
metadona e morfina8
ria a isoforma primordial no metabolismo e excreção da metadona
Parâmetros Metadona Morfina in vivo15.
Biodisponibilidade 80% 35% Além da metadona, o citocromo CYP2B6 também é responsável
Ligação plasmática 60-90% 35% pelo metabolismo de outros fármacos, tais como: bupropiona, efa-
Meia-vida de eliminação 30 h 3-4 h virenz e clopidogrel, o que implica risco na interação entre esses fár-
Metabólitos ativos Não Sim
macos7,16. A tabela 2 traz exemplos de interação farmacológica com
metadona.
Influência por disfunção renal + +++
Uma grande variabilidade de resposta tem sido observada entre
Influência por disfunção hepática +++ +
indivíduos expostos a metadona, a que pode ser atribuída ao poli-
+ Levemente / +++ Muito
morfismo genético na codificação dos citocromos envolvidos no seu
metabolismo, além do polimorfismo das proteínas transportadoras
O tempo para início da analgesia após administração de um único
e receptores opioides17.
bolus intravenoso é de aproximadamente 10 a 20 minutos e a dura-
ção é de 4 a 8h, que é inferior ao tempo de eliminação e aumenta o
Tabela 2. Interação farmacológica com metadona7
risco de acúmulo após doses repetidas8.
É uma substância lipofílica que se distribui extensamente pelos teci- CYP 3A4 CYP 2B6 Inibidores
α-glicoproteína
dos, tais como cérebro, intestino, rim, fígado, músculos e pulmões.
Indução Inibição Inibição
Essa característica justifica o grande volume de distribuição desse
opioide descrito por estudo em humanos9. E, dado o fato que a dis- Tiopental Fluconazol Clorpromazina Actiomicina
tribuição para os tecidos é superior à capacidade de ligação às pro- Carbamazepina Fluoxetina Fluoxetina Doxirrubicina
teínas plasmáticas, o seu volume de distribuição aparente durante o Glicocorticoide Fluvoxamina Fluvoxamina Vinblastina
estado de equilíbrio é muito superior ao próprio volume plasmático. Barbitúricos Nefazodona Haloperidol Paroxetina
Esse volume varia entre os diferentes estudos dependendo do perfil Fenitoína Paroxetina Levopromazina Sertralina
de pacientes incluso10.
Venlafaxina Moclobediba
Liga-se extensamente às proteínas plasmáticas (chegando a 86%) e,
Macrolideos Norfluoxetina
sendo uma substância básica, sua ligação ocorre predominantemen-
te à α-glicoproteína ácida. Como se trata de uma proteína plasmá- Ciprofloxacina Paroxetina
tica que aumenta em reações de fase aguda, essa variabilidade pode Suco de Sertralina
toranja
determinar a variação da concentração plasmática do fármaco, espe-

61
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):60-6 Barbosa Neto JO, Garcia MA e Garcia JB

Normalmente, a metadona ou seus metabólitos são excretados pela neuropática, tolerância e HIO em função de suas propriedades far-
urina (20 – 50%) e pelas fezes (10-45%). Mas em vigência de dis- macodinâmicas30-32.
função renal há um aumento na excreção fecal tanto dos produtos
do metabolismo quanto da própria metadona a ponto de conseguir Farmacogenética
eliminar todo o fármaco18. Dessa forma, a metadona pode ser con- Polimorfismo dos genes que codificam os receptores opioides e as
siderada segura na disfunção renal e em pacientes em diálise. Mas enzimas envolvidas no metabolismo da metadona contribui para
alguns autores recomendam redução da dose quando a taxa de fil- grande variabilidade na sua farmacologia entre os indivíduos33.
tração glomerular é inferior a 10mL/min18. Em um estudo conduzido com voluntários sadios demonstrou-se
A metadona está presente no leite materno, mas em concentrações que a mutação do 118A4G no gene OPRM1 que codifica o MOR
que teoricamente são inofensivas ao lactente, e ainda é capaz de cru- é associada à redução no efeito de dose única de levometadona ava-
zar a barreira placentária, mas, por essa via, pode induzir síndrome liado por pupilometria. Entretanto, os dados sobre a relação entre
de abstinência no recém-nascido19,20. variabilidade genética e o efeito farmacológico da metadona não são
consistentes, e há incongruência nos resultados encontrados. Nesse
Farmacodinâmica mesmo estudo não foi encontrada associação entre efeito da me-
A metadona é um agonista opioide que age através da ligação aos re- tadona e polimorfismo dos genes que codificam a glicoproteína-P,
ceptores opioides µ, κ e δ (MOR, KOR e DOR, respectivamente). citocromo P3A, 2B6, 1A2, 2C8, 2C9, 2C19 e 2D633,34.
A ativação do MOR é a principal desencadeadora das suas proprie-
dades farmacodinâmicas, tais como analgesia, depressão respiratória, Vias de administração
dependência e tolerância7. A metadona, assim como os demais opioides, é administrada prefe-
Tolerância é definida como redução na potência analgésica do ago- rencialmente por via oral, mas outras vias são possíveis, tais como:
nista opioide após exposição prévia a tratamento com o mesmo via retal, venosa, muscular, subcutânea, nasal, sublingual, espinhal
opioide. Tolerância cruzada é um fenômeno que resulta da diminui- e peridural.
ção da resposta a um agonista opioide após exposição prévia a um A via retal é utilizada na prática clínica através de micronemas ou
opioide diferente21. Foi demonstrado em estudo experimental que a supositórios35,36. A biodisponibilidade após administração retal é em
metadona é um opioide menos sensível ao fenômeno de tolerância, média 76%, que é muito semelhante à obtida por via oral (86%),
uma vez que sua ED50 não alterou após exposição prévia a morfina21. tem inicio de ação mais rápido, tempo para pico plasmático é de
A terapia opioide crônica também pode produzir hiperalgesia indu- 1,4h e duração de 10h37.
zida por opioides (HIO) que sensibiliza o paciente, ou desencadeia Pode ser administrada por via venosa utilizando bomba de analge-
um quadro de dor aguda21,22. sia controlada pelo paciente (PCA – Patient Controlled Analgesia),
Foi demonstrado que exposição crônica aos opioides, predominan- infusão contínua e/ou bolus intermitente38,39. O início da analgesia
temente à metadona, reduz a extensão de doença coronariana com- após bolus venoso é de 10-20 minutos e sua duração de ação é de
parado a pacientes não expostos23. Esse achado foi confirmado em 4-8h39.
estudo experimental onde a exposição à morfina (agonista MOR) A via subcutânea é utilizada como substituto da via oral, mas redu-
reduziu a área de infarto do miocárdio quando administrada antes ção de 50% da dose é recomendada40. A administração subcutânea é
de quadro de isquemia e reperfusão24,25. A metadona produz esse limitada por reação inflamatória local que requer rotação do local da
efeito na redução de isquemia do miocárdio através da ativação do injeção41. Embora não haja consenso entre os autores sobre a reco-
MOR, e é dependente da duração da lesão isquêmica26. mendação dessa rota, estudos mostram experiências positivas desse
uso40. Para evitar a reação inflamatória, é recomendada rotação do
Farmacodinâmica dos isômeros local de injeção, adição de hialuronidase e diluição em 16mL de
A R-Metadona tem afinidade pelos receptores MOR e DOR 10 solução fisiológica a 0,9%40-42.
vezes superior ao seu isômero S, e sua atividade analgésica chega a ser A metadona pode ser utilizada por via subaracnoidea, embora seja
50 vezes maior. A S-Metadona é aparentemente inativa como opioi- rapidamente distribuída para o plasma. No entanto, poucos estudos
de, e assim como a R-Metadona ela é um antagonista não competiti- foram conduzidos para avaliar essa via43. A via peridural pode ser
vo do receptor N-metil-D-aspartato (rNMDA) que é o responsável utilizada para controle de dor crônica e pós-operatória44.
pela HIO e tem participação no fenômeno de tolerância27. Por fim, esse opioide também pode ser administrado por via intra-
Silverman28 resumiu os mecanismos responsáveis pelo surgimento nasal e sublingual45. Em um estudo piloto, alívio significativo de dor
da hiperalgesia: ativação do rNMDA; inibição do sistema transpor- incidental foi obtido após 5 minutos da administração de metadona
tador de glutamato (aumenta a quantidade de glutamato disponível sublingual46.
para ativar o receptor); participação da proteína quinase C intrace-
lular regulada por cálcio como elo entre os mecanismos celulares da Usos clínicos
HIO; administração crônica de morfina (induz neurotoxicidade via A metadona é indicada para o tratamento de dor moderada a intensa
apoptose no corno dorsal da medula). que não pode ser controlada totalmente por analgésicos simples.
Além da ação sobre os rNMDA, a S-Metadona promove forte inibi-
ção da recaptação de serotonina e noradrenalina no sistema nervoso Perioperatório
central29. E devido à combinação dessas propriedades, a metadona Mais de 40% dos pacientes submetidos a cirurgia relatam dor não
aparece como ferramenta para ajudar no manuseio da dor crônica controlada, ou dor moderada a intensa, apesar de receber tratamen-

62
Revisitando a metadona: farmacocinética, farmacodinâmica e uso clínico Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):60-6

to. Dor aguda pós-operatória é um fator de risco para o desenvolvi- opioide em uso, e a dose é completamente substituída por dose
mento de dor crônica47-49. equianalgésica66.
A tendência no cuidado anestésico nas últimas décadas é de utili- O fenômeno da tolerância cruzada incompleta deve ser levado em
zar opioides de curta duração e meia-vida de eliminação (fentanil, consideração quando a rotação de opioide for feita para metadona,
alfentanil, sulfentanil e remifentanil), mas a transição do período pois uma potência maior que a antecipada é esperada. Por esse moti-
intraoperatório para o pós-operatório, particularmente em cirur- vo, reduz-se a dose da metadona em 50-90% da dose total calculada
gias muito dolorosas, pode ser um desafio. À medida que o efeito a partir do opioide anterior67. Conversão de metadona para morfina
dos fármacos utilizados na anestesia se dissipa, o paciente pode adotada pela Academia Americana de Hospice e Cuidado Paliativo
experimentar dor intensa50. Nesse momento, o uso de opioides de (Tabela 3).
longa duração está indicado. A metadona se apresenta como uma
alternativa efetiva aos opioides convencionais para controle de dor Tabela 3. Tabela de conversão de morfina para metadona66
pós-operatória38,44,51-55. 24h dose total de Razão de conversão
morfina por via oral (morfina oral: metadona oral)
Dor oncológica <30mg 2:1 (2mg de morfina para 1mg metadona)
Dor é um sintoma com grande prevalência entre pacientes porta- 31-99mg 4:1
dores de câncer, com tal extensão que, dependendo da extensão da 100-299mg 8:1
doença e do tipo de tumor, de 30 a 70% dos pacientes têm dor des- 300-499mg 12:1
de o início da doença56. No entanto, a recomendação publicada pela
500-999mg 15:1
Organização Mundial de Saúde (OMS) para utilização do conceito
1000-1200mg 20:1
de degraus no tratamento da dor no paciente com câncer permitiu
que até 90% de alívio fosse obtido56. >1200mg Considerar consulta com especialista
A dor incidental é responsável por descontrole de dor em 40 – 80%
dos pacientes portadores de algum tipo de câncer, e é definida como Em revisão sistemática que estudou o uso de opioides em pacientes
um aumento transitório da dor (referido como intenso ou excru- com dor oncológica moderada a intensa com disfunção renal os au-
ciante) a partir de um quadro basal de dor moderada ou inferior56-58. tores concluíram que metadona, fentanil e alfentanil são os opioides
Considera-se que em um episódio a dor incidental atinge seu pico que trazem menos risco quando usados apropriadamente68.
em torno de 3 minutos59 e dura em média 30 minutos, e a meta- No tratamento da dor oncológica, a combinação de dois opioides
dona é um opioide viável para esse cenário. Como a metadona por fortes é uma estratégia que vem sendo investigada. O racional é
via oral tem inicio de ação em torno de 10 minutos (tempo inferior que a associação de dois opioides diferentes promoveria uma ação
ao da morfina, por exemplo, que é em torno de 30 minutos), ela sinérgica na analgesia, permitindo o uso de doses menores de cada
poderia abortar ou amenizar o quadro doloroso em um intervalo de um, além de limitar o desenvolvimento de tolerância aos opioides,
tempo adequado, ou seja, antes de sua resolução espontânea56,58,59. e diminuir os efeitos adversos6. Todavia, o estudo nessa área ainda é
O uso de metadona em dor oncológica foi avaliado em revisão da incipiente, e os dados obtidos em sua maioria são de modelos expe-
Cochrane (2008)60 que concluiu que seu efeito foi similar à morfina. rimentais.
O autor conclui ainda que houve uma taxa maior de não aderência
à metadona devido os efeitos adversos. Dor crônica não oncológica
Em uma revisão recente que avaliou o uso de metadona por via oral Dor crônica é definida como dor que persiste além do período de
comparada com outros opioides por via oral ou transdérmica, o au- cicatrização tecidual, que é em torno de três meses70. Quando a dor
tor conclui que metadona pode ser usada como primeira linha para crônica não é associada a câncer ou cuidado no fim da vida, é geral-
terapia opioide, é de baixo custo e existe a propensão para sedação e mente denominada “dor crônica não oncológica”71,72.
acúmulo. O autor ainda afirma que a dose inicial deve ser calculada Os opioides têm sido usados para o tratamento da dor e estão
a partir de uma dose de morfina convertida a partir de uma relação entre os fármacos mais frequentemente prescritos para esse pro-
de 4:161. pósito, e seu uso em pacientes com dor crônica não oncológica
Apesar da falta de ensaios clínicos adequados, rotação opioide para vem crescendo nas últimas duas décadas73,74. A sua terapia pode
metadona é recomendada quando outro opioide falha62. No entan- ser considerada para pacientes que se apresentam no mínimo com
to, a titulação desse fármaco pode ser um desafio pelas seguintes dor moderada, e que não obtiveram controle da dor com outras
razões: por não existir razão de conversão confiável para/de metado- classes de analgésicos. No entanto, algumas condições clínicas
na; pelo aumento da potência da metadona em pacientes expostos a sabidamente têm menor resposta aos opioides, e são as que têm
doses moderadas a altas de outro opioide; e pela grande variabilidade como agravante o aspecto psicossocial (lombalgia crônica, cefaleia
da farmacocinética da metadona, e do potencial para interação com e fibromialgia)75-77.
outros fármacos63. O resultado de dois estudos mostra que até 50% dos casos em que
Vários métodos de rotação para metadona já foram publicados, opioide foi rodiziado para metadona tiveram analgesia satisfatória
mas duas estratégias são mais frequentemente utilizadas. Em prolongada79. Quando utilizada em pacientes com dor neuropáti-
uma delas, o aumento progressivo de dose equianalgésica de me- ca, metadona reduziu a intensidade da dor em até 43%, aumento
tadona é feito concomitantemente à redução do opioide ante- de 47% na qualidade de vida e 30% de melhora na qualidade do
rior64,65. Outra estratégia envolve interromper completamente o sono79.

63
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):60-6 Barbosa Neto JO, Garcia MA e Garcia JB

Hiperalgesia induzida por opioides (HIO) usuários a risco de intoxicação e até mesmo de morte. Portanto, o
Terapia crônica com opioides pode paradoxalmente sensibilizar pa- uso de metadona deve incluir avaliações sistemáticas e medidas para
cientes à dor ou mesmo induzir quadro de dor aguda, um fenômeno reduzir esse risco, tais como educação do paciente e monitoramento
conhecido como HIO, conforme já discutido22. Algumas situações dos sintomas durante o início do tratamento ou titulação de doses5.
clínicas parecem predispor com maior frequência ao surgimento
desse fenômeno: infusão intraoperatória de remifentanil80; e uso de Efeito sobre o intervalo QT
alta dose de opioide22,81,82. Uma estratégia para diagnostico e trata- O prolongamento do intervalo QT é estado pró-arrítmico associa-
mento de HIO está descrita na tabela 4. do com risco aumentado para arritmia ventricular, particularmente
Torsade de Pointes (TdP) que é uma taquiarritmia ventricular po-
Tabela 4. Estratégias para diagnóstico e tratamento de hiperalgesia limórfica que apresenta variação da polaridade ao longo do traça-
induzida por opioides3
do basal no eletrocardiograma (ECG). Clinicamente o paciente se
1 – Aumentar a dose de opioides e avaliar se há aumento da eficá- apresenta com quadro de palpitação, síncope e até morte súbita39,89.
cia (tolerância)
Essa alteração eletrocardiográfica pode ser induzida por fármacos e
2 – Reduzir ou eliminar o opioide e avaliar a HIO está relacionado ao bloqueio de canais de potássio (Ether-a-go-go)
3 – Utilizar opioides que tenham propriedades capazes de reduzir a HIO com consequente inibição de fluxo de potássio durante repolariza-
4 – Utilizar antagonistas específicos para receptor NMDA ção do miocárdio, o que provoca aumento no tempo para repolari-
5 – Associar anti-inflamatórios não hormonais. zação, representado no traçado como intervalo QT mais longo39. O
risco de TdP é diretamente proporcional à duração do intervalo QT,
A metadona tem se mostrado o opioide com maior capacidade de e é particularmente maior quando esse intervalo supera 500ms, além
reduzir a hiperalgesia induzida por altas doses de opioides através da de doses de metadona superiores a 100mg por dia90-92.
inibição do receptor NMDA. Essa hipótese foi confirmada em mui- Apesar do risco de arritmia ventricular ocorrer, não há evidência
tos estudos que demonstraram que a rotação para metadona reduziu que suporte a indicação de ECG de rastreio para pacientes que não
ou até resolveu a hiperalgesia27,84,85. Isso ocorre porque o receptor apresentam fatores de risco. No entanto, os autores recomendam
NMDA e o sistema glutaminérgico central têm papel central no que pacientes com fatores de risco sejam submetidos ao registro do
desenvolvimento de HIO, assim como na tolerância e sensibilização ECG antes do início do tratamento e durante a titulação da dose93,94.
(Tabela 5). Quando administrada por via venosa, é recomendado que o ECG
seja registrado nos seguintes momentos: antes do início da terapia e
Tabela 5. Papel do N-metil-D-aspartato na hiperalgesia induzida por após 24h de uso; sempre que houver aumento significativo de dose;
opioides83 sempre que houver uma alteração clínica importante (distúrbio hi-
1. Os receptores NMDA se tornam ativados após exposição aos opioi- droeletrolítico, insuficiência cardíaca congestiva, novos fármacos)95.
des. Quando inibidos, previnem o surgimento de tolerância e HIO O monitoramento dos eletrólitos também é advogado nos pacientes
2. O sistema transportador de glutamato é inibido, aumentando a de maior risco39.
concentração de glutamato disponível para ligação com o rNMDA
3. A proteína cinase C intracelular regulada pelo cálcio é provavelmen- CONCLUSÃO
te uma ligação entre os mecanismos celulares da tolerância e HIO
4. Intercâmbio entre mecanismos neurais de dor e tolerância po- As suas propriedades farmacológicas fazem da metadona um anal-
dem existir. gésico opioide singular, uma vez que é menos suscetível a tolerância,
rNMDA = receptor N-metil-D-aspartato. previne hiperalgesia, é menos propícia a consumo abusivo, e tem
melhor ação teórica sobre dor neuropática, além da comodidade po-
Efeitos adversos sológica permitida por seu tempo de ação prolongado. No entanto,
Os efeitos adversos atribuídos à metadona são similares aos descritos o uso de metadona deve ser feito com base no conhecimento de
para morfina. No entanto, por ser opioide de longa duração e ter suas propriedades farmacológicas, práticas seguras de prescrição de
meia-vida imprevisível, o uso de metadona demanda uma atenção opioides e um bom julgamento clínico.
especial ao risco de acúmulo e intoxicação, principalmente nos pri-
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66
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):67-70 ARTIGO DE REVISÃO

Meperidine: opioid not indicated for analgesia*


Meperidina: opioide não indicado para analgesia
Andresa Graciutti Botan1, Simone Aparecida Biazzi de Lapena1

*Recebido da Universidade Paulista, São José dos Campos, SP, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150013

ABSTRACT educativa multidisciplinar visando à redução do seu uso e apre-


sentar dois opioides como opções de escolha para a analgesia.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain evaluation and CONTEÚDO: As publicações científicas e governamentais de
the choice of the analgesic best providing its control are extre- âmbito nacional ou internacional entre os anos de 1997 e 2013
mely important for patients’ quality of life. This study aimed at utilizadas neste artigo relatam que a meperidina não é indicada
describing the characteristics which make meperidine unfeasible para o tratamento da dor devido, principalmente, ao seu curto
for pain management, at calling the attention to the incidence of tempo de ação, presença de metabólito neurotóxico (normepe-
its prescriptions and to the need of a multidisciplinary educative ridina), e a possibilidade de desenvolver tolerância rapidamente.
action aiming at d ecreasing its use, in addition to presenting two CONCLUSÃO: Segundo os dados das pesquisas analisadas, a
opioids as options for analgesia. meperidina foi o opioide mais utilizado para analgesia ou es-
CONTENTS: National or international scientific and govern- tava entre os analgésicos mais prescritos. Esse fato relata a real
mental publications between the years 1997 and 2013 used in necessidade de uma ação multidisciplinar educativa em prol da
this study report that meperidine is not indicated for pain ma- conscientização sobre os riscos presentes no tratamento com a
nagement, primarily due to its short action time, presence of meperidina e da diminuição da sua prescrição. De acordo com a
neurotoxic metabolite (normeperidine) and possibility of rapidly literatura consultada, a morfina e a metadona apresentam maior
developing tolerance. tempo de ação e potência analgésica com metabólitos menos tó-
CONCLUSION: According to analyzed data, meperidine was xicos e prejudiciais ao paciente que a meperidina.
the most widely used opioid for analgesic or was among the most Descritores: Analgesia, Dor, Meperidina, Metadona, Morfina.
prescribed analgesics. This fact shows the real need for an educa-
tive multidisciplinary action to promote awareness of meperidi- INTRODUÇÃO
ne risks and to decrease its prescription. According to searched
literature, morphine and methadone have longer action time and A dor é definida como experiência sensitiva, emocional, subjetiva, pes-
higher analgesic potency, with metabolites which are less toxic soal e desagradável relacionada a uma lesão tecidual real ou potencial1.
and noxious for patients as compared to meperidine. A avaliação da dor é de extrema importância para que o seu controle
Keywords: Analgesia, Meperidine, Methadone, Morphine, Pain. seja adequado, pois diversos estudos evidenciam que a dor, quando
não aliviada, limita o indivíduo nas atividades de vida diária, altera o
RESUMO humor, gera exacerbação do medo e da dor afetando a qualidade de
vida (QV) dos pacientes e de seus cuidadores2.
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A avaliação da dor e a esco- A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a utilização de
lha do analgésico que mais bem provenha o seu controle são de opioides fortes no tratamento de dores agudas ou crônicas de forte
extrema importância para a qualidade de vida do paciente. O ob- intensidade associados ou não a fármacos não opioides, adjuvantes
jetivo deste estudo foi elucidar as características que inviabilizam ou técnicas não farmacológicas, visando à redução da dor e melhora
a administração da meperidina para o tratamento da dor, atentar da QV do paciente1,3.
para a incidência de sua prescrição e a necessidade de uma ação A meperidina é um opioide forte, porém devido a algumas carac-
terísticas particulares a própria OMS e os autores de artigos ou pu-
blicações governamentais, de âmbito nacional ou internacional pu-
blicados entre 1997 e 2013 pesquisados neste estudo, relatam a não
1. Universidade Paulista, São José dos Campos, SP, Brasil.
recomendação do seu uso para analgesia e sugerem sua substituição
Apresentado em 13 de maio de 2014. por outros opioides.
Aceito para publicação em 18 de janeiro de 2015. O objetivo deste estudo foi elucidar as características que inviabili-
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomente: não há.
zam a administração da meperidina para o tratamento da dor, aten-
Endereço para correspondência: tar para a incidência de sua prescrição e a necessidade e importância
Andresa Graciutti Botan
Rua Professora Aurora Paes da Costa, 65 – Vila Antônio Augusto de uma ação educativa multidisciplinar visando à redução do seu
12287-220 Caçapava, SP, Brasil. uso, visto que há a opção do uso de outros opioides fortes com me-
E-mail: desa_gb_@hotmail.com
nor toxicidade, e apresentar a morfina e a metadona como opções de
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor escolha para a analgesia.

67
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):67-70 Botan AG e Lapena SA

CONTEÚDO colchões e mantas térmicas e a manutenção da temperatura da sala


de cirurgia entre 21º e 24º C7.
A meperidina (ou petidina) é um opioide sintético que por ser es- Na década de 1980, o acompanhamento das complicações do uso
truturalmente semelhante à morfina, atropina, cocaína e histamina da meperidina recomendou a redução na sua dose total diária, prin-
exerce diversos efeitos farmacológicos, como atividade analgésica, cipalmente nas situações em que doses repetidas fossem prescritas, e
espamolítica, de anestesia geral e anti-histamínica suave4. como durante os anos seguintes a ciência não conseguiu estabelecer
O seu mecanismo de ação ocorre por meio da sua ligação aos recep- os níveis seguros desse opioide nem para adultos jovens com funções
tores de opioides Mu (µ) e Kappa (κ)5, tendo uma potência analgé- renais normais, vários autores começaram a defender a não prescri-
sica 10 vezes menor que a morfina6. ção da meperidina7.
A meperidina é administrada principalmente por via intramuscular, A Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), a OMS
mas também é bem absorvida no trato gastrointestinal; apresenta e outras entidades recomendam a restrição ao uso da meperidina
duração de ação de duas a quatro horas sendo biotransformada no para o tratamento das dores agudas, e sua substituição, sempre que
fígado, onde, pelo processo de N-desmetilação, forma seu princi- possível, por outros opioides com menor toxicidade; e condenam
pal metabólito, a normeperidina (ou norpetidina), e a sua excreção veementemente seu uso no tratamento de dores crônicas, que além
ocorre através da via urinária5. da toxicidade também pode acarretar dependência química, pois o
A normeperidina tem meia-vida entre 14 e 21h, possui duas vezes desenvolvimento de tolerância à meperidina é muito rápido, poden-
mais efeitos estimulantes e potencialmente tóxicos no sistema nervo- do ocorrer mesmo com o uso de dose única1,7.
so central (SNC) e tem apenas metade das propriedades analgésicas Porém, essa restrição ou sua substituição aparenta ainda não estar
da meperidina1,3. sendo realizada, pois estudos disponíveis reportam excessivo consu-
Depois da administração da meperidina, devido a seu curto tempo mo de meperidina nos hospitais brasileiros e de outros países em
de ação, a sensação dolorosa reaparece e a solicitação de nova dose desenvolvimento3.
é necessária, porém a normeperidina produzida a partir da pri- Estudo13 observou o perfil de prescrição dos opioides meperidina
meira dose se somará àquela da segunda dose, e assim por diante, e morfina em um hospital e concluiu que o opioide mais frequen-
onde, por meio de efeito cumulativo e devido ao seu longo tempo temente utilizado foi a meperidina, ocupando 90% das prescrições
de meia-vida plasmática esse metabólito poderá atingir níveis pe- analisadas, principalmente para o tratamento da dor pós-operatória.
rigosamente tóxicos7. Segundo dados do II Levantamento Domiciliar sobre o uso de Dro-
A administração prolongada resulta no acúmulo da normeperidina, gas Psicotrópicas no Brasil em 2005, a meperidina foi o segundo
que é hepatotóxica8, e atua estimulando o SNC gerando mioclonias, opioide mais utilizado pelos entrevistados14.
delírios, agitação psicomotora mais intensa e convulsão1,7. Segundo relato de Moura, Ribeiro e Magalhães15 a meperidina está
Pode ocorrer acúmulo dos metabólitos da meperidina em pacientes entre os 10 fármacos mais prescritos no hospital estudado.
com insuficiência renal ou hepática1. No estudo de Calil e Pimenta16, que abordava as relações entre o pa-
Entre os principais motivos do uso da meperidina estão sua fácil drão analgésico e a gravidade do trauma, a meperidina destacou-se
disponibilidade, curta duração de ação, por não causar miose9 e tam- como a mais prescrita entre os opioides, ocupando 10,4% do total
bém devido à crença de que tal opioide de curta duração de ação vai das prescrições analgésicas.
causar menos dependência10. Estudo17 observou a incidência da dor em cirurgia estética e a anal-
A dependência física e os sintomas de abstinência são tão inten- gesia utilizada e concluiu que o analgésico opioide mais prescrito foi
sos quanto os da morfina11. No entanto, a dependência precoce, a meperidina.
os relatos de que após apenas algumas vezes de uso já se instala Em seus estudos, de Sousa e Alves Neto18 avaliaram o conhecimento
uma vontade imperiosa de não viver sem esse opioide, junta- dos médicos sobre o tratamento da dor e suas condutas de analgesia
mente com os sintomas mais sérios de intoxicação, fazem da me- e revelaram que um elevado percentual de médicos (29,57%) utiliza
peridina um fármaco mais perigoso para o desenvolvimento da a meperidina.
tolerância e vício1,11,12. Estudo19 que tinha o objetivo de conhecer a percepção dos enfermei-
Garcia e Santos11 relatam que diversos autores citam o potencial de ros sobre a administração de opioides para alívio de dor crônica não
drogadição com o uso da meperidina, e mencionam um estudo que maligna observou que um número relevante dos enfermeiros (26,7%)
avaliou casos de internação hospitalar devido à dependência que citou a meperidina como um dos opioides para alívio dessa dor.
apresentou os seguintes resultados: 457 indivíduos assumidamen- Entre os opioides atualmente empregados na analgesia do trabalho
te viciados em meperidina, dos quais 288 tornaram-se dependentes de parto, a meperidina é a mais utilizada e estudada20,21. Na maioria
após contato com esse opioide sem qualquer uso prévio de outra dos estudos a meperidina apresenta certo grau de analgesia, porém
substância. em grande número de casos ela apresenta resposta insuficiente, le-
No tratamento da dor aguda, quando os efeitos muscarínicos da vando alguns autores a sugerir que ela age muito mais como sedativo
morfina não são desejáveis, a meperidina pode, erroneamente, ser o do que como analgésico21. Também há relato da presença de efeitos
fármaco de escolha7. Alguns autores defendem o uso da meperidi- adversos como náuseas, vômitos e tonturas na mãe ou depressão res-
na como a melhor solução para controle dos tremores que incidem piratória no recém-nascido20-22.
no final dos procedimentos cirúrgico e anestésico, porém o apare- Além do momento do parto, deve-se atentar ao momento da ama-
cimento desses tremores pode ser evitado de modo profilático com mentação, pois como a meperidina têm um metabólito ativo de lon-
aquecimento diretamente de parte do corpo e do leito cirúrgico com ga meia-vida, a dose excretada no leite pode se acumular no lactente

68
Meperidina: opioide não indicado para analgesia Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):67-70

causando depressão comportamental, dificuldade de sucção do leite vezes maior que o da morfina, geralmente dura de seis a oito horas26.
materno ou convulsão23,24. Os principais metabólitos da metadona, o “EDDP” (2-etileno-1,5
Segundo estudo23, a meperidina pode ser substituída pela morfina dimetil 3-3 difenilpirrolodina) e o “EMDP” (2 etil 5 metil 3-3 dife-
como analgésico no pós-parto, pois a morfina possui maior poder de nil pirrolina) são inativos e eliminados pelas fezes, principalmente,
analgesia e provoca menor sedação na mãe, e a concentração do seu e urina, sendo que a excreção renal diminui com o tempo de uso
metabólito no leite é considerada compatível com a amamentação. possibilitando seu uso em pacientes com doença renal crônica26,34.
A porcentagem de prescrição de meperidina em comparação à pres- A prescrição da metadona deve ser cautelosa devido à sua longa
crição de outros opioides durante o período de internação é utilizada meia-vida plasmática de 13 a 50h, necessitando de acompanhamen-
como parâmetro de qualidade e acreditação hospitalar nos países de- to frequente e evolução da dose, se necessário, de modo gradativo,
senvolvidos, sendo aceito até 20% de prescrição de meperidina den- até o encontro da dose eficaz1.
tre o total de opioides nos serviços de emergência, e até 10% para os A metadona produz menos náusea, constipação e sedação do que a
setores de internação, sendo que, nas instituições em que a prescri- morfina e seu efeito euforizante e a sua taxa de dependência psíquica
ção da meperidina exceda essas porcentagens, os médicos recebem e física são menores do que outros opioides26.
programas de atualização terapêutica com ênfase em opioides7. Salamonde et al.35 verificaram a analgesia controlada pelo paciente
A implantação do protocolo multidisciplinar educacional para re- em âmbito domiciliar com metadona e concluíram que o uso desse
dução da prescrição de meperidina realizada no Hospital Israelita opioide é uma opção segura e eficaz, não causando efeitos colaterais
Albert Einstein foi eficaz, pois contribuiu significativamente para a significativos.
redução do seu consumo3. Ribeiro, Schmidt e Schmidt26 relataram que a metadona pode ser
Em 2006 o Ministério da Saúde recomendou a exclusão da meperi- uma opção no tratamento da dor crônica principalmente na presen-
dina da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) ça de dor neuropática, devido ao antagonismo no receptor NMDA.
devido à presença do metabólito neurotóxico normeperidina, à cur- Nesse estudo26, os autores também declaram que a metadona é efi-
ta duração de efeito e por ser três vezes mais cara que a morfina sem caz e segura para tratamento de síndromes dolorosas relacionadas
apresentar vantagens do ponto de vista terapêutico25. ao câncer.
A morfina atua como agonista exógeno dos receptores opioides Mu A tabela 1 foi estruturada com base nas informações pesquisadas e
(µ), Kappa (κ) e Delta (δ), sendo considerada o padrão de todos os apresenta as características da meperidina que inviabilizam sua uti-
analgésicos de ação central e utilizada no tratamento de dor crônica lização para o tratamento da dor, e facilita a relação e comparação
e aguda intensa1,5,26,27. com as opções dos opioides estudados: a morfina e a metadona.
A morfina apresenta duração de ação de quatro a seis horas, meia-
-vida de três a quatro horas, sendo biotransformada no fígado ori- Tabela 1. Comparação entre meperidina, morfina e metadona.
ginando os metabólitos: morfina-3-glicuronídeo e morfina-6-glicu- Meperidina Morfina Metadona
ronídeo5,28. Tempo de 2 a 4 horas 4 a 6 horas 6 a 8 horas
O metabólito morfina-3-glicuronídeo é considerado inativo devido ação
à pouca afinidade para os receptores opioides1. O metabólito morfi- Potência 10 vezes menor Padrão de compa- 5 a 10 vezes
na-6-glicuronídeo é considerado ativo, com meia-vida plasmática de analgésica que a morfina ração maior que a
morfina
duas horas, sendo um potente agonista dos receptores µ, o que pode
contribuir para o efeito analgésico da morfina1,29. Caracterís- Normeperidina: Morfina-3-glicuro- EDDP e
ticas dos Hepatotóxico nídeo: inativo EMDP:
Pode ocorrer acúmulo dos metabólitos da morfina em pacientes principais e neurotóxico, Inativos
Morfina-6-glicu-
com insuficiência renal27. metabólitos com meia-vida
ronídeo: agonista
Administrada por via oral a morfina é menos potente do que quan- de 14 a 21 ho-
do receptor Mu,
ras.
do administrada por via injetável, pois tem uma absorção rápida e contribuindo para
incompleta, sendo logo metabolizada, obtendo aproximadamente a analgesia, com
meia-vida de 2
1/5 a 1/3 da concentração plasmática atingida pela via parenteral horas.
injetável, por isso pode-se utilizar bombas de infusão ou cápsulas EDDP: 2-etileno-1,5 dimetil 3-3 difenilpirrolodina; EMDP: 2 etil 5 metil 3-3 difenil
de liberação cronogramada, visando ao bem-estar do paciente1,30,31. pirrolina.
Os resultados obtidos por Plummer et al.32 indicaram que a mor-
fina teve maior eficácia no tratamento da dor pós-operatória que a CONCLUSÃO
meperidina.
Em revisão sistemática, a maioria dos autores utiliza a morfina como Verificou-se que a meperidina não é indicada para o tratamento da
opioide de primeira linha e a metadona como segunda opção33. dor, porém, de acordo com os dados das pesquisas analisadas nesta
A metadona é um opioide sintético agonista dos receptores opioides revisão, foi o opioide mais prescrito ou estava entre os analgésicos
Mu, Delta e Kappa e antagonista de receptores N-metil-D-aspartato mais indicados ou utilizados. Esse fato alerta para a necessidade de
(NMDA), utilizada inicialmente na prevenção e controle da síndro- uma educação multidisciplinar entre farmacêuticos, médicos e en-
me de abstinência de opioides, o que a estigmatizou, criando certa fermagem que vise à conscientização sobre os riscos presentes no uso
resistência ao seu uso como analgésico1,26. da meperidina e à diminuição da sua prescrição, restringindo sua
A absorção após administração oral de metadona é rápida e quase administração apenas para casos em que outras opções não forem
completa26. O efeito analgésico desse opioide, que é de cinco a dez eficazes ou viáveis.

69
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):67-70 Botan AG e Lapena SA

A morfina e a metadona foram apresentadas como alternativas para 17. da Silva AP, Moraes MW. [Incidence of postoperative pain after aesthetic plastic sur-
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70
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):71-4 RELATO DE CASO

Spiritual dimension of pain and suffering control of advanced cancer


patient. Case report*
Dimensão espiritual no controle da dor e sofrimento do paciente com câncer avançado. Relato
de caso
Joicilene Oliveira da Silva1, Vânia Maria Cavalcante de Araújo1, Bárbara Guimarães de Melo Cardoso2, Mirlane Guimarães de
Melo Cardoso3

*Recebido da Fundação Centro de Controle de Oncologia do Estado do Amazonas, Manaus, AM, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150014

ABSTRACT RESUMO

BACKGROUND AND OBJECTIVES: Spiritual pain and su- JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor espiritual e o sofri-
ffering are commonly experienced by advanced cancer patients mento são comumente experimentados por pacientes com
and their relatives. Spirituality is a natural and individual phe- câncer avançado e por seus familiares. A espiritualidade é um
nomenon encompassing human needs and a sound belief in its fenômeno natural e individual que engloba as necessidades hu-
transforming potential. This study aimed at showing the integra- manas e sólida crença no potencial transformador. O objetivo
tion of the spiritual dimension to the health-disease binomial. deste estudo foi demonstrar a integração da dimensão espiritual
CASE REPORT: Female patient, 43 years old, evangelical, re- ao binômio saúde-doença.
ferred to the Pain Ambulatory of the Pain Therapy and Palliative RELATO DO CASO: Paciente do gênero feminino, 43 anos,
Care Service, Foundation Oncology Control Center, with advan- evangélica, encaminhada ao Ambulatório da Dor do Serviço de
ced pancreas cancer, refractory to anti-tumor treatments. Patient Terapia da Dor e Cuidados Paliativos da Fundação Centro de
had nociceptive visceral pain difficult to control in upper ab- Controle de Oncologia com diagnóstico de câncer de pâncreas
domen associated to substantial ascites, upper limbs edema and avançado, refratário aos tratamentos antitumorais. Apresentava
dyspnea. She was living a spiritual conflict and was discouraged dor nociceptiva visceral em abdômen superior de difícil contro-
with faith, evolving with severe disabling pain episodes which le associada a ascite volumosa, edema em membros inferiores e
were related to anguish, sadness and fear of past mistakes linked dispneia. Vivenciava conflito espiritual e desânimo na fé, evo-
to occultic practices (Afro religion). With these symptoms, she luindo com episódios de dores intensas incapacitantes que foram
started to be evaluated at home by the multiprofessional team, relacionadas a angustia, tristeza e medo dos erros do passado liga-
including the chaplain. Gradually with spiritual intervention, dos a práticas ocultistas (religião afro). Com esse quadro, passou
pharmacological handling of pain, initially difficult to control, a ser acompanhada no seu domicílio pela equipe multiprofissio-
was helped and totally controlled at the end of her life. nal que incluía a capelã. Gradativamente com a intervenção es-
CONCLUSION: This case shows the importance of recognizing the piritual o manuseio farmacológico da dor, inicialmente de difícil
spiritual dimension during adequate total pain evaluation, in cases controle, foi facilitado e totalmente controlado no final da vida.
refractory to pharmacological treatment. It also stresses the spiritual CONCLUSÃO: O caso retratou importância do reconhecimen-
dimension as a factor intensifying pain and suffering during finitude. to da dimensão espiritual na avaliação adequada da dor total, nos
Keywords: Pain, Palliative care, Spirituality. casos refratários ao tratamento farmacológico. Destaca ainda a
dimensão espiritual como fator intensificador da dor e do sofri-
mento na finitude.
1. Fundação Centro de Controle de Oncologia, Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Pali- Descritores: Cuidados paliativos, Dor, Espiritualidade.
ativos, Manaus, AM, Brasil.  
2. Universidade Federal do Amazonas, Faculdade de Medicina, Bolsista de Projeto de Exten-
são, Manaus, AM, Brasil.
INTRODUÇÃO
3. Fundação Centro de Controle de Oncologia Médica, Serviço de Dor e Medicina Paliativa,
Manaus, AM, Brasil.
A incidência do adenocarcinoma ductal pancreático em homens é
Apresentado em 18 de novembro de 2014. de 13,6 por 100.000 e em mulheres é de 10,7 por 100.000 nos Es-
Aceito para publicação em 12 de fevereiro de 2015. tados Unidos. No Brasil, é responsável por cerca de 2% de todos os
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.
tipos de câncer diagnosticados e por 4% do total de mortes por essa
Endereço para correspondência: doença. Sua taxa de sobrevida em 5 anos é inferior a 5%. Este mau
Joicilene Oliveira da Silva
Rua Francisco Orellana, 215 – Bairro Planalto prognóstico é principalmente devido a invasão e metástase precoce,
69040-010 Manaus, AM, Brasil. conduzindo a um diagnóstico numa fase avançada e incurável na
E-mail: joicileneoliveira@live.com
maioria dos pacientes. Atualmente, o único tratamento potencial-
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor mente curativo é a ressecção cirúrgica radical, pois quimioterapia

71
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):71-4 Silva JO, Araújo VM, Cardoso BG e Cardoso MG

e radioterapia apresentam efeitos limitados. Quando o tumor está ções, o que contribuía para a dor de difícil controle. Adicionalmen-
avançado, um alerta comum é a dor de intensidade crescente na te, a depressão reativa e a fragilidade espiritual associada contribuíam
região dorsal associada progressivamente a um comportamento do- para a intensificação desta dor.
loroso e sofrimento físico e espiritual intenso1,2. Diante do paciente Pela evolução da doença e visando a necessidade da paciente, a
que vivencia a situação de terminalidade, os profissionais valorizam mesma passou a ser assistida também no seu domicílio pela equipe
não só o aspecto físico alterado, como o controle de dor e de outros multiprofissional (médico, enfermeira, psicóloga, assistente social,
sintomas, mas também outras dimensões que compõem a totalidade fisioterapeuta e estagiários). As visitas ocorriam a cada 15 dias e du-
do ser humano, e que emergem intensamente na situação de sofri- ravam em média 40 minutos, com objetivo de avaliar e controlar
mento e morte, como as dimensões psicológicas, sociais e espirituais. os sintomas desconfortáveis e acompanhar o desempenho funcional
Segundo Saporetti3, a espiritualidade denomina uma qualidade do por meio da Palliative Performace Scale (PPS). Diferentemente, re-
indivíduo cuja vida interior é orientada para Deus, o sobrenatural cebia visita semanal da capelã que duravam em média 60 minutos.
ou o sagrado que se move para além da ciência e da religião insti- Todas as abordagens da capelã foram na presença do filho, porém
tuída. Sendo assim, a espiritualidade tem sua importância, pois é sem a sua participação, a pedido da própria paciente.
quem fortalece e conforta o indivíduo, podendo tornar-se uma pre- Na 1ª visita individual da capelã, a dor se mantinha apesar do uso
ocupação maior do que a morte que se aproxima4,5. Pacientes com regular dos analgésicos. Foi identificado que a paciente vivenciava
câncer avançado frequentemente enfrentam sofrimento físico, social conflito espiritual resultante, pois ainda se encontrava arraigada às
e manifestações depressivas, bem como a dor espiritual no contexto práticas ocultistas do seu passado, onde fora mãe de santo da um-
dos cuidados paliativos. Compreender a estrutura espiritual do pa- banda e do candomblé durante 27 anos, condição essa que a manti-
ciente e da família pode ajudar a assegurar que a dor e o sofrimen- nha financeiramente e a tornara popular na cidade. Após a escuta, a
to, vivenciados por ambos, possam ser controlados, reafirmando a conduta inicial e aceita pela paciente foi a leitura compartilhada da
vida e considerando a morte como processo natural sem acelerar ou palavra de Deus (bíblia), sendo orientada para reservar momentos
postergá-lo6,7. diários para meditação e oração. Na visita seguinte a paciente estava
Sendo assim, o objetivo deste estudo foi demonstrar a integração dos sem dor (EAV = 0) e após a abordagem, a mesma solicitou que um
aspectos espirituais na manifestação da sensação dolorosa, e conse- culto fosse realizado, e hinos de louvor fossem entoados. Na terceira
quentemente a sua influência no controle da dor e do sofrimento de visita a paciente relatou retorno do quadro de dor que não aliviava
uma paciente com câncer avançado, por meio da assistência da equi- nem com a dose resgate de analgésicos prescritos. Esse fato foi rela-
pe multiprofissional do Serviço de Terapia da Dor e Cuidados Palia- cionado à perda do seu pai por câncer ósseo nesse período. Durante
tivos da Fundação CECON- centro de referência no tratamento do a escuta a paciente fez um desabafo, pois acreditava que a morte
câncer da Amazônia Ocidental, destacando aqui a atuação da capelã. do pai teria sido motivada por vingança pela sua opção religiosa do
passado. Na assistência domiciliar se manteve nas visitas seguintes
RELATO DO CASO em uso regular dos analgésicos que propiciavam controle da dor,
porém relatando desesperança, já que entregou a sua vida a Deus;
Paciente do gênero feminino, 43 anos, amazonense, solteira, cozi- hoje evangélica, esperava a sua cura que não chegava. Após identi-
nheira, evangélica, com antecedentes de várias entradas em serviços ficar a fase de barganha vivenciada pela paciente, a capelã por meio
de urgência de Manaus, foi encaminhada em outubro de 2012 para da escuta orientada e compartilhada, demonstrou a diferença desse
avaliação especializada no serviço de cirurgia abdominal da FCE- mecanismo de defesa com o verdadeiro propósito da espiritualidade,
CON. No exame inicial apresentava abdômen aumentado, flácido, esclarecendo que quando se entrega a vida a Deus e confia em seus
doloroso à palpação em mesogástrio e hipocôndrio direito, sem mas- planos e propósitos não se teme o futuro, ainda que o mesmo venha,
sa palpável, mas com exames de imagem sugestivos de lesão tumoral sem essa tão esperada cura física.
em topografia pancreática. Foi submetida a laparatomia exploradora Na sequência das visitas, em função de perdas acumuladas, agora
em dezembro de 2012 com diagnóstico histopatológico de adeno- pelo abandono da sua companheira e do filho, passou a vivenciar
carcinoma de ducto pancreático. Apesar da realização de quimiote- uma intensificação do quadro doloroso e perda da qualidade do
rapia e radioterapia no primeiro semestre de 2013, a doença evoluiu sono. Nesse momento foi solicitada pela capelã a intervenção da
rapidamente e em 26 de outubro deste ano foi encaminhada ao Ser- psicóloga na abordagem dos familiares. Posteriormente a essa abor-
viço de Terapia da Dor e Cuidados Paliativos (STDCP). dagem, foi observado que a paciente desenvolvera a revolta, como
Inicialmente foi avaliada no Ambulatório de Dor apresentando qua- mecanismo de defesa, passando a partir desse momento a rejeitar a
dro de dor nociceptiva visceral, com intensidade 10 na escala ana- assistência espiritual, sendo somente visitada pela equipe multidis-
lógica visual (EAV)8, contínua em peso no andar superior do abdô- ciplinar. Sem a resolução dos conflitos familiares a dor se mantinha
men, que irradiava para a região dorsal, associada a ascite volumosa refratária, o que a deixava angustiada e com medo.
e edema nos membros inferiores. Apresentava um histórico familiar Com estado geral comprometido, ficava a maior parte do tempo
importante, pois seu pai, portador de câncer ósseo, estava em trata- acamada, porém consciente, era incapaz para a maioria das ativi-
mento no mesmo hospital. Após a conduta analgésica inicial e ma- dades, dependente para o autocuidado e com ingesta reduzida, o
nutenção de retornos inicialmente quinzenais, identificou-se uma que correspondia a um escore na PPS de 40%9. No momento do
dificuldade de adesão à terapia analgésica multimodal, mantendo retorno da assistência espiritual, solicitado pela própria paciente, a
dor intensa com EAV variando entre 7 e 9. Os analgésicos opioides mesma relatou estar vivendo pela fé, onde via Deus suprindo to-
eram tomados por demanda e irregularmente, apesar das orienta- das as suas necessidades inclusive as econômicas. Após três meses

72
Dimensão espiritual no controle da dor e sofrimento do Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):71-4
paciente com câncer avançado. Relato de caso

de acompanhamento domiciliar, já com rebaixamento do seu de- dos pacientes possam ser preservadas, pois diferentes profissionais
sempenho funcional (PPS de 20%) e complicações respiratórias, a com competências específicas visam, em conjunto, a sanar ou a ali-
capelã nesse momento estimulou que a paciente falasse de seus sen- viar. Nesse sentido, é que a paciente foi acompanhada precocemente
timentos acerca da morte e através da escuta conseguiu fortalecer os pela equipe multiprofissional no seu domicilio, a partir do momen-
vínculos e abordar a questão da espiritualidade. Agora a paciente já to em que se identificaram as dificuldades no controle farmacoló-
sentia que não iria viver por muito mais e, apesar de ainda estar debi- gico da dor apresentada. Na prática dos cuidados paliativos a base
litada fisicamente e emocionalmente, seu quadro álgico finalmente para tomada de decisões é a avaliação do desempenho funcional por
se manteve controlado (EAV=2). Durante as últimas visitas foi man- meio da PPS. Estudos demonstraram que 10% dos pacientes com
tida leitura compartilhada da bíblia, palavras essas que trouxeram PPS igual a 50% têm sobrevida superior a 6 meses e a fase final
grande conforto e consolo à mesma. A paciente, nas últimas 48h, se da vida coincide com PPS em torno de 20%. Nos pacientes com
manteve calma, com sua dor física e espiritual aliviadas, indo à óbito câncer, a intensidade, complexidade, mutabilidade dos sintomas e
na presença de familiares após cinco meses de assistência domiciliar impactos individuais e familiares gerados, são de difícil resolução, se
pela equipe multiprofissional, destacando a atuação da capelã nas 12 não houver intervenção precoce e especializada9. Com um PPS de
visitas realizadas. 20%, a capelã, ao ajudá-la a lidar com as suas perdas e sofrimento
espiritual, indiretamente possibilitava que a paciente vivenciasse a
DISCUSSÃO sua dor física de forma mais amena (EAV=2), conseguindo assim
um controle significativo da dor e do sofrimento, até o momento
O tema espiritualidade começou a receber atenção na última dé- da sua morte. A melhor qualidade de vida remanescente e de morte
cada. Não há dúvida da importância dos aspectos religiosos e es- desta paciente foi então alcançada após 8 consultas no Ambulatório
pirituais nos cuidados dos pacientes, embora ainda haja muitos de Dor, 6 visitas do clínico, 6 da enfermagem, 7 da psicóloga, 1 da
questionamentos a respeito de como acessar a dimensão espiritual assistente social, 1 da fisioterapeuta e 12 da capelã. A condução deste
do ser humano e em que consiste o bom cuidado espiritual. Dados caso, em particular, está de acordo com Arrieira et al.13 quando se
publicados registram que 95% dos americanos creem em alguma refere à competência da equipe de assistência na promoção de ações
força superior e 93% gostariam que seus médicos abordassem essas nas quais sejam estabelecidos com os pacientes vínculos e relações
questões, se ficassem gravemente enfermos10,11. No Brasil, a maioria mais personalizadas, humanizadas e espiritualizadas, com o intuito
da população apresenta crenças religioso-espirituais e considera isso de prestar cuidados mais integrais, a partir do discurso que considera
muito importante. Estudos com pacientes internados demonstra- o indivíduo em sua totalidade.
ram que 77% gostariam que seus valores espirituais fossem conside-
rados pelos médicos e 48% gostariam, inclusive, que seus médicos CONCLUSÃO
rezassem com eles4.
O caso apresentado retrata a influência dos conflitos espirituais so- A abordagem das questões do fim da vida, de forma coerente, com
bre a manifestação da dor e a importância da assistência espiritual os valores culturais, religiosos e espirituais da paciente por meio da
para o seu controle, uma vez que todo estado espiritual pode ter in- atuação da capelania foi primordial para o desfecho do controle da
fluência direta na percepção da dor como sofrimento. Ao reconhecer dor e alivio do sofrimento. Recentemente, foram constatadas evi-
os conflitos entre a crença do passado e a atual, a capelã pode com- dências de que é comum o comportamento de busca de tratamento
preender o sentimento de culpa da paciente por prejuízos causados a espiritual quando não se acham respostas concretas no campo médi-
terceiros, que se manifestava através de pensamentos ameaçadores e co pelos pacientes, justificando assim a importância da espiritualida-
ideia fixa de punição, que intensificavam as manifestações dolorosas, de no enfrentamento de condições crônicas15.
como observado pelos elevados escores de intensidade da dor por
meio da EAV. Esse cenário confirma o pressuposto que o quadro de REFERÊNCIAS
dor apresentado pela paciente era intensificado significativamente
por questões não físicas, configurando a dor espiritual que não pode 1. Zeni LB, Russi RF, Fialho AF, Fonseca AL, Sombrio LS, Rocha IC. Morbidity and
mortality of pancreatic tumors undergoing surgical treatment. Arq Bras Cir Dig.
ser medicada. Daí a importância de se considerar dois princípios 2014;27(4):275-9.
básicos na avaliação da dor no paciente com câncer, que são: a dor 2. Honselmann KC, Pross M, Jung CM, Wellner UF, Deichmann S, Keck T, et al. Regu-
lation mechanisms of the hedgehog pathway in pancreatic cancer: a review. JOP. 2015;
total que envolve fatores físicos, ambientais, emocionais, sociais e 31;16(1):25-32.
espirituais, e a identificação dos mecanismos determinantes e inten- 3. Saporetti LA. Espiritualidade em cuidados paliativos. In: Cuidado Paliativo. Conselho
sificadores dessa dor9,13,14. Esse fato está de acordo com Campbell14 Regional de Medicina do Estado de São Paulo, 2008.
4. Pessini L. Espiritualidade e a arte de cuidar: o sentido da fé para a saúde. São Paulo: Ed
quando demonstra que o sofrimento espiritual pode externar ou Paulinas; 2010.
aumentar a intensidade dos sintomas físicos. Isso ocorre quando o 5. Brunjes GB. Spiritual pain and suffering, Asian Pac J Cancer Prev. 2010;11(Suppl1): 31-6.
6. Fornazari SA. Ferreira RE. Religiosidade/espiritualidade em pacientes oncológicos:
individuo é confrontado com os desafios que ameaçam suas crenças, qualidade de vida e saúde. Psic Teor e Pesq. 2010;26 (2): 265-72.
seus significados ou propósitos15. A morte é a evidência do limite, 7. Lucchetti G, Granero AL, Bassi RM, Latorraca R, Nacif SA. Espiritualidade na prática
da mortalidade, da condição humana. As diversidades de atitudes clínica: o que o clinico deve saber? Rev Soc Bras Clin Med. 2010;8(2):154-8.
8. Cardoso MGM. Classificação, fisiopatologia e avaliação da dor. In: manual de cuida-
em relação à morte na sociedade contemporânea se traduzem em dos paliativos ANCP ampliado atualizado. 2ª ed. Porto Alegre: Sulina; 2012. 113.22p.
mudanças e resistências, simbolismos e práticas emergentes, como 9. Maciel MGS. Avaliação do Paciente em Cuidados Paliativos. In: manual de cuidados
paliativos ANCP ampliado atualizado. 2ªed. Porto Alegre: Sulina; 2012. 32-41p.
a dos cuidados paliativos4,9. A interdisciplinaridade em cuidados pa- 10. Hinshaw DB. Spiritual issues in surgical palliative care. Surg Clin North Am.
liativos possibilita que a individualidade e a multidimensionalidade 2005:85(2):257-72.

73
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):71-4 Silva JO, Araújo VM, Cardoso BG e Cardoso MG

11. Steinhauser KE, VoilsCI, Clipp EC, Bosworth HB, Christakis NA, Tulsky JA. “Are 2011;10(2):314-21.
you at peace?”: one item to probe spiritual concerns at the end of life. Arch Intern 14. Campbell Ml. Nurse to nurse: cuidados paliativos em enfermagem. Porto Alegre:
Med. 2006;166(1):101-5. Artmed; 2011. 229-31p.
12. Thomaz A. Dor oncológica: conceitualização e tratamento farmacológico. Rev 15. Rizzardi CD, Teixeira MJ, Siqueira SR. Espiritualidade e religiosidade no enfrenta-
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13. Arrieira IC, Thofehrn MB, Porto AR, Palma JS. Espiritualidade na equipe interdis- 16. Victoria Hospice Society. Palliative Performance Scale (PPSv2). Vol. 2004: Victoria
ciplinar que atua em cuidados paliativos às pessoas com câncer. Cienc Cuid Saúde. Hospice Society; 2001.

74
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):75-7 RELATO DE CASO

The use of dextroketamine as postoperative adjuvant analgesia in a


patient undergoing thoracotomy. Case report*
Uso de dextrocetamina como adjuvante de analgesia pós-operatória em paciente submetido a
toracotomia. Relato de caso
Vanise Barros Rodrigues da Mota1, Nildany Reis e Brito2, Alba Maria Soares Moraes3

*Recebido da Universidade Federal do Maranhão, São Luís, MA, Brasil.

DOI 10.5935/1806-0013.20150015

ABSTRACT RELATO DO CASO: Paciente do gênero masculino, 36 anos,


solteiro, branco, pescador, natural residente de São Luís subme-
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pain is a major source tido a exérese de grande tumoração torácica (Shwanomma) com
of stress for patients in the postoperative period, impairing reco- ocorrência de dor intensa não controlada com opioides e anal-
very, mobility and hospital discharge. This study aimed at pre- gésicos simples, sendo necessário uso de adjuvantes como a dex-
senting the use of intravenous dextroketamine to treat a patient trocetamina endovenosa contínua, o que possibilitou o desmame
with severe postoperative pain in intensive care unit. de ventilação mecânica e reabilitação do paciente durante o pós
CASE REPORT: Male patient, 36 years old, single, Caucasian, operatório.
fisherman, living in the city of São Luís, submitted to major tho- CONCLUSÃO: A dextrocetamina por via venosa em baixas
racic tumor removal (Shwanomma) with severe pain not con- doses, associada à morfina demonstrou boa segurança e melhor
trolled with opioids and simple analgesics, being necessary the efeito no controle da dor pós-operatória de forte intensidade em
use of adjuvants such as continuous intravenous dextroketamine, paciente submetido a toracotomia e internado em unidade de
which has allowed mechanical ventilation weaning and patient’s terapia intensiva.
recovery in the postoperative period. Descritores: Dextrocetamina, Dor de difícil controle, Pós-ope-
CONCLUSION: Low-dose intravenous dextroketamine asso- ratório, Unidade de terapia intensiva.
ciated to morphine has shown good safety and better control of
severe postoperative pain in patient submitted to thoracotomy INTRODUÇÃO
and admitted to an intensive care unit.
Keywords: Dextroketamine, Difficult to control pain, Intensive O tratamento da dor aguda pós-operatória ainda é um desafio,
care unit, Postoperative period. apesar da evolução das técnicas de analgesia. Em determinados pa-
cientes, a dor é de difícil controle, o que gera angústia e sofrimento
RESUMO para o paciente e a equipe, portanto todo esforço é importante para
aliviar essas queixas. Dessa forma, a combinação de fármacos tem
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: A dor é uma grande fonte de sido sugerida e várias medicações têm sido utilizadas para esse tipo
estresse em pacientes no período pós-operatório, dificultando a de paciente1.
recuperação, mobilidade e alta. O objetivo deste estudo foi mos- A cetamina é um bloqueador do receptor N-metil-D-aspartato
trar a utilização de dextrocetamina por via venosa no tratamento (NMDA), inicialmente empregada para efeitos anestésicos. Atual-
de um paciente com dor intensa pós-operatória em unidade de mente, a partir do conhecimento de seus efeitos anti-hiperalgésicos
terapia intensiva. e antialodínicos, tem sido utilizada no tratamento adjuvante de dor
de difícil controle, seja ela aguda ou crônica. Várias vias de adminis-
tração foram propostas, mas na maioria dos estudos a via venosa é
a mais citada2.
1. Universidade Federal do Maranhão, Departamento de Anestesiologia, São Luís, MA, Brasil.
O objetivo deste estudo foi relatar a experiência do uso de dextroce-
2. Universidade Federal do Maranhão, Faculdade de Medicina, São Luís, MA, Brasil. tamina venosa para tratamento de um paciente com dor pós-opera-
3. Universidade Federal do Maranhão, Departamento de Fonoaudiologia, São Luís, MA, Brasil.
tória de difícil controle em unidade de terapia intensiva.
Apresentado em 20 de novembro de 2014.
Aceito para publicação em 14 de fevereiro de 2015. RELATO DO CASO
Conflito de interesses: não há – Fontes de fomento: não há.

Endereço para correspondência: Paciente do gênero masculino, 36 anos, solteiro, branco, pescador,
Vanise Barros Rodrigues da Motta
Rua dos Gerânios, 01. Ed. Península Way. Torre Pontal. Apto 601 natural residente de São Luís, apresentou história prévia de dor em
65077-550 São Luís, MA, Brasil. região torácica, membro superior e cabeça, de forte intensidade, em
E-mail: vanisem@globo.com
aperto e pressão, sem irradiação e sem fatores de melhora ou piora.
© Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Após cinco meses percebeu abaulamento em região de manúbrio

75
Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):75-7 Mota VB, Brito NR e Moraes AM

esternal com aumento progressivo e rápido, quando então procurou apresentaram mobilidade funcional, sensibilidade preservada e toni-
tratamento médico. cidade normal. Apresentou deglutição voluntária e sob comando, re-
Realizou tomografia computadorizada que evidenciou tumoração flexo de tosse presente e ausculta cervical normal. Ingeriu alimentos
aderida ao esterno e a biópsia confirmou tratar-se de um Schwanno- de consistência líquida, apresentou controle miofuncional e tempo
ma. Admitido em unidade de terapia intensiva (UTI), proveniente de transito orofaríngeo funcional, excursão do complexo hiolaríngeo
do centro cirúrgico após toracotomia para a ressecção do tumor. adequado, porém, apresentou deglutições múltiplas como recurso
Estável hemodinamicamente, acordado (Glasgow 15). Foram ins- protetivo. Após avaliação, foi sugerido via oral assistida e gerenciada
talados cateter venoso central em jugular direita; pressão arterial mé- pela fonoaudióloga a fim de prevenir riscos para broncoaspiração e
dia em artéria radial direita; drenos torácicos nº 36 direito e nº 38 promover deglutição segura e funcional durante todo o período em
esquerdo; dois drenos suctores em tecido celular subcutâneo; sonda que esteve internado na UTI.
vesical de demora. Foi possível o trabalho da fisioterapia no sentido de ventilação não
A cirurgia foi realizada sob anestesia geral, sem intercorrências. Não invasiva na profilaxia de atelectasia pulmonar e de melhora do pa-
foi possível instalar cateter de peridural para analgesia pós-operató- drão respiratório. Esse atendimento foi otimizado pela contribui-
ria. O paciente foi admitido intubado na UTI ainda com anestesia ção do paciente nas manobras após a instalação da dextrocetamina.
residual. No momento em que começou a recobrar a consciência Vale registrar também a deambulação precoce no 3º dia de pós-
mostrou-se agitado e desconfortável no ventilador. Questionado -operatório.
pela equipe, confirmou a presença de dor de forte intensidade. Foi Apresentou-se levemente sonolento, porém acordado, contactuante
iniciado tramadol (100mg) e dipirona 30mg/kg/dose sem resultado e deambulando durante todo o período de uso de dextrocetami-
satisfatório. A prescrição foi alterada para o uso de morfina em bolus, na. Manteve-se em ventilação espontânea com cateter de oxigênio
também sem melhora. A equipe de UTI decidiu por usar fentanil e hemodinamicamente estável sem fármaco vasoativo durante toda
por via venosa contínuo (IV) e solicitar parecer para o Serviço de internação. O paciente manteve-se na UTI com dor controlada
Dor. Não foi utilizado anti-inflamatório não esteroide por se tratar (EN=3-4/10) e no 8º dia da internação foi programado o desmame
de cirurgia com grande área de ressecção e risco de sangramento. da cetamina. Teve alta da UTI para enfermaria com morfina e dipi-
Segundo orientações do Serviço de Dor, adicionou-se morfina por rona, ambas trocadas para a via oral sem intercorrências.
via venosa, titulada progressivamente até 120mg/dia. Com essa me-
dida foi possível a retirada do fentanil, o que possibilitou o despertar DISCUSSÃO
do paciente e desmame da ventilação mecânica. No primeiro dia de
pós-operatório foi extubado e feita a avaliação da dor segundo a esca- A Organização Mundial da Saúde (OMS) elaborou uma escada
la numérica (EN), que é da rotina do setor (Protocolo de 5º sinal im- analgésica para orientar o tratamento da dor no câncer, baseada em
plantado). O paciente referiu dor de forte intensidade (EN=10/10), medidas farmacológicas as quais envolvem uso de anti-inflamató-
o que gerou novo ajuste da dose de morfina. No 2º dia de pós-opera- rios, opioides e adjuvantes3. Sugere-se a organização e padronização
tório, devido à persistência da dor intensa, dificuldade de inspiração do tratamento da dor baseado em uma escada de três degraus de
por dor, impedindo o atendimento de fisioterapia e higienização de acordo com a intensidade de dor que o paciente apresenta. O pri-
vias aéreas por expectoração, prescreveu-se dextrocetamina em so- meiro degrau recomenda o uso de fármacos analgésicos simples e
lução de 100mg diluídos em 98mL de solução fisiológica a 0,9% anti-inflamatórios para dores leves (EN=1-3/10). O segundo degrau
em bomba de infusão (BI), iniciado a 0,1mg/kg/h, associado com sugere opioides fracos, que podem ser associados aos analgésicos
morfina venosa e diazepam, um comprimido à noite devido à gran- simples ou anti-inflamatórios do primeiro degrau, para dores mo-
de ansiedade do paciente. Com esse esquema, obteve-se melhora do deradas (EN=4-6/10). O terceiro degrau consta de opioides fortes,
quadro álgico (EN=3/10), possibilitando atendimento da fisiotera- associados ou não aos analgésicos simples ou anti-inflamatórios,
pia e melhora do padrão respiratório. No 3º dia de internação na para dores fortes (EN=7-10/10). Os adjuvantes podem ser usados
UTI, foram reduzidas as doses dos fármacos, o que gerou episó- nos três degraus da escada. A escada de três degraus indica classes
dios de exacerbação da dor (EN=6/10) associados a piora da tosse. de fármacos e não fármacos específicos, proporcionando ao médico
Devido ao fato, retornou-se à dose inicial de dextrocetamina. Vale flexibilidade e possibilidade de adaptação de acordo com as particu-
ressaltar que toda a equipe se mostrava muito apreensiva devido ao laridades de seu paciente. A escada analgésica da OMS tem sido uti-
uso de cetamina em BI, que era um procedimento novo na unidade. lizada no mundo como uma orientação para o tratamento de dores
O paciente evoluiu com episódios de hipertensão ao longo dos dias de uma maneira geral, incluindo dor aguda pós-operatória e isso foi
de uso de dextrocetamina (máximo de 156/110mmHg). No 7º dia observado no seguimento do presente paciente.
de internação, apresentou novo episódio de dor intensa, causando Em cirurgias de grande porte como a realizada neste caso, recomen-
novo ajuste da dose de morfina. O diazepam foi prescrito em duas da-se o uso de cateter para analgesia peridural, que é uma técnica ex-
doses ao dia, para melhor controle de ansiedade, evoluindo com tremamente difundida para o tratamento da dor no pós-operatório
bom controle da dor (EN=4/10). de toracotomias. Permite o uso de analgesia preventiva, reduzindo
Durante o uso da dextrocetamina, o paciente foi avaliado por fono- a possibilidade de sensibilização central e situações como hiperalge-
audióloga que constatou que se matinha habilidade de linguagem sia, alodínia e dor contínua4. Autores demonstraram que a analgesia
compreensiva e expressiva preservada, qualidade vocal, fonoarticu- pós-operatória pela via peridural resulta em permanência mais curta
lação e tempo máximo de fonação alterados devido ao quadro ta- nas UTI, em melhoria da função pulmonar, menos complicações
quipnéico. Os órgãos fonoarticulatórios (lábios, língua, bochechas) tromboembólicas e cardiovasculares, mobilização e retorno da fun-

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Uso de dextrocetamina como adjuvante de analgesia pós-operatória Rev Dor. São Paulo, 2015 jan-mar;16(1):75-7
em paciente submetido a toracotomia. Relato de caso

ção intestinal mais precoce e tempo de internação hospitalar mais codilatador12. Como foi descrito neste relato (avaliação da fonoau-
curto5. No presente caso não foi conseguida a instalação do cateter diologia), o paciente apresentou bom controle de deglutição com o
peridural por dificuldade técnica. uso em infusão contínua de dextrocetamina. O aumento da pressão
Em alguns casos, a dor apresenta-se de difícil controle, sendo neces- arterial foi observado, mas não foi necessária terapêutica anti-hiper-
sário adicionar à terapêutica fármacos adjuvantes. Antidepressivos, tensiva. Ainda, ansiedade e dor sabidamente aumentam os níveis
anticonvulsivantes, agonistas adrenérgicos, anestésicos locais, blo- pressóricos, o que pode ter contribuído para as medidas relatadas.
queadores de canais de sódio, bloqueadores dos receptores NMDA, Não se observou alucinação, o que está associado principalmente à
agonistas dos receptores GABA e muitos outros são usados com esse baixa dose de dextrocetamina empregada na infusão.
intuito1.
A cetamina, um bloqueador dos receptores NMDA, foi sintetizada CONCLUSÃO
pela primeira vez em 1962 pelo farmacêutico americano Calvin Ste-
vens no laboratório Parke & Davis. Pode ser usada clinicamente na A partir do presente caso pode-se observar que o controle da dor em
forma racêmica ou como isômero; a dextrocetamina está disponível determinados pacientes é árdua tarefa e o uso de analgesia combina-
no Brasil há mais de uma década. A dextrocetamina é considerada 3 da tende a ser vantajoso. A dextrocetamina por via venosa em baixas
a 4 vezes mais potente para alívio da dor e, em doses equianalgésicas, doses, associada com a morfina demonstrou boa segurança e melhor
produz menos alterações psíquicas e agitação que a forma racêmi- efeito no controle da dor pós-operatória em paciente com dor de
ca6,7. A cetamina age tanto no bloqueio de forma competitiva nos forte intensidade em UTI. O paciente mostrou-se confortável e me-
receptores NMDA, como no bloqueio não competitivo dos recep- nos ansioso após o controle da dor, possibilitando melhor qualidade
tores NMDA próprios ao glutamato e a interação com receptores na assistência.
opioides tanto espinhais como suprassegmentares. Em baixas doses,
produz analgesia satisfatória, evidenciando a inibição do sistema no- REFERÊNCIAS
ciceptivo, com bloqueio da hipersensibilidade central8.
Atualmente, a dextrocetamina é um fármaco muito utilizado como 1. Gasparini JR, Saraiva RA. Tratamento de dor em paciente com tumor sacral inoperá-
adjuvante na terapia analgésica em humanos, apesar da falta de es- vel. Relato de caso. Rev Bras Anestesiol. 2004;54(2):252-60.
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tudos que confirmem a evidência de sua efetividade, gerando ainda for postoperative analgesia after abdominal gynecological surgery using lidocaine epi-
muita discussão em relação ao seu emprego clínico rotineiro. Alguns dural blockade. Anesth Analg. 2000;91(6):1479-82.
3. Vargas-Schaffer G. Is the WHO analgesic ladder still valid? Twenty-four years of expe-
autores têm demonstrado que o uso de baixas doses de dextroceta- rience. Can Fam Physician. 2010;56(6):514-7.
mina associado com morfina tem ação de potencializar analgesia e 4. Gianferrari P, Voltolina M, Clara ME, Marzullo A, Campra D. Postoperative pain
diminuir os efeitos adversos dos opioides, bem como sua capacida- management: epidural analgesia. Minerva Chir. 2003;58(6):857-60.
5. Carli F, Mayo N, Klubien K, Schricker T, Trudel J, Belliveau P. Epidural analgesia
de em diminuir os escores de dor9. Um grande estudo prospectivo enhances functional exercise capacity and health-related quality of life after colonic
demonstrou segurança no uso de dextrocetamina e morfina por via surgery: results of a randomized trial. Anesthesiology. 2002;97(3):540-9.
6. Silva FC, Dantas RT, Citó MC, Silva MI, Vasconcelos SM, Fonteles MM, et al. Keta-
venosa em analgesia controlada pelo paciente10. mina, da anestesia ao uso abusivo: artigo de revisão. Rev Neuroci. 2010;18(2): 227-37.
Em revisão sistemática do uso da cetamina em analgesia pós-ope- 7. Koinig H, Marhofer P, Krenn CG, Klimscha W, Wildling E, Erlacher W, et al. Anal-
ratória, os autores concluem que a cetamina por via venosa é um gesics effects of caudal and intramuscular S(+)-ketamine in children. Anesthesiology.
2000;93(4):976-80.
adjuvante efetivo, reduz o consumo de opioides, melhora a qualida- 8. Dahl, V, Raeder JC. Non-opioide postoperative analgesia. Acta Anaesthesiol Scand.
de do controle da dor, com particular benefício nos procedimentos 2004;44(10):1191-203.
9. Weinbroum AA. A single small dose of postoperative ketamine provides rapid and
mais dolorosos, como operações abdominais altas, toracotomias e sustained improvement in morphine analgesia in the presence of morphine resistant
grandes intervenções ortopédicas11. Entretanto, nessa revisão não há pain. Anesth Analg. 2003;96(3):789-95.
consenso sobre a dose ideal a ser utilizada. 10. Sveticic G, Eichenberger U, Curatolo M. Safety of mixture of morphine with keta-
mine for postoperative patient-controlled analgesia: an audit with 1026 patients. Acta
Do ponto de vista de efeitos adversos, a cetamina não promove efe- Anaesthesiol Scand. 2005;49(6):870-5.
tiva proteção das vias aéreas, em pacientes susceptíveis à broncoas- 11. Laskowski K, Stirling A, McKay WP, Lim HJ. A systematic review of intravenous
ketamine for postoperative analgesia. Can J Anesth. 2011;58(10):911-23.
piração. Estimula ainda a secreção salivar, o que pode aumentar a 12. Hardman JG, Limbird LE, Gilman AG. Goodman and Gilman’s the Pharmacologycal
incidência de broncoespasmo, apesar de seu conhecido efeito bron- Basis of Therapeutics. 10th ed. New York: McGraw-Hill; 2001. 346-7p.

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Instruções aos autores

A Revista Dor Pesquisa Clínica e Terapêutica (Revista DOR, versão classificação. Quando necessário, pode ser usado um subtítulo. Deve ser
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conhecimento. Os artigos são de inteira responsabilidade dos autores e a
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ted to Biomedical Journals - The International Committee of Medical Journal Relato do Caso e Conclusão. Para artigos de revisão incluir: Justificativa e
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revisão. Artigos sem resposta no prazo de seis meses deverão ser ressubmeti- ao artigo. Incluir até 6 keywords.
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final de aprovação caberá ao editor. Aos autores são solicitadas as garantias descritos abaixo. Em artigos originais com humanos ou animais deve-se
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de Submissão juntamente com os arquivos do manuscrito, que conste as familiar, a ser encaminhado para a revista no processo de submissão.
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to, bem como que o artigo não está em avaliação por outra revista nem foi ciais são usados na pesquisa, estes nomes devem ser incluídos entre parênte-
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de que o artigo, se aceito, será de direito de publicação exclusiva na Revista
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FORMAS DE APRESENTAÇÃO DOS TRABALHOS
do estudo, e finalizar com a conclusão do trabalho. Incluir sempre que
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publicação exclusiva na Revista Dor, e se respeita os aspectos éticos, no caso
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título e legenda. Utilizar fotos e figuras em branco e preto, e restringi-las a
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Revisões da literatura sobre assuntos relevantes em dor, com análise crítica de uma ilustração. Sinais gráficos utilizados nas tabelas ou figuras devem ter
da literatura e realizada de forma sistemática, são bem-vindas. Devem con- sua correlação mencionada no rodapé. Figuras e tabelas devem ser enviadas
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mos apresentados em eventos científicos. Referências mais antigas do que 5 ções, devidamente numerados, devem ser incluídos ao final do manuscrito.
anos deverão ser citadas caso sejam fundamentais para o artigo. Artigos já Cópias ou reproduções de outras publicações serão permitidas apenas me-
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et al. O título do periódico deverá ter seu nome abreviado. Ética:
Ao relatar experimentos com seres humanos, indique se os procedimentos
Exemplos de referências: seguidos estavam de acordo com os padrões éticos do Comitê responsável
Artigos de revistas: pela experimentação humana (institucional ou regional) e com a Declaração
- 1 autor - Wall PD. The prevention of postoperative pain. Pain. de Helsinque de 1975, tal como revista em 1983. Deve-se citar o número de
1988;33(1):289-90. aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa.
- 2 autores - Dahl JB, Kehlet H. The value of pre-emptive analgesia in the
treatment of postoperative pain. Br. J. Anaesth 1993;70(1):434-9. Registro de Ensaio Clínico:
- Mais de 6 autores - Barreto RF, Gomes CZ, Silva RM, Signorelli AA, A Revista Dor respeita as políticas da Organização Mundial de Saúde e da
Oliveira LF, Cavellani CL, et al. Pain and epidemiologic evaluation Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas (ICMJE- Inter-
of patients seen by the first aid unit of a teaching hospital. Rev Dor. national Committee of Medical Journal Editors) para registro de estudos clí-
2012;13(3):213-9. nicos, reconhecendo a importância dessas iniciativas para a disseminação
internacional de informações sobre pesquisas clínicas com acesso aberto.
Artigo com errata publicada: Assim, a partir de 2012, terão preferência para publicação os artigos ou es-
Sousa AM, Cutait MM, Ashmawi HA. Avaliação da adição do tramadol tudos registrados previamente em uma Plataforma de Registros de Estudos
sobre o tempo de regressão do bloqueio motor induzido pela lidocaína.
Clínicos que atenda aos requisitos da Organização Mundial de Saúde e da
Estudo experimental em ratos Avaliação da adição do tramadol sobre o
Comissão Internacional de Editores de Revistas Médicas. A lista de Plata-
tempo de regressão do bloqueio motor induzido pela lidocaína. Estudo
forma de Registros de Estudos Clínicos se encontra no site http://www.
experimental em ratos. Rev Dor. 2013;14(2):130-3. Errata em: Rev Dor.
who.int/ictrp/en, da International Clinical Trials Registry Platform (ICTRP).
2013;14(3):234.
Entre elas está o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos (ReBEC), que é
Artigo de suplemento: uma plataforma virtual de acesso livre para registro de estudos experimentais
Walker LK. Use of extracorporeal membrane oxygenation for preope- e não experimentais realizados em seres humanos, em andamento ou fina-
rative stabilization of congenital diaphragmatic hernia. Crit Care Med. lizados, por pesquisadores brasileiros e estrangeiros, que pode ser acessada
1993;2(2Suppl1):S379-80. no site http://www. ensaiosclinicos.gov.br. O número de registro do estudo
deve ser publicado ao final do resumo.
Livro:
Doyle AC, editor. Biological mysteries solved, 2nd ed. London: Science Uso de Abreviações:
Press; 1991. 477-80p. O uso de abreviações deve ser mínimo, e não devem ser utilizadas no título
ou no resumo. Quando expressões extensas precisam ser repetidas, reco-
Capítulo de livro: menda-se que suas iniciais maiúsculas as substituam após a sua primeira
Lachmann B, van Daal GJ. Adult respiratory distress syndrome: animal menção no texto. Esta deve ser seguida das iniciais entre parênteses. Todas
models. In: Robertson B, van Golde LMG, editores. Pulmonary surfactant. as abreviações inferidas em tabelas e figuras deverão conter o seu significado
Amsterdam, 2nd ed. Batenburg: Elsevier; 1992. 635-63p. no rodapé.

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