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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A influência da emoção na memória e no


aprendizado

Por: Vitoria Maria Pereira de Souza Machado

Orientadora

Marta Pires Relvas

Rio de Janeiro

2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

AVM FACULDADE INTEGRADA

A influência da emoção na memória e no


aprendizado

Apresentação de monografia à Universidade


Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Neurociência
Pedagógica

Por: Vitória Maria Pereira de Souza Machado


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AGRADECIMENTOS

- A minha professora orientadora Marta


Pires Relvas pelo seu aconselhamento;

- a minha amiga Fani Russek Teruszkin


pela sua ajuda e apoio

- aos meus professores, pelos


importantes conhecimentos que me
transmitiram durante o curso;
4

DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho a todos meus


alunos que involuntariamente me
incentivaram a ampliar meus
conhecimentos de como melhor estimular
seus cérebros e desenvolver suas
diferentes habilidades e a todos que ainda
virão a ser meus alunos.
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RESUMO

Esse trabalho pretende tratar de como o cérebro humano processa as


emoções, como essas influenciam no registro das memórias, quais são as
áreas envolvidas nesse processo.

E finalmente aponta estratégias eficientes para que o aproveitamento


em sala de aula seja potencializado, devido ao conhecimento de que “sem
emoção não há aprendizado”.
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METODOLOGIA

O método de pesquisa utilizado neste trabalho foi o de pesquisa


bibliográfica, baseada em livros de Neurociência, Anatomia, Fisiologia,
Psicopedagogia, Pedagogia, etc.
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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................08

CAPÍTULO I

O CÉREBRO E AS EMOÇÕES.........................................................................10

CAPÍTULO II

INFLUÊNCIA DAS EMOÇÕES NO REGISTRO DAS MEMÓRIAS...................29

CAPÍTULO III

ESTRATÉGIAS PARA UM MELHOR APRENDIZADO EM SALA DE


AULA..................................................................................................................44

CONCLUSÃO....................................................................................................53

BIBLIOGRAFIA..................................................................................................56

ÍNDICE...............................................................................................................57
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INTRODUÇÃO

Toda memória é adquirida num certo estado emocional; os animais,


inclusive o homem, encontram-se sempre em um determinado estado
emocional ou estado de ânimo, geralmente difícil de avaliar.

Todos se recordam onde estavam e o que estavam fazendo na hora que


morreu Ayrton Senna. Ninguém se lembra do rosto da pessoa que vendeu os
ingressos da última sessão de cinema que comprou. O impacto emocional da
notícia da morte de Senna foi grande; as memórias gravadas nesse momento
foram influenciadas por essa emoção intensa. O momento em que se compra o
ingresso é emocionalmente insignificante. A importância emocional de cada
acontecimento interfere diretamente na aquisição de memórias e
consequentemente no aprendizado.

Cada estado emocional é acompanhado de uma constelação de


fenômenos hormonais e neuro-hormonais diferentes. Diferentes estados de
emocionais ou de ânimo se acompanham de diferentes taxas de liberação
destas substâncias neuromoduladoras, que aumentam e diminuem a
capacidade de resposta de diversas áreas cerebrais, entre elas as que fazem
ou evocam memórias.

As emoções têm uma forte influência na aprendizagem pois se os alunos


estão ansiosos, deprimidos, ou mesmo zangados, não recebem as informações
de uma maneira eficiente. O cérebro é capturado pela emoção e volta a sua
atenção para ela. Quando as emoções captam a atenção do cérebro, a
memória de trabalho fica inundada e não consegue ser eficiente para atuar na
tarefa imediata.

A maior parte dos pesquisadores refere-se às seis emoções universais:


felicidade, tristeza, medo, raiva, surpresa e repugnância. Trata-se de emoções
fundamentais que são encontradas e reconhecidas em todos os seres
humanos no mundo todo.
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A atenção, a percepção, a memória, a tomada de decisões e os


concomitantes conscientes de cada um são todos oscilantes nos estados
emocionais. O alerta emocional organiza e coordena a atividade cerebral. O
impulso emocional inicia no momento em que uma memória nasce, quando a
atenção e a elaboração influenciam fortemente se uma experiência será
posteriormente lembrada ou esquecida.

O primeiro capítulo é sobre como o cérebro processa as emoções, quais


as áreas do encéfalo que participam de um estímulo emocional.
Complementando, o segundo capítulo trata do papel das emoções na aquisição
de memórias, principalmente a de longo prazo que implica em uma mudança
de comportamento, em um aprendizado.

O terceiro capítulo é sobre estratégias que podem ser aplicadas em sala


de aula que facilitam o armazenamento de informações na memória de longo
prazo, baseados nos conhecimentos sobre emoção e memória dos outros
capítulos.
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CAPÍTULO I -. O CÉREBRO E AS EMOÇÕES

Durante muito tempo acreditou-se que os fenômenos emocionais


estariam na dependência de todo o cérebro. Coube a Hess, prêmio Nobel de
medicina há cerca de 50 anos, demonstrar que esses fenômenos estão
relacionados com áreas específicas do cérebro. Este cientista implantou
eletrodos em diferentes regiões do hipotálamo do gato e observou as mais
variadas manifestações de comportamento emocional, quando estas áreas
eram estimuladas eletricamente em animais livres e acordados. Sabe-se hoje
que as áreas relacionadas com os processos emocionais ocupam territórios
bastante grandes do encéfalo, destacando-se entre elas o hipotálamo, a área
pré-frontal e o sistema límbico. O interessante é que a maioria dessas áreas
está relacionada também com a motivação, em especial com os processos
motivacionais primários, ou seja, aqueles estados de necessidade ou de desejo
essenciais à sobrevivência da espécie ou do indivíduo, tais como fome, sede e
sexo. Por outro lado, as áreas encefálicas ligadas ao comportamento
emocional também controlam o sistema nervoso autônomo, o que é fácil de
entender, tendo em vista a importância da participação desse sistema na
expressão das emoções.

As partes do cérebro responsáveis pelo processamento das emoções


incluem tanto estruturas corticais quanto subcorticais. Entre as primeiras
temos: o córtex pré-frontal, o córtex temporal anterior, o córtex da ínsula, os
hipocampos, o giro do cíngulo. Entre as segundas: amígdala, fórnix, septo,
tálamo, hipotálamo, bem como as fibras de associação e projeção que
interconectam este sistema.

Todo circuito neuronal que controla o comportamento emocional e os


impulsos motivacionais é chamado de sistema límbico.

É importante destacar que as estruturas envolvidas com a emoção se


interligam intensamente e que nenhuma delas é exclusivamente responsável
por este ou aquele tipo de estado emocional. No entanto, algumas contribuem
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mais que outras para esse ou aquele determinado tipo de emoção


Assim, será visto, uma a uma, aquelas sobre as quais mais se conhece.

1.1 TRONCO ENCEFÁLICO

No tronco encefálico estão localizados vários núcleos de nervos


cranianos, viscerais ou somáticos, além de centros viscerais como o centro
respiratório e o vasomotor. A ativação destas estruturas por impulsos nervosos
de origem telencefálica ou diencefálica ocorre nos estados emocionais,
resultando nas diversas manifestações que acompanham a emoção, tais como
o choro, as alterações fisionômicas, a sudorese, a salivação, o aumento do
ritmo cardíaco, etc. Além disto, as diversas vias descendentes que atravessam
ou se originam no tronco encefálico vão ativar os neurônios medulares,
permitindo aquelas manifestações periféricas dos fenômenos emocionais que
se fazem por nervos espinhais ou pelos sistemas simpático e parassimpático
sacral. Deste modo, o papel do tronco encefálico é principalmente efetuador,
agindo basicamente na expressão das emoções.

Contudo, existem dados que sugerem que a substância cinzenta central


do mesencéfalo e a formação reticular podem ter, também, um papel regulador
de certas formas de comportamento agressivo.

1.2 HIPOTÁLAMO

Além das funções vegetativas e endócrinas do hipotálamo, estimulações


ou lesões do hipotálamo exercem frequentemente efeitos acentuados sobre o
comportamento emocional de animais ou homens. Em animais, alguns efeitos
comportamentais da estimulação são os seguintes:

- a estimulação do hipotálamo lateral não causa apenas sede e ingestão de


alimentos, mas também, aumenta o nível geral de atividade do animal, algumas
vezes levando a raiva franca e briga;
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- a estimulação do núcleo ventromedial e áreas adjacentes causam


principalmente efeitos opostos aos causados pela estimulação hipotalâmica
lateral – isto é, sensação de saciedade, redução da ingestão de alimentos e
tranqüilidade;

- a estimulação de uma zona delgada do núcleo periventricular, localizada


imediatamente adjacente ao terceiro ventrículo (ou também estimulação da
área cinzenta central do mesencéfalo que é contínua com essa região do
hipotálamo) leva geralmente a reações de medo e punição;

- o impulso sexual pode ser estimulado a partir de várias áreas do hipotálamo,


principalmente as regiões mais anteriores e mais posteriores do hipotálamo.

As lesões do hipotálamo causam em geral os efeitos inversos:

- lesões bilaterais do hipotálamo lateral reduzirão quase a zero a ingestão de


água e alimento, levando frequentemente à desnutrição letal. Essas lesões
também causam extrema passividade do animal, com perda de seus impulsos
patentes;

- lesões bilaterais das áreas ventromediais do hipotálamo causam efeitos que


são basicamente opostos aos produzidos por lesões no hipotálamo lateral: a
ingestão excessiva de água e alimentos, bem como hiperatividade e, muitas
vezes, selvageria contínua, junto com frequentes episódios de raiva extrema,
desencadeados por provocação mínima.

A estimulação ou lesões em outras regiões do sistema límbico,


principalmente a amígdala, a área septal, e áreas no mesencéfalo, causam
frequentemente efeitos semelhantes aos produzidos no hipotálamo.

A maioria das modificações do comportamento observadas em


experiências com o hipotálamo de animais já foi também observada no homem,
em experiências realizadas durante o ato operatório ou como consequência de
traumatismos, tumores, lesões vasculares ou infecções desta região. Não
resta, pois, dúvidas de que o hipotálamo exerce um importante papel na
coordenação e integração dos processos emocionais.
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1.3 TÁLAMO

Lesões ou estimulações do núcleo dorsomedial e dos núcleos anteriores


do tálamo já foram correlacionadas com alterações da reatividade emocional
no homem e em animais. Ao que parece, entretanto, a importância destes
núcleos na regulação do comportamento emocional decorre de suas conexões.
O núcleo dorsomedial liga-se ao córtex da área pré-frontal ao hipotálamo e ao
sistema límbico.

Os núcleos anteriores ligam-se ao corpo mamilar e ao córtex do giro do


cíngulo, fazendo parte de circuitos do sistema límbico. A significação funcional
da área pré-frontal e do sistema límbico será descrita a seguir.

1.4 ÁREA PRÉ-FRONTAL

O córtex pré-frontal desempenha papel decisivo na formação de


intenções e programas, bem como na verificação e regulação das formas mais
complexas do comportamento humano. Essa região hierarquicamente superior
detém posicionamento estratégico no gerenciamento das informações, uma
vez que tem acesso a todas as entradas sensoriais através das quais o
organismo apreende o mundo, bem como tem controle de todos os sinais do
domínio visceral.

O córtex pré-frontal é o córtex associativo do lobo frontal, representa a


região filo e ontogeneticamente mais recente do encéfalo e é definido por dois
critérios básicos: citoarquitetura e conectividade (Pôrto, 2006).

Citoarquitetonicamente, pode ser definido por apresentar a lâmina


cortical IV (lâmina granular, constituída por células em cesta, as quais são
interneurônios com função de interconexão, integrativa) proeminente, bem
como estreita conectividade recíproca com o núcleo médiodorsal do tálamo e
aferências das três maiores áreas sensoriais provenientes dos lobos parietal,
temporal e occipital.

Macroscopicamente o córtex pré-frontal é delimitado em sua superfície


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lateral como a porção adiante do sulco arqueado e na superfície medial pode


ser definida como todas as porções do córtex frontal anteriores ao joelho do
corpo caloso, em um plano perpendicular à linha que conecta as comissuras
anterior e inferior (Porto, 2006). Projeta-se maciçamente para o hipotálamo, o
efetor final dos sistemas visceral, endócrino e emocional.

Informações sobre o significado funcional da área pré-frontal têm sido


obtidas principalmente através de experiências feitas em macacos e
observação de casos clínicos nos quais houve lesão nessa área. Destes, um
dos mais famosos ocorreu em 1868, quando P.T. Gage, funcionário de uma
ferrovia americana, teve seu córtex pré-frontal destruído por uma barra de
ferro, durante uma explosão. Ele conseguiu sobreviver ao acidente, mas sua
personalidade, antes caracterizada pela responsabilidade e seriedade, mudou
dramaticamente. Embora com suas funções cognitivas basicamente normais,
ele perdeu totalmente o senso de suas responsabilidades sociais e passou a
vaguear de um emprego para outro, dizendo "as mais grosseiras profanidades"
e exibindo a barra de ferro que o vitimara. "Sua mente estava tão radicalmente
mudada que seus amigos diziam que ele não era mais o mesmo Gage". (Porto,
2006)

No que se refere às observações em animais, a experiência mais


famosa foi feita em 1935, por Fulton e Jacobsen, em duas macacas chimpanzé
que tiveram suas áreas pré-frontais removidas. Depois da operação, as
macacas passaram a não resolver mais certos problemas simples, como achar
o alimento escondido pouco tempo antes. Isso levou os autores a sugerir que a
área pré-frontal poderia estar relacionada com algum tipo de memória para
fatos recentes. Além disto, os animais tornaram-se completamente distraídos e
não desenvolveram mais as características manifestações emocionais de
descontentamento, em situações de frustração.

Com base nessas experiências, Egas Moniz e Almeida Lima, dois


cirurgiões portugueses (Machado, 2006), fizeram pela primeira vez, em 1936, a
lobotomia (ou leucotomia) pré-frontal, para tratamento de doentes psiquiátricos
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com quadros de depressão e ansiedade. A operação consiste em uma secção


bilateral da parte anterior dos lobos frontais, passando adiante dos cornos
anteriores dos ventrículos laterais. Sabe-se hoje que os resultados devem-se
principalmente à secção das conexões da área pré-frontal com o núcleo
dorsomedial do tálamo. Essa cirurgia melhora os sintomas de ansiedade e
depressão dos doentes, que entram em estado de ‘tamponamento psíquico’, ou
seja, deixam de reagir a circunstâncias que normalmente determinam alegria
ou tristeza. Assim, por exemplo, pacientes com dores intratáveis causadas por
um câncer e profundamente deprimidos, após a lobotomia, embora continuem
a sentir dor, melhoram do ponto de vista emocional e passam a não dar mais
importância à sua grave situação clínica. O trabalho de Egas Moniz e Almeida
Lima sobre a leucotomia frontal teve grande repercussão, pois pela primeira
vez empregou-se uma técnica cirúrgica para tratamento de doenças psíquicas
(psicocirurgia). O método foi largamente usado, caindo em desuso com o
aparecimento de drogas de ação antidepressiva. Uma conseqüência
indesejável da leucotomia é que muitos pacientes perdem a capacidade de
decidir sobre os comportamentos mais adequados diante de cada situação,
podendo, por exemplo, com a maior naturalidade, urinar, defecar ou masturbar-
se em público (Machado, 2006).

Embora existam ainda muitas divergências e especulações em torno do


significado funcional da área pré-frontal, a interpretação às vezes difícil de
dados experimentais e clínicos, como os expostos acima, permite concluir que
esta área está envolvida pelo menos nas seguintes funções:

a) escolha das opções e estratégias comportamentais mais adequadas à


situação física e social do indivíduo, assim como a capacidade de alterá-las
quando tais situações se modificam;

b) manutenção da atenção: lesões na área pré-frontal causam distração, ou


seja, os pacientes têm dificuldade de se concentrar e fixar voluntariamente a
atenção. Outras áreas cerebrais - a formação reticular inclusive - também estão
envolvidas no fenômeno da atenção. Entretanto, os aspectos mais complexos
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dessa função, como, por exemplo, a capacidade de seguir seqüências


ordenadas de pensamentos, dependem fundamentalmente da área pré-frontal;

c) controle do comportamento emocional, função exercida juntamente com o


hipotálamo e o sistema límbico.

1.5 SISTEMA LÍMBICO

O sistema límbico pode ser conceituado como um sistema relacionado


fundamentalmente com a regulação dos processos emocionais e do sistema
nervoso autônomo constituído pelo lobo límbico e pelas estruturas subcorticais
a ele relacionadas.

Dentro deste conceito enunciado não há completo acordo entre os


autores quanto às estruturas que deveriam fazer parte do sistema límbico.

Circundando as áreas límbicas subcorticais fica o córtex límbico


composto de um anel de córtex cerebral começando na área orbito-frontal na
superfície ventral dos lobos frontais, estendendo-se para cima, no giro
subcaloso, sob o ramo anterior do corpo caloso, sobre o topo do corpo caloso,
pela fase medial do hemisfério cerebral no giro do cíngulo e, por fim, passando
por trás do corpo caloso e descendo para a superfície ventromedial do lobo
temporal para o giro para-hipocampal e o uncus. Assim, nas superfícies
mediais e ventrais de cada hemisfério cerebral existe um anel, constituído, em
grande parte, por paleocórtex, que circula um grupo de estruturas
profundamente associadas ao comportamento geral e as emoções. Por sua
vez, esse anel do córtex límbico funciona como uma comunicação bidirecional
e ligação associativa entre o neocórtex e as estruturas límbicas inferiores.

Várias das funções comportamentais evocadas do hipotálamo e outras


estruturas límbicas são mediadas por meio dos núcleos reticulares e seus
núcleos associados no tronco cerebral.
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Figura 1. Vista medial e inferior de um hemisfério cerebral após remoção de parte do diencéfalo, de modo
a expor o fascículo mamilo-talâmico.(Machado, 2006)

As estruturas cuja inclusão no sistema límbico é admitida pela maioria


dos autores, agrupando-as em duas categorias: componentes corticais,
constituídos de áreas de associação terciárias, e componentes subcorticais.

1.5.1 COMPONENTES CORTICAIS:

Os componentes corticais são: giro do cíngulo, giro para-hipocampal e


hipocampo.

1.5.1.1 GIRO DO CÍNGULO

O giro do cíngulo (do latim cingulum, em português cintura)


localiza-se topograficamente na superfície mediana dos hemisférios cerebrais.
Pode ser dividido em cíngulo anterior (área 24 de Brodmann) e cíngulo
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posterior (área 23 de Brodmann), sendo a linha divisória entre essas duas


divisões constituída por uma extensão do sulco central.

O cíngulo representa um feixe de associação cortical (é responsável


pelas conexões do giro do cíngulo com as demais estruturas).

O giro do cíngulo mantém conexões eferentes corticais e subcorticais,


através de fibras longas e curtas com: porção orbito-medial do lobo frontal,
núcleo caudado, tálamo, substância cinzenta central do mesencéfalo, ponte e
outras áreas.

Desde Papez (1937) que o córtex do giro do cíngulo vem sendo


atribuído como uma importante região no processamento das emoções, como
sugerido pelas suas extensas conexões com os hipocampos, corpos
mamilares, núcleos talâmicos anteriores e pólos temporais.

Teorias neurocientíficas modernas identificam o córtex cingular anterior


como um ponto de integração de informações emocionais, atencionais e
viscerais, informações estrategicamente envolvidas na regulação do afeto e
outras modalidades de controle de cima para baixo (top-down) (Porto, 2006).

Tem sido também sugerido que o córtex cingular anterior constitui um


substrato chave para a experiência emocional consciente e também para a
representação central do alerta autonômico (Porto, 2006).

O giro cingular anterior tem sido analisado em termos de uma subdivisão


dorsal ‘cognitiva’ e uma subdivisão ventral mais ‘afetiva’. Sua subdivisão afetiva
encontra-se rotineiramente ativada em estudos de imagem funcional
envolvendo todas as modalidades de estímulo emocional (Pôrto, 2006).

O entendimento mais atual sugere que ele monitore conflitos entre o


estado funcional do organismo e qualquer nova informação que tenha
conseqüências potencialmente afetivas ou motivacionais. Quando tais conflitos
são detectados, o córtex cingular anterior projeta informações sobre o conflito
para as áreas do córtex pré-frontal onde decisões entre opções de respostas
são deliberadas (Pôrto, 2006).
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1.5.1.2 GIRO PARA-HIPOCAMPAL

Situa-se na face inferior do lobo temporal (figura 2) e, em grande parte, é


constituído de um córtex muito antigo, paleocórtex, que do ponto de vista
citoarquitetural se classifica como alocórtex.

1.5.1.3.HIPOCAMPO

O termo hipocampo é empregado em seu sentido mais amplo e inclui o


hipocampo propriamente dito, o giro dentado e o subiculum. Essas três
estruturas, em conjunto são frequentemente denominadas formação do
hipocampo.

O hipocampo é a região medial alongada do córtex temporal que se


curva para cima e para dentro, para formar a superfície ventral da ponta inferior
do ventrículo lateral. Uma das extremidades do hipocampo fica junto dos
núcleos amigdalóides, e também se funde ao longo de suas bordas, com o giro
para-hipocâmpico, que é o córtex da superfície ventromedial do lobo temporal.
É formado de tecido cortical simples, arquicórtex.

Embriologicamente, o desenvolvimento rápido do neocórtex fez com que


o hipocampo “rolasse” em direção ao assoalho do lobo temporal, dando ao
mesmo a aparência de “cavalo marinho”, quando cortado transversalmente, daí
advindo o nome “hipocampo” (do latim hypo = cavalo e campo = marinho.

O hipocampo mantém numerosas, mas, em grande parte, indiretas


conexões com várias áreas do córtex cerebral, bem como as estruturas básicas
do sistema límbico – a amígdala, o hipotálamo, o septo e os corpos mamilares.
Quase todo tipo de experiência sensorial causa ativação de pelo menos
alguma parte do hipocampo, e ele, por sua vez, distribui vários sinais eferentes
para o tálamo anterior, o hipotálamo, e outras áreas do sistema límbico, em
grande parte por meio do fórnix, sua principal via eferente. Assim, o
hipocampo, como a amígdala, é outro canal pelo qual os sinais sensoriais
aferentes podem provocar reações comportamentais apropriadas.
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Como nas outras estruturas límbicas, a estimulação de diferentes áreas


do hipocampo pode causar qualquer um dos diferentes comportamentos como
raiva, passividade, impulso sexual excessivo, etc.

Há um grande número de neurotransmissores e neuromoduladores no


hipocampo. A acetilcolina e a noreprinefrina são os neurotransmissores mais
amplamente distribuídos. Várias outras substâncias, inclusive os opiáceos, a
serotonina e o neuropeptídio intestinal vaso ativo (VIP), parecem também estar
presentes em grandes concentrações. O ácido gama-amino-butírico (GABA) é
o principal neurotransmissor inibitório no hipocampo e o glutamato é o
neurotransmissor excitatório mais importante desta região.

Figura 2 - Esquema de um corte frontal do giro para-hipocampal e hipocampo (Machado, 2006)

1.5.2 COMPONENTES SUBCORTICAIS

Os componentes subcorticais do sistema límbico são: corpo amigdalóide


ou amígdala, área septal, núcleos mamilares, núcleos anteriores do tálamo e
núcleos habenulares.

1.5.2.1 AMíGDALA

A amígdala e um complexo de núcleos localizados imediatamente


abaixo do córtex do pólo anterior medial de cada lobo temporal. Mantém
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abundantes conexões bidirecionais com o hipotálamo. É uma estrutura nodular,


bem delimitada. Durante o desenvolvimento embrionário acompanha os
núcleos da base, permanecendo com uma íntima relação anatônica com a
parte ventrolateral do corpo estriado ventral.

Em animais inferiores, a amígdala esta relacionada, em grande parte, a


associação de estímulos olfativos com estímulos de outras partes do encéfalo.
Na verdade, uma das principais divisões do feixe olfativo leva diretamente a
parte da amígdala, denominada núcleos corticomediais, localizada
imediatamente abaixo do córtex na área piriforme do lobo temporal. Entretanto,
no ser humano, outra parte da amígdala, os núcleos basolaterais, tornou-se
muito mais desenvolvida que esse componente olfativo, desempenhando
papeis muito importantes em diversas atividades comportamentais que não são
em geral associadas aos estímulos olfativos.

A amígdala recebe sinais neurais de todas as partes do córtex límbico,


bem como do neocórtex dos lobos temporal, parietal e occipital, provenientes
em sua maioria, das áreas de associação auditivas e visuais. Devido às essas
múltiplas conexões, a amígdala foi denominada a “janela” através da qual o
sistema límbico vê a posição da pessoa no mundo. Por sua vez, a amígdala
transmite sinais de volta para essas mesmas áreas corticais, para o
hipocampo, o septo, o tálamo e principalmente para o hipotálamo.

Em geral, a estimulação da amígdala pode causar quase todos os


efeitos produzidos pela estimulação hipotalâmica, acrescidos de outros. Os
efeitos que são mediados pelo hipotálamo incluem aumento ou redução da
pressão arterial, aumento ou redução da freqüência cardíaca, aumento ou
redução da motilidade e secreção gastrointestinais, defecção e micção,
dilatação pupilar ou, raramente, constrição, piloerecao, secreção dos vários
hormônios hipofisários anteriores, principalmente as gonadotropinas e
hormônios corticotrópicos.

Alem desses efeitos mediados pelo hipotálamo, a estimulação da


amígdala também pode causar diversos tipos de movimento involuntário. Estes
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incluem os movimentos tônicos, como a elevação da cabeça ou curvatura do


corpo, movimentos em circulo, ocasionalmente movimentos clônicos, rítmicos,
e diferentes tipos de movimentos associados à olfação e a ingestão de
alimentos, tais como lamber, mastigar e engolir.

Alem disso, a estimulação de determinados núcleos amigdalóides pode,


raramente, produzir padrão de raiva, fuga, punição e medo semelhantes ao
padrão de raiva evocado do hipotálamo. E a estimulação de outros núcleos
pode provocar reações de recompensa e prazer.

Finalmente, a excitação de outras regiões da amígdala pode provocar


atividades sexuais que incluem ereção, movimentos copulatórios, ejaculação,
ovulação, atividade uterina e trabalho prematuro de parto.

Quando as regiões anteriores dos dois lobos temporais são destruídas


no macaco, isso remove não apenas o córtex temporal, mas também as
amígdalas que se localizam na profundidade dessas partes dos lobos
temporais. Isso causa uma combinação de modificações do comportamento
denominada síndrome de Kluver- Bucy, que inclui tendência excessiva para
examinar oralmente os objetos, perda do medo, redução da agressividade,
docilidade, modificação dos hábitos da dieta, (a tal ponto que um animal
herbívoro freqüentemente passa a ser carnívoro), algumas vezes cegueira
psíquica, e muitas vezes impulso sexual excessivo. O quadro característico e o
de um animal que nada teme, tem extrema curiosidade sobre tudo, esquece
muito rapidamente, tem tendência a colocar tudo na boca e, algumas até
mesmo tenta ingerir objetos sólidos, e, por fim, muitas vezes tem impulso
sexual tão forte que tenta copular com animais imaturos, animais do sexo
errado, ou de espécies diferente.

Embora lesões semelhantes em seres humanos sejam raras, as


pessoas afetadas respondem de forma não muito diferente da do macaco.

A amígdala parece ser uma área de conhecimento (awareness)


comportamental que opera em nível semiconsciente. Também parece projetar
para o sistema límbico o estado atual da pessoa, tanto em relação a seu
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ambiente como a seus pensamentos. Com base nessa informação, acredita-se

que a amígdala ajude a padronizaras respostas comportamental da pessoa de


forma que seja apropriada para cada ocasião.

1.5.2.2 ÁREA SEPTAL

Situada abaixo do rostro do corpo caloso, anteriormente à lâmina


terminal e à comissura anterior, a área septal compreende grupos de neurônios
de disposição subcortical conhecidos como núcleos septais. Alguns destes
neurônios se estendem até a base do septo pelúcido. A área septal tem
conexões extremamente amplas e complexas, destacando-se suas projeções
para o hipotálamo e para a formação reticular, através do feixe prosencefálico
medial.

Lesões bilaterais da área septal em animais causam a chamada "raiva


septal", caracterizada por uma hiperatividade emocional, ferocidade e raiva
diante de condições que normalmente não modificam o comportamento do
animal. Há também um grande aumento da sede. Estimulações da área septal
causam alterações da pressão arterial e do ritmo respiratório, mostrando o seu
papel na regulação de atividades viscerais. Experiências de auto-estimulação
mostram que a área septal é um dos centros do prazer no cérebro.

1.5.2.3 NÚCLEOS MAMILARES

Os núcleos mamilares pertencem ao hipotálamo e situam-se nos corpos


mamilares. Recebem fibras do hipocampo que chegam pelo fórnix e se
projetam principalmente para os núcleos anteriores do tálamo e para a
formação reticular, respectivamente pelos fascículos mamilo-talâmico e
mamilo-tegmentar.

1.5.2.4 NÚCLEOS ANTERIORES DO TÁLAMO

Situam-se no tubérculo anterior do tálamo. Recebem fibras dos núcleos


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mamilares e projetam-se para o giro do cíngulo.

1.5.2.5 NÚCLEOS HABENULARES

Situam-se na região do trígono das habênulas no epitálamo. Recebem


fibras aferentes ela estria medular e projetam-se para o núcleo interpeduncular
do mesencéfalo

1.6 CONEXÕES DO SISTEMA LÍMBICO


Com o aparecimento de modernas técnicas de pesquisa
neuroanatômica, nosso conhecimento sobre as conexões dos diversos
componentes do sistema límbico aumentou consideravelmente. Apesar disto,
não se conhece ainda o significado funcional de grande parte dessas
conexões, que são muito complexas. Seu estudo será feito a seguir, de
maneira esquemática e simplificada.

1.6.1 CONEXÕES INTRÍNSECAS

Os diversos componentes do sistema límbico mantêm entre si


numerosas e complexas intercomunicações. Dentre elas, a mais conhecida é o
circuito de Papez, circuito fechado que une as seguintes estruturas límbicas,
enumeradas na seqüência que representa a direção predominante dos
impulsos nervosos (Figura 3): hipocampo, fórnix, corpo mamilar, fascículo
mamilo-talâmico, núcleos anteriores do tálamo, cápsula interna, giro do cíngulo,
giro para-hipocampal e novamente o hipocampo, fechando o circuito. A
importância desse circuito no mecanismo das emoções foi apontada
inicialmente por Papez e há evidência de que ele está envolvido também no
mecanismo da memória.

O corpo amigdalóide e a área septal, que mantêm entre si conexões


recíprocas, embora não façam parte do circuito de Papez, ligam-se a este
circuito em vários pontos.
25

Figura 3. Principais componentes do sistema límbico, mostrando-se também o circuito de Papez.


(Machado, 2006)

1.6.2 CONEXÕES EXTRÍNSECAS

As estruturas do sistema límbico têm amplas conexões com setores


muito diversos do sistema nervoso central, destacando-se, por sua importância,
as conexões recíprocas que mantêm com o hipotálamo. Elas podem ser
classificadas como aferentes ou eferentes.

Conexões aferentes: É do senso comum que as pessoas podem se


emocionar pela simples recordação de episódios passados armazenados na
memória. Mais freqüentemente, entretanto, as emoções são desencadeadas
pela entrada no sistema nervoso central de determinadas informações
sensoriais. Assim, por exemplo, informações visuais, auditivas, somestésicas
ou olfatórias que sinalizem perigo podem despertar medo. Há evidência de que
todas essas modalidades de informações sensoriais têm acesso ao sistema
límbico, embora nunca diretamente. Elas são antes processadas nas áreas
corticais de associação secundárias e terciárias e penetram no sistema límbico
por vias que chegam ao giro para-hipocampal (área entorrinal) de onde passam
ao hipocampo, ganhando assim o circuito de Papez. Fazem exceção os
26

impulsos olfatórios, que passam diretamente da área cortical de projeção para


o giro para-hipocampal e o corpo amigdalóide. Também as informações
relacionadas com a sensibilidade visceral têm acesso ao sistema límbico, seja
diretamente, através das conexões do núcleo do trato solitário com o corpo
amigdalóide, seja indiretamente, via hipotálamo. Ainda a propósito das
conexões aferentes do sistema límbico, cabe lembrar as numerosas projeções
serotoninérgicas e dopaminérgicas que ele recebe da formação reticular e que,
segundo parece, exercem ação moduladora sobre a atividade de seus
neurônios

Conexões eferentes: As conexões eferentes do sistema límbico são


importantes porque, através delas, este sistema participa dos mecanismos
efetuadores que desencadeiam o componente periférico e expressivo dos
processos emocionais e, ao mesmo tempo, controlam a atividade do sistema
nervoso autônomo. Essas funções são exercidas fundamentalmente através
das conexões que o sistema límbico mantém com o hipotálamo e com a
formação reticular do mesencéfalo. As conexões com a formação reticular do
mesencéfalo se fazem basicamente através de três sistemas de fibras.

a) feixe prosencefálico medial - situado entre a área septal e o tegmento do


mesencéfalo, este feixe contém fibras que percorrem nos dois sentidos o
hipotálamo lateral, onde muitas delas terminam. Ele constitui a principal via de
ligação do sistema límbico com a formação reticular;

b) fascículo mamilo-tegmentar - feixe de fibras que dos núcleos mamilares se


projeta para a formação reticular do mesencéfalo;

c) estria medular - feixe de fibras que se origina principalmente na área septal e


termina nos núcleos habenulares do epitálamo. Estes, por sua vez, ligam-se ao
núcleo interpeduncular do mesencéfalo, que se projeta para a formação
reticular.

Como o hipotálamo e a formação reticular; têm conexões diretas com os


neurônios pré-ganglionares do sistema autônomo, as vias acima descritas
permitem ao sistema límbico participar do controle do sistema autônomo, o que
27

é especialmente importante na expressão das emoções.

1.7 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO

Verifica-se que as áreas encefálicas relacionadas com o comportamento


emocional ocupam territórios muito amplos do telencéfalo e do diencéfalo, nos
quais se encontram as estruturas que integram o sistema límbico, a área pré-
frontal e o hipotálamo. Além de sua participação nos fenômenos emocionais,
estas áreas regulam as atividades viscerais através do sistema nervoso
autônomo. Verificou-se, assim, que estimulações elétricas em várias áreas do
hipotálamo, da área pré-frontal ou do sistema límbico determinam
manifestações viscerais diversas, tais como salivação, sudorese, dilatação
pupilar, modificações do ritmo cardíaco ou respiratório. O fato de que as
mesmas áreas encefálicas que regulam o comportamento emocional também
regulam o sistema nervoso autônomo, se torna mais significativo, se
considerarmos que as emoções se expressam em grande parte através de
manifestações viscerais (choro no homem, aumento de salivação e eriçar dos
pêlos em um gato com raiva) e são geralmente acompanhadas de alterações
da pressão arterial, do ritmo cardíaco ou do ritmo respiratório. Torna-se mais
fácil entender, também, que muitos distúrbios emocionais resultam em
afecções viscerais, sendo um exemplo clássico o caso das úlceras gástricas e
duodenais. Estas inclusive podem ser provocadas por estimulações crônicas
do hipotálamo.

Do ponto de vista neuroquímico, as áreas encefálicas relacionadas com


o comportamento emocional são muito importantes porque apresentam enorme
diversidade de substâncias ativas, destacando-se os peptídeos, os opiáceos e
as monoaminas, estas, originadas em grande parte de neurônios do tronco
encefálico. A riqueza dessas áreas em monoaminas, em especial,
noradrenalina, serotonina e dopamina, é muito significativa, tendo em vista que
muitos medicamentos usados em psiquiatria para tratamento de distúrbios do
comportamento e da afetividade agem modificando o teor de monoaminas
28

cerebrais. Sabe-se também que muitos neurônios do hipotálamo e do sistema


límbico possuem receptores para hormônios circulantes, em especial
hormônios sexuais, que, assim, são capazes de modular a atividade desses
neurônios e influenciar os processos emocionais e motivacionais que eles
regulam.
29

CAPÍTULO II – INFLUÊNCIA DAS EMOÇÕES NO


REGISTRO DAS MEMÓRIAS

Memória é a aquisição, a formação, a conservação e a evocação de


informações. A aquisição é também chamada de aprendizagem. A evocação é
também chamada de recordação, lembrança, recuperação. Só lembramos
aquilo que gravamos; aquilo que foi aprendido.

Podemos afirmar que somos aquilo que recordamos, literalmente.


(Izquierdo, 2008). O acervo das memórias faz com que cada um seja o que é,
um indivíduo único, um ser para o qual não existe outro idêntico.

2.1 OS TIPOS E AS FORMAS DE MEMÓRIAS


Há muitas classificações das memórias: de acordo com a sua função,
com o tempo que duram e com seu conteúdo.

2.1.1 MEMÓRIA DE TRABALHO:

Breve e fugaz, serve para “gerenciar a realidade” e determinar o


contexto em que os diversos fatos, acontecimentos ou outro tipo de informação
ocorrem, e se vale a pena ou não fazer uma nova memória disso ou se esse
tipo de informação já consta dos arquivos. Ela serve para manter durante
alguns segundos, no máximo poucos minutos, a informação que está sendo
processada no momento.

A memória de trabalho se diferencia das demais porque não deixa traços


e não produz arquivos. Os demais tipos de memória, sim.

Usa-se a memória de trabalho, por exemplo, quando “conservamos” na


consciência, por alguns segundos, a terceira palavra da frase anterior (que, as
estas alturas, já foi esquecida). A retenção da palavra só serviu para conseguir
30

entender essa frase, seu contexto e o significado que veio a seguir. Usa-se a
memória de trabalho quando se pergunta a alguém o número de telefone do
dentista: conserva-se este número o tempo suficiente para discá-lo, uma vez
feita a comunicação correspondente, ele é esquecido.

A memória de trabalho pode ser medida através da memória imediata e,


de fato, ambos os termos podem ser considerados sinônimos. Memória de
trabalho é processada fundamentalmente pelo córtex pré-frontal, a porção mais
anterior do lobo frontal. Ela depende, simplesmente, da atividade elétrica dos
neurônios dessas regiões: há neurônios que “disparam” no início, outros, no
meio, e outros, no fim dos acontecimentos, sejam estes quais forem. Os
primatas não humanos têm uma capacidade de memória de trabalho tão boa
quanto os humanos. Em todas as espécies o córtex pré-frontal atua em
“conluio” com o córtex entorrinal, parietal superior e cingulado anterior e com o
hipocampo (Izquierdo 2008). O conluio é feito por meio de troca de informações
entre essas regiões cerebrais através de suas conexões.

A memória de trabalho é acompanhada de poucas alterações químicas.


No entanto, essa atividade elétrica neural, ao viajar pelos axônios e atingir as
extremidades destes, libera neurotransmissores sobre proteínas receptoras dos
neurônios seguintes, comunicando assim, a estes, traduções bioquímicas da
informação processada. O córtex pré-frontal recebe axônios procedentes de
regiões cerebrais vinculadas à regulação dos estados de ânimo, dos níveis da
consciência e das emoções. Os neurotransmissores liberados por esses
axônios, que vem de estruturas muito distantes, modulam intensamente as
células do lobo frontal que se encarregam da memória de trabalho.

Isto explica o fato tão conhecido de que um estado de ânimo negativo,


por exemplo, causado por falta de sono, por depressão ou por simplesmente
tristeza ou desânimo, perturba a memória de trabalho.

Muitos não consideram a memória de trabalho como um verdadeiro tipo


de memória, mas como um sistema gerenciador central (central manager), que
mantém a informação “viva” pelo tempo suficiente para poder eventualmente
31

entrar ou não na Memória propriamente dita. Ela não deixa traços


neuroquímicos ou comportamentais.

O papel gerenciador da memória de trabalho decorre do fato de que


esta, no momento de receber qualquer tipo de informação, deve determinar,
entre outras coisas, se é nova ou não, e, no último caso, se é útil pra o
organismo ou não. Para fazer isto, a memória de trabalho deve ter acesso
rápido às memórias preexistentes no indivíduo; se a informação que chega é
nova, não haverá registro dela no resto do cérebro, e o indivíduo pode
aprender (formar uma nova memória) aquilo que está recebendo do mundo
externo ou interno. Estas explorações da memória realizadas pelo sistema
gerenciador do córtex pré-frontal são feitas seguramente, através das
conexões dessa região, via córtex entorrinal, com o hipocampo e as demais
áreas envolvidas nos processos de memória em geral. As possibilidades de
que, perante uma situação nova qualquer, ocorra ou não um aprendizado,
estão determinadas pela memória de trabalho e sua conexões com os demais
sistemas mnemônicos.

Da mesma forma, para verificar se a informação que está chegando é


útil ou prejudicial para o organismo, a memória de trabalho deve indagar, junto
aos demais sistemas mnemônicos, através do córtex entorrinal, as possíveis
relações da experiência atual com outras semelhantes, das quais possa haver
registro. Perante um inseto desconhecido que é observado pela primeira vez, o
córtex precisa verificar se não há memórias de outros insetos parecidos em
tamanho, forma ou cor com ele. Se, ao fazê-lo, verifica que o animal presente é
muito semelhante com outro que transmite doenças, por exemplo, o organismo
poderá reagir fugindo dele ou eliminando-o. Se não encontra registros
perigosos de insetos ou outros seres semelhantes ao que está neste momento
observando, poderá adotar uma atitude de indiferença ou de simples
observação.

Estes exemplos ilustram a importância do sistema operacional do córtex


pré-frontal para supervivência e para o diálogo constante e frutífero com o meio
e com as lembranças de cada indivíduo.
32

2.1.2 MEMÓRIAS DECLARATIVAS

São as memórias que registram fatos, eventos ou conhecimento, porque


os seres humanos podem declarar que existem e pode relatar como a memória
foi adquirida. São classificadas como episódicas e semânticas.

Aquelas referentes a eventos aos quais a pessoa assistiu ou participou


são chamadas episódicas. Por exemplo, a lembrança da formatura, de um
rosto de um filme. Elas são autobiográficas.

As de conhecimento geral são as semânticas. Por exemplo, o


conhecimento de português, de medicina ou de psicologia ou do perfume das
rosas são memórias semânticas ou de índole geral. Pode-se, é claro, lembrar
dos episódios por meio dos quais as memórias semânticas foram adquiridas:
cada aula de inglês, a última vez que uma rosa foi cheirada, o dia que se
memorizou um poema.

2.1.3 MEMÓRIA PROCEDURAL OU DE PROCEDIMENTO

São as memórias de capacidades ou habilidades motoras ou sensoriais


e que é chamada de “hábitos”. Exemplos típicos são as memórias de como
andar de bicicleta, nadar, saltar, soletrar. É difícil “declarar” que se possui tais
memórias; para demonstrar que as tem, deve-se andar de bicicleta, nadar,
saltar e soletrar.

Podemos dividir ambos os tipos de memória em explícitas e implícitas.


As memórias de procedimento são em geral adquiridas de maneira implícita,
mais ou menos automática e sem que o sujeito perceba de forma clara que
está aprendendo: resulta difícil, senão impossível, descrever coerentemente (e,
portanto, tornar explícito) cada passo da aquisição da capacidade de andar de
bicicleta. Muitas das memórias semânticas também são adquiridas de maneira
inconsciente como, por exemplo, a língua materna. As memórias adquiridas
sem se perceber denominam-se implícitas. As memórias adquiridas com plena
intervenção da consciência são chamadas explícitas.
33

Tanto as memórias episódicas como as semânticas requerem, para seu


correto funcionamento, quer na aquisição, quer na formação ou na evocação,
uma boa memória de trabalho e, portanto, um bom funcionamento do córtex
pré-frontal.

2.1.3 O PRIMING (MEMÓRIA ADQUIRIDA E EVOCADA POR


MEIO DE “DICAS”)

Muitos autores consideram a memória evocada por meios de “dicas”


(fragmentos de uma imagem, a primeira palavra de uma poesia, certos gestos,
odores ou sons) como distintas dos demais tipos de memórias mencionados
(Izquierdo, 2008). Em inglês esse tipo de memória é chamada priming, palavra
para a qual não existe uma boa tradução em português. Alguns utilizam a
palavra “dicas”, mas ela não diz exatamente a mesma coisa.

O priming é notoriamente utilizado por atores, alunos, declamadores,


músicos e cantores. Assim, muitas vezes, um homem só lembra a localização
de um determinado edifício, por exemplo, quando vira uma esquina anterior a
ele. Um músico só lembra o resto de uma partitura quando executa ou ouve as
primeiras notas. Um rato ou um camundongo só lembra o tramo final de um
labirinto quando percorre o tramo imediatamente precedente.

Para muitos, a existência do priming implica o fato de que muitas


memórias semânticas, episódicas ou procedurais são adquiridas originalmente
de duas maneiras paralelas: uma envolvendo conjuntos relativamente grandes
de estímulos (o mapa de um bairro, longos segmentos de uma partitura, a
forma geral de um labirinto) e a outra utilizando só fragmentos desse conjunto
(uma esquina, quatro notas musicais, uns poucos centímetros de um corredor
de um labirinto).

O priming é um fenômeno essencialmente neocortical. Participam dele


o córtex pré-frontal e as áreas associativas. Os pacientes com lesões corticais
extensas evidenciam déficits deste tipo de memória: Requerem mais
34

fragmentos do desenho de um avião, por exemplo, para lembrar que


representa um avião.

2.1.5 MEMÓRIA DE LONGA DURAÇÃO, MEMÓRIA DE CURTA


DURAÇÃO E MEMÓRIA REMOTA

As memórias também podem ser classificadas pelo tempo que duram.


Fora da memória de trabalho, as memórias explícitas podem durar alguns
minutos ou horas ou alguns dias ou meses ou muitas décadas. As memórias
implícitas geralmente duram toda a vida.

2.1.5.1 MEMÓRIA DE LONGA DURAÇÃO

As memórias declarativas de longa duração levam tempo para ser


consolidadas. Nas primeiras horas após sua aquisição, são lábeis e suscetíveis
à interferência numerosos fatores, desde traumatismos craneanos ou eletro
choques convulsivos, até uma variedade enorme de drogas ou mesmo a
ocorrência de outras memórias (Izquierdo, 2008). O processo que leva à sua
fixação definitiva da maneira em que mais tarde poderão ser evocadas nos dias
ou anos seguintes denomina-se consolidação, que envolvem principalmente o
hipocampo e suas conexões.

2.1.5.2 MEMÓRIA DE CURTA DURAÇÃO

Convencionou-se denominar memória de curta duração aquela que dura


poucas horas, justamente o tempo necessário para que as memórias de longa
duração se consolidem. Ela requer as mesmas estruturas nervosas que a de
longa duração, mas envolve mecanismos próprios e distintos (Izquierdo 2008).

A memória denominada de curta duração estende-se desde os primeiros


segundos ou minutos seguintes ao aprendizado, até 3-6 horas; quer dizer, o
tempo que a memória de longa duração leva para ser efetivamente construída
35

(Izquierdo, 2008). As bases da memória de curta duração são essencialmente


bioquímicas, e diferentes das da memória de longa duração.

A memória de curta duração depende do prévio processamento das


informações pela memória de trabalho, assim como a memória de longa
duração. A memória de trabalho, cuja principal base anatomofisiológica é o
córtex pré-frontal, precede aos outros tipos de memória e determina que tipo de
informação e quanta informação será "fixada" nos sistemas de curta e longa
duração.

O conteúdo das memórias de curta e longa duração é basicamente o


mesmo; se determinado texto ou figura é aprendido de cor, este será evocado
e não outro; tanto 1 ou 3 horas mais tarde (memória de curta duração) como no
dia seguinte, se ainda for possível lembrá-lo (memória de longa duração). Isto
indica que a informação aferente aos dois sistemas mnemônicos é a mesma, e
a resposta também, isto é, a informação aferente (os estímulos condicionados
e incondicionados) chega através das mesmas vias sensoriais, e a resposta ou
respostas correspondentes são emitidas pelas mesmas vias motoras ou
efetoras. A diferença entre os dois tipos de memória (de curta e de longa
duração), que faz com que sejam sensíveis a diferentes tratamentos e
respondam processos distintos, não reside no input (a percepção e a análise
do texto ou a figura) nem no output (a evocação do texto ou da figura e seu
significado).

A diferença entre as memórias de curta e longa duração reside não em


seu conteúdo cognitivo que é o mesmo, mas sim nos mecanismos subjacentes
a cada uma delas. Elas não são partes de um mesmo processo, mas sim duas
séries de processos paralelos e independentes.

O papel da memória de curta duração é, basicamente, o de manter o


indivíduo em condições de responder através de uma cópia de memória
principal, enquanto está ainda não tenha sido formada. Para isso, a memória
de curta duração não sofre extinção ao longo das 4-6 horas em que se pode
estimar sua duração máxima; a partir deste intervalo, ela passa a ser
36

gradativamente substituída pela memória de longa duração.

A memória de curta duração é bastante resistente a muitos dos agentes


que afetam os mecanismos da consolidação da memória de longa duração.

2.1.5.3 MEMÓRIAS REMOTAS

A memória de longa duração que duram muitos meses ou anos


costumam ser denominadas memórias remotas. Um rato é capaz de lembrar,
um ano depois, que, em um dado compartimento de determinada caixa,
recebeu um choque elétrico nas patas. Os ratos de laboratórios vivem pouco
mais de dois anos. Um ser humano de 70 anos é capaz de lembrar, até com
detalhes, episódios importantes de sua infância. Essas constituem memórias
remotas.

2.1.6 REFLEXOS CONDICIONADOS; MEMÓRIAS NÃO


ASSOCIATIVAS E ASSOCIATIVAS

Muitas memórias são adquiridas por meio de associação de um estímulo


com outro estímulo ou com uma resposta. Quem primeiro estabeleceu isto foi
Ivan Palov no início do século XX. Ele observou que a resposta mais comum
dos animais a qualquer estímulo ou conjunto de estímulos novos, não
dolorosos, é uma reação de orientação, que denominou “reação do `Que é
isto?`”. A reação compreende um certo grau de alerta e o direcionamento da
cabeça, dos olhos ou (se for um cachorro, por exemplo) do nariz e das orelhas
em direção à fonte do estímulo. Se o estímulo for um ambiente novo, o animal
reage com respostas exploratórias e de orientação geral. A repetição do
estímulo leva á repressão gradual da reação de orientação; isto é chamado
habituação. É a forma mais simples de aprendizado e deixa memória; esta se
revela justamente pela diminuição gradual da resposta com a repetição do
estímulo.
37

Palov (1926) estabeleceu que nos aprendizados associativos, se um


estímulo novo é pareado com outro “biologicamente significante” (doloroso,
prazenteiro) que produz invariavelmente uma resposta (fuga, salivação, por
exemplo), a resposta ao primeiro muda; fica condicionada ao pareamento.
Assim, os estímulos neutros cuja resposta muda por sua associação com
outros passaram a serem chamados estímulos condicionados, e a resposta
nova a esse estímulo, resposta condicionada. Os estímulos biologicamente
significantes, que sempre evocam uma resposta, passaram a ser chamados
estímulos incondicionados, porque a sua resposta não dependem de nenhum
outro. As respostas naturais aos estímulos incondicionados (salivação, fuga,
etc.) são denominadas respostas incondicionadas.

A ligação entre um estímulo e uma resposta é chamada reflexo. O


desenvolvimento de uma resposta condicionada a um estímulo originalmente
neutro, que sozinho não a produzia, chama-se reflexo condicionado. De uma
maneira ou outra, é possível conceber todas as formas de aprendizado
associativo como reflexos, condicionados de um ou outro tipo. Há uma variante
importante dos reflexos condicionados em que o animal aprende a fazer ou
omitir uma resposta condicionada para obter ou evitar o estímulo condicionado;
em outras palavras, utiliza sua resposta condicionada como um instrumento.
Esse tipo de aprendizado denomina-se instrumental e é extraordinariamente
comum e de grande valor adaptativo. Foi descoberto independentemente pelo
polonês Jerzy Konorski e pelo estadunidense Skinner em 1937. Exemplos do
dia-a-dia são a série de atos que os animais e os humanos fazem para obter
uma recompensa como, por exemplo, um prato de comida; ou os que se faz ou
se omite para evitar um castigo, por exemplo, um choque elétrico. Chamar o
garçom em um restaurante para que nos traga comida é um reflexo
condicionado instrumental. O chora das crianças para que a mãe lhes dê leite,
também. Evitar colocar os dedos na tomada para não sofrer um choque elétrico
é outro. Atravessar a rua para não dar de frente com uma pessoa desagradável
é mais um exemplo de reflexo condicional instrumental.

Uma vez estabelecido um reflexo condicionado pavloviano ou um reflexo


38

condicionado instrumental, a apresentação reiterada do estímulo condicionado


sem seu “reforço”, acontecerá a extinção da memória. Por exemplo, se com
choro não se consegue leite, ou se atravessando a rua não se livra da pessoa
desagradável que se queria evitar, se deixa de chorar e de atravessar a rua.

A extinção é, assim, um fenômeno semelhante à habituação: perante a


repetição de um estímulo condicionado, se deixa de emitir a resposta
correspondente. Na habituação se para de responder, porque isto não é
necessário: o estímulo nunca é pareado com outro. Na extinção, se para de
responder, porque isto já não é mais necessário: o estímulo condicionado não
vem mais.

A habituação é claramente um tipo de aprendizado e memória não-


associativo: resulta da simples repetição de um estímulo, sem associá-lo com
nenhum outro. A extinção é vista por muitos como resultado de um novo
pareamento: em vez de estímulo condicionado/estímulo incondicionado, a
extinção associa o primeiro com a recém-aprendida ausência do segundo

2.1.7 ESQUECIMENTO

Pode-se afirmar com certeza que se esquece a imensa maioria das


informações que alguma vez foram armazenadas. Isso se aplica à totalidade
das informações que passam pela memória de trabalho, mas também acontece
com os restos das memórias, as que formam arquivos.

Conserva-se só uma fração de toda informação que passa pela memória


de trabalho; e uma fração menor ainda de tudo aquilo que eventualmente é
conservado por um tempo nas memórias de curta e de longa duração. As
memórias remotas são, às vezes, intensas e, quase sempre, valiosas; porém
representam tão só uma pequena parte de tudo aquilo que alguma vez foi
aprendido e lembrado.

O fenômeno do esquecimento é fisiológico e desempenha um papel


adaptativo. A vida social de uma pessoa, de fato seria impossível se todos os
39

detalhes de sua interação com todas as pessoas, e de todas as impressões de


cada uma dessas interações fossem lembradas.

Ao contrário do esquecimento, a habituação e a extinção são


supressões reversíveis da evocação. Uma memória habituada ou extinta não
está realmente esquecida: está, pelo contrário, suprimida no que diz respeito à
sua expressão. Um aumento da intensidade do estímulo reverte a habituação;
uma nova apresentação do estímulo condicionado reverte a extinção.

2.2 MODULAÇÃO DA AQUISIÇÃO E DAS FASES INICIAIS DA


CONSOLIDAÇÃO DA MEMÓRIA DE LONGA DURAÇÃO

Muitos acontecimentos da vida são carregados de emoção, tanto no


momento em que acontecem quanto na recordação dessas vivências: o
primeiro beijo, o dia do casamento, o nascimento de filhos. Cada detalhe
desses eventos marcantes pode estar gravado a fogo na mente da pessoa
dependendo da vivência dela em cada momento, ainda que ela não possa
lembrar de absolutamente nada do que aconteceu nas 24 horas antes do fato.

Todos possuem memórias conscientes de experiências emocionais


estimulantes, memórias duradouras, marcantes por sua diversidade, duração e
detalhes. Desta forma, sabe-se que experiência de cada um atesta a
importância das emoções para a recordação de acontecimentos cotidianos.
Tem-se como certo que acontecimentos com forte carga afetiva são mais bem
lembrados do que os emocionalmente neutros, (Porto, 2006).

Os estados de ânimo, as emoções, o nível de alerta, a ansiedade e o


estresse modulam fortemente as memórias. Em uma sala de aula, um aluno
estressado ou pouco alerta não forma corretamente memórias. Um aluno que é
submetido a um nível alto de ansiedade depois de uma aula pode esquecer
aquilo que aprendeu. Um aluno estressado, na hora de evocação (em uma
prova, por exemplo), apresenta dificuldades para evocar. Isso se deve à
operação de vários sistemas moduladores, cuja natureza e modo de ação hoje
são bem conhecidos.
40

A modulação da aquisição e das fases iniciais da consolidação ocorre


basicamente ao mesmo tempo, e é difícil distinguir uma da outra. Ela envolve
dois aspectos: 1) distingue as memórias com maior carga emocional das
demais e faz com que as primeiras sejam mais bem gravadas; 2) em
determinadas circunstâncias, acrescenta informação neuro-hormonal ao
conteúdo das memórias.

O núcleo-chave na modulação das fases iniciais da consolidação é a


amígdala. Essa região envia fibras ao córtex entorrinal e diretamente ao
hipocampo, através das quais processa seu papel modulador. A amígdala
responde a numerosos estímulos periféricos tanto sensoriais como hormonais
e vegetativos. As vias correspondentes atingem essa estrutura através de
sinapses no córtex entorrinal (Izquierdo 2008). O córtex entorrinal pode, assim,
ser visto como um grande “filtro” e processador intermediário de informação
que é dirigida: a) ao hipocampo para seu processamento em termos de
consolidação de memória de curta ou de longa duração, e/ou de evocação; b) à
amígdala para sua análise em termos de nível de alerta ou de emoção.

A amígdala utiliza para seu papel modulatório sinapses colinérgicas,


provenientes do núcleo basal de Meynert, e β-noradrenérgicas, feitas por fibras
provenientes do locus ceruleus. Estes sistemas são ativados pelo nível de
alerta do indivíduo (maior nível de alerta, maior ativação) e pela capacidade de
provocar aversão dos estímulos externos ou internos. Neste último aspecto
provavelmente predomina a utilização de sinapses β-noradrenegéticas
(Izquierdo 2008). Há também terminações dopaminergéticas e
serotoninergéticas na amígdala: estas estão envolvidas na percepção da
ansiedade e na geração de respostas para a mesma.

Sabe-se que o alerta, a ansiedade e o estresse são acompanhados de


um aumento do tônus simpático, que acarreta uma liberação de noradrenalina
das terminações dos nervos simpáticos para o sangue. Sabe-se também que o
alerta, a ansiedade e o estresse causam a liberação de hormônio
adrenocorticotrófico (ACTH) pela hipófise anterior, de glucocorticóides, pelo
41

córtex supra-renal, de adrenalina pela medula da supra-renal e de


vasopressina pela hipófise posterior. O nível sangüíneo destas substâncias
correlaciona-se com o estado do sujeito. Assim, aumenta à medida que o alerta
aumenta e se confunde já com um grau moderado de ansiedade, continua
aumentando à medida que a ansiedade cresce, até o ponto de se confundir
com o estresse, e aumenta ainda mais à medida que o estresse se intensifica.
O efeito de todas estas substâncias na aquisição ou na fase inicial da
consolidação (primeiros 5-10 minutos) é aumentá-la até certo nível, e, a partir
deste, quando a ansiedade é intensa e começa o que se pode denominar
estresse, o de diminuir a consolidação. Existe, portanto, um efeito modulador
com uma curva U invertida, denominada curva de Yerkes-Dodson (figura 4) em
homenagem aos autores que primeiro descreveram a modulação das
memórias pela ansiedade e o estresse.

Figura 4 - Curva de Yerkes-Dodson: o eixo vertical representa o nível de consolidação ou evocação; o


eixo horizontal representa o nível de ansiedade ou estresse ou o nível dos "hormônios do estresse" após
sua liberação endógena ou sua administração ao sujeito. As funções mnemônicas requerem um certo
nível de ansiedade ou estresse para seu correto desempenho, mas falham se esse nível for muito alto.

Os hormônios mencionados são denominados por muitos de “hormônios


do estresse” embora sua liberação acompanhe não só o estresse, mas também
níveis menores de ativação nervosa generalizada: o alerta e a ansiedade
(Izquierdo 2008).
42

O papel da amígdala é crucial nas memórias de eventos de alto


conteúdo emocional, de aversão ou não. Os indivíduos com lesões na
amígdala são incapazes de lembrar corretamente os aspectos mais
emocionantes de textos ou de cenas presenciadas. A região da amígdala
apresenta, em sujeitos normais, uma hiperativação quando estes são
submetidos a textos ou cenas emocionantes ou capazes de produzir um maior
grau de alerta. Por último, é conhecido o fato de que efetivamente lembramo-
nos melhor das memórias com alto conteúdo emocional. Porém, a recordação
desses eventos não é perfeita, pois sempre há um grau de extinção.

2.3 CODIFICAÇÃO, CONSOLIDAÇÃO E RECUPERAÇÃO

Os neurocientistas cognitivos têm procurado revelar como os eventos


emocionais são aprendidos (fase de codificação), guardados (fase de
consolidação) e lembrados (fase de recuperação) no cérebro humano. Esses
estudos envolvem a organização da memória emocional nos seus dois
sistemas, implícito e explícito.

2.3.1 CODIFICAÇÃO

Em estudos observou-se que pessoas que ouvem histórias com uma


passagem particularmente emocionante se lembram mais dos componentes
emocionais da trama do que as que ouvem uma história uniformemente
desinteressante (Pôrto, 2006). Outros estudos mostram que o alto alerta seria o
fator primordial para a recordação mais acentuada de eventos emocionais, e
ainda outros consideram o prazer (ou valência) um fator também importante
para a memória emocional (Pôrto, 2006).

Na etapa de codificação da memória observa-se que o nível de alerta


provoca um estreitamento atencional, isto é, um direcionamento da atenção
para um foco específico – a informação central da experiência emocional..
Desta forma, os detalhes da situação são preteridos em função da melhor
retenção de informações relevantes, o que é considerado um processo
adaptativo para o indivíduo.
43

2.3.2 CONSOLIDAÇÃO

Estudos comportamentais em adultos saudáveis têm demonstrado que


as vantagens ocasionadas pela emoção na memória são, muitas vezes,
aumentadas com o passar do tempo. Por exemplo, vantagens na retenção de
palavras emocionalmente alertantes em relação às neutras são maiores
quando a memória é testada após longos (uma hora a um dia), ao invés de
curtos (imediatos) períodos de intervalo (Pôrto, 2006). Estas observações
propiciam evidências de que o alerta emocional beneficia a memória em parte
pela facilitação dos processos de consolidação, os quais necessitam de tempo
para ocorrer.

2.3.3 RECUPERAÇÃO

A possibilidade de aumentar a recuperação de informação está, em


parte, relacionada às emoções previamente experienciadas. Em humanos,
poucos estudos de neuroimagem têm focado a fase de recuperação da
memória emocional episódica. Um deles demonstrou que as regiões cerebrais
envolvidas neste processo, o lobo temporal e a amígdala, refletem não apenas
os atributos físicos dos estímulos, como por exemplo, suas qualidades verbais
ou visuais, mas também seu significado afetivo (Pôrto, 2006).

Outro estudo concluiu que a amígdala, o hipocampo e o córtex entorrinal


estão envolvidos na medido do sucesso de recordação aumentada para as
figuras emocionais em relação às neutras.

Os estudos demonstraram que as interações funcionais entre a


amígdala e o sistema de memória do lobo temporal medial aumentam o
sucesso na fase de recordação das mais remotas memórias emocionais,
particularmente aquelas recuperadas com o senso de recordação, não sendo
limitadas às fases de codificação e consolidação da memória.
44

CAPÍTULO III – ESTRATÉGIAS PARA UM


MELHOR DO APRENDIZADO EM SALA DE AULA

“Os estímulos externos que causam as reações


emocionais e o significado que se dá a essas reações
são a maneira pela qual o ser humano expressa o
resultado da aprendizagem”. (Relvas, 2010)

Os pesquisadores da neurociência cognitiva descobriram uma mistura


de fatores (Sprenger, 2008) que podem conduzir com sucesso à aprendizagem
de novas tarefas e conceitos, além de acessar níveis mais elevados de
pensamento.

Os sete passos que serão descritos abaixo, incorporam esses fatores e


conduzem a uma aprendizagem para a memória. São eles: atingir, refletir,
recodificar, reforçar, treinar, rever e recuperar.

3.1 - 1º PASSO – ATINGIR

Os alunos não são mais passivos no processo de aprendizagem. A


aprendizagem pela descoberta, pela resolução de problemas, a aprendizagem
baseada em projetos e a aprendizagem pela indagação encontraram seu lugar
nas escolas de hoje. Para qualquer informação ser armazenada no cérebro, ela
deve ter um significado. Por isso cabe considerar a importância da atenção, da
motivação, dos estilos de aprendizagem, da emoção.

O que é atenção? Atenção é o processo cognitivo que permite que se


controle os estímulos irrelevantes, percebendo apenas os importantes.
Sprenger divide a atenção em cinco tipos: sustentada, dirigida, seletiva,
dividida e focalizada. A atenção sustentada envolve a concentração durante um
longo período de tempo. A atenção dirigida ocorre quando se seleciona
conscientemente um estímulo particular, dentre muitos outros que estejam
45

bombardeando o ambiente. A atenção seletiva envolve concentrar-se em um


estímulo particular por uma razão pessoal ou sensata. A atenção dividida
ocorre quando rapidamente se desloca o foco de um estímulo para outro. A
atenção focalizada é a atenção dirigida a um aspecto específico de um
estímulo. A atenção é necessária para o pensamento. O cérebro escaneia o
ambiente, selecionando por meio de mensagens sensoriais para encontrar algo
em que prestar atenção.

A motivação é uma necessidade, um desejo que faz uma pessoa agir.


Existe a motivação intrínseca, que vem de dentro; um desejo ou necessidade
que o cérebro determina que seja importante. Quando se está intrinsecamente
motivado, neurotransmissores como a dopamina são liberados no cérebro
(Sprenger 2008). Esses mesmos neurotransmissores são também liberados
quando o objetivo é atingido. A dopamina, o prazer químico, faz desejar
conseguir de novo para repetir a boa sensação.

A motivação extrínseca está associada à recompensa e punição. Alguns


pesquisadores acreditam que motivadores extrínsecos mudam o cérebro e
deslocam a meta de atingir o objetivo para conseguir alguma recompensa
tangível ou evitar uma punição (Sprenger, 2008). A preocupação é que receber
recompensa faz com que a dopamina seja liberada, o que treina o cérebro a ter
boas sensações em relação à recompensa em oposição à realização.

Antes que o cérebro possa se concentrar, algumas necessidades


precisam estar satisfeitas; inicialmente as necessidades fisiológicas, em
seguida a insegurança, a inserção, a estima e finalmente a auto-realização
(Sprenger, 2008).

Por necessidades fisiológicas entendem-se as exigências básicas de


sobrevivência: alimento, água, abrigo e vestuário. Se um aluno está com fome,
esta será sempre a sua necessidade básica e nenhum foco atrairá a sua
atenção sem que essa necessidade seja satisfeita. Necessidade de segurança
significa estar livre de ameaças. A sensação de estar inserido e ser amado é
quando o aluno mantém bom relacionamento com seu professor e com os
46

colegas, tem neurotransmissores como a serotonina e a dopamina liberadas no


cérebro e isto faz com que se sinta motivado bem e motivado. A auto-estima ou
auto-respeito, a realização e o sucesso, assim como uma boa reputação,
fazem com que o aluno se sinta valorizado, esforçando-se mais e se sentindo
mais motivado. Por fim, a auto-realização, que é definida como a capacidade
de se tornar aquilo para o qual se é adequado.

Oferecer escolhas aos alunos que respondam às suas necessidades de


poder e liberdade, fará com que se sintam bem sobre o que estão fazendo, e
com isso torná-los interessados e atentos.

A motivação do aluno é uma competência adquirida, desenvolvida por


meio da experiência geral (Almeida, 2003) mas estimulado pelo exemplo, pela
comunicação de expectativas e pela instrução direta ou socialização por parte
de outras pessoas importantes.

Existem algumas maneiras de se atrair os alunos para as aulas; usar


músicas adequadas aos temas trabalhados, começar a aula com uma história
pessoal ou curiosa; levar os alunos a participar ativamente da escolha do tema
da aula. Os neurotransmissores excitatórios são liberados quando o aluno se
sente excitado. A norepinefrina inicia uma cascata de reações químicas que
aumentam a intensidade e a percepção da experiência (Almeida, 2003).

As pessoas têm maneiras diferentes de aprender. Algumas são


aprendizes visuais, alguns auditivos e outros cinestésicos ou táteis. Os
aprendizes visuais ficam impressionados com os indicadores gráficos, as
transparências suspensas, e talvez até com o livro didático. Os aprendizes
auditivos precisam falar tanto quanto gostam de ouvir. As informações, para
eles, tornam-se reais pela discussão. Para atingi-los inicialmente, música ou
debate podem ser fundamentais. Para os aprendizes cinestésicos ou táteis, o
movimento é inevitável e por isso, o movimento controlado é sempre preferido.
Para conseguir atrair sua atenção, pode ser útil uma atividade que lhes permita
representar, criar um conceito ou trabalhar com tecnologia, como um
computador, por exemplo.
47

3.2 - 2º PASSO – REFLETIR

A reflexão não será apenas o segundo passo desse processo de


aprendizagem para a memória, mas será usada durante todo o processo. A
reflexão é uma forma de treino. A capacidade para refletir criticamente sobre a
própria experiência e combinar essa experiência com o conhecimento prévio, é
essencial para extrair as informações da memória imediata e processá-la na
memória de trabalho ativa.

Sprenger identifica três estágios no processo reflexivo. Uma consciência


de sentimentos desconfortáveis é seguida por uma análise crítica da situação
e, finalmente, do desenvolvimento de uma nova perspectiva relacionada à
situação. O tempo de reflexão não é o que muitos chamam de tempo ocioso. O
“tempo ocioso” refere-se ao momento do dia em que o cérebro tem menor
probabilidade de receber informações. A reflexão, ao contrário, ocorre nas
aulas e nas escolas durante todo o ano letivo.

O consenso é que a reflexão pode e deve ser ensinada. Uma tarefa de


reflexão requer cinco áreas.

- Fisiológica. O cérebro literalmente “acende” com a atividade quando a pessoa


reflete. Quanto mais novo o nível de reflexão, mais atividade está presente.

- Social. A reflexão promove a experiência social quando o cérebro procura


outros cérebros.

- Emocional. A avaliação é parte do processo reflexivo; para valorizar algo


digno da sua reflexão, a emoção deve estar envolvida.

- Construtiva. O conhecimento é construído durante o processo reflexivo.


Novos padrões de pensamento devem ser reunidos e antigos padrões
recuperados.

- Disposicional. A partir desses novos padrões podem ser formados hábitos.

Alguns alunos podem refletir e analisar em excesso, motivo porque os


limites de tempo são importantes para essas sessões. Seja qual for a prática
48

que se use para a reflexão dos alunos, é importante ter-se em mente que está
proporcionando ao cérebro tempo para fazer associações.

3.3 - 3º PASSO – RECODIFICAR

Recodificar é a capacidade de extrair informações de diferentes fontes e


gerá-las na sua própria linguagem. Os alunos que encontram problemas para
recodificar, estão experimentando problemas na memória a curto prazo. A
maioria dos especialistas em memória sugere que a organização é a chave
para uma boa memória (Sprenger, 2008). Dispor sistematicamente as
informações de acordo com critérios, formando grupos, padrões e outras
estruturas de uma maneira eficiente, pode fazer a diferença entre o sucesso e
o fracasso com a armazenagem e a recuperação de informações. A
experiência da recodificação vai oferecer aos alunos estratégias, às vezes
chamadas modelos mentais ou esquemas, que serão úteis em muitas
situações (Lima, 2007).

O processo de recodificação proporciona ao cérebro tempo e


oportunidade para começar a fazer conexões. Quando os alunos conseguem
apresentar fatos, conceitos e procedimentos, com suas próprias palavras, têm
início a “posse” do material. Essa oportunidade para manipular novo
conhecimento na memória de trabalho é o início do estabelecimento de
conexões neurais no cérebro que, se forem precisas, serão exercitadas para se
tornarem memórias de longo prazo.

3.4 - 4º PASSO – REFORÇAR

O reforço proporciona tempo na memória de trabalho para que se façam


as mudanças necessárias. O feedback ocorre em muitas estruturas e a partir
de muitas fontes diferentes. Os alunos recebem feedback do professor, dos
colegas, e até de si mesmos. Sprenger (2008) descreve três tipos de feedback:
motivacional, para acelerar a memória, informacional que proporciona aos
49

alunos uma maneira de medir o progresso e desenvolvimental, para ajudar


aqueles alunos que não estão tendo um bom desempenho. Cada um desses
tipos é útil na sala de aula e ajuda o reforço.

O cérebro de todo o ser humano quer que ele se sinta seguro e feliz; a
sobrevivência está na frente de tudo o que se faz. Os sistemas emocionais
para o medo e para o prazer estão envolvidos quando a memória de trabalho
manipula as informações e solicita reforço.

3.5 - 5º PASSO – TREINAR

Para chegar à memória de longo prazo, a informação precisa ser


repetida e elaborada de muitas maneiras para serem armazenadas em muitas
áreas do cérebro.

As informações que entram na memória imediata são rapidamente


perdidas, a menos que, de algum modo, sejam manipuladas. O treinamento,
uma forma dessa manipulação mental, pode ser de dois tipos: rotineiro e
elaborativo. O treinamento rotineiro é eficaz quando as informações são
usadas no mesmo formato ou esquema do treinamento (Sprenger, 2008). O
treinamento elaborativo é mais útil quando se ensina informações semânticas,
porque se baseia em criar significado, sendo mais memoráveis e permitindo,
por isso, que o aluno faça conexões com informações que já podem ser
armazenadas. (Sprenger, 2008).

Aprender algo não é o bastante para atingir a memória e a transferência.


Os alunos que praticam treinamento têm uma pontuação 21% e 44% mais
elevada nos testes padronizados do que os alunos que não praticam (Almeida,
2003). Esse resultado faz sentido, é claro, porque as memórias de longo prazo
são redes de neurônios que foram fortalecidas pela repetição. Logo, é
necessário que os alunos pratiquem até a perfeição para garantir que as
conexões da memória sejam permanentes (Almeida, 2003).
50

3.5.1 TÉCNICAS MNEMÔNICAS

As técnicas mnemônicas para melhorar a memória são baseadas em


vincular o que precisa ser aprendido com o que já se conhece, colocando as
informações em muitos caminhos, adicionando atenção e interesse ao que está
sendo ensinado, bem como armazenar com “dicas” para facilitar encontrar a
informação. É proveitoso usar recursos mnemônicos para informações factuais
que precisarão ser lembradas, mas como as não significativas, não
acrescentam valor à informação. (Lima, 2007). Para o entendimento conceitual,
é mais indicado um treinamento elaborativo com maior significação.

Expandir conexões para o conhecimento conceitual, procedural e factual


é tarefa do treinamento. Espaçando as oportunidades para o treinamento,
usando caminhos múltiplos da memória, os alunos têm oportunidade de
melhorar o processo de memorização. Os quatro primeiros passos no ensino
da memória proporcionam ao cérebro o conhecimento e o entendimento da
memória de trabalho. Esse quinto passo, o treinamento, permite a ocorrência
de mudanças permanentes no cérebro. Conexões neurais sólidas podem ser
feitas de maneira a aumentar a possibilidade de transferência. Se as
informações puderem ser armazenadas em todos os caminhos da memória,
elas poderão mais facilmente ser acessadas.

3.6 - 6º PASSO – REVER

A revisão é uma reconsideração da aprendizagem. Sem revisão,


informações importantes podem ser perdidas. A revisão de informações
factuais pode ser uma questão de reorganização. Lembrar que se está
extraindo informações da memória de longo prazo, colocá-las na memória de
trabalho, examiná-las para assegurar sua acurácia e aproveitar uma
oportunidade talvez para reorganizá-las para melhorar a transferência. Para
qualquer revisão, é indispensável:

- Corresponder a revisão à instrução e à avaliação;


51

- Verificar a precisão da memória;

- Dar aos alunos as condições para usarem habilidades de pensamento de


nível mais elevado para analisar, avaliar e possivelmente criar maneiras
alternativas de usar o conhecimento;

- Fortalecer as redes existentes;

- Eliminar o preparo apressado.

A informação conceitual necessita de uma revisão mais abrangente. O


mapa da mente, por exemplo, mapas de conceitos anotações e listas de
verificações. Qualquer conexão emocional que os alunos possam ter, deve ser
incluída na revisão. Se os alunos foram atingidos pelo caminho emocional
quando foi introduzido o conhecimento, isso deve ser lembrado durante a
revisão. Qualquer momento emocional durante as aulas em que houve riso,
excitação ou tristeza pode desencadear memórias. Toda a vez que a pessoa
lembra-se de algo, está “revendo” isso. O passo da revisão é a oportunidade de
os alunos “chamarem” as suas memórias. Ensinar para criar memórias
acessíveis é um processo contínuo de armazenamento, recuperação das
informações e armazenamento de novo.

3.7 - 7º PASSO – RECUPERAR

A recuperação da memória, em sua forma mais universal, é a


capacidade para trazer à mente um evento passado ou um conhecimento
anterior. Muitas vezes ela é chamada de memória declarativa, porque podemos
declará-la. Quando se deseja lembrar, pretendendo reter a informação para um
resultado posterior, aumenta a possibilidade de se ter uma memória duradoura.
Assim “a memória parece ficar armazenada na mesma reunião distribuída nas
estruturas cerebrais que estão envolvidas na percepção e no processamento

inicial do que deve ser lembrado" (Sprenger, 2008).

É a recuperação das memórias de longo prazo na memória de trabalho


que nos permite fazer novas conexões. Os entendimentos conceituais e os
52

procedurais podem, então, ser reaplicados em circunstâncias novas e in


comuns. Cada vez que alguém recupera memórias, ela reconstrói e revê.

A recuperação da informação pode depender de vários fatores: o


número de treinamentos, o espaçamento das revisões, a profundidade do
entendimento, o tempo para a reflexão e o tipo e a quantidade de reforço.

3.8 METACOGNIÇÃO

Quando os alunos começam a descobrir como aprendem e como


lembram, passam a refletir sobre esses processos e se tornam, assim,
metacognitivos. A metacognição envolve duas fases. A primeira é o
conhecimento sobre a cognição ou pensar sobre o próprio pensamento. A
segunda é a monitoração e a regulação dos processos cognitivos (Lima, 2007).
Essas duas fases desempenham um papel vital na aprendizagem do aluno. A
prática de refletir sobre o que se sabe, o que não se sabe, e como melhor
aprender o que não se sabe, vai conduzir o indivíduo a processar informações
no nível apropriado. O objetivo deverá ser sempre solidificar memórias, para a
armazenagem de longo prazo e a transferência. Quando o aluno conhece seus
próprios processos de memória e seus pontos fortes, conseguirá perceber o
que precisa fazer em seguida.
53

CONCLUSÃO
"Ensinar é fundamentalmente aprender. Aprender é
enfrentar o desafio da vinculação da emoção com a
razão no processo de conhecer e, além disso, enfrentar
o desafio de criar recursos, instrumentos, estratégias
táticas e operacionais que mobilizem no educando sua
emoção em paralelo com sua razão." (Relvas, 2009)

A memória e a aprendizagem estão intimamente relacionadas, são


processos complementares. Não há aprendizagem sem memória e uma
atividade cerebral minimamente estruturada. A memória é a base de todo o
saber, e, por que não dizer, de toda a existência humana, desde o nascimento.
Como tal, deve ser trabalhada e estimulada. "É ela que dá significado ao
cotidiano e nos permite acumular experiências para utilizar durante toda a
vida", afirma a psicóloga e antropóloga Elvira Souza Lima, especialista em
desenvolvimento humano.

Nos últimos 20 anos, a neurociência avançou muito nas descobertas


sobre o funcionamento do cérebro. Hoje se sabe o que acontece quando ele
está captando, analisando e transformando estímulos em conhecimento e o
que ocorre nas células nervosas quando elas são requisitadas a se lembrar do
que já foi aprendido. Estão provadas, por exemplo, as vantagens de
estabelecer ligações com o conhecimento prévio do aluno ao introduzir um
novo assunto e de trabalhar também a emoção em sala de aula.

O cérebro responde positivamente a essas situações, ajudando a fixar


não somente fatos, mas também conceitos e procedimentos. Quando assiste a
uma aula, o estudante recebe informações de todo tipo, tanto visuais como
auditivas. Elas se transformam em estímulos para o cérebro e circulam pelo
córtex cerebral antes de serem arquivadas ou descartadas. Sempre que
encontram um arquivo já formado (o tal conhecimento prévio), arrumam um
"gancho" para o seu armazenamento, fazendo com que, no futuro, ela seja
resgatada mais facilmente. "É como se o recém- chegado fosse morar em uma
54

nova casa, mas em rua conhecida", ilustra Elvira Lima. Quando essa
informação é resgatada da memória, trilha os mais variados caminhos. Se eles
já tiverem sido percorridos anteriormente, a recuperação de conhecimentos
será simples e rápida. “(Lima, 2003).

Construindo uma ponte entre as incríveis descobertas da Ciência e do

Cérebro, torna-se possível desenvolver um ensino cuja proposta seja: montar


ambientes escolares alegres, seguros, ricos de estímulos; respeitar diferentes
estilos de aprendizagem; valorizar as inteligências múltiplas, com destaque
para o aprender emocional e moral; estabelecer altas expectativas de
desempenho; promover uma aprendizagem ativa contextualizada, via imersão
em experiências significativas, ao redor de temáticas e projetos; resolução de
problemas reais relevantes para a vida; apresentar novidades e histórias;
efetivar feedback acurado, imediato e avaliação.
55

BIBLIOGRAFIA
Almeida, Ana Rita Silva. A emoção na sala de aula. 3ª Ed. São Paulo. Ed.
Papirus, 2003.

Guyton, Arthur C. Neurociência Básica. Anatomia e Fisiologia. 2ª ed. Rio de


Janeiro: Ed. Guanabara Koogan Ltda., 1993.

Izquierdo, Ivan. Memória. 1ª ed. Porto Alegre: Ed. Artmed, 2008.

Izquierdo, Ivan. A arte de esquecer. 3ª ed. Rio de Janeiro: Ed. Vieira e Lent,
2007.

Lima, Elvira Souza. Neurociência e Aprendizagem. 1ª ed. São Paulo. Ed.


Inter Alia, 2007.

Machado, Ângelo. Neuroanatomia Funcional. 2ª ed. São Paulo. Ed.


Atheneus, 2006.

Porto, Weyler Galvão. Emoção e Memória. 1ª ed. São Paulo. Editora Artes
Médicas Ltda., 2006.

Relvas, Marta Pires. Fundamentos Biológicos da Educação. Despertando


inteligências e afetividade no processo de aprendizagem. 4ª ed. Rio de
Janeiro: Wak 2009.

Relvas, Marta Pires. Neurociências e Transtornos da Aprendizagem. As


Múltiplas Eficiências para uma Educação Inclusiva. 2ª ed. Rio de Janeiro:
Wak, 2008.

Relvas, Marta Pires. Neurocência e Educação. Potencialidade dos gêneros


humanos na sala de aula. 2ª ed. Rio de Janeiro: Wak 2010.

Sprenger, Marilee. Memória. Como ensinar para o aluno lembrar. 1ª ed.


Porto Alegre: Artmed, 2008.
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ÍNDICE

AGRADECIMENTOS.........................................................................................03

DEDICATÓRIA..................................................................................................04

RESUMO...........................................................................................................05

METODOLOGIA................................................................................................06

SUMÁRIO..........................................................................................................07

INTRODUÇÃO...................................................................................................09

CAPÍTULO I- O CÉREBRO E AS EMOÇÕES...................................................11


1.1 - Tronco encefálico............................................................................12
1.2 - Hipotálamo......................................................................................12
1.3 - Tálamo............................................................................................13
1.4 - Área pré-frontal...............................................................................13
1.5 - Sistema Límbico..............................................................................16
1.5.1 - Componentes corticais......................................................17
1.5.1.1 - Giro do Cíngulo....................................................17
1.5.1.2 - Giro Para-hipocampal..........................................19
1.5.1.3 - Hipocampo...........................................................19
1.5.2 Componentes subcorticais..................................................20
1.5.2.1 - Amígdala..............................................................20
1.5.2.2 - Área Septal..........................................................24
1.5.2.3 - Núcleos Mamilares..............................................23
1.5.2.4 - Núcleo anterior do Tálamo..................................23
1.5.2.5 - Núcleos Habenulares..........................................24
1.6 - Conexões do sistema Límbico........................................................24
1.6.1 - Conexões intrínsecas.......................................................24
1.6.2 - Conexões extrínsecas.......................................................25
1.7 - Sistema nervoso autônomo............................................................27
57

CAPÍTULO II
INFLUÊNCIA DAS EMOÇÕES NO REGISTRO DAS MEMÓRIAS...................29
2.1 – Tipos e formas de memórias..........................................................29
2.1.1 - Memória de trabalho..........................................................29
2.1.2 - Memórias declarativas.......................................................32
2.1.3 - Memória procedural ou de procedimento..........................32
2.1.4.- O Priming...........................................................................33
2.1.5 - Memória de longa duração, memória de curta duração e
memória remota.................................................................34
2.1.5.1 - Memória de longa duração..................................34
2.1.5.2 - Memória de curta duração...................................34
2.1.5.3 - Memórias remotas...............................................36
2.1.6 - Reflexos condicionados, memórias associativas e não
associativas.......................................................................36
2.1.7. - Esquecimento...................................................................38
2.2 - Modulação da aquisição e das fases iniciais da consolidação da
memória de longa duração.............................................................39
2.3 - Codificação, consolidação e recuperação.......................................42
2.3.1 - Codificação........................................................................42
2.3.2 - Consolidação.....................................................................43
2.3.3 - Recuperação.....................................................................43

CAPÍTULO III - Estratégias para um melhor aprendizado em sala de aula.......44


3.1 - 1º passo - Atingir.............................................................................44
3.2 - 2º passo - Refletir............................................................................47
3.3 - 3º passo - Recodificar.....................................................................48
3.4 - 4º passo - Reforçar..........................................................................48
3.5 - 5º passo - Treinar............................................................................49
3.5.1 - Técnicas Mnemônicas.......................................................50
3.6 - 6º passo - Rever..............................................................................50
3.7 - 7º passo - Recuperar.......................................................................51
3.8 - Metacognição..................................................................................52

CONCLUSÃO.................................................................................................................53
BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................55

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