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Belém
2015
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Belém
2015
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Banca Examinadora:
___________________________________________________
Professor DoutorAntonio Otaviano Vieira Junior (Orientador – UFPA)
___________________________________________________
Professor Doutor Karl Heinz Arenz. (Examinador interno- UFPA)
___________________________________________________
Professora Doutora Bartira Ferraz Barbosa (Examinadora externa- UFPE)
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AGRADECIMENTOS
Agradeço, porque sem Ti, meu Deus, jamais chegaria a lugar algum. Por amparar-me
nos momentos difíceis, porque de Ti vem a força que temos a cada amanhecer... porque eu
confio em Ti e a Ti a minha vida. Agradeço a CAPES que financiou dois anos desta
pesquisa. Nas páginas desta dissertação estão muitas histórias... para além das que
ocorreram com a “família Oliveira Pantoja”... nestas páginas constam impressas em cada
vírgula e em cada espaço de 1,5cm um pouco das alegrias e dificuldades que me trouxeram
até aqui. Nas páginas desta dissertação estão muitas histórias... para além das que
ocorreram com a “família Oliveira Pantoja”... nestas páginas constam impressas em cada
vírgula e em cada espaço de 1,5cm um pouco das alegrias e dificuldades que me trouxeram
até aqui.
Eis que chegou o momento de escrever os muitos “obrigada” e “te amo” que falei
nestes dois anos. Primeiro, gostaria de agradecer a todas as pessoas que cruzaram meu
caminho e que, de alguma forma, ajudaram na construção do que sou hoje.
Antes, quero me desculpar também com os que lerão as próximas linhas deste
agradecimento... ele será algo de muito pessoal e não acadêmico. Hoje, quero todos os
“clichês” e “lugares comuns”, não vou me importar de usá-los se isto servir pra dizer, com
toda certeza absoluta (redundante mesmo) que eu nunca teria conseguido sem o meu amor.
Não é em sentido figurado, não! Neto, tu não disseste: “- Vai atrás do teu sonho que eu seguro
as pontas”. Tu, sem nada dizer, carregaste-me nos braços e embarcou nessa aventura comigo.
Com dois filhos pré-adolescentes e uma mulher louca que queria estudar, vivenciaste cada
batalha, cada tensão, cada derrota e todas as vitórias. Não existiu manhã que não tivesses ido
buscar-me nas aulas... e quantas madrugadas eu li pra ti os meus escritos entre trabalhos finais
das disciplinas; artigos para publicar e a própria dissertação. Quantos quadros, gráficos,
tabelas e árvores genealógicas saíram das tuas mãos? Quantas bases de dados? A cada
momento em que eu fraquejava, tu acreditavas ainda mais em mim... e o teu amor me deu
forças pra seguir... porque eu sabia que a vida da gente não cabe no Lattes e que eu poderia
me aninhar no teu colo... chorando ou sorrindo... e tu sempre estaria ali, comigo! Entre muitas
decisões que eu tomei na vida, escolher partilhar o meu caminhar contigo foi a melhor delas...
Te amo José Aldenor Imbiriba dos Santos Neto, pra sempre.
Aos meus mais preciosos tesouros. Meu amor mais puro e mais incrível... Laís e
Lucas. Obrigada, meus filhos, por serem minha luz, minha razão de ser e estar no mundo.
Vocês que se preocupam, se alegram e sempre me apoiam. A cada noite mal dormida ou não
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dormida sobre os livros, fontes e folhas escritas e no dia seguinte, pela manhã, olhar os
rostinhos de vocês sorrindo, dava-me forças pra continuar. Obrigada meus amores, por cada
carinho, copo de água, por cada massagem na costa, nas mãos e pés cansados dessa velha
mãe. Por cada vez que carregaram os livros, colaram etiquetas, organizaram acervos,
ajudaram nos eventos que participei (trabalho infantil... “mea culpa”). Eu tenho tanto orgulho
das pessoas de bem que vocês se tornaram. Perdoem a falta de tempo, o stress, a “ranhetice”...
Prometo que agora vamos assistir a todos os filmes atrasados e jogaremos todos os jogos de
tabuleiro. Amo vocês mais que tudo, meus filhos, meus companheiros, minhas razões de
existir.
À minha querida avó Regina Gomes da Cunha, devo dizer: vó, queria tanto que
estivesses aqui... segurando a minha mão, dando-me aquele abraço que só tu sabias dar. Hoje,
olhando pra trás, vejo o quanto tive sorte nessa vida... o teu amor me salvou, muitas vezes de
mim mesma. Sei que um dia vamos nos reencontrar... porque o nosso amor é daqueles que
não acaba nunca... daqueles que iluminam o caminho para sempre. Que daí, de onde estás,
sintas todo o amor do meu coração, todo o carinho e a saudade que aperta e me deixa
pequenina. Te amo tanto vó... tanto... Sem ti eu também não teria chegado até aqui.
Aos meus pais, Edna e Jorge. Lembro-me de uma cena... eu devia ter dez anos.
Estávamos dentro do carro, indo para Mosqueiro, papai dirigindo, mamãe na frente... Milena e
eu atrás. Tocava no rádio alguma música do Guilherme Arantes. Eu perguntei: “- Papai, falta
muito pra chegar na ponte?”. Ele sorriu e disse: “-Tá perto, vamos brincar de quem vê
primeiro?”. Mamãe olhou pra trás rindo, abriu um pacote de biscoito e me deu... era um
domingo qualquer, de uma manhã qualquer lá pelos idos dos anos 90. Mas o cheiro da
estrada, o som daquela música, o gosto de biscoito, a doçura do papai e o amor da mamãe eu
jamais esqueci, e aquele carinho e aquele amor me acompanham onde quer que eu vá. Porque
o amor está nas pequenas coisas. Vocês me ensinaram a ser quem eu sou. Eu amo muito
vocês... e palavra nenhuma vai dar dimensão desse amor. Obrigada por tudo, por terem
acreditado em mim, por terem me educado, por abdicarem de tanto em prol da minha
felicidade. Obrigada pelo amor... porque, com certeza absoluta eu jamais teria ido a lugar
algum se vocês primeiro não tivessem me amado e acreditado em mim. Às minhas irmãs
Milena e Michelly... a quem eu amo mais que meras palavras possam dizer. Ao meu sobrinho
Emílio Davi, para que daqui a alguns anos, quando ele souber ler, tenha orgulho dessa tia que
o ama desde antes dele nascer. Ao meu cunhado Emílio, por cuidar dos meus amores, pelo
carinho e amizade de sempre. Sou feliz por ter todos vocês comigo. Ao Raimundo
Moreira das Neves Neto... ou Neto... ou Raimundinho... ou Tio. Meu irmão, mesmo! Não é
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que insistem em te procurar. Dizem que o trabalho de pesquisa é solitário... não quando um
grupo de pesquisa inteiro trabalha junto com você!
Por último, mas não menos importante, Daniel Barroso. O nosso “pai” Otaviano diz
sempre que a defesa da tua dissertação estava lotada e que cada um que estava ali te devia um
favor! Bom, se para cada favor que já me fizeste eu tivesse que colocar uma “Marília”
naquela sala, teria que clonar milhares de mim. Quantas vezes te mandei uma ideia e me
devolveste inúmeras dicas preciosas. Esse trabalho também é de todos vocês (Ok, só as partes
que a banca não implicar). Obrigada por tudo! A todos os professores da Faculdade de
História e Programa de Pós Graduação em História. Ao prof. José Alves Junior, primeiro pela
pessoa generosa e querida que é; segundo, por todas as dicas que me deu nas disciplinas que
cursei. Obrigada por ter debatido o meu projeto, eu estava tão nervosa naquele dia... e ele foi
de uma generosidade ímpar. Tive o privilégio de ser sua aluna e me apaixonar por Thompson.
Ensinar com convicção e paixão é inspirador.
Ao Prof. Rafael Chambouleyron desde a primeira aula que assisti, ainda na graduação,
em Amazônia I. Ali eu percebi que tinha escolhido a profissão certa e que acabava de ficar,
naquela aula, irremediavelmente apaixonada pelo período colonial. Obrigada prof. Rafael, por
todas as dicas, aulas, ajudas, declarações assinadas e etc. Obrigada por ser inspiração,
sabedoria, inteligência e humildade.
Meus respeitosos agradecimentos à banca examinadora, prof. Dr. Karl Arenz e prof.
Drª Bartira Ferraz Barbosa, por cederem uma parte de seu tempo para poder contribuir com
este trabalho. Eis que chega a hora de agradecer ao meu orientador... Mas, o meu orientador
poderia ter entrado nos agradecimentos à família... depois, no agradecimento aos amigos... e,
ainda, no agradecimento aos professores... Meu orientador é tudo isso pra mim. É meu
amparo, minha força nos momentos de agonia, o relax depois de uma orientação tensa. Meu
orientador me trouxe de brinde uma família linda, que eu amo como se fosse (porque é)
minha.... Minha Nina... com aquele olhos lindos que me encantaram desde a primeira vez que
a vi... curti muito teu crescimento, Ninoca, teus primeiros passos, o primeiro dentinho, o
primeiro dia na escola (que foi a minha primeira escola)... curti cada passo de balé ao som de
Bob “que nos deixou seus ideais...”. Te amo Nina, obrigada por existir em minha vida.
Minha Bia... a mais meiga e doce das criaturas... conquistou-me a cada abraço
carinhoso, a cada sorriso franco... linda do meu coração, minha gêmea do dia 30 de setembro.
Minha Cris... ah minha amiga... nem sei explicar o carinho que sinto por ti... de verdade. Deve
ser de outras vidas, só pode! É um amor sincero, verdadeiro... que começou no primeiro dia
que te vi. É um amor de cuidado, de sentir falta, de querer estar presente. Eu... toda “paty” e
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tu toda “alternativa”... e a gente se deu tão bem... Tenho tanto a te agradecer... pelos
conselhos, pelos empurrões, por acreditar mais em mim do que eu mesma. Por curtir cada
vitória minha como se fosse tua... porque sabes que é “nossa”. Esse um ano que passamos
longe foi tão penoso... sem as reuniões de quarta à noite, sem as feijoadas de sábado, sem
Itapoá, sem Salinas... sem um encontro rápido pela UFPA... afinal, qualquer lugar é lindo para
se estar com os amigos, e quando estamos juntos, qualquer reunião de trabalho ganha roupa
de final de semana na praia. Cris, te amo.
Meu orientador, Prof. Dr. Antonio Otaviano Vieira Junior... ou tio Ota. É difícil ser tua
orientanda... é difícil porque a gente se cobra muito pra poder te merecer. Nunca vi ninguém
mais focado e dedicado. Orientar toda semana não é qualquer orientador que faz... emprestar
livros, inserir nas “redes” dos nosso pares acadêmicos; ajudar com publicações, apresentação
de trabalhos, indicar leituras, ler artigos... capítulos de dissertação...projeto de doutorado...
Corrigir erros de português... Tua generosidade é enorme e a competência maior ainda. Eu
tive muita sorte na vida, muita!
E sabe o que é mais maravilhoso? Que por entre Ginzburg, Imizcoz, Barth e Giovani
Levi.... vislumbramos Itapuá, Salinas, Balbino, Portugal... Por entre artigos e publicações,
prazos e defesas... alcançamos reggae, feijoada, MMA e cinema. Eu tenho um orgulho danado
de ser sua orientanda “carniça”... e um orgulho maior ainda de te ter como amigo... porque
viver, não cabe no lattes! Obrigada por me aturar, por acreditar em mim... por torcer por
mim... por ser o tio querido dos meus filhos, padrinho do Victor, por ensinar a Laís a curtir
música boa, por ensinar o Lucas a se defender na escola... por me ensinar que dá pra conciliar
competência profissional e aproveitar a vida ao lado daqueles que amamos... Agora... um
aviso: Não existe ex-orientador, portanto, não vai ser nada fácil se livrar da “sua melhor
orientanda de todos os tempos”.
10
RESUMO
Este trabalho discute a trajetória da família Oliveira Pantoja durante três gerações,
compreendendo os mecanismos econômicos, sociais e políticos que permitiram ao grupo
obter poder e influência no Grão-Pará colonial. Através do uso de documentações diversas,
pode-se compreender a importância que a família Oliveira Pantoja adquire na capitania do
Pará, atentando para as estratégias de manutenção e ampliação de poder, as articulações de
alianças sociais e os mecanismos utilizados que propiciaram o aumento do capital simbólico
familiar.
11
ABSTRACT
This work discusses the trajectory of the family Oliveira Pantoja during three generations,
analysing the economical, social and political mechanisms that they allowed to the group to
obtain power and influence in the colonial Grão-Pará. Through the use of different
documentations, it is possible to understand the importance that the family Oliveira Pantoja
acquires in the captaincy of the Pará, observing the strategies of maintenance and enlargement
of power, the articulations of social alliances and the used mechanisms that favored the
increase of the familiar symbolic capital.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Comparativo entre exportação de anil e cacau .................................................... 55
Quadro 2: Apaniguados de Bernardo Pereira de Berredo ..................................................... 62
Quadro 7: Situação dos Oliveira Pantoja no mapa de família de 1778 ............................... 130
Quadro 8: Sesmarias concedidas no Rio Moju entre os anos de 1751 e 1821..................... 133
Quadro 9: Gêneros exportados pela Capitania do Pará ...................................................... 137
Quadro 10: Distribuição dos Cabeças de Família por sexo e por estado Capitania do Pará
(1778) ................................................................................................................................ 141
Quadro 11: Comparativo de cargas exportadas entre 1756 e 1777 ..................................... 150
LISTA DE TABELAS
Tabela1: Sesmarias concedidas no Rio Moju entre 1724 e 1821 .......................................... 38
Tabela2: Absenteísmo dos Sesmeiros do Moju e Acará ..................................................... 101
Tabela3: Familiaturas expedidas para o Brasil e Lisboa..................................................... 123
Tabela4: Demonstrativo patrimonial ................................................................................. 128
LISTA DE IMAGENS
Imagem 1: Rio Moju e Igarapés com as propriedades demarcadas....................................... 34
Imagem 2: Área de estabelecimento da Família Oliveira Pantoja no século XVIII ............... 41
Imagem 3: Mapa Região Amazônica referência a Fortaleza do Gurupá ............................... 95
LISTA DE GENEALOGIAS
Genealogia 1: Genealogia da família Oliveira Pantoja (até a geração que chega no Pará) .... 28
Genealogia 2: Genealogia da Família Oliveira Pantoja, incluindo as gerações nascidas no
Pará ..................................................................................................................................... 67
13
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 : Comparativo entre a exportação de Cacau e somatória de todos os outros produtos
na Capitania do Pará (1730- 1755) ....................................................................................... 51
Gráfico 2: Testemunhas da habilitação de Amândio .......................................................... 119
Gráfico 3: Sociabilidade: Ofício das testemunhas da Habilitação de Amândio ................... 121
Gráfico 4: Demonstrativo das requisições de familiatura após 1770(em percentuais) ......... 123
Gráfico 5: Variação percentual nos pedidos de familiatura pós 1771 ................................. 124
Gráfico 6: Extensão das sesmarias concedidas no Rio Moju (1751 e 1824)........................ 134
Gráfico 7: Extensão das sesmarias concedidas no Rio Acará (1707-1750) ......................... 145
Gráfico 8: Sesmarias concedidas no Rio Acará entre os anos de 1751 e 1824 .................... 146
Gráfico 9: Comparativo entre as exportações de cacau e açúcar (1730-1755) .................... 149
14
SUMÁRIO
RESUMO ........................................................................................................................... 10
ABSTRACT ....................................................................................................................... 11
LISTA DE QUADROS ...................................................................................................... 12
LISTA DE TABELAS........................................................................................................ 12
LISTA DE IMAGENS ....................................................................................................... 12
LISTA DE GENEALOGIAS ............................................................................................. 12
LISTA DE GRÁFICOS ..................................................................................................... 13
SUMÁRIO .......................................................................................................................... 14
INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 15
CAPÍTULO I: PRIMEIRA GERAÇÃO DOS OLIVEIRA PANTOJA .......................... 25
1.1. De Nossa Senhora de Loures para a Capitania do Pará .................................................. 28
1.2. Terra ............................................................................................................................. 33
1.3. Produção ....................................................................................................................... 44
1.4. Alianças ........................................................................................................................ 59
CAPÍTULO II: SEGUNDA GERAÇÃO DOS OLIVEIRA PANTOJA .......................... 73
2.1. Da melhor nobreza desta terra ....................................................................................... 74
2.2. Novos signos de poder: Câmara Municipal e Misericórdia ............................................ 79
2.3. Velhos signos de poder: negócios dos sertões, terras e escravos ..................................... 90
CAPÍTULO III: A TERCEIRA GERAÇÃO DOS OLIVEIRA PANTOJA ................. 112
3.1. Patrimônio e Familiatura do Santo Ofício .................................................................... 114
3.2. Patrimônio e Inventário ............................................................................................... 127
3.3. A família Siqueira e Queiróz e a Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão .. 138
3.4. Uma nova produção: O Açúcar.................................................................................... 147
3.5. Os serviços à Coroa de Amândio José de Oliveira Pantoja ........................................... 154
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 156
FONTES ........................................................................................................................... 158
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................ 159
ANEXOS .......................................................................................................................... 166
Anexo 1 ............................................................................................................................. 166
Anexo 2 ............................................................................................................................. 167
Anexo 3 ............................................................................................................................. 167
Anexo 4 ............................................................................................................................. 168
15
INTRODUÇÃO
Essa dissertação é um desdobramento das atividades realizadas durante um ano como
bolsista de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq) do projeto intitulado: “Familiares do Santo
Ofício no Grão-Pará e Maranhão: uma análise demográfica a partir da Reconstituição de
Famílias no Século XVIII”; no qual foi realizada a leitura da documentação e construção de
uma base de dados nominativa com os indivíduos que faziam parte do processo de
habilitação. Nesta base de dados, foi possível mapear as relações que esses indivíduos e suas
famílias estabeleciam entre si. A ideia do projeto de pesquisa, que se pretendia seguir como
fio condutor e dar continuidade no Mestrado, seria demonstrar a possibilidade da utilização
das Habilitações do Santo Ofício na História da Família e da População 1.
O ponto de partida para pensar a dissertação foram habilitações para familiar do Santo
Ofício que se encontram no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Portugal. As
habilitações mostram membros pertencentes à elite do Pará e Maranhão, com informações
preciosas como cópias dos seus assentos de batismo e casamento, informações sobre origens,
fortunas e, até mesmo, particularidades que eram relatadas por testemunhas inquiridas em
diversos locais por onde o habilitando e seus parentes passaram.
Inicialmente, quando da elaboração do pré-projeto de dissertação, a ideia era
desenvolver um trabalho prosopográfico 2 de um grupo da elite3 paraense que estava
estabelecido nas capitanias do Pará e Maranhão na segunda metade do século XVIII.
Analisou-se a origem dessa elite (geográfica e social), sua inserção no Império Ultramarino
Luso; as redes de sociabilidade e solidariedade que montavam através de casamentos,
amizades e negócios.
1
Ao final do projeto de iniciação científica, a base de dados montada com 42 Habilitações, chegou à marca de
28.419 dados inseridos; 538 genealogias e 2.427 indivíduos cadastrados.
2
O estudo de um determinado grupo social a partir das características compartilhadas nas trajetórias específicas
de seus membros, buscando relevar traços coletivos, sejam eles permanentes ou momentâneos, nas estratégias
particulares dos indivíduos que o compunham. Cf. STONE, Lawrence. Prosopografia. In: Revista de Sociologia
e Política, Curitiba, 19(3), jun/2011, p. 115; HEINZ, Flávio (org). Por outra história das elites. Rio de Janeiro:
FGV, 2006, p. 9.
3
Tomamos como conceito de elite para além da questão específica de poder político ou econômico; abarcando
pessoas e famílias que ocupavam o topo da hierarquia social onde a riqueza material, por si só, não seria
determinante na constituição do caráter da elite, embora o controle sobre os postos de comando seja uma
importante via de acesso ao enriquecimento (HEINZ, 1992. Op cit. p. 8; MOORE JR., Barrington. Aspectos
Morais do Crescimento Econômico. Rio de Janeiro: Record, 1999. pp. 165-197). Consideramos também a
definição de elites como grupos superiores em status, poder e riqueza (BURKE, Peter. Veneza e Amsterdã: um
estudo das elites do século XVII. São Paulo: Brasiliense, 1990, p.16).
16
4
GINZBURG, Carlo. O nome e o como: troca desigual e mercado historiográfico. In: GINZBURG, Carlo et al.
(Orgs.). A micro-história e outros ensaios. Lisboa: DIFEL, 1989, p. 169-178.
17
5
Jornal Gazeta Official de 17 de dezembro de 1859. Nº 282. Requerimento do Padre Amandio José de Oliveira
Pantoja, Vigário da Freguesia de Almeirim, pedindo pagamento de sua côngrua vencida nos mezes de Outubro e
Novembro do ano passado, tempo em que esteve licenciado para tratar de sua saúde como provou com
documentos. Disponível em hemeroteca da Biblioteca Nacional.
18
bibliografia. Muitos dos trabalhos que citam a família Oliveira Pantoja, montando suas redes
de poder, relações e alianças matrimoniais; buscam informações no trabalho pioneiro de
Acevedo Marin6. No entanto, a própria autora reconhece que as limitações daquele trabalho
são muitas por conta da ausência de documentação, impossibilitando conferir, em fontes
originais, as informações coletadas na literatura clássica relativa à história do Pará 7.
Baseados no levantamento feito por Acevedo Marin, trabalhos posteriores remontaram
as redes de sociabilidade, através das alianças matrimoniais entre as famílias Rodrigues
Martins e Oliveira Pantoja, referindo, por exemplo, Josefa Florêncio de Oliveira Pantoja como
filha de Amândio José de Oliveira Pantoja 8. No entanto, no inventário de Amândio constam
como filhos apenas o capitão Bernardino José de Oliveira Pantoja e Francisco José de
Oliveira Pantoja9. Portanto, Josefa não é filha de Amândio (ao menos não do Amândio em
tela). A partir do momento em que ocorrem problemas de reconstrução de genealogias, a
montagem das redes fica totalmente prejudicada. Outra questão é que Manoel de Oliveira
Pantoja é relatado como avô de Amândio, e é dito ainda, que o pai de Amândio foi familiar do
10
Santo Ofício . Porém, através de levantamento e cruzamento de fontes, sabemos que o pai
de Amândio é Manoel de Oliveira Pantoja (Amândio tinha um tio-avô com este mesmo nome,
o que pode ter gerado a confusão), e Manoel, pai de Amândio, nunca foi familiar do Santo
11
Ofício; ao contrário, foi processado pela Inquisição no ano de 1763 . Este fato, aliás, é
relatado pelas testemunhas da habilitação de Amândio que dão versões pitorescas para o
acontecido 12.
Torna-se importante fazer estas colocações justamente para demonstrar o cuidado e a
dificuldade em rastrear nomes e remontar redes familiares. Neste sentido, as habilitações para
Familiar do Santo Ofício forneceram meta-dados fundamentais e indispensáveis para
distinguir indivíduos e rastrear trajetórias. Sem esta documentação, muito provavelmente, os
equívocos repetir-se-iam neste trabalho.
6
ACEVEDO MARIN, Rosa. “As alianças matrimoniais na alta sociedade paraense no século XIX..” In: Revista
Estudos Econômicos. nº15, São Paulo: Instituto de Pesquisas Econômicas da Faculdade de Economia e
Administração da Universidade de São Paulo (IPE-USP), 1985.
7
Idem. p.156
8
BATISTA, Luciana Marinho. Muito além dos seringais. Dissertação de Mestrado, PPGHIS, UFRJ, Rio de
Janeiro, 2004. p.214
9
Autos de inventário do Coronel Amândio José de Oliveira Pantoja, 1826 – APEP.
10
Batista, L.M. op. cit. p. 214
11
Processo de Manoel de Oliveira Pantoja. PT-TT-TSO-IL-28-2698. Arquivo Nacional da Torre do Tombo –
Digitarq.
12
Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio Jose de Oliveira Pantoja. ANT-TSO-CG-HAB-mc1-
doc10.
19
Metodologicamente, este estudo lida com: redes, famílias, estratégias e atores sociais.
Impunha-se o desafio de relacionar escalas diferentes em que passam os fenômenos sociais,
descrever sistemas de grandes dimensões sem perder de vista a situação concreta da gente
real; ou entender as ações de uma pessoa em suas concepções limitadas sem perder de vista as
realidades globais que pesam em torno dela 13. Imízcoz talvez traga um alento a esta questão,
quando propõe a articulação entre as dimensões estruturais (econômica, política, cultural, etc.)
e a vida concreta dos atores sociais 14. A proposta é conectar os diferentes níveis de análise de
modo a combinar as características dos atores, das relações que os atores têm entre si e as do
conjunto do sistema social. Com isto, torna-se possível um diálogo entre a conduta dos atores
no nível micro é o que Imízcoz chama de “estruturas organizativas” no nível macro.
Torna-se oportuno sublinhar a importância em não privilegiar nenhuma dimensão
social, é preciso fugir do jogo de hierarquias entre as estruturas. Portanto, não é possível
pensar a sociedade da capitania do Pará apenas pelo viés econômico – daí pode ser possível
entender porque mesmo o açúcar não sendo o produto principal da pauta de exportação, ou a
produção do anil que nunca engrenou, mas ambos continuavam a ser incentivados pela
metrópole e os moradores interessavam-se em produzi-los. Não se deve engessar a análise
tentando enquadrá-la em modelos explicativos estruturantes como o Período Pombalino, por
exemplo. É preciso transformar as tautologias em problematizações.
Por conta disso, a análise proposta não se sustentará apenas em cortes cronológicos
definidos por balizas político-administrativas. A partir da pesquisa, do rastreamento das
trajetórias da família Oliveira Pantoja, abrimos a possibilidade para que esses períodos
administrativos (pré-Pombalino, Pombalino e pós-Pombalino) apareçam (ou não) entrelaçados
e correlacionados aos tempos do vivido. Porque, tal como Imízcoz nos instigou a pensar, não
podemos submeter os indivíduos a articulações e estruturas pré-definidas, devemos enxergar a
partir dos indivíduos; buscar as estruturas a partir da vida concreta dos atores sociais que, por
vezes, acolhem-nas ou as rechaçam. Porque o global, o macro (as estruturas) se encontra no
indivíduo.
Durante muito tempo, a ênfase em conceitos estruturais fez com que o pesquisador
ignorasse os sujeitos que viviam os conceitos. Por outro lado, a compreensão de uma
comunidade ou de um grupo não se esgota na análise de suas relações interpessoais (em si
mesma). Para se entender uma comunidade, é preciso ir além e investigar suas relações com a
13
LEVI, Giovanni. Un problema de escala. Relaciones: Revista de El Colegio de Michoacán, v.24, nº 95, 2003.
14
IMÍZCOZ, José Maria. Actores, redes, processos: reflexiones para uma historia más global. Revista da
Faculdade de letras. Porto, III série. Vol. 5. 2004, pp. 115-140
20
sociedade mais ampla15. Para este trabalho, esta questão é fundamental. É preciso encontrar o
feeling da escala certa, a escala que permita capturar o encontro entre o indivíduo e a
estrutura, entre a família Oliveira Pantoja e o mundo da agricultura, do trabalho, das mercês
reais, capturando os tênues fios que nos levam às diferentes dimensões do real.
Nesse sentido, a proposta principal de trabalho passou a ser: perceber como a família
Oliveira Pantoja comportou-se diante de períodos importantes para a capitania do Pará. Ou
ainda, como é possível a partir do estudo dos ciclos de vida 16 e o rastreamento das trajetórias
familiares alcançar a história da Capitania/Província do Pará imbricada nas histórias de suas
gentes?
Por considerar as redes e alianças tecidas pelos Oliveira Pantoja, privilegiando o
cruzamento de fontes diversas, analisando trajetórias e estratégias individuais e familiares; o
trabalho aproxima-se da perspectiva metodológica da microhistória. Pensamos o jogo de
escalas17 como elemento fundamental para percebermos o que os Oliveira Pantoja apresentam
de “geral” e o que eles possuíam de “singular” em relação a outras famílias de destaque na
capitania do Pará. Descortinando a montagem das redes de relações, a inserção da família
Oliveira Pantoja na política e as estratégias que seus membros utilizaram para alcançar
prestígio, mercês e cargos políticos.
Na historiografia paraense, os estudos com temáticas relacionadas à família e a
população tornam-se mais dinâmicos a partir das décadas de 1970/80; centrados sobre as
bases da História Econômica e da perspectiva demográfica 18. Na década de 1990, temos o
trabalho “Adoráveis e Dissimuladas”19 que, a partir de um diálogo com a Antropologia
Social, discute questões e percepções em torno da honra, virgindade e moral feminina no final
do século XIX e início do século XX.
Nos anos 2000, experimenta-se a proliferação de estudos das formas familiares e da
demografia histórica no contexto da historiografia paraense. Estas análises centram o foco nas
15
IMÍZCOZ, José Maria. Op cit.
16
São efetivamente os cursos de vida, que consubstanciam um novo paradigma para os estudos populacionais.
Cf. KOK, Jan. Principles and prospects of the life course paradigm. Annales de démographie historique, 2007/1,
n° 113, pp. 203-230.
17
REVEL, Jacques. Microanálise e construção do social. p. 20
18
ANDERSON, Robin. Colonization as exploitation in the Amazon Rain Forest, 1758-1911. Flórida: University
Press of Florida, 1999 (1976); MORAES, Ruth Bulamaqui de. Transformações demográficas numa economia
extrativa: Pará (1872-1920). Dissertação de Mestrado em História. Curitiba: Universidade Federal do Paraná,
1984; KELLY-NORMAND, Arlene. Family, Church and Crown: a social and demographic history of the lower
Xingu valley and the municipality of Gurupá, 1623-1889. (PhD Thesis in History). Flórida: University of
Flórida, 1984; ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Alianças matrimoniais na alta sociedade paraense no século
XIX. In: Revista Estudos Econômicos, n° 15. São Paulo: IPE-Edusp, 1985.
19
CANCELA, Cristina Donza. Adoráveis e Dissimuladas: as relações amorosas e sexuais das mulheres das
camadas populares de Belém, 1890 – 1910. Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de Campinas,
Campinas Brasil. 1997.
21
relações familiares, organização das elites locais e nas implicações do impacto da economia
da borracha no final do século XIX e início do século XX20. Todos esses trabalhos elencados
têm o recorte temporal no século XIX. Exceção deve ser feita a um trabalho que analisou,
particularmente, a família Morais Bittencourt, em Cametá; na segunda metade do século
XVIII, partindo de uma “fotografia”, o mapa da população de 1778, e que, no entanto, centra
suas preocupações muito mais com a dinâmica populacional21. O que distancia este trabalho
daquele estudo é uma questão de perspectiva, de uma análise mais preocupada com os
indivíduos e as trajetórias familiares, valendo-se de uma gama de fontes que vão desde
habilitação para Familiar, passando por cartas de sesmarias, inventários, cartas, justificação de
nobreza, patentes militares, pedidos de hábitos de ordens militares entre outros.
Estudos acerca das alianças matrimoniais entre as elites não são, exatamente, um tema
novo na historiografia paraense. Estes estudos vêm desde a publicação do pioneiro trabalho
sobre as alianças matrimoniais da alta sociedade paraense no século XIX 22 passando pelas
recentes pesquisas que trazem à luz questões como homogamia, casamentos para manutenção
ou ampliação de status social, riqueza e poder político 23. No entanto, esses estudos centram
suas análises no século XIX, havendo, portanto, necessidade de perceber essas questões já
desde o século XVIII e, assim, amealhar subsídios para analisar as permanências e
descontinuidades nas estratégias e alianças familiares entre as elites paraenses.
Este trabalho insere-se na necessidade de que estudos acerca da família na Amazônia
colonial façam uma regressão cronológica para perceber as famílias que já se projetavam
desde o século XVIII, tornando-se possível apreender a formação de elites, as permanências e
rupturas nos comportamentos e estratégias familiares e a permanência (ou não) de grupos
familiares no poder.
20
BATISTA, Luciana Marinho. Muito Além dos Seringais: elites, fortunas e hierarquias no Grão-Pará.
c.1850c.1870. Dissertação (Mestrado). 2004. Programa de Pós-Graduação em História Social. Rio de Janeiro:
UFRJ; CANCELA, Cristina Donza. Casamento e relações familiares na economia da borracha (Belém. 1870-
1920). Tese (doutorado). 2006. Programa de Pós-Graduação em História Econômica. São Paulo: Universidade
de São Paulo; LACERDA, Franciane Gama. Migrantes cearenses no Pará: Faces da sobrevivência (1889/1916).
Belém: editora Açaí/ Programa de Pós Graduação em História Social da Amazônia (UFPA)/ Centro de Memória
da Amazônia (UFPA), 2010.
21
CARDOSO, Alanna S. Apontamentos para História da Família e Demografia Histórica na Capitania do Pará
(1750-1790). Dissertação de Mestrado em História. Belém: Universidade Federal do Pará, 2008.
22
ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Alianças matrimoniais na alta sociedade paraense no século XIX. In:
Revista Estudos Econômicos, n° 15. São Paulo: IPE-Edusp, 1985.
23
CANCELA, Cristina Donza. “Famílias de elite: transformação da riqueza e alianças matrimoniais. Belém,
1870-1920”. Topoi: Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 10, nº 18, 2009; ÂNGELO, Helder Bruno Palheta.
A trajetória dos Corrêa de Miranda no séc. XIX: Alianças sociais, base econômica e capital simbólico.
(Monografia de Conclusão de Curso de Graduação em História). Belém: Universidade Federal do Pará, 2009;
BARROSO, Daniel Souza. Casamento e Compadrio em Belém nos Meados dos Oitocentos. (Dissertação de
Mestrado em História). Belém: Universidade Federal do Pará. 2012.
22
24
FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política econômica e monarquia ilustrada. São
Paulo: Ática, 1982; MACEDO, Jorge Borges de. Problemas de História da Indústria Portuguesa no Século.
XVIII. Lisboa: Editorial Querco, 1982; MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal, Paradoxo do Iluminismo.
Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1996.
25
Alguns estudos compreendem o Diretório como reflexo inicial de um esforço sistemático da Coroa em ocupar
a Amazônia, explorando os recursos econômicos e humanos (Anderson, 1976). Outros estudos consideram o
Diretório como manifestação de uma política indigenista que consolidou uma hierarquia social excludente, ainda
que assentada na possibilidade de uma igualdade formal entre índios e colonos (Sampaio, Patrícia M. M.
Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Tese de doutorado. Universidade Federal
Fluminense. Niterói. 2001). Algumas análises enfocaram nas mudanças organizacionais das forças de trabalho
indígena durante o período pombalino, sublinhando o lugar e o papel das populações aldeadas no interior da
economia local (MacLachlan, C.M. African Slave Trade and economic development in Amazonia, 1700-1800.
In: TOPLIN, R. B. (ed.), Slavery and race relations in Latin America, Westport, CT, Greenwood Press, pp. 112-
145. 1973. Entre os estudos mais recentes, há a compreensão do Diretório enquanto resposta a conflitos
existentes entre a Metrópole Lusa e sua colônia americana, estando o exercício dessa lei permeado pela atuação
de diversas forças políticas e diferentes agentes históricos (COELHO, Mauro Cezar. Do Sertão para o Mar. Um
estudo sobre a experiência portuguesa na América, a partir da Colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-
1798). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005. Tese de Doutorado em História)
26
Acerca dos interesses da Coroa em assegurar o domínio sobre o território da Amazônia Portuguesa frente às
constantes ameaças de invasão (especialmente por parte de França e Espanha); temos trabalhos que tratam das
construções de fortes e das expedições de demarcação do Território por conta do Tratado de Madri (Castro,
23
Adler Homero Fonseca de. O fecho do Império: história das fortificações do Cabo Norte ao Amapá de hoje. In
Gomes, Flávio. (org.). Nas terras do cabo norte: fronteiras, colonização e escravidão na Guiana Brasileira-
séculos XVIII/XIX. Belém: UFPA, Editora Universitária, p. 129-194, 1999).
27
ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Du travail esclave au travail libre: le Para (Brésil) sous le Régime
Colonial et sous l‟Empire (XVII – XIX siécles). Tese de Doutorado em História e Civilização. Paris: École des
Hautes Études em Sciences Sociales, 1985; RAVENA, Nírvia. Maus vizinhos e boas terras: ideias e experiências
no povoamento do Cabo Norte (séc XVIII). In: GOMES, Flávio (Org.). Nas terras do Cabo Norte: fronteiras,
colonização e escravidão na Guiana Brasileira – séculos XVIII/XIX. Belém: Editora Universitária/UFPA, 1999.
28
DIAS, Manuel Nunes. Fomento e mercantilismo: a companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-1778),
1970.
29
ALDEN, Dauril. O significado da produção de cacau na região amazônica no fim do período colonial: um
ensaio de história econômica comparada. Belém: UFPA, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA, 1974;
ACEVEDO MARIN, Rosa Elizabeth. Du travail esclave au travail libre: le Para (Brésil) sous le Régime Colonial
et sous l‟Empire (XVII – XIX siécles). Tese de Doutorado em História e Civilização. Paris: École des Hautes
Études em Sciences Sociales, 1985; VERGOLINO-HENRY, Anaíza & FIGUEIREDO, Arthur Napoleão. A
presença africana na Amazônia Colonial: notícia histórica. Belém: Secult/Arquivo Público do Estado do Pará,
1990; BEZERRA NETO, José Maia. Escravidão negra no Grão-Pará (séculos XVII-XIX). Belém, Paka-Tatu,
2001).
30
Na verdade, a venda a crédito foi uma medida adotada pela Companhia de Comércio poucos anos após a sua
instituição, devido a uma solicitação feita pelo Senado da Câmara de Belém. Cf: Arquivo Histórico Ultramarino
– Projeto Resgate – Capitania do Pará (doravante AHU - PA), doc. 4067.
31
Dias, op cit. 1970; Sampaio, op. cit. 2001: 165-175
32
Trabalha-se aqui com a ideia de hierarquia social de Antigo Regime, tal como analisada, dentre outros autores,
por GODINHO, 1975: 71-116; XAVIER & HESPANHA, 1998: 339-349.
24
Neste sentido, a proposta deste trabalho é perceber as formas pelas quais a família
Oliveira Pantoja lançou mão de diferentes estratégias e ajustou-se às contingências políticas,
como por exemplo, ao remodelamento das relações estabelecidas entre Coroa portuguesa e os
colonos; no período pombalino.
A presente dissertação consiste, portanto, em uma análise da trajetória da família
Oliveira Pantoja em três gerações. O primeiro capítulo versa sobre a primeira geração e
corresponde aos que chegaram de Portugal, por volta de 1680. São os irmãos pioneiros:
Manoel de Oliveira Pantoja e José de Oliveira Pantoja. A atuação da primeira geração
compreende, aproximadamente, o período de 1690 até 1720/30.
O segundo capítulo corresponde às estratégias acionadas pela segunda geração. São os
filhos dos irmãos pioneiros, frutos de casamentos dos Oliveira Pantoja com as filhas da elite
local; portanto, são os primeiros Oliveira Pantoja nascidos na capitania do Pará. O Período de
atuação desta segunda geração inicia por volta de 1730/40 e vai até 1770, aproximadamente.
O terceiro capítulo deste trabalho versa sobre a terceira geração da família corresponde
aos netos dos pioneiros, representada, principalmente, por Amândio José de Oliveira Pantoja.
A atuação da terceira geração corresponde, aproximadamente, ao período de 1770 até 1800.
A divisão destes períodos de atuação corresponde aos documentos encontrados para
cada geração da família. Portanto, os períodos de atuação podem estender-se dependendo da
documentação encontrada. Os documentos referentes à primeira geração desaparecem em
finais da década de 1730, e isso marca, para nós, o fim de atuação da primeira geração (o que
não significa que eles tenham morrido, mas apenas desaparecem da documentação, dando
lugar à próxima geração).
25
33
Familiatura do Santo Ofício – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação de Amândio, Maço 1,
documento 10; Souza Jr, José Alves. Dissertação (Códice Nº 744: Agraciados com a Ordem do Cruzeiro. 1805 -
1826. Arquivo Público do Pará, documentação manuscrita.).
34
BAENA, João Ladislau Monteiro. O Compêndio das eras da Província do Pará. Belém: UFPA, 1969.
35
Todos os objetos descritos fazem parte da descrição de bens do Inventário de Amândio José de Oliveira Pantoja.
APEP, Inventário. Amândio José de Oliveira Pantoja, 1826.
36
Ravena, Nívia. Abastecimento: Falta, escassez do “pão ordinário” em Vilas e Aldeias do Grão-Pará. Dissertação
(mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Núcleo de Altos estudos Amazônicos, Universidade
Federal do Pará, Belém, 1994, 209f.
37
Escravos homens com a mesma idade de Braz da Cunha, porém sem ofício, são avaliados, no mesmo inventário,
pela metade deste valor.
26
dos mais de 220 escravos que dividiam o espaço e o tempo entre a colheita da cana e outras
lavouras, o fabrico do açúcar, o plantio do arroz, do café e suas casas e famílias. O plantel de
escravos do Capitão Amândio José de Oliveira Pantoja era, realmente, significativo. Escravos
de diversas nações africanas e escravos nascidos já no Engenho do Rosário. No inventário de
Amândio, é possível visualizar famílias escravas que remontam avós, pais e filhos todos
descritos e devidamente avaliados.38
Uma capela com uma imagem de Nossa Senhora do Rosário de mais de quatro palmos
em madeira entalhada, com um rico manto bordado e coroa de prata. Nesta capela, no dia
trinta de agosto de 1753, a esposa de Amândio foi batizada sob as bênçãos de mais de nove
imagens de santos, todos com mais de dois palmos e ricamente ornados; por entre os
paramentos para “dizer missa” com casulas, estolas e toalhas de altar em linho. Diversas joias
compunham o patrimônio de Amândio e sua família, um relógio em ouro com corrente em
prata e muitas fivelas, salvas de prata, espadas em ouro e cruzes cravejadas de pedras
preciosas. 39
É nesse engenho, no Rio Acará que Amândio será mandado quando foi banido de
Belém, no ano de 1823, por ordem do Brigadeiro Moura e da Junta Provisória, que
deportaram os membros do grupo independentista liderados por Batista Campos40.
Muitas sortes de terra no mesmo rio Acará, onde ficava o Engenho do Rosário,
fazenda no Marajó, casa de sobrado e chãos sem edificações em Belém, na Rua do Açougue.
Era um homem de muitas posses, dezenove bens: imóveis, terras e grandes engenhos
compunham seu vasto patrimônio. A somatória de seus bens entre escravos, animais, terras,
dinheiro, joias, dinheiro a receber, chegam a quantia de 73:247$997.
“Homem de bem”, “capaz de segredos e grandes negócios”, que “vive limpo e
abastadamente”, “dos melhores da terra”, “família das principais”, “gente nobre”... são os
adjetivos empregados por testemunhas que foram interrogadas por comissários do Santo
Ofício da Inquisição de Lisboa, entre os anos de 1789 e 1799, quando Amândio teve sua vida
e a vida de sua família revirada e devassada pela Inquisição para tornar-se Familiar do Santo
Ofício 41.
38
Arquivo Público do Estado do Pará. Inventário de Amândio José de Oliveira Pantoja. 1826.
39
Idem.
40
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Ofício, 18 de setembro de 1822, Caixa 156,
documento11934; Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Carta, 5 de outubro de
1822, Caixa 156, documento 11953.
41
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio José de Oliveira
Pantoja, Maço 1 documento 10.
27
42
Entendemos por estratégia - As ações dos atores sociais são resultado deliberadamente das escolhas e das
estratégias que eles adotam, observando os recursos de que dispõem. A sociedade seria formada por sistemas
sociais que são fraturados por incoerências, nas quais o comportamento social não é resultado de uma obediência
mecânica a um sistema de normas, tendo em vista as escolhas dos atores dependerem dos recursos permeados
pelas incertezas e imprevisibilidades das interações entre os indivíduos. Podemos pensar os atores sociais para
além do indivíduo, uma vez que em algumas sociedades corpos sociais são os responsáveis pela tomada de
decisões ou pela concepção de estratégias. Por conta disso, não se pode fugir do conceito de escolha na análise,
pois o problema central torna-se quais são as restrições e os incentivos que canalizam escolhas. Cf. BARTH,
Process and social form in life. Vol. 1. London: Routledge & Kegan Paul, 1981. É possível, portanto, admitir
que toda ação social é resultado de escolhas, decisões do indivíduo ou ainda do grupo familiar e, por conta disso,
implica uma constante negociação diante de realidades normativas. De acordo com Bourdieu o conceito de
estratégia é produto do senso prático como em um jogo, onde o bom jogador faria a todo o momento o que o
jogo demanda; acarretando em mudanças permanentes, em um senso de adaptação a situações indefinidamente
variadas. BOURDIEU, Pierre. Da regra às estratégias”. IN: Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 19901990.
43
Michel Bertrand atribui ao conceito de rede social três aspectos interdependentes, onde: “ O primeiro refere-se ao
seu aspecto morfológico: a rede é uma estrutura constituída por um conjunto de pontos e linhas que materializam
laços e relações mantidas entre um conjunto de indivíduos. O segundo, refere-se ao seu conteúdo relacional: a
rede consiste em um sistema de trocas que permite a circulação de bens e serviços. Finalmente, a rede consiste
em um sistema submetido à dinâmica relacional regida por um princípio de transversalidade, e suscetível de
mobilizar-se em torno de uma finalidade precisa” Bertrand, Michel. Elites y configuraciones sociales em
Hispanoamérica colonial. In: Revista de História, Nicarágua, 13, 1999.
44
Caracterizado por uma sociedade dividida hierarquicamente, fundamentada na ideia do privilégio, na prerrogativa
básica de desigualdade natural entre os homens; baseada em valores e práticas que derivam de uma visão
corporativa da sociedade onde o monarca representaria, simbolicamente, a cabeça de um corpo social e político,
mantendo seu equilíbrio e harmonia, zelando pela ordem, garantindo a justiça que deveria corresponder ao
princípio de dar a cada um o que é seu, respeitando direitos, desigualdades e privilégios; baseada na “economia
da mercê”; com atribuição de benefícios materiais, honras e distinções em troca de serviços prestados e de
vassalagem . Conf. Xavier & Hespanha. A representação da sociedade e do poder. In: Matoso, José (org.).
História de Portugal. O Antigo Regime (1620-1807), vol. 4 Lisboa. Ed. Estampa, 1993. pp. 121-15; Olival,
Fernanda. As Ordens Militares e o Estado Moderno. Honra, Mercê e Venalidade em Portugal (1641 – 1789).
Lisboa. Estar Editora, 2001, pp. 16-17; Monteiro. Nuno G. “Trajetórias sociais e governo das conquistas: Notas
preliminares sobre os vice-reis e governadores do Brasil e da Índia nos séculos XVII e XVIII”. In: Fragoso,
Bicalho & Gouvêa (org.), O Antigo Regime nos Trópicos: A Dinâmica Imperial Portuguesa (Séculos XVI-
XVIII). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001. pp. 249-283.
28
Fonte: Genealogia montada a partir de habilitação para familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira,
justificação de nobreza de Lourenço de Oliveira Pantoja 45.
45
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Justificação de Nobreza de Lourenço Antonio de Oliveira Pantoja. Mç 23,
doc 11.
46
O Estado do Maranhão e Grão-Pará passa a ser denominado Grão-Pará e Maranhão em decreto de 31 de julho de
1751; Quando fizermos referência ao Pará, ou ao Grão-Pará, estaremos tratando da Capitania, observando o
desmembramento com a criação da Capitania do Rio Negro em Carta Régia de 03 de março de 1755; no entanto,
também poderemos nos referir ao Estado cuja Capitania do Pará estava inserida.
47
Informações retiradas das justificações de nobreza de Amândio José de Oliveira e seu irmão Lourenço de
Oliveira Pantoja; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos findos, justificação de nobreza, Mç 1, nº 23.
29
novidade; configurava-se, aliás, como um problema para a Coroa que, desde 1645, anunciava
leis proibitivas48 no afã de regular a saída de portugueses para as empreitadas de Além-mar.
Por outro lado, o que parecia ser um problema para o Estado do Brasil, era a solução
para o Estado do Maranhão, posto que é, também, na década de 1640, mais especificamente
no ano de 1644 que, D. João IV determinou ao Conselho da Fazenda que todas as pessoas que
quisessem passar as partes do Estado do Maranhão, o governo garantiria passagem e
mantimentos para a jornada. Tudo isto em função da invasão holandesa a São Luís 49. Havia
um interesse grande em fomentar a migração para a Amazônia, por ser um espaço de
fronteira50, por ter grandes potencialidades econômicas e por ser uma região estratégica para a
Coroa. Portanto, podemos partir da própria situação de fronteira da região Amazônica, e suas
especificidades, para repensar o lugar do Estado do Maranhão e Grão-Pará dentro das
políticas de colonização da América Portuguesa.
Neste sentido, podemos pensar a vinda dos irmãos Oliveira Pantoja ao mesmo tempo
em que, no período de uma política específica para incentivar a migração para o Estado do
Maranhão, por outro lado, como partícipes de um fluxo populacional baseado na iniciativa, ou
necessidade, individual. Afinal, o Rei pagava passagem e provimento a quem quisesse passar
àquelas partes... quem quisesse. E os irmãos Oliveira Pantoja quiseram buscar uma vida nova
em novas terras.
Manoel e José de Oliveira Pantoja saem de Lisboa, da Freguesia de Nossa Senhora de
Loures, região de Estremadura, na segunda metade do século XVII. Estudos sobre migração
portuguesa revelam que o maior contingente populacional de saída de Portugal para “as partes
do Brasil” provinha da região chamada Entre – Douro e Minho, norte de Portugal51. Ou seja, a
migração dos irmãos Oliveira Pantoja não acompanha a tendência da emigração nortista.
Não sabemos por que razão os irmãos vieram, no entanto, temos uma pista que está na
genealogia da família Oliveira Pantoja.
Manoel e José de Oliveira Pantoja são filhos de D. Catharina de Siqueira, que por sua
vez, é filha do Doutor Manoel da Mota de Siqueira. Dois filhos de José de Oliveira Pantoja
48
Alvará de 06 de setembro de 1645 que proibia a saída do Reino sem passaporte.
49
CHAMBOULEYRON, Rafael. Um conquista tão dilatada. A coroa portuguesa e a migração voluntária para a
Amazônia (século XVII). In: Entre Mares o Brasil dos Portugueses. 2009, p. 88
50
De acordo com Rafael Chambouleyron a condição de fronteira da Amazônia deu a tônica, em grande medida, às
intervenções da Coroa Lusa. O autor percebe a fronteira enquanto território geográfico, marcado pela disputa
entre nações pela ocupação do espaço; bem como fronteiras étnicas, uma vez que os conflitos com os índios
eram muitos e frequentes. CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia
Colonial (1640-1706). Editora Açaí. Belém. 2010.
51
VOLPI SCOTT, Ana Silvia. Velhos Portugueses ou novos Brasileiros? Reflexões sobre a família Luso-Brasileira
setecentista. Anais da V jornada setecentista. Curitiba, 2003; Volpi Scott, Ana Silvia. Os Portugueses. São Paulo,
Editora Contexto, 2010.
30
(que já nasceram no Pará) são mandados na década de 1730, pelo então governador da
capitania, a servirem na Fortaleza do Tapajós 52 sob responsabilidade do tio deles, no caso, tio-
avô. O nome do tio? Manoel da Mota de Siqueira, uma clara referência ao bisavô dos rapazes,
avô materno de Manoel e José de Oliveira Pantoja. O “tio” Manoel da Mota de Siqueira já
estava bem estabelecido na região, afinal, neste período, ele já era governador da dita
Fortaleza53.
Nossa hipótese é a de que Manoel da Mota de Siqueira, governador da fortaleza de
Tapajós, tio dos irmãos Oliveira Pantoja e tio-avô da primeira geração dos Oliveira Pantoja
nascidos no Pará, chegou antes deles na Capitania do Pará. Talvez tenha sido através dele que
os irmãos Manoel e José aportaram na região, uma vez que entendemos como importante para
a migração o papel das chamadas relações sociais primárias. Osvaldo Truzzi reporta alguns
tipos de migração, entre eles, a migração em cadeia, que envolveria o deslocamento de
indivíduos motivados por uma série de arranjos e informações, fornecidas por parentes e
conterrâneos já instalados no local de destino 54. Esse “tio” pode ser o elo entre o braço da
família Oliveira Pantoja da freguesia de Nossa Senhora de Loures, em Lisboa, e a parte da
família Oliveira Pantoja estabelecida na capitania do Pará.
Nesse sentido, as redes migratórias seriam compostas por intrincadas relações
interpessoais baseadas nos vínculos de parentesco, amizade e conterraneidade; as quais
ligariam migrantes; áreas de origem e destino. Os emigrantes confiavam nas informações
fornecidas, ao vivo ou por carta, por um parente, vizinho ou amigo, fazendo com que as
distâncias fossem relativizadas; pois mesmo que em longínquos territórios, mas habitado por
parentes e amigos, tornavam-se emocionalmente e materialmente mais próximos 55.
Aliás, a relação dos Oliveira Pantoja com Lisboa é perene, mesmo depois da migração
para o Pará, o braço “paraense” da família não perde contato com o Reino. Isso fica
perceptível, por exemplo, quando Antonio de Oliveira Pantoja, filho de José de Oliveira
Pantoja, apesar de ter nascido no Pará, embarca para Lisboa, e no ano de 1726 impetra um
requerimento que diz:
Diz Antonio de Oliveira Pantoja morador nesta cidade [de Lisboa], q elle suplicante
he natural da cide de Belem do Pará estado do Maranhão, aonde tem sua fazenda e
escravos entre estes algus índios do gentio da terra; e porqe hoje se acha casado nesta
corte, necessita de mandar vir pa. nella o servirem duas raparigas índias, e pa. o
poder fazer sem q o Governador. Daquele estado, ou outro algum ministro lhe
52
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa. 18, documento1681.
53
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 3, documento 269; Arquivo Histórico
Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 3, documento 274.
54
TRUZZI, redes em processos migratórios. Tempo social, revista de sociologia da USP, V. 20, n 1. 2008. Pp. 199-
218.
55
TRUZZI, redes em processos migratórios. Op cit. p. 207.
31
embarace, quer q V. Magde. Lhe conceda licença, dando o suppte. Fiança aonde tocar
de não vender as ditas índias em tempo algum (...) 56
Portanto, Antonio não só estava de volta ao Pará, como também estabelecido com
fábricas de serrar madeira e descascar arroz. Aliás, possivelmente tenha ido a Lisboa tratar de
negócios. Fato é que trinta anos depois da migração do pai e do tio, Antônio percorre os
mesmos passos, indo e vindo entre Belém e Lisboa.
Em 1723 Manoel de Oliveira Pantoja faz requerimento de uma justificação de nobreza
onde as testemunhas que o conheceram em Portugal dizem que:
Manoel de Oliveira Pantoja assiste em o Pará para onde foi com menos idade, sabe
que o suplicante tem parentes muito chegados que são moços da câmara dos de
número de Sua Majestade59 e do Senhor Infante Dom Francisco como he Miguel
Pinheiro de Oliveira, primo segundo, e outro sem parentes que tem nesta cidade de
Lisboa, como são o desembargador José de Caminha Falcão que é professo na
ordem de cristo e Manoel Miranda de Caminha que foi juiz dos órfãos 60.
Portanto, a migração dos Pantoja não coaduna com a pecha da “migração dos
miseráveis”; afinal, bisnetos de um físico mor do rei e com parentes tão gabaritados na Corte,
deveriam ter algum cabedal.
Não sabemos por que razão os irmãos vieram, o que sabemos é que os Oliveira
Pantoja não escolheram começar uma nova vida no mundo do nordeste açucareiro. Eles
56
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Antonio de Oliveira Pantoja. Caixa 09.
Documento 813.
57
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. REQUERIMENTO de Antonio de Oliveira
Pantoja para o rei, caixa 9 , documento 813; CARTA do governador e capitão-general do Estado do Maranhão,
João Maia da Gama para o rei. caixa .9, documento .845.
58
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. REQUERIMENTO do capitão João Pinto Rosa
e Companhia, para o rei. caixa 22, documento 2028.
59
De número, porque estava limitado a um determinado número de pessoas. Ser moço da câmara não era um título
nobiliárquico, mas era uma distinção entre aqueles que serviam a Casa Real.
60
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Justificação de Nobreza do Capitão Amândio José de
Oliveira Pantoja, Maço 1, nº 23 (está inclusa a justificação de Manoel de Oliveira Pantoja, seu tio avô).
32
aportaram no mundo da exploração das “drogas do sertão” 61, do cultivo dos gêneros da terra,
da disputa entre colonos e padres pela mão de obra indígena. Ao descerem em terras da
Capitania do Pará, traçaram planos e estratégias; e, como já sabemos, logo se estabeleceram
entre os poderosos da região.
Veremos nas próximas páginas que os Pantoja irão apropriar-se de terras e nelas
instalar suas lavouras de cacau, cana, engenhos e outras culturas. E, igualmente, logo vão
contrair casamento com moças de famílias que, há muito, já estavam estabelecidas na região.
José de Oliveira Pantoja não aparece nos documentos de doação de sesmarias. O que sabemos
é que no ano de 1703 ele casa com D. Luiza de Bittencourt, filha de um importante senhor de
engenho, o Mestre de Campo Antônio Ferreira Ribeiro 62. Inquietou-nos saber a razão de José
não aparecer na documentação sesmarial. Talvez José tenha recebido terras, em dotação de
sua esposa, pelo casamento; e/ou tenha ficado à sombra do sogro, fato é que não o
encontramos nos pedidos de terras da capitania do Pará.
No entanto, seu irmão, Manoel de Oliveira Pantoja é figura repetida nos pedidos de
sesmaria e na documentação em geral do período colonial. É a partir de Manoel que vamos
seguindo a trajetória desta família cuja primeira base territorial é na capitania do Pará, o Rio
Moju.
61
Especiaria local representada por várias espécies vegetais, dentre as quais cravo grosso, cravo fino, cacau, urucu,
canela, baunilha.
62
Conforme transcrição do assento de casamento contido na Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Amândio
José de Oliveira Pantoja. Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para familiar do Santo Ofício de
Amândio José de Oliveira Pantoja, Maço 1 documento 10.
33
1.2. Terra
Manoel de Oliveira Pantoja, em documento de 1723, pede confirmação de sesmaria de
uma terra passada pelo Governador Bernardo Pereira de Berredo no ano de 1718. Neste
documento, temos informações preciosas sobre o tempo em que os Pantoja já estavam
estabelecidos no Pará. Nesta carta, podemos ver que há muito tinham escolhido o Moju para
fincar suas raízes.
Bernardo Pereira de Berredo do Conselho de S. Magde. Deos guarde Govor e Capam
Gnl do Estado do Maranhão Faço saber aos q esta minha carta de data e sismaria
virem, q tendo respeito ao q por sua petiçam me enviou a dizer Manoel de Oliveira
Pantoja cidadão desta cidade, q ele possue há mais de vinte e seis anos três quartos
de legoa de terra em q tem fabricado hum cacauzal, como também outras lavouras e
q plas muitas q nelas tem feito estão já em capazes de se cultivarem lhe he muito
preciso a concessão de mais terras pois tem bastantes escravos pa a cultivação delas
e porq nas cabeceiras do Rio Moju se acham alguas devolutas necessitava de mais
hua legoa de terra no sitio chamado Tocumanduba63
Ora, o que este documento nos indica? Primeiro que se, no ano de 1718 a família já
estava estabelecida há mais de vinte e seis anos; logo, por volta de 1692 eles já haviam
aportado no Pará. A carta de sesmaria também indica a condição que Manoel de Oliveira
Pantoja já havia alcançado: a de cidadão64. Indica também a escolha produtiva da família: a
agricultura do cacau e outras lavouras; além de apontar a força de trabalho de que se servia os
Oliveira Pantoja: o escravo. Por último, o que nos interessa, mais particularmente, neste
momento é: o lugar onde esta família lança sua base territorial, o Rio Moju. Muito tempo
depois, no ano de 1756, o Capitão Engenheiro prussiano João André Schwebell65 desenha um
mapa dos rios que circundam Belém, observando a divisão e propriedade das terras. A família
Oliveira Pantoja ainda aparece com duas propriedades às margens do Rio Moju.
63
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja. Caixa 8,
documento 678.
64
Sobre esta discussão do status de ser cidadão ver o capítulo II desta dissertação.
65
João André Schwebel, cartógrafo que participou da comissão de limites criada em 1753 e chefiada por Francisco
Xavier de Mendonça Furtado.
34
João André Schwebel, 1756 (onde aparecem as propriedade de Francisco de Oliveira Pantoja e Manoel de
Oliveira Pantoja). Adaptação: Marília Cunha Imbiriba.
O padre João Daniel ao navegar pelo rio Moju, na década de 1740, apresenta o que vê
na paisagem, pintando uma tela com palavras; descrevendo os sítios que ficavam às margens
do rio, os quais mais mereceriam o nome de grandes quintas:
Esmeram-se porém tanto nas suas moradias os donos destas quintas, ou sítios, que
fazem uma muito alegre perspectiva [sic] aos navegantes; e com mais razão se
podem chamar grandes, soberbos e magníficos palácios do que casas de campo: e
em muitos tem os seus moradores boas capelas e igrejas [...]. E posto que alguns
moradores tem tantos escravos, ou fâmulos, que podiam constituir uma pequena vila
[...]66
66
Pe. João Daniel. Tesouro descoberto no Rio Amazonas, Tomo I. p, 286.
35
agrícolas67. É neste espaço do rio Moju que, em 1718, Manoel de Oliveira Pantoja pedirá
sesmaria “(...) e porq nas cabeceiras do Rio Moju se achao alguas devolutas necessitava de
mais hua legoa de terra”68; e depois, outras gerações da família continuarão neste lugar,
como em 1738; Sebastião de Oliveira Pantoja representa ao governador João de Abreu:
sua petissaô que no Rio Moju Se achavaô devolutas huas terras principiando dos
marcos de seu avô Manoel de Oliveira Pantoja correndo pelo Rio assima â maô
esquerda e porque se achava sem terra para [fabricar] suas lavouras me pedia lhe
concedesse em nome de Sua Magestade Legoa e meia de terra de comprido e huma
de centro69
Ainda no ano de 1738, mais um Oliveira Pantoja solicita sesmaria no Moju. Desta vez,
é Luis de Oliveira Pantoja que
me pedia [ao governador João de Abreu Castelo Branco] fosse servido conceder lhe
em nome de Sua Magestade meya legoa de terra de frente, e huma de fundo entre as
terras de Raymundo de Alfaya; e Sebatiam Pestana no Rio Moju principiando de
hum angellim cahido70
67
ACEVEDO MARIN, Rosa. Camponeses, donos de Engenho e Escravos na região do Acará nos séculos XVIII e
XIX. Papers do NAEA. 2000.
68
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja. Caixa 8,
documento 678.
69
Iterpa. Coleção Sesmarias. Livro 09. Documento 63. Folha 43v.
70
Iterpa. Coleção Sesmarias. Livro 09. Documento 130. Folha 87.
71
Alguns autores como Vicente Sales e Alana Souto denominam a região das freguesias de Moju, Acará, Guamá,
Capim e Bujarú de atual zona Guajarina. E Cametá, Mocajuba, Baião, Limoeiro do Ajuru e Igarapé – Miri, atual
Vale do Tocantins. Porém denominaremos daqui por diante as duas zonas de região do Baixo-Tocantins.
72
O termo “melhores famílias”, “principais famílias” aparecem recorrentemente na habilitação de Amândio José de
Oliveira Pantoja. Familiatura do Santo Ofício – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação de Amândio,
Maço 1, documento 10
36
afirma que ele “cidadão desta cidade possue há mais de vinte e seis anos três quartos de legoa
de terra em que tem fabricado hum cacauzal como também outras lavouras” 73.
Este trecho de documento nos sugere a prévia ocupação da terra; Manoel declara
textualmente que ocupa uma terra há mais de 26 anos. Neste ponto, podemos nos perguntar o
quanto essa prática declarada por Manoel era constante na vida daqueles sujeitos que pediam
sesmarias no Rio Moju. Ou seja, podemos dizer que há um indicativo do cultivo e da
ocupação de algumas terras a ocorrer antes do próprio pedido de sesmaria?
Apesar de a carta de sesmaria constituir o ato legal da legitimação da posse da terra74;
estudos mostram que a ocupação é um componente que, em grande medida, antecede a
legitimação. Portanto, a historiografia aponta que, muitas vezes, a anterior exploração do
espaço legitima a concessão de uma terra75. Nesse sentido, Manoel de Oliveira Pantoja se
enquadra nesta situação, porque, ao pedir sua sesmaria, utiliza a expressão “ocupando e
cultivando” as terras. Mas, quão significativa essa prática é nos pedidos de sesmaria do Moju?
Analisando todos os pedidos de sesmaria no Rio Moju, dos 57 indivíduos que as solicitaram,
12 afirmam que já as lavravam, o que perfaz o valor de, aproximadamente, 21% dos pedidos
de terra caracterizados pela prévia ocupação do território.76
O requerimento da sesmaria possuía um modelo s
em grandes alterações no qual elencava-se o nome de quem requeria informações
sobre a extensão e os limites da terra, o lugar de residência do requerente, as razões pelas
quais necessitava das terras e, principalmente, os meios que dispunha para cultivar. Por conta
deste modelo, sabemos que Manoel de Oliveira Pantoja dizia-se cidadão e morador de Belém,
mesmo já cultivando terras no Moju.
Entre 1730 e 1738 muitos pedidos de sesmaria, no rio Moju, começam a ter o tamanho
reduzido na doação77. O requerente pede a sesmaria com a medida da terra, porém, no
momento da concessão o tamanho da propriedade é diminuído, geralmente, pela metade. Os
governadores alegam que existem muitos moradores pedindo terras e já há poucas terras boas
a serem distribuídas no rio Moju. Podemos observar essa prática na fala do governador
Alexandre de Souza Freire, na doação de sesmaria no Moju, no ano de 1730
Hei por bem conceder ao suplicante, na forma do parecer do dito Provedor da
Fazenda a respeito de haver muitos moradores e serem já poucas as terras devolutas
73
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja.
Caixa 8, documento 678
74
SANTOS, Marcio Roberto Alves dos. Fronteiras do Sertão Baiano (1640-1750). São Paulo, Tese de doutorado
(História), USP, 2010. p. 188.
75
CHAMBOULEYRON, Rafael. op. cit. 2011
76
Livros de Sesmarias, Iterpa. 20 volumes.
77
Livros de sesmarias, Iterpa 20 volumes.
37
só meia légua de terras do comprido na dita paragem [...] com centro e proporção de
comprimento que vem a ser um quarto [...]78
A partir da última década do século XVII começam a aparecer as primeiras leis que
restringiam os tamanhos das sesmarias a serem concedidas. Em carta régia de vinte e sete de
dezembro de 1695, fixa-se o teto máximo das doações em cinco léguas; em carta de sete de
dezembro de 1697, reduz-se para três léguas; em 1698 fixa-se o limite máximo de duas
léguas. No entanto, essas medidas restritivas não foram aplicadas inflexivelmente. Outra
questão é que quando aumentava o número dos solicitantes, a tendência era limitar as áreas
das sesmarias para dar conta de acomodar todos quantos pediam terras para aproveitamento
79
.
Neste período de controle do tamanho das sesmarias, nas concessões do Moju, todos
os moradores que alegam já estarem cultivando a terra não têm o tamanho da propriedade
reduzida. Se isso por um lado, poderia ser uma estratégia para conseguir o tamanho de terra
desejado, por outro, demonstra que o assenhoreamento de terras parecia ser uma prática bem
comum na região.
Para percebermos o mundo das sesmarias em que os Oliveira Pantoja se inseriram,
fizemos um levantamento das concessões no rio Moju e seus igarapés. Analisamos 20
volumes com 2.158 registros da coleção Sesmarias do Instituto de Terras do Pará, e
tabulamos, em base de dados, as sesmarias concedidas no Moju. Foram 60 sesmarias
concedidas no Rio Moju. Ao elaborarmos a análise da base de dados percebemos algumas
questões como: Tamanho das propriedades; prévia ocupação da terra e referência a outras
terras que não possuem registro de sesmaria................................................................................
78
Coleção sesmarias Iterpa. Livro 5 folha 163 verso.
79
PORTO, Costa. O Sistema Sesmarial no Brasil. Editora Universidade de Brasília: Brasília, 1979 p. 75
38
O tamanho médio das sesmarias concedidas no Moju entre 1718 e 1821 atingiu
6.197,90 hectares80; a mediana e a moda atingiram 4.356 hectares. Por que trabalhar com
moda? A moda é o tamanho da concessão que mais se repete, ou seja, um padrão. Podemos
80
Todas as cartas de sesmaria compulsadas neste trabalho traziam as medidas em braças e/ou léguas. Para a
conversão adotamos que uma braça corresponde a 2,2 metros; uma légua de sesmaria tem 43,56 Km² e 4.356
hectares. Assumimos que as denominações em quadra referem-se a quadrados, ou seja, o lado especificado por
ele mesmo. Desta feita, uma légua em quadra corresponde a, uma légua por uma légua, ou, 4.356 hectares. Estas
são as mesmas interpretações de Nelson Nozoe ao afirmar que “uma légua corresponde a 3.000 braças e que uma
braça equivalia a 2,2 m (...) um terreno com duzentas braças em quadra totalizava 40.000 braças quadradas, ou
seja, 19,36 hectares. (...) os documentos pesquisados neste estudo respaldaram a aplicação de tal afirmação para
léguas em quadra (...) uma légua de terras em quadra [...] na confirmação real, consta que a gleba teria uma légua
de terras assim de largo como de fundo [...]” . NOZOE, Nelson. A apropriação de terras rurais na Capitania de
São Paulo. Tese de livre-docência. Departamento de Economia da Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2008.
39
então dizer que no Moju o padrão de tamanho na concessão de sesmaria era de uma légua em
quadro (ou seja, uma légua por uma légua). O tamanho médio das glebas concedidas aos
Oliveira Pantoja, no Moju, atingiu 3.194,40 hectares, significativamente abaixo da média e
também abaixo da moda. Só por estes dados poderíamos responder uma pergunta: os Pantoja
figuravam entre os grandes latifundiários do Moju? A resposta seria, não. Apesar de ser uma
família que possui terras, inclusive Manoel de Oliveira Pantoja é beneficiado com duas
sesmarias, como podemos observar na tabela; as extensões de terras cedidas a esta família fica
abaixo da média e da moda das doações.
Um ponto fulcral da nossa análise é avaliar estes números e classificar as sesmarias
concedidas no Moju em pequena, média ou grande propriedade. Rafael Chambouleyron
aponta que nas concessões de terras no Estado do Maranhão a opção é pelo tamanho de
pequeno e médio das terras que, geralmente, não passavam de duas léguas em quadro 81. Duas
léguas em quadro, ou duas léguas por duas léguas, equivalem a uma terra de 17.424 hectares.
Portanto, podemos dizer que a sesmaria recebida por Manoel de Oliveira Pantoja, em 1724,
não é das maiores, acompanha a tendência das pequenas propriedades no Moju, medindo 726
hectares. Sabemos pela leitura da carta de sesmaria passada por Bernardo Pereira de Berredo
em 1718 que nesta terra Manoel vai “empregarse nas lavouras de cacao e anil q V. Magde
tanto recomenda”82. No ano de 1730, Manoel de Oliveira Pantoja pedirá nova sesmaria que
será concedida. Nessa segunda terra, Manoel justifica “porque tenha muitos filhos e bastante
servos com que lavrar terras, e lhe sejam necessários outras onde o possa fazer e plantar
cacao e mais lavouras”83. Sebastião de Oliveira Pantoja também terá concedida uma sesmaria
no Mojú no ano de 1738, “porque se achava sem terras para fabricar suas lavouras”84. Estas
informações apontam para mais uma questão que podemos observar nas sesmarias concedidas
no rio Moju: o tipo de produção que será aplicada a terra.
Das 60 sesmarias concedidas no Mojú nos séculos XVIII e XIX, apenas uma sesmaria
é pedida com a justificativa de cultivar cacau sem que esta cultura esteja acompanhada de
outro cultivo. Podemos analisar que das oito sesmarias que cultivavam cacau, sete
acompanhavam o cultivo do cacau com outras lavouras. Aliás, a policultura estava largamente
presente nas sesmarias do rio Moju, uma vez que, das 60 sesmarias analisadas, 44 são
81
ChAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia colonial (1640 – 1706), Editora
Açai, Belém, 2010. p.113
82
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja
para o Rei. Caixa 8, documento 741.
83
Coleção Sesmarias. Instituto de Terras do Pará. 20 volumes. Livro 5 folha 133. Sesmaria de Manoel de Oliveira
Pantoja.
84
Coleção Sesmarias. Instituto de Terras do Iterpa. 20 volumes. Livro 09, folha 43 verso. Sesmaria de Sebastião de
Oliveira Pantoja.
40
85
BATISTA, Regina Célia Corrêa. Dinâmica Populacional e atividade madeireira em uma vila da Amazônia: a Vila
de Moju (1730-1778). Dissertação em História. Universidade Federal do Pará. 2013.
41
Mapa do Google satélite adaptado por Marília Cunha Imbiriba dos Santos, 2014.
No mapa que elaboramos a partir das terras da família Oliveira Pantoja, podemos
perceber que eles se estabeleceram, predominantemente, na região do Baixo- Tocantins. É
nessa região que a família aporta, ainda nos últimos anos do século XVII, continuam por todo
o século XVIII e, ainda na década de 20 do século XIX, permanecem na mesma região; com
cacauais e, posteriormente, plantações de cana, como visualizaremos no terceiro capítulo
deste trabalho, através do inventário de Amândio José de Oliveira Pantoja (neto de José de
Oliveira Pantoja que chega com o irmão na Capitania do Pará em finais do XVII).
Apesar de constar no inventário de Amândio uma fazenda no Marajó, é no seu
Engenho de Nossa Senhora do Rosário e nas outras sortes de terras que possui no Acará, que
somarão seu maior patrimônio. É na região do Baixo-Tocantins que todos os outros membros,
que conseguimos rastrear, da família Oliveira Pantoja, estabelecem suas propriedades. É a
região que será, durante mais de cem anos, a base territorial desta família.
Portanto, a primeira geração dos Oliveira Pantoja se estabelece na Capitania do Pará
com terras e escravos para cultivar seus cacauais. Para obter terras eles se utilizam dos
pedidos de Sesmarias.
Manoel de Oliveira Pantoja, em 1718, faz requisição de mais terras, além das que ele
já possuía “há mais de vinte e seis anos tres quartos de legoa de terra em q tem fabricado
42
hum cacauzal, como também outras lavouras”86. Este documento nos indica a existência de
uma terra anterior que pode ter sido pedida em sesmaria ou não. Fato é que não encontramos a
sesmaria desta terra nem nos documentos do Arquivo Histórico Ultramarino e nem nos vinte
volumes da Coleção Sesmarias do Iterpa. Esta situação não ocorreu só com esta terra de
Manoel de Oliveira Pantoja, ao ler os pedidos e confirmações de sesmarias encontramos
referências a muitas terras que não localizamos em pedidos ou confirmações anteriores e/ou
posteriores (principalmente as que fazem fronteira e são utilizadas em demarcações com
outras sesmarias que estão sendo concedidas). Isso pode nos indicar, e merece ser
aprofundado em pesquisas posteriores, um apossamento de terras em que não há documentos
legais.
Manoel justifica seu pedido porquanto “lhe he muito preciso a concessão de mais
terras pois tem bastantes escravos pa a cultivação delas”. Este documento é de um período
em que o número de sesmarias concedidas no Estado do Maranhão e Grão-Pará cresce
sobremaneira. Na primeira metade do XVIII, contabiliza-se em torno de 1650 sesmarias
concedidas, número considerável se ponderarmos que a população branca, adulta e masculina
passava pouco dos três mil indivíduos em todo Estado87.
Mas o que significava pedir e ter concedida uma sesmaria no Estado do Maranhão e
Grão-Pará? A discussão sobre as questões agrárias tornam-se importantes para considerar a
relação entre a distribuição das terras e a constituição e/ou solidificação de grupos de poder e
famílias importantes.
Tanto nas Ordenações Manuelinas quanto nas Filipinas, sesmaria é definida por ser as
“dadas de terras, casaes ou pardieiros, que foram, ou são de alguns senhorios, e que já em
outro tempo foram lavradas e aproveitadas, e agora, não o são” 88. Neste caso, a terra obtida
através de sesmaria é denominada propriedade sesmarial e as obrigações ao recebê-la são, em
grande medida, basicamente, duas: o cultivo e a demarcação.
Ao fim da tramitação da petição, a carta era assinada pelo governador – geral ou pelo
governador da capitania. Exigia-se, após a concessão, que pagassem foro89 e o dízimo sobre a
86
Arquivo Histórico Ultramarino, Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja.
Caixa 8, documento 678.
87
CHAMBOULEYRON, Rafael. Terras e poder na Amazônia Colonial (séculos XVII – XVIII). Congresso
internacional Pequena Nobreza nos Impérios Ibéricos de Antigo Regime, Lisboa: 2011. p. 2 ( o autor retira esta
informação de AHU, Maranhão (Avulsos), caixa 3, doc 367).
88
LIMA, Ruy Cirne, Pequena História territorial do Brasil. Sesmarias e Terras devolutas. São Paulo: Secretaria de
Estado da Cultura, 1991. p. 25
89
A partir de 1695 determina-se a imposição de foros nas sesmarias que d‟antes só precisavam pagar os dízimos.
LIMA, Rui Cirne, op. cit. p. 41.
43
produção; além do registro da carta de sesmaria, confirmação da concessão pelo rei além da
medição e demarcação das terras90.
Ou seja, quando Manoel de Oliveira Pantoja recebe a Carta de Data e Sesmaria
concedida pelo governador, ele sabia que tinha valor provisório e que cabia a ele, enquanto
sesmeiro91 pedir ao Rei, através do Conselho Ultramarino, que fosse confirmada no prazo de
92
três anos . Depois de confirmada, o sesmeiro recebia a carta de confirmação que, aí sim,
seria um documento definitivo.
A Lei das Sesmarias é criada, em Portugal, no ano de 1375 por Dom Fernando I,
objetivando controlar a crise de escassez dos produtos agropecuários que o êxodo rural
desencadeou. O instituto da Sesmaria forçava que os proprietários lavrassem suas terras sob
pena de perdê-las para quem as quisesse fazer produzir 93. Com a 3ª Carta Régia em 1530 o
regime das sesmarias é oficialmente implementado na colônia.
As regulamentações sobre as sesmarias encontram-se nas Ordenações Afonsinas,
Manuelinas e Filipinas, muito embora também pulverizadas em decretos, alvarás e cartas
régias. Essa “pulverização” acarretava muitos problemas, doações controversas e dificuldades
em estabelecer uma regra clara de concessões. A doação de terras em sesmaria na colônia
objetivava, principalmente, garantir a exploração e ocupação do território, o que tornava
comum na leitura das cartas de data e sesmaria, referências à “importância para a Coroa de se
cultivarem aquelas terras”.
No que toca à Amazônia Colonial, compreende-se que desde o século XVII a Coroa
Lusa depreende esforços de ocupação efetiva do território com estímulo ao desenvolvimento
de povoações e agricultura. Muito já foi debatido acerca do que Rafael Chambouleyron
denominou de “a experiência do Estado do Maranhão” ou “experiência da Amazônia
Colonial”. Essa questão deve ser levada em conta ao construir análises para a região, não
incorrendo no equívoco de pensar a Amazônia a partir do modelo colonial de experiência
açucareira do Atlântico Sul 94. A Conquista do Maranhão, por ser região de fronteira, era um
90
SANTOS, Marcio Roberto Alves dos. Op. cit. 2010. p.189
91
Aquele que recebia a terra em sesmaria
92
Recorrentemente encontramos na bibliografia sobre sesmarias a informação que deveriam ser confirmadas em
um ano (Cirne Lima; Delmiro Santos), no entanto, em todas as sesmarias com as quais trabalhamos para a
Capitania do Pará, a informação era que deveriam ser confirmadas no período de três anos e tinham o prazo de
um ano para serem demarcadas após a confirmação.
93
Disponível em http://www.pph.uem.br/iiisih/pdf/163.pdf
94
Autores como: Caio Prado Jr., Celso Furtado, Fernando Novais, Jacob Gorender, Ciro Flamarion Cardoso, João
Fragoso, dentre outros corroboraram para esta análise que foi classificada como periférica porque não cabia no
“modelo” visto no Estado do Brasil (áreas periféricas versus áreas dinâmicas). Sobre este debate Cf.
Chambouleyron, Rafael. Povoamento... pp. 15 – 18; para uma compreensão mais geral acerca dos modelos
explicativos da economia colonial da América Portuguesa, cf.: MAGALHÃES, Diogo Franco. O reinventar da
44
território estratégico para a Coroa, e, portanto, fazia-se necessário ocupá-lo e dele tirar
rendimentos.
Se refletirmos que ainda durante as décadas iniciais dos setecentos são concedidas
diversas cartas de datas e sesmarias àqueles que se dedicassem a lavrar as terras, poderemos
perceber que isso não caracteriza o abandono da Amazônia colonial pela Coroa Portuguesa.
Ao contrário disso, quando promove a doação de terras via concessão de sesmarias,
principalmente para desenvolvimento das plantações de cana, tabaco e cultivo dos “frutos da
terra”, como cacau, anil e o cravo; a coroa deixa clara uma interferência forte, contínua e
amparada em algumas bases, como: ocupação efetiva do território, agricultura e preocupação
com a força de trabalho.
Por agora, depois de tratar da terra que receberam, abordaremos outro componente
importante para a vida desta família e para a vida da Capitania do Pará no século XVIII – a
lavoura de cacau e a cultura do anil.
1.3. Produção
Cacau
No estabelecimento da família Oliveira Pantoja na Capitania do Pará, na primeira
metade do século XVIII, o cacau e o anil foram as duas atividades agrícolas nas quais eles se
dedicaram, principalmente o cacau.
Em 26 de janeiro de 1725, Manoel de Oliveira Pantoja emite um requerimento ao Rei
solicitando a reserva de terras, consideradas devolutas, concedidas pelo então governador
Bernardo Pereira de Berredo no ano de 1718 no sítio Tucumanduba. O requerimento de
Manoel de Oliveira Pantoja nos diz muito sobre a produção e agricultura da região.
Manoel começa o requerimento alegando que “tratando de empregarse nas lavouras
de cacao e anil que Vossa Majestade tanto recomenda”. E por achar que as terras do
Tucumanduba eram devolutas, pediu-as em sesmaria, e lhe foi concedido uma légua. Nesta
légua, Manoel fez fazenda de cacau, plantou boa quantidade de anil “de que fez já bastante e
poderia ser melhor o rendimento se houvesse pessoa sciente nesta fabrica” 95.
Manoel de Oliveira Pantoja, de acordo com o texto acima, parecia ser conhecedor da
política de incentivo, por parte da Coroa, à produção de anil. Houve no início dos anos de
1670 uma primeira tentativa de desenvolver o anil no Estado do Maranhão, sem sucesso. Em
finais da década de 1690 uma nova tentativa de fabricar anil é estabelecida pelo morador
Colônia: um balanço das interpretações sobre a economia colonial brasileira. (Dissertação de mestrado em
Economia) Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2008.
95
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de 26 de janeiro de 1725. Caixa.
8, documento 741.
45
96
Francisco Soares do Amaral, mesmo com o apoio da Coroa essa tentativa foi malograda .
Manoel de Oliveira Pantoja ainda está na empreitada do anil na década 1720 e, ao que nos
parece, sem muito êxito.
Manoel alega que depois de cultivar a terra durante cinco anos, “mansa e
pacificamente resultando bastantes rendas a faz da de V. Magde destas lavouras se lhe opôs
Anto Furtado de Vasconcelos dizendo serem suas as das terras”. De acordo com Manoel de
Oliveira Pantoja, Antonio Furtado de Vasconcelos “por ter datas delas anterior a do sup te.
Querendo assim por este meyo espulçar ao sup te. Da da terra só a fim de se aproveitar das
suas lavouras e cacaoais e anil não se tendo antes demarcado, nem tomado posse, nem
cultivado as das terras”97.
Neste documento, podemos observar algumas questões importantes para compreender
o estabelecimento da Família Oliveira Pantoja nas cabeceiras do Rio Moju, uma área próxima
de Belém e destinada, principalmente, à produção de cana, cacau, anil e outras lavouras. Por
outro lado, podemos perceber outras questões como a preocupação da Coroa Portuguesa em
ocupar o território da Conquista Ultramarina incentivando a agricultura. “Vossa Majestade
tanto recomenda” o emprego na lavoura do cacau e do anil; não recomenda apenas a
“extração” do cacau, mas o seu cultivo. Conceder terra em sesmaria era duplamente
importante para a Coroa porque se tratava de aproveitar a terra e ocupá-la; e, sem dúvidas, a
agricultura era um meio de fixar e promover essa ocupação, além de garantir rendimentos
para os moradores e para a Fazenda Real, através de pagamento de dízimos. Afinal, voltando
ao requerimento de Manoel ele é taxativo alegando que a cultura de lavouras diversas, cacau e
anil que possuía estava “resultando bastantes rendas a fazda. De V. Magde”98.
Havia já, claramente, na segunda metade do século XVII uma preocupação da Coroa
com o corte predatório das árvores para extrair o cravo, o cacau e outros gêneros; aplicando-
se regimentos que incentivassem a cultura do cacau, do cravo e do anil, além de afirmar ser
preciso aproveitar os frutos sem prejuízo das árvores. No ano de 1680, era proibido que os
governadores cultivassem e comercializassem qualquer gênero; no entanto, foi permitido ao
governador Inácio Coelho Silva cultivar cacau para dar exemplo aos moradores 99·.
Em termos de incentivos da Coroa à agricultura, ressaltamos que a produção
açucareira era incentivada com a isenção de impostos e direitos, com a importação de
96
CHAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. 2010. p. 154.
97
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja.
Caixa 8, documento 741.
98
Idem.
99
CHAMBOULEYRON, Rafael. As várias utilidades do Maranhão: Reflexões sobre o desenvolvimento da
Amazônia no século XVII. In: Faces da História da Amazônia. Editora Paka Tatu, Belém, 2006 p. 160
46
escravos africanos, com privilégios judiciais e com a administração particular de índios. Para
os produtores de tabaco, a Coroa concedeu ao longo do século XVII diversos privilégios
proibindo a circulação de tabaco estrangeiro em Portugal e diminuindo ou isentando as taxas
100
alfandegárias . A produção de café também foi incentivada, por exemplo, no ano de 1731,
com isenção de impostos por um período de doze anos 101.
O cacau, escolha dos irmãos Oliveira Pantoja, também recebeu incentivos da Coroa.
Fato é que a Coroa Lusa estimula de modo peculiar o plantio de cacau. Peculiar em
comparação ao incentivo a outras culturas (que obtiveram isenção ou diminuição de
impostos); no entanto, bastante apropriada a uma sociedade de Antigo Regime 102: através da
distribuição de mercês.
Em um requerimento no ano de 1726103 Luiz de Faria Esteves, morador da cidade de
Belém e um grande lavrador de cacau, solicita mercê ao Rei por ter se dedicado ao plantio do
gênero. Alega Luiz Esteves que, por ordens de oito de dezembro de 1677 e vinte e quatro de
novembro de 1686, “os moradores que se empregassem na cultura dos ditos frutos haviam de
ser premiados com prêmios condignos as qualidades das suas pessoas” 104.
Luiz Esteves afirma que tinha por volta de dezenove mil pés de cacau além de outros
frutos que “cultivava em abundância em grande utilidade para os dízimos reais” 105
.
Podemos observar a importância que a Coroa dava à agricultura na região. Luiz Esteves
justifica o seu pedido de mercê dizendo que se o recebesse estimularia “os ânimos daqueles a
tomarem o exemplo do suplicante, aplicando-se à cultura não só das plantas do cacau, mas
dos mais frutos que podem ser úteis à Real Fazenda e à República” 106.
Mas o que fazia Luiz Esteves solicitar mercê neste requerimento? Devemos pensar que
a sociedade em que esses homens vivenciavam o cotidiano da Capitania do Pará setecentista,
era, como já apontamos anteriormente, uma sociedade do Antigo Regime na qual havia uma
estreita relação entre governo, dádiva e graça. A própria noção de dádiva é composta por três
100
CHAMBOULEYRON, Rafael. Op. cit. 2010
101
Vide Requerimento de Luís Esteves que informa sobre a isenção de impostos cobrados sobre o café durante que
no ano de 1731 foi dispensado pelo tempo de 12 anos. Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate, caixa 17,
documento 1610.
102
Caracterizado por uma sociedade dividida hierarquicamente, fundamentada na ideia do privilégio, na
prerrogativa básica da desigualdade natural entre os homens; baseada em valores e práticas que derivam de uma
visão corporativa da sociedade onde o monarca representaria, simbolicamente, a cabeça de um corpo social e
político, mantendo seu equilíbrio e harmonia, zelando pela ordem, garantindo a justiça que deveria corresponder
ao princípio de dar a cada um o que é seu, respeitando direitos, desigualdades e privilégios; baseada na
“economia da mercê”; com atribuição de benefícios materiais, honras e distinções em troca de serviços prestados
e de vassalagem (XAVIER e HESPANHA: 1993:121-156; OLIVAL, 2001:16; MONTEIRO, 2001:148-183).
103
O documento começa em 1726 e estende-se até o ano de 1735
104
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa. 17, documento1610.
105
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa. 17, documento. 1610.
106
Idem.
47
momentos fulcrais: dar – receber – retribuir. São os atos de “Graça Real” que aproximam
súditos e soberanos, criando complexas relações de reciprocidade107. É o que Antonio Manuel
Hespanha chamou de L’économie de la grâce108, Fernanda Olival chamará de “economia da
mercê”109 onde a sociedade, ou pelo menos parte dela, estaria cada vez mais dependente de
favores régios, inseridos em um espiral de prestação de serviços que gerava o recebimento de
mercês reais, o que acarretava em novas obrigações de prestar serviços.110
Para Junia Furtado, a “economia do dom” estabelecia intrincadas redes de relações
políticas e econômicas, baseada no estabelecimento de redes clientelares estruturadas na
concessão de benefícios. Os poderosos (que poderia ser o rei, o governador, um capitão, um
senhor proprietário) distribuíam concessões ou favores a seus apadrinhados, aliados,
apaniguados, parentes e amigos; que, por sua vez, ao recebê-los deviam retribuir. Essa
economia do favor relacionava polos desiguais, hierarquizando indivíduos e nessa hierarquia
os confinando.111
Desta feita, podemos entender o motivo de Luiz Esteves acionar o Rei, esperando ser
recompensado “com prêmios condignos” a sua pessoa. Na lógica da economia moral do dom,
ou da mercê; o desempenho em serviços era acompanhado da expectativa de prêmios que
deveriam ser atribuídos de maneira justa. A liberalidade, o gesto de dar, era considerado, na
cultura política do Antigo Regime, como virtude própria dos Reis tanto em Portugal como em
toda a Europa Ocidental. 112
107
Antonio Manuel Hespanha em seu livro Às Vésperas do Leviathan questiona uma série de ideias consolidadas
acerca da constituição de Portugal Moderno. Essa obra, em grande medida, desvela o peso de múltiplos poderes,
principalmente das câmaras, de instituições eclesiásticas e senhoriais. Esses poderes valiam-se das brechas do
poder institucional-monárquico para ganhar espaços de autonomia. A partir desse estudo são lançados outros
olhares sobre a monarquia portuguesa; gerando conceitos como o de monarquia corporativa; onde o poder real
dividia espaço com poderes locais e/ou intermediários (de maior ou menor hierarquia). Um das características
dessa monarquia era a prerrogativa que as obrigações políticas cediam diante dos deveres morais (graça,
misericórdia, gratidão, fidelidade). Outra questão fulcral é que neste tipo de monarquia, a corporativa, deveres
políticos jamais se sobrepunham aos deveres afetivos baseados em laços de amizade/solidariedade/reciprocidade/
institucionalizados em redes de clientes e amigos. HESPANHA, Antonio Manuel. Às Vésperas do Leviathan.
Instituições e Poder Político (Portugal – Século XVIII). Coimbra, Almedina, 1994.
108
HESPANHA, Antonio Manuel. Lesa utes raisons de la politique. L‟economie de la grâce. In: J.F. Schaub.
Recherche sur l‟historie de l‟État dans le monde iberique (15º - 20º siècle). Paris, Presses de l‟École Normale
Supérieure. pp. 67-86.
109
OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno. Honra, Mercê e venalidade em Portugal (1641-
1789). Lisboa, Estar Editora, 2001.
110
MONTEIRO, Nuno. O Crepúsculo dos Grandes. A casa e o patrimônio da aristocracia em Portugal (1750-1832).
Lisboa: Imprensa Nacional. Casa da Moeda, 1998.
111
FURTADO, Júnia Ferreira. Homens de negócio A interiorização da metrópole e do comércio nas Minas
setecentistas. São Paulo, Hucitec, 1999.
112
OLIVAL, Fernanda. As ordens militares e o Estado Moderno... Op. Cit. 2001. pp. 15-38
48
O governador afirma que o Rei deve passar mercê a Luiz Esteves e conclui alegando
que isso estimulará os outros lavradores. Dá como exemplo o estímulo à produção de café,
que ocorreu no ano de 1731, quando a Coroa dispensou os direitos sobre o produto pelo prazo
de 12 anos. De acordo com José da Serra, se o Rei concedesse o Hábito de Cristo aos
lavradores que, na metade do prazo dos 12 anos remetessem ao Reino uma grande quantidade
de café, a fabricação dispararia a ponto de passar à produção de Caiena.
Luiz Esteves não consegue o Hábito de Cristo, mas recebe o Foro de Cavaleiro
Fidalgo, o que o nobilitava e tinha reconhecida sua importância para o “aumento” desta
Capitania do Pará114. Mais uma vez encontramos o estímulo à agricultura na Capitania do
Pará; não a agricultura da plantation, mas uma agricultura de diversos produtos da terra, que
seriam cultivados em propriedades que variavam de um quarto de légua a duas léguas,
conforme os pedidos de sesmaria que encontramos.
É alegando que vai “empregarse nas lavouras de cacao e anil q V. Magde tanto
recomenda” que Manoel de Oliveira Pantoja consegue duas sesmarias, uma em 1718 e outra
em 1724, além da já possuir uma terra de três quartos de légua, cuja sesmaria não
encontramos.
O que é perceptível no trato com a documentação relativa ao período colonial na
Capitania do Pará, especialmente no que toca ao Arquivo Histórico Ultramarino, é que, havia
sim, uma preocupação dos moradores e governo local, que reverberava fortemente na Corte,
destacando a agricultura como o “grande remédio” em prol da almejada opulência do Estado
do Maranhão, de seus moradores e, claro, da Fazenda Real. Os incentivos à agricultura
113
CHAMBOULEYRON, Rafael. Op. cit, 2010, p. 101
114
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 17, documento 1610
49
andavam lado a lado das questões pertinentes à defesa do território e à oferta da mão de obra.
A preocupação com a economia e a produção estava presente sendo permeada não apenas
pela prática do extrativismo das “drogas”, mas também pela prática, tida como necessária, da
agricultura dos produtos da terra.
Era preciso cultivar e, por conta disso, pululam nas correspondências entre os
moradores e governantes com o Conselho Ultramarino os ditames da necessidade do cultivo
da cana de açúcar, do tabaco e, principalmente, das drogas do sertão. É nesse momento que a
Família Oliveira Pantoja aporta na Capitania do Pará e entende que será por meio da ocupação
e pedido de terras, em forma de sesmarias; e pelo plantio de cacau que fincará mais
fortemente suas raízes na região.
Mas o que fazia do cacau um produto tão importante? Sabemos que da semente do
cacau era feito o chocolate que, durante os séculos XVII e XVIII passa a competir com o café
e o chá nos mercados de luxo da Europa115. Em meados do século XVIII o cacau já era uma
bebida apreciada entre a aristocracia portuguesa, uma vez que o Governador Francisco Xavier
de Mendonça Furtado escolta suas correspondências, com amigos e autoridades portuguesas e
estrangeiras, com mostras de cacau, como em carta que envia ao pai dele, em 22 de dezembro
de 1751;
Como me lembra que V. Sª costuma tomar chocolate, e que minha mãe o costuma
dar aos seus frades, tomo a confiança de oferecer a V. Sª esse par de arrobas de
cacau, para o mandar fazer e podê-lo tomar sem escrúpulo (...)116
Em outra carta a um amigo, Mendonça Furtado escreve que remete um par de arrobas
de cacau “para o seu chocolate”, por não ter memória de ver o amigo tomar café. E completa
escrevendo que se o amigo responder que gosta do gênero, Mendonça Furtado terá o prazer
em enviar sempre117.
Temos uma terra pedida por um Oliveira Pantoja chamado Luís, filho de José de
Oliveira Pantoja, no ano de 1729, no mesmo Rio Moju, destinada, também, à produção de
cacau e outras lavouras. Retomando o requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja, é
perceptível que essa política de incentivo ao plantio de cacau por parte da Coroa, não foi
infrutífera, afinal, desde meados de 1690, Manoel já lavrava seus cacauais. E não só ele. Ao
mapear a palavra “cacau” no índice de resumos do Projeto Resgate/ Arquivo Histórico
Ultramarino, é possível constatar o quanto ele figurava como assunto nas correspondências
entre os moradores, governantes e Conselho Ultramarino; observando a pauta de exportação
115
Dauril Alden, op. cit. p. 09
116
A Amazônia na Era Pombalina. Tomo I. P. 183
117
Idem, p. 185.
50
da Capitania do Pará entre os anos de 1730 e 1755, onde o cacau figurava em primeiro lugar,
verificamos a importância desse produto para a região.
De acordo com Dauril Alden, durante o século XVIII, o principal mercado para o
cacau amazônico era a Espanha. Como exemplo dessa entrada do produto amazônico em
terras espanholas, Alden aponta diversos decretos proibitivos da entrada do “cacao de
Marañon que vênia de Portugal”; porque quantidades consideráveis desse gênero estavam
sendo contrabandeadas para a Espanha 118. Por outro lado, a tese de Dauril Alden é a de que
quando começaram as exportações de cacau, este provinha, majoritariamente, do cacau
silvestre, ao invés do cultivado.
De acordo com Alden, o cacau só se torna um produto importante “para exportação”
na região amazônica, na década de 1730. No entanto, esse cacau seria proveniente da floresta,
do cacau bravo (extraído) e não do manso (cultivado). Segundo o autor, os governadores do
Estado do Maranhão obtiveram sucesso no estímulo à produção de cacau, porque facilitaram
o sistema de licenças para que as canoas pudessem subir o rio e colher o cacau bravo do
sertão. Por conta disso, a produção de cacau teria majorado a rebote do aumento das licenças
que pularam de 80 a 110 por ano entre 1723 e 1729; passando no início dos anos de 1730 a
média anual de 250 e, em 1736, pularam para 320 licenças concedidas119.
Por outro lado há, também, como já foi dito anteriormente, um aumento na concessão
de sesmarias, e uma grande parte delas destinadas à plantação de cacau. De acordo com
Rafael Chambouleyron, entre 1690 e meados de 1720, ou seja, antes do chamado “incremento
da economia cacaueira na Amazônia”, há referência a 65 sesmarias dedicadas ao cultivo de
cacau (muito embora muitas destas não eram dedicadas exclusivamente ao cacau). Ou seja, há
de se matizar essa importância acentuada no cacau bravo; uma vez que estudos mais recentes
demonstram a distribuição de terras para o cultivo de cacau, antes do incremento de 1730,
revelando a importância do cacau manso, cultivado para a Capitania do Pará.
Aliás, sendo estes pedidos de terras no início da década de 1720 (uma boa parte dos
pedidos e confirmações de sesmarias trazem as informações que a terra já era lavrada há anos)
explicariam, também, o incremento na década de 1730 na produção de cacau, uma vez que a
planta cultivada só começa a proporcionar colheitas a partir do quinto ano.
Se voltarmos à tabela 1, percebemos que são dez sesmarias doadas, só no Rio Moju,
para a produção de cacau; fora a possibilidade do plantio de cacau não aparecer nas sesmarias
118
Dauril Alden, op. cit. p. 29
119
Dauril Alden, op. cit. p. 29
51
120
Fonte: Mappa dos Diferentes Generos, que dos Livros da Alfandega no anno de 1730 athé o de 1755
O gráfico acima demonstra, em parte, a razão pela qual o cacau era um assunto tão
recorrente nas correspondências de moradores e autoridades da Capitania do Pará. Em todos
os anos, de 1730 até 1755, o cacau ultrapassou (em arrobas) a quantidade de todos os outros
gêneros somados. E dizemos que demonstra, em parte, a importância do cacau porque os
dados da exportação não revelam outras nuances como o consumo interno e a sua utilização
120
Projeto Resgate, Capitania do Grão-Pará, 31 de agosto de 1778. Utilizamos esta fonte, no entanto, algumas
observações se fazem necessárias. Este mapa está contido em um ofício que o então governador do Pará, João
Pereira Caldas, envia ao Conselho Ultramarino em 1778, contendo os números das exportações desde o ano de
1730 até o ano de 1777. Aqui só utilizamos os dados até 1750 por ser o período em que a família Oliveira
Pantoja pede terras para produzir cacau. Portanto, os valores apresentados precisam ser problematizados e os
indicadores de exportação relativizados; afinal, o objetivo do ofício parecia ser a demonstração do “avanço” nas
exportações sob a égide do governo de João Pereira Caldas.
52
como moeda.121 Aliás, interessante pensar que os colonos que plantavam cacau, em certa
medida, estavam plantando dinheiro e não no sentido figurado.
Como exemplo da utilização do cacau como moeda e da valorização desta, temos em
1740 uma carta do Conselho Ultramarino ao governador João de Abreu. Há nesta uma queixa
dos oficiais da Câmara de Belém “ que sendo os trez gêneros de cacao, cravo e assucar o
dinheiro e moeda corrente da terra, com valor certo e determinado, como hoje o cacao tem
melhor sahida, os Almoxarifes e depositários dos Resgates e Thezoureiros dos Ausentes não
122
querem receber outro” . Percebemos a importância do cacau onde nem os funcionários
públicos queriam receber pagamento com outros gêneros que não fosse o cacau.
Componente importante para pensarmos a produção de cacau nas sesmarias era a mão
de obra. Temos claramente, ao mapear a documentação do arquivo histórico ultramarino
referente ao Pará, uma constante: os pedidos de licença dos moradores para resgatar indígenas
nos sertões, ou solicitando indígenas forros e livres para trabalhar nas fazendas de cacau.
Temos vários exemplos, como o caso de João Correia da Guarda, padre do hábito de
São Pedro, morador de Belém, que em 1725 pedia autorização para resgatar 40 casais de
índios dos sertões123. Também José de Souza Azevedo, no mesmo ano de 1725, solicita a
concessão de servos indígenas livres e casados para trabalhar em suas fazendas de cacau 124.
Não queremos aqui esmiuçar as questões pertinentes ao trabalho indígena na Capitania
do Pará, isto já foi feito antes, de forma sistemática e aprofundada por outros pesquisadores
125
. No entanto, não podemos deixar de apontar que, ao lado das sesmarias e da cultura de
cacau, o trabalho indígena era parte basilar do mundo onde, em finais do século XVII e início
do século XVIII, a família Oliveira Pantoja se inseriu.
Extraído dos sertões ou cultivado; utilizado como moeda; motivo de discórdias e
disputas. Em nome das plantações de cacau, pedia-se autorização para descer índios, pedia-se
escravos de África, mercês e hábitos de ordens militares, trocavam farpas padres e colonos; e,
em torno do cacau, girou a história dos Oliveira Pantoja neste período de estabelecimento e
consolidação da família, até meados do século XVIII.
Anil
121
LIMA, Alam José da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”: moeda natural e moeda metálica na
Amazônia colonial (1706-1750). 2006. 225 f. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal do Pará, Centro de
Filosofia e Ciências Humanas, Belém, 2006. Programa de Pós-Graduação em História.
122
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa. 23, documento 2191.
123
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 8, documento.746.
124
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 9, documento 786
125
Cf. COELHO, Mauro Cezar. Do Sertão para o Mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a
partir da Colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005
(Tese de Doutorado em História).
53
O anil é outro componente que se faz presente na história da família Oliveira Pantoja e
na história da Capitania do Pará. No ano de 1725, temos um requerimento de Manoel de
Oliveira Pantoja para o rei, solicitando a reserva de terras que havia pedido sesmaria, porque o
seu vizinho, Antônio Furtado de Vasconcelos, afirmava ser dono legal das ditas terras, por já
as ter pedido anteriormente em sesmaria. Em um trecho do requerimento, Manoel afirma que
tendo o suplicante feito uma boa fazenda de cacao e dado princípio a outra no
mesmo sítio de anil, e preparando o necessário para a fábrica deste, de que já fez
bastante e poderá ser maior rendimento se houvera pessoa sciente nesta fabrica126.
Até que ponto o anil que foi plantado por Manoel de Oliveira Pantoja deu “bastante”
não sabemos. As palavras do suplicante poderiam fazer parte de um discurso de
convencimento ao Rei para deixar com ele as terras em litígio, afinal, plantava cacau e anil, e
ambas as plantações, segundo a missiva, já haviam evoluído muito. A preocupação e
incentivo da Metrópole Lusa em relação ao anil foram intensos na Capitania do Pará e do
Maranhão.
Sobre o interesse das metrópoles no anil, Dauril Alden nos informa que o sucesso do
estabelecimento da indústria do anil nas colônias espanholas e a persistência de uma forte
demanda para o produto na Europa encorajava a introdução do cultivo deste gênero nas
colônias do novo mundo 127. Diante deste “contexto”, percebemos nas correspondências das
autoridades do Estado do Maranhão e Grão-Pará com a metrópole, uma constante
preocupação e interesse acerca da produção do índigo na Amazônia Colonial.
Ainda em 1681, há uma carta do governador Inácio Coelho da Silva ao Príncipe
Regente, relativa à ordem que recebeu para que a cultura do cacau, baunilha e anil ficassem
isentas de todos os direitos durante seis anos128·. No ano de 1700, é emitida uma relação com
67 moradores de Macapá que fabricam anil em suas fazendas 129. Em carta do então
governador Bernardo Pereira de Berredo, no ano de 1719, há notícias sobre a construção de
fábricas de anil na Capitania do Pará, onde o governador alega ter “ajustado duas fabricas de
anil nesta capitania com hum dos moradores mais abastados dela”, e continua a mensagem
126
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de 26 de janeiro de 1725.
Caixa. 8, documento 741
127
ALDEN, Dauril. The growth and decline of índigo production in colonial Brazil. Study in comparative
economic History. Journal of Economic History, vol. 25, n.1, 1965, p. 35-65.
128
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Carta do Governador Inácio coelho da Silva.
Caixa 3, documento 190.
129
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Relação dos moradores de Macapá que
fabricam anil em suas fazendas. Caixa.4, documento 375.
54
escrevendo, “espero em Deos que se perpetuem com os grandes interesses que asseguram à
Fazenda de Vossa Majestade” 130.
Em que pese o empenho dos governadores e os “grandes interesses à Fazenda Real”, o
fabrico do anil não obteve muito sucesso na Capitania do Pará. Se observarmos o mapa dos
gêneros exportados no Pará, entre 1730 e 1777, o anil só aparece na pauta de exportação em
quatro anos; no ano de 1732 (exportando cinco arrobas, ignorando-se o preço que tiveram), e
nos anos de 1775, 1776 e 1777, também com valores insignificantes se comparados a outros
gêneros131.
Por outro lado, podemos pensar que os incentivos da Coroa para o fabrico do anil iam,
em grande medida, para além da questão meramente econômica, voltada para o comércio
internacional. Se, mesmo com os números baixos de produção e exportação, os incentivos
continuavam, é porque, talvez, devemos entendê-la, também, a partir de outra lógica,
possivelmente mais voltada para a plena ocupação do território e o aproveitamento das terras,
o que garantia, mais fortemente, o domínio luso sobre a região.
Quando pensamos em ocupação/exploração da Amazônia colonial, a historiografia
tradicional aponta para a preponderância do extrativismo (quiçá ciclo) das drogas do sertão,
na existência de áreas dinâmicas e a Amazônia como periférica 132. Recentemente, diversos
autores questionam aquela explicação que se baseava nas máximas do “exclusivo
metropolitano”, “ciclo das drogas”; e do “centro versus periferia”. Esses autores têm apontado
o papel das dinâmicas internas; da especificidade da Amazônia; das negociações com o poder
central; dos múltiplos poderes “local e central”; da importância da agricultura para a
colonização do vale Amazônico, não objetivando exclusivamente gerar produção, mas com
múltiplos objetivos, dentre os quais, assentar os colonos e ocupar para defender o território.133
130
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Carta do Governador Bernardo Pereira de
Berredo. Caixa 6, documento 535.
131
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa, 80, documento 6627.
132
Como partícipes dessa historiografia tradicional brasileira temos: Caio Prado Junior. A História econômica do
Brasil. 35ª edição. São Paulo: Brasiliense, 1987; Celso Furtado. Formação econômica do Brasil. 22ª edição. São
Paulo: Companhia Editora Nacional, 1987; Nelson Werneck Sodré. Formação Histórica do Brasil. 3ª edição. São
Paulo: Brasiliense, 1964; Stuart Schwartz. O Brasil colonial, c. 1580-1750: as grandes lavouras e as periferias.
In: Leslie Bethell. (Org.). História da América Latina. São Paulo/ Brasília: EdUSP, 1998.
133
Sobre o papel das capitanias, sesmarias e vilas no domínio da Amazônia ao longo do século XVII e a
importância da agricultura, Cf. Chambouleyon, Rafael. Povoamento, ocupação e agricultura na Amazônia
Colonial (1640-1706). Editora Açaí. Belém, 2010. Sobre os poderes locais e central, Cf. Joel dos Santos Dias. Os
“verdadeiros conservadores” do Estado do Maranhão: poder local, redes de clientela e cultura política na
Amazônia colonial (primeira metade do século XVIII). Dissertação (mestrado) apresentada ao Programa de Pós-
graduação em História da Universidade Federal do Pará. Belém, 2008. Sobre as autoridades negociadas diante da
elaboração da legislação indígena do Diretório, Cf. Mauro Cezar Coelho. Do sertão para o mar. Um estudo sobre
a experiência portuguesa na Amazônia, a partir da Colônia: o caso do Diretório dos índios (1751-1798). São
Paulo: Tese de Doutorado (História Social), USP, 2005.
55
Inferimos que um dos motivos para o “fracasso” do anil poderia ser a falta de pessoas
especializadas para extrair a tinta. Essa é a reclamação de Manoel de Oliveira Pantoja na
requisição da reserva das terras que pediu em sesmaria, afinal, segundo Manoel, a produção
de anil teria sido muito melhor se houvesse gente ciente nesta fábrica.
Manoel de Oliveira Pantoja reclama da falta de pessoas especializadas em 1725, e este
continua a ser um problema no ano de 1731 quando o governador Alexandre Souza Freire, em
um ofício, nos dá notícias sobre o cultivo do anil e a necessidade de ter um mestre ciente na
fábrica para o sucesso daquele cultivo:
Nos citios circunvizinhos a esta cidade e ainda nos quintais dela vai já havendo
muito café e excelente, o qual taobem he gênero novo na terra, de que dentro de hum
ou dous anos se remeterão arrobas para Portugal, porque as arvores dele de dous tres
anos dao logo fruto e em grande quantidade; e do mesmo modo sucederá com o anil,
cuja fabrica eu estabeleci, e se não morrera hum francês mestre dela, não iriam so
nesta monção sete arrobas, como me disse Jose Miguel, mas muitas mais135.
134
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate, Capitania do Grão-Pará, 31 de agosto de 1778
135
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 13, documento 1193
136
CHAMBOULEYRON, Op. Cit. 2010, p. 155
56
fabricado hum cacauzal, como também anil e outras lavouras”137; novamente em 1725 “Diz
Manoel de Oliveira Pantoja cidadão desta cidade de Bellem do Para, q tratando de
empregarse nas lavouras de cacao e anil q V. Magde. tanto recomenda”138.
Talvez a resposta para essas perguntas possa começar a ser vislumbrada em um
documento peculiar. É uma carta do provedor da Fazenda Real da Capitania do Pará,
Francisco Galvão da Fonseca, para o rei D. João V datada de 23 de julho de 1720, que, dentre
outros assuntos, trata da ação governativa do Capitão e General do Estado do Maranhão
Bernardo Pereira de Berredo. Neste documento, constam as transcrições de petições feitas a
Berredo, nas quais os moradores do Pará solicitavam alguns indígenas que haviam sido pegos
ilegalmente nos sertões. Manoel de Oliveira Pantoja faz duas petições, mas uma, em
particular, pode ser chave para entender o porquê do cultivo do anil.
“Diz Manoel de Oliveira Pantoja cidadão desta cidade que mandando este presente
anno hua sua canoa ao Rio Madeyra a colheyta do cacao, que não fez pelo não haver
no dito Rio este anno e se resolveo o cabo dela a hir pelo mesmo Rio em o qual
adquirio por sua agencia desoito ou vinte pessas naturaes do mesmo Rio com alguas
crias, filhos ou filhas dos mesmos e se recolheo para a sua fazenda, e porque o
suplicante as não podia possuir sem faculdade de Vossa Senhoria e lhe sejão
necessárias para o ajudarem a fabricar o anil a que está já dando princípio e tem feito
petição a Vossa Senhoria para lhe conceder algua gente para ajuda da ditta fabrica
na forma e a ordem de Sua Magestade vinda sobre este particular e se quer obrigar o
suplicante a lhe e dar conta todos os anos do que lavrar com todas as mais menções
necessárias // Portanto// Pede a Vossa Senhoria lhe faça mercê conceder as ditas
pessas assim baixadas na ditta sua canoa com seus filhos para o sobredito ministério
e que pessa algua lho não possa tirar nem divertir com as penas a que Vossa
Senhoria parecer// E receberá mercê”139
A última frase da petição de Manoel talvez seja a chave para entender o lugar do cacau
e do anil na vida dos Oliveira Pantoja... “ e receberá mercê”, apesar de saber que era corrente
nos pedidos ao Rei, utilizar esta frase no final. Mas, foi justamente aqui que nos chamou
atenção: mercê. Se muito tem se falado acerca das intenções e planos da Coroa Lusa para suas
possessões ultramarinas; acreditamos que muito ainda falta desvelar sobre os planos, ações e
estratégias dos habitantes da Amazônia Colonial. Em três documentos Manoel de Oliveira
Pantoja afirma estar produzindo cacau e anil.... No documento de 1718, sabemos que ele já
está estabelecido no Moju com suas lavouras há 26 anos; portanto, por volta de 1692 ele já
plantava cacau e anil, continua quando pede a primeira sesmaria em 1718 e permanece no
mesmo cultivo quando pede a segunda terra em 1730. Isso nos provocou questionamentos:
137
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja. Caixa 8,
documento 678.
138
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Manoel de Oliveira Pantoja. Caixa 8,
documento 741.
139
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Carta de Francisco Galvão da Fonseca. Caixa 6, documento 568
57
por que insistir na plantação de cacau quando o fruto abundava nos sertões? Por que insistir
na produção de anil que requeria habilidades e conhecimentos para o cultivo e
beneficiamento?
Se, por um lado, podemos pensar que o plantio de cacau valeria a pena, porque, afinal,
até a introdução de moeda metálica, em meados do século XVIII, ele será, portanto, o
dinheiro mais valorizado da terra, além de ser um produto muito valorizado na exportação.
Mas e o anil? O anil não era o tipo de droga do sertão que alimentava o mercado interno,
como o cacau. Por que Manoel de Oliveira Pantoja insiste durante anos em cultivar anil,
mesmo que a pauta de exportação nos mostre que a produção não vingou.
Talvez estejamos fazendo as perguntas certas e buscando as respostas nos documentos
errados. Talvez não seja para a pauta de exportação que devêssemos olhar. Uma vez que já foi
dito, em outros estudos que em relação à Amazônia, o objetivo da Coroa ia, também, para
além do econômico. Ao incentivar a agricultura no Estado do Maranhão, a intenção da Coroa
passava pela defesa e ocupação efetiva do território. Então, olhar para a pauta de exportação,
encarando um viés puramente econômico, pode ser um equívoco. Se a agricultura, apesar de
incentivada, não produzia em números como o sertão de onde os moradores extraíam as
drogas; seja, talvez, porque no sertão o morador ia buscar boa parte do sustento econômico;
mas na agricultura, ele, possivelmente, objetivasse, em grande medida, cair nas graças do
Rei... Agora voltamos para a última frase da petição de Manoel de Oliveira Pantoja “ e
receberá mercê”.
Em resposta ao pedido de mercê, o governador Bernardo Pereira de Berredo escreve
uma portaria onde
Attendendo ao grande serviço que faz o suplicante na ereção da fábrica do anil
obrigandose a levantala e estabelecela com todas as condições declaradas nas ordens
de Sua Magestade que Deos guarde debaxo delas lhe concedo todas as pessas
mencionadas neste requerimento para se servir delas como forras, fazendo de tudo
termo nos livros da Fazenda Real desta capitania // Bellem do Pará catorze de junho
de mil setecentos e dezanove//140
Ou seja, Manoel de Oliveira Pantoja tem seu pedido atendido, e recebe mais de vinte
indígenas, porque ele deixa claro na petição que são “as pessas” mais “as crias”, seus filhos e
filhas. E tem seu pedido atendido porque se dedica ao cultivo de anil. É essa a justificativa
que Manoel usa para pedir mercê, ou o “favor”, é esta a razão pela qual a mercê é concedida
pelo governador e justificada ao Rei. Manoel, segundo o governador, faz um grande serviço
na ereção da fábrica do anil. Portanto, se ao invés de olharmos para a pauta de exportação,
140
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Carta de Francisco Galvão da Fonseca. Caixa 6, documento 568
58
141
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Manuel de Oliveira Pantoja. Caixa 8,
documento 741.
142
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Luiz de Faria Esteves. Caixa 17, documento
1610.
143
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 8, documento 678.
144
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Carta de Francisco Galvão da Fonseca. Caixa 6, documento 568
59
145
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Certidão sobre denuncia feita por Manuel de Oliveira Pantoja.
Caixa 5, documento 411.
146
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Calisto da Cunha Valadares. Caixa 15,
documento1360.
147
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 11, documento 986
60
relações de Manoel de Oliveira Pantoja, que, no ano de 1705 devia estar estabelecido no Pará
há uns dez ou doze anos.
O que entendemos é que, quando a família Oliveira Pantoja se estabelece na Capitania
do Pará, quem toma a frente e desponta como liderança na Família é Manoel de Oliveira
Pantoja. Seu irmão, José de Oliveira Pantoja, some das documentações políticas e de terras.
Talvez porque fique à sombra do sogro, Antonio Ferreira Ribeiro. Já Manoel, se cerca de
gente influente na Capitania: camarários e funcionários régios, acionando as redes, conforme
suas necessidades, possibilidades e interesses. Em certos momentos, essas redes serão
acionadas novamente; em outros momentos, outras redes de influência e poder serão
acionadas. Por exemplo, os Oliveira Pantoja se insurgirão, novamente, contra representantes
da Companhia de Jesus numa sedição que ocorrerá em Belém na década de 1720.
Em julho de 1722 chega ao Pará um novo governador, João da Maia da Gama. Com o
novo governador, vinha um desembargador sindicante que, entre outras atribuições, tinha a
incumbência de averiguar informações que chegaram ao Reino, relacionadas ao cativeiro
ilegal dos índios148. O mundo em que Maia da Gama entrará naquele julho de 1722, é
marcado por uma constante disputa entre colonos/moradores e missionários pela mão de obra
indígena.
Em 1719, no governo de Bernardo Pereira de Berredo (1718-1722), é convocada a
Junta das Missões, emergindo nela a determinação do governador que ao invés de fazer o
descimento dos índios para as aldeias e das aldeias para o poder dos moradores; que se
descesse os índios passando-os logo ao poder dos moradores, respeitando a determinação de
que os índios seriam forros. E mais ainda, ficava determinado, a partir de então, a permissão
para que os moradores fizessem descimentos às suas custas, legalizando-se a prática das
expedições particulares, dantes clandestinas 149.
Nesse sentido, temos o panorama encontrado pelo novo governador,
Continuaram portanto as cousas, como até ahi: os captiveiros contra a lei, por meio
das empresas particulares; as queixas da câmara, pela falta dos resgates annuaes; e
as inúteis recomendações da Côrte, para que eles se fizessem 150.
Um dos objetivos do governador João da Maia da Gama seria, justamente, dar fim às
expedições clandestinas ao sertão. Expedições essas que eram de total interesse de muitos
moradores e fortemente criticada pelos missionários.
148
AZEVEDO, João Lúcio de. Os Jesuítas no Grão-Pará: Suas missões e a colonização. Secult, Belém. 1999 P. 166
149
Idem p. 165
150
Ibdem
61
Antes de entrar mais profundamente nestas questões, é importante sublinhar que não
pensamos as relações entre colonos e missionários, principalmente da Companhia de Jesus,
em um infindável antagonismo de moradores versus padres. A convivência era, sem sombra
de dúvida, muitas vezes conflituosa, mas também permeada de relações e variáveis complexas
que iam além da simples dicotomia 151. Logo, neste momento do texto, o que virá à tona são as
relações antagônicas travadas entre um grupo político contra os padres da Companhia de
Jesus, em torno da disputa pela mão de obra indígena. Porém, pensamos que este é o
posicionamento de apenas um grupo, outros grupos de moradores, por exemplo, alinham-se
aos missionários da Companhia, defendendo-os. O que só corrobora para a tese de que as
relações entre moradores e padres eram permeadas por variáveis e, dependendo dos interesses
e afinidades, a balança poderia pender para qualquer lado.
No governo de Bernardo Pereira de Berredo (1718-22) alguns moradores pareciam
exercer certo poder e influência, sendo favorecidos e beneficiados com importantes decisões
do governador, principalmente no que tange a prática clandestina de resgate de índios do
sertão152.
Manoel e José de Oliveira Pantoja vivenciaram plenamente a sociedade do Pará
Colonial da primeira metade do século XVIII. E, como era a tônica do período, envolveram-se
nas pendengas que cercavam a força de trabalho indígena e nos conflitos entre missionários,
moradores e representantes do governo em torno do cativeiro e liberdade do gentio da terra.
João Fragoso e Maria de Fátima Gouvêa asseveram que a monarquia
pluricontinental153, ou seja, o Império Português, torna-se uma realidade graças à ação
cotidiana de indivíduos que vivem espalhados pelo Império em busca de oportunidades de
151
Cf. Rafael Chambouleyron. Em torno das missões jesuíticas na Amazônia (século XVII). Lusitânia Sacra, 15
(2003), 2ª series, pp 149-195.
152
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 6, documento 568; Arquivo Histórico
Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 8, documento 682.
153
O conceito de Monarquia Pluricontinental é: um único Reino, uma única aristocracia e diversas conquistas . De
característica polissinodal e corporativa; existindo concorrência e negociação entre seus poderes. Esse tipo de
monarquia fundamenta-se em um quadro de normas, leis, corporações e instituições que conectam todo o
Império, adotando um sentido corporativo de poder, baseado em laços de reciprocidade e certa autonomia dos
poderes locais. Na monarquia pluricontinental a Coroa e primeira nobreza não viviam da espoliação dos
camponeses do Reino, mas, principalmente, de recursos oriundos das conquistas ultramarinas, ou seja, a
monarquia alimentava-se da ventura dos indivíduos que circulavam nesse império buscando acrescentamento
social e material obtidos, principalmente, por meio dos serviços prestados à Coroa em diversas partes do
Império. Na monarquia pluricontinental poderes locais (coloniais) tomavam instituições reinóis como referência.
A conexão dessas partes imperiais desconectadas fisicamente, porém ligadas pelas instituições que conectavam
de Goa ao Grão-Pará, passando por Guiné e Lisboa, atribuiu ao Império um sentido pautado em uma concepção
corporativa de poder. Ver: Sampaio, Juca; Fragoso, João. Monarquia Pluricontinental e a governança da terra no
ultramar atlântico luso – Séculos XVI – XVIII. Ed. Mauad. Rio de Janeiro, 2012.
62
Os apaniguados de Berredo, aos quais se refere o Provedor, são homens que foram ao
sertão, aprisionaram indígenas, trouxeram para suas posses, pediram autorização ao
governador para ficar com as chamadas “peças” e a autorização foi concedida. Neste seleto
grupo figuravam:
Quadro 2 – Apaniguados de Bernardo Pereira de Berredo
Nome do Suplicante Quantidade de escravos
Mathias da Sylva 44
Capitão Clemente Antonio Lameira da Franca 5
Antonio da Cunha 3
Manoel Portal de Carvalho 15
Manoel Gomes da Rocha 32
154
Fragoso, João; Gouvêa, Maria de Fátima. Introdução – desenhando perspectivas e ampliando abordagens – de O
antigo Regime nos Trópicos a Na trama das redes. In: Fragoso, João; Gouvêa, Maria de Fátima. Na trama das
redes: política e negócios no Império Português, séculos XVI-XVIII. Civilização Brasileira. Rio de Janeiro,
2010.
155
BARTH, Frederic. Process and form in the social Life. Londres/Boston/Henley, routledge & Kegan Paul, 1981.
156
Fragoso, João; Gouvêa, Maria de Fátima. Introdução – desenhando perspectivas e ampliando abordagens – de O
antigo Regime nos Trópicos a Na trama das redes. In: Fragoso, João; Gouvêa, Maria de Fátima. Na trama das
redes...
157
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 6, documento 568.
63
Conforme podemos observar no quadro acima, Manoel de Oliveira Pantoja tem duas
requisições atendidas. Em 28 de março de 1719 Bernardo Pereira de Berredo atende ao pedido
de Manoel, cidadão de Belém, que requisitava se servir de treze peças do gentio da terra que
recebeu como pagamento de uma dívida, e, como não foram feitos em Tropa de Guerra e sim
resgatados, é necessário dar conhecimento ao governador e pedir permissão. Licença
concedida, no mesmo ano, dia 14 de junho, novamente uma petição de Manoel, que é
prontamente atendido com a seguinte resposta do governador
Atendendo ao grande serviço que faz o suplicante na ereção da fábrica do anil,
obrigandose a levantala e estabelecela com todas as condições declaradas nas
Ordens de Sua Mag. Que Deos o Guarde debaixo delas lhe concedo todas as peças
mencionadas nesse requerimento159.
É também Bernardo Pereira de Berredo que concede, em seu governo, no ano de 1718,
uma sesmaria a Manoel de Oliveira Pantoja, mesmo este já possuindo terras; como podemos
observar no trecho da carta de data e sesmaria;
(...) q tendo respeito ao q por sua petiçam me enviou a dizer Manoel de Oliveira
Pantoja cidadão desta cidade, q ele possue há mais de vinte e seis anos tres quartos
de legoa de terra em q tem fabricado hum cacauzal, como também outras lavouras, e
q pelas muitas q nelas tem feito (...) lhe he muito preciso a concessão de mais terras
(...)160.
158
Há possibilidade deste Manoel de Oliveira ser o mesmo Manoel de Oliveira Pantoja. Porém, como o documento
não fornece meta-dados suficientes para confirmação, achamos por bem separar os dois.
159
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 6, documento 568
160
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 8, documento 678
64
Jesuítas estavam por trás desse “complô” contra os moradores pairavam no ar. Denúncias,
sindicâncias e prisões foram realizadas pelo novo governo, contra os moradores. Em
contrapartida, espalharam-se pasquins e sátiras incitando aos moradores que se revoltassem
contra os missionários e contra a pessoa do novo governador, João da Maia da Gama.
Em meio à devassa contra os responsáveis pelos cativeiros, a presença de um homem
destaca-se, Paulo da Silva Nunes, procurador das câmaras de Belém e São Luís, que
apresentou na câmara da cidade de Belém vasta documentação em defesa dos moradores, a
favor dos cativeiros e, claro, contra os missionários. 161
O padre Jacinto de Carvalho, visitador da Companhia de Jesus, vendo a gravidade da
situação que se instaurava, apela para o governador, denunciando Paulo da Silva Nunes como
principal cabeça do motim que grassava à cidade de Belém. Denunciando, também, o grupo
dos sediciosos que faziam reuniões em casas de moradores influentes; onde escreviam papéis
que lançavam pelas ruas à noite, insuflando os moradores que lançassem fora os padres.
Jacinto de Carvalho relata
para destruição de todo aquele povo, não cessava de andar de um Clemente Palheta,
para a casa de um Antonio de Sousa Soeiro, ajuntou-se por companheiro um Manoel
de Oliveira Pantoja, homem orgulhoso, desinquieto e perturbador, e por tal, o
mandou já sua Magestade exterminar daquela terra, governando Cristóvão da Costa
Freire. Em uma outra casa eram já grandes os ajuntamentos (...) via-se já isto em
termos de haver um motim162.
O que nos chama atenção nesta “sedição” na cidade de Belém na década de 1720 é
que, mais uma vez, um membro da família Oliveira Pantoja estava envolvido em uma rede de
influências e conchavos, articulando em grupo, interesses que envolviam: pessoas das famílias
locais, ex-governadores e funcionários da administração, como era o procurador das câmaras.
Aliás, os nomes mencionados pelo visitador geral das missões da Companhia de Jesus, padre
Jacinto Carvalho, também constam na rede de “apaniguados e favorecidos” do ex-governador
do Pará, Bernardo Pereira de Berredo, denunciados em carta remetida ao Rei pelo Provedor
da Fazenda Real, Francisco Galvão da Fonseca, em 1720. 163
Em documento encaminhado ao Conselho Ultramarino, em 1724, Paulo da Silva
Nunes dá conta de seus préstimos e elevada posição nos dezesseis anos vividos no Grão-Pará
a serviço da Coroa. Levado ao Pará, possivelmente, no governo de Cristóvão da Costa Freire,
volta praticamente foragido para Portugal em 1724, após ser preso sob a acusação de
161
DIAS, Joel Santos. Os verdadeiros conservadores do Estado do Maranhão: poder local, redes de clientela e
cultura política na Amazônia Colonial (primeira metade do século XVIII). Dissertação de Mestrado apresentada
ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Pará. Belém, 2008.
162
Relato do visitador geral das missões da Companhia de Jesus, padre Jacinto de Carvalho. In: Moraes. Corografia
Histórica, tomo IV, p. 321.
163
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 6, documento 568.
65
164
MORAES. Corografia Histórica. Tomo III. Pp. 351-376.
165
CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Para aumento da conquista e bom governo dos moradores: a Câmara de São
Luís e a política da monarquia pluricontinental no Maranhão. In: Fragoso, João; Sampaio, Antonio Carlos Jucá.
Monarquia Pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso- séculos XVI-XVIII. Ed. Mauad,
Rio de Janeiro, 2012. p. 26
166
DIAS, Joel Santos. Op. Cit. Belém, 2008.Pp. 120-124.
167
BERTRAND, Michel. Elites y configuraciones sociales em Hispanoamérica colonial. In: Revista de História,
Nicarágua, 13, 1999.
66
inseridos configuram uma rede, é necessário saber se esses laços e conexões eram acionados
com vista a atingir certos objetivos. 168
Na caracterização de uma rede, é fundamental perceber se as relações nascem
diretamente da iniciativa e da vontade expressa dos atores sociais como as alianças
matrimoniais, associações de natureza econômica, da amizade e de alguns laços de
dependência em que se pode incluir o clientelismo ou a fidelidade. Nas redes as relações entre
os indivíduos são, quase sempre, assimétricas e desiguais. Essas desigualdades permitem o
acesso diferenciado a certos tipos de recurso; o que significa dizer que os indivíduos que
integram uma rede, embora disponham de algum grau de controle sobre alguns tipos de
169
recursos, não têm igual capacidade de controle sobre todos eles.
Participar dessa rede política, que tem seu apogeu no governo de Bernardo Pereira de
Berredo, propicia à família Oliveira Pantoja obter os dois bens mais preciosos na capitania do
Pará naqueles idos do início do século XVIII: terras e escravos. É participando dessa rede que
os membros recebem benesses e, em troca, apoiam o governador em seu governo. Além disso,
a rede que a família Oliveira Pantoja aciona no governo de Bernardo Pereira de Berredo e,
posteriormente, na sedição de 1722, a conecta a várias instâncias do poder que ia dos
potentados locais, passando pelos agentes metropolitanos, como o governador Berredo e o
procurador das câmaras, desembocando na Corte de Lisboa, onde o ex-governador Bernardo
Pereira de Berredo era o elo que conectava o interesse daquela família, às instâncias
superiores onde deliberavam os ministros do Rei.
Se por um lado, a estratégia de Manoel de Oliveira Pantoja é pedir terras em sesmaria,
fazer plantação de cacau e granjear amizade fazendo alianças políticas com gente influente,
como a família Serrão de Castro; constituindo elos que ligam a família a instâncias no próprio
Reino; por outro lado, a estratégia de José de Oliveira Pantoja mostra-se ser a matrimonial,
aliando-se a duas famílias importantes na Capitania do Pará, os Bittencourt e os Ferreira
Ribeiro.
Alianças Matrimoniais
Já sabemos que os irmãos Oliveira Pantoja aportaram em terras da Capitania do Pará,
traçaram planos e estratégias e logo se estabeleceram entre os maiores da região. Trataram de
apropriar-se de terras e nelas instalar suas lavouras de cacau e outras culturas. E, igualmente,
168
CUNHA, Mafalda Soares da. Redes sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das conquistas,
1580-1640. In: Fragoso, João; Gouvêa, Maria de Fátima. Na trama das redes.... p. 119
169
CUNHA, Mafalda Soares da. Redes sociais e decisão política no recrutamento dos governantes das conquistas,
1580-1640. In: Fragoso, João; Gouvêa, Maria de Fátima. Na trama das redes.... p. 120
67
Fontes: Habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja e Justificação de nobreza de Lourenço Antônio de
Oliveira Pantoja171
A família Bittencourt, especialmente o costado que D. Luísa fazia parte, era de gente
muito influente no Estado do Maranhão. D. Luísa era filha do mestre de campo Antonio
Ferreira Ribeiro e de sua mulher D. Agueda de Bittancourt, que, por sua vez, era filha do
capitão-mor Feliciano Correa172 e sua mulher Maria Ferreira que foi neta de Pedro Teixeira.
170
Arquivo Nacional Torre do Tombo. Habilitação de Amândio de Oliveira Pantoja. Mç 1, doc. 10.
171
Arquivo Nacional Torre do Tombo, Feitos Findos, Justificação de Nobreza. Mç 23, documento 11
172
Em Annaes Histórico do Maranhão, Bernardo Pereira de Berredo relata sobre as memórias do ano de 1645 que
Feliciano Correa era capitão mor da capitania do Pará. Berredo, Bernardo. p. 406.
68
Muitos anos depois deste casamento entre José de Oliveira Pantoja e D. Luiza de
Bittancourt, Amândio José de Oliveira Pantoja, neto de José e Luiza, pedirá habilitação para
familiar do Santo Ofício 179. Nesta habilitação, serão ouvidas e interrogadas muitas
testemunhas que conheceram os pais e avós de Amândio, como já vimos anteriormente. São
essas testemunhas que conheceram José e Luiza que nos dão informações sobre suas
atividades, suas posses e como eram vistos pela sociedade local. No dia vinte e sete de abril
do ano de 1797, José e Luiza já eram falecidos. No entanto, todas as pessoas interrogadas pelo
Comissário do Santo Ofício responsável pela diligência de habilitação de Amândio relatavam
saber quem foram José de Oliveira Pantoja e Dona Luíza de Bittencourt, tidos como “gente
muito nobre”, que “viviam de suas fazendas”, “vivendo a lei da nobreza”180.
O pai de D. Luiza de Bittencourt era Antonio Ferreira Ribeiro, que no ano de 1707 já
tinha a patente de capitão, e recebe três léguas de terra no Rio Acará para dedicar-se ao ramo
que ele já trabalhava: engenhos181. Ou seja, José de Oliveira Pantoja quando casa com D.
Luiza, entra em um circuito que a família Oliveira Pantoja ainda não estava, que era o ramo
do açúcar, tanto pelo lado dos “Bittencourt” quanto pelo lado dos “Ferreira Ribeiro”. No ano
de 1727, o sogro de José de Oliveira Pantoja tem mais uma sesmaria confirmada, também no
rio Acará, no igarapé Catainduba. Porém, esta terra de meia légua será destinada para cultivar
os mantimentos que alimentariam os escravos que trabalhavam no engenho açucareiro de
João Ferreira Ribeiro 182.
José de Oliveira Pantoja insere a família na parentela dos primeiros desbravadores da
terra. Afinal, a prole de Pedro Teixeira, Feliciano Correia (Correa), dos Bittencourt e dos
Ferreira Ribeiro é descendente daqueles que foram os pioneiros na Conquista do Maranhão e
Pará. A historiografia tem hegemonizado essa categoria “nobreza da terra”, “primeiros
conquistadores”; no entanto, mesmo a família Oliveira Pantoja tendo aportado na capitania do
Pará ainda no século XVII, havia outras poderosas famílias, anteriores a eles; e, nesse jogo de
poder, o casamento foi uma ferramenta de inserção para os “recém-chegados”. Aliás, o
casamento para o noivo estrangeiro poderia representar a possibilidade de conseguir terras ou
outras propriedades através de um dote; além de um sistema de alianças e solidariedades
presentes na elite senhorial183.
179
Familiatura do Santo Ofício – Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação de Amândio, Maço 1,
documento 10
180
Idem.
181
Livro de sesmarias. Iterpa nº 15, p. 26 verso.
182
Livro de sesmarias. Iterpa. nº 15, p. 39 verso.
183
FRAGOSO, João. A nobreza da República: notas sobre a formação da primeira elite senhorial do Rio de Janeiro
(séculos XVI e XVII). Revista Topoi, 2008, p. 58.
70
José de Oliveira Pantoja casa com D. Luiza de Bittencourt. Não temos notícias de que
ele tenha recebido algum dote deste casamento, mas acreditamos ser bem provável.
Encontramos uma carta de confirmação de sesmaria datada de 1725, na qual uma viúva, D.
Portazia de Bittencourt, solicita a confirmação de terra que recebeu de seu pai em dote de
casamento. Este documento nos dá pistas sobre a possibilidade de D. Luiza, que como D.
Portazia, membros da mesma família, possa ter recebido terras por conta de seu consórcio
com José de Oliveira Pantoja, o que explicaria, em parte, não termos encontrado referência a
nenhuma terra requerida por José de Oliveira Pantoja nos livros de sesmaria. Alida Metcalf ao
analisar o padrão familiar comum na elite paulista dos séculos XVII e XVIII, observa que os
pais faziam uso do dote, concedidos às filhas na altura do casamento, para transferir
quantidades significativas da propriedade familiar 184.
É a partir deste ponto que, mais claramente, começamos a delimitar as estratégias dos
irmãos Oliveira Pantoja. O capital econômico e simbólico que a família Oliveira Pantoja vai
construindo, desde seu estabelecimento na capitania do Pará e que será a tônica de toda a sua
trajetória, constituindo-se na principal base econômica da família, até meados do século XIX,
será a posse de terras, com cultivos variados, mas, principalmente, cultivo de cacau e engenho
de açúcar, alicerçado na posse de escravos (indígenas na primeira e segunda gerações e
africanos na segunda e terceiras gerações). As alianças matrimoniais estabelecidas pela
família, desde a geração de José de Oliveira Pantoja e, depois, nas gerações de seus filhos e
netos; serão, em grande medida, consolidadas em busca de novas conexões, novas fortunas,
buscando novas áreas de atuação e influência.
Mas, afinal, qual a importância da família nesta sociedade colonial? Sheila de Castro
Faria, ao tratar da sociedade colonial fluminense nos aponta a importância do grupo familiar,
porque é pela e para a família que os aspectos da vida cotidiana convergem ou dela originam-
se. É a família que influi no status, na posição social, atribui estabilidade ou faz migrar.
Porque, segundo Sheila Faria, a identificação do indivíduo na colônia se dá em relação ao
grupo mais amplo ao qual pertence, neste caso, a linhagem ou parentela. Parentela porque o
termo família, neste período, liga-se a elementos que extrapolam a consanguinidade,
açambarcando aos que coabitam no domicílio, e os parentes de relações rituais, como o
compadrio, por exemplo. 185
184
METCALF, Alida C. Elementos para a definição do padrão familiar da elite de São Paulo colonial. Revista Ler
História, 29 , 1995, p. 92.
185
FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento: fortuna e família no cotidiano colonial. 1998, p. 207
71
Se muito já falamos de alguns entre tantos possíveis motivos que levaram José de
Oliveira Pantoja a casar com D. Luiza de Bittencourt; necessário se faz percorrer o caminho
contrário. O que levou a família de D. Luiza de Bittencourt a casar a filha com José de
Oliveira Pantoja?
Ter um genro reinol em uma sociedade permeada pela mestiçagem, na qual a figura
indígena se fazia presente, deveria contribuir no jogo social de uma sociedade de antigo
regime. Casar as filhas com homens vindos de Portugal poderia se configurar como uma
maneira de reforçar a identidade portuguesa, estreitando os laços entre famílias locais e
Portugal186. Principalmente se pensarmos as famílias Bittencourt e Ferreira Ribeiro que há
muito estavam estabelecidas na capitania do Pará. Aliás, a família Bittencourt, parece ser
originária dos Açores e Madeira 187. Casar suas filhas com reinóis era, nesse sentido, atribuir à
família um maior capital simbólico e, até mesmo, ampliar as redes de sociabilidade
conectando os dois lados do atlântico.
O que percebemos acerca da família Oliveira Pantoja, neste período de
estabelecimento e consolidação de seu poder na Capitania do Pará, é que, muitas foram as
estratégias que eles lançaram mão para melhor se estabelecer na capitania.
Os Oliveira Pantoja procuraram obter terras para os seus cultivos, tornando-se
partícipes de uma elite proprietária 188. Proprietária de terras: sim. Parte de uma elite 189?
Também. Mas isso não significou “grandes latifundiários” “monocultores” e, muito menos,
uma “elite” exclusivamente proprietária de terras. A família Oliveira Pantoja se inseriu na
186
METCALF, op. cit, p. 93.
187
O dicionário das famílias brasileiras de Carlos de Almeida Barata e Antonio Henrique Cunha Bueno afirma que
Bittencourt (e suas variáveis) é uma família que, em Portugal, principia em Reynaldo Bittencourt, irmão de João
III de Bittencourt, Rei das Canárias. Família de origem francesa, passam às Ilhas Canárias na pessoas de João III
de Bittancourt, gentil homem normando, camarista de Carlos VI, rei de França e conquistador das Ilhas Canárias.
Depois de ser intitulado rei das Canárias, ausentou-se para a França, deixando por governador das Ilhas os filhos
do seu irmão Reynaldo de Bittencourt, que tornaram-se verdadeiros patriarcas desta família Bittencourt, que se
espalhou pelas demais Ilhas portuguesas, Portugal e Brasil. O quinto neto de Reynaldo de Bittencourt, Jorge
Lemos Bittencourt, é contratado para levar gente das ilhas para povoar o Maranhão e Grão-Pará no princípio do
século XVII.
188
Por outro lado, explicitaremos nos próximos capítulos que a elite da capitania do Pará, da qual os Oliveira
Pantoja faziam parte, apresentava-se no XVIII de maneira bem mais complexa que poderíamos supor em um
olhar superficial. Ao constatar que esses homens ora participavam da governança da terra, arrematando dízimos,
nas câmaras e com altas patentes militares; eles também possuíam terras, escravos e mercadejavam. Neste
sentido, aproximamos a construção de nosso trabalho da tese defendida pelo Prof. Souza Junior que alega a elite
ser constituída por funcionários-proprietários-negociantes. Cf. Souza Junior, José Alves. Nas tramas do
Cotidiano...
189
Tomamos como conceito de elite para além da questão específica de poder político ou econômico; abarcando
pessoas e famílias que ocupavam o topo da hierarquia social onde a riqueza material, por si só, não seria
determinante na constituição do caráter da elite, embora o controle sobre os postos de comando seja uma
importante via de acesso ao enriquecimento. Cf. Moore Jr, Barrington. Aspectos Morais do crescimento
econômico: Rio de Janeiro, Record, 1999; Heinz, Flávio (org.). Por outra história das elites. Rio de Janeiro:
FGV, 2006.
72
190
Quanto utilizamos o termo compra, estamos conservando o termo que encontramos na própria documentação,
notadamente nos registros de sesmarias. Muito embora saibamos que não se pode comprar terras no período em
tela, entendemos que o que se comprava era a posse das terras.
191
Qualidade: qualidade civil, a que alguém tem em razão da nobreza, nascimento ou dignidade. Ver: Dicionário
BLUTEAU, Raphael. Vocabulario Portuguez e Latino. Rio de Janeiro: UERJ; Departamento Cultural, 2000 (1ª
edição de 1712), p. 60.
73
No primeiro capítulo deste trabalho, foi possível perceber a chegada dos Oliveira
Pantoja e seu estabelecimento na Capitania do Pará. A entrada desta família em uma elite
proprietária de terras, aponta uma preocupação dos Pantoja em assenhorear-se e legalizar
(mediante sesmaria) as terras onde fincam suas raízes. Nota-se que, principalmente, até a
década de 1720, esta família figura constantemente nos documentos coloniais envolvidos em
questões agrárias (terra e produção), bem como, em questões relativas à mão de obra indígena
193
.
A partir de finais da década de 1720, porém, outros assuntos envolvendo os Oliveira
Pantoja surgem na documentação colonial. Esta documentação será o alvo da segunda parte
192
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação de Amândio, Mç1, doc. 10; Arquivo Nacional da Torre do
Tombo. Feitos Findos, Justificação de Nobreza, Mç 1, documento 23. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Feitos Findos, Justificação de Nobreza, Mç 23, documento 11.
193
Em primeiro de fevereiro de 1741 Jerônimo de Oliveira Pantoja apresenta indígenas para regularizar – Livro
das Canoas, documento 35, filha 26V, página 46. Em 20 de novembro de 1747 Manoel de Oliveira Pantoja
regulariza indígenas pegos ilegalmente no sertão – Meira, Márcio. Livro das Canoas. FAPESP, 1993; documento
222, folha 120, pagina 162. Manoel de Oliveira Pantoja pede autorização ao Governador Bernardo Pereira de
Berredo para legalizar 33 indígenas pegos ilegalmente no sertão AHU, Pará (avulsos). Caixa 6, documento 568.
74
deste trabalho, que objetiva descortinar os meandros que catapultaram os membros desta
família a figurar entre os considerados melhores da terra.
2.1 Da melhor nobreza desta Terra194
No dia 27 de abril do ano de 1797, na cidade de Belém, capitania do Pará, foi chamado
diante da comissão responsável por fazer as diligências da habilitação de Amândio José de
Oliveira Pantoja; o alfaiate Miguel Diniz. Miguel havia nascido e morou desde sempre em
Belém. Naquele dia, depois de pôr “a mão sobre os Santos Evangelhos” e prometer dizer a
verdade “em nome de Deos”; o alfaiate deveria responder sobre “a vida e procedimentos” da
família Oliveira Pantoja. Miguel conhecia a todos; conhecia Amândio “de vista e trato há
muitos anos”, também conheceu os avós paternos e maternos de Amândio. Mas, neste
momento, o que nos interessa saber é que Miguel conheceu “desde a sua meninice” Manoel,
que era pai de Amândio e filho nascido do consórcio entre José de Oliveira Pantoja e Dona
Luiza de Bittencourt, que vimos no primeiro capítulo deste trabalho. Manoel é, portanto,
representante da segunda geração da família Oliveira Pantoja195.
No primeiro capítulo deste trabalho acompanhamos um pouco da trajetória de um
Manoel de Oliveira Pantoja, o qual pede terras no Rio Moju. O Manoel do primeiro capítulo
(membro da primeira geração dos Oliveira Pantoja) é tio deste segundo Manoel que
trataremos neste capítulo. O Manoel que a partir de agora trataremos, bem como seus irmãos e
primos, faz parte dos Pantoja que já nascem no Pará. As notícias que temos dessa segunda
geração é de que eles são muitos.
Portanto, dos irmãos que chegaram de Portugal no final do século XVII, gerou-se
extensa prole. Em carta para o rei no ano de 1735, o governador do Pará, José da Serra
informa que “Nesta Cappnia há hum Joseph de Oliveira Pantoja, q tem somente nove filhos
homens”196. No ano de 1739 o então governador do Pará João de Abreu Castelo Branco
informa sobre os procedimentos da família Oliveira Pantoja. Nesta carta, o governador relata
“Esta família cujo procedimento V. Magde he servido mandarme examinar he bastantemente
numeroza”.197
Vamos voltar para aquele 27 de abril de 1797. Miguel, o alfaiate, está diante do
comissário do Santo Ofício sob o olhar atento do escrivão que, de pena na mão, transcrevia as
informações passadas. Miguel, após o juramento, responde que “conheceo de vista e trato aos
194
Era como diversas testemunhas da Habilitação de Amândio referiram-se à família Oliveira Pantoja. Arquivo
Nacional da Torre do Tombo. Habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja. Mç1; doc. 10.
195
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação Amândio José de Oliveira Pantoja. Mç1 doc. 10.
196
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa.18, documento 1681
197
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 22, documento 2087.
75
pais do habilitando Amândio José de Oliveira Pantoja chamados Manoel de Oliveira Pantoja
e Dona Tereza Maria de Ataíde naturaes e moradores nesta cidade do Pará, gente nobre e
groça de figura que viviam a lei da nobreza”.198 Manoel de Oliveira Pantoja, que o alfaiate
Miguel Diniz conhecia desde a meninice, é um desses nove filhos homens de José de Oliveira
Pantoja, referidos pelo governador José da Serra.
Durante trinta e dois dias (do dia 27 de abril até o dia 2 de junho de 1797) vinte e
quatro pessoas foram chamadas pela Inquisição para, diante do comissário e do escrivão,
responder sobre os procedimentos e a vida dos Oliveira Pantoja. Todas as testemunhas
arroladas e inquiridas repetem o mesmo discurso “gente nobre”, “vivem a lei da nobreza”,
“groça de figura”, “da nobreza desta terra”.
Sobre o termo cunhado “nobreza da terra” orbitam muitas polêmicas. De acordo com
Maria Fernanda Bicalho, alguns historiadores afirmam que este termo só pode ser utilizado
para referir-se à açucarocracia pernambucana. Segundo estes pesquisadores, apenas em
Pernambuco colonial o termo nobreza da terra é encontrado na documentação. Bicalho
discorda desse posicionamento revelando que “nobreza da terra” surge em diferentes fontes
da época199.
Nesse sentido, concordamos com Maria Fernanda Bicalho, uma vez que várias vezes
encontramos na Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira
Pantoja, o termo “nobreza da terra”, “da melhor nobreza desta terra” 200
, referindo-se às três
gerações da família Oliveira Pantoja. No entanto, para além do termo ser ou não encontrado
na documentação, é preciso saber se o conceito se aplica às elites coloniais, e, nesse caso
específico, aos Oliveira Pantoja.
Se a primeira geração da família Oliveira Pantoja (Manoel de Oliveira Pantoja e José
de Oliveira Pantoja, os irmãos) aparece constantemente nos pedidos e confirmações de
sesmarias; é bem verdade que a segunda e terceira gerações envolvem-se, recorrentemente,
em outro tipo de documentação. Figuram em pedidos de promoções militares, conflitos com
os emissários da Coroa e com membros de outras famílias importantes e ocupando assentos
no Senado da Câmara de Belém e como irmãos da Santa Casa de Misericórdia.
198
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação Amândio José de Oliveira Pantoja. Mç1 doc. 10.
199
BICALHO, Maria Fernanda. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a
cultura política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, n. 02. 2005. pp, 21-34.
200
Conforme encontramos na habilitação para Familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja,
Mç1 doc. 10.
76
Isso nos remete ao que apontou Nizza da Silva, cujo conteúdo afirma que na colônia o
relevante não é a reprodução social da nobreza, e sim, o processo de nobilitação. Esta
nobilitação surge ligada a feitos militares; que serão, recorrentemente, lembrados nos pedidos
de mercês, principalmente por conta da expulsão dos franceses, das pendengas com o gentio
de corso e pelo desbravamento de rios e sertões desta região de fronteira do Império
Ultramarino Português. Com o passar do tempo ocorre o alargamento da rede administrativa,
elevando o número de câmaras e funcionários, organizando-se ordenanças e demais tropas
auxiliares, criando-se ofícios de justiça e fazenda, e, portanto, todos aqueles que ocupam estes
postos, incluindo os camarários e das milícias locais, foram nobilitando-se. 201
Ainda de acordo com Nizza da Silva, as formas mais visíveis dessa nobreza colonial
eram a concessão de foro de Fidalgo da Casa Real; a atribuição de Hábitos e, mais raramente,
de Comendas das três Ordens Militares; a inserção no grupo privilegiado dos Familiares do
Santo Ofício; a ocupação de postos na oficialidade auxiliar e a pertença ao grupo dos
cidadãos; ou seja, dos eleitores e dos elegíveis para os cargos municipais. 202
Não à toa, no ano de 1730, a segunda geração da família Oliveira Pantoja figura no
Mapa das Ordenanças que se encontravam na praça da Capitania do Pará, como partícipes na
lista dos cidadãos; e, na lista da Companhia dos Filhos e Netos dos Cidadãos.203
201
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Ser nobre na colônia. São Paulo: editora UNESP, 2005.
202
Idem. P. 8
203
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 12, documento 1142.
77
Fonte: Mapa das ordenanças que se encontram na praça da Capitania do Pará elaborado de acordo com a mostra
geral de 20 de setembro de 1730.204
Luís de Oliveira Pantoja, que aparece neste mapa das ordenanças compondo a lista dos
cidadãos, é filho de Manoel de Oliveira Pantoja que chega ao Pará, junto com o irmão;
portanto, Luís é membro da segunda geração dos Oliveira Pantoja. Encontraremos Luís,
novamente, no ano de 1749 vivenciando um outro momento na sua vida e na história da
Capitania do Pará. No dia trinta de maio do ano de 1749, os oficiais da câmara de Belém
redigem uma carta para o Rei D. João V solicitando a concessão de tropas de resgates para
socorrer aos moradores da capitania do Pará. Alegam que os resgates se faziam necessários
pois
Achace toda esta capitania no deplorável estado de hua rigorosa epidemia que a
toda ella tem reduzido a mizeria e penúria de seos princípios, sendo mais
considerável o estrago na escravatura, dos quaes estão os moradores tao destetuidos,
q se vem as suas lavouras e culturas, sem benefício, no que terá também grande
decadência a Real Fazenda de V. Magde205
Em que pese o discurso de convencimento dos oficiais camarários para persuadir o Rei
a permitir a ida aos sertões para resgatar indígenas ser interessante e, por isso mesmo, tentador
a uma análise; não é este o nosso objetivo, no momento. O que interessa por agora são as
assinaturas dos oficiais camarários no fim da extensa missiva. Quem assina? Antônio João de
204
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 12, documento 1142.
205
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 31, documento 2917
78
Siqueira; João Pereira da Costa; José de Souza Monteiro; Clemente Almeida Pereira e Luís de
Oliveira Pantoja. Encontrar um Oliveira Pantoja entre os camarários não é de estranhar, uma
vez que eles participavam do grupo de cidadãos e, como tal, poderiam eleger e serem eleitos
para os cargos da República, como veremos adiante.
Nuno Monteiro sublinha a ideia de que “ser nobre” no século XVII passa por inflexões
que vão acarretar em um alargamento da definição jurídica da nobreza portuguesa; o que
implica em uma redefinição de privilégios e dos próprios grupos privilegiados. Nesse sentido,
cria-se um estado intermédio, mas ainda privilegiado, que não era a nobreza titulada nem os
possuidores de ofícios mecânicos. Instituía-se um grupo privilegiado que ocupa postos e
ofícios, desempenhando funções nobilitantes como: pertença ao corpo de oficiais do exército
de primeira linha ou das ordenanças; pertença a magistratura e oficiais das câmaras
municipais206.
Se levarmos em conta os itens que Nizza da Silva aponta para o processo de
nobilitação na colônia, os Oliveira Pantoja, nas três gerações analisadas neste trabalho,
contemplam quase todos. Participavam do grupo dos cidadãos207, ocuparam diversos postos
na oficialidade auxiliar208 e na própria tropa paga como cadetes209, receberam Hábitos de
ordens210, inseriram-se no grupo privilegiado dos Familiares do Santo Ofício 211.
Antonil escreveu que no Brasil poder-se-ia estimar o “ser senhor de Engenho” tanto
quanto se estimava em Portugal os títulos fidalgos212; esta máxima atraiu, inúmeras vezes,
historiadores que balizavam o conceito de nobreza e fidalguia na colônia assentado,
206
MONTEIRO, Nuno. O poder senhorial, estatuto nobiliárquico e aristocracia. In: Hespanha, Antonio M.
(Coord.). História de Portugal: O Antigo Regime (1620-1807). Lisboa, Circulo de Leitores. Vol. 4, 1993. Pp.
334-337.
207
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 12, documento 1142.
208
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 63, documento 5509; Caixa 70, documento 5958;
Caixa 88; documento 7157; Caixa 100, documento7509; Caixa 109; documento 8583, Caixa 112; documento
8711; Caixa 117; documento 9006; Caixa 117; documento 9008; Caixa 136, documento10360.
209
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Ofício do governador do Rio Negro remetendo os mapas
anuais de população das capitanias do Pará e Rio Negro (1778). Caixa 94, documento 7509.
210
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 118, documento 9109; Arquivo Histórico
Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa .119, documento 9168; Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate.
Caixa 124, documento 9544.
211
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Amândio José de
Oliveira Pantoja. Mç1, documento 10.
212
ANTONIL, André João. Cultura e opulência do Brasil por suas drogas e minas. Comissão Nacional para a
comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 2001, liv. I, Cap.I.
79
Pode parecer estranho começar este subcapítulo com um trecho do clássico: Casa
Grande e Senzala. Mas é justamente esta dimensão que queremos descortinar: a dos senhores
poderosos com a sua escravaria que falam aos representantes do rei. Gilberto Freyre não está
se referindo à família Oliveira Pantoja, mas bem que poderia. Em carta do dia onze de
dezembro de 1749 Luís de Oliveira Pantoja, agora Juiz Ordinário, escreve representando a
câmara da cidade de Belém
A obrigação de nossos cargos nos conduz pella quietação e sucego do povo desta
cidade, representamos V. Magde o mau procedimento do Pe Caetano Eleutério de
Bastos, q revestido de hu animo sumamente revoltoso e inquieto procura todos os
meyos de perturbar a paz com que V. Magde quer se conservem os seus vassalos,
descompondo e injuriando as pessoas de melhor qualidade desta terra, fiandosse no
seu caráter o qual não obstante se receya algum movimento pernicioso ao serviço de
V. Magde. que nos deve proteger e amparar mandando se extermine este Padre desta
213
MONTEIRO, Nuno Gonçalo Freitas. Elites e Poder, entre o Antigo Regime e o Liberalismo. Ed.
Universidade de Lisboa, Lisboa, 2003. P. 43.
214
BOXER, Charles R.. O Império Marítimo Português 1415-1825. Edições 70, Lisboa, 2001.
215
FREYRE, Gilberto. Casa Grande e Senzala. Formação da família brasileira sobre o regime da economia
patriarcal. 47. Ed. São Paulo: Global, 2003, p. 66
80
Claramente, Luís de Oliveira Pantoja escreve os deveres do Rei e diz “deve” proteger
e amparar e que, portanto, expulse o padre. Gilberto Freyre, já nos idos de 1930, escreve
apontando o poderio das elites coloniais, ressaltando a autonomia dos potentados locais frente
à Coroa. A partir, principalmente, de finais do século XX diversos estudos emergiram e
pesquisas sistemáticas ressaltaram a existência de diversos poderes, dentre os quais o local,
concorrendo com o poder régio.
Para Caio Prado Jr, as Câmaras municipais seriam capazes de ligar a população e os
demais órgãos administrativos coloniais, uma espécie de “cabeça do povo”, imbuídas de
efetivas doses de poder 217
. Raimundo Faoro, em seu estudo “os donos do poder”, valoriza a
instituição camarária, vendo-a como um elo a mais na cadeia de controle régio e não como
instituição autônoma ou representativa do povo218. Evaldo Cabral de Mello sublinhou a
característica principal das câmaras municipais como espaços privilegiados de barganha e
negociação política219.
Se voltarmos ao ano de 1749, Luís de Oliveira Pantoja assina carta dos oficiais da
câmara de Belém onde pedem autorização para que os moradores façam tropas de resgates
devido à epidemia que grassou na Capitania. Nesta carta, os camaristas escrevem
(...) esperamos na Real Proteção de V. Magde nos socorrer por meyo de alguas
Tropas de Resgates para reparar tão grande danno; e porque temos requerido
repetidas vezes ao Govvernador e Capitão General do Estado desse providencia a esta
tam grande necessidade se escuzou deferir a ellas com o pretexto de V. Magde.
impedir as ditas tropas. Rogamos e pedimos humildemente a V. Mag de se
compadeça destes seos necessitados vassalos concendendolhes as referidas Tropas
de Resgates para por meyo delas se hirem refazendo de servos pois a mayor parte
220
das fazendas hoje se achao despovoadas
216
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Carta do governador em resposta aos
oficiais da câmara. Caixa 32, documento 3060 [grifo nosso]
217
PRADO JÚNIOR, Caio: Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Ed Brasiliense. 7ª reimpressão, da
23ª edição de 1994.
218
FAORO, Raimundo. Os donos do poder: Formação do patronato político brasileiro. 3ª edição, editora Globo,
2001.
219
MELLO, Evaldo Cabral. A fronda dos mazombos. São Paulo, Companhia das Letras. 1996.
220
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 31, documento 2917
81
não eram só as Tropas de Resgates que pedia Luís de Oliveira Pantoja e os demais camaristas,
eles alegavam que as tropas não seriam
bastante para a reforma de tantos milhares de escravos q‟ peresserão nesta peste,
rogamos a V. Magde se digne mandar algus Navios de Pretos escravos para estes se
repartirem com os moradores consignandose-lhe algus anos para a satisfação do
valor.
Portanto, Luís de Oliveira Pantoja e Marcelo de Alfaya, ambos camaristas naquele ano
de 1749 e parentes de João Furtado de Vasconcelos, desafeto do padre Caetano Eleutério
Bastos, estavam valendo-se de seu poder na câmara para conchavar com outros camarários e
persuadir ao rei para que expulsasse o padre da Capitania do Pará. Utilizaram, portanto, a
câmara para, no jogo político, defender os interesses de sua parentela. E, neste ponto,
221
BICALHO, Maria Fernanda. A cidade e o Império: O Rio de Janeiro no século XVIII. São Paulo: Civilização
Brasileira, 2003.
222
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 32. documento 3060.
82
podemos perceber que um camarário não era representante apenas de si, mas também de sua
família ou de seu grupo político.
Porém, não foi Luís o único Oliveira Pantoja a “servir à República” como camarista.
Em setembro de 1734, Manoel de Oliveira Pantoja (membro da segunda geração) fazia parte
do Senado da Câmara de Belém223; em 21 de março de 1736, Manoel de Oliveira Pantoja
assina documento como oficial da Câmara 224. Manoel de Oliveira Pantoja foi também Juiz de
Órfãos225. São justamente Luís de Oliveira Pantoja e Manoel de Oliveira Pantoja, os dois que,
naquele mapa de 1730, (vide quadro 4) figuram na lista dos cidadãos da cidade de Belém, que
serão eleitos, dentre os Pantoja, para o serviço da Câmara.
A historiografia recente tem dado atenção ao status de ser cidadão em sociedades de
Antigo Regime. A importância de ser cidadão, passa pela revisão do papel do Rei e das
instituições de poder político. Antônio Manuel Hespanha discute o fortalecimento burocrático
pelo qual passaram as monarquias ibéricas na aurora da Época Moderna. O século XVI
contemplou o aumento da administração ativa da Coroa, onde o rei manteve o papel de
garantir a harmonia do todo e zelar pela conservação. Era, o rei, a cabeça de um corpo social.
Cabia a ele punir e agraciar os súditos, funções, aliás, inebriadas de profundo teor ideológico,
onde o rei, como um pai misericordioso, conservava antigos direitos e privilégios e, através do
castigo, amor e perdão animava a obediência dos súditos226.
Por outro lado, ao estudar a constituição do Estado Francês, Le Roy Ladurie chega a
concluir que a Monarquia Clássica não era tão centralizada como antes se pensava. Para
Ladurie, no plano político, as cidades consistiam em um composto de poder que emanava do
Rei e do poder local. Ladurie reconhece o papel negociador dos poderes locais corroborando
com o processo de centralização; harmonizando o poder real e o poder local; através dos
representantes do rei. Estes representantes tinham relações com as elites locais. Desta feita,
aumenta-se a colaboração entre elites locais e poder monárquico; esta rede de colaborações
mútuas formam cadeias de cumplicidade que contribuem para tecer as redes de autoridade 227.
223
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará . Caixa 18, documento 1659.
224
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará . Caixa 19. documento 1811.
225
Habilitação Amândio José de Oliveira Pantoja, maço 1 doc. 10.
226
BICALHO, Maria Fernanda B.. “O que significava ser cidadão nos tempos coloniais”. In: Abreu, Martha et
Soihet, Rachel. Ensino de História. Conceitos, temáticas e metodologias. Rio de Janeiro: Casa da palavra/ Faperj,
2003, pp. 139 – 151.
227
LADURIE, Emmanuel Le Roy. O Estado Monárquico, França 1460-1610. São Paulo: Companhia das Letras,
1994. pp. 15-25.
83
Portanto, a centralização monárquica na Europa pode ser vista por dois lados, pelo poder que
emanava do Rei e pela manutenção e autonomia relativa de uma série de poderes locais 228.
Baseados nestes estudos, aliados ao conceito forjado por Jack Greene de “autoridades
negociadas”, nas quais as relações entre metrópoles e colônias na Época Moderna não são
baseadas exclusivamente na opressão e espoliação econômica. Parecia importante a existência
de negociações entre os poderes locais e estatais, atentando para a expressiva função dos
poderes locais ou coloniais na construção da autoridade central dos Estados
229
Metropolitanos .
Portanto, no Estado do Brasil, bem como, no Estado do Maranhão e Grão-Pará, o
acesso a cargos camarários mostrava-se cobiçado e disputado entre os grupos politicamente e
economicamente influentes. Afinal, as câmaras constituíram-se em uma via de acesso a um
conjunto de prerrogativas que permitia nobilitar os colonos, levando-os a alçar, por exemplo,
participação no governo político do Império Colonial Português. Alcançavam poder de
barganha, entradas e negociação na máquina política do poder Real-estatal.
Para além dessa relação entre poder local e central; nas câmaras, era possível defender
interesses econômicos, quando Luís de Oliveira Pantoja pede braços para trabalhar nas
fazendas (em “tropas de resgate” e “navios de pretos”); bem como, interesses de um grupo
político ou da parentela, como no caso da representação contra o Padre desafeto da família.
Aliás, muitas vezes os Pantoja valeram-se de suas posições para tirar vantagens; e a principal
vantagem que eles pareciam querer era braços servis para o trabalho.
Em 1750, Nuno de Oliveira Pantoja faz requerimento para o Rei, solicitando provisão
comprovativa de sua inocência no crime de cativeiro ilegal de índios da capitania do Pará.
Diz Nuno de Oliveira Pantoja da cidade do Pará que sendo Irmão da Mizericórdia da
mesma cidade e como tal acompanhandoa em 2 do mez de mayo do anno próximo
passado, hindo douz índios por sentenças criminais a padecer se deu fugirem da justa
e entrarem na Igreja dos padres da Companhia, sem q ele suplicante violentasse a
justiça nem contra ela resistisse (...) E porque é cidadão como prova a folha 1e pelo
o ser tem homenagem em observância dos privilégios a folha 2 (...) e por ser irmão
da Mizericórdia que gozando de foro eclesiástico naquele auto lhe fica incompetente
o juiz leigo, o qual não deixa proceder com ultraje semelhante contra semelhantes
irmandade (...).
228
BICALHO, Maria Fernanda B.. Op. cit. p. 141.
229
Para Greene, a autoridade não recaía do centro para as periferias; e sim construída, nas sociedades coloniais,
por negociações, reacomodações e barganhas de parte a parte, onde, na verdade, a maior parte do poder, no que
tange a novas esferas administrativas, estava nas mãos dos próprios povoadores. GREENE, Jack P.. Negotiated
authorities: The problem of governance in the extended polities of the Early Modern Atlantic World. In:
Negotiated Authorities Essays in colonial political and constitutiional History. Charlottesville and London:
University Press of Virginia, 1994.
84
A disputa pela mão de obra devia-se, em grande medida, ao fato de que o Maranhão e
o Grão-Pará possuíam economia esteada no trabalho compulsório dos índios, garantido pelos
instrumentos legais de escravização até meados do século XVIII, sob controle dos
missionários. A questão da mão de obra sempre se constituiu em grave problema para a
administração portuguesa na região, e a ambiguidade da legislação quanto à liberdade ou
cativeiro dos índios marcou, principalmente, o período anterior à política pombalina. 230 Para
livrar-se da acusação, Nuno de Oliveira Pantoja acionará uma rede de amigos que
testemunharão a seu favor231, e se valerá, também, dos privilégios adquiridos por ser cidadão,
filho de cidadão; e de ser irmão da Misericórdia, o que lhe derrogava privilégio de foro
eclesiástico.
Charles Boxer, ao escrever sobre as instituições que foram características do império
marítimo português e que ajudaram a manter as suas diferentes colônias, contava o Senado da
Câmara e as irmandades de caridade e confrarias laicas, a mais importante das quais era a
Santa Casa de Misericórdia, à qual Nuno Pantoja fazia parte232. Para Boxer, os membros da
Câmara e da Misericórdia provinham de estratos sociais idênticos ou comparáveis e
constituíam, até certo ponto, elites coloniais, havia um ditado em Goa que dizia que “quem
quisesse viver bem, à grande e com liberdade devia tentar tornar-se vereador do Conselho
Municipal, ou então irmão da Misericórdia ou, de preferência, ambas as coisas” 233
.
Como impedimento para a admissão de irmãos à Misericórdia, procedia-se
formalidades de admissão que incluíam serem os neófitos: puros de sangue, maior que 25
anos, saber ler e escrever; ter bens suficientes para auxiliar a Santa Casa e não cair em
necessidade para não precisar de ajuda financeira da instituição; não trabalhar por suas mãos
(ofício mecânico)234. O que demonstra, indubitavelmente, que os irmãos admitidos na Santa
Casa de Misericórdia eram das principais famílias, adquiriam privilégios e inseriam-se em
uma rede de relações que podem ser acionadas em momentos precisos, como na acusação
230
SAMPAIO, Patrícia M. M. Espelhos partidos: etnia, legislação e desigualdade na Colônia. Tese de doutorado.
Universidade Federal Fluminense. Niterói. 2001 p. 55.
231
Testemunham a favor de Nuno de Oliveira Pantoja: Theodózio Barreto, cavaleiro da Ordem de Santiago;
Euzébio da Silva, soldado; Cipriano Gomes Maciel, soldado; José Cardoso, soldado. AHU, Caixa. 31,
documento 2966.
232
A Misericórdia de Belém do Pará foi fundada em 1650, em 1667, obteve os privilégios da Misericórdia de
Lisboa. VIANNA, Arthur. A Santa Casa da Misericórdia Paraense. Notícia Histórica 1650-1902. Lendo o Pará
II. 1992 (1902).
233
BOXER, Chales. Conselheiros Municipais e Irmãos de Caridade. In: O Império Marítimo Português. P. 267.
234
VIANNA, Arthur. Op. cit. p. 10.
85
contra Nuno de Oliveira Pantoja, que, além de ser irmão da Misericórdia, aciona, em sua
defesa, o fato de ser cidadão, filho de cidadãos e portanto, detentor de privilégios.
Para dimensionarmos a importância de ser Irmão da Misericórdia no Pará colonial,
voltamos ao primeiro documento que consta no Arquivo Histórico Ultramarino sobre a
criação desta irmandade na Capitania do Pará. O provedor da Santa Casa de Misericórdia no
ano de 1667 é Feliciano Correa. O primeiro documento referente à Misericórdia é assinado
por ele no dia dezenove de fevereiro de 1667. Feliciano Correa é, se lembrarmos da
genealogia dos Oliveira Pantoja, bisavô de Nuno de Oliveira Pantoja, posto que Nuno era
irmão de Manoel de Oliveira Pantoja, ambos filhos de José de Oliveira Pantoja e Dona Luiza
de Bittencourt. Tal qual o bisavô, Nuno será membro desta irmandade que se mostra poderosa
no Pará Colonial.
Genealogia 3 - Genealogia dos Oliveira Pantoja destacando Feliciano Correa.235
Santa Luzia que frequentao todos os anos com missas, sermões e procissões phublicas,
enterrando os mortos com suas tumbas e bandeira, acompanhando os castigados pela justiça
e sustentando alguns pobres doentes em Hospital que para isso o fizerao”. 236 Nesta carta,
Feliciano, bisavô dos Pantoja, pede para o Rei confirmar os mesmos privilégios que tem a
Misericórdia de Lisboa. Desde que o rei confirma esses privilégios, em várias situações eles
serão acionados para, de formas diversas, beneficiar os irmãos da Santa Casa de Misericórdia.
O Foro privilegiado que Nuno Pantoja acionará é apenas um dentre os muitos privilégios que
um membro da Misericórdia possui. O respeito que seus membros emanam fazem titubear,
inclusive, os ministros do Rei.
No dia quatorze de abril de 1697, uma diligência mandada pelo Provedor da Fazenda
Real invade a Santa Casa de Misericórdia para prender João de Mur Mestre que devia à
Fazenda Real a quantia de um conto e oitocentos mil reis. Os oficiais mandados pelo
Provedor da Fazenda logo são impedidos de efetuar a prisão de João, porque diziam os irmãos
que “naquela casa se não prendia nem faziam diligências algumas por ser privilegiada e ser
huma irmandade authorizada e havia hum provedor a quem devia parte da presente
diligencia para que com seu consentimento se fizesse”. Não satisfeitos em não deixar prender
o devedor da Fazenda Real, os irmãos da Misericórdia pediram ao Vigário do Pará a
excomunhão do Provedor da Fazenda e de seus oficiais “por lhe haver faltado a esse respeito
a cortesia estavam excomungando o dito Provedor da Fazenda e seus officiaes”. 237
No dia seguinte, a malograda tentativa de prisão, quatro procuradores da Santa Casa
de Misericórdia fizeram requerimento ao Padre Vigário Antonio Lameira de Franca que
procedesse com a excomunhão do Provedor da Fazenda e de seus oficiais. Neste mesmo dia,
se proferiu a primeira carta de excomunhão publicamente. O Provedor da Fazenda tenta, sem
sucesso, “apelar dela mas nam me foi recebida a apellaçam”. E, desta feita, proferiu-se
publicamente a segunda carta de excomunhão “lendosse a dita excomunhão pelas ruas
publicas da cidade”, onde até os sinos da Misericórdia tocaram. Para ser absolvido, com
medo do que poderia acontecer a sua pessoa, o Provedor da Fazenda relata ao conselho
ultramarino o expediente que tomou
fui absolverme publicamente a dita Casa da Santa Mizericórdia pedindo perdam primeiro
por um papel escrito de minha letra e sinal aos ditos irmãos 238
236
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 2, documento 133.
237
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 4, documento 341.
238
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 4, documento 341.
87
Desta feita podemos ver o poder que passa a deter essa instituição. Confrontando,
inclusive, o poder reinol na pessoa do Provedor da Fazenda Real, que escreve ao Conselho
ultramarino, queixando-se e pedindo que seja instaurado um processo por crime de Lesa
Majestade. Acreditamos que não se deu prosseguimento ao processo, pois não encontramos
documentos posteriores que dessem conta do fato. Mas, o que com este documento
começamos a perceber é o então caráter de poder local que vai assumindo a Santa Casa de
Misericórdia; que, ao lado da câmara, foram palco de tensões e negociações entre os poderes
locais e entre os poderes locais e a Coroa.
Neste ponto, observamos o que é, afinal, ser cidadão no Pará e Maranhão colonial.
Cidadãos eram os mais privilegiados, aqueles que estavam habilitados a participar do governo
local, nas câmaras municipais e nas confrarias laicas e religiosas. Eram condecorados com
honras, privilégios e mercês do Rei. Os cidadãos era os responsáveis pela res publica,
portanto, pelo governo da comunidade. Eram os que, por eleição de seus pares, estavam a
desempenhar ou haviam desempenhado cargos administrativos da governança da terra. Eram
aqueles que poderiam, mais claramente, defender seus interesses, mesmo quando o
Governador, por exemplo, não cedesse; como no caso em que Luís de Oliveira Pantoja pede
permissão, ao rei, para fazer as Tropas de Resgate, já que o governador não as dava.
Desta feita, é oportuno sublinhar que nas conquistas ultramarinas do Império
Português, abre-se um campo de possibilidades para ascensão social, na remuneração por
serviços prestados à Coroa. Portanto, a formação de uma nobreza da terra se dá a partir da
dinâmica de práticas e de instituições regidas pelo ideário da Conquista, pelo sistema de
mercês e pelo exercício do poder municipal239.
Ter o seu nome inscrito como cidadão é uma prerrogativa de poucos. Na lista de
cidadãos da cidade de Belém, aparece, também, uma lista da Companhia dos filhos e netos
dos cidadãos, nas quais figuram cinco membros da família Oliveira Pantoja. Qual a
importância em ter o nome inscrito em uma Companhia de filhos e netos de cidadãos?
De acordo com Francisco Ribeiro da Silva, a qualidade de cidadão podia ser adquirida
de cinco modos, dentre os quais a hereditária, valendo-se da expressão “filhos e netos de
cidadãos”. Nuno de Oliveira Pantoja, em sua defesa da acusação de cativeiro ilegal de
indígenas, escreve textualmente que é cidadão e filho de cidadãos, arrogando para si os
privilégios que esse status imputava. As outras formas de adquirir a qualidade de cidadão
239
BICALHO, Maria Fernanda B.. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e
a cultura política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, n. 02. 2005. pp, 21-34.
88
eram pelo merecimento, sendo atribuída através de títulos, mercês e privilégios; por via
institucional, no exercício de certas funções; pelo matrimônio com filhas de cidadãos; e pelas
letras, pois a condição de letrado constituía mérito para ascender na escala social. 240
No início do capítulo, começamos dissertando sobre o termo e o conceito de Nobreza
da terra. Necessário se faz, portanto, encontrar o ponto de partida. Para Evaldo Cabral de
Mello, ocorre uma metamorfose da “açucarocracia” pernambucana que passa de “principais”
à “nobreza da terra” no período pós-Restauração. A partir da segunda metade do século XVII,
os descendentes dos Restauradores passam a arrogar para si o estatuto de nobreza da terra pela
bravura na luta contra os holandeses, obviamente que amparados pela fortuna familiar, pela
241
posse de terras, escravos e cabedais . Fernanda Olival refere-se de maneira ímpar à
aplicabilidade do conceito de nobreza da terra em Evaldo Cabral de Mello
(...) para o historiador pernambucano, a conquista de Pernambuco e sua posterior
restauração do jugo holandês foram dois principais mecanismos de constituição da
nobreza da Terra naquela capitania. Também o fato de dispor de uma clientela ou
um séquito de homens livres e escravos e o exercício de cargos na Câmara
atribuíram às famílias de senhores de engenho o estatuto de nobreza da terra. Esse
estatuto, vivenciado não só em Pernambuco, mas em outras partes da América
Portuguesa, constituía-se em mais uma característica da cultura política de Antigo
Regime, nos trópicos.242
240
SILVA, Francisco Ribeiro. O Porto e seu termo (1580-1640), Vol 1. Porto: Arquivo Histórico/ Câmara
Municipal do Porto, 1988. Pp. 296-301.
241
MELLO, Evaldo Cabral de. Rubro Veio: O imaginário da restauração pernambucana. Rio de Janeiro:
Topbooks, 1997, pp. 153-182.
242
BICALHO, Maria Fernanda B.. Conquista, mercês e poder local: a nobreza da terra na América portuguesa e a
cultura política do Antigo Regime. Almanack brasiliense, n. 02. 2005. P. 25.
243
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Feitos Findos, Justificação de Nobreza, Mç 23, doc 11.
89
Ser merecedor das graças do Soberano estava diretamente ligado aos serviços
prestados à Coroa, e, no caso do Pará e Maranhão, relacionados, também, à conquista, a
defesa do território; porque eram os descendentes dos desbravadores, eram os “homens bons
da conquista, conquistadores, herdeiros dos primeiros conquistadores” 245. Essa alusão aos
serviços prestados na conquista e defesa do território valorizam a dominação territorial e
pretendem lembrar ao rei que apenas às custas de muitas armas, vassalos e sangue dos
conquistadores é que a posse da terra fora assegurada246. Lembrar ao rei destes feitos dos
antepassados visava à obtenção de signos nobilitantes, privilégios, mercês, ascensão social e
vantagens (para si, para seu grupo político e sua parentela).
Obviamente que em última instância, era importante lembrar ao rei da relação dar-
receber. O fim último da relação de vassalagem era servir para receber; e o gesto de dar
competia ao rei. Portanto, contribuir para o aumento das conquistas, gastar fortunas, perder
escravos para servir ao rei poderiam não ser atos desinteressados. O objetivo era servir para
receber mercê. É o que Fernanda Olival vai chamar de “economia da mercê”, a base
fundadora de uma cultura política no Antigo Regime. 247
Em outras palavras, a economia da mercê seria a disponibilidade para servir, pedir,
dar, receber e agradecer. Onde a necessidade de “dar” ou conceder, criava uma corrente de
obrigações. O vassalo tinha a disponibilidade para prestar serviço à Coroa; depois do serviço
prestado, pedia mercês ao rei, como forma de retribuição aos serviços que prestou; o rei
atribuía mercê; quem recebia tinha um engrandecimento no status, em que pese a honra e a
244
Arquivo Naconal da Torre do Tombo. Feitos Findos, Justificação de Nobreza, Mç 1, doc 23.
245
CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Para aumento da Conquista e bom governo dos moradores: a câmara de
São Luís e a política da monarquia pluricontinental no Maranhão. In: FRAGOSO, João & SAMPAIO, Antonio
Carlos Jucá. Monarquia Pluricontinental e a governança da terra no ultramar atlântico luso (Séculos XVI-XVIII).
Editora Mauad, Rio de Janeiro. 2012. p, 31.
246
Idem. P. 32
247
OLIVAL, Fernanda. As Ordens militares e o Estado Moderno. Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641
– 1789). Lisboa: Estar Editora, 2001, pp. 15-38.
90
posição social ficarem mais elevadas diante dos olhos do Rei e da sociedade; o vassalo em
sentimento de agradecimento ao reconhecimento do rei, reforça os laços de submissão e
lealdade; e, por fim, coloca-se, novamente, em disponibilidade para novos serviços que
exigirão novos reconhecimentos.
Quando Manoel e José de Oliveira Pantoja aportam na Capitania do Pará, não
detinham, provavelmente, a condição de cidadãos e nem participavam de uma “nobreza da
terra‟. No entanto, os outros meios de conquistar esse status foram utilizados por eles. Casam-
se com filhas de cidadãos, cultivam a terras com as “culturas” que o Rei recomendava;
recebem títulos, privilégios, terras e mercês; exercem funções que os nobilitaram, na câmara e
na Misericórdia e, desta feita, passam a figurar entre os melhores da terra, distribuindo a seus
filhos e netos os mesmos direitos e privilégios. É nessa elite que os Oliveira Pantoja figuram.
Essa elite que ocupa os “cargos honrosos da República”; que impetra requerimentos de postos
e ofícios; que são portadores de discursos e práticas que os catapultam e legitimam como um
tipo distinto de nobreza. Não uma nobreza Reinol ou da Corte; menos ainda uma nobreza de
sangue; mas, uma nobreza plasmada nas estratégias e alianças com diversas fontes de poder e
nobilitação presentes na sociedade do Grão-Pará colonial.
2.3– Velhos signos de poder: negócios dos sertões, terras e escravos.
As riquezas que vinham dos sertões: Cabos de Canoa
Manoel de Oliveira Pantoja, José de Oliveira Pantoja e Luís Carlos de Oliveira Pantoja
são membros da família que na primeira metade do século XVIII figuram na documentação
colonial por suas empreitadas nos negócios dos sertões. A ida aos sertões fornecia boa parte
da riqueza daquelas gentes e provia, sobretudo, o braço necessário para a reprodução da
fortuna das famílias principais. Entendemos fortuna aqui em um sentido não só de patrimônio
ou riqueza, mas também, como ventura, prosperidade e abundância.
Manoel de Oliveira Pantoja é mencionado diversas vezes na documentação colonial
como reincidente na prática de, ilicitamente, resgatar indígenas dos sertões. Por exemplo, no
dia vinte de novembro de 1747, Manoel apresenta-se à Junta das Missões para regularizar
cativos que comprara ilicitamente nos sertões do Rio Negro 248. O primo de Manoel, Jeronimo
de Oliveira Pantoja, também se apresenta em 1741 para regularizar diversas “peças” do gentio
da terra pegos ilicitamente nos sertões. 249
248
MEIRA, Márcio. O Livro das Canoas – documentos para a história indígena da Amazônia. Secult, Belém. P.
162.
249
Idem, p. 46
91
Ter índios e, portanto, ir aos sertões buscá-los, fosse legal ou ilegalmente mostrava-se
fundamental. O Padre João Daniel250, não à toa, afirma
Os índios são os que cultivam a terra, os que remam as canoas, e com que se servem
os brancos; são também os que extraem dos matos a riqueza, os que fazem pescarias,
e finalmente são as mãos e o pés dos europeus. São os práticos e pilotos da
navegação, e os marinheiros, os remeiros, das canoas, e são tudo, sem eles não se
podem roças as matas, se não podem navegar os rios, se não podem penetrar os
centros, e não se podem subjugar os levantados. Servem-se com eles os brancos,
servem-se com eles os missionários; com eles e por meio deles se praticam nas
nações bárbaras, se fazem os descimentos, porque são os práticos, do país os
habitantes, os senhores daquelas terras (...).251
Nesta época em que vive a segunda geração da família Oliveira Pantoja ainda mais
forte mostra-se as cores da afirmação do padre Daniel acerca da importância dos braços
indígenas. Oportuno sublinhar que este período (até finais da década de 40) é o imediatamente
anterior à instalação da companhia Pombalina de Comércio do Grão-Pará e Maranhão e,
portanto, da intensificação do tráfico africano.
Dentro da legislação indigenista, essa segunda geração dos Pantoja, representados
neste texto por José de Oliveira Pantoja, Manoel de Oliveira Pantoja, Luís Carlos de Oliveira
Pantoja e Jerônimo de Oliveira Pantoja; vivenciava o Regimento das Missões, período em que
os Missionários controlavam a distribuição dos índios. A tarefa de arregimentar e distribuir
essa “força de trabalho” motriz da sociedade amazônica colonial era responsabilidade do
Regimento das Missões. No entanto, cabe elucidar, que a atuação do Regimento das Missões
se dava pari passu à atuação das Tropas de Guerra e Resgates. Neste clima tenso entre
missionários, colonos e governo; (des) amparados por uma legislação oscilante e
contraditória; agiam os Oliveira Pantoja.
A disputa pela mão de obra indígena, motivação principal das queixas emitidas pelos
moradores da capitania do Pará, se fará presente várias vezes na vida dos membros da família
Oliveira Pantoja. Em vários momentos da trajetória desta família a questão da mão de obra
será ou o mote principal ou o pano de fundo das relações travadas e situações estabelecidas.
No ano de 1734, Domingos Monteiro de Noronha, cidadão do Pará, pede licença para enviar
uma canoa ao sertão na coleta de cacau. Por cabo desta canoa, manda José de Oliveira
Pantoja, filho de José de Oliveira Pantoja (que veio de Lisboa). Domingos faz requerimento
250
O Padre João Daniel foi um missionário da Companhia de Jesus, viveu entre 1741-1757 no Amazônia. Em
sua obra “ Tesouro descoberto no Máximo Rio Amazonas” descreve a região e seus rios e povoações. Padre João
Daniel escreve sua obra valendo-se “apenas” de sua memória porque estava preso nos cárceres de Lisboa.
251
Pe João Daniel. Op. cit. p. 247.
92
ao governador, pedindo licença, que foi concedida, para tirar índios “das aldeias de baixo e
das de sima”252.
No dia 24 de dezembro de 1734, José de Oliveira Pantoja, Cabo da Canoa, chega à
missão do padre Frei Diogo da Trindade. Logo que chega, apresenta a carta do governador,
que deveria constar a autorização para retirar dois índios. Porém, o missionário, ao ler a carta,
diz que o governador ordenava apenas “dar-lhe as madeiras de Muirapinima”; portanto, não
libera os indígenas, alegando que recentemente havia enviado vinte de um descimento, que
não havia mais a dar. Esperando anoitecer, José de Oliveira Pantoja, dois irmãos e alguns
escravos, espera a hora da missa da véspera de Natal para, com a igreja cheia, pegar os índios
que quisesse; eis que “ vendo tardar as missas lhe quis mandar tocar os sinos para dizerem
as ditas missas de natal de dia claro, entrou na igreja em cujo adro apanhou ele um por
nome Bernardo cazado e seu irmão hum rapazinho de sete anos por nome Theodózio”253. Em
outra missão mais acima, do padre Ignácio da Costa, furtaram o índio Bartholomeu e uma
canoa pequena.
O Frei Diogo da Trindade escreve uma reclamação ao governador José da Serra
(1732-1736), exigindo a devolução dos escravos e da canoa. O resultado é que no ano de 1735
temos um requerimento de José de Oliveira Pantoja, que estava preso por esse crime,
solicitando que não seja degredado para a Índia, anexando o requerimento e a autorização que
lhe tinha dado o governador para buscar os índios. 254 São histórias desencontradas a do Padre
alegando que o governador só deu ordem para enviar madeiras e a ordem do governador, que
José anexa, dando licença para levar escravos das aldeias. Neste imbróglio, o governador sai
contra José de Oliveira Pantoja. Em carta ao rei D. João V, o governador José da Serra alega
que mandou José de Oliveira Pantoja preso, e que fará o mesmo com um irmão dele, pois
“Nesta cappnia hum Jozeph de Oliveira Pantoja, q tem somente nove filhos homens.
Os quaes tendo o alicerse bastantemente mal fundo, são insolentes em demasia (...).
Se V. Magde mandar estes moços pa Índia, não me parece que fará prejuízo nenhum a
seu pay”.255
O Governador relata a insolência dos Oliveira Pantoja e anexa a carta do Frei Diogo
da Trindade, onde o padre descreve a ação dos Pantoja
252
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 18, documento 1659.
253
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 18, documento 1681.
254
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará Caixa 18, documento 1659; Caixa.18,
documento 1681.
255
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará . Caixa 18, documento 1681.
93
E saindo ele Missionário da Igreja lhe falou modestamente diante dos brancos, a
quem testemunhou, estranhando - lhe a ação dizendo q aos ministros de Deos senão
perdia o respeito, e que ele missionário era Comissário do Santo Ofício e q não era
justo injurialo: ao q respondeu [José de Oliveira Pantoja] que temos cá com
comissários, eu hei de levar índios; pois me disse o Governador q se me não dessem
os tomasse eu. E respondeu mais q o governador não era mais homem q ele, e q
assim lho havia de dizer na cara, pois tirado o caráter, era hum homem como os
mais.256
O ato do Oliveira Pantoja, denunciado pelo Frei Diogo da Trindade, ao que parece,
não era um fato isolado, ao contrário, parecia ser uma prática comum entre os governadores e
moradores do Pará, já que no ano de 1734 denuncia Francisco Duarte dos Santos
Que moradores também tirão das aldêas por força e as escondidas dos missionários
muitos Tapuyas, e que depois de se servirem nas viagens do Sertão tanto destes
como dos que se lhes repartem, e introduzem todos os que podem em suas casas e
fazendas, onde se demorão muitos anos, e as vezes enquanto vivem, o que é oposto
ao regimento, e contrário a conservação das aldêas.257
256
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará Caixa 18, documento 1681.
257
Cópia da informação e parecer do desembargador Francisco Duarte dos Santos, que sua Majestade mandou ao
Maranhão em 1734, para se informar do governo Temporal dos Índios e queixas contra os missionários. Moraes.
Corografia Tomo IV, p. 135.
258
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará Caixa 6, documento 568; Caixa 8,
documento 682.
259
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Carta de José da Serra. Caixa 18, documento 1681.
260
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Consulta do Conselho Ultramarino. Caixa 18, documento
1694.
94
1750, Nuno de Oliveira Pantoja está preso acusado de dar fuga e abrigo a índios em sua
propriedade.261
Todas essas situações envolvendo mão de obra indígena nos indicam que; para a
reprodução da fortuna e para os negócios do sertão a qual boa parte dos Oliveira Pantoja
dedicavam-se, ter índios disponíveis era o remédio para alargar fortunas. Era o braço do índio
remeiro, o conhecimento da floresta, das plantas, dos caminhos e descaminhos do sertão que
fazia do gentio da terra a chave para acessar o mundo das drogas e de mais índios. Bem como,
o índio será a mão de obra fundamental da agricultura do Pará colonial. Dependia
fundamentalmente dos braços do indígena o acesso ao cacau bravo, ao cultivo do cacau
manso, a força motriz das canoas que iam aos sertões em busca de novos índios via resgates
e/ou descimentos.
O sertão era a dádiva dos moradores e, ainda, as canoas, que iam ao negócio do sertão,
eram importantíssimas. Sertão é um termo eivado de significados. Utilizado para designar o
interior do território Amazônico; região distante, erma, afastada, remota. Espaço de incessante
e intensa escravização que acompanhava o curso dos rios. Através dos rios dos sertões
buscavam-se drogas e braços cativos para o trabalho.262
As canoas expedidas ao interior configuravam-se como a ponta de lança do negócio
mais rentável no Estado, não só em termos de amealhar produtos que atenderiam a
exportação de frutos da terra; para além disso, importante na própria dinâmica da economia e
política interna. Era preciso acionar uma rede de relações para mandar uma expedição
particular ao sertão. Desde a nomeação do cabo da canoa, passando pelo fornecimento de
víveres e indígenas; e as relações que precisavam estabelecer com os representantes dos
poderes locais, como no caso dos cabos que contrabandeavam manteiga de tartaruga para o
capitão do Gurupá.263 Vale ressaltar que era no Gurupá que toda a expedição vinda do sertão
tinha que registrar suas coletas de produtos e os indígenas envolvidos no esforço. Portanto, ter
um bom relacionamento com o responsável pela fortaleza do Gurupá, o capitão, era essencial
para o “bom” andamento dos negócios do sertão.
Para dimensionar o entendimento da importância do Gurupá na dinâmica colonial,
podemos dizer que era a fronteira entre o mundo das roças, vilas e cidades e o mundo do
261
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Nuno de Oliveira Pantoja. Caixa 31,
documento 2966.
262
CHAMBOULEYRON, Rafael; Bonifácio, Monique da Silva; Melo, Vanice Siqueira. Pelos sertões estão
todas as utilidades: trocas e conflitos no sertão amazônico. Revista História 162. 1º semestre de 2010. pp. 13-49
263
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Relação dos cabos de canoas que ficam culpados nos
sumários. Caixa 50, documento 4593.
95
sertão. O forte de Santo Antonio de Gurupá ficava (e ainda fica) na ilha grande de Gurupá, no
Pará, margem esquerda do rio Amazonas na confluência com o rio Xingu.
Imagem 3 - Mapa Região Amazônica referência a Fortaleza do Gurupá
Fonte: Google earth – adaptado por Marília Cunha Imbiriba, março de 2015.
Como podemos observar no mapa acima, a fortaleza do Gurupá encontra-se em lugar
estratégico, como se os rios fossem feixes e, na fortaleza do Gurupá, esses feixes se
encontrassem. Se, como já vimos, era através dos rios dos sertões que se buscava drogas e
cativos, a fortaleza do Gurupá tornava-se a boca do sertão264, porta de entrada e saída,
transição entre dois mundos: o mundo das cidades/vilas/povoados, com suas roças e o mundo
dos sertões, prenhe de significados, negócios e ambições.
A fortificação do Gurupá origina-se do forte do Mariocai, construído na primeira
metade do século XVII pelos holandeses. Em 1623, Bento Manuel Parente, então capitão-mor
do Pará, iniciou a ocupação nas margens do rio Amazonas, tomou o forte das mãos dos
holandeses e, no mesmo lugar, constrói um forte batizado de Santo Antonio do Gurupá. No
entorno do forte surge uma vila que será fundada, oficialmente, pelo Capitão João Pereira
Cárceres em 1639. Entre 1629 e 1647 a fortaleza sofre ataques estrangeiros265. Na década de
264
MOREIRA, Ediorfe. Belém e sua expressão geográfica. Belém: Imprensa Universitária, 1966. P. 21.
265
Cf. Arquivo Histórico Ultramarino. Projeto Resgate. 28 de junho de 1647. Cd 02, pasta 01, documento 15.
TRESLADO de protesto do capitão mor do Gurupá, João Pereira de Cáceres, relativo à chegada de navios
estrangeiros àquele porto, e as alianças praticadas entre os comandantes holandeses e o gentio das nações
engaiba, mapuas, periquas, ariquras, jacoanis, managages, aruanes e outras suas confederadas.
96
1690, é ordenada a reconstrução do forte que se encontrava destruído 266. A fortaleza passa a
ser utilizada, durante todo o setecentos, como registro de embarcações e de produtos que
entravam e saíam da região. 267 Sobre a fortaleza de Santo Antonio do Gurupá e a importância
desta, enquanto entreposto e parada obrigatória a todos que subiam ou desciam dos sertões
para a cidade ou da cidade para os sertões; o padre João Daniel escreve:
Da parte do sul a primeira povoação que propriamente se pode chamar a primeira,
que tem o rio desta parte (...) é a fortaleza do Gurupá, em boa situação sobre uma
ribanceira, ou rochedo, em uma como ponta ou canto que faz a ilha (...) vindo assim
ficar a fortaleza bem na boca do rio Xingu, e juntamente sobre o Amazonas. E como
por esta parte do sul é toda a navegação do rio, todos são obrigados a registar-se
nesta fortaleza, e a apresentarem nela os seus passaportes ou sejam embarcações que
subam ou que desçam (...)268
266
Arquivo Histórico Ultramarino/ Projeto Resgate. Cd 5; pasta 01; documento 67. 5 de julho de 1692. CARTA
do governador [e capitão general do Estado do Maranhão, Grão-Pará e Rio Negro], António de Albuquerque
Coelho de Carvalho, para o rei [D. Pedro II], sobre o povoamento e construção da fortaleza do Gurupá e a
necessidade de pedreiros para aquela obra.
267
Arquivo Nacional. Bando sobre o transporte das drogas do sertão. In: O Grão-Pará e Maranhão sob a política
ilustrada. Projeto o Arquivo Nacional e a História Luso Brasileira. Fábrica digital. Rio de Janeiro. 2015.
Disponível em www.historiacolonial.arquivonacional.gov.br
268
Pe João Daniel. Op cit. p 393-394.
269
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 15, Documento 1360. 7 de fevereiro de 1733.
Requerimento de Calisto da Cunha Valadares.
97
270
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 19, documento 1769.
271
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. CARTA do ouvidor geral da capitania do Pará, Manuel
Antunes da Fonseca, para o rei [D. João V], sobre os presos pronunciados pela morte do capitão mor [do
Gurupá] Calisto da Cunha Valadares. Caixa 19, d. 1793.
272
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Caixa 15, documento 1360
98
273
RAVENA, Nirvia & Acevedo Marin, Rosa Elizabeth. A Teia de relações entre índios e missionários. A
complementaridade vital entre o abastecimento e o extrativismo na dinâmica econômica da Amazônia Colonial.
Varia História, vol. 29, nº 50. Belo Horizonte. May/Aug. 2013.
274
ROLLER, Heather Flynn. Colonial Routes: Spatial mobility and community formation in the portuguese
Amazon. Tese de Doutorado. Stanford University. 2010.
275
DANIEL, João. Tesouro descoberto no máximo Rio das Amazonas. V.2, p.182-183.
99
e casa de farinha. Manoel de Oliveira Pantoja possui casas de farinha 276. Para obter farinha e
aguardente é necessário plantar mandioca e cana de açúcar, erigir casas de farinha e
molinetes. Portanto, as expedições ao sertão depende da agricultura; e a agricultura dependia
das expedições ao sertão; uma vez que nessas expedições traziam mais índios, que seriam
repartidos entre colonos e missionários, para trabalhar nas roças, plantações e, possivelmente,
em novas expedições.
Concordamos, portanto, que a matriz da economia colonial mostra-se caracterizada
por uma associação entre o cultivo de alimentos que vão subsidiar a coleta de drogas;
claramente uma associação entre agricultura e extrativismo. A produção e o consumo de
farinha pareciam selar um elo entre ambas as atividades, por ser a única fonte de carboidratos
ingerida pelos trabalhadores nas expedições, elemento, portanto, fundamental nas empreitadas
aos sertões.277
Ser cabo de canoa é estar diretamente responsável pelas expedições que iam aos
sertões em busca das drogas e de indígenas. E, principalmente, os negócios do sertão
permitiam aos cabos das canoas entrar em rotas de comércio, de influências e poder.
Se já vimos que os cabos de canoa faziam parte do mundo do sertão e o Gurupá era
esse lugar de fronteira entre o mundo do sertão e das roças, os mesmos cabos de canoa
também tinham suas roças, e, para elas, precisavam de terras.
Terras: Sesmarias, compras, heranças e morgado.
Ao rastrear as trajetórias da família Oliveira Pantoja, observamos que eles adquiriram
terras através de três meios. Por pedidos de sesmaria (principalmente a primeira geração);
através da compra de terras e, por último, por meio de heranças e/ou casamento. Se a primeira
geração dos Oliveira Pantoja, ao se estabelecer no Pará, apropria-se de terras e,
posteriormente, as pede em sesmaria; a segunda geração desta família continuará a pedir
sesmaria; mas vai inaugurar novas formas de obtenção de terras que será a compra278; bem
como receberão terras em herança legadas pela primeira geração.
276
Conforme Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Amândio. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Habilitação de Amãndio. Mç 1 doc, 10.
277
RAVENA, Nirvia & Acevedo Marin, Rosa Elizabeth. A Teia de relações entre índios e missionários. A
complementaridade vital entre o abastecimento e o extrativismo na dinâmica econômica da Amazônia Colonial.
Varia História, vol 29. Nº 50. Belo Horizonte. May/Ago. 2013.
278
Quando utilizamos o termo “compra”, estamos conservando o termo que encontramos na própria
documentação, notadamente nos registros de sesmarias. Muito embora saibamos que não se pode comprar terras
no período em tela, entendemos que o que se comprava era a posse das terras.
100
Luís de Oliveira Pantoja vale-se de ser oficial da câmara e passa por cima da ordem do
Governador, comunicando-se diretamente com o Conselho Ultramarino, pedindo permissão
para as tropas de resgate; defendendo, na cidade, interesses que também eram seus e de seus
pares, proprietários rurais.
Em 1751 Luís de Oliveira Pantoja, mesmo possuindo e cultivando terras no Moju, era
Juiz Ordinário da Câmera de Belém. Ele é preso durante um mês pelo Governador, por ordem
do Conselho Ultramarino, por ter assinado, ao lado de Marcello de Alfaya, uma denúncia (que
é tida como falsa) contra o padre Caetano Eleutério de Bastos. Quando é emitida a ordem de
prisão, Luís de Oliveira Pantoja “tendo noticia desta Real Ordem veyo da sua rossa em que
se achava” e foi preso por um mês281. O que estes documentos mostram é que o proprietário
rural vivia o mundo da “rossa” e, também, o mundo da cidade, exercendo cargos públicos,
comunicando-se com o Reino, participando ativamente da política da cidade e, claro,
defendendo seus interesses, do seu grupo político e de sua família.
Ter propriedades rurais não impedia, portanto, os moradores da capitania do Pará de
possuírem casas na cidade, e de se dizerem, aliás, cidadãos dela. Participar da vida política,
escoar sua produção, manter contato com os outros moradores, acertar casamentos, enfim, os
moradores da Capitania do Pará, que possuíam suas lavouras nos rios que circundavam
Belém, viviam entre dois “mundos” onde um não excluía, necessariamente, o outro, ao
contrário, conectavam-se.
O padre João Daniel, em seu Tesouro descoberto do Rio Amazonas, nos dá notícias
dessa prática entre os moradores da Capitania do Pará:
Os moradores, que de ordinário assistem nos seus sítios muito distantes da cidade, e
para que seus filhos estudassem lhes tinham na cidade ao menos um servo para
279
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Luís de Oliveira Pantoja, Caixa 24,
documento 2228.
280
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Carta dos Oficiais da Câmara da cidade de Belém do Pará.
Caixa 31, documento 2917.
281
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Carta do governador e capitão-general do Estado do
Maranhão e Pará Francisco Xavier de Mendonça Furtado, Caixa 32, documento 3060.
101
pescador, outro para o acompanhar, e uma ama para tratar dele; além da assistência
que dos seus sítios lhes faziam com as frutas, farinhas e outros víveres282.
Das 117 sesmarias (entre Datas de Carta de Sesmaria e Confirmações) que analisamos
nos rio Moju e Acará, trinta e oito sesmeiros declararam morar em Belém, e onze eram
cidadãos da cidade.
Tabela 2 - Absenteísmo dos Sesmeiros do Moju e Acará
RESIDIA NA CIDADE 41 68 28 49 69 59
CIDADÃO 6 10 5 9 11 9
Fonte: Coleção Sesmarias Iterpa – Sesmarias dos rios Moju e Acará
282
Padre João Daniel, op. cit. p, 285
283
MOTA, Antonia da Silva. Famílias Principais. Redes de poder no maranhão colonial. EdUFMA. São Luís.
2012.
284
Uma melhor comparação entre as famílias da capitania do Maranhão e as famílias da Capitania do Pará, será
realizado nos próximos dois capítulos, principalmente no terceiro capítulo, que versará sobre o patrimônio da
terceira geração da família Oliveira Pantoja estabelecida no Pará, porque destes temos acesso aos inventários.
102
285
Sobre a discussão do Estado do Maranhão e Grão-Pará como área periférica conferir Schwartz, Stuart B. O
Brasil Colonial, c. 1580 – 1750: As Grandes Lavouras e as Periferias. In: Bethell, Leslie. História da América
Latina – A América Latina Colonial, v. II. Edusp, São Paulo, 2012, pp. 339-422.
103
Quadro 5 – Mapa de terras dos Oliveira Pantoja nas três gerações da família
AHU_ACL_CU_013,CX23,D.2216 Ofício Amandio José de Oliveira Pantoja Posterior a 1740 Arbitragem sobre o numero de arrobas de
açúcar que deve prestar cada ano no rio Acará
engenho Tauaço
Livro Sesmaria Nº 14 - F104 Carta de Data e Sesmaria Raimundo de Oliveira Pantoja 02/07/1752 Requisitando sesmaria rio Moju
Livro Sesmaria Nº 14 - F102 Carta de Data e Sesmaria Francisco de Oliveira Pantoja 10/07/1752 Comprador das terras de Raimundo de Alfaia
localizadas no Rio Tocantins
AHU_ACL_CU_013,CX34,D.3166 Requerimento Raimundo de Oliveira Pantoja 06/02/1753 Requisitando sesmaria proximo ao igarape
mau entre os engenhos de Curuçambaba e
Carapajo
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Sitio Nossa Senhora do Rosario no rio Acará
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Porçaõ de terras vargeas no rio Acará
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Uma sorte de terras vargeas no rio Acará
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Sitio Nosss Senhora do Carmo (ou Cabral)
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Uma tapera no rio Acará lado esquerdo
denominada São Manoel
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Fazenda Curuça no Marajo
APEP, Juizo de Orfãos da Capital Inventarios e partinlhas Amandio José de Oliveira Pantoja 1826 Sorte de terras no rio Anabuju
Fonte: Livros de Sesmarias (Iterpa), Arquivo Histórico Ultramarino e Inventário de Amandio José de Oliveira
Pantoja
286
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa. 8, documento 678.
104
outras terras e, também, como novos proprietários de antigas sesmarias. Ou seja, foi possível
mapear terras que não foram pedidas em sesmaria pelos Oliveira Pantoja, mas que, de alguma
maneira, delas eles se tornaram proprietários.
Mapeamos quatro membros da família Oliveira Pantoja requisitando sesmarias na
região do baixo-Tocantins entre os anos de 1725 e 1753. Por outro lado, também encontramos
membros da família Oliveira Pantoja comprando terras. É o caso de Francisco de Oliveira
Pantoja que aparece na demarcação das terras pedidas em sesmaria por João de Moraes
Bittencourt, onde as ditas terras deviam principiar “dos marcos de Raymundo de Alfoya que
287
hoje são por compra que fez delas de Francisco de Oliveira Pantoja” . Ou seja, as terras
tinham sido de Raimundo de Alfoya, no entanto, agora eram de Francisco de Oliveira Pantoja,
porque ele comprou as terras de Raimundo.
O quanto tinha de comum nessa prática de comprar terras que observamos na família
Oliveira Pantoja? Fazendo um mapeamento de terras compradas que aparecem nas concessões
de sesmaria da região do baixo-Tocantins, encontramos alguns registros que demonstram que
poderia ser usual a compra de terras, por outro lado, havia uma noção de que o seguro,
mesmo, era pedir em sesmaria e, portanto, muitas terras compradas, inclusive com escritura,
são pedidas em sesmaria por seus compradores. É o caso de Manoel Francisco de Miranda
que, no ano de 1724, pede uma terra no rio Acará que ele havia comprado e já ocupava há
mais de três anos. Mesmo tendo a posse fundada em uma escritura de compra, “para evitar
pleitos que se podem oferecer” pedia que se lhe passasse carta de Data de Sesmaria da
terra288.
Outro indício que temos dessa prática de comprar terras, localizamos no pedido de
sesmaria de Dona Portazia de Bittancourt. Dona Portazia, ao casar, recebeu de seu pai,
Manoel da Mota de Siqueira, uma sorte de terras que ele havia comprado dos procuradores de
Dom Francisco Calharis. Nesta terra, Dona Portazia tinha seu sítio, cacauais e lavouras.
Porém, Mathias da Silva pediu as terras da suplicante em sesmaria e as recebeu; e porque foi
“obrigado da consciência” desistiu das terras e entregou a Carta de Data ao marido de Dona
Portazia. Por conta da situação, e por estar viúva, pede as terras que já ocupa, há muitos anos,
em sesmaria289.
287
Coleção Sesmarias Iterpa, Livro nº 14, folha 102.
288
Livro de Sesmaria Nº 02, folha 103 verso.
289
Livro de Sesmaria Nº 02, folha 101 verso
105
O trecho acima revela duas questões principais para a nossa análise. A primeira é que
a compra de terras e propriedades parecia ser recorrente naquela sociedade. Outra situação são
as heranças e partilhas de bens, outro meio de obtenção de propriedades 292.
Sobre a questão da herança, só conseguimos visualizar, nos rios Moju e Acará, cinco
sesmarias onde há referência de terras herdadas. A mais interessante é a terra de Dona
Portazia Bittencourt que a recebe, de seu pai, em dote, por seu casamento. Infelizmente não
temos acesso aos inventários anteriores ao final do século XVIII no Pará. A análise destes
inventários poderia proporcionar uma visão mais clara acerca da transmissão de terras no
período em tela. Sobre o patrimônio da família Oliveira Pantoja, incluindo inventários,
deteremos-nos mais detalhadamente no terceiro capítulo deste trabalho. Porém, uma outra
290
Livro de Sesmaria Nº 04, folha 25
291
Arquivo Histórico Ultramarino. Requerimento, de 8 de janeiro de 1722. Caixa. 7, documento 595.
292
Encontramos um interessante documento referindo-se ao dote. É o requerimento de Jacob Correia de
Miranda, que pede autorização para levantar um Engenho de fabricar aguardente, porque os dois engenhos deste
tipo que tinha, dotou duas filhas. Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 14 de abril de 1733, Caixa
15, documento 1385
106
documentação que segue abaixo em excerto, para expor os fatos, dá-nos pistas sobre a
questão das heranças no Pará Colonial.
Era manhã de uma sexta feira treze, em janeiro de 1741. Manoel de Oliveira Pantoja,
filho de Manoel de Oliveira Pantoja, prepara sua espingarda para uma caçada. Mal sabia ele
que aquela seria a última vez que caçaria. Manoel morreria naquele dia.
Para não confundir o “manuéis”, talvez seja importante recapitular. Dois irmãos
migraram de Portugal para o Pará em finais do século XVII. Manoel de Oliveira Pantoja e
José de Oliveira Pantoja. Tanto Manoel quanto José darão o nome “Manoel” aos filhos. O
filho Manoel de José de Oliveira Pantoja, será pai de Amândio. O filho “Manoel” de Manoel
de Oliveira Pantoja será este que morrerá em treze de janeiro de 1741, em uma fatídica sexta
feira treze.
Manoel de Oliveira Pantoja prepara-se para se embrenhar na mata e caçar. Manoel tem
muitos irmãos, dentre eles, Luís de Oliveira Pantoja. Já nos encontramos com Luís de
Oliveira Pantoja neste texto algumas vezes. Luís é, em diversos mandatos, membro da
Câmara de Belém. Luís de Oliveira Pantoja possui um escravo por nome João. Naquele treze
de janeiro, João também se preparava pra caçar, mas, no final do dia, João seria preso por
matar Manoel de Oliveira Pantoja. Embrenhados no mato a procura da caça, algo aconteceu;
“só forao ouvidas as vozes do morto dadas ao matador para que lhe não atirasse”,
seguiu-se um tiro, silêncio, “achando o já morto a gente que logo acudira”. O
escravo é preso, mas “fugio da prizão não estando ainda a cauza sentenciada”.293
293
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 30, documento 2828
294
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 30. 30, documento 2828
107
Os irmãos do morto acusam um outro irmão de ser mandante do crime, por conta de
dívidas que tinha com o irmão assassinado. Reclamam que Luís de Oliveira Pantoja não foi
pronunciado na devassa que foi tirada pelo Ouvidor para apurar a morte de Manoel, porque
“valendosse de respeitos por ele ser pessoa poderosa na dita terra” e “ficando só o escravo a
culpado, sendo ele, o mandatário livre, pelo respeito e amizade que conservava com o dito
ouvidor”295. E completa Francisco de Oliveira Pantoja sobre o irmão
(...) porque o suplicado é temerário e insolente sem respeito as justiças de V
Magestade e com tam malévolo animo, que afirma há de fazer o mesmo aos mais
irmaons para isto evitar e não fazer punir semelhante absurdo pois a may dos
suplicantes não quer acuzar por não vir a perder dois filhos, o morto e o matador.296
Fica claro na ordem do Rei que Luís de Oliveira Pantoja era pessoa nobre e que como
tal, deveria ter os bens sequestrados e enviado à Corte para que se procedesse a acusação. Em
resposta, o Ouvidor nos dá indícios, justamente, de uma possível razão das acusações, e,
pensamos nós, também do assassinato.
Consta-me que este queixoso he inimigo do Irmão a quem imputa o dito mandato
com razão de litigio q disputao sobre hum morgado cujo ele a este pretende usurpar
e que para melhor consecução lhe maquina tão considerável delito.298
O ouvidor alega que a razão pela qual Francisco de Oliveira Pantoja acusa Luís de
Oliveira Pantoja do assassinato de Manoel de Oliveira Pantoja é por conta da disputa que
Francisco tem com Luís sobre um morgado 299. Infelizmente não temos acesso aos inventários
do período para descortinar que terra era essa, alvo de litígio dos irmãos. Manoel de Oliveira
Pantoja pediu quatro terras em sesmaria e, provavelmente, uma dessas era o alvo da celeuma.
295
Idem.
296
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Caixa 30, documento 2828.
297
Idem.
298
Ibdem.
299
Bens que, geralmente, o primogênito recebe. Terra de morgado, indivisível, inalienável.
108
Talvez, as terras do Sitio Tucumanduba onde Manoel fez plantações de cacau, anil e outras
lavouras.300
Quando se instituía um morgado, a preocupação era com a Casa e sua manutenção
indivisa, ao privilegiar o filho mais velho com a instituição de um morgado objetivava-se
perpetuar o nome da família, tornar aquele bem (terra, engenho) indivisível, aliás, a
indivisibilidade era característica fundamental dos morgados. De acordo com Maria Beatriz
Nizza da Silva, a instituição de morgados no Brasil colonial foi mais numerosa do que
habitualmente os historiadores supõem. Segundo a autora, a prática da vinculação de bens
para um sistema de primogenitura na herança constituía mais uma característica do “viver à
lei da nobreza”, conservando intacta a riqueza de uma Casa (no sentido de linhagem) para a
conservação do bom nome da família. 301
Muito mais do que disputa por herança, esse documento nos alerta que ao estudar
famílias, não podemos incorrer ao erro de achar que formam um grupo monolítico de aliados.
Disputas pela liderança familiar, por bens herdados, entre outras razões, podem transformar
irmãos em inimigos, parentes em desafetos.
Mas voltemos à questão da terra. Luís era o herdeiro de um morgado que outro irmão,
Francisco, parecia cobiçar. Portanto, para além da compra, do dote e do próprio pedido de
sesmaria, a terra poderia ser herdada e, em todas as situações, era grande motivo de disputa no
Grão-Pará colonial.
***
300
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Requerimento de 26 de janeiro de 1725, Caixa
8, documento 741.
301
SILVA, Maria Beatriz Nizza. Op.Cit. 2005. pp 122-131.
109
Percebemos que esta segunda geração insere-se muito mais na disputa pela mão de
obra indígena do que a geração anterior. Aliás, muitos Oliveira Pantoja dessa segunda geração
são cabos de canoa e vão aos sertões em busca de Cacau, drogas e cativos.
Se esta geração aciona velhas estratégias de status e poder; também acionará novos
signos de poder. Novos, importante deixar claro, para a família. Veremos membros da
segunda geração dos Oliveira Pantoja ocupando assentos no Senado da Câmara e na Santa
Casa de Misericórdia. Acionando privilégios, participando ativamente da vida política da
capitania do Pará.
Quadro 6 - Documentos referentes aos Oliveira Pantoja.
Referência Ano Nome Geração Resumo
ANTT, 1723 Manuel de Oliveira Justificação de Nobreza.
Feitos Pantoja Direito a usar Brasão
Findos, Mç 1ª d‟Armas.
1, nº 23
(anexo)
AHU 1726 Antônio de Oliveira Solicita autorização para
Pantoja 2ª remeter duas índias ao Reino.
AHU 1726 Antônio de Oliveira Resposta à solicitação para
Pantoja 2ª remeter as índias.
AHU 1726 Luís de Oliveira Patente militar
Pantoja 2ª
AHU 1729 Luís de Oliveira Sesmaria
Pantoja 2ª
AHU 1730 Manoel de Oliveira Lista dos cidadãos da cidade
Pantoja de Belém
Luís de Oliveira 1ª
Pantoja
AHU 1730 Hyeronimo de Lista da Companhia dos filhos
Oliveira Pantoja e netos dos cidadãos da cidade
Álvaro de Oliveira de Belém.
Pantoja
Joseph de Oliveira
Pantoja
Manoel de Oliveira
2ª
Pantoja
Francisco de Oliveira
Pantoja
Antonio de Oliveira
Pantoja
AHU 1730 Joseph de Oliveira Lista da Companhia dos
Pantoja 2ª Privilegiados
AHU 1731 Manoel de Oliveira Sesmaria
Pantoja 1ª
AHU 1733 Manoel de Oliveira Brigas com Calisto da Cunha
Pantoja e sua 1ª Valadares
família
110
Pantoja 2ª
AHU 1769 Manuel Antonio de Carta Patente
Oliveira Pantoja 2ª
AHU 1773 João Pedro de Carta Patente
Oliveira Pantoja 3ª
Habilitação 1780 Amândio José de Casamento
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1781 João Pedro de Carta Patente
Oliveira Pantoja 3ª
Habilitação 1789 Amândio José de Habilitação para Familiar do
Oliveira Pantoja 3ª Santo Ofício
AHU 1790 Amândio José de Carta Patente
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1797 Raimundo Inácio de Carta Patente
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1798 Carlos de Oliveira Carta Patente
Pantoja 3ª
ANTT, 1798 Amândio José de Justificação de Nobreza.
Feitos Oliveira Pantoja 3ª Direito de usar Brasão
Findos, Mç d‟Armas.
1, nº 23
AHU 1799 Amândio José de Justificação de serviços
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1799 Eugênio de Oliveira Carta de legitimação
Pantoja 3ª
AHU 1800 Raimundo Inácio de Carta Patente
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1800 Raimundo Inácio de Promoção Militar
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1800 Amândio José de Hábito de ordem militar
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1801 Lourenço Antônio Hábito da ordem de Santiago
de Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1806 Amândio José de Promoção Militar
Oliveira Pantoja 3ª
AHU 1822 Amândio José de Prisão por participação no
Oliveira Pantoja 3ª processo de Adesão do Pará a
Independência.
AHU 1822 Amândio José de Prisão por participação no
Oliveira Pantoja 3ª processo de Adesão do Pará a
Independência.
112
Fonte: Genealogia montada a partir de habilitação para familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira
Pantoja, justificação de nobreza de Lourenço de Oliveira Pantoja. 303
Neste capítulo, analisaremos as estratégias que fizeram com que membros da terceira
geração da família Oliveira Pantoja figurassem entre os mais poderosos e abastados da
capitania do Pará. Como fio condutor para análise desta terceira geração; representada,
principalmente, por Amândio José de Oliveira Pantoja, utilizaremos como fontes principais a
habilitação para familiar do Santo Ofício de Amândio, a justificação de nobreza de Lourenço
de Oliveira Pantoja, irmão de Amândio, e o mapa de famílias de 1778304, onde membros da
família Oliveira Pantoja e famílias com as quais eles se consorciaram aparecem. Devido à
impossibilidade de analisar o patrimônio das duas primeiras gerações da família Oliveira
303
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Justificação de Nobreza do Capitão Amândio José de
Oliveira Pantoja, Maço 1, nº 23; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Feitos Findos, Justificação de Nobreza
de Lourenço de Oliveira Pantoja, Maço 1, nº 23; Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para
Familiar do Santo Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja, Maço1, Doc, 10.
304
Alguns trabalhos referem-se a esta documentação como recenseamento de 1778. Nós utilizaremos como está
na fonte “ Mapas das Famílias do Estado do Grão-Pará”.
113
Pantoja, pela ausência de fontes para tal empreitada; faremos o trabalho de análise patrimonial
à terceira geração desta família.
A pergunta que nos fizemos é: durante tantos anos na capitania do Pará, o poder
simbólico desta família, as estratégias para obtenção de terras, mercês, patentes e braços para
o trabalho, converteram-se em poderio econômico? Analisando a trajetória de Amândio José
de Oliveira Pantoja, procuraremos as respostas.
Amândio José de Oliveira Pantoja
Se este trabalho possui uma pedra basilar, ou um ponto de partida é, indubitavelmente,
a trajetória de vida de Amândio José de Oliveira Pantoja. Filho de Manoel de Oliveira
Pantoja; neto de José de Oliveira Pantoja e D. Luiza de Moraes Bittencourt. Amândio nasceu
no ano de 1758. Ainda jovem, entra para a vida militar e, aos vinte anos de idade, é
recenseado como cadete da tropa paga. Aos vinte e dois anos, casa-se com D. Francisca
Xavier de Siqueira e Queiróz, mulher viúva, de vinte e sete anos; que trazia do primeiro
casamento dois filhos. No décimo sétimo dia do mês de outubro de 1780, Amândio e
Francisca unem-se em matrimônio e, a partir daquele momento, Amândio passa a gerenciar
sua nova vida de casado, rodeado de bens, possibilidades e novas responsabilidades.
Amândio tinha cinco anos de idade quando o seu pai foi processado pela Inquisição do
Santo Oficio, em 1763. Ainda que o pai tenha sido absolvido, não sabemos o quanto aquele
episódio marcará a vida de Amândio e pesará em suas escolhas. Fato é que, ao casar-se com
Francisca, viúva de um Familiar do Santo Ofício e, portanto, habilitada pela Inquisição;
Amândio passa a figurar com maior frequência na documentação da época. Nove anos depois
do casamento, Amândio faz requerimento ao Santo Ofício para que seja admitido no cargo de
Familiar, passando a ser membro da mesma instituição que, em sua infância, julgou seu pai.
Porém, nestes nove anos posteriores ao casamento, a vida de Amândio já havia
mudado bastante. Podemos observar essa mudança comparando o patrimônio de Amândio em
três documentos: no mapa de famílias de 1778, onde ele aparece como freguês da Campina,
dois anos antes de casar-se; na habilitação para Familiar do Santo Ofício em 1789 e no
inventário post-mortem de Amândio datado de 1826.
114
305
Conforme habilitação. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação Amândio. Mç 1, doc 10.
306
Habilitação Amandio José de Oliveira Pantoja, Maço 1 Doc 10. Testemunho de Silvestre José dos Santos,
Capitão dos Auxiliares, 70 anos. Fl 30.
115
Essa baliza da limpeza de sangue, comprovada por extensa genealogia, nos diz muito
do que era aquela sociedade de Antigo Regime, marcada pelos privilégios e pela
desigualdade, desigualdade essa que deveria ser assegurada pelo próprio Rei. A sociedade do
Pará colonial também era parte deste mundo dos privilégios, da desigualdade e do que era
público e notório. A publicidade tanto dos bons modos e da opulência quanto das más ações
eram a tônica daquelas sociedades.
Para tornar-se um Familiar, era necessário passar por processo de habilitação levado a
efeito pelo Conselho Geral do Santo Ofício em Portugal. As habilitações congregam
informações fundamentais e diversas incluindo: nomes, datas, origens, residências, estratégias
de enriquecimento e redes de sociabilidades; auxiliando na composição de um cenário
populacional, sustentando análises relacionadas ao comportamento da estrutura familiar de
determinados grupos sociais 307. Permitem investigar questões relacionadas à história da
população; contemplando origem de nascimento, origem social, situação conjugal, idade
média de habilitação, ocupação/profissão, montante de fortuna e composição da rede de
relações em que o habilitando, sua esposa e seus ascendentes estavam inseridos tanto em
Portugal quanto no Grão-Pará e Maranhão.
As habilitações são compostas de testemunhos transcritos por comissários do Santo
Ofício enviados a todos os lugares onde o candidato a Familiar e seus parentes moraram (até,
no mínimo, a geração dos avós), transcrição de registros de batismo e casamento 308 de todos
os membros da família. O que permite remontar, ao menos em parte, a teia de relações e o
acompanhamento das histórias desses indivíduos e suas famílias.
As condições para admissão ao cargo de Familiar do Santo Ofício ficam claras,
principalmente, a partir do Regimento de 1613309, regimento resultante do que já era posto em
prática pela Inquisição. De acordo com o regimento, os indivíduos só seriam admitidos
“depois de verificada a sua capacidade e limpeza de sangue” 310
. Aos poucos, diversas
307
VIEIRA JR, Antonio Otaviano. Demografia Histórica, família e inquisição: possibilidades metodológicas a
partir da habilitação de Familiar. Revista de História Unisinos, vol.15, nº1, 2011, p.71-79.
308
A transcrição dos registros de batismo e casamento tornam esta documentação ainda mais especial, uma vez
que, para o Período Colonial no Pará, não temos acesso a esses documentos, que estão, até o momento, perdidos
para nós pesquisadores.
309
Regimentos do Santo Ofício (séculos XVI-XVII). In: Revista do IHGB, Rio de Janeiro, 392, 281-350. 1996
310
A questão da limpeza de sangue deve ser compreendida a partir do contexto de segregação da sociedade
ibérica entre cristão-velho e cristão novo. Se pensarmos em um contexto mais amplo, veremos que já no Estatuto
de Toledo, de 1449, há o impedimento que os chamados “novamente convertidos” à Fé Católica e os de “sangue
infecto” (judeus, mouros e negros) ocupem cargos municipais. Olival, Fernanda. Rigor e interesses: os estatutos
de limpeza de sangue em Portugal. Cadernos de Estudos Sefarditas, n. 4, 2004. p. 151.
116
instituições ibéricas passam a adotar a limpeza de sangue como condição para o ingresso de
neófitos, o que, em grande medida, passa a configurar um código de distinção social.
Nas Ordens militares, os estatutos de limpeza de sangue foram adotados a partir de
1570, com a Bula Ad Regie Maiestatis; é adotado, também o critério da limpeza de ofício, ou
seja, quem trabalhava, utilizando as mãos, é considerado portador de defeito mecânico e,
portanto, estava excluído destas instituições. Para Fernanda Olival, a adoção do critério de
limpeza de sangue ocorre a partir do interesse em demarcar o espaço das Ordens Militares
como um lugar de pertença da elite 311.
Esses estatutos de pureza de sangue configuravam-se como verdadeiros instrumentos
jurídicos das instituições tradicionais de nobilitação, distinção e promoção social, que
obstruíam o acesso de parte da população às carreiras nobilitantes e aos processos de
nobilitação e distinção. No regimento de 1640 que vigorará até 1774, os requisitos básicos
para alcançar o posto de familiar é ser
cristão velho de sangue limpo, sem raça de Mouro, Judeu, ou gente novamente
convertida a nossa santa Fé, e sem fama em contrário; que não tenham incorrido em
alguma infâmia publica de feito ou de direito, nem forem presos ou penitenciados
pela Inquisição, nem sejam descendentes de pessoas que tiverem algum dos defeitos
sobreditos (...).312
Muito embora após 1774, com o último regimento da Inquisição, acontece a abolição
da distinção entre cristãos novos e velhos com a consequente supressão das referências à
limpeza de sangue nas habilitações. Ainda assim, mesmo após o último regimento
inquisitorial que abolia a limpeza de sangue; pensamos que estava arraigada a ideia da
familiatura como um espaço de distinção e nobreza. Para Braudel, as mentalidades mudam
muito lentamente, é o lugar das prisões de longa duração 313. Portanto, mesmo após abolidas a
obrigatoriedade da limpeza de sangue, ainda assim, as habilitações foram procuradas como
forma de tornar-se diferente em uma sociedade que a distinção era sinônimo de privilégio.
Aldair Rodrigues, em estudo dos Familiares do Santo Ofício em Minas Gerais, alega
que a procura pelo cargo de familiar cai vertiginosamente, em todas as regiões de domínio
português, após 1773, ano em que foi abolida a limpeza de sangue. Para esse autor, a principal
motivação que levaria a requisição do cargo era o elemento de distinção do “atestado de
311
OLIVAL, Fernanda. Rigor e interesses: os estatutos de limpeza de sangue em Portugal. Cadernos de Estudos
Sefarditas, n. 4, 2004. Pp. 154-157.
312
Requerimento do Santo Ofício (séculos XVI-XVIII). Regimento de 1640. Livro I, Título I, §2°.
313
BRAUDEL, Fernad. A longa duração. História e Ciências Sociais. Lisboa. Editorial Presença, 1990 (1972).
117
limpeza de sangue”. 314 A partir de 1773 nos interrogatórios não se perguntava mais sobre a
limpeza de sangue, mas em substituição se o candidato, ou algum parente seu, havia cometido
crime de lesa-majestade ou contra a fé católica.
O processo de habilitação de Amândio desenrola-se por dez longos anos, tempo
superior à média das outras habilitações do período. Os processos de habilitação para
Familiar, no Grão-Pará, duravam, em média, 3 anos; e aproximadamente 45% dos processo
duravam 1 ano ou menos315. Daniela Calainho encontra média próxima a essa nos processos
que encontrou para o Rio de Janeiro 316. Aldair Rodrigues, para Minas Gerais encontra 45,45%
até três anos e 74,77% até seis anos 317.
Portanto, dez anos para um processo de habilitação já chama a nossa atenção. Quais as
razões para que o processo de Amândio demore tanto? De acordo com Aldair Rodrigues,
alguns habilitandos enfrentavam obstáculos para atender aos requisitos exigidos pela
Inquisição, onde o mais comum deles era a fama de ascendência cristã-nova318. No caso de
Amândio, um processo pós 1773, não foi a fama de cristão-novo que atrasou, mesmo porque,
comprovadamente, a família Oliveira Pantoja, até a geração dos avós de Amândio, era Cristã
Velha. E também porque, como já vimos, nesse período os interrogatórios não questionavam
mais a limpeza de sangue. No entanto, umas das perguntas do interrogatório inquisitorial às
testemunhas era acerca dos costumes e procedimentos do candidato; e, nesse sentido, a
habilitação de Amândio é pura contradição.
“Homem de bem”, “capaz de segredos e grandes negócios”, que “vive limpa e
abastadamente”, “dos melhores da terra”, “família das principais”, “gente nobre”, “da melhor
nobreza desta terra”. São os adjetivos empregados por testemunhas que foram interrogadas
por comissários do Santo Ofício da Inquisição de Lisboa, entre os anos de 1789 e 1799,
quando Amândio José de Oliveira Pantoja teve sua vida e a vida de sua família revirada e
devassada pela Inquisição para tornar-se Familiar do Santo Ofício. 319
314
RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de Sangue: familiares do Santo Ofício, Inquisição e Sociedade em
Minas Colonial. Editora Alameda, São Paulo, 2011. p. 112.
315
Conforme estatística realizada com 44 habilitações para Familiar do Santo Ofício pertinentes ao Grão-Pará
entre os anos de 1730 a 1801.
316
CALAINHO, Daniela Buono. Em nome do Santo Ofício: familiares da Inquisição portuguesa no Brasil
colonial. Rio de Janeiro, UFRJ, 1992 (Dissertação de Mestrado). p. 50
317
RODRIGUS, Aldair. Op Cit. p. 113.
318
RODRIGUES, Aldair. Op Cit. 113
319
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio José de Oliveira
Pantoja, ATT – TSO- CG – HAB – Mç1 – doc3
118
320
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio José de Oliveira
Pantoja, ATT – TSO- CG – HAB – Mç1 – doc3
321
Idem.
119
do habilitando é grande, que vive de seu engenho, nobremente, tem casas, escravatura e
muitos bens”; que “tem casas altas nesta cidade e muita escravatura (...) seus bens valem mais
50 mil cruzados e que pode fazer anualmente mais de 12 ou 15 mil cruzados”. 322
No final da primeira inquirição de testemunhas feitas no Grão-Pará pelo Comissário
Felipe Jaime Antonio, em 1794, a observação do oficial da Inquisição foi
Os procedimentos do habilitando são maus, que ainda que tenha bens que lhe
rendam anualmente livre de despesas, 1 conto de reis. Está sempre implicado com
litígios e execuções. (...) eu o julgo indigno do que pretenda; será grande o escândalo
se ele obtiver a graça que pretende [tornar-se Familiar do Santo Ofício] (...)”.323
324
Manoel de Oliveira Pantoja, pai de Amândio, foi Juiz de órfãos da Vila de Gurupá,
tinha patente de capitão, cultivava cana de açúcar em terras do Rio Moju. O capitão e
engenheiro prussiano João André Schwebel, cartógrafo que participou da comissão de limites
criada em 1753 e chefiada por Francisco Xavier de Mendonça Furtado, ao desenhar os rios
próximos a Belém e as propriedades de terras nestes rios, inclui o nome de Manoel de
325
Oliveira Pantoja como proprietário de terras no rio Moju. No ano de 1763 a Inquisição
processa Manoel de Oliveira Pantoja, este fato é relatado pelas testemunhas na habilitação de
Amândio. Alguns dizem ter sido Manoel processado pela inquisição por ter se coroado rei do
Acará, outros relatam que Manoel foi processado por ter se vestido de padre e casado uma
senhora, em uma brincadeira; esta última versão coaduna com o processo inquisitorial
326
depositado na Torre do Tombo. Todas as testemunhas que tocam no assunto, afirmam
que Manoel morreu na prisão, envenenado; não por esse crime inquisitorial, mas por uma
morte que mandou fazer. Francisco Raimundo de Almeida, de 45 anos, natural e morador da
cidade do Pará, testemunha na habilitação de Amândio; relata que pai do habilitando veio
preso da Vila de Gurupá, onde era Juiz de Órfãos, para a cadeia de Belém; por crime de
querer se coroar Rei. Afirma, também a testemunha, que o pai do habilitando estivera outra
322
Depoimentos de João Guedes, José Ravasco, Manoel de Souza Tavares. Arquivo Nacional da Torre do
Tombo. Habilitação de Amândio. Mç 1, doc 10
323
Felipe Jaime Antonio. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação de Amândio. Mç1, doc 10.
324
Note que o nome Manoel de Oliveira Pantoja já vinha sendo citado anteriormente neste texto, mas não se
refere à mesma pessoa. Manoel de Oliveira Pantoja é o nome de um dos dois irmãos que chegam ao Pará, vindos
de Portugal. José de Oliveira Pantoja colocará o mesmo nome do irmão no filho. Portanto, Manoel de Oliveira
Pantoja pai de Amândio é sobrinho de Manoel de Oliveira Pantoja que aporta no Pará em finais do século XVII.
325
NORONHA, José Monteiro de. Roteiro da viagem da cidade do Pará até as últimas colônias do sertão da
província (1768). Edusp, 2006.
326
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Tribunal do Santo Ofício, Inquisição de Lisboa, processo contra
Manoel de Oliveira Pantoja nº 2698.
121
vez preso na cadeia, por uma morte que mandou fazer, por cujo crime teve sentença de forca
que se comutou em açoites pelas ruas públicas “cuja sentença não se executou por morrer na
prisão de veneno administrado pelos filhos”.327
Alguns dizem ter sido Manoel envenenado pelos filhos, outros afirmam ter o próprio
Manoel se envenenado, tendo proferido a frase “antes morte que vergonha”. 328
No entanto,
esses fatos sobre a família de Amândio parecem ter sido completamente esquecidos pelas
testemunhas que faziam parte da elite, tidas por gente nobre e proprietários de terras e
escravos.
Mas, afinal, o que significava ser Familiar do Santo Ofício para um indivíduo ou para
sua família no Grão-Pará colonial?
Gráfico 3 - Sociabilidade: Ofício das testemunhas da Habilitação de Amândio
327
Francisco Raimundo de Almeida (testemunha). Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação de
Amândio.
328
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio José de Oliveira
Pantoja, ATT – TSO- CG – HAB – Mç1 – doc3
122
329
Datas das petições iniciais dos processos de Habilitação para Familiar do Santo Ofício de José Salvador
Sanches (1676) e Manoel Joaquim Gomes (1804). Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação José
Salvador Sanches. Mç 8, Doc 204. Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação de Manoel Joaquim
Gomes. Mç 260, Doc. 1755.
330
TORRES, José Veiga. Da repressão à promoção social: a Inquisição como instância legitimadora da
promoção social da burguesia mercantil. Revista Crítica de Ciências Sociais, 40, out. 1994. p. 105-135.
123
Fonte: Arquivo Nacional Torre do Tombo, Habilitações para familiar do Santo Ofício/ Projeto Fapespa (32
habilitações).
331
RODRIGUES, Aldair. Op Cit. p. 148.
124
No Pará, há também uma queda de 36,84% nas familiaturas entre os dois últimos
períodos (1721-1770 a 1771-1820)332. Porém, acompanhando a tendência do Brasil, a queda é
menor do que em Lisboa. Aldair Rodrigues relata que as familiaturas expedidas para a
colônia, ao longo do século XVIII, tendiam a se concentrar nas capitanias da Bahia,
Pernambuco, Rio de Janeiro e Minas Gerais, sendo que as redes de familiares em outras
capitanias era pouco expressiva, apenas em São Paulo e Pará chegaram algumas dezenas de
agentes inquisitoriais, mas ainda bem menos que nas primeiras capitanias citadas. 333 Nesse
sentido, utilizando os dados do próprio Aldair Rodrigues, confeccionamos um gráfico
comparativo, em percentuais, da inflexão do número de familiaturas. Podemos observar a
variação percentual dos pedidos de habilitação na Bahia, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de
Janeiro, São Paulo e Pará.
Gráfico 5 – Variação percentual nos pedidos de familiatura pós 1771.
Fonte: RODRIGUES, Aldair Carlos. Limpos de Sangue: Familiares do Santo Ofício, Inquisição e Sociedade em
Minas Colonial. São Paulo, Alameda, 2011, p. 150.
332
Conforme 32 habilitações para familiar do Santo Ofício pesquisadas.
333
RODRIGUES, Aldair. Op. Cit. p, 149.
125
Mas, por que ser familiar? Pensamos que mesmo após a queda da obrigatoriedade da
limpeza de sangue nas inquirições do Santo Ofício, ainda assim, era latente a valorização e
ambição das insígnias e símbolos de status e distinção social; afinal, em sociedades de antigo
Regime, símbolos de distinção social cumpriam um papel importante na demarcação das
hierarquias sociais. Por conta disso, ser camarário, irmão da Misericórdia ou de uma Ordem
Terceira, e, ainda, ser cavaleiro de ordem militar era ostentado pelas melhores famílias e,
inclusive por autoridades. Não à toa temos um governador do Grão-Pará e Maranhão pedindo
habilitação para Familiar do santo Ofício, quando ainda governava o Pará.334
Na própria Habilitação de Amândio, que ocorre entre 1789 e 1799; o comissário
responsável pelas diligências, ao justificar a ausência de algumas certidões por conta do
péssimo estado em que se encontrava o Cartório Eclesiástico, justifica a ascendência de
Amândio como sendo filho legítimo dos pais que declara “de procedimento bom gente toda
nobre e cristã velha sem nota em contrário” 335. Ora, podemos observar que mesmo após vinte
e três anos do fim da obrigatoriedade da limpeza de sangue, ainda assim, ela é referida;
porque o comissário acredita que a família cristã-velha configurava-se enquanto signo de
distinção, confiabilidade e boa reputação.
Aldair Rodrigues, em seu estudo sobre os Familiares do Santo Ofício em Minas
Gerais, alega que os habitantes de Minas que se tornaram Familiares atuavam, em sua
esmagadora maioria, no setor mercantil (66,51%) e eram migrantes reinóis (principalmente do
norte). Veiga Torres verifica que a entrada dos comerciantes na Rede de Familiares ocorre em
todo o Império Português336.
Em relação ao perfil ocupacional dos habilitandos a familiar do Santo Ofício, no Grão-
Pará, constatamos que 59% de 32 indivíduos declaravam no ato do pedido de habilitação
estarem ligados ao ramo do comércio: eram homens de negócios, caixeiros, mercantes; enfim,
estavam ligados ao grupo dos negociantes; o que corroboraria com a tese Aldair, Veiga Torres
e de Calainho que aponta o perfil dos familiares no Brasil como nascidos em Portugal e
ligados ao setor mercantil 337.
334
Habilitação de Fernando da Costa de Ataide Souza Teive. Mç 2, doc 120.
335
Comissário Antônio Gonçalves Coelho. 7 de agosto de 1797. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja. Mç 1, doc. 10.
336
TORRES, Veiga. Op. Cit. p 133-134.
337
CALAINHO, Daniela Buono. Em nome do Santo Ofício: Familiares e Inquisição portuguesa no Brasil colonial.
Rio de Janeiro. 1992. Dissertação (Mestrado em História). Universidade federal do rio de Janeiro. Mimeo.1992.
126
Por outro lado, quando analisamos outros documentos fazendo o cruzamento das
fontes, percebemos que a situação aparenta não ter sido tão simplificada, permitindo
vislumbrar a complexidade dessa sociedade. Por exemplo, alguns desses habilitandos que se
declaravam negociantes no ato da habilitação, possuíam terras e escravos, muitos destes com
engenhos e plantações de cacau possuíam altas patentes militares e, em muitos casos, foram
arrematadores de dízimos do Estado ou, até mesmo, participaram de cargos de mando
atrelados à governança da terra. É o caso de Antônio Gomes Pires, que relatava viver de seus
negócios, mas também era Almoxarife da Fazenda Real338.
Bento Pires Machado, outro habilitando, declarou ao pedir sua familiatura viver de seu
Engenho Real com escravos, e também possuir “loge de fazendas” e “negócios” 339
. Bento é
citado no trabalho de Souza Junior por aparecer exportando cargas para Lisboa pelos navios
da Companhia de Comércio; também por ser beneficiário da distribuição das fazendas
tomadas da Companhia de Jesus; e por aparecer nos censos de 1785 e 1788340. Bento Pires
Machado, no ano de 1778, aparece na lista dos devedores da Companhia de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão, devendo a quantia de 3:153$837, prometendo pagar o débito até o fim
do ano de 1786 341
Elias Caetano de Matos, que declara no ato da habilitação ser Mestre Espingardeiro,
mas, quando pede anos depois a habilitação para sua esposa, afirma estar estabelecido com
342
lavouras e escravos . Elias também aparece como devedor da Companhia de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão, no ano de 1778, pedindo cinco anos para quitar a dívida de 652$854.
É mais um exemplo desta permeabilidade de ocupações e redes em que essas pessoas estavam
inseridas. O que percebemos entre esses familiares, portanto, é a diversificação de
investimentos.
A família Oliveira Pantoja, representada pela habilitação de Amândio José de Oliveira
Pantoja não coaduna com o perfil ocupacional de comerciante. Amândio e sua família há
gerações estavam vinculados à terra, escravos, cargos da República. Entender aqueles que
338
Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Antônio Gomes Pires. ATT-TSO-CG-HAB-mc129-doc2176.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
339
Habilitação para Familiar do Santo ofício de Bento Pires Machado. ATT-TSO-CG-HAB-mc14-doc202.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
340
SOUZA JUNIOR, José Alves. Tramas do Cotidiano. 2012 p.304.
341
Arquivo Público do estado do Pará, códice 1000. Acervo da companhia do Grão-Pará.
342
Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Elias Caetano de Matos. ATT-TSO-CG-HAB-mc1-doc3.
Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
127
fogem à tendência é, sem sombra de dúvidas, uma das tarefas mais difíceis de qualquer
trabalho. Porém, a pista pode estar nos litígios que os membros da família Oliveira Pantoja se
envolvem. Ser Familiar do Santo Ofício era ser representante e servidor de uma instituição
metropolitana: a Inquisição. A credibilidade da palavra de um Familiar do Santo Ofício era
quase inconteste, no jogo do poder e no jogo político e isso, com certeza, pesava a favor. Para
Aldair Rodrigues, ser Familiar do Santo Ofício era um passo importante para se tornar
Cavaleiro da Ordem de Cristo343; Amândio José de Oliveira Pantoja após conseguir a carta de
Familiar do Santo Ofício, faz requisição para o Habito da Ordem de Cristo, em 1800, um ano
depois de conseguir a carta de familiar.344
Portanto, ser Familiar do Santo Ofício inseria Amândio e a sua família em um mundo
de mercês, insígnias e distinção social que ainda era muito importante no Grão-Pará colonial.
3.2 - Patrimônio e Inventário
Ao fim de sua vida, sem sombra de dúvidas, Amândio José de Oliveira Pantoja era um
homem rico, muito rico. Morre no ano de 1826. Naquelas alturas, Amândio era poderoso na
província do Pará.345 Possuía patente de Coronel, era familiar do Santo Ofício, com
justificação de nobreza, detentor do direito de usar Brasão d‟Armas. Havia participado
ativamente da invasão de Caiena e, posteriormente, dos movimentos independentistas ao lado
de Batista Campos. Em seu velório, realizado na Igreja das Mercês, local onde também foi
sepultado, compareceram muitas autoridades formando um “lutuoso cortejo”.346 Deputados do
governo provisional, o Cabido, ministros do culto, Senadores da cidade, todos estampavam
“um pesadume na face”, realizaram a “mais sincera oração fúnebre”, um cortejo que, embora
sem dizer palavra alguma, “carregava o luto estampado” e prestava àquele homem, as últimas
homenagens.347
O inventário de Amândio é aberto por seu filho Francisco de Oliveira Pantoja, curador
da mãe, a agora viúva, Francisca Xavier de Siqueira e Queiróz. Na descrição de bens do
inventário, observamos que ele era um homem de muitas posses. O levantamento de seus bens
chegou ao montante de oitenta contos duzentos e sessenta e seis mil e quinze réis. Amândio
deixa poucas dívidas a pagar, correspondendo a 8,12% do montante; porém, muito dinheiro a
receber, correspondendo 32,15% do montante, o que indica, claramente, que Amândio
concedia créditos com uma certa frequência.
343
RODRIGUES, Aldair. Op. Cit. p, 225.
344
Arquivo Histórico Ultramarino (Resgate). AHU_ACL_CU_013, Cx. 124, Doc . 9544.
345
Província no período pós independência. Pós 1823 (data da Adesão do Pará à independência).
346
BAENA, João Ladislau Monteiro. O compêndio das eras da Província do Pará. Belém:UFPA 1969.
347
Idem.
128
Estavam entre os devedores de Amândio: o preto Prisco (vinte e hum mil e oitocentos reis); a
cafuza Tereza (trinta mil e quatrocentos reis); Valentim escravo que foi de Dona Ângela de
Siqueira, sogra de Amândio, (noventa e oito mil quatrocentos e oitenta reis); o índio Dionísio,
índio da canoa de Antonio Carlos (seis mil e seiscentos reis). Também figuravam entre os
devedores de Amândio a Fazenda Nacional (várias dívidas que somadas perfazem um total de
cinco contos, novecentos e noventa e um mil, oitocentos e trinta réis); além de outras figuras
de destaque político da província do Pará (como membros da família Maciel, Bittencourt,
Ferreira Ribeiro, Bolonha). Os devedores nos indicam que as relações econômicas que
Amândio acionava eram heterogêneas, no sentido que concedia créditos aos mais abastados
(em grandes somas de dinheiro) e, também, valores mais módicos àqueles que não faziam
parte do topo da hierarquia social.
Tabela 4 – Demonstrativo Patrimonial
Tipos de Bens N Subtotal % % Ac.
Bens Imóveis 19 11:134$260 13,87 13,87
Escravos 239 25:594$000 31,89 45,76
Animais 1038 3:781$322 4,71 50,47
Dinheiro - 6:932$333 8,64 59,11
Dívidas Ativas - 25:806$082 32,14 91,25
Dívidas Passivas - 6:514$129 8,12 99,37
Outros - 503$889 0,63 100,00
Total (Monte-Mor) - 80:266$015 100,00 100,00
Fonte: APEP. Inventário de Amândio José de Oliveira Pantoja. 1826
Ao analisarmos os dados da tabela, logo percebemos que os bens de raiz (imóveis) e
os escravos perfazem quase metade (45,76%) do monte-mor. Por outro lado, a maior parcela
do capital, ou patrimônio, está em dividas ativas (valores a receber). A parcela do patrimônio
aplicada a imóveis, bem de raiz de liquidez a longo prazo (ou baixa liquidez), perfaz 13, 87%.
Já o investimento em escravos, que é um ativo de alta liquidez (ou seja pode ser convertido
em “caixa” rapidamente sem perda significativa de valor), representa 31,89% do patrimônio
de Amândio.348 Amândio tinha poucas dívidas a pagar, perfazendo 8,12% do patrimônio.
Com essa análise patrimonial do inventário, somada à análise da habilitação de
Amândio, conclui-se, principalmente observando o item “capacidade”, que Amândio aparece
348
Liquidez refere-se à facilidade com que um “bem” ou um “ativo” pode ser convertido em dinheiro ou „caixa”.
Um ativo líquido é aquele que pode ser vendido rapidamente. A liquidez possui duas dimensões básicas:
facilidade de conversão versus perda de valor. Qualquer bem pode ser convertido em espécie ou caixa
rapidamente, desde que se reduza suficientemente o preço. Um ativo de alta liquidez é, portanto, aquele que pode
ser vendido rapidamente sem perda significativa de valor. Um ativo é tanto mais líquido quanto mais fácil for
transformá-lo em dinheiro vivo. As dívidas que Amândio tinha a receber são relativamente líquidas, porque
espera-se que em um futuro próximo será convertida em caixa (dinheiro ou outro bem de mais alta liquidez
como ouro, por exemplo).
129
bem posicionado. Neste, o comissário responsável diz que o habilitando tem grande
capacidade e “faz anualmente mais de vinte mil cruzados, é abastado de bens e tem cabedal
bastante para servir o Santo Ofício”.349
Apesar da fortuna demonstrada na habilitação para familiar (1789) e inventário
(1826), se voltarmos ao mapa das famílias da Capitania do Pará de 1778, Amândio não
parecia estar tão bem posicionado economicamente. Neste documento, ele é citado como um
indivíduo branco, solteiro, sendo empregado como “cadete da tropa paga”. Sua situação
econômica foi definida como “vive de seu soldo” 350.
Recenseamentos, mapas populacionais e mapas de famílias são como fotografias; uma
fotografia daquele momento específico da sociedade. E, como toda “fotografia”, também
possui “filtros”, e, logo de chofre, podemos visualizar dois: o filtro do fotógrafo, neste caso o
recenseador; e o filtro dos fotografados, neste caso, os cabeças de família. O mapa de famílias
de 1778 da capitania do Pará fornece elementos diversos, prenhe de informações
importantíssimas para o estudo daquela sociedade. Os itens contidos no documento são: o
nome do chefe da família; a localidade em que ele reside (apontada como situação); a etnia a
qual pertence (nominada como qualidade); a situação conjugal; o emprego; ofício; os
membros da família e agregados separados por sexo e divididos entre maiores (adultos) e
menores (jovens/crianças). Oportuno sublinhar que essa fotografia classificava a população a
partir de categorias socioeconômicas, nomeadas como possibilidades. Economicamente eles
eram classificados, basicamente, como: pobres, possibilidade mediana possibilidade inteira e
ricos.
Amândio não era o único membro da família Oliveira Pantoja que figurava neste
Mapa de famílias.
349
Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Habilitação para Familiar do Santo Ofício. Amândio José de Oliveira
Pantoja, Maço 1 – doc3
350
Arquivo Histórico Ultramarino. Avulsos/Pará. Caixa 79. Doc. 6536. Ofício do [governador e capitão-general
do Estado do Pará e Rio Negro], João Pereira Caldas, para o [secretário de estado da Marinha e Ultramar],
Martinho de Melo e Castro, sobre o mapa geral da população, das freguesias e das capitanias daquele Estado
relativo ao ano de 1776, e uma relação dos eclesiásticos seculares e regulares nele existentes. AHU-Rio
Negro.cx.8; doc. 355.
130
351
SOUTO, Alanna. Op. Cit. 2008. p. 103.
131
social352. Se a definição de rico ou pobre está centrada na posse de cativos, então por qual
razão Maximiniano de Oliveira Pantoja, com três escravos, e João Pedro de Oliveira Pantoja,
com trinta e um, são ambos considerados pobres?
Amândio de Oliveira Pantoja aparece no mapa de famílias de 1778 como cadete da
tropa paga. De acordo com Nizza da Silva, uma das formas mais visíveis da nobreza colonial
era a ocupação de postos na oficialidade auxiliar e, mais raramente, na tropa paga. Para
acessar a posição de cadete da tropa paga era necessário provar nobreza, pois é no período
pombalino, mais exatamente em 1757, que se regulamentaram o estatuto e os privilégios dos
cadetes. Os que aspiravam a esta categoria tinham primeiro de fazer a justificação de nobreza
por pais e pelos quatro avós. Além da justificação de nobreza, o habilitando a cadete, para
manter seu tratamento nobre, devia possuir um rendimento anual de 144$000 réis, porque,
desta maneira, não ficaria dependente somente do soldo.353
Portanto, só temia o recrutamento na tropa paga aquele que serviria como soldado,
pois teria de cumprir um longo período longe da família e das atividades econômicas para
viver com um soldo raso. De acordo com o que é registrado pelo recenseador, na capitania do
Pará, Amândio vive de seu soldo. No entanto, conforme mostra a historiografia, um cadete da
tropa paga não poderia viver apenas de seu soldo, tendo, obrigatoriamente, que possuir outros
rendimentos. Teria Amândio outros rendimentos? Provavelmente sim, provavelmente possuía
terras, mas estes bens não aparecem no mapa de família. Sabemos que seu pai era possuidor
de terras e vivia de suas fazendas354; bem como anos mais tarde, em seu inventário aparecerão
várias “sortes de terras”.355
Como já vimos nos capítulos anteriores, essas terras dos Oliveira Pantoja
concentravam-se, principalmente, às margens do rio Moju. Por conta disso, não é de estranhar
que os Oliveira Pantoja apareçam recenseados justamente na Freguesia de Moju, no ano de
1778. No primeiro capítulo deste trabalho, analisamos como se configurava o espaço do Moju
em que viveram os contemporâneos da primeira e segunda geração da família Oliveira
Pantoja. Agora, vamos observar as permanências e rupturas da vida no Moju, espaço de
vivência da terceira geração do Pantoja.
Moju: base territorial da terceira geração da família Oliveira Pantoja
352
Padre João Daniel. Tesouro descoberto no Rio Amazonas. Rio de Janeiro. Separata dos Anais da Biblioteca
Nacional. V. 95. T 1-2. 1976; SPIX, Johan B. von; MARTIUS, Karl, F. Von. Viagem pelo Brasil (1817-1820).
Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: EDUSP V3. 1981
353
SILVA, Maria Beatriz NIZZA da. Op. Cit. 2005.p, 235.
354
De acordo com a habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja. Arquivo Nacional da Torre do Tombo.
Habilitação. Mç 1, documento 10.
355
Arquivo Público do Estado do Pará. Inventário de Amândio José de Oliveira Pantoja. 1826.
132
Nesse momento, vamos nos afastar um pouco da história mais direta da família
Oliveira Pantoja, mas sem perdê-los de vista, uma vez que mergulharemos na história do
Moju da terceira geração desta família, que é o da segunda metade do século XVIII.
Importante percebermos os lugares onde essa família produzia e travava suas relações, para
que possamos aquilatar suas escolhas e seus embates.
O número de concessões de sesmarias, no Moju, em meados do XVIII cai,
significativamente, em comparação à primeira metade (vide primeiro capítulo deste trabalho).
Teremos apenas nove concessões entre 1754 até 1792 e duas em 1821. Se juntarmos os dados
de antes de 1750 e depois de 1750 vamos perceber um hiato de concessões de terras entre
1747 (data das últimas concessões da primeira metade do XVIII) e 1754 (data da primeira
concessão da segunda metade do XVIII) perfazendo um total de sete anos sem concessões de
terras no rio Moju. Um novo hiato é observado entre 1792 e 1821, nove anos sem concessões
de terras no Moju. Interessante é que são dois períodos de inflexões na política da região.
O primeiro “hiato” corresponde ao momento em que a Coroa Portuguesa procura
colocar em prática uma política intensa e diferenciada para a região, através da chamada
“política reformista” empregada por Sebastião José de Carvalho Melo, o Marquês de Pombal.
Política essa que, no Pará, é personificada pela mudança de governo que passa para as mãos
de Francisco Xavier de Mendonça Furtado.
Este período é marcado por uma nova fase da gestão metropolitana, e alguns
elementos dão o tom desse “novo momento”, quais sejam: a modificação da relação
metrópole-colônia no sentido de racionalizar a exploração para torna-la mais eficaz; a
preocupação com a demarcação dos limites e uma potencialização da efetiva ocupação do
território; a fundação de uma companhia de comércio para incrementar as atividades
econômicas do Estado356. A política pombalina para a Amazônia promove um conjunto de
transformações que modificam de forma violenta a sociedade colonial e essa inflexão na ação
administrativa metropolitana passa a constituir novos elementos com os quais os grupos locais
passam a ter de lidar 357.
No gabinete Pombalino ocorre uma mudança no modus operandi da Coroa Lusa em
relação às suas possessões ultramarinas; forma-se um grupo de homens habilitados para pôr
356
SOUZA JUNIOR, José. Nas tramas do Cotidiano: Religião, Política, Guerra e Negócios no Grão-Pará do
Setecentos, EdUfpa, Belém 2012. p. 89.
357
COELHO, Mauro Cezar. Do Sertão para o Mar. Um estudo sobre a experiência portuguesa na América, a
partir da Colônia: o caso do Diretório dos Índios (1751-1798). São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005
(Tese de Doutorado em História).
133
358
FRAGOSO, João L.; Bicalho, Maria Fernanda B. & Gouvêa, Maria de Fátima F.. Antigo Regime nos
Trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI – XVIII), Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2001.
134
Segundo Jobson Arruda o incremento da agricultura foi um dos itens principais das reformas
pombalinas359. O aumento do tamanho das terras pode nos revelar o possível reflexo da
política pombalina em organizar uma produção agrícola de larga escala pautada na
monocultura do cacau, latifúndio e trabalho indígena assalariado360. De acordo com José
Alves
Em termos econômicos, a Política Pombalina objetivou introduzir o sistema de
“plantation”, assentado no trabalho escravo, no Norte do Brasil, que, no entanto, não
conseguiu atingir o mesmo desenvolvimento observado em outras áreas, como o
Nordeste. Apesar disso, as reformas pombalinas quebraram a hegemonia econômica
das ordens religiosas na Amazônia, laicizando a classe de proprietários, e
possibilitaram o enriquecimento do grupo ligado ao Estado, que passou a
instrumentalizar, em função de seus interesses, as funções públicas que exercia.
Além disso, a grande maioria dos proprietários tornou-se devedora da Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão, fortalecendo seu vínculo de dependência
econômica em relação à Metrópole 361.
Para compreendermos mais claramente essa mudança nos tamanhos das propriedades
da Ribeira do Moju, faremos uma digressão acerca de alguns aspectos da política do gabinete
Josefino/Pombalino. De acordo com Ângelo-Menezes, durante os primeiros séculos da
colonização amazônica, as forças da “economia mercantil” plasmam um novo sistema agrário
pautado a partir dos objetivos do mercado colonial. Se em um primeiro momento, segundo a
359
ARRUDA, José Jobson de. O Brasil no Comércio Colonial. São Paulo: Ática, 1980, p. 641.
360
Idem p. 90. Grifo nosso.
361
SOUZA JUNIOR, José Alves. Constituição ou Revolução: os projetos políticos para a emancipação do Grão-
Pará e a atuação política de Filippe Patroni (1820-1823). Dissertação de Mestrado. Universidade Estadual de
Campinas. 1998. pp, 77, 78.
135
autora, a colonização foi esteada na extração e cultivo dos produtos, a partir de meados do
XVIII, com a experiência agrária pombalina, há uma intensificação no fomento à produção
para o mercado362. Porém, é oportuno destacar, por mais que concordemos que houve uma
mudança na administração do Grão-Pará e Maranhão, com as políticas pombalinas, também, é
bom lembrar, que isso não significa que anteriormente a essas políticas, só havia extrativismo
das drogas, sustentadas pela mão de obra indígena e lavouras de subsistência, como foi
conclamado recorrentemente na historiografia363.
A pesquisadora Nírvia Ravena divide em dois momentos a organização do trabalho na
Amazônia Colonial, atrelados, cada qual, a momentos diferenciados na política de
colonização lusa. O primeiro momento seria o projeto missionário e o segundo, projeto
pombalino364. As duas formas de organização do trabalho engendraram e foram engendradas
por políticas diferentes; gerando dinâmicas de população, ocupação/exploração do solo
diferenciadas. Embora acreditemos ser necessário matizar essa dicotomia, posto que não
podemos resumir a questão econômica que sustentou a colonização do vale Amazônico nesses
dois pontos, concordamos que houve, de fato, um processo diferenciado de exploração
econômica antes, durante e depois do período Josefino/pombalino.
A economia “aldeana” do Diretório Pombalino exerceu uma maior pressão voltada
para a exportação, apropriando-se e potencializando as antigas formas de produzir,
concentrando esforços em direcionar a economia colonial rumo à agricultura comercial. A
economia das vilas, antigos aldeamentos, devia exercer o papel de fornecer gêneros de
subsistência e extrativos (que seriam redistribuídos em áreas de execução dos projetos
pombalinos). Em contrapartida, a economia da capitania seria responsável pelo setor da
produção de gêneros destinados ao mercado externo, originários da atividade agrícola 365. É
362
ÂNGELO-MENEZES, Maria de Nazaré. O sistema agrário do vale do Tocantins Colonial: Agricultura para o
consumo e para a exportação. Proj. História, São Paulo, (18), mai 1999.
363
Athur Cezar Ferreira Reis. A política de Portugal no Vale Amazônico. Belém, Secult 1993 [1940]; Arthur
Cezar Ferreira Reis. Síntese da História do Pará. Belém. Ed. Culturais, 1972. O Professor Rafael
Chambouleyron, em seu artigo “Escravos do Atlântico equatorial: tráfico negreiro para o Estado do Maranhão e
Pará (século XVII e início do século XVIII); elenca mais alguns autores que compactuam com este modo de
interpretar a história da Amazônia, dentre eles, o autor assinala Rosa Acevedo Marin. Agricultura no delta do
Rio Amazonas. Colonos produtores de alimentos em Macapá no período Colonial. In: A escrita da História,
paraense, Belém NAEA.
364
RAVENA, Nírvia. Abastecimento: Falta, escassez do “pão ordinário” em Vilas e Aldeias do Grão-Pará.
Dissertação (mestrado em Planejamento do Desenvolvimento) – Núcleo de Altos estudos Amazônicos,
Universidade Federal do Pará, Belém, 1994.
365
RAVENA, Nírvia. Op. Cit. 1994, p. 149.
136
nesta segunda fase, de acordo com Ângelo-Menezes, que os plantios solteiros de cacau, café e
cana-de-açúcar foram adotados por colonos financeiramente estáveis 366.
Maria de Nazaré Ângelo-Menezes e Nírvia Ravena atribuem ao modelo pombalino a
razão das crises de abastecimento que grassam a Capitania do Pará na segunda metade do
século XVIII. Ravena, dedicando estudo à Macapá e Ângelo-Menezes à região do Baixo-
Tocantins; percebem que os colonos passam a não produzir para o autoconsumo, dependendo
do abastecimento de outros lugares, e a produção anteriormente destinada, ao menos em parte,
ao consumo local, passa a fazer parte, por conta da política pombalina, os produtos
selecionados para a exportação pela Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão.
Nesse sentido, percebemos na análise dos dados que obtivemos nas sesmarias
pesquisadas que, após 1750, desaparece dos requerimentos de sesmaria a justificativa “lavrar
gêneros da terra”, mandioca, farinha, etc. Genericamente passam a utilizar, como justificativa
para requisição de terras, os termos “agricultura”, “lavouras” e “cana”. Também, em duas
concessões, extrapola-se a tendência de doar até duas léguas em quadro, o que poderia ser
justificado pela implementação de extensões maiores de terra para o cultivo de gêneros para a
exportação, política claramente pombalina.
Desta feita, já podemos caracterizar duplamente o rio Moju. Na primeira metade do
século XVIII, como vimos no primeiro capítulo deste trabalho, as sesmarias concedidas neste
espaço eram, basicamente, de pequeno porte, voltadas, em grande medida, para a policultura
com o cultivo de frutos da terra (algumas doações de sesmaria trazem textualmente a
expressão “lavouras de frutos da terra”), coadunando com o tipo de propriedade da primeira
geração da Família Oliveira Pantoja. Por outro lado, de meados do XVIII em diante,
observamos o aumento do tamanho das terras concedidas, caracterizadas como grande porte,
com mais de 13.001 hectares. Em relação aos gêneros cultivados no pós 1750, não podemos
inferir quais seriam, além da cana de açúcar, porque são genericamente colocados como
“agricultura” ou “lavouras”.
Por outro lado, a partir da pauta de exportação encontrada no Arquivo Histórico
ultramarino, criamos dois quadros comparativos com os produtos exportados pela Capitania
do Pará, dividindo-os em dois grupos; de 1730 a 1755 e outro que vai de 1756 a 1777 (divisão
da própria fonte, em 1756 os produtos são embarcados pela Companhia de Comércio do
Grão-Pará e Maranhão).
366
ÂNGELO-MENEZES, op. cit. 1999, p. 240. Cultivos solteiros, de acordo com a autora, é o termo utilizado
para designar cultivo único, isolado.
137
O que percebemos é que houve um aumento significativo nos produtos que entraram
na pauta de exportação a partir de 1756, com o advento da Companhia de Comércio do Grão-
Pará e Maranhão.
Ou seja, o Moju, lócus privilegiado da nossa análise por ser a primeira base territorial
da família Oliveira Pantoja, até meados do XVIII acompanha a tendência mais geral da
economia paraense colonial “baseada principalmente no extrativismo e cultivo de uma gama
variada de gêneros naturais” 368
. Oportuno sublinhar que, no Estado do Maranhão e Grão-
Pará, os “frutos da terra” além de servirem para o consumo e sustento do mercado interno,
367
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Avulsos do Pará. Mappa dos Diferentes Generos, que dos
Livros da Alfandega no anno de 1730 athé o de 1777.
368
LIMA, Alam José da Silva. Do “dinheiro da terra” ao “bom dinheiro”. Moeda natural e moeda metálica na
Amazônia colonial (1706-1750). In: Figueredo, Aldrin & Alves, Moema (Orgs). Tesouros da Memória: História
e Patrimônio no Grão-Pará. Belém, Ministério da Fazenda, 2009. p. 29.
138
eram exportados e tinham, ainda, outra função – serviam como dinheiro, o chamado “dinheiro
da terra”. Aliás, o dinheiro em moeda metálica só será introduzido no Estado do Maranhão e
Grão-Pará no ano de 1750 369.
É nesse espaço do Moju que Carlos, Maximiniano e João Pedro de Oliveira Pantoja,
agricultores recenseados na freguesia do Moju, em 1778, aparecem como de mediana
possibilidade ou pobres. Se, por um lado, os Oliveira Pantoja aparecem não tão bem
posicionados economicamente no mapa de 1778, a família Siqueira e Queiróz figura entre as
mais abastadas da capitania. É com esta família que Amândio vai consorciar-se quando, em
1780, desposa Francisca Xavier de Siqueira e Queiróz.
3.3 - A família Siqueira e Queiróz e a Companhia de Comércio do Grão-Pará e
Maranhão.
Francisca Xavier de Siqueira e Queiróz, futura esposa de Amândio, foi batizada aos
trinta dias do mês de agosto de 1753, na Capela do Engenho de Nossa Senhora do Rosário. É
como senhora do Engenho Nossa Senhora do Rosário que, em 1778, Francisca é recenseada,
já viúva e com dois filhos que ficaram do seu casamento com Gonçalo Pereira Vianna.
Gonçalo nasceu na Vila de Vianna, Arcebispado de Braga e foi para o Rio de Janeiro fazer a
vida como homem de negócios. Filho de pai livreiro, seu avô materno era um cirurgião que,
ao enviuvar, ordena-se sacerdote e embarca para a Bahia, Estado do Brasil de onde mandou
dote para casar suas filhas, uma delas, mãe de Gonçalo.
Entre 1768 e 1769, Gonçalo retorna para o Reino, mas por pouco tempo, porque logo
em 1769 ele embarca para uma aventura que mudará sua vida para sempre. Assistindo apenas
há alguns meses no Pará, contrata casamento com Francisca Xavier de Siqueira e Queirós,
filha de uma família importante na hierarquia local. No dia dez de fevereiro de 1770, Gonçalo
e Francisca recebem-se como marido e esposa, casados por ninguém menos que o Senhor
Inquisidor Vigário Capitular e Governador do Bispado do Pará Giraldo José de Abranches;
tendo por testemunha o próprio Governador do Pará, Fernando da Costa de Ataide Teive. Em
primeiro de setembro de 1770, quando Gonçalo recebe sua carta de Familiar do Santo Ofício
já estava estabelecido na cidade de Belém, casado e como Administrador da Companhia de
Comércio do Grão-Pará e Maranhão. 370
369
Idem.
370
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Gonçalo Pereira Viana.
Mç 9, doc 155.
139
371
Arquivo Nacional da Torre do Tombo. Habilitação para Familiar do Santo Ofício de Gonçalo Pereira Viana.
Mç 9, doc 155.
372
MAXWELL, Kenneth. Marquês de Pombal: Paradoxo do Iluminismo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996;
FALCON, Francisco José Calazans. A Época Pombalina: Política econômica e monarquia ilustrada. São Paulo:
Ática, 1982.
373
BATISTA, Luciana Marinho. “Os Rodrigues Martins: notas sobre trajetórias e estratégias de uma das
famílias mais „distintas em qualidade e riqueza‟ no Grão-Pará (de meados do século XVIII a fins do XIX)”. In:
FRAGOSO, João; ALMEIDA, Carla Maria Carvalho de; SAMPAIO, Antônio Carlos Jucá de. Conquistadores e
Negociantes: histórias de elites no Antigo Regime nos trópicos. América lusa, séculos XVI a XVIII. Rio de
Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 379-402
374
Na verdade, a venda a crédito foi uma medida adotada pela Companhia de Comércio poucos anos após a sua
instituição, devido a uma solicitação feita pelo Senado da Câmara de Belém. Cf: AHU, doc. 4067.
375
DIAS, Manuel Nunes. Fomento e Mercantilismo: A Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão (1755-
1778). Belém: UFPa, 1970, 2v; SAMPAIO, Patrícia Maria Melo. Espelhos Partidos: Etnia, legislação e
desigualdade na Colônia. Sertões do Grão-Pará, c.1755 – c.1823. Niterói: Universidade Federal Fluminense,
2002 (Tese de Doutorado em História).
140
376
VAINFAS, Ronaldo. Dicionário do Brasil Colonial 91500-1808). Editora Objetiva. Rio de Janeiro. 2000.p,
129.
377
SAMPAIO, Patricia Melo. Op Cit. 2001. p, 178.
378
Conforme cópia do assento de batismo de Francisca Xavier de Siqueira e Queirós, contida na Habilitação de
Amândio José de Oliveira Pantoja.
141
Quadro 10 - Distribuição dos Cabeças de Família por sexo e por estado Capitania do Pará
(1778)
Fonte: SOUTO, A.C. Fotografia demográfica dos cabeças de família da Capitania do Pará a partir do
Recenseamento de 1778
Francisca era uma dessas 478 viúvas, cabeça de família que possuía dois domicílios,
um na freguesia da Sé e outro na freguesia do Rio Acará. Detentora de 93 escravos que
trabalhavam, basicamente, em seu Engenho de açúcar no Rio Acará. Na casa da cidade,
freguesia da Sé, possuía um escravo moleque e cinco adultos para os afazeres da casa e da
rua.
Paulo Eduardo Teixeira mostra que, na freguesia de Campinas, na virada do século
XVIII para o XIX, a chefia feminina de famílias ocorria, principalmente, na ausência do
marido, sendo constituídas majoritariamente por viúvas. 379 Na capitania do Pará, o mapa de
famílias de 1778 também aponta para a predominância de viúvas entre as famílias chefiadas
por mulheres, com 478 viúvas encabeçando domicílios, portanto 11.08 % do total de
domicílios da capitania do Pará eram chefiados por viúvas.
Francisca Xavier é a maior senhora de engenho da freguesia do Acará. É o maior
domicílio, e, inclusive, possui o maior número de escravos, mesmo entre os cabeças de
família classificados como ricos. De todos os recenseados na freguesia de São José do rio
Acará, podemos observar que, independente de suas possibilidades, muitos fregueses do
Acará também eram “fregueses da cidade”, dentre eles, Francisca Xavier de Siqueira e
Queiroz.
Ente os considerados “ricos”, seis cabeças de família, todos possuíam morada na
cidade. Entre os considerados “de mediana possibilidade”, 71,43% eram fregueses da cidade.
379
TEIXEIRA, Paulo Eduardo. O outro lado da família brasileira. Editora Unicamp. Campinas. 2004. p, 162
142
Já entre os considerados pobres, apenas 12,19% também são fregueses da cidade. O que estes
números podem significar? Primeiro que, independentemente da classificação
socioeconômica, os fregueses do Acará possuíam seus engenhos e lavouras, mas também
participavam da vida citadina, sendo fregueses da Sé de Belém. Portanto, ainda que muito
mais presente entre os mais abastados, a presença dos proprietários rurais entre o mundo da
roça e da cidade perpassava por todas as classificações sociais.
Ainda no segundo capítulo deste trabalho, chamamos atenção para o absenteísmo dos
moradores das freguesias que circundavam Belém. Se nos foi possível perceber essa prática
entre os contemporâneos da segunda geração da família Oliveira Pantoja (aproximadamente
entre 1730 – 1760), as fontes indicam que, em finais do século XVIII, esta prática ainda
permanecia muito presente entre aqueles moradores contemporâneos da terceira geração da
família Oliveira Pantoja. 380
Neste mapa de famílias de 1778, dentre os seis cabeças de família classificados como
ricos na freguesia de São José do rio Acará, dois são mulheres. São, aliás, essas duas mulheres
as maiores proprietárias de escravos em toda a freguesia. Uma delas é Francisca Xavier de
Siqueira e Queiroz, possuidora de 87 escravos em seu Engenho de Nossa Senhora do Rosário
do rio Acará. A outra grande proprietária, também senhora de Engenho, é a viúva D. Ângela
de Oliveira Franca, proprietária de 47 escravos trabalhando em seu engenho de Santo Antonio
do rio Acará. Juntas, essas duas senhoras detinham 23.30% de todos os escravos da freguesia.
Mas até que ponto estas duas viúvas governavam suas roças, engenhos e escravos?
Talvez não coincidentemente, as duas maiores proprietárias de escravos do Acará
eram parentes. D. Ângela de Oliveira Franca era avó materna de D. Francisca Xavier de
Siqueira e Queiróz. Além das duas, uma outra viúva desta família aparece registrada no Acará
(também freguesa da Sé), a mãe de D. Francisca, filha de D. Ângela; D. Catharina Ferreira.
Três gerações de mulheres, avó-mãe-filha, viúvas. As três mulheres são freguesas da Sé, bem
como do Acará.
Provavelmente, na Sé, suas casas são próximas umas das outras, uma vez que são
recenseadas seguidas. No entanto, as três viúvas não são as únicas da família a serem
recenseadas juntas. Tanto na Sé quanto no Acará, Pedro de Siqueira e Queiróz (irmão de
Francisca, filho de Catharina e, portanto, também neto de Ângela) aparece recenseado junto
com as três viúvas, o que talvez possa indicar, que mesmo estando em domicílios separados, a
380
Portanto, se Freire encontra a elite colonial enfeudada nos Engenhos do nordeste açucareiro, percebemos que
a elite do Pará colonial dividia-se entre vários mundos, por exemplo: dos sertões, das roças e da cidade.
143
presença de um homem da família, ainda que obliterada pelo censo, pode ser muito mais forte
em um olhar mais acurado.
Se não soubéssemos do parentesco entre essas mulheres e Pedro, jamais atentaríamos
para o fato de que ele aparece, tanto na Sé quanto no Acará, encabeçando a lista dos membros
da família Siqueira e Queiróz, logo depois surgem sua avó, irmã e mãe. O sobrenome de
Francisca, por ser o mesmo do irmão, talvez nos indicasse, logo de chofre, algum parentesco.
No entanto, se não fosse a habilitação do Santo Ofício do segundo marido de Francisca,
jamais saberíamos do parentesco de Ângela e Catharina, que não possuem o mesmo
sobrenome dos filhos e netos.381
Se formos somar o número de escravos da família de Francisca que aparecem neste
mapa de famílias de 1778, só na freguesia do Acará, corresponde a 31.13% dos 575 escravos
recenseados. O que nos indica o poder econômico desta família na capitania do Pará, tendo
suas propriedades rurais concentradas no Acará.
O enlace entre os Oliveira Pantoja e os Siqueira e Queiróz
Francisca não ficará viúva por muito tempo. Muitos anos depois, o neto de José de
Oliveira Pantoja e Dona Luiza de Bittencourt, que casaram em 1703, realizarão, novamente,
um casamento entre elites. No dia 17 de outubro de 1780, Amândio casa-se com Francisca
Xavier de Siqueira e Queiróz. Francisca, com 27 anos, cinco anos mais velha que Amândio,
era viúva de Gonçalo e possuía dois filhos varões, fruto de seu primeiro casamento.
Porque Francisca, uma mulher que aparece no mapa de 1778 como rica e de
possibilidade inteira, com um grande plantel de escravos em comparação com os demais de
sua freguesia, casa-se com Amândio? Não sabemos, mas podemos conjecturar possibilidades.
Em uma sociedade centrada no masculino, no homem como chefe de família, ditada por
normas e padrões misóginos e paternalistas 382, mulheres como Francisca, cabeças de família
não são a regra, configuram-se como exceção. Talvez, se os dois filhos homens, fruto de seu
primeiro casamento com Gonçalo, fossem maiores e já pudessem gerir os negócios da família,
Francisca não tivesse casado.
Se pensarmos nas razões de Francisca para casar, devemos também avaliar as de
Amândio. O casamento com Francisca, talvez, abra para Amândio a possibilidade da
familiatura, o primeiro marido de Francisca foi Familiar do Santo Ofício o que a tornava já
habilitada pela Inquisição. Oportuno sublinhar, que antes do casamento, não encontramos
381
Conforme habilitação para familiar do Santo ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja. Arquivo Nacional
da Torre do Tombo, Mç 1, documento 10.
382
TEIXEIRA, Paulo Eduardo. Op Cit. 2004. p. 142.
144
documentos de Amândio pedindo terras ou patentes militares. É depois do casamento que ele
pede habilitação, é promovido a capitão e passa a figurar constantemente na documentação
oficial. Também é fato que a família de Amândio não estava inserida na produção açucareira.
É a partir do casamento de Amândio com Francisca, filha de uma família que,
tradicionalmente era composta por donos de engenho, que Amândio torna-se um dos maiores
senhores de engenho da capitania do Pará.
Estas questões podem confirmar que análises mais acuradas sobre as alianças
matrimoniais dessa elite, além da remontagem das genealogias, podem revelar caminhos que
levem a compreender a trajetória da formação e consolidação de fortunas no Pará colonial.
Eis que neste momento, unimos o patrimônio de Francisca e Amândio e, portanto,
encontramos o ponto de partida deste capítulo. A pujança econômica que encontramos no
inventário de Amândio, e que já nos era indicada em sua habilitação, só é possível, graças ao
consórcio com Francisca Xavier de Siqueira e Queiróz.
O Acará e o Engenho Nossa Senhora do Rosário
A região do Acará, onde a família Oliveira Pantoja fincará suas raízes através do
consórcio entre Amândio e Francisca, igualmente próxima à cidade de Belém, já nas
primeiras décadas da colonização começa a ser povoada. Podemos caracterizar as concessões
de Sesmaria no Rio Acará até a primeira metade do século XVIII em pequenas propriedades
com até 5.999 hectares (66,67%). Porém, em comparação às terras do Moju, no mesmo
período, as concessões no Acará eram ligeiramente maiores. Destinavam-se à produção de
cana, engenhos, lavouras de mantimentos, algodão e cacau. É no Acará que o senhor de
Engenho João Ferreira Ribeiro pede terras para cultivar mantimentos para os escravos que
trabalhavam em seu Engenho de Açúcar383.
383
Coleção Iterpa. Livro de Sesmarias Nº 15, Folha 39 verso
145
384
Coleção Iterpa. Livro de Sesmarias 06, folha 23.
146
385
Arquivo Histórico Ultramarino. Ofício de Amândio José de Oliveira Pantoja, Ca. 1740. AHU_ACL_CU_013.
Cx. 23, D. 2216.
147
fabrico de açúcar e aguardente; é mais uma terra da família Oliveira Pantoja que acompanha a
tendência das propriedades no Rio Acará, dedicadas à produção açucareira.
As terras de Amândio José de Oliveira Pantoja foram adquiridas por conta do
casamento dele com Francisca Xavier de Siqueira e Queiróz. A primeira terra de Amândio
que temos notícia é o Engenho Tauasu386. O que sabemos é que Amândio torna-se Senhor de
Engenho de terras que foram do primeiro marido de sua mulher. A segunda, e mais
importante terra de Amândio, é o Engenho Nossa Senhora do Rosário. Este engenho está na
família de Francisca Xavier de Siqueira e Queiroz, mulher de Amândio, há muitos anos.
O Engenho Nossa Senhora do Rosário pertencia à mãe de Francisca, Dona Catharina
Ferreira de Moraes Nazareth. O casamento de D. Catharina e Francisco Siqueira e Queiróz,
387
sogros de Amândio, acontece na capela deste engenho, no dia 26 de junho de 1749 .O
Batismo de Francisca, no dia trinta de agosto de 1753 acontece “na capela de Nossa Senhora
388
do Rosário do Engenho em que vive, com licença do Bispo” . Se Francisca recebe o
engenho em herança, ou em dote do primeiro casamento, não sabemos. Porém, sabemos que o
engenho de Nossa Senhora do Rosário está na família de Francisca há, pelo menos, três
gerações. Ou seja, é através do casamento que Amândio torna-se proprietário não de um, mas
de dois engenhos no Rio Acará: o de Tauasu e o de Nossa Senhora do Rosário.
386
Antes de entrarmos na questão do Engenho Tauaçu (que também aparece grafado como Tauasu, Tauassu e
Taussus), é preciso fazer uma digressão cronológica. Na documentação sobre este engenho, que consta no
Arquivo Histórico Ultramarino/ Projeto Resgate, não há referência à data alguma. Na capa do documento, os
técnicos do Projeto Resgate dataram o ano de Ca.1740. No entanto, é impossível este documento ser datado
desta época, senão vejamos; Amândio nasce no ano de 1758 e casa com D. Francisca Xavier de Siqueira e
Queirós no ano de 1780. D. Francisca era viúva do Capitão e Familiar do Santo Ofício Gonçalo Pereira Vianna,
deste casamento lhe ficaram dois filhos menores. D. Francisca casa com Gonçalo em 1770. Ou seja, Gonçalo
Viana morre entre 1770 e 1780 (quando a viúva casa novamente). Essas informações foram retiradas da
Habilitação de Amândio para Familiar do Santo Ofício, com as transcrições dos assentos de batismo e
casamento. No documento do “Projeto Resgate”, Amândio faz uma solicitação para que possa reunir os escravos
e os índios que serviam antes ao Engenho que ficou por morte de seu antecessor “o capitam Gonçalo Pereira
Vianna”, e que estes escravos pertenciam aos órfãos, seus enteados, todos de menoridade. Ora, sabendo que
Amândio nasce em 1758 e só casa com D. Francisca em 1780, este documento jamais poderia ser de 1740.
387
Conforme cópia do assento de casamento constante da habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja para
familiar do Santo Ofício.
388
Conforme cópia do assento de batismo constante da habilitação de Amândio José de Oliveira Pantoja para
Familiar do Santo Ofício.
148
um forno, curral de gados e outras benfeitorias 389. Na descrição dos bens no inventário de
Amândio, podemos perceber um pouco da vida deste engenho. Caldeiras de cobre,
alambiques, frasqueiras com seus frascos para armazenar aguardente, quatrocentas formas de
açúcar, aguilhões de ferro para a moenda... quarenta e seis cavalos só para o serviço do
engenho.
O açúcar teve lugar tanto na vida da família Oliveira Pantoja quanto no processo da
conquista e ocupação portuguesa no vale amazônico. Estudos mostram a atividade açucareira
como motor da colonização no Pará e Maranhão, ainda que o açúcar não figurasse como
produto central na pauta de exportação390.
A historiografia tradicional aponta que a produção de açúcar no Estado do Maranhão
concentrou-se na capitania do Pará, principalmente, nos vários engenhos instalados nos rios
aos arredores de Belém. De acordo com Vicente Salles,
Desde o início da ocupação europeia do Grão – Pará foi a zona fisiográfica
Guajarina – que abrange o Guamá, Capim, Acará, Moju, vizinhança de Abaetetuba e
Igarapé Miri, e vaza para o baixo Tocantins - , o mais importante centro econômico
da Amazônia, com base na lavoura de gêneros exportáveis – sobretudo arroz, fumo,
cacau e cana de açúcar. Aí se estabeleceram os maiores engenhos, as maiores
fazendas agrícolas391.
O Acará, onde Amândio tem seu engenho, foi um dos centros da produção canavieira
do Pará, desde quando se iniciou a concessão de sesmarias até fins do século XIX. Nas listas
de sesmaria concedidas no Acará, é possível perceber que a cana – de – açúcar é o produto
por excelência da economia da região, sendo que 71% das terras concedidas eram destinadas a
essa produção, entre 1707 e 1824392. De acordo com Acevedo-Marin, entre os anos de 1707 e
1754, de todas as sesmarias concedidas no Maranhão e Grão-Pará, 68% situavam-se na região
do Acará393.
Por outro lado, quando estudamos a pauta de exportação da Capitania do Pará entre
1730 e 1777, nota-se que a economia do açúcar não acompanha o mesmo “status” do gênero
revelado nas correspondências entre o Maranhão e a Metrópole Lusa e perceptível nas
389
Arquivo Público do Estado do Pará - APEP, Inventário de Amândio José de Oliveira Pantoja, 1826.
390
CUNHA, Ana Paula. Engenhos e engenhocas: atividade açucareira no estado do Maranhão e Grão-Pará
(1706-1750). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Pará, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
Belém, 2009. Programa de Pós-Graduação em História. ; Chambouleyron, Rafael. Povoamento, ocupação e
agricultura na Amazônia Colonial (1640-1706). Ed. Açaí. 2010.
391
SALLES, Vicente. O negro na formação da sociedade paraense. Belém, Paka tatu, 2004 [1931].P.159
392
ACEVEDO-MARIN, Rosa E. Camponeses, donos de Engenho na Região do Acará nos século XVIII e XIX.
Papers do NAEA 153, Outubro de 2000. p. Pg.12
393
Idem.
149
doações de sesmaria. No entanto, oportuno ressaltar que, mesmo não sendo o “carro chefe” da
pauta de exportação, remessas de açúcar eram enviadas à metrópole, indubitavelmente
gerando dividendos para colonos e para a Coroa. No entanto, como já observamos com o
cacau e com o anil, plantar cana de açúcar e erigir Engenhos de açúcar era, para moradores da
capitania do Pará, muito mais que uma questão econômica. Com o discurso de produzir
açúcar e ter engenho real, os moradores conseguiam mercês reais, importantes signos de
distinção em sociedades de antigo regime.
Gráfico 9 – Comparativo entre as exportações de cacau e açúcar (1730-1755)
Fonte: Mappa dos Diferentes Generos, que dos Livros da Alfandega no anno de 1730 athé o de 1755394
Como podemos observar no gráfico acima, o açúcar ficou entre os anos de 1730 e
1755 muito aquém da quantidade de cacau exportado. Porém, ainda assim, o cultivo de cana e
a instalação de engenhos de açúcar continuaram, permanentemente, estimulados pela Coroa.
Este é mais um indício de que a questão do açúcar no Estado do Maranhão e Grão-Pará
transcendia a questão do comércio, ainda que este elemento fosse importante. A exportação
do açúcar continua em baixa nos anos de 1756 a 1777, perpassando todo o século XVIII,
como observamos abaixo.
394
Arquivo histórico Ultramarino. Projeto Resgate, Capitania do Grão-Pará, 31 de agosto de 1778.
150
Fonte: Mappa dos Diferentes Generos, que dos Livros da Alfandega no anno de 1730 athé o de 1777.
De acordo com Rafael Chambouleyron, era muito forte, para a Coroa, ao longo dos
séculos XVII e XVIII, o pensamento de que a agricultura era a forma ideal de
desenvolvimento econômico das conquistas395. Estudos apontam que para além do aspecto
econômico, o açúcar teve um papel colonizador porque contribuiu para a sustentação do
Estado, fez parte da dinâmica colonial tanto como moeda quanto como tributo 396. Além do
que, podemos perceber, por exemplo, na habilitação para familiar do Santo Ofício de
Amândio José de Oliveira Pantoja, que ser “senhor de engenho” o qualificava naquela
sociedade entre os melhores dela. Sobre esta questão do “status” de senhor de engenho, para
além do aspecto simbólico, havia, obviamente, a questão econômica. Vários privilégios são
concedidos aos senhores e plantadores de cana do Estado do Maranhão e Pará, como por
exemplo, isenção de impostos e direitos, importação de escravos africanos, privilégios
395
CHAMBOULEYRON, Rafael. Povoamento. Op. Cit. 2010. p, 126
396
CUNHA, Ana Paula. Op, cit. 2009. p. 96.
151
397
CHAMBOULEYRON, Rafael. Op. Cit. 2010.
398
Consulta de 13 de Outubro de 1671, AHU_ACL_CU_013, Cx. 2, D. 145; Requerimento, Ca. 1720,
AHU_ACL_CU_013, Cx.6. D. 576; Requerimento, 18 de janeiro de 1722, AHU_ACL_CU_013, Cx.7 D.596;
Carta de 15 de agosto de 1723, AHU_ACL_CU_013, Cx.7 D.651; Arquivo Histórico Ultramarino,
Requerimento de 1720, AHU_ACL_CU_013 , Cx, 6, D.576; Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de
22 de janeiro de 1725. AHU_ACL_CU_013 Cx, 8, D. 730; Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 15
de novembro de 1725. AHU_ACL_CU_013 Cx, 9, D.786; Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 06
de janeiro de 1727. AHU_ACL_CU_013 Cx 10, D.871; Arquivo Histórico Ultramarino, Carta de 24 de setembro
de 1732. AHU_ACL_CU_013 Cx, 14. D. 1317; Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 18 de
fevereiro de 1734. AHU_ACL_CU_013 Cx, 16. D. 1488; Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 15
de junho de 1746 AHU_ACL_CU_013 Cx, 29, D. 2727; Arquivo Histórico Ultramarino, Carta de 13 de
novembro de 1747. AHU_ACL_CU_013 Cx, 30, D. 2813 .
399
Arquivo Histórico Ultramarino, Consulta de 19 de agosto de 1675. AHU_ACL_CU_013, Cx. 02, D.164;
Arquivo Histórico Ultramarino, Consulta de 07 de outubro de 1682. AHU_ACL_CU_013, Cx. 03, D.
205;Arquivo Histórico Ultramarino, Carta de 18 de setembro de 1747. AHU_ACL_CU_013 Cx. 29 D. 2778;
Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 01 de janeiro de 1723. AHU_ACL_CU_013 Cx. 07, D. 629;
Arquivo Histórico Ultramarino, Ofício de 03 de setembro de 1782. AHU_ACL_CU_013_ Cx, 89, D. 7231.
400
Arquivo Histórico Ultramarino, Consulta de 19 de janeiro de 1696. AHU_ACL_CU_013 Cx.04, D.333;
Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 11 de março de 1624. AHU_ACL_CU_013 Cx. 8, D.674;
Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 14 de abril de 1733. AHU_ACL_CU_013 Cx, 15 ,D. 1385;
Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento de 12 de julho de 1754. AHU_ACL_CU_013 Cx, 34 D, 3426;
Arquivo histórico Ultramarino, Carta de 19 de dezembro de 1755. AHU_ACL_CU_013 Cx, 39, D. 3698;
Arquivo Histórico Ultramarino, Requerimento, 26 de maio de 1757. AHU_ACL_CU_013 Cx, 42, D.3865.
401
Arquivo Histórico Ultramarino. Carta de 15 de agosto de 1723. AHU_ACL_CU_013, Cx. 7, D. 651; Pedindo
braços para o trabalho ver Arquivo Histórico Ultramarino, Declaração de 1760, AHU_ACL_CU_013 Cx. 48,
D.4400.
402
Coleção Sesmarias Iterpa, Livro nº 14, folha 102.
152
lida no Engenho, status de “senhor de engenho”. Para a coroa, um modelo de exploração que
incentivaria outras formas de agricultura 403 .
Porém, importante lembrar que mesmo com todos esses incentivos dados pela Coroa,
o Maranhão e Grão-Pará nunca foram transformados em produtores de açúcar ao nível da
Bahia ou de Pernambuco. Obviamente, como já falamos anteriormente, a experiência colonial
no Estado do Brasil informou, em grande medida, os rumos do Estado do Maranhão. No
entanto, como afirma Chambouleyron, ao contrário do que pensou a historiografia, a
experiência brasileira serviu de horizonte, jamais de modelo 404.
Um dos “itens” mais valiosos do inventário de Amândio é o escravo Braz da Cunha,
mestre açucareiro, avaliado em 230$000. Isto nos indica que os engenhos necessitavam de
braços especializados para fabricar açúcar com qualidade. De acordo com Ana Paula Cunha,
havia falta de trabalhadores especializados na atividade açucareira. Em 1707, por exemplo, há
uma representação do governador ao rei, para buscar mestres de açúcar para os engenhos da
região405. Engenho de produzir açúcar era custoso e dispendioso, necessitava de muito
trabalho e muitos braços, e, por conta disso, os moradores além de produzir açúcar,
frequentemente solicitavam autorização para fabricar um ítem muito valioso para a Capitania
do Pará, a aguardente.
A presença de “alambiques”, “frascos” e “frasqueiras” no inventário de Amândio nos
indicam que além de açúcar seu engenho fabricava aguardente. Açúcar e aguardente são
produtos da cana de açúcar e, pelo que parece, andaram lado a lado na capitania do Pará. São
recorrentes os pedidos de autorização dos moradores, ao rei, para erigir molinetes com o
propósito de fabricar aguardente. Ao contrário do açúcar que, como já vimos, recebeu vários
incentivos da Coroa, a aguardente parecia ser um problema para a administração colonial.
Há uma discussão no ano de 1732 sobre uma proibição que designava áreas vetadas
para a construção de molinetes de aguardente. Neste documento, o provedor da fazenda real,
Matias da Costa e Sousa explica que não consta documento algum “nem nos livros da
fazenda, nem da câmara” sobre a proibição de se construírem molinetes próximos a engenhos
reais. De acordo com o procurador da fazenda, o que há é uma tradição
entre os moradores desta cidade, e os senhores de engenho, de que governando este
Estado Antônio de Albuquerque dera uma carta a Vossa Majestade, a requerimento
dos senhores de engenho, de que era prejudicial aos ditos engenhos haver ao pé
403
CUNHA, Ana Paula. Engenhos e Engenhocas... dissertação (mestrado). Universidade Federal do Pará, 2009,
p. 12.
404
CHAMBOULEYRON, Rafael. Op, Cit. 2010. p, 126
405
CUNHA, Ana Paula. Op. Cit. 2009. p. 93
153
deles molinetes e que estes se não deverão fabricar senão afastados huns dos outros
distância de huma maré406.
406
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate.Carta de 30 de agosto de 1732. Caixa, 14, documento 1267.
407
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate .Carta de 22 de setembro de 1727, caixa 10, documento 932.
408
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate.Carta de 25 de julho de 1735, caixa 18, documento 1644.
409
Idem.
410
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate.Requerimento de 14 de abril de 1733, caixa 15, documento
1385.
411
CUNHA, Ana Paula. Op, cit. p. 49
154
lado, a Coroa indicava ser preciso ocupar e aproveitar a terra, os Oliveira Pantoja pediram
sesmarias, compraram posses de terras e apropriaram-se de dotes e heranças; se a agricultura
mostrava-se fundamental para o desenvolvimento econômico da região, os Oliveira Pantoja
plantaram cacau, anil, cana e outras roças; tornar-se “senhor de engenho” era símbolo de
distinção naquela sociedade, então, lá estavam eles, por entre moendas e casas de purgar,
estabelecendo-se com seus engenhos de açúcar; se fabricar aguardente era uma garantia a
mais de arregimentar trabalhadores, os Oliveira Pantoja fabricavam a bebida.
3.5 - Os serviços à Coroa de Amândio José de Oliveira Pantoja
Amândio fornece escravos para fazer as valas da freguesia da campina, isto é atestado
por Antonio Pereira Viana, juiz do julgado do Rio Acará. Para além deste serviço, Amândio
também concorreu com escravos e farinhas para a condução de madeiras da Fábrica do Acará.
O objetivo de fazer essa “justificação de serviços” nos é revelada pela própria
documentação que trás em seu parecer final
Habilitou-se o Capitão Amandio Jose de Oliveira para haver remuneração dos
serviços que tem feito a V. Magestade com os verídicos documentos constantes da
412
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate . Avulsos do Pará. Caixa 115, documento 8860.
413
Idem.
414
Ibdem.
155
Neste documento vemos claramente o que Amândio esperava com tantos serviços
prestados à Coroa: Mercês. E ele consegue o Hábito de São Bento de Avis com doze mil de
tença416.
Em sociedades de Antigo Regime, o conceito de mercê é fundamental. Ainda que
pareça que tudo o que os vassalos obtêm do Rei é fruto da benevolência real, ainda assim é
possível perceber uma certa racionalização e, como diz Nizza da Silva, “um substrato
racional”417 que avalia quantitativa e qualitativamente os serviços prestados à Coroa. Havia
uma espécie de contabilidade na relação entre os serviços prestados e as mercês. Mais uma
vez, a estratégia de atuação dos Oliveira Pantoja mostra-se clara: Ainda que já em finais do
415
Arquivo Histórico Ultramarino/Projeto Resgate. Requerimento de Amândio José de Oliveira Pantoja. Caixa
118, documento 9109.
416
Idem.
417
SILVA, Maria Beatriz Nizza da. Op. Cit. 2005. p.221.
156
século XVIII, Amândio inseria-se na rede de reciprocidades que esperava entre súdito e Rei,
em busca da honra que o faria galgar posições ainda maiores.
Um cargo de Familiar do Santo Ofício ou um Hábito de Ordem militar eram
remunerações; bem como, uma porta para novos serviços remuneratórios; estratégia de
manter a si e sua parentela em posição de destaque na sociedade local e, ainda, com prestígio
em instâncias superiores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando Manoel e José de Oliveira Pantoja saem da Freguesia de Nossa Senhora de
Loures em Lisboa e chegam à Capitania do Pará em finais do século XVII, aportam em um
„mundo novo‟. O mundo da exploração das drogas, do cultivo dos gêneros da terra, mundo do
cacau bravo dos sertões e cacau manso das roças. Aportam em um mundo ávido pelos braços
indígenas, feitos cativos nas florestas e matos.
Manoel e José, a primeira geração da família Oliveira Pantoja, ao descerem em terras
da Capitania do Pará, acionam planos e estratégias para serem inseridos naquela sociedade.
Em primeiro lugar, apropriam-se de terras, instalam nelas suas lavouras, principalmente de
cacau e gêneros da terra. Após apropriarem-se destas terras, as pedem em sesmaria porque,
afinal, aqueles que já ocupam a terra parecem ter maior possibilidade de as terem concedidas.
Nestas terras plantavam cacau e, por isso, pediam mercês ao Rei, como remuneração da
dedicação à agricultura.
Se por um lado os Pantoja plantavam cacau nas terras de seus roçados, por outro
“plantavam” anil nas cartas que remetiam ao Reino, dando conta ao Rei que, em suas terras, a
cultura de anil estava avançada e, por isso, mereciam ser agraciados com honrarias e mercês.
A primeira geração dos Pantoja também acionou alianças matrimoniais com filhas da
elite já estabelecida na região. Estes casamentos conectavam os Pantoja a uma ascendência de
gente influente na Capitania. Essa estratégia valeu benefícios durante as gerações
subsequentes; o nome destes antepassados serão recorrentemente acionados a cada novo
pedido de mercê feito pelas próximas gerações.
A segunda geração emerge em meio a disputas pela mão de obra indígena, ocupando
assentos na Câmara de Belém e na Santa Casa de Misericórdia; instituições que nobilitavam
os Pantoja nascidos na terra. É esta geração que vai inserir a família na governança local e
utilizará seus postos e cargos para prejudicar desafetos e beneficiar parentes e apaniguados.
A terceira geração da família vale-se das alianças matrimoniais para a capitalização de
recursos e ascensão patrimonial. Através do casamento de Amândio José de Oliveira Pantoja
157
e Francisca Xavier de Siqueira e Queiróz, a família amplia a sua base territorial para o Rio
Acará. A região do Rio Acará, diferente do Moju, sempre abrigou as maiores extensões de
terra dadas em sesmaria e, tradicionalmente tinha suas terras voltadas para a produção
açucareira. Através desta aliança matrimonial, a família Oliveira Pantoja é inserida em um
mundo de novas terras, escravos africanos, engenhos de açúcar e possibilidades.
Estas questões, portanto, podem confirmar que análises sobre as alianças matrimoniais
das elites, além da remontagem das genealogias, podem também revelar caminhos que levem
a compreender a trajetória da formação e consolidação de fortunas no Pará colonial.
158
FONTES
Fontes Impressas
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comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 2001, liv. I, Cap.I.
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159
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ANEXOS
Anexo 1 – Sesmarias concedidas no Rio Moju entre os anos de 1724 e 1750
Referência Data Total
Sesmeiro Cultivo Frente Un. Fundo Un.
Livro de Sesmaria Sesmaria Confirmação Total Km 2 Hectare
Nº 03, pg. 174 15/09/1727 Manoel Ferreira de Morais Farinha, Cacau e Tabaco 1/2 légua - - - -
Nº 06, pg. 65 08/04/1732 Sebastião Pinto de Matos Cacau e Café 1 1/2 légua - - - -
Nº 08, pg. 93 verso 20/08/1738 01/03/1739 José da Costa Jordão 1/2 légua - - - -
Nº 10, pg. 158 verso 18/09/1742 Alexandre da Costa Frª Lavouras 2 légua - - - -
Nº 05, pg. 159 verso 26/09/1730 Miguel da Costa do Vale Lavouras 1/2 légua 1/4 légua 5,45 544,50
Nº 02, pg. 55 06/03/1725 Manoel de Oliveira Pantoja Cacau, Anil e Lavouras 1 légua 500 braças 7,26 726,00
Nº 09, pg. 83 verso 05/09/1738 02/05/1740 José da Veiga Tenório Farinha e Cacau 3/4 légua 1/4 légua 8,17 816,75
Nº 05, pg. 18 08/03/1728 Baltazar de Rego Barbosa Cana 600 braças 1 légua 8,71 871,20
Nº 04, pg. 21 09/02/1728 Domingos Serrão de Castro 1/2 légua 1/2 légua 10,89 1.089,00
Nº 05, pg. 32 24/08/1728 Cláudio Antonio de Almeida Agricultura 1/4 légua 1 légua 10,89 1.089,00
Nº 02, pg. 101 verso 03/02/1725 Dona Portazia Bitancourt Cacau e Lavouras 1/2 légua 1 légua 21,78 2.178,00
Nº 02, pg. 59 09/05/1724 14/07/1725 Domingos de Araújo Cultivos 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 05, pg. 22 verso 17/05/1727 Domingos Monteiro de Noronha Engenho 1/2 légua 1 légua 21,78 2.178,00
Nº 06, pg. 179 verso 28/11/1730 10/02/1732 José Gonçalves Agricultura 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 06, pg. 78 11/07/1732 07/04/1734 Joseph Roiz Cacau e Lavouras 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 08, pg. 158 21/10/1737 18/03/1740 Mateus Marques Culturas Rurais 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 08, pg. 159 verso 05/09/1738 11/05/1740 Ignácio Vas Chaves Lavouras 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 09, pg. 43 verso 09/02/1738 Sebastião de Oliveira Pantoja Culturas 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 09, pg. 87 05/04/1738 Luiz de Oliveira Pantoja Lavouras 1/2 légua 1 légua 21,78 2.178,00
Nº 10, pg. 104 verso 18/04/1741 10/07/1745 Antonio Gonçalves Cacau 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 10, pg. 166 14/09/1742 23/05/1743 Verissimo Gomes Cana 1 légua 1/2 légua 21,78 2.178,00
Nº 09, pg. 44 verso 20/02/1738 Jerônimo Luiz Freire Agricultura 1 1/2 légua 1/2 légua 32,67 3.267,00
Nº 12, pg. 110 11/05/1745 Hilário Gomes Pereira Algodão e Outras Lavouras 1 1/2 légua 1/2 légua 32,67 3.267,00
Nº 05, pg. 105 10/11/1729 Antonio da Costa Botelho Cana 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 05, pg. 110 verso 21/11/1729 Amador Loureiro da Costa Engenho 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 06, pg. 118 27/02/1733 Capitão Luiz Fagundes Machado Roças 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 06, pg. 165 19/01/1734 Manoel Jorge Cacau e Café 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 06, pg. 168 verso 06/02/1734 Estácio da Silva Agricultura 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 07, pg. 54 13/11/1734 17/04/1736 Domingos Pereira 2 légua 1/2 légua 43,56 4.356,00
Nº 08, pg. 98 verso 09/10/1737 16/07/1738 Leandro Correa Henrique Agricultura 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 152 04/09/1739 11/05/1740 João Coelho da Silva 2 légua 1/2 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 16 verso 11/10/1737 27/03/1738 José Matos Lavouras 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 18 verso 16/10/1737 Manoel Gonçalves Lavoura 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 09, pg. 82 verso 05/09/1738 Amaro Pinto Vieira Abricultura 2 légua 1/2 légua 43,56 4.356,00
Nº 14, pg. 07 verso 08/04/1747 Antonio dos Santos Aula Roça e Cacau 1 légua 1 légua 43,56 4.356,00
Nº 10, pg. 179 10/04/1743 Tereza Maria de Jesus 1 1/2 légua 1 légua 65,34 6.534,00
Nº 07, pg. 67 17/12/1734 25/04/1736 Francisco Xavier Lobato Mantimentos para os Escravos 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 09, pg. 147 02/09/1739 Francisco Lopes Bastos Engenho 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 10, pg. 176 verso 07/04/1739 Henrique Sanches de Brito Lavouras 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 12, pg. 171 verso 27/11/1746 José Antunes Viegas Culturas 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 14, pg. 06 verso 21/03/1747 Manoel Borges de Goes Agricultura 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 14, pg. 07 06/04/1747 João Fris' Passos Lavouras da Terra 2 légua 1 légua 87,12 8.712,00
Nº 06, pg. 164 verso 20/01/1734 27/11/1737 Belchior Mendes de Moraes 1 1/2 légua 1 1/2 légua 98,01 9.801,00
Nº 06, pg. 173 verso 18/02/1734 Domingos Pereira Lima Lavouras 2 légua 2 légua 174,24 17.424,00
Nº 06, pg. 178 verso 10/04/1734 Francisco Xavier de Moraes Cultivos 2 légua 2 légua 174,24 17.424,00
Nº 07, pg. 11 verso 12/06/1734 30/09/1735 João de Freitas 2 légua 2 légua 174,24 17.424,00