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PARTE 3

A INDÚSTRIA TÊXTIL
E A QUALIDADE DE FIBRA

Produzir fibra de algodão, mais para que tipo de mercado?


O desafio da cadeia de algodão é de manter o seu market share no consumo
mundial de fibras têxteis. Para isso, é importante produzir uma fibra cujas
características atendam os diversos mercados, nacionais e internacionais,
que utilizam diferentes tipos de fiação; para cada tipo de fiação, são
requeridas características de fibra diferentes. A incidência de contaminantes
na fibra sobre o andamento das fiações é também abordado; por isso
também a importância da aproximação entre produtores e industriais, sendo
que os produtores de algodão de Mato Grosso devem atender a demanda de
diversos mercados, com tipo de fiação muito diferente.
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Indústria têxtil, mercado mundial


e qualidade de fibra para o futuro

Jean-Louis Neste capítulo, fazemos a síntese Alguns trabalhos e resultados impor-


BELOT de diversas apresentações feitas pelo tantes são apresentados sinteticamente.
IMAmt dr. Eric Hequet, atual diretor do de-
partamento de Plant and Soil Science 1. Evoluções do mercado de fibra
da Texas Tech University em Lubbock, de algodão e da indústria têxtil
Texas, e até havia pouco diretor do mundial
Fiber and Biopolymere Research Ins-
titute (FBRI), feitas no 9º CBA de Brasí- Dentro do mercado mundial de fi-
lia (2013), no workshop de qualidade bras têxteis, o algodão não para de
em Mato Grosso (2014) e no Congres- perder mercado para as fibras sintéti-
so Mundial do Algodão (WCRC-2016) cas, chegando apenas a 30%, apesar de
de Goiania/GO, chamando a atenção grande variação entre países (Figura 1).
sobre as evoluções do parque têxtil Essa perda de competitividade da
mundial e do mercado de fibra. fibra de algodão tem diversas expli-
O dr. Hequet apresentou a rápida cações, que envolvem considerações
evolução da indústria têxtil e das ino- de preços, mas também de qualidade
vações tecnológicas nas indústrias ou propriedades (conforto, toque etc.)
dos principais países têxteis, principal- dos tecidos para os diversos usos. Po-
mente em comparação à velocidade rém, é de suma importância que enti-
do melhoramento genético de uma dades representantes da cadeia algo-
planta como o algodão, enfatizando doeira implantem e reforcem ações de
a necessidade de adequar melhor os marketing para fomentar o aumento
objetivos do melhoramento genético de consumo da fibra de algodão. Or-
aos novos atributos de qualidade re- ganismos como Cotton Inc. nos EUA,
queridos pela indústria têxtil mundial. Abrapa, no Brasil, ou Cotton Australia

Figura 1. Algodão: consumo per capita e participação


156 no mercado de fibras têxteis (Fontes: ICAC e Hequet)
AMPA - IMAmt 2018

Tabela 1. Capacidade das fiações instaladas nos EUA e na China entre 1984 e 2010
(Fonte: ITMF e Hequet)

Tabela 2.
Capacidade das fiações
instaladas em 2010
(Fonte: ITMF
e Hequet)

Tabela 3.
Capacidade das
tecelagens instaladas
em 2010 (Fontes:
ITMF e Hequet)

Obs.: primeiramente
utilizadas para
tecelagem de fios
Short Staple

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 2.
Fiação de anel
(Foto: Jean
Belot/IMAmt)

realizam cada um em seu mercado ção têxtil desses países foi realizada
local ou internacional esse tipo de ati- em base principalmente a equipa-
vidade, o que, porém, até o momen- mentos de fiação de anel, com pou-
to, não foi suficiente para inverter a cas indústrias de fio open-end (OE),
tendência. Caso a participação do al- porém de alta velocidade.
godão venha a reduzir-se ainda mais, Com o declino da indústria têxtil
muito abaixo do nível de 30%, a fibra americana (e europeia), os Estados
poderia tornar-se um mercado de ni- Unidos, país historicamente grande
cho (como aconteceu com a fibra produtor de fibra de algodão, tor-
de lã natural), não chamando mais nou-se grande exportador de fibra no
a atenção da indústria internacional mercado internacional e importador
e dos investidores para desenvolver de produtos industrializados (tecidos,
inovações industriais para o uso des- vestuário etc.). Assim, a fibra america-
ta no mercado têxtil mundial. na é destinada a ser vendida no mer-
O final dos anos 1990 e o início cado internacional, daí a necessidade
dos anos 2000 marcaram o começo de atender as exigências de qualida-
do declínio da indústria têxtil ameri- de dessas indústrias, principalmente
cana e a migração para países como das indústrias asiáticas equipadas
China (Tabela 1) e demais países com fiação de anel (Figura 2).
asiáticos, com custo de mão de obra Porém, países exportadores de fi-
menor. Em 2010, as capacidades de bra, como Estados Unidos, e agora o
fiação e tecelagem instaladas nos Brasil, precisam ficar atentos às evolu-
países asiáticos passam a dominar a ções futuras do parque têxtil mundial.
indústria mundial (Tabelas 2 e 3). A fiação de anel consolidou-se nos
A tendência foi-se acentuando países asiáticos, porém, a evolução do
depois dos anos 2010 até hoje; atual- maquinário têxtil é extremamente rá-
mente a migração dá-se para países pida. Outros sistemas de fiação, como
como Vietnã e outros. A industrializa- o air-jet, que precisariam de fibra de

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Figura 3.
Fluxograma do
processo de fiação
(Fonte: Mariano,
2002)

qualidade diferente, poderiam, nas próximas dé- locidades cada vez maior das máquinas. Por isso,
cadas, substituir o parque industrial têxtil atual. precisam de fibra cada vez mais resistente; porém,
a resistência não é o único parâmetro importante.
2. Tipo de fiação e qualidade de fibra requerida
Os diversos tipos de fiação
A primeira etapa de industrialização da fibra de Diversas sequências de equipamentos são ne-
algodão para obtenção de um produto têxtil (vesti- cessárias para cada tipo de fiação (Figura 3).
do, toalha etc.) é a fabricação do fio. Diversos tipos
de fiação existem no mundo, cada uma requerendo Fiação de anel
características especiais da fibra para atingir certo É provavelmente o sistema de fiação mais an-
patamar de qualidade. Essas indústrias evoluem tigo, que simula os primeiros sistemas de confec-
rapidamente, produzindo cada vez mais, com ve- ção artesanal de um fio: paralelização das fibras

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 4.
Esquema de
uma fiação de
anel (Fonte:
Bange et al.,
2009)

Figura 5.
Esquema de
uma fiação de
rotor (Fonte:
Bange et al.,
2009)

Figura 6.
Esquema de
uma fiação
air-jet (Fonte:
Bange et al.,
2009)

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Tabela 4 - Importância de diversos parâmetros de qualidade da fibra em função do


tipo de fiação (Fonte: CSIRO, 2009)

Fiação de rotor
Prioridade Fiação de anel Fiação air-jet
(open-end)
1 Comprimento Resistência Comprimento
2 Resistência Finura intrínseca Limpa (sem trash)
3 Finura intrínseca Comprimento Finura intrínseca
4 Limpa (sem trash) Resistência

e torção destas para que haja coesão das fibras


entre si. O princípio de fiação de anel é descrito
na Figura 4.
Ao longo das décadas, as fiações de anel foram
aperfeiçoadas, e as partes mecânicas giram cada
vez mais rapidamente, requerendo, além de com-
primento, resistência cada vez maior das fibras.

Fiação de rotor
Também chamada de fiação open-end (Figura
5), esse tipo de fiação era destinado a produzir
fios grossos ou muito grossos. Porém, ao longo do
tempo, o maquinário evoluiu, permitindo a pro-
dução de fios mais finos e de melhor qualidade. Figura 7. Linha de abertura dentro de uma fiação

Fiação air-jet
Esse sistema de fiação é o mais recente, ain-
da com pouca participação no parque mundial as misturas de fardos evoluam muito pouco, to-
de fiação, mas que vem crescendo ao longo dos mando em conta os parâmetros de colorimetria
anos. O princípio desse tipo de fiação é apresen- e de características intrínsecas da fibra (micro-
tado na Figura 6. naire, comprimento e resistência).
Fica claro nas ilustrações e fotos das Figuras 4 a Já que a elaboração dessa mistura de fardos é
6 que a estrutura do fio é diferente, podendo pro- muito importante, há softwares que ajudam na
porcionar qualidade diferencial para os tecidos elaboração delas e no gerenciamento do esto-
que serão confeccionados com esses fios. Para que de fardos da indústria.
cada tipo de fiação foi estabelecida pelos indus-
triais a importância/prioridade dos diversos parâ- 3. Características de fibra de algodão para o
metros de qualidade da fibra sobre a qualidade futuro
do fio (Tabela 4), e, portanto, quais são as caracte-
rísticas da fibra que cada tipo de fiação vai priori- Do exposto anteriormente, fica claro que para
zar no momento da compra da matéria-prima. exportar fibra no mercado internacional, prin-
É importante saber que uma fiação trabalha cipalmente o asiático, ela precisa adaptar-se ao
sempre com mistura de fardos (geralmente de tipo de fiação de anel, que privilegia, por ordem
sessenta a oitenta fardos por linha de abertura), de importância, comprimento, resistência e finu-
cuja fibra é retirada de cada um deles em cama- ra intrínseca.
das finas (Figura 7). Para o bom funcionamento Muitos programas de melhoramento genéti-
da fiação ao longo do tempo, é importante que co do algodoeiro no mundo, sejam privados ou

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 8.
Distribuição
do compri-
mento Afis por
número, de três
fardos comer-
cias de igual
comprimento
(Upper Half
Mean Length =
1,1 pol.; Uni-
formity Index
= 81,3) (Fonte:
Hequet & Kelly,
2013)

públicos, usam os resultados de tec- dois pentes para comprimento/resis-


nologia de fibra das HVI para realizar tência: 2/2/2) foi estabelecida para os
a seleção de materiais novos. algodões americanos e para fornecer
Sobre os parâmetros determina- valores com intervalos de confiança
dos pelo HVI, o dr. Hequet lembra que podem ser grandes demais para
que só os parâmetros de Rd, +b, com- trabalhos de pesquisa cujo intuito
primento/uniformidade, micronaire seja evidenciar diferenças significa-
e resistência são calibrados entre os tivas entre linhas em seleção. Assim,
laboratórios, com os Standard (algo- para os programas de melhoramento
dões de calibração confeccionados genético, recomenda-se a realização
pelo USDA). Os demais parâmetros de análises em laboratórios HVI acos-
não têm algodões de calibração, e, tumados a trabalhar para a pesquisa,
dessa maneira, os valores podem modificando a metodologia de análi-
ser diferentes entre laboratórios. É se para pelo menos 2/2/4 ou 2/2/6.
o caso dos valores de alongamento O dr. Hequet chamou a atenção
(EL) ou do índice de fibras curtas (SFI sobre o fato que as características HVI
ou SFC), e portanto, deve-se evitar o não descrevem totalmente o compor-
uso desses parâmetros para base de tamento de uma fibra nos processos
contratos comerciais. A característica de fiação de anel. É possível encontrar
de maturidade (MAT) fornecida pelo modelos de predição relativamen-
HVI é calculada por uma fórmula de te confiáveis da resistência do fio de
regressão múltipla, e não apresen- anel em função dos parâmetros HVI,
ta muita confiabilidade. Lembrando porém é impossível encontrar mode-
que as condições de funcionamento los de predição das imperfeições do
do HVI são fundamentais na confia- fio com unicamente os parâmetros
bilidade dos resultados fornecidos, HVI. Modelos confiáveis podem ser
principalmente o tempo de acondi- encontrados com o uso de resultados
cionamento das amostras, a umida- de HVI e de Afis, porque a Afis carac-
de e a temperatura da sala de análi- teriza em detalhes a distribuição do
se. A metodologia de análise usada comprimento da fibra.
nas salas de classificações comerciais Hequet & Kelly (2013) apresentam
dos Estados Unidos (duas faces para na Figura 8 a distribuição de compri-
colorímetro, duas para micronaire e mento de fibra de três algodões co-

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Figura 9.
Variação
explicada para as
características de
ruptura do fio (Um
R2 de 1 indica que
os parâmetros
usados no
modelo explicam
a totalidade da
variabilidade
observada)
(Fonte: Hequet &
Kelly, 2013)

Figura 10.
Variação
explicada para as
características de
imperfeições do fio
(Um R2 de 1 indica
que os parâmetros
usados no
modelo explicam
a totalidade da
variabilidade
observada) (Fonte:
Hequet & Kelly, 2013)

merciais de mesmo comprimento HVI (UHML) características HVI, principalmente em relação


realizada com aparelho Afis. Esses gráficos mos- aos parâmetros de regularimetria (Figura 10).
tram que os equipamentos HVI não caracterizam Esse tipo de modelo seria uma ferramenta
adequadamente as grandes diferenças de distri- muito valiosa para um programa de melhora-
buição de comprimento entre esses três fardos mento genético visando criar variedades novas
de fibra. Os fardos 1 e 3 apresentam maior SFC para o futuro.
e menor comprimento médio em relação ao far- Assim, resultados de pesquisas mostram cla-
do 2. Para produzir mais fio “premium”, as meno- ramente a importância da distribuição do com-
res fibras precisam ser penteadas e eliminadas, primento da fibra sobre o desempenho desta em
tornando os fardos 1 e 3 menos atrativos para o fiação e ainda que é indispensável os programas
mercado de fiação de qualidade. de melhoramento genético do algodoeiro traba-
Realizando estudo sobre 110 algodões de ca- lharem com resultados de fibra analisada com
racterísticas muito diferentes, analisados com HVI HVI e Afis.
e Afis, e após confeccionar fio de anel para cada Considerações sobre a importância da distri-
um, eles mostram que, juntas, as características buição do comprimento da fibra levaram tam-
HVI e Afis melhoram significativamente as predi- bém o laboratório a trabalhar sobre o problema
ções (modelo de regressão múltiplo) da qualida- das fibras curtas e sua interação com a maturida-
de do fio (Figura 9) em relação ao uso das únicas de do algodão.

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 11.
Relação entre
maturidade
das fibras e
SFC, medida
pelo Afis (Fonte:
Hequet, 2013)

Demonstrou-se em outro trabalho 4. Considerações finais


(Figura 11) que o índice de fibras curtas
é muito dependente do nível de matu- O produtor brasileiro ainda tem a
ridade de algodão, o que significa que chance de poder comercializar sua
as fibras curtas são fibras imaturas que produção em dois mercados distintos:
foram cortadas durante o processo de
beneficiamento do algodão. • O mercado nacional, ainda com
Em estudos complementares rea- muitas fiações de rotor, mas com
lizadas com novas metodologias de algumas indústrias posicionan-
imagem (Shahriar et al., 2013; Turner do-se no mercado de fios de alta
et al., 2015), mostrou-se que a fibra qualidade. É um mercado sensível
de algodão apresenta alta variabi- às contaminações e ao índice de fi-
lidade de maturidade ao longo de bras curtas, mas ainda geralmente
uma fibra. O fato novo, exposto nes- não muito exigente em relação às
ses dois trabalhos, poderia levar a características intrínsecas da fibra.
pensar que podem existir pontos de • O mercado internacional, prin-
menor resistência em uma fibra de cipalmente o mercado asiático,
maturidade alta, favorecendo a que- trabalhando com fiações de anel,
bra no descaroçamento e elevando e cada vez mais velocidades, exi-
os níveis de SFC, apesar de a fibra es- gindo, além de uma fibra sem
tar madura. contaminantes, características in-
Enfim, o laboratório da TTU, em con- trínsecas de fibra de alto padrão,
junto com programas de melhoramen- principalmente para comprimento
to genético da Texas A&M em Lubbo- e resistência.
ck, mostrou que é possível melhorar o
alongamento da fibra havendo variabi-
lidade genética disponível no pool ge- Os programas de melhoramento ge-
nético atualmente trabalhado (Hequet nético do algodoeiro devem atentar-se
et al., 2018). A elongação de uma fibra às evoluções do mercado de fibra inter-
é um parâmetro importante, porque, nacional. A determinação de qualidade
durante o processo de tração de um fio da fibra por HVI não é suficiente para
de algodão, as fibras de menor alonga- selecionar variedades que vão atender
mento vão quebrar primeiro, desenca- o mercado. E indispensável valer-se
deando a ruptura do fio. também de resultados de Afis. Alon-
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AMPA - IMAmt 2018

gamento e maturidade devem ser mais bem estu- A cadeia têxtil como um todo precisa traba-
dados e integrados como prioridades nos futuros lhar para não perder mais mercado para as fi-
programas, tanto os de melhoramento genético bras sintéticas, sendo o produtor o primeiro a
como os de manejo agronômico, com objetivo de ser cobrado para fornecer uma matéria-prima
produzir uma fibra cada vez mais madura. cada vez melhor. n

LITERATURA CONSULTADA

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

A indústria têxtil e a qualidade


da fibra de algodão

Jorge José A aparência, o toque à maciez, final dos anos 1990, a velocidade dos
DE LIMA a absorção, o conforto e o caimento teares estava na média de 700 rotações
J.G. Cursos de dos vestuários das roupas de cama, por minuto e a largura dos tecidos era
Classificação mesa e banho dependem dos valores de 1,60 m; a evolução dos sistemas
de Algodão em médios e de suas dispersões relativos de correção de massa por unidade de
Pluma e Têxtil às propriedades físicas dos tecidos, comprimento (título) de resposta rá-
LTDA ME
dos fios e das fibras. pida nas máquinas de preparação à
A necessidade de produzir mais fiação impactou positivamente na re-
tecidos em menor tempo provocou, dução da variação de massa (CVm%)
consequentemente, o aumento pro- nos diversos comprimentos de corte
gressivo das velocidades das má- dos fios ao longo dos anos é real, que
quinas, como filatórios, urdideiras e é mostrada pelas estatísticas mundiais
teares, que, dessa forma, sacrificam e da USTER Statistics. A USTER Statistics
exigem muito das fibras. A evolução e (Figura 1), relativa ao coeficiente de va-
o melhoramento para a obtenção de riação de massa dos fios no aparelho re-
cultivares que produzam fibras mais gularímetro, mostra a evolução da qua-
compatíveis não conseguem alinhar- lidade do fio a longo prazo (Long-term
-se com a rápida evolução das máqui- development of yarn quality), ou seja, a
nas, visto que dependem de uma série redução da variação de massa entre os
de fatores, principalmente dos natu- anos 1964 a 2013. O gráfico da USTER
rais, como as condições climáticas. Statistics também nos permite visuali-
Na linha do tempo, observamos, por zar a evolução da qualidade das cultiva-
exemplo, que, nos anos 1970, a veloci- res obtidas pelos melhoristas, que vem
dade dos teares era, em média, de 150 proporcionando à fibra de algodão
rotações por minuto, e que a largura condições para suportar as agressões
dos tecidos planos era de 0,90 m. Já no impostas pelas altas velocidades dos

Figura 1. Evolução em longo prazo da qualidade do fio com o aparelho de


166 laboratório regularímetro (Fonte: USTER® STATISTICS , 2011)
AMPA - IMAmt 2018

processos de colheita, beneficiamento e têxtil. por unidade de comprimento dos fios; quanto mais
As propriedades físicas das fibras de algodão longas, menos torção pode-se dar aos fios, levando à
influenciam e correlacionam-se com a comerciali- maior produção das máquinas. Em relação à qualida-
zação, a industrialização e com as propriedades fí- de, obtêm-se fios e tecidos mais macios, volumosos,
sicas dos fios, tecidos e peças confeccionadas. Para flexíveis e maleáveis, ou seja, com bom caimento, en-
contribuir com a sustentabilidade e com a sobrevi- tre outras propriedades.
vência da cadeia do algodão, é importante que os Além do acúmulo de pó e micropó, que con-
beneficiadores entendam a importância das corre- tribui de forma negativa para a produção, quali-
lações das propriedades das fibras com os proces- dade e custo, o alto conteúdo de fibras curtas au-
sos e com a qualidade dos produtos têxteis, além menta a variação de massa e de pilosidade, assim
de terem em mente que é fundamental danificar e como o número de imperfeições/km no fio (pon-
agredir o mínimo possível as fibras. tos finos, pontos grossos e neps) e as imperfei-
Este capítulo apresenta, de maneira acessível, ções/100 mm no fio (partes grossas e curtas -S-,
algumas correlações entre as propriedades das partes grossas e longas -L-, partes finas e longas
fibras, processos, fios, tecidos e confeccionados, -T), que são denominados raros defeitos.
algumas causas que impactam negativamente a Um índice alto e variação de pilosidade nos fios
produtividade dos fios e tecidos e uma descrição impactam negativamente na aparência dos teci-
básica sobre a sequência, os tipos e as finalidades dos, ou seja, na variação da cor ao longo de sua
dos processos têxteis, que são transformar a plu- superfície (nuances) e na formação de pilling sobre
ma em fios, linhas e tecidos. os tecidos. Cabe ressaltar que a formação de pilling
ocorre, em geral, nos tecidos compostos de fibras
1. Correlações entre as propriedades das não naturais (artificiais e sintéticas) e em tecidos
fibras e os processos e os produtos têxteis compostos de misturas de fibras não naturais com
naturais, como, por exemplo, o algodão. Pilling (Fi-
1.1. Umidade das fibras gura 2) são bolinhas que surgem na superfície do
O controle do conteúdo de umidade nas fibras tecido, formadas pelo emaranhamento das fibras
a partir da colheita, do beneficiamento ao proces- salientes dos corpos dos fios, formadores do teci-
samento têxtil, é fundamental para a obtenção de do, ao sofrerem atritos no processo de uso e lava-
fios, linhas e tecidos mais regulares em massa e re- gem, tendo forte correlação com as propriedades
sistência, dentre outras características benéficas; físicas das fibras e dos fios que formam o tecido. O
tem impacto sobre os desperdícios dos diversos surgimento de pilling deprecia o visual do tecido e
setores da fabricação têxtil e sobre as condições traz sensação de desconforto.
de trabalho. Cabe ressaltar que a umidade da mas-
sa de fibras é calculada em relação à massa seca, 1.3. Resistência e alongamento à rotura
normalmente denominada regain. A resistência e o alongamento à rotura das fibras
têm forte relacionamento com a resistência dos fios
1.2. Características de comprimento e dos tecidos; fibras fortes geram fios, linhas e tecidos
Há forte relacionamento entre as características resistentes aos vários tipos de atritos. Consequente-
de comprimento com a resistência, a torção, a apa- mente, promovem índices menores de rotura nas vá-
rência, a pilosidade e a irregularidade de massa dos rias etapas do processo têxtil, impactando de forma
fios têxteis. São determinantes nas ajustagens e regu- positiva na produtividade, na qualidade e nos custos.
lagens das máquinas que compõem o processo de A resistência e o alongamento à rotura supor-
fiação e influenciam nas características dos tecidos tam e absorvem os altos impactos e as altas ten-
enobrecidos e nas peças confeccionadas. O compri- sões impostos pelas velocidades das máquinas dos
mento das fibras é barreira técnica para a definição processos de colheita, beneficiamento e têxteis;
da gama de títulos (massa por unidade de compri- contribuem também, em grande parte, com as
mento) dos fios a serem fiados. Vale esclarecer que, propriedades físicas dos tecidos, como resistência,
quanto mais finos os fios têxteis, são exigidas fibras alongamento, toque e caimento, entre outras, visto
mais longas e finas para a sua fiação. O comprimento que a forma de entrelaçamento e enlaçamento (ar-
das fibras também influencia o número de torções mação-base) dos fios para a formação dos tecidos

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 2.
Pilling são
bolinhas que
surgem na
superfície dos
tecidos planos
e de malha
(Foto: Jorge
José de Lima e
Sérgio da Costa
Vieira)

planos e de malhas também contribui celulose das paredes primária e se-


com as características já mencionadas e cundária por ataque de microrganis-
para o desempenho desses tecidos nos mos), fibras imaturas e “fibras mortas”.
processos de lavagem e uso. Essas imperfeições impactam direta-
mente na resistência e na cor das fi-
1.4. Cor e fluorescência bras, que, por sua vez, afetam a pro-
Por meio da determinação do dutividade, a qualidade e os custos
porcentual de reflectância, do índi- dos processos.
ce de amarelamento e, consequen- É comum avaliar a fluorescência
temente, do grau da cor das fibras, do algodão com luz ultravioleta, com
viabiliza-se o controle da uniformi- cabine de luz, em que a avaliação é vi-
dade da cor das misturas dos fardos sual e, consequentemente, subjetiva.
que alimentam a linha de abertura, Amostras de algodão com variação de
limpeza, mistura e cardagem das cor e com manchas esverdeadas sob a
fibras na preparação para a fiação, luz ultravioleta em uma cabine de luz
neutralizando a variação de cor nos (Figura 3) indicam a presença de colô-
fios e nos tecidos. nias de microrganismos.
Pela mensuração do índice de fluo-
rescência dos raios ultravioleta (UV), 1.5. Conteúdo de materiais não fi-
podemos também identificar diver- brosos
sas irregularidades no algodão, como No algodão, o conteúdo de mate-
Figura 3. manchas, o efeito cavitoma (perda de riais não fibrosos (cascas, restos de fo-
Amostras de
algodão sob
luz ultravioleta
apresentando
variação de
cor e manchas
esverdeadas,
indicando a
presença de
microrganis-
mos (Foto:
Jorge José de
Lima)

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AMPA - IMAmt 2018

lhas do algodoeiro e até de outros vegetais, caule, contribui, de forma agressiva, para o incremento
pó e micropó etc.) afeta diretamente a produção, dos índices de roturas e desperdícios ao longo do
a qualidade e os custos. Logo, faz-se necessário processo de fiação, além do aumento das imper-
mensurá-lo e acompanhá-lo ao longo do tempo, feições no conjunto de fibras formadoras de fios,
em conjunto com a determinação da eficiência linhas e tecidos.
de limpeza (purga) dos processos até a obtenção Após processar um corpo de prova de algo-
dos produtos acabados (fios, linhas e tecidos). dão em pluma em um aparelho de laboratório
A Federação Internacional de Maquinaria Têx- denominado Trash Meter por método gravimé-
til (ITMF) recomenda a classificação das impure- trico, obtém-se a separação do material fibroso
zas com base no tamanho das partículas, confor- do não fibroso, que são sujeira, pó e micropó
me demonstra a Tabela 1. (Figura 4).
O acúmulo de fibrilas, pó e cascas, dentre ou- Para a fiação a rotores, normalmente é funda-
tras impurezas, nas máquinas e no ambiente, mental o controle da quantidade de impurezas

Tabela 1. Classificação ITMF das partículas de impurezas contidas no algodão

Sujeiras, lixo ou resíduo (Trash) Acima de 500 µm

Poeira (Dust) Acima de 50 a 500 µm

Micropó (Microdust) Acima de 15 a 50 µm

Poeira respirável (Respirable dust) De 0 a 15 µm


Fonte: FURTER e SCHNEITER, 1993

Figura 4. Material fibroso e não fibrosos (sujeira, pó e micropó) (Foto: Jorge José de Lima)

169
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

(cascas, pó e micropó) contidas na dício, menor eficiência de produção,


fita de alimentação, expressa em mi- alto custo de manutenção por des-
ligramas de impurezas por grama de gaste de diversos componentes das
fita. É importante analisar o poder de máquinas e tecidos acabados com
limpeza entre e intrapassadores, bem aparência inferiorizada.
como entre e intramáquinas das que
compõem o processo de fiação. Não 1.6. Índice micronaire
basta determinar somente quanto o Há uma boa correlação entre o ín-
passador retira de resíduo (pneuma- dice micronaire, o número de fibras
fil), em porcentual; faz-se necessário contidas na seção transversal dos ma-
determinar também a eficiência de teriais em processo (mantas, fitas, pa-
limpeza, as características físicas do vios e fios) e o índice de irregularidade
material fibroso do resíduo e a rela- de massa desses materiais (Figura 5). O
ção entre a massa em miligramas de índice micronaire exerce forte influên-
impurezas contidas na fita produzi- cia na resistência, na uniformidade de
da e sua massa em gramas (mg de massa dos fios, no índice de pilosida-
impurezas/g de fita produzida). Em de dos fios e tecidos e no tingimento
geral, as linhas de abertura, mistu- de fibras, fios, linhas e tecidos. O be-
ra, limpeza e cardagem projetadas neficiamento não muda o índice, mas
para compor as fiações de filatórios as fibras que apresentam baixo valor,
Open-End de rotores são equipadas mesmo que maduras, devem ser be-
com máquinas denominadas extrato- neficiadas e processadas com muita
ras de pó, já que esse tipo de fiação atenção, pois são delicadas e podem
é mais sensível à poeira que a fiação sofrer agressões, levando à formação
de filatórios de anéis. A poeira afeta de neps, redução da uniformidade do
os processos de estiragem, aumenta comprimento e aumento do conteú-
o índice de roturas nas diversas eta- do de fibras curtas. As fibras com índi-
pas do processo de fiação, aumenta o ce micronaire baixo e valores altos de
valor de irregularidade de massa dos maturidade, resistência e alongamen-
fios produzidos, aumenta o núme- to à rotura são muito bem-vindas ao
ro de imperfeições por 1 km (pontos processo têxtil, visto que, se processa-
finos, pontos grossos e neps) e por das de forma correta, agregarão valo-
100 km (os raros defeitos), aumenta res positivos à produtividade.
a variação da resistência e, conse-
quentemente, provoca maior índice 1.7. Maturidade
de roturas nas tecelagens planas e de A maturidade da fibra influen-
malhas, maior quantidade de desper- cia fortemente em sua resistência,

Figura 5.
Fios de mes-
mos títulos
formados de
fibras de mi-
cronaire dife-
rentes (Fonte:
Sérgio Loureiro
Kimmeigs,
1995)

170
AMPA - IMAmt 2018

em seu poder de fiabilidade e na produtividade


dos processos. O beneficiamento não tem efei-
to sobre a maturidade, mas as fibras imaturas
não suportam os esforços, as tensões e os atritos
que sofrem desde a colheita até a fiação; logo se
quebram, diminuindo o índice de uniformidade
do comprimento e aumentando o conteúdo das
fibras curtas. Maturidade baixa indica baixo nú-
mero de anéis de celulose, ou seja, estreita pare-
de secundária da fibra (Figura 6), que resulta em
redução da capacidade de absorção dos corantes
por fibras, fios, linhas e tecidos após o processo
de tingimento, causando irregularidade nas co-
res aplicadas (nuances). Figura 6. A estrutura da fibra de algodão de
forma geométrica (Fonte: Zellweger Uster, Uster
1.8. Conteúdo de neps Product News, Set. 1992)
Os neps são emaranhados de fibras (Figura 7)
normalmente ocasionados por fibras imaturas
que não suportam os esforços mecânicos e que-
bram-se durante os processos de colheita, be-
neficiamento, abertura, mistura e limpeza (pre-
paração à fiação). Os neps podem ser também
produzidos em fibras maduras e em condições de
fiabilidade, se receberem tratamento mecânico
agressivo pelas máquinas que compõem a linha
de beneficiamento do algodão em caroço, princi-
palmente o descaroçamento, linha de máquinas
incompatíveis com a matéria-prima (fibras) em
processo ou máquinas mal reguladas, com guar-
nições danificadas, dentre outras causas, que po-
dem danificar as fibras, produzir neps, fibras cur- Figura 7. Neps (pontos brancos) no véu de
tas e resíduos, depreciando, consequentemente, carda (Foto: Jorge José de Lima)
as propriedades físicas de fios, linhas e tecidos.
A presença de neps na massa de fibras em pro-
cesso gera aumento dos índices de roturas nos O gráfico da Uster® Statistics 2013 (Figura 8)
processos de fiação, bobinagem, urdição, engo- mostra o comportamento da quantidade de
magem e tecelagens plana e de malha, fios com neps por grama ao longo do processo de fiação
maior número de imperfeições/1 km (pontos fi- de anel para fios 100% algodão cardado nos
nos, pontos grossos e neps), imperfeições/100 km seguintes materiais: fardos de algodão em plu-
(partes grossas e curtas -S-, partes grossas e longas ma (bale), manta de alimentação da carda (card
-L-, partes finas e longas -T), que são denominados mat), fita de carda (card sliver), fita de passador
de raros defeitos, alta irregularidade de massa e acabador (finisher sliver) e pavio de maçaroquei-
de pilosidade, redução das diversas resistências, ra (roving). O gráfico indica a tendência normal
tecidos planos e de malha com maior número de do comportamento da quantidade de neps/gra-
imperfeições na superfície, pior toque (maciez), ma na massa de fibras após cada processo que
maior irregularidade do tingimento e das diversas compõe a fiação. Depois do processo da linha
resistências; enfim, baixa qualidade, produção e de abertura, mistura e limpeza, há aumento na
alto custo de processo. Dessa forma, cada vez mais quantidade de neps, que normalmente é devida
a indústria têxtil busca algodões com conteúdo de às agressões que as fibras sofrem durante o pro-
neps que permitam um processamento viável. cesso. Uma redução acentuada é registrada após

171
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

FIGURA 8.
Comporta-
mento da
quantidade de
neps por gra-
ma ao longo
do processo
de fiação
(fonte: USTER
STATISTICS,
2013)

carda e passador acabador (passador no algodão em pluma na mistura ini-


II), mostrando que estão realizando cial. Atualmente, as fiações buscam
suas funções básicas. A quantidade fibra com 250 neps por grama para
de neps após a maçaroqueira á man- menos, a fim de garantir os níveis de
tida, o que é normal, visto que as fun- produção, qualidade e custo.
ções básicas desta são transformar a
fita de passador para pavio, por esti- 1.9. Conteúdo de SCN, SCF ou co-
ragem e torção. Nessas estatísticas da metas
Uster, os níveis de qualidade (neps/g) Os seed coat neps (SCN), seed coat
são apresentados para 5% das melho- fragments (SCF) ou cometas (Figura 9)
res fiações, e depois 25%, 50% (média são fragmentos de casca de semente
mundial), 75% e 95% das fiações. As- de caroço de algodão com fibras. Os
sim, cada fiação pode se posicionar e SCNs são produzidos nos processos
buscar atingir uma dessas faixas de de colheita e de beneficiamento do
neps em função do nível de qualida- algodão em caroço, principalmen-
de dos produtos que produz e das te no descaroçamento do algodão,
exigências dos clientes externos e in- onde ocorre a separação entre fibras
ternos. e sementes, por conta do tipo de
Observando a Figura 8, verifica-se máquinas e/ou de regulagens inade-
que os fardos participantes dessa es- quadas, guarnições de dente de ser-
tatística mundial apresentam na faixa ras danificadas, dentre outras causas,
da média mundial (50%) aproximada- que podem danificar as sementes e
mente 225 neps por grama, o que em produzir esses SCNs.
geral passa a ser um referencial para a Os SCNs são problemáticos na fia-
cadeia do algodão. Vê-se pelo gráfico ção, porque não são totalmente re-
que, em todos os níveis de qualidade, movidos ao longo dos processos de
o processo de fiação apresenta um fiação e ficam incorporados ao fio,
comportamento de tendência pro- reduzindo-lhe a qualidade. Eles tam-
porcional, e o que determina os níveis bém são de comportamento pegajo-
de qualidade é a quantidade de neps so nos órgãos rotativos das máquinas,

172
AMPA - IMAmt 2018

Figura 9. Algodão com seed-coat neps (SCN), seed coat fragments (SCF) ou cometas
(Foto: Jorge José de Lima)

aumentando o índice de rotura do material em negativamente nos índices de rotura e no núme-


processo e até interrompendo a produção. Certas ro de imperfeições nos fios, na superfície dos te-
variedades de algodoeiro apresentam sementes cidos planos e de malha, no toque (maciez) e nas
pequenas e com casca mais fina, gerando, conse- diversas resistências.
quentemente, mais SCNs no beneficiamento do O gráfico da Uster® Statistics 2013 (Figura 10)
algodão em caroço. mostra o comportamento da quantidade de
O algodão com alto conteúdo de SCNs impac- SCNs por grama ao longo do processo de fiação
ta negativamente na produtividade dos proces- de anel para fios 100% algodão cardado, nos se-
sos têxteis. Assim, cada vez mais a indústria têxtil guintes materiais: fardos de algodão em pluma
busca algodões com quantidade de SCNs que (bale), manta de alimentação da carda (card mat),
permita um processamento viável, sem impactar fita de carda (card sliver), fita de passador acaba-

Figura 10. Comportamento da quantidade de SCNs por grama ao longo do


processo de fiação (Fonte: USTER STATISTICS 2013)

173
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

dor (finisher sliver) e pavio de maça- o pulgão-do-algodoeiro, a mosca-


roqueira (roving). Depois do proces- -branca e a cochonilha, que atacam a
so da linha de abertura, mistura e lavoura de algodão, sugando a seiva
limpeza, ocorre aumento da quanti- das plantas e depositando sobre as
dade de SCNs, que normalmente se fibras das maças abertas (capulhos)
deve à subdivisão (quebra) dos SCNs excrementos ricos em açúcares, de-
por conta das agressões que sofrem nominados honeydew, que servem de
durante o processo. Sendo assim, o alimento para microrganismos, como
número aumenta, mas as dimensões a fumagina, prejudicam a qualidade
dos fragmentos diminuem. Ocorre das fibras e causam problemas princi-
uma redução acentuada após a car- palmente nos processos de fiação. Os
da e passador acabador (passador II), lotes de fardos de algodão em pluma
mostrando que estão realizando suas que apresentam contaminação de
funções básicas, seguido da manu- honeydew estão sujeitos a deságio e/
tenção da quantidade de SCNs após a ou recusa pelo comprador no proces-
maçaroqueira. so de comercialização, gerando pre-
Observando o gráfico, verifica-se juízos não apenas ao vendedor/pro-
que os fardos participantes dessa es- dutor, mas a todos os elos da cadeia
tatística mundial apresentam na fai- do algodão.
xa da média mundial (faixa dos 50%) O honeydew, quando em certa
aproximadamente 17 SCNs por gra- quantidade nas fibras, é a principal
ma, o que, em geral, passa a ser um fonte de açúcar gerador de pontos
referencial para a cadeia do algodão. pegajosos (sticky points); os insetos
são capazes de transformar a saca-
1.10. Pegajosidade rose ingerida em mais de vinte tipos
O algodão pode apresentar pega- de açúcares diferentes. Os principais
josidade por estar contaminado com açúcares pegajosos são trealulose,
açúcares entomológicos, excesso de melezitose, sacarose, frutose e gli-
agroquímicos na massa de fibras, alto cose.
grau de fibras imaturas, alguns tipos Há diferença entre os açúcares
de matérias não fibrosos dentre ou- quanto à pegajosidade; sabe-se que
tras contaminações e causas. Logo, sacarose, trealulose e melezitose são
a pegajosidade provoca a formação significativamente mais pegajosos
de neps, o enrolamento do material quando depositados em fibras imatu-
fibroso nos cilindros das máquinas e, ras constituídas basicamente por gli-
consequentemente, o aumento do cose ou frutose. Também há diferença
índice de rotura e a desqualificação entre as composições de açúcares do
dos fios produzidos. Portanto, de- honeydew proveniente de pulgões
pendendo do grau de contaminação, (afídeos) e o oriundo de moscas-bran-
a produção é dificultada ou mesmo cas. O honeydew proveniente de afí-
interrompida, causando perdas irre- deos é composto de 40% de melezi-
paráveis à produtividade da fiação tose, enquanto que o proveniente de
(Figura 11). moscas-brancas é composto por 40%
Normalmente, a fibra de algodão de trealulose. Pesquisadores conse-
apresenta, em sua composição quí- guiram demonstrar que a trealulose
mica, por volta de 0,3% de açúcar, tem maior tendência de acúmulo nos
cuja presença não provoca problema órgãos das máquinas que compõem
algum nos processos da fiação. No as fiações por conta das mudanças
entanto, agentes externos, como in- das propriedades desse açúcar. A
setos (pragas), sendo os mais comuns trealulose demonstrou ter o menor

174
AMPA - IMAmt 2018

Figura 11. Capulhos de algodão com açúcares e presença de fumagina; enrolamento de algodão
nos cilindros do filatório (Foto: Jorge José de Lima)

ponto de fusão, ao redor de 48°C, porém perce- processo de fiação e em qualquer outro tipo de
be-se que com temperaturas ao redor de 25°C, já fibra natural e não natural (fibras artificiais e sin-
começa a caramelizar-se; além disso, a trealulose téticas). Em geral, é fundamental definir a utiliza-
é altamente higroscópica, sendo capaz de absor- ção, a frequência e a quantidade de lubrificante a
ver 17,5% de água em condição ambientais de ser aplicada, com base em experimentos práticos
65% umidade relativa e 21°C de temperatura. O realizados por técnicos e colaboradores do labo-
ponto de decomposição do açúcar é de 193°C, ratório, da linha de produção e da manutenção
enquanto açúcares como melezitose, sacarose, do processo fabril, em conjunto com as orienta-
frutose e glicose apresentam valores de pontos ções dos produtores e fornecedores do lubrifi-
de fusão e pontos decomposição maiores. cante. A aplicação de lubrificante sobre a massa
Existem diversos equipamentos para detectar de fibras em processo proporciona o aumento
a pegajosidade, com resultados eventualmente da eficiência de limpeza e de produção das má-
contraditórios. Cabe ressaltar a importância de quinas, reduzindo a eletricidade estática, a pe-
haver um acordo registrado nos contratos entre gajosidade, os conteúdos de pó, micropó, neps
as partes envolvidas na comercialização dos lotes e SCNs. O lubrificante antiestático é utilizado na
de fardos de algodão de qual a metodologia de usina de beneficiamento do algodão em caroço
identificação e mensuração do teor de açucares para a obtenção de melhor rendimento e qua-
será utilizada a fim de evitar futuros impasses. lidade da pluma. Já a aplicação do lubrificante
Pode-se minimizar a pegajosidade do algo- sobre os fardos (encimagem) — em processo na
dão nos processos de fiação, misturando fardos linha de abertura, limpeza, mistura e cardagem
com e sem contaminação de pegajosidade, em — otimiza os índices de produção, qualidade e
uma proporção que será encontra na prática, vis- custo dos processos de fiação e os subsequen-
to que há uma gama de fatores correlacionados. tes. A aplicação do lubrificante antiestático nas
Também é possível efetuar alterações das condi- fibras não naturais reduz a eletricidade estática
ções climáticas ambientais dos processos de fia- e, consequentemente, o enrolamento das fibras
ção em termos de temperatura, umidade relativa nos cilindros das máquinas ao longo do processo
e umidade absoluta do ar, além de aplicação de de fiação. Podemos mencionar, como exemplo
lubrificante antiestático. de lubrificantes antiestáticos, o Gintex, da Cotton
A aplicação por pulverização de lubrificante Conditioners do Brasil, o Selbana, o Katax, o Silkol
antiestático, também denominado condiciona- e o Spreitan, da Pulcra Chemicals.
dor de fibras, sobre o algodão em caroço na usi- Na Figura 12, apresentamos a pulverização de
na de beneficiamento, no algodão em pluma no lubrificante antiestático sobre o algodão em ca-

175
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 12.
Pulverização
de lubrificante
antiestático
sobre o algo-
dão em caroço
no processo
de benefi-
ciamento e
nos fardos de
algodão em
pluma con-
sumidos por
um abridor
alimentador
automático
(Foto: Glauco
Fabiano de
Andrade)

roço no processo de beneficiamento cialização dos lotes de fardos, na sim-


em uma algodoeira e nos fardos de al- plificação da logística do depósito de
godão em pluma sendo consumidos fardos tanto nas algodoeiras como
por um abridor alimentador automá- nas indústrias têxteis.
tico, que compõe uma linha de aber-
tura, limpeza, mistura e cardagem de 2. Algumas causas que impactam
uma fiação. negativamente a produtividade
e a qualidade de fios e tecidos
1.11. Índice de consistência da Fiação
O índice de consistência da Fiação A classificação do algodão em plu-
(Spinning Consistency Index - SCI) é ma é básica no gerenciamento da ma-
uma variável que normalmente surge téria-prima do processo de fiação, que
da correlação múltipla da resistência pode ser composto pelos sistemas de
do fio com as propriedades físicas seleção e compra dos lotes de fardos,
das fibras (USTER TECHNOLOGIES, de recepção dos fardos, de categori-
2008); é calculado pelos instrumen- zação destes e do estabelecimento de
tos de classificação tecnológica, por misturas entre os fardos categorizados
meio dos instrumentos do tipo High para a alimentação da linha de aber-
Volume Instrument (HVI). Logo, essa tura, limpeza e mistura e cardagem de
variável pode ser utilizada na comer- forma homogênea e constante.

176
AMPA - IMAmt 2018

Figura 13. Os pontos fundamentais para a busca de equilíbrio do processo de fiação, obtenção
de lucro e viabilidade no mercado (Fonte: Jorge José de Lima)

O nível de qualidade exigida pelos clientes ex-


ternos (indústrias de confecção e de moda) e pelos
clientes internos dos processos têxteis é que nor-
teia os níveis de qualidade das propriedades físicas
das fibras para o sistema de seleção e compra dos
lotes de fardos de algodão (matéria-prima) da fia-
ção. Assim, os pontos fundamentais para a busca
de equilíbrio no processo de fiação e, consequen-
temente, obter lucro e manter-se vivo no mercado
são mostrados na Figura 13.
A variação de massa em vários comprimentos
de corte ao longo do fio é denominada defeito
harmônico, ou seja, é um defeito periódico de um
determinado comprimento, seguido de seus sub-
múltiplos, comumente conhecido como moarê
(Figura 14). Ele pode ser ocasionado por deficiên-
cia mecânica das máquinas de fiação, acúmulo de
impurezas nos rotores dos filatórios open-end e/
ou por deficiências das seguintes propriedades fí-
sicas das fibras de algodão: alto conteúdo de fibras
curtas, baixa uniformidade do comprimento, bai-
xo índice de maturidade, baixa resistência, baixo
alongamento e danos nas fibras ocorridos ao lon- Figura 14. Tábuas de fio em série e tecido de
go do processo de fiação. malha com defeito harmônico ou moarê
(Foto: Jorge José de Lima)
O fio tem imperfeições denominadas defeitos

177
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 15.
Tábuas de fio e
tecido com imper-
feições por 100 km,
denominados raros
defeitos (Foto: Jorge
José de Lima)

Figura 16.
Bobina, espulas e te-
cidos de algodão com
variação de cor (Foto:
Jorge José de Lima)

Figura 17.
Fio e tecido
com presença
de materiais
não fibrosos
(Foto: Jorge
José de Lima)

178
AMPA - IMAmt 2018

Figura 18. Presença de micropó, caule, juta e polipropileno nos rotores de fiação (Foto: Jorge
José de Lima)

Figura 19. Os neps no algodão e nos fios do te- Figura 20. Tecido de malha azul-marinho contami-
cido plano xadrez (Foto: Jorge José de Lima) nado com polipropileno (Foto: Jorge José de Lima)

raros, ou seja, de partes grossas e curtas (S), par- A presença de micropó, caule, fibras de juta, si-
tes grossas e longas (L) e partes finas e longas sal e polipropileno entre outros não fibrosos, nos
(T), que são expressos em imperfeições/100 km. rotores e nos trens de estiragem das diversas má-
Esses defeitos podem ser ocasionados por alto quinas do processo de fiação, atinge diretamente
conteúdo de fibras curtas, baixa uniformidade do a produtividade dos processos e produtos têxteis
comprimento, fibras imaturas, baixa resistência, (Figura 18).
deficiência na limpeza do ambiente e maquina- Neps no algodão afetam diretamente a pro-
ria da fiação e por danos das fibras ao longo do dução, a qualidade e o custo de fios, linhas e teci-
processo de fiação (Figura 15). dos (Figura 19).
Bobina e espulas de fios de algodão com va- Na Figura 20, observa-se um tecido de malha
riação de cor produzem tecidos com o defeito com pontos não tingidos por motivo de conta-
denominado barramento (Figura 16). minação do algodão com polipropileno da capa
A presença de materiais não fibrosos no algo- do fardo, o que é proibido no Brasil. Esse tipo de
dão — como pedaços de folhas, cascas e caules contaminação pode também ocorrer por causa
na massa fibrosa — desqualifica-o na classifica- de cordas, toucas e outros utensílios utilizados
ção, visto que aumenta o índice de desperdícios, para proteger os fardos no campo e algodoeiras,
índice de rotura e deprecia a produção, a qualida- ou lonas plásticas lançadas sobre o algodão do
de e o custo de fios e tecidos (Figura 17). campo à fiação.

179
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

3. Descrição de alguns dos proces- cama, mesa, banho e decoração,


sos que compõem a cadeia têxtil, cujos desenhos são determinados
com ênfase nas fibras de algodão pela indústria da moda.
• Vale ressaltar que os fios também
A cadeia têxtil é formada pelas se- recebem alguns enobrecimentos,
guintes etapas de produção: como chamuscagem, alvejamen-
to, tingimento dentre outros, an-
• Fiação, quando ocorre a transfor- tes dos processos de produção
mação das fibras em fios. de linhas (para costuras, borda-
• Tecelagens, onde os fios formam dos e crochês) e tecidos planos
os tecidos planos ou de malhas. e de malha listrados, xadrezes,
• Acabamento, também conhecido maquinetados (fios entrelaçados
como enobrecimento, quando os com comando de evoluções indi-
tecidos passam por alguns proces- viduais que formam infinitos de-
sos como revisão e classificação do senhos).
nível de qualidade, navalhagem, • Com o avanço da tecnológica,
chamuscagem, cozinhamento, além do vestuário, os têxteis am-
mercerização, alvejamento, tin- pliam seu raio de ação e atendem
gimento, estampagem, lavagem, também áreas técnicas, como agri-
sanforizagem e calandragem, en- cultura, construção civil e indústria
tre outros tratamentos que lhes química; esses produtos são deno-
proporcionam vários efeitos de minados de têxteis técnicos.
cor, brilho, toque, maciez, caimen-
to e flexibilidade (resiliência), eno- 3.1. Fiação
brecendo os tecidos. O algodão em pluma chega à in-
• Esses tecidos atendem as indús- dústria têxtil em forma de fardos, ma-
trias de confecção de vestuário, téria-prima da indústria têxtil. Neles,

Figura 21.
Abridor e
alimentador
automático
de fardos
(Foto: Jorge
José de Lima)

180
AMPA - IMAmt 2018

as fibras encontram-se prensadas, emaranhadas e a abertura entre as fibras até separá-las, quase
e misturadas com impurezas denominadas, em que individualmente, por meio da estiragem, ini-
geral, materiais não fibrosos. ciando a orientação para sua paralelização. A car-
dagem elimina fibras curtas, neps e SCNs. Nesse
3.1.1. Linha de abertura, limpeza e mistura processo, ocorre uma grande estiragem, pois a
A linha de abertura, limpeza e mistura é for- manta de fibras é transformada em um véu fino,
mada por diversos equipamentos, cujos obje- que posterior mente é condensado e forma a fita
tivos principais são iniciar a abertura entre as de carda (Figura 22).
fibras (flocagem), realizar a mistura homogê-
nea da massa de fibras e remover as impurezas, 3.1.3. Preparação à penteadeira
promovendo a separação do material fibroso do Há dois sistemas de preparação à penteagem: o
não fibroso. sistema europeu ou clássico, composto por reuni-
O produto final na caixa de alimentação para deira de fitas e reunideira de mantas (laminadeira),
o processo de cardagem é uma massa de fibras e o sistema americano, composto pelo formador
desalinhadas, misturadas homogeneamente, de rolo. A reunideira de fitas é alimentada por um
uniformes e em flocos (Figura 21). conjunto de fitas de pré-passador, que as reúne,
mistura, estira e forma o rolo de manta; a reunideira
3.1.2. Carda de mantas (laminadeira) é alimentada por um con-
Da caixa para a mesa de alimentação da carda, junto de rolos de manta, que os reúne, mistura, es-
a massa de fibras desalinhadas, misturadas ho- tira, paraleliza as fibras e forma rolo de manta mais
mogeneamente, uniformes e em flocos resultará homogêneo e uniforme, enquanto o formador de
uma manta com massa por unidade de compri- rolo transforma um conjunto de fitas de pré-passa-
mento predeterminada em relação ao plano de dor em rolo de manta mais homogêneo e unifor-
estiragem e titulação da fiação. O processo de me. Cabe aos técnicos responsáveis pela realização
cardagem é responsável por continuar a limpeza do projeto de estruturação ou reestruturação da

Figura 22. Véu e fita produzida pela carda (Foto: Jorge José de Lima)

181
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 23.
Penteadeira,
rolos de man-
ta de alimen-
tação e fitas
produzidas
(Foto: Jorge
José de Lima)

fábrica de fiação qual dos sistemas de garantirá fios mais uniformes, finos,
preparação à penteagem será adotado, sedosos e flexíveis. Os fios penteados
bem como as demais máquinas. são o grande diferencial no mercado.

3.1.4. Penteadeira 3.1.5. Passador de primeira (l) e de


O processo de penteagem das fi- segunda (II) passagens
bras tem como objetivo eliminar fi- Os passadores atuam na massa de
bras curtas, neps, SCNs e impurezas do fibras provocando seu estiramento e
material de alimentação que se apre- paralelização. Esses processos são si-
sentam em forma de rolos produzidos multâneos, com objetivo de aumen-
pela reunideira de mantas ou formador tar a uniformidade do comprimento
de rolo. Normalmente, a penteadeira das fibras, sem, contudo, estressá-las,
trabalha com a duplicação de oito ro- levando-as à perda do poder de fia-
los de manta (Figura 23). Os ajustes do bilidade. Nos passadores acontece
equipamento determinam quais serão também a correção final da titulação
os comprimentos de fibras descarta- (massa por unidade de comprimento)
dos pelo processo; é importante enfa- do material a ser fiado. São alimenta-
tizar que o diferencial do produto final dos com fitas duplicadas normalmen-
do processo é a produção de fios pen- te em número de seis ou oito, para
teados a partir de fibras longas, o que maior uniformidade (Figura 24).

Figura 24.
Trem de esti-
ragem dos
passadores
(Foto: Jorge
José de Lima)

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AMPA - IMAmt 2018

Figura 25. Maçaroqueira alimentada por fitas de passadores e pavios em produção (Foto: Jorge
José de Lima)

No processo de fiação para fios cardados, os em processo; deve-se ressaltar que a torção é in-
passadores de primeira e segunda passagens fi- versamente proporcional à produção. O excesso
cam localizados entre a carda e a maçaroqueira. de torção tampouco pode comprometer o pro-
Já no processo de fiação para fios penteados, há cesso de estiragem; o pavio não deve ser estira-
o passador denominado pré-passador, que se lo- do, pois, consequentemente, não produzirá o fio.
caliza entre a carda e a reunideira de fitas ou o
formador de rolos. Os passadores I e II localizam- 3.1.7. Filatório
-se entre a penteadeira e a maçaroqueira. Na etapa de fiação, existem diferentes tecno-
logias de transformação dos pavios ou fitas em
3.1.6. Maçaroqueira fios. O objetivo último é o mesmo: realizar a esti-
Cada fuso ou unidade de produção da maça- ragem final e a amarração entre as fibras por tor-
roqueira (Figura 25) é alimentado por uma fita ção, formando o fio singelo. As principais tecno-
dos passadores de primeira ou segunda passa- logias para fiar são: fiação de anel, fiação a rotor,
gem; a finalidade da maçaroqueira é transformar fiação a jato de ar e fiação a fricção.
por estiragem as fitas (mechas) dos passadores
em pavios de densidade linear inferior (menor 3.1.7.1. Filatório de anéis produzindo fios con-
titulação). Como o pavio é uma mecha com nú- vencionais
mero menor de fibras em sua sessão transversal, A formação do fio nos filatórios de anéis ocorre
logo se faz necessário dar coesão e amarração em duas etapas; a primeira delas é a estiragem e
entre as fibras por meio de torção, a fim de evitar a segunda a torção das fibras para a formação do
a falsa estiragem e as roturas. Porém, o número fio. A estiragem ocorre no conjunto de cilindros
de voltas por unidade de comprimento (torções) e manchões (trem de estiragem). A diferença de
deve ser o menor possível, pois está em função velocidade entre os pares de cilindros determina
do comprimento e do índice micronaire da fibra a estiragem do material.

183
MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Já a torção ocorre relacionando a ele atua como um guia que, ao se mo-


rotação dos fusos ao comprimento vimentar na periferia do anel, enrola o
produzido pelo primeiro cilindro do fio ao longo da embalagem (Figura 26).
trem de estiragem. Existem dois tipos Normalmente, os filatórios de
de torção: a torção “S” indica o sentido anéis são utilizados para fiar fios, dos
horário, enquanto a “Z” indica a torção finos aos muito finos, que são fios
no sentido anti-horário. penteados.
O acondicionamento do fio produzi-
do nas canelas (embalagens) para for- 3.1.7.2. Filatório de rotor (open-end)
mar as espulas ocorre pelo movimento No processo de fiação a rotor, tam-
de uma pequena peça metálica, na qual bém conhecido como open-end, a
o fio é passado, que percorre a periferia matéria-prima de alimentação é di-
de um círculo chamado anel. A essa pe- retamente a fita, que pode ser prove-
quena peça dá-se o nome de viajante; niente da carda ou dos passadores. A

Figura 26.
Filatório de
anéis com
pavios de
alimentação
e fios em pro-
dução (Foto:
Jorge José de
Lima)

Figura 27.
Filatório de
rotor com
fitas de
alimentação
e bobinas de
fios produ-
zidos (Foto:
Jorge José de
Lima)

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AMPA - IMAmt 2018

torção ocorre assim que a massa de fibras passa têxteis. O aumento do nível de qualidade do fio
do ângulo de fiação do rotor em alta rotação para retorcido com o mesmo título de um fio singelo é
o cilindro tomador; a seguir, o fio é enrolado em por ser composto com dois ou mais fios singelos
um núcleo, formando embalagens com grandes (cabos) mais finos. Logo, exigem fibras mais lon-
metragens (Figura 27). Uma das vantagens é o gas, finas, maduras e resistentes em relação às fi-
tempo menor de produção, uma vez que envolve bras para o fio singelo. Pode-se citar, como exem-
menos processos e equipamentos; os processos plo, que para a produção de um fio retorcido que
da maçaroqueira e a bobinadeira são eliminados. tenha um número inglês (Ne) equivalente a um
Nesse processo de fiação, é importante destacar fio singelo de Ne 40, necessita-se ter pelo menos
a necessidade da remoção prévia das impurezas, dois fios (cabos) e que sejam de Ne 80, que terá o
principalmente de pó e micropó, pois estas provo- Ne resultante igual a 80/2.
cam o entupimento dos diversos componentes do Após as descrições dos processos que compõem
sistema de fiar; consequentemente, ocorre a pro- a fiação, será apresentado, como exemplo, o fluxo-
dução de fio com defeito periódico e normalmente grama do processo de fiação de fio singelo de algo-
harmônico, que impacta negativamente no nível dão cardado fiado em filatório de anéis (Figura 28).
de qualidade dos tecidos.
3.2. Tecelagem
3.1.7.3. Filatório a fricção e filatório a jato de ar A tecelagem implica na criação e na execução
Os filatórios por fricção (Dref) produzem fios uti- das armações estruturais que caracterizam o entre-
lizando vários tipos de fibras descontinuas, como laçamento intra e entrefios (base de armação), para
o algodão, e fibras continuas como, por exemplo, a formação de diversos tecidos com uma superfície
filamentos de elastômeros, vidro e arames de aço. plana, flexível e tridimensional em termos de espes-
Atendem os tecidos para vestiários, uso domésti- sura, largura e comprimento contínuo.
co, técnicos para indústria aeronáutica, automobi- Normalmente, os tecidos formados pelas te-
lística e roupas protetoras, dentre outros. celagens planas e de malhas por entrelaçamento
A opção do sistema de fiar está em função dos ordenado dos fios são denominados planos ou
tipos de matérias-primas a serem fiadas, a gama de malha; os denominados não tecidos (non-wo-
de títulos de fios que se deseja fiar e a produtivi- ven) são os tecidos obtidos pelos processos de
dade. Em relação à velocidade de produção, o fi- agulhamento, prensagem ou colagem de cama-
latório de anel atinge entre 19-25 m/min, o open- das de fibras distribuídas de forma ordenada ou
-end (rotor), 130 m/min, o jato de ar, 180 m/min e desordenada.
o por fricção, 300 m/min. Os processos formadores de tecidos têxteis
mais comuns são o de tecelagem para tecidos
3.1.8. Bobinadeira e/ ou conicaleira planos e o de tecelagem para tecidos de malha;
As bobinadeiras são máquinas que desenvol- as aplicações finais a que os tecidos se destinam
vem três tarefas; a primeira é mudar o fio das es- também são determinantes do processo de tece-
pulas dos filatórios de anéis para embalagens que lagem a ser utilizado.
acondicionam grande metragem; a segunda é a
purga das imperfeições indesejáveis contidas no 3.2.1. Tecidos planos
fio; e a terceira é a lubrificação (parafinagem) do fio, As estruturas dos tecidos planos são caracte-
que normalmente é direcionado para a malharia. rizadas pelo cruzamento de fios no sentido ho-
rizontal e vertical. Os fios no sentido horizontal,
3.1.9. Retorcedeira ou seja, na direção da largura do tecido, são cha-
Essa máquina retorce os fios binados, nor- mados de trama, enquanto os fios no sentido
malmente no sentido contrário ao da torção vertical, ou seja, os fios perpendiculares à trama,
que receberam nos filatórios, para ganhar resis- são chamados de urdume. Na tecelagem plana, a
tência, uniformidade de massa e pilosidade, e, formação dos tecidos ocorre pelo entrelaçamen-
consequentemente, obter tecidos mais sedosos, to da trama e do urdume (Figura 29). Esse proces-
resistentes e nobres; esse é um dos grandes di- so é realizado por máquinas denominadas teares
ferenciais de qualidade no mercado de produtos para tecidos planos.

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 28.
Exemplo de
fluxograma do
processo de
fiação de anéis
(Fonte: Jorge
José de Lima)

Figura 29.
Entrelaça-
mento dos
fios de urdu-
me e trama,
formando o
tecido plano
(A - Fonte:
Sérgio Lourei-
ro Kimmeigs);
(B - Foto:
Jorge José de
Lima)

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AMPA - IMAmt 2018

Para preparar a tecelagem de tecidos planos,


duas máquinas são necessárias: a urdideira, que
prepara os rolos de urdume, e a engomadei-
ra, que reúne vários rodos de urdideira em um
único rolo e impregna uma película de goma e
de cera na superfície dos fios dispostos em pa-
ralelo, reduzindo assim a pilosidade e aumen-
tando a resistência. Em três décadas, ocorreu o
incremento na velocidade de urdição de 300 m/
min para 1.200 m/min, mais um motivo para a
exigência de fios uniformes nas suas diversas ca-
racterísticas físicas.

Teares de tecidos planos


Os teares de tecidos planos têm a finalidade
de entrelaçar os fios de urdume acondicionados
no rolo oriundo da engomadeira com os de tra-
ma acondicionados em embalagens oriundas da
bobinadeira ou conicaleira (Figura 30).

3.2.2. Tecidos de malha


A característica principal dos tecidos de malha
é sua formação em cursos e colunas. O tecido é
estruturado a partir do entrelaçamento de laça-
das do fio no sentido horizontal, formando assim
os tecidos denominados malha (por trama ou
urdimento) (Figura 31). Esses processos de tece-
dura são realizados por máquinas denominadas
teares para tecidos de malha, que apresentam, Figura 30. Sala de teares (Foto: Jorge José de Lima)
em geral, maleabilidade e flexibilidade, por isso
são denominados comumente “tecidos vivos”.

Figura 31.
Enlaçamento intra e entrefios, for-
mando o tecido de malha (Fonte:
Sérgio Loureiro Kimmeigs)

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

Figura 32. Teares de tecidos de malhas


Tear circular Os teares de malhas têm a finalida-
alimentado de de formar as laçadas (enlaçar) entre
por cones de os fios de malha, que são acondiciona-
fios, alimenta- dos em embalagens oriundas das bo-
ção das agu- binadeiras conicaleiras, para a malha
lhas e tecido por trama, e em rolo oriundo da urdi-
de malha por deira específica para a malha por urdi-
trama em pro- mento. A Figura 32 apresenta partes de
dução (Foto: um tear circular para tecido de malha
Jorge José de por trama.
Lima) Após as descrições dos processos
utilizados nas tecelagens, é importan-
te observar um dos fluxogramas mais
comuns para a produção de tecidos
planos e de malha (Figura 33).

3.3. Enobrecimento dos materiais


têxteis
Enobrecimento ou acabamento dos
materiais têxteis é o conjunto de pro-
cessos químicos, físicos e/ou físico-quí-
micos aplicados em fibras, fios, linhas,
tecidos e peças confeccionadas. Sua fi-
nalidade é transformar os têxteis, que,
em geral, encontram-se no estado cru,
em alvejados, tintos, estampados, ama-
ciados, estabilizados em suas dimen-
sões, aveludados, brilhosos, resistentes
aos raios ultravioleta, aromatizados e
antialérgicos, dentre outros enobreci-
mentos possíveis. Enfim, o enobreci-
mento agrega valores e propriedades
de qualidade, beleza e proteção aos
têxteis que são direcionados ao ves-
tuário, cama, mesa, banho, decoração
e áreas técnicas.
Quando a matéria-prima é o algo-
dão, o fluxo mais comum compreende
os processos de desengomagem, mer-
cerização, alvejamento e determina-
ção da cor, podendo o tecido ser tinto,
estampado ou ainda tinto e estampa-
do. Os enobrecimentos (acabamentos)
têxteis primários são aplicados aos ma-
teriais têxteis para torná-los viáveis a
receber os secundários (tingimento e
estamparia) e os terciários (gama de
tratamentos que podem ser aplicados

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AMPA - IMAmt 2018

sobre os têxteis, dando-lhes uma série de versatilidades e utilidades) (Andrade Filho & Santos, 1987). O
fluxograma mais comum para a transformação de tecido cru para enobrecido (acabado) e pronto para
venda é o que se visualiza a seguir (Figura 34).

Figura 33. Fluxograma das embalagens de fios do setor de fiação até as tecelagens planas e/
ou de malhas (Fonte: Jorge José de Lima)

Figura 34. Fluxograma do tecido cru a partir do processo de enobrecimento primário


até a expedição (Fonte: Jorge José de Lima)

Considerações finais

Após os processos de pesquisa, cultivo, dade e qualidade acordados. Logo, é funda


beneficiamento, classificação, comercializa- mental uma gerência de logística de quali-
ção e transformação das fibras de algodão dade muito bem estruturada. Vale ressaltar
em fios, linhas e tecidos enobrecidos revisa- que o serviço após venda é básico em todas
dos e classificados quantitativa e qualitativa- as fases da cadeia produtiva e consumidora
mente, eles finalmente seguem para o setor do algodão; quanto mais cada fase da cadeia
de expedição que, em geral, é composta por algodoeira conhecer e entender as outras,
embalagem, estocagem e expedição. As ne- melhor será para todos, ou seja, agricultores,
cessidades dos clientes normalmente deter- beneficiadores, indústrias transformadoras
minam a forma das embalagens. dos produtos e subprodutos do algodoeiro,
Manuseio, embalagem, estocagem, con- consumidores dos produtos manufaturados
servação, expedição, transporte e entrega desse nobre vegetal que é obra-prima divina
das peças de tecidos aos clientes devem ser que dá proteção, beleza e sustentabilidade
garantidos com os parâmetros de quanti- social à humanidade. n

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MANUAL DE QUALIDADE DA FIBRA

LITERATURA CONSULTADA

ANDRADE FILHO, J. F. de; SANTOS, L. F. dos. Introdução à tecnologia têxtil. v. 3.


Rio de Janeiro: Senai/Cetiqt, 1987. 174 p.
FURTER, R.; SCHNEITER, W. Determination of trash and the spinnability of raw
cotton. [s.l.]: Zellweger Uster, 1993.
USTER e TECHNOLOGIES AG. Fiber Symposium – USTER HVI 1000 –
Think quality – Think Uster, 2008. Disponível em: < http://webcache.
googleusercontent.com/ search?hl=pt-BR&gbv=2&tbs=lr%3Alang_1pt&l-
r=lang_pt&gs_sm=e&gs_upl=49491 l50162l0l51845l1l1l0l0l0l0l401l401l4-
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