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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO E ARTES


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM
ESTUDOS DE CULTURA CONTEMPORÂNEA

HEIDY YILIBETH BELLO MEDINA

QUINTAIS URBANOS: LUGARES NA PAISAGEM CULTURAL EM CUIABÁ

LINHA DE PESQUISA: COMUNICAÇÃO E MEDIAÇÕES CULTURAIS

CUIABÁ – MT
2022
HEIDY YILIBETH BELLO MEDINA

QUINTAIS URBANOS: LUGARES NA PAISAGEM CULTURAL EM CUIABÁ

Tese apresentada ao Programa de Pós-


graduação em Estudos de Cultura
Contemporânea da Universidade Federal de
Mato Grosso como requisito para obtenção
do título de Doutora em Estudos de Cultura
Contemporânea na Área de Concentração
em Estudos Interdisciplinares de Cultura.
Linha de pesquisa: Comunicação e
mediações culturais

Orientador: Prof. Dr. Yuji Gushiken.

CUIABÁ – MT
2022
Dedicatória
A minha mãe. Grata pelo amor, a sabedoria e a força.
“Las ciudades, en su esencia, son secretas. Al menos para el turista. Al extranjero la ciudad se
le presenta de una manera diferente al nativo. Quizás mejor, más proteica. Tiene varios rostros.
Varias metamorfosis. Cada ciudad presenta a sus visitantes una diferente faceta. Para el
extranjero la ciudad es como un enigma. Al menos en un principio. No olvidemos que una ciudad
no se da con facilidad. Hay que convivir con ella: habitarla. Hay que descifrar sus oráculos.
Valdría la pena aclarar que si uno no se mantiene atento a su ciudad —si no la recorre o no la
camina, si no la “reconoce día a día”—termina por convertirse en extranjero de su propio
territorio. Y es muy probable que sea así en las megápolis, en las grandes urbes. Lo proteico de
la ciudad reside en su movilidad. A cada hora, a cada día las ciudades se moldean de manera
diferente.”
Vásquez Velásquez, 2002, p. 200.
"As cidades, em sua essência, são secretas. Ao menos para o turista. Ao estrangeiro a cidade se
apresenta de uma maneira diferente ao nativo. Talvez melhor, mais proteica. Tem vários rostos.
Várias metamorfoses. Cada cidade apresenta aos seus visitantes uma faceta diferente. Para o
estrangeiro a cidade é como um enigma. Pelo menos no início. Não se esqueça que uma cidade
não é fácil de encontrar. Há que conviver com ela: habitá-la. Há que decifrar seus oráculos.
Valeria a pena esclarecer que se não se mantém atento a sua cidade -se não a percorre ou não a
caminha, se não a "reconhece dia a dia"- acaba por converter-se em estrangeiro de seu próprio
território. E é muito provável que seja assim nas megalópoles, nas grandes urbes. O proteico da
cidade reside na sua mobilidade. A cada hora, a cada dia as cidades se moldam de maneira
diferente."
Vásquez Velásquez, 2002, p. 200.
AGRADECIMENTOS

A Deus. Ao Universo. Ao Amor.

A minha mãe Merceditas e minha tia Carmencita por sempre me apoiarem e quererem o
melhor para mim. A meu pai, pelo apoio. A minha avó Cecilia, pelas orações. A Catalina,
por me aconselhar sempre. A meu tio Serafín (in memoriam), pelo amor de pai. A minha
família, gratidão pelo suporte e o amor que me permitiram abraçar a experiência
inesquecível da pós-graduação no Brasil. Àqueles seres que me mostram que os amigos
são casa e abrigo.

Ao meu orientador, Prof. Dr. Yuji Gushiken, gratidão pelo carinho para me guiar e por
estar sempre prestes a mostrar que aquilo mais banal é relevante na construção dos
lugares. Minha profunda admiração.

Ao Prof. Dr. Helsio Amiro Motany de Albuquerque Azevedo, Profa. Dra. Rachel Tegon
de Pinho, Prof. Dr. Carlos Eduardo Pereira dos Santos, Profa. Dra. Lucia Helena
Vendrúsculo Possari, Profa. Dra. Aline Wendpap Nunes de Siqueira e Profa. Dra. Kátia
Terezinha Pereira Ormond, pelas relevantes contribuições e pela participação na banca
de defesa desta tese.

À CAPES e à Fapemat pelo apoio financeiro e institucional que fizeram viável o


desenvolvimento desta pesquisa.

Às pessoas que abriram as portas e me permitiram entrar nos seus quintais para conhecer
as profundidades de uma paisagem singular, múltipla e afetiva.

À UFMT que me recebeu de braços abertos desde 2015.

Aos meus professores e professoras do PPG - ECCO pelo carinho e pela construção de
espaços de conhecimento nos quais percebi o mundo desde a sombra, mas principalmente
da luz, vocês são parte da beleza de estar no mundo.

A Marcelo Velasco, pela contribuição e o carinho para me orientar sobre textos, artistas
e histórias sobre os quintais. A Jhon Velásquez e Nadya Serrano, por me ajudarem
sempre.

Agradeço aos colegas de programa que amavelmente me receberam, me orientaram e ao


longo desses anos permitiram construir amizades ímpares que levarei sempre no meu
coração. Em especial a Vera Lúcia Xavier dos Santos, um presente que o doutorado me
deu.

Ao grupo de pesquisa em Comunicação e Cidade (Citicom-UFMT) pelos aprendizados e


inesquecíveis experiências.

Ao pessoal do Arquivo Público de Mato Grosso por me ajudar nessa busca de fontes e
imagens, sempre com muita amabilidade.

Aos cuiabanos e imigrantes por me mostrarem os universos mais sensíveis desta cidade
maravilhosa. Especialmente a Diana Martínez Sánchez por me indicar vários quintais.
Aos estudantes estrangeiros da UFMT que percorreram esse caminho comigo,
compartilhando vivências inesquecíveis. À “Casa Gorgona” que simbolizou nosso hábitat
e foi nosso território intersubjetivo em Cuiabá.

À Cuiabá dos ipês, das araras, dos peixes, do pequi, da farofa de banana, do lambadão,
das mangas, de São Benedito, do mais lindo pôr do sol, da alegria que me inspirou a
encontrar suas singularidades.

Gratidão!
RESUMO

Os quintais são elementos da paisagem ligados ao espaço domiciliar de algumas cidades


brasileiras como parte da mestiçagem cultural produzida após a intervenção portuguesa
no país. Além de ser reservas de vegetação, ao longo da transformação urbana em Cuiabá,
esses espaços tem adquirido formas distintas, funções diversas e vários significados para
a população e para a própria cidade. Ao ser considerado um espaço anexo da casa, os
quintais tem sido pouco valorizados, outorgando mais importância às àreas construídas,
sendo um espaço mais vivido, do que comunicado. A tese tem como objetivo
compreender a importância dos quintais na paisagem cultural de Cuiabá, Mato Grosso,
Brasil, levando em consideração três dimensões inter-relacionadas: a cidade, a casa e as
pessoas. De caráter qualitativa e em abordagem interdisciplinar, a pesquisa estabeleceu-
se na interface entre geografia cultural, comunicação urbana e antropologia urbana,
tomando como referência também os trabalhos desenvolvidos em outras disciplinas como
a etnobotânica e a arquitetura e urbanismo, para interpretar o quintal como lugar
constituinte da paisagem cultural em Cuiabá. Nesse sentido, ponderou-se o entendimento
dos quintais como uma construção social que envolve dimensões materiais e simbólicas.
Foram realizados vários procedimentos metodológicos como observação direta,
entrevista semiestruturada em dez quintais de nove bairros da cidade. Reforçando a
dimensão comunicacional do quintal na paisagem cultural da cidade, utilizaram-se
procedimentos técnicos de registro e reconstituição imagética dos quintais como
fotografias, produção de mapas e elaboração de croquis. A pesquisa permitiu organizar o
quintal cuiabano em três categorias: domésticos, coletivos e comerciais, denotando as
transformações da própria espacialidade urbana. Na expansão do perímetro urbano e na
verticalização da cidade, a presença dos quintais representa, ainda hoje, uma
singularidade numa cidade tricentenária e de origem garimpeira como Cuiabá. Os quintais
são acervos vivos da cidade que favorecem a manutenção da biodiversidade, mas também
de atividades de socialização e saberes múltiplos favoráveis no inventário cultural da
cidade. Observou-se a necessidade, na atualidade, dos quintais como lugares de cuidado
e da saúde mental e física, como foi evidenciado a partir da pandemia gerada pela Covid-
19.

Palavras-chaves: Paisagem cultural. Comunicação urbana. Quintais urbanos. Cuiabá.


ABSTRACT

Backyards are elements of the landscape linked to the home space of some Brazilian cities
as part of the cultural mixing produced after the Portuguese intervention in the country.
Besides being vegetation reserves, along the urban transformation in Cuiabá, these spaces
have acquired distinct forms, diverse functions and various meanings for the population
and for the city itself. When being considered a space next to house, backyards have been
undervalued, giving more importance to the built areas, being a more lived space, than
communicated. The thesis aims to understand the importance of backyards in the cultural
landscape of Cuiabá, Mato Grosso, Brazil, taking into account three interrelated
dimensions: the city, the house and people. Of qualitative character and in
interdisciplinary approach, the research was established in the interface between cultural
geography, urban communication and urban anthropology, taking as a reference also the
works developed in other disciplines as ethnobotanical and architecture and urbanism, to
interpret backyard as constituent place of the cultural landscape in Cuiabá. In this regard,
the understanding of backyards as a social construction involving material and symbolic
dimensions was considered. Several methodological procedures were performed, such as
direct observation, semi-structured interview in ten backyards in nine neighborhoods of
the city. Reinforcing communicational dimension of backyards in the cultural landscape
of the city, technical procedures were used to record and reconstruct imagery of the
backyards such as photographs, producing maps and drawing sketches. Research allowed
organizing cuiabano backyard in three categories: domestic, collective and commercial,
denoting the transformations of the urban spatiality itself. In the expansion of the urban
perimeter and verticalization of the city, presence of the backyards represents, even today,
a singularity in a tricentenary city and mining origin as Cuiabá. Yards are living
collections of the city that favor the maintenance of biodiversity, but also socialization
activities and multiple knowledge favorable in the cultural inventory of the city. We
observed the need, nowadays, of backyards as places of care and mental and physical
health, as evidenced by the pandemic generated by Covid-19.
Keywords: Cultural landscape. Urban communication. Urban backyards. Cuiabá.
RESUMEN

Los patios son elementos del paisaje ligados al espacio domiciliario de algunas ciudades
brasileñas como parte del mestizaje cultural producido tras la intervención portuguesa en
el país. Además de ser reservas de vegetación, a lo largo de la transformación urbana en
Cuiabá, esos espacios han adquirido formas distintas, funciones diversas y varios
significados para la población y para la propia ciudad. Al ser considerado un espacio
anexo de la casa, los patios han sido poco valorados, otorgando más importancia a las
áreas construidas, siendo un espacio más vivido, que comunicado. La tesis tiene como
objetivo comprender la importancia de los patios en el paisaje cultural de Cuiabá, Mato
Grosso, Brasil, teniendo en cuenta tres dimensiones interrelacionadas: la ciudad, la casa
y las personas. De carácter cualitativo y en enfoque interdisciplinario, la investigación
estableció una relación entre la geografía cultural, la comunicación urbana y la
antropología urbana, tomando como referencia también los trabajos desarrollados en otras
disciplinas como la etnobotánica y la arquitectura y urbanismo, para interpretar el patio
como lugar constitutivo del paisaje cultural en Cuiabá. En este sentido, se consideró la
comprensión de los patios como una construcción social que involucra dimensiones
materiales y simbólicas. Se realizaron varios procedimientos metodológicos como
observación directa, entrevista semiestructurada en diez patios en nueve barrios de la
ciudad. Reforzando la dimensión comunicacional del patio en el paisaje cultural de la
ciudad, se utilizaron procedimientos técnicos de registro y reconstitución de imágenes de
los patios como fotografías, producción de mapas y elaboración de croquis. La
investigación permitió organizar el patio cuiabano en tres categorías: domésticos,
colectivos y comerciales, denotando las transformaciones de la propia espacialidad
urbana. En la expansión del perímetro urbano y la verticalización de la ciudad, la
presencia de los quintales representa, aún hoy, una singularidad en una ciudad
tricentenaria y de origen minera como Cuiabá. Los patios son acervos vivos de la ciudad
que favorecen el mantenimiento de la biodiversidad, pero también de actividades de
socialización y saberes múltiples favorables en el inventario cultural de la ciudad. Se
observó la necesidad, en la actualidad, de los patios como lugares de cuidado y de la salud
mental y física, como fue evidenciado a partir de la pandemia generada por la Covid-19.
Palabras clave: Paisaje cultural. Comunicación urbana. Patios urbanos. Cuiabá.
LISTA DE FIGURAS
Introdução
Figura 1: Poda de árvores em Cuiabá...............................................................................22
Figura 2: Vista panorâmica de Cuiabá.............................................................................23
Figura 3: Vista panorâmica de Cajicá...............................................................................25
Figura 4: Bananeira e outras árvores frutíferas próximas ao muro de um espaço
doméstico.........................................................................................................................34
Figura 5: Mapa de distribuição dos quintais da pesquisa.................................................37

Capítulo I
Figura 1: Mapa colorido da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, elaborado a mão
pelo português José Manoel de Siqueira, por volta de 1770............................................55
Figura 2. Vista do morro da luz e da torre da Embratel, a partir do Centro Histórico de
Cuiabá..............................................................................................................................67
Figura 3. Desenho de Hércules Florence durante a Expedição Langsdorf (1825-1829)...69
Figura 4: “Prospecto da Villa do Bom Jesus de Cuiabá” de 1790, desenhado por Joaquim
José Freire ou por José Joaquim Codina. A obra faz parte do Acervo do Museu Botânico
Bocage em Lisboa............................................................................................................69
Figura 5: “Vista panorâmica da cidade de Cuyabá” ........................................................70
Figura 6: Telhados de Cuiabá na década de 1930............................................................70
Figura 7: Vista parcial do centro de Cuiabá do alto do Clube Dom Bosco. Década de
1960.................................................................................................................................71
Figura 8: Vista parcial do centro de Cuiabá depois da construção da nova catedral.
Destaque da verticalização da cidade aos fundos.............................................................71
Figura 9: Fotomontagem de vista de Cuiabá a partir da torre Embratel, localizada no
morro da luz, 2002............................................................................................................72
Figura 10: Obra “A casa de Lulu Cuiabano” ....................................................................74
Figura 11: Obra “Morro da luz (com a “Casa de Luz” e a escola do professor Avelino
Ribeiro” ...........................................................................................................................75

Capítulo II
Figura 1. A. Foto panorâmica da cidade do Cusco (Peru). B e C. Foto do pátio da casa
Museu Botero, localizada no centro histórico de Bogotá (Colômbia)..............................81
Figura 2: Esquema da casa colonial brasileira.................................................................83
Figura 3: Esquema de reconstituição de rua com modelos arquitetônicos de diversas
algumas tendências estilísticas do Brasil.........................................................................86
Figura 4: Obra “Abacaxi, Melancias e Outras Frutas” de Albert Eckhout......................90
Figura 5: Vista aérea de bairro CPA-1.............................................................................92
Figura 6: Quintal do Centro Cultural Casa Cuiabana.......................................................93

Capítulo III
Figura 1: Mapa de distribuição dos cinco quintais domésticos da pesquisa em Cuiabá,
Mato Grosso...................................................................................................................100
Figura 2: Manejo de plântulas para a plantação de espécies no quintal do B. Boa
Esperança.......................................................................................................................104
Figura 3: Imagem de satélite no espaço correspondente ao quintal do B. Cidade Alta...105
Figura 4: Imagem de satélite do espaço doméstico B. Lixeira.......................................106
Figura 5: Criação de galos e galinhas no quintal B. Lixeira............................................107
Figura 6. Sagui em mangueira no quintal do B. Jardim Imperial II...............................108
Figura 7: Cão no quintal do B. Cidade Alta....................................................................109
Figura 8. Quintal e suas funções de área de serviço quintal do B. Jardim
Universitário..................................................................................................................110
Figura 9: A senhora Sol no quintal do B. Boa Esperança..............................................111
Figura 10: Quintal do B. Cidade Alta com decoração permanente do arraial de
junho..............................................................................................................................112
Figura 11: Imagem de satélite do entorno do espaço doméstico do quintal do B. Jardim
Universitário..................................................................................................................113
Figura 12. A - Cacau no quintal do B. Cidade Alta. B – Banana e abacaxi no quintal do
B. Jardim Universitário. C – Feijão guandu e mexerica no quintal do B. Jardim Imperial
II.....................................................................................................................................114
Figura 13: Cará-roxo do quintal do B. Jardim Imperial II..............................................114
Figura 14: Licor de jenipapo e jabuticaba produzidos no lar do B. Cidade Alta............115
Figura 15: Doce de Caju artesanal com a produção do quintal do B. Lixeira................115
Figura 16: Couve, cenoura e outras espécies do quintal do B. Jardim Imperial
II.....................................................................................................................................116
Figura 17: Armazenamento de feijão guandu no quintal do B. Jardim Imperial II..........117
Figura 18: Frutas apodrecendo no chão do quintal do B. Jardim Universitário...............117
Figura 19: Mapa de distribuição dos três quintais comerciais da pesquisa em Cuiabá, Mato
Grosso............................................................................................................................119
Figura 20: Quintal do restaurante do B. Boa Esperança..................................................121
Figura 21: Ambiente da mangueira no quintal do restaurante do B. Duque de Caxias....122
Figura 22: Quintal do restaurante do B. Quilombo........................................................123
Figura 23: Sistema cachepot para as árvores do quintal do B. Quilombo........................123
Figura 24: Mapa de distribuição dos dois quintais coletivos da pesquisa em Cuiabá, Mato
Grosso............................................................................................................................125
Figura 25. Cozinha disposta para a preparação da feijoada no quintal do B. Santa Rosa
II.....................................................................................................................................127
Figura 26. Mesa servida com a feijoada e outros acompanhamentos no quintal do B. Santa
Rosa II............................................................................................................................128
Figura 27. Dança de lambadão cuiabano durante evento beneficente.............................129
Figura 28. Ensaio de siriri para crianças no quintal do B. Coophema............................130
Figura 29. Dança de siriri do Grupo Flor Ribeirinha no quintal do B. Coophema...........130
Figura 30. Forno de queima para cerâmicas no quintal do B. Coophema.......................131

Capítulo IV
Figura 1: Desenho da cidade autossustentável apresentada pelo escritório Guallart
Architects para a construção da nova área de Xiong'an a partir da perspectiva de Pós-
COVID-19.....................................................................................................................144
Figura 2: Produção de feijão guandu no quintal do bairro Jardim Imperial
II.....................................................................................................................................150
Figura 3: Coleta de frutas como mamão e banana no quintal do bairro Cidade
Alta................................................................................................................................152
Figura 4. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Boa Esperança.................154
Figura 5. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Lixeira..............................155
Figura 6. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Cidade Alta......................156
Figura 7. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Jardim Universitário........157
Figura 8. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Jardim Imperial II............158
Figura 9: Croqui do espaço comercial (Restaurante) localizado no bairro Quilombo...160
Figura 10: Croquis do espaço comercial (Restaurante) localizado no bairro Boa
Esperança.......................................................................................................................161
Figura 11: Croquis do espaço comercial (Restaurante) localizado no bairro Duque de
Caxias............................................................................................................................162
Figura 12: Croquis do espaço de caráter coletivo localizado no bairro Santa Rosa II...163
Figura 13: Croquis do espaço de caráter coletivo localizado no bairro Coophema.......164
LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos


cinco quintais domésticos distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de
2020...............................................................................................................................102
Tabela 2: Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos três
quintais comerciais distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de
2020...............................................................................................................................120
Tabela 3: Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos
quintais coletivos distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de
2020...............................................................................................................................126
Tabela 4: Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos
quintais distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de
2020...............................................................................................................................148
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.............................................................................................................17
A caminho do quintal, uma metodologia interdisciplinar...............................................29

CAPÍTULO I: LUGAR E PAISAGEM CULTURAL: A CIDADE E O


QUINTAL.......................................................................................................................39
1.1 Lugar e quintal: tecelagem introdutória....................................................................41
1.2 Paisagem, considerações do olhar geográfico...........................................................44
1.3 Paisagem cultural: conceitos e evolução...................................................................48
1.4 Contexto histórico e transformações da paisagem de Cuiabá...................................52
1.5 Olhar os quintais na cidade: perspectiva comunicacional.........................................64

CAPÍTULO II: O QUINTAL, UMA PAISAGEM DOMÉSTICA............................77


2.1. Casa: lugares e afetos................................................................................................78
2.2. O quintal na construção da casa brasileira................................................................80
2.3. Quintal e a casa cuiabana...........................................................................................90
2.4. Quintais cuiabanos, fazeres, saberes e vida social.....................................................93

CAPÍTULO III: QUINTAIS DA ATUAL CUIABÁ...................................................99


3.1. Quintais domésticos..................................................................................................99
3.2. Quintais comerciais.................................................................................................118
3.3. Quintais coletivos....................................................................................................124

CAPÍTULO IV: REPENSAR O QUINTAL EM TEMPOS DE PANDEMIA........133


4.1 A mudança social gerada a partir da pandemia........................................................135
4.2. “Fique em casa”, a necessidade de pensar o lar em tempos de pandemia..............137
4.3. Arquitetura e pandemia, a importância dos quintais ..............................................142
4.4. Os quintais em Cuiabá, na perspectiva dos novos tempos......................................146

CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................................165

REFERÊNCIAS...........................................................................................................170

APÊNDICES................................................................................................................178
APÊNDICE A - ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA..................178
APÊNDICE B - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E
DEPOIMENTOS...........................................................................................................180
17

INTRODUÇÃO

Os quintais são fragmentos da paisagem anexos às casas que, na paisagem cultural em


Cuiabá, formam uma imagem que não corresponde unicamente a uma visualidade, mas a uma
polivocalidade, perceptível através de um estudo interdisciplinar sobre a abrangência material
e simbólica desta forma de espacialidade humana. Apesar da avançada verticalização da cidade,
a presença dos quintais representa, ainda hoje, uma singularidade, mostrando que, a partir de
diversas perspectivas, são lugares que mostram uma realidade mais complexa da cidade.

Desse modo, sob a análise da paisagem cultural, do lugar e da multiplicidade de


caminhos que essas categorias da geografia possibilitam, a tese também se conecta com as
perspectivas de pesquisa a partir da comunicação urbana, que apresenta outras ferramentas úteis
para a análise da cultura no que concerne ao entendimento sobre objetivo e subjetivo da
paisagem.

Olhar para os quintais de Cuiabá e sua importância como elemento da paisagem através
da presente tese é uma ideia que foi se formando durante um longo processo que partiu da
experiência como estrangeira, se centrou no rol como pesquisadora e finalmente adquiriu mais
vigor a partir da vivência da pandemia provocada pela COVID-19, que permitiu pensar os
espaços habitados em tempos de crise sanitária, social e econômica.

O olhar do estrangeiro, do estranho ao familiar

A presente tese, produto de uma tecelagem de significações, aborda os quintais de uma


maneira compreensível, inicialmente, para a pesquisadora estrangeira ao se inserir em uma
cultura diferente e obter dela outras possibilidades de vivências, que envolvem do mesmo modo
a razão e a emoção.

Apreciar o estranho é um processo para se surpreender com as diversas temporalidades


e comportamentos, diferentes topografias e outros elementos que outro território tem para nos
ensinar. É assim como o quintal, pequena floresta dentro do espaço residencial, se tornou, para
mim, de início, algo estranho em Cuiabá, mas ao mesmo tempo era familiar no que diz respeito
àquilo que ao meu ver como estrangeira considerava familiar: a agricultura artesanal com fins
de consumo doméstico.
18

Nesse sentido, Massimo Canevacci (1997), acadêmico italiano e especialista em


comunicação urbana no Brasil, considera que a percepção da cidade, a forma como ela será
conhecida pelo estrangeiro será de acordo com aquilo que o indivíduo já considera familiar.
Minha experiência também seria assim, porque mesmo com as diferencias que os quintais
apresentavam, eu via neles a horta do meu avô, na Colômbia, onde ele plantava milho, ervilha
e feijão e onde também havia uma figueira e um pé de cereja norte-americana, e lembrava
também da horta do meu pai na nossa chácara onde ele plantava uma grande quantidade de
espécies como tomate, milho, batata, feijão, ervilha, berinjelas, favas, abobrinhas, couves de
Bruxelas, maxixes de vento e diversas frutas da região como tomate de árvore, amora, feijoa,
granadilha, fisális, lulo, entre outras. A produção dessa época nos ajudou para sustentar o lar,
especialmente, durante um período de tempo em que meu pai ficou desempregado.

Os primeiros quintais que conheci em 2015, durante os primeiros meses de morar em


Cuiabá, me lembravam alguns pomares de Cajicá, cidade na região metropolitana de Bogotá de
aproximadamente 81.099 mil habitantes, conforme estimativas do ano 20181, que não existem
mais porque também as casas foram derrubadas, mas que estão presentes na minha memória.
Em alguns desses pomares, escondidos por muros, era possível ver árvores frutíferas como
pereiras, macieiras e outros pés de papaia-de-montanha e amoras.

O processo de urbanização de Cajicá acabou sacrificando hortas, pomares e grandes


plantações, gerando mudanças irreversíveis muito visíveis na paisagem de um município que
era essencialmente agrícola. No entanto, essas mudanças não seriam unicamente consequências
das alterações do mercado imobiliário e de projetos urbanísticos implementados depois de um
crescimento urbano acelerado provocado pelo superpovoamento da região metropolitana de
Bogotá, mas também das dinâmicas culturais no interior das famílias.

No caso da casa dos avôs, o espaço domiciliar foi se modificando após mudanças da
própria estrutura familiar, derivadas do matrimônio das filhas e do filho, que, conforme se
casavam, recebiam dos pais a oportunidade de construir um “puxadinho” no espaço do lote
onde estava localizado o quintal. Esse costume de cessão de bens familiares foi aos poucos
gerando a remoção das árvores e logo a concretagem desse espaço, sobrando uma pequena área
aberta onde foram colocados varais para a secagem das roupas e onde foram dispostos vasos

1
Conforme estatísticas publicadas pelo jornal La República, Cajicá teve um crescimento populacional de um
78,67% nos últimos anos, passando de ter 45.391 habitantes no ano de 2005 para registrar 81.099 moradores no
ano de 2018. Fonte: La República. El nuevo censo poblacional del Dane consolida a las "ciudades dormitorio"
del país. 17 jul. 2019. Disponível em: <https://www.larepublica.co/economia/el-nuevo-censo-poblacional-del-
dane-consolida-a-las-ciudades-dormitorio-del-pais-2885537>. Acesso em: 21 de ago. 2021.
19

com diversas plantas ornamentais e temperos que evocam vagamente o hábito familiar de
plantar e decoram os muros com flores de várias cores e tamanhos.

Desse modo, ao me aventurar a estudar os quintais em Cuiabá, eu partia da minha


própria experiência de vida, lendo Cuiabá a partir de Cajicá, gerando sempre uma dupla via de
análise da paisagem: de um lado, aquela familiar e do outro lado aquela estranha, e as duas
conversavam o tempo todo para concretizar a pesquisa e o presente texto.

Porém, apesar das semelhanças com as hortas de Cajicá, o quintal em Cuiabá me


resultava irreconhecível, iniciando pela visualidade. Desse modo, o processo de interpretação
do quintal deveria se iniciar do zero, mas devia considerar minha condição como estrangeira.
Nesse sentido, Canevacci (1997, p. 15-16) expõe:

Estou convencido de que é possível elaborar uma metodologia da comunicação urbana


mais ou menos precisa, com a seguinte condição: a de querer perder-se, de ter prazer
nisso, de aceitar ser estrangeiro, desenraizado e isolado, antes de se poder reconstruir
uma nova identidade metropolitana. O desenraizamento e o estranhamento são
momentos fundamentais que ‒mais sofridos do que predeterminados‒ permitem
atingir novas possibilidades cognitivas, através de um resultado “sujo”, de misturas
imprevisíveis e casuais entre níveis racionais, perceptivos e emotivos como
unicamente a forma-cidade sabe conjugar.

As palavras de Canevacci geram reflexões sobre como o perder-se no contexto urbano


como estrangeiro permite ir tecendo uma nova compreensão da cidade, de reconstruir um
conhecimento a partir da razão e da emoção. Contudo, Canevacci (1997) reconhece que aos
poucos o estrangeiro pode se habituar à cidade para reconstruir sua própria identidade.

Ainda assim, reconhece Canevacci (1997) que aquele novo habitante estrangeiro,
mesmo se introduzindo em uma cultura divergente da sua, será conduzido por uma espécie de
critério derivado da educação recebida para interpretar os signos emitidos nesse novo contexto
pela comunicação que tem sido tecnicamente reprodutível. No entanto, ele sugere que o
observador pode refinar o olhar urbano para absorver aquilo que não é capaz de decifrar sobre
o sentido dessa cultura diferente, a partir da atenção nos valores, crenças e nos comportamentos
dos sujeitos que habitam a cidade.

Canevacci (1997) reconhece a comunicação urbana como uma forma que se expressa,
igual à mass mídia, relações de poder entre quem controla as comunicações e quem recebe a
informação reduzido ao seu rol de espectador passivo. Apesar disso, o teórico italiano pondera
que existem rupturas, sendo uma delas o olhar do estrangeiro que responde à vontade de
perceber as diferenças que o olhar habituado não reconhece devido ao excesso de familiaridade.
20

Por isso, é possível contribuir na criação de novas vozes para compeender a cidade que se
integrem à multiplicidade de vozes autônomas que conformam uma polifonia.

O surgimento da ideia de pesquisa

A emergência de iniciativas para pensar outros modos de viver no espaço urbano


considerando a constituição de cidades sustentáveis, cidades mais verdes, cidades para pessoas
e outros referentes que demandam melhores condições para conseguir otimizar a qualidade de
vida nas cidades reunia em Cuiabá, durante 2015 e 2016, a um contingente de pessoas para
realizar o festival cidadão 100em1dia Cuiabá. O projeto do festival, que teve origem em Bogotá,
na Colômbia e se expandiu pelo mundo, procurava adiantar primeiro um processo de reflexão
para conhecer e reconhecer a cidade e assim criar, posteriormente, uma série de iniciativas que
fomentassem a ação cidadã sob a base do direito à cidade.

O Festival seria realizado durante 24 horas, no dia 03 de abril de 2016, como um modo
de presentear a Cuiabá com cem ações de arte e cidadania espalhadas na cidade. Não obstante,
a efêmera comemoração, realizada em vésperas do aniversário de Cuiabá, seria resultado de um
processo de aproximadamente um ano, durante 2015 e 2016, no qual me envolveria como
pesquisadora já no mestrado. Através de uma observação participante, a experiência me
aproximaria de maneira mais profunda com a cidade e as diversas percepções sobre Cuiabá
como resultado da convivência com os habitantes e agentes.

Como parte das dinâmicas próprias do Festival, se organizaram reuniões para que as
pessoas conhecessem o projeto e se gerasse uma rede de participantes. Durante os diversos
encontros, em vários cenários da cidade, os diálogos entre os atores eram ricos em ideias porque
a multiplicidade de interesses gerava longas conversas com respeito à cidade para conhecer as
percepções das pessoas e criar, em conjunto e pensando no bem coletivo, iniciativas para mudar
situações que as preocupavam sobre a mobilidade urbana, o meio ambiente, a corrupção, a
ocupação dos espaços e outras inquietações coletivas do dia-a-dia (MEDINA, 2017; MEDINA,
AZEVEDO e GUSHIKEN, 2017).

As atividades presenciais se enriqueciam de maneira simultânea com a disposição de


outras plataformas, como um grupo no Facebook, através do qual as pessoas se comunicavam
entre elas e entravam em contato com outras iniciativas em sintonia com o processo do
21

100em1dia Cuiabá. A possibilidade de as pessoas publicarem informações também permitia


conhecer suas preocupações em torno a diversos aspectos.

Finalmente, o 100em1dia Cuiabá registrou a realização de mais de 100 ações de várias


naturezas em praças, ruas, o hospital universitário, o mercado do porto, museus, colégios, a
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, o viaduto da UFMT etc., espaços
ressignificados onde se concretizaram os afetos, desejos e inovações para transformar Cuiabá
em um melhor lugar para se viver.

Durante o processo de pesquisa do festival, várias questões haviam sido observadas com
respeito à percepção das pessoas sobre a cidade. Um dos temas de discussão mais recorrentes,
e enunciados pelos participantes, era com relação à arborização urbana, que remetia à ideia de
Cuiabá como Cidade Verde, que, conforme aos discursos dos participantes do projeto “não
existia mais”.

A incessante necessidade de expressar o incômodo sobre as mudanças da paisagem no


tocante à vegetação em Cuiabá foi evidenciada diretamente através das colocações dos
participantes nos encontros presenciais. Indiretamente, porém, o conteúdo divulgado no grupo
no Facebook do projeto fazia menções sobre ruas arborizadas, hortas urbanas nas favelas e
cidades europeias, onde os moradores plantavam sua própria horta etc. Posteriormente às
convesas, na versão do festival de origem colombiana em Cuiabá, foi recorrente observar uma
grande quantidade de atividades como o plantio de espécies arbóreas nativas e frutíferas em
diversos espaços e a criação de hortas, que contribuíram para corroborar o desejo das pessoas
de tentar restituir uma ideia de Cidade Verde .

Não obstante, as qualidades visuais de vegetação urbana que as pessoas procuravam a


partir da divulgação de imagens das vilas europeias referenciadas como exemplo na construção
dessa cidade verde ideal, eram contrastadas desde minha experiência como estrangeira. A
aparência desses hábitats era, para mim, semelhante à distribuição dos espaços domésticos
cuiabanos que incluíam os quintais, aos quais tinha acessado graças a amizades que já tinha
feito ao longo do mestrado na UFMT.

Poderia então se refletir sobre uma cultura dominante das formas materiais e simbólicas
ao considerar as paisagens europeias como sustentáveis antes de olhar para a própria cidade,
especificamente, para o modelo de moradia casa-quintal? Poderia ser o quintal também um
espaço outro, no sentido de Foucault (2013), uma heterotopia?
22

Foucault (2013) define as heterotopias como lugares reais, lugares efetivos dentro da
cultura que podem ser uma espécie de utopias realizadas. Podem ser lugares que estão fora dos
padrões de todos os lugares. Embora esses espaços outros estejam em contraposição com as
utopias apresentam uma experiência mista com elas. O conceito orientaria a busca desse sentido
existencial do quintal para as pessoas.

Deste modo, desconhecendo uma relação profunda dos quintais e a ideia da cidade
verde, me remeti às contribuições de Michel De Certeau (2012) sobre as práticas espaciais que
formam o cotidiano e especificamente possibilitam ver a cidade a partir de duas perspectivas
divergentes, segundo a proposta do autor: o caminhar e a altitude. Apesar da relação quase
antagónica das duas posições, existe uma espécie de complemento na sua consideração, na
medida em que as duas perspectivas oferecem informações intengrantes sobre a cidade nesta
pesquisa.

A partir de “embaixo” (down), mais do que ver, é possível ponderar a vivência do


caminhar. Nessa perspectiva, o corpo considera os cheios e os vazios do entranhado urbano,
como menciona Michel De Certeau (2012). Assim, desde a caminhada pelas ruas se
contemplou uma constante derrubada de árvores, que no ambiente de Cuiabá, caracterizado por
altas temperaturas, impossibilitava a percepção de uma ambiência verde. Foi possível ver vários
indícios da ausência/presença das árvores em ruas nos diversos bairros da cidade, graças a
alguns resquícios visualmente negativos: buracos, raízes ou árvores que ficaram sem vida após
podas que através de práticas inadequadas, talvez voluntárias, conduzem à morte da árvore (Ver
figura 1).

Figura 1. Poda de árvores em Cuiabá


23

Fonte: A pesquisadora (2019)

Por outro lado, em perspectiva vista do alto, a experiência era diferente, porque a altitude
permitia conhecer outra perspectiva mais ampla, na qual, como alude De Certeau (2012), é
possível “ver o conjunto”. Deste modo, conforme a figura 2, foto panorâmica tirada em um alto
prédio lozalicado no bairro Goiabeiras, há, a partir da altitude, do ver do alto, outras
informações relevantes.

A imagem, registrada com visão do alto, evidencia uma mancha verde, contudo essa
proporcão de vegetação, em detalhe, não provém das vias públicas, pois, nas vias por onde
transitam automóveis, a presença de árvores é mínima com relação ao interior dos quarteirões,
especificamente dos espaços anexos às casas.

Figura 2. Vista panorâmica de Cuiabá.

Fonte: A pesquisadora (2019)

Apesar de distinguir uma notável verticalização da cidade nesta região, a contemplação


“do alto” permitiu não só constatar a existência de cobertura verde, mas também perceber que
a maioria da contribuição vegetal da chamada “Cidade Verde” era dada pelos quintais, cuja
densidade é dada pela presença de grandes árvores no interior dos espaços domésticos, e não
por uma arborização das vias públicas como elemento de uma política urbanística.

Desse modo, a arborização urbana, em Cuiabá, apresentava uma notória diferença entre
os espaços públicos e os privados como duas dimensões a serem pensadas na construção
coletiva da Cidade Verde e os quintais adquiriam um valor a ser considerado na pesquisa sobre
esses espaços na paisagem de Cuiabá.
24

Quintais para além da vegetação

Os questionamentos ainda frequentes em relação à paisagem material, à vegetação


urbana e ao espaço doméstico eram orientados em duas direções: sobre a legibilidade e
qualidades visuais da cidade e sobre meu olhar de observadora estrangeira.

Em primeiro lugar, uma questão: se era ainda visível a existência da mancha urbana
verde, por que as pessoas negavam a existência desses atributos? Qual era a importância da
pesrpectiva da qual se produz a visão sobre o que era visto e percebido?

Portanto, qual a importância deste modo de ver a cidade sobre a paisagem que ponderava
aquele discurso, em grande medida no âmbito do senso comum, de a Cidade Verde não ser,
propriamente, uma cidade com cobertura verde? A cobertura verde não existe porque não o
vejo ou porque não o habito? A visão, então, com que foi possível identificar os quintais como
contribuidores significativos da vegetação urbana poderia ser também limitadora para que esse
espaço não fosse reconhecido dentro da ordem visual da cidade?

Segundo: por que meu olhar estrangeiro conseguia validar a existência desses modos de
habitar, embora não tivesse uma história em comum de vivenciar esses espaços domésticos?
Tal percepção, então, poderia derivar do conhecimento com base em minha procedência do
cenário semirural de Cajicá, um município localizado na Região Andina da Colômbia, mas que
por sua proximidade com Bogotá (17 km), capital do país, me permitia conhecer as dinâmicas
e contrastes entre a megalópole latino-americana e uma pequena cidade agrícola.

O fato de em menos de trinta anos Cajicá se transformar em “cidade dormitório”2 de


Bogotá, devido ao acelerado crescimento da capital e da impetuosa venda de projetos
imobiliários que promoviam mercadologicamente a ideia de uma vida mais tranquila, mais
“campestre”, levou ao desaparecimento da mancha verde dos campos, pátios, hortas e ao
aparecimento violento dos edifícios, situação que, considerando as diferenças, me parecia
similar com a discussão prévia do quintal e a cidade em Cuiabá, no Brasil.

Conforme a figura 3, em fotografia tirada em um prédio localizado no centro de Cajicá,


evidencia-se a mudança na paisagem, habitualmente com casas de apenas dois ou três andares.
Os prédios mais altos, e também mais recentes, apresentam um valor verticalizante, mudando

2
Termo para definir uma cidade usada para a habitação, enquanto seus moradores realizam suas atividades laborais
em outra cidade.
25

a paisagem, transformando o imaginário da cidade, à medida que se distribuem espacialmente,


aproximando-se das montanhas, e apenas nelas e nas áreas rurais é possível apreciar as manchas
verdes da vegetação nativa.

Figura 3. Vista panorâmica de Cajicá.

Fonte: A pesquisadora (2021)

O quintal é postulado como um espaço representativo na paisagem de Cuiabá em relação


à vegetação existente no espaço urbano, mas também como modo de habitar esse espaço
singularmente. A partir desta observação, surgiu o problema norteador da tese: como o
entendimento de uma paisagem cotidiana e comum como o quintal poderia permitir uma
compreensão mais profunda da paisagem cultural da cidade? Assim, o postulado partia de
pensar a paisagem como um instrumento comunicacional da cidade, permitindo nesse viés uma
análise do quintal quanto a três elementos constituintes: forma, função e estrutura.

A ideia de abordar, na condição de estrangeira, um tema tão íntimo da vida privada


brasileira, como o quintal nas residências, iniciaria pela compreensão do mesmo quintal a partir
da produção acadêmica, reconhecendo que em maior medida o conhecimento sobre quintais
tem sido possível graças às pesquisas em áreas distintas dos campos cultural e comunicacional,
como a etnobotânica, que correspondem à compreensão do manejo desses sistemas ecológicos.

O viés dessas produções acadêmicas reflete sobre o papel dos quintais rurais e urbanos
na manutenção da agricultura de pequena escala, a preservação da biodiversidade, a regulação
microclimática, o uso de plantas medicinais, os saberes locais, entre outros.

No Brasil, encontrou-se uma grande diversidade de literatura sobre quintais rurais e


urbanos, com base em pesquisas localizadas principalmente nas regiões Centro-Oeste, Norte e
26

Nordeste do país. Salientam-se os aportes das pesquisas realizadas no estado de Mato Grosso
sobre os quintais, de ampla difusão académica, graças ao trabalho de autores como Brito e
Coelho (2000); Guarim Neto e Carniello (2008); Amaral e Guarim Neto (2008), entre outros
autores.

Apesar de o quintal ser parte do espaço doméstico, há poucos registros científicos da


área de Arquitetura e Urbanismo. No entanto, é importante salientar as contribuições de
Dourado (2004), Silva (2004), Tourinho; Silva (2016) como referência aos quintais e relevantes
para a formação da casa brasileira.

No âmbito da pesquisa sobre as relações de afeto e significação, a dissertação de Reis


(2015) postula um olhar mais íntimo sobre os quintais para duas gerações de famílias da cidade
de Salvador, capital da Bahia, no Brasil.

No que se refere, especificamente, aos quintais em Cuiabá, são predominantes os


estudos da etnobotânica, nos quais tem se construído perfis florísticos dos quintais, distinguindo
as qualidades da vegetação e o uso que as comunidades fazem dos recursos naturais, por
exemplo os usos medicinais (PASA, 2011). As pesquisas são caracterizadas, em sua maioria,
por serem localizadas em alguns bairros da cidade, com recortes geográficos específicos como
Areão e Porto (MOURA et al., 2011), São Gonçalo Beira Rio (MAMEDE et al., 2015) e Jardim
Florianópolis (SPILLER et al., 2016).

Outros aportes académicos socioculturais sobre quintais de Cuiabá apresentam análises


desses espaços a partir de temáticas como a soberania alimentar e sobre a importância dos
quintais como centros de abastecimento relevantes na construção do inventário gastronômico
da cidade (ORMOND, 2018) e ainda sobre os quintais cuiabanos em relação com a tradicional
comemoração das festas de santo, de acordo com Souza e Osorio (2019).

As diversas contribuições de autores proporcionam olhares valiosos sobre os quintais,


mas, como cada um desses autores postula, o material bibliográfico ainda é reduzido.
Eventualmente, também é preciso pensar o quintal como um lugar de grande relevância social,
ambiental, cultural, paisagística etc., tanto no Brasil, quanto nas zonas tropicais do mundo, o
que significa aumentar as perspectivas de pesquisa.

Nesse esforço, a tese é desenvolvida no Programa de Pós-graduação em Estudos de


Cultura Contemporânea da Universidade Federal de Mato Grosso, na linha de pesquisa
27

Comunicação e Mediações Culturais e no âmbito do Grupo de Pesquisa em Comunicação e


Cidade (Citicom-UFMT/CNPq).

Em perspectiva interdisciplinar, apresenta-se um diálogo entre a comunicação, a


geografia cultural e a antropologia urbana no que diz respeito à experiência urbana, a dimensão
simbólica do espaço e a cidade como espaço comunicado, objetos que demandam uma
aborgadem interdisciplinar. A interação e transferência de métodos e conceitos pode gerar,
como sugere Brandão (2016), uma fecundação recíproca entre as disciplinas, favorecendo
também a emergência de pesquisas inovadoras benéficas para o progesso científico.

O referencial teórico aponta, principalmente, aos estudos sobre a paisagem cultural,


levando em consideração as atribuições de sentido coletivas e unitárias que perpassam as
mediações do habitat, para ponderar o papel dos quintais inclusive como conteúdo
comunicacional da cidade de Cuiabá.

Partindo da geografia cultural, que a partir de sua transversalidade tem sido considerada
como uma heterotopia, por permitir a construção de caminhos oriundos de diversas matrizes, o
trabalho se apoia em autores inscritos nesse campo como Denis Cosgrove (1998, 2002, 2008)
e Augustin Berque (2012), que pensam a paisagem e sua significação a partir dos modos de
percepção e modos de relação, em palavras de Berque (2012), pensando-a como plurimodal e
salientando sua capacidade de comunicar, ideias, valores e poder.

Também são considerados os aportes da geografia humanista desenvolvida por Yi-Fu


Tuan (1980, 1983, 2015), a partir do conceito de lugar e da análise do jogo afetivo entre o
sujeito e o ambiente que criam outras significações através da experiência. A visão de Tuan
sobre o elo afetivo entre os sujeitos e o lugar possibilita conhecer a maneira como certas
paisagens despertam emoções.

No campo da comunicação urbana, foram relevantes duas contribuições: 1) Os aportes


de Ferrara (2008, 2012) que propõe enxergar e estranhar as dimensões comunicativas da
paisagem, reconhecendo considerar sua materialidade e sua densidade visual, 2) As noções de
Reguillo (2007), que reconhece a cidade como uma estrutura de vários eixos e níveis que
revelam diversas relações da organização espacial onde é possível conhecer, através da
comunicação, a forma como diversos atores percebem, significam e valorizam a cidade.

Sendo assim, com o intuito de analisar o quintal como lugar de construção epistêmica
na singularidade da paisagem cultural em Cuiabá, a partir da concepção da cidade como um
28

território material e simbólico, propomos considerar os quintais a partir de três dimensões


(cidade, casa e pessoas), sempre interrelacionadas com as categorias espaciais de paisagem
cultural e lugar.

Pensamos o quintal como heterotopia, espécie de montagem, como um conjunto de


complexidades dentro da composição da paisagem cultural. O quintal se configura como lugar
a ser produzido como parte da casa, e a casa como um modelo arquitetônico brasileiro para
responder à necessidade de abastecimento a partir do Brasil colonial, ainda considerando que
processo cultural dado após a chegada dos portugueses foi dinâmico e heterogêneo
apresentando singularidades em cada cidade que foi sendo conformada a partir desse período.

Assim, a partir de múltiplas perspectivas, este trabalho de pesquisa apresenta diversas


percepções que partem das diversas experiências dos ocupantes humanos e não-humanos dos
quintais. Por exemplo, buscamos anotar algumas destas perspectivas sobre o quintal em um
imaginário que ganha evidência: 1) lar e local de trabalho dos escravos, 2) centro de produção
dos senhores da casa, 3) território das mulheres da casa, impedidas de sair na rua, 4) ponto de
convivência de inúmeras espécies de plantas provenientes da Ásia, África, América e Europa,
5) habitat de animais silvestres, domésticos e sinantrópicos, e 6) refúgio da família perante à
pandemia da Covid-19, entre outros exemplos de funções.

O desenvolvimento de múltiplas atividades foi possível no quintal a partir da evolução


do próprio espaço. A disposição do quintal no conjunto da casa o define como um lugar de
diversas funções, que por sua vez vão evidenciando a produção de saberes cotidianos como: 1)
manejo de plantas e sementes, 2) criação de animais, como galinhas, porcos etc., 3)
desenvolvimento de receitas culinárias a partir dos insumos do local, 4) tratamento medicinal
com os produtos do quintal, 5) desenvolvimento de artes como a cerâmica e, 6) espaço de
produção intelectual e inspiração, como no caso do escritor mato-grossense Manoel de Barros.

Pessoas estabelecem modos de relação com o quintal que gera afetos ímpares com
outros espaços do ambiente doméstico. Nesse sentido, salientamos algumas formas afetivas
reconhecidas nestes lugares ao longo da pesquisa como: 1) a relação do quintal como espaço
de brincadeira, praticado por crianças como lugar da imaginação, 2) o desenvolvimento da vida
familiar cria conexões íntimas com memórias afetivas, 3) lugar de rituais como festas juninas,
festas de santo e outras comemorações, 4) local de socialização, 5) espaço de contemplação da
natureza e descanso, onde se passam as horas vagas, e 6) espaço verde para atenuar o estresse
gerado pela crise sanitária global da Covid-19.
29

Em relação a tais considerações, a tese foi organizada em quatro capítulos.

O Capítulo 1, intitulado “Lugar e paisagem cultural: a cidade e o quintal”, apresenta as


relações entre os quintais e Cuiabá a partir da consideração da concepção da paisagem e as
diversas alterações geradas durante a evolução urbana. Ver as representações da paisagem da
cidade a partir do centro histórico como referente visual, assim como através dos relatos de
alguns espectadores especiais da cidade evidencia a existência dos quintais como singularidade
da paisagem de Cuiabá.

O Capítulo 2, “O quintal, uma paisagem doméstica”, aborda o quintal como lugar no


seu contexto de espaço doméstico e expõe as características ímpares em relação ao
desenvolvimento de outras culturas ocidentais como é ponderado pelos estudos arquitetônicos;
nesse sentido, o quintal é pensado a partir de suas funções e características de vegetação. Nesse
sentido, foi adiantado o estudo do quintal como elemento tradicional da chamada casa brasileira
e da arquitetura popular em Cuiabá.

O Capítulo 3, “Quintais da atual Cuiabá”, é produto do trabalho de campo realizado


para compreender o espaço em quintais de Cuiabá, e mostra as diversas relações dos quintais
com os indivíduos, propondo uma classificação dos quintais de Cuiabá a partir da observação
feita. Ademais, foram exibidos os quintais enquanto às características e funções do espaço,
ilustrando a experiência de ter e estar em um quintal em Cuiabá.

O Capítulo 4, denominado “Repensar o quintal em tempos de pandemia”, apresenta


uma reflexão sobre a relevância dos quintais em tempos de pandemia, ponderando sua vigência
e vitalidade como modo de habitat no período contemporâneo definido pela aparição do vírus
SARS-CoV-2. O capítulo apresenta diversos olhares da pandemia e mostra como alguns
discursos explicitam a necessidade de pensar os espaços abertos no contexto da crise sanitária
derivada da doença da Covid-19 no tocante a questões como a segurança alimentar e a saúde
mental, entre outros.

A caminho do quintal, uma metodologia interdisciplinar

A metodologia é apresentada como uma espécie de analogia com uma trajetória a


caminho do quintal que supõe entrar em contato com as pessoas, abrir várias portas e conhecer
o espaço ocupado a partir de várias dimensões e visões. Entendendo o quintal como um
30

fragmento da paisagem cultural de Cuiabá, procuramos conhecer os significados diversos deste


espaço tanto para as pessoas quanto para a própria cidade, ainda perante a uma situação
específica como a pandemia provocada pela Covid-19, em 2020.

A pesquisa, de caráter qualitativo, proporciona horizontes na medida em que através


dela torna-se possível a interação e o atravessamento teórico, neste caso, interdisciplinar. Mas
também proporciona a oportunidade de localizar o pesquisador dentro do mundo de práticas
materiais e interpretativas que permitem conhecer a realidade (DENZIN e LINCOLN, 2006).

Inicialmente, foram contempladas várias fontes de consulta, como os relatos de


viajantes, livros, álbuns fotográficos, poemas, pinturas, entre outros elementos, que, conforme
Corrêa Lobato e Rosendahl (2003), possibilitam o estudo da paisagem cultural para construir a
concepção da relevância material e simbólica dos quintais.

No entanto, percebemos que não havia um amplo referencial imagético e outros


registros que, por sua vez, produzissem indícios mais contundentes sobre os quintais em Cuiabá,
em documentos mais recorrentes como álbuns fotográficos, institucionais ou particulares de
acervos como o Arquivo Público de Mato Grosso e o Núcleo de Documentação e Informação
História Regional da UFMT. Os escassos recursos de representação fotográfica dos quintais
orientaram a pesquisa para a construção de registros, pensados a partir das diversas dimensões
comunicativas nas quais os quintais poderiam ser levados em consideração não unicamente
como um espaço privado, mas como um espaço de interseção, estendendo sua relevância a
outros âmbitos públicos (a rua, o bairro, a cidade).

Nesse viés, foram pensadas várias estratégias que correspondessem a diversas epistemes
comunicacionais para produzir a visualidade: fotografar, desenhar, mapear, entre outras, como
um aporte à constituição de uma multiplicidade de perspectivas que nos levasse a perceber o
quintal como recurso comunicacional da paisagem da cidade.

O hábito de ver a paisagem levou a considerar a prática do recurso fotográfico como


instrumento metodológico na investigação social proposto para construir um registro
documental da realidade social que permitisse pensar e ver espaços do cotidiano e narrar o
mundo social (ECKERT & ROCHA, 2001; BONETTO, 2016). Considerando as diversas
perspectivas de percepção espacial como o “alto” e “baixo”, expostas De Certeau (2012).
Assim, a função das imagens seria a de ilustrar, mas também de gerar uma reflexão sobre a
forma de enxergar os quintais a partir de várias dimensões.
31

Assim, é possível reunir material para a própria pesquisa, e ainda propor o conteúdo
para próximas pesquisas relacionadas com o tema. Sobre os aspectos formais da pesquisa, é
relevante constatar que os informantes assinaram um termo de uso da imagem (APÊNDICE B),
motivo pelo qual são compartilhadas algumas fotos que tem a finalidade de humanizar o quintal.

Complementando, com o intuito de conhecer os quintais, não somente na sua


materialidade, mas nas atribuições e sentidos como “lugar”, foram realizadas entrevistas
semiestruturadas, a partir de um roteiro preestabelecido (APÊNDICE A) com perguntas abertas
que conduzissem a uma conversa sobre o quintal, começando por perguntas sobre os cuidados
e as atividades que ali eram realizadas.

Realizou-se também uma observação direta que permitiu conhecer as configurações


espaciais e os usos do espaço do quintal. A observação direta na pesquisa adquire um sentido
vital para a descrição e interpretação de como os sujeitos atribuem significado ao espaço através
das práticas sociais (POUPART et al, 2008).

A partir da observação também foi possível realizar um processo de inventário em


conjunto com os participantes da pesquisa. Os participantes identificaram, a partir do seu
próprio conhecimento empírico, a vegetação que “compõe” o quintal, de acordo a sua
importância. Além disso, a informação foi corroborada em bases de dados3 de flora brasileira e
do mundo para conhecer os nomes científicos e registros das espécies e elaborar tabelas que
mostrassem a diversidade que existe nos quintais cuiabanos.

De igual modo, o estudo se apoiou na produção de mapas, a partir das informações


coletadas. Estes recursos foram elaborados pela geógrafa equatoriana Nadya Serrano Abarca,
mestre em recursos hídricos pela UFMT, utilizando a multiplataforma de sistema de
informação geográfica QGIS, a partir do uso dos dados de endereço facilitados pelos
informantes da pesquisa.

Além disso, a disposição gratuita de imagens de satélite e mapas possibilitadas no


Google Maps, serviço de pesquisa e visualização na web proporcionado pela companhia
estadunidense Google, viabilizaram a consideração de uma visão vertical dos terrenos em uma
escala maior. A utilização da ferramenta de georeferenciação permite ver o conjunto

3
Para a elaboração das tabelas foram consultadas as bases de dados World Flora Online (worldfloraonline.org),
Reflora Brasil (floradobrasil.jbrj.gov.b), Flora Brasiliensis (florabrasiliensis.cria.org.br) e o Sistema de Informação
sobre a Biodiversidade Brasileira (https://ferramentas.sibbr.gov.br/ficha/bin/view/especie)
32

conseguindo também uma aproximação da imagem com uma boa qualidade visual para
conhecer os detalhes do entorno do espaço doméstico.

Nesse procedimento, considera-se a perspectiva do alto, espécie de grande plongé


(enquadramento cinematográfico em que a câmera é postada no alto, proporcionando ao
espectador a vista de cima), como uma dimensão comunicativa dos quintais disponível através
de plataformas de uso público.

Encontrou-se na criação de croquis a possibilidade de auxiliar a reprodução visual da


distribuição dos lotes dos quais os quintais formam parte. Este recurso visual permitiu salientar
características que não são reproduziveis nem através de fotografias, nem das imagens de
satélite por causa dos ângulos e da qualidade das imagens. Esse proceso funcionou como um
caderno de campo visual, para organizar as ideias sobre o quintal, especialmente para explicitar
a função dos quintais e sua importância durante o período posterior à declaração da pandemia.

Os croquis foram elaborados a partir da observação in situ e se apoiaram nas imagens


de satélite para termos uma noção da escala e da distribuição espacial. Os desenhos foram o
resultado de um trabalho colaborativo e da utilização de técnicas como lápis de cor sobre papel
por John Velásquez, na época mestrando da UFMT, e a finalização da imagem em formato
digital pela pesquisadora.

Os croquis são propostos como uma espécie de “carta náutica” que mostra a localização
dos quintais no espaço urbano de Cuiabá, a partir de detalhes que funcionam como coordenadas
para o registro espacial. O exercício mental da criação dos croquis reforça a ideia de comunicar
os quintais como espaços polivocais/polissêmicos da cidade, a partir da exposição de suas
formas e funções.

Além das técnicas citadas, outras estratégias foram necessárias para pensar o espaço do
quintal cuiabano, os sujeitos, as atribuições de significado e as práticas imersas no contexto da
cidade de Cuiabá. Ao se pensar o quintal em um habitat residencial, a aproximação aos
informantes para conhecer esse espaço não poderia se limitar à construção de um questionário
de perguntas e uma rápida observação direta.

A pesquisa sobre quintal exigia assim priorizar a permanência de um prolongado


período de tempo nesses espaços, então produzidos simbolicamente como lugares, em
companhia dos informantes. O tempo da conversa permitia a eles expressar os significados do
33

quintal, o que incluí a distribuição espacial de seus componentes (objetos, plantas, animais) e
lógicas criadas para esses espaços.

Ainda se falando do quintal como unidade espacial, é importante refletir sobre a


polissemia do quintal, que não obedece a um único padrão. Deste modo, a produção de
documentos próprios da presente pesquisa mostra a necessidade de pensar a relevância dos
quintais de um modo interdisciplinar e multidimensional, a partir de uma tessitura de recursos
que permitam visar a construção teórica de um espaço cheio de sentidos que permite vários
entrecruzamentos discursivos.

Caminhar e observar para abordar o quintal

A primeira abordagem para a compreensão da cidade e a análise inicial dos quintais foi
através da caminhada como uma forma de apreensão do espaço urbano proposta por De Certeau
(2012). Como complemento dessa estratégia, foi pensada a implementação da técnica de
antropologia urbana (observação flutuante), sugerida por Colette Petonnet (2008) como uma
maneira de flanar, de permanecer disponível ao que o espaço urbano tem para nos mostrar, sem
colocar atenção a um objeto particular. Deste modo, mantendo-se disponível às paisagens, às
formas, aos modos do ato de caminhar, tentávamos fazer um mapeamento preliminar dos
quintais, sobre sua localização, modos de acesso e de abordagem dos sujeitos participantes a
pesquisa.

Ao se olhar o quintal a partir da rua, uma imagem chamou a atenção: a aparência das
fachadas das residências, protegidas por muros e cercas elétricas, dentre os quais aparecia, ainda
que de maneira tímida, alguns galhos de bananeiras, cajueiros e mangueiras. Em alguns casos
foi possível perceber que as frutas podiam cair na rua, devido às frondosas árvores que
superavam os limites do espaço doméstico para fazer presença no território das calçadas.

Outra situação foi dada a partir da observação dos quintais quando, nessas caminhadas,
era possível visualizar os espaços verdes que se anunciavam por trás dos portões, muros e
grades. Em alguns desses momentos, precisamente no momento de passagem por uma
determinada rua, os portões se abriam para revelar o que, em geral, escondem: o espaço
doméstico. Ocultar a casa é uma forma de proteção ao olhar do estranho. O espaço doméstico
é revestido de equipamentos de segurança: muros, cercas, câmeras etc., como se pôde registrar
34

na figura 4, onde a bananeira supera o muro e a cerca para florescer no ambiente exterior do
espaço doméstico.

Figura 4: Bananeira e outras árvores frutíferas próximas ao muro de um espaço doméstico

Fonte: A pesquisadora (2019)

Licença para entrar no quintal

Considerando essa situação, em que a sensação é de insegurança, notável a partir das


formas de proteção das casas, foi pensada uma estratégia para abordar os quintais e o espaço
doméstico, inicialmente, como parte da pesquisa. A ideia de entrar no território doméstico a
partir da recomendação de um amigo ou de um conhecido foi uma forma de aproximação que
permitiu liberar o acesso às casas e facilitou criar um ambiente de confiança entre a
pesquisadora e os sujeitos da pesquisa, para conhecer a relação afetiva das pessoas com o
quintal. Essa estratégia foi denominada “Licença para entrar no quintal”.4

Após um contato inicial com os informantes, quando me apresentava como amiga de


alguma pessoa conhecida, as pessoas envolvidas na pesquisa combinavam um horário para me
receber em casa. Chegado o momento, me dirigia ao local por meio de transporte particular
fornecido por aplicativos, de ônibus ou a pé, dependendo da distância e da disposição de rotas

4
Durante a apresentação de uma comunicação no VII Congresso Internacional Interdisciplinar em Sociais e
Humanidades (Coninter) onde foram expostas as preliminares da pesquisa, uma participante mencionou: “As
visitas são geralmente recebidas na sala, mas não é todo mundo que entra no quintal”. O que confirmaria a
necessidade de elaborar uma rede de contatos que recomendassem a visita da pesquisadora no espaço doméstico.
35

do serviço de transporte público, entendendo que, como estrangeira e apenas aprendiz da


cidade, não conhecia muitos dos bairros onde a pesquisa se desenvolveu.

O desconhecimento desses territórios me permitia explorar a cidade e apreender outros


trajetos, reconhecendo diversas configurações da malha urbana, vendo as singularidades onde
esses quintais se localizavam. Contemplar a materialidade da paisagem permitiu pensar na
necessidade de entender essas ambiências a partir de várias perspectivas, com a finalidade de
mostrar as particularidades que o estudo de cada quintal poderia revelar.

É de salientar que a metodologia proposta para conhecer os quintais permitiu apreender


através de conversas quais são os vínculos materiais e simbólicos dos moradores com a
paisagem do quintal, e com as práticas e saberes ali possibilitados, como a culinária, a
agricultura em pequena escala, entre outras realidades vividas nesses espaços. Também foi
importante o reconhecimento de elementos que faziam parte da construção desse lugar, de
acordo com suas necessidades e concepções do mundo.

A estratégia, apesar de restringir o conhecimento de uma grande quantidade de quintais,


possibilitou apreender os quintais da pesquisa a partir de uma relação de confiança com os
donos. Este procedimento permitiu que a observação direta se realizasse durante um tempo
prolongado, tendo uma compreensão situada dos assuntos da vida social e cultural destes
espaços, despontando as tensões que ali se apresentam. Alguns quintais foram visitados em
duas ou mais ocasiões. Em outros momentos, foi possível notar uma reação voluntária dos
informantes da pesquisa de entrar em contato dias depois da visita para relatar novidades sobre
o dia-a-dia no quintal.

Destaca-se que, ainda com fins académicos, não é fácil ingressar nas casas e obter tempo
e atenção dos moradores, dados os ritmos da vida na cidade contemporânea, onde o tempo é
limitado. A situação seria ainda mais crítica a partir de 2020, sendo declarada a pandemia por
causa da Covid-19, uma conjuntura inesperada que interrompeu a realização de diversas
atividades de pesquisa, especificamente o trabalho de campo.5

Participação em eventos nos quintais cuiabanos

5
Com a rápida disseminação do vírus e o período de confinamento para frear os contágios, os encontros entre
participantes e pesquisadores foram estagnados para cuidar da saúde de todos, a partir da declaração da pandemia
em 2020.
36

Durante o percurso da pesquisa apareceram oportunidades de conhecer outros quintais,


a partir da participação em eventos que reuniam coletividades para comemorações especiais.
Nesse tipo de acontecimento foi possível unicamente a observação direta e o registro
fotográfico, sem aceder a conversas com os proprietários ou organizadores. No entanto, a
observação permitiu a escrita do diário de campo para perceber as situações dadas no quintal
como possibilitador de encontros.

O registro desses eventos “banais” que se situam nos quintais representa a vida mais
íntima e desperta um olhar mais cuidadoso para as singularidades da cidade que oferecem outras
perspectivas dos quintais no que se refere aos seus usos e formas de ocupação, mas também à
visualidade e organização espacial. A realização de atividades coletivas nesses espaços permitiu
ligar os quintais a atividades culturais conhecendo a importância que esses espaços têm na
cidade ao se constituírem como palcos para as diversas manifestações locais.

Comer no quintal

O quintal e sua polissemia trouxeram em um momento da pesquisa o estranhamento


com a ideia de quintal, na medida em que passamos a perceber o funcionamento na cidade de
alguns restaurantes que aparecem na tessitura urbana a partir da denominação “quintal de”.
Assim, foram realizadas visitas a três restaurantes em Cuiabá. A aproximação foi realizada com
os proprietários dos estabelecimentos (in situ) para observar a configuração desses espaços e
suas particularidades.

A diversidade de contatos estabelecidos possibilitou constatar que cada um dos espaços


da pesquisa apresenta características diversas que permitem pensar o quintal desde sua
singularidade, devido à sua configuração, distribuição de plantas e modos de uso, e a relação
de cada morador ou cuidador com o espaço.

De maneira aleatória, durante a pesquisa, foram visitados dez quintais, localizados em


diversas regiões da cidade (Ver figura 5), mostrando a reprodução desse tipo de estrutura, apesar
da acelerada expansão do tecido urbano que tem suscitado fenômenos como a verticalização e
a construção de conjuntos residenciais, como foi exposto por Romancini (2001). Olhar para
Cuiabá a partir desses fragmentos permite tecer ideias, como colcha de retalhos, da constituição
de um território ímpar, de uma cidade heterogênea que mostra diferentes formas de ser habitada.
37

Figura 5. Mapa de distribuição dos quintais da pesquisa em Cuiabá, Mato Grosso.

Fonte: A pesquisadora, 2021.

Os dez quintais da pesquisa correspondem por localização geográfica aos bairros da


região leste da cidade de Cuiabá: Boa Esperança (2 quintais), Lixeira, Jardim Universitário,
Jardim Imperial II; região oeste: Santa Rosa II, Cidade Alta, Duque de Caxias, Quilombo; e
38

região sul: Coophema, que como registrado na Figura 5, representam um valor sobre a
superfície da cidade.
39

CAPÍTULO I

LUGAR E PAISAGEM CULTURAL: A CIDADE E O QUINTAL

O olho vê,
a lembrança revê,
a imaginação transvê;
é preciso transver o mundo.

Manoel de Barros (2015, p. 83)

Quintais são terrenos anexos à casa, caracterizados por albergar cultivos de plantas e
criação de animais, para cumprir funções de abastecimento, sombreamento, usos medicinais,
ornamentais e de lazer. Os quintais tem sido considerados como relevantes para a conservação
da diversidade de espécies (vegetais e animais), a reprodução de saberes, manutenção da
cobertura verde urbana e a prática cotidiana de múltiplas atividades familiares e sociais.

A presença de quintais na cidade de Cuiabá oferece uma visão sobre os modos de


ocupação de antigos assentamentos humanos. A existência dos quintais, ainda hoje, não
somente traz uma reflexão sobre uma forma histórica de vida, mas sobre o que implica escavar
na materialidade desse espaço o simbolismo das transformações na paisagem da cidade. Nessa
escavação, deparamo-nos com a relevância desses fragmentos espaciais urbanos que parecem
ter um silenciamento por parte da mídia, mas que insistem em uma permanência na memória
coletiva das pessoas que habitam a cidade.

A perspectiva da paisagem cultural permite expor o quintal e refletir sobre ele a partir
de uma abordagem cultural. Este procedimento permite apresentar o quintal como fragmento
de paisagem, a partir de múltiplas perspectivas, ponderando também as qualidades
comunicativas da cidade. A perspectiva e a abordagem proporcionam uma ideia sobre a cidade
e sua organização espacial, permitindo também pensar nesses discursos dados a partir de
diferentes leituras, tanto dos moradores quanto dos estrangeiros.

Pensar a cidade exige uma abrangência de posições sobre o lugar e os seres que nela
interagem. No entanto, é importante refletir sobre a forma como se olha a cidade e as mediações
que constituem esse olhar. Como menciona Reguillo (2007), esse olhar demanda a abordagem
da cultura, o que nos situa na análise da presença de instituições, agências, discursos e práticas
sociais.
40

Existem múltiplas tensões sobre os olhares das paisagens que configuram o espaço a
partir das diversas atividades humanas, o que inclui a relação entre homem e natureza. No
tocante à cultura, esta interação, especificamente dada a partir das formas de moradia, pode
mostrar as singularidades da experiência urbana a partir das banalidades do cotidiano.

Nas cidades, as transformações estéticas e as mudanças da paisagem continuam nos


mostrando uma convivência de temporalidades marcante nos hábitos, saberes e afetos. Como
menciona Santos (2002), as periodizações mostram a ordem do tempo que reflete sobre a
existência de gerações urbanas, que poderiam mostrar como essas cidades foram construídas
de várias maneiras, através da utilização de diversos materiais e a partir de diferentes ideologias.

Para Santos (2002), cada cidade nasce com características próprias, dadas a partir de
suas necessidades e das possibilidades da época, que constituem um presente no presente,
conforme se forma o espaço, a partir da materialidade e das relações sociais.

Como adição do passado e o presente através das formas das cidades, Santos (2002)
pondera que a materialidade é toda do passado porque mostra elementos que já foram
construídos. Ele considera que, mesmo estando no presente, estes elementos trazem o passado
a partir da representação de suas formas. Nesse sentido, não existiriam como tempo, mas como
espaço (SANTOS, 2012).

A materialidade constitui, então, um dado primordial na interpretação do espaço, que


permite, através das técnicas e periodizações, recompor a paisagem urbana como o palimpsesto
que mostra acumulação de tempos desiguais, que passa dos tempos justapostos aos tempos
superpostos, afirma Santos (2002).

A justaposição dos tempos mostra como cada sociedade designa seu tempo a partir de
suas técnicas, de seu espaço, das relações sociais que construía e de sua linguagem. Mas a
mudança para os tempos superpostos, enaltecidos pelo capitalismo, expõem uma tendência à
internacionalização geral, salienta Santos (2002).

A superposição dos tempos poderia ser conectada a propostas da cidade contemporânea,


como aquela nomeada pelo arquiteto Rem Koolhaas como “cidade genérica”, através do ensaio
homônimo publicado em 1995, no qual questiona se as cidades poderiam ser como os
aeroportos contemporâneos: todas iguais. A cidade genérica é caracterizada, entre outros
aspectos, por ser destituída de identidade, apostar por uma descentralização, ser fractal, ou seja,
o mesmo módulo estrutural simples se repete infindavelmente, e estar passando da
41

horizontalidade para a verticalidade: “Como se o arranha-céu fosse a tipologia final e definitiva.


Ele engole todo o restante” (KOOLHAAS, 2014, p. 43).

Entre outros aspectos, Koolhaas (2014) salienta que a cidade genérica tenta controlar os
climas extremos e gerar um ambiente mais tropical, onde o vegetal se torna um resíduo edênico,
mas também o principal portador veículo de identidade, que apresenta um híbrido entre política
e paisagem.

A cidade genérica e outras iniciativas do urbanismo são debatidas dia-a-dia nas cidades
latino-americanas, onde a importação de tendências europeias e estadunidenses mostra que
historicamente o design dos espaços continua correspondendo, em sua grande maioria, a
padrões urbanísticos estrangeiros, descartando a consideração das próprias cidades para pensar,
representar e construir os lugares, como tem mencionado pensadores como Arturo Escobar
(2016). Espaços banais, como os quintais, possibilitam refletir sobre esses dois possíveis
inimigos, apontados por Santos (2001): os modelos universais e a semantização universal, e sua
relação sobre o que concebemos da paisagem.

1.1 Lugar e quintal: tecelagem introdutória

A interpretação não é uma tarefa fácil. Pensar um espaço como o quintal a partir do viés
comunicacional e cultural conduz a nos orientarmos na abordagem de duas categorias espaciais,
que predominantemente tem sido assumidas pelo campo disciplinar da geografia, mas que do
seu modo tem sido caracterizadas por serem tratadas a partir de uma visão interdisciplinar: o
lugar e a paisagem.

A interface entre lugar e paisagem procura criar um apanhado cultural do quintal,


considerando-o como um espaço de interação entre os humanos e o ambiente, mas também
exaltando que sua composição adquire um carácter comunicativo que o torna material, e, como
menciona Ferrara (2012) referente à paisagem, permite admirar sua imagem e identificar sua
visualidade.

Incialmente, será exposta a necessidade de pensar o quintal como lugar que permite
expor a ligação entre categorias e linhas de pensamento. Embora o lugar tenha sido
desenvolvido a partir da geografia humanista, principalmente, tem apresentado uma estreita
relação com a geografia cultural, proposta para a abordagem da paisagem cultural.
42

Retomando o lugar como conceito da geografia humanista, que propõe a incorporação


das humanidades nos estudos geográficos (HOLZER, 1997) e, principalmente, a partir do
pensamento do geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan, que expõe a relevância da experiência
humana para o estudo geográfico, indicamos esta categoria “lugar” para ver o quintal como um
fragmento do espaço imbuído de significados, emoções e sentimentos, que revelam um carácter
afetivo.

Ao longo de sua trajetória acadêmica, Yi-Fu Tuan tem ponderado a necessidade de


estudar com atenção como os seres humanos se relacionam com seu entorno e atribuem um
significado aos lugares, através das diversas relações de caráter afetivo, sensorial e emotivo.
Para Tuan (1980, 1983, 2015), a experiência é determinante para conhecer os processos de
significação, mas a experiência acaba sendo intermediada pela cultura e é dada a partir de
diversos aspectos.

Com a finalidade de ir além da determinação do lugar como um ponto geográfico, para


considerá-lo como um espaço existencial, Tuan retoma a experiência e suas diversas variantes
qualitativas, que permitem aos sujeitos fazer valorações dos lugares, dependendo de sua
condição. Assim, ele retoma aspectos como a duração (tempo), movimento, idade, condição
social, configurações espaciais, o poder exercido sobre o espaço, entre outros, para observar
diversas perspectivas da experiência.

Sobre tempo e experiência, por exemplo, Tuan (1983) pondera que permanecer durante
um tempo prolongado em um lugar é determinante para atribuir valor a um lugar, sendo o
resultado de um uso habitual e adquirindo densidade de significado, e menciona que “sentir”
um lugar requer tempo, até nos familiarizarmos, para que o lugar que se torne confortável e
discreto, e deixe de chamar nossa atenção:

“Sentir” um lugar leva mais tempo. Se faz de experiências, em sua maior parte fugazes
e pouco dramáticas, repetidas dia após dia e através dos anos. É uma mistura singular
de vistas, sons, cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como a
hora do sol nascer e se pôr, de trabalhar e brincar. Sentir um lugar é registrado pelos
nossos músculos e ossos.” (TUAN, 1983, p. 203)

Desse modo, embora Tuan (1983) reconheça que dificilmente o afeto por um local seja
gerado de passagem, o geógrafo considera que a intensidade é o que faz que os acontecimentos
adquiram relevância para os seres humanos, pois, mesmo tendo uma curta duração, uma
experiência intensa pode modificar a vida dos sujeitos.
43

Por outro lado, existem outros fatores de percepção temporal que afetam a sensação de
lugar, colocados por Tuan (1983), tal como a idade, exemplificando que a percepção de uma
criança pequena difere da experiência de lugar de um adulto, pela compreensão do tempo. A
percepção do passado não apresenta semelhanças entre eles, por exemplo, porque o tempo
humano está demarcado por etapas.

Os valores e percepções sobre os lugares dependem então do vivido pela pessoa, da sua
experiência concreta, mas também dos valores espaciais determinados pelas estruturas sociais.
Tuan (1980) salienta como algumas categorias espaciais significativas, como frente e trás, não
representam o mesmo valor social. Nesse viés, por exemplo, a agorafobia e a claustrofobia são
sentimentos relacionados aos espaços abertos e fechados.

Tuan (1980) enfatiza que, para os seres humanos, as paisagens despertam emoções e, à
vista desta experiência, desenvolveu o termo “topofilia”, que define em um amplo sentido os
vínculos afetivos criados entre as pessoas e o meio ambiente material.

Esse elo afetivo, menciona Tuan (1980), se manifesta de diversas maneiras, como a
apreciação visual e estética, que se expressa quando o olhar fica surpreso ante uma paisagem
criando uma experiência estética intensa. “A beleza é sentida como o contato repentino com
um aspecto da realidade até então desconhecido; é antítese do gosto desenvolvido por certas
paisagens ou o sentimento afetivo por lugares que se conhecem bem”. (TUAN, 1980, p. 108).
Exploradores e viajantes, exemplifica Tuan (1980), registraram em seus diários aquele
sentimento de encanto por paisagens fascinantes.

No entanto, o prazer visual muda em intensidade e tipo, para além das convenções
sociais, respondendo às motivações humanas quando estão misturadas com lembranças de
acontecimentos pessoais, indica Tuan (1980). Há contatos com a paisagem natural que, mesmo
simples, podem despertar atração, experimentando outro tipo de beleza para quem pode apreciar
o ritmo lento da vida, por exemplo as crianças: “A natureza produz sensações deleitáveis à
criança, que tem mente aberta, indiferença por si mesma e falta de preocupação pelas regras de
beleza definidas” (TUAN, 1980, p. 111).

A relação de afeto pelo meio ambiente também está mediada pelas transformações
culturais. Segundo Tuan (1980, 2015), a urbanização provocou um impacto na relação cidade-
natureza, visto que se gerou uma contraposição com a natureza, tentando ter o controle sobre
os fenômenos que nela podem acontecer, inclusive afetando a conexão da cidade com a
44

agricultura. Ao longo do tempo, nessa relação, enquanto a cidade aumentava de tamanho, os


espaços abertos como quintais e hortas diminuíam.

Contudo, a relação entre cidade e natureza não desapareceu, nem a necessidade da


agricultura como um contato mais direto e intenso com a natureza. Por isso, a mudança foi
sendo visível a partir da disposição de várias maneiras de agricultura urbana, como as hortas
verticais e os telhados verdes, mas também ligando a ideia de plantar nos espaços domésticos
como um culto à apreciação dos produtos locais e do consumo de alimentos saudáveis e
saborosos (TUAN, 2015).

Como é colocado no presente texto, é necessário conhecer as atitudes, a topofilia de


quem ainda planta na cidade e mantém uma área aberta para dar valor ao seu mundo. Como
pode acontecer com o quintal, existem paisagens que criam intimidades físicas estreitas, uma
dependência material e a visão de que nesse terreno existe um repositório de lembranças e um
elo de esperança, como distingue Tuan (1980).

Nesse sentido, existe uma apreciação estética e uma sensação de bem-estar, mas não é
expressada. Apesar disso, o lugar permite fazer uma análise da vida, como aponta Carlos
(2007), que tem que passar pelas relações de poder tecidas sobre as conceições da paisagem.

1.2. Paisagem, considerações do olhar geográfico

O interesse pelas paisagens surgiu na geografia desde o nascimento da disciplina


(CLAVAL, 2012). A paisagem é um conceito tradicional que tem sido especificamente ligado,
como menciona Souza (2016, p. 43-44), ao “espaço abarcado pela visão de um observador”,
este dimensionado em um diálogo com as artes plásticas tradicionais e a representação visual e
pictórica apresentada a partir de um ângulo privilegiado.

A ideia da paisagem aparece como uma expressão de grande relevância na missão de


reunir a imagem visual e o mundo material, sendo, de algum modo, o resultado desse processo.
Denis Cosgrove (2002) salienta que o surgimento da paisagem como conceito, suscita refletir
sobre como dito processo histórico mostra as relações de poder existentes no ato de olhar e
julgar as paisagens.
45

O geógrafo francês Paul Claval (2012) fez o percurso da evolução do termo e aludiu que
a locução paisagem surgiu no século XV, sob a forma landskip, nos Países Baixos, entendida
como a apresentação de um pedaço de natureza. Claval (2012) explicitou que os termos
landschaft, em alemão, e landscape, em inglês, foram concebidos para traduzir o landskip e
empregados com o intuito de difundir um novo gênero pictural. Porém, foi através da
transcrição no italiano da ideia de extensão do francês pays, também procedente da raiz land,
que se produz o termo paesaggio, que empregado a partir de 1549, pondera a paisagem como
forma de pintura (CLAVAL, 2012).

A etimologia da paisagem, poderia ser reveladora, em outro sentido, devido à


ponderação dos sufixos -schaft, -skip, -scape, como conexões do coletivo humano, e os direitos
públicos ou de usufruição de uma área delimitada (land), conforme ao direito consuetudinário
(COSGROVE, 2002). No entanto, conforme Cosgrove (2012), a partir da aparição na língua
inglesa em finais do século XVI, esse uso foi subordinado a uma área visível para o olho
humano a partir de uma localização estratégica.

Ligado à ideia inicial da paisagem, Claval (2012) comenta os quadros que mostravam
fragmentos de natureza na representação plástica, com o intuito de substituir uma janela da qual
se observava. Esta perspectiva artística, segundo o autor francês, foi uma invenção de grande
importância na história da paisagem ocidental.

A observação estratégica da paisagem, aponta Cosgrove (2002), era dada a partir de um


ponto de elevação como morro, colinas, torres, onde se pudesse contemplar o panorama, mas
também a partir da utilização de instrumentos como espelhos ou binóculos. Cosgrove (2002)
menciona que a distância entre o espectador e o espaço geográfico contemplado estabelece uma
relação de poder, domínio e subordinação.

A posição estratégica oferece ao espectador a possibilidade de selecionar, compor e


inserir um marco a aquilo que é observado. Dessa forma, o espectador utiliza seu poder
imaginativo para transformar o espaço material em paisagem (COSGROVE, 2002).

Assim, os marcos da paisagem apresentaram a existência da dimensão subjetiva e a


relação estética do processo de criação, que ponderava também a importância da Europa como
lugar de enunciação da concepção da paisagem, a partir do desenvolvimento conceitual e
técnico e da construção de marcos e depois de acervos das diversas paisagens resultantes de
expedições científicas. Nessa empreitada de conhecimento do mundo, foi através dos geógrafos
46

que os viajantes utilizaram a geografia para capturar a natureza das regiões que percorriam
(COSGROVE, 2002).

No entanto, mesmo com uma notória evolução na elaboração de um acervo de palavras


que permitisse aos países europeus descrever formas de terreno, cobertura vegetal e
assentamentos humanos, a dificuldade de traduzir a fisionomia através palavras levou os
viajantes à realização de ilustrações com gravuras.

Assim, por exemplo, Claval (2012) aponta a importância de obras como Vues des
cordillères et monuments des peuples indigènes de l’Amérique6, na qual, após o périplo pela
América Latina, Alexander von Humboldt apresenta 69 pranchas comentadas, que oferecem
uma ideia reveladora do continente.

Perante a necessidade de comunicar as paisagens, conforme registrado por Claval


(2012), os geógrafos do século XIX, atentos à diversidade das paisagens registradas recorrem
aos avanços da litografia e, posteriormente, da fotografia, conseguindo uma maior difusão.

No sentido comunicacional, Cosgrove (2002) aponta que a paisagem permite a


apreensão geográfica como se percebe, se retrata e se imagina, gerando uma relação que
privilegia o observador sobre o visto. A partir dessa reflexão poder-se-ia pensar na importância
das atribuições de valor às paisagens como sublimes, belas e pitorescas. O autor indica também,
que a aparência visual como atrativo público teve implicações políticas, tal como foi o caso da
demarcação e proteção de certas áreas geográficas nos Estados Unidos, cuja reprodução em
quadros, dioramas e fotos levou à designação dessas áreas como parques nos inícios do século
XX.

Com o tempo a noção de paisagem iria se modificando com o avanço da disciplina


surgindo posteriormente como interface. Essa outra maneira de apreendê-la, levava em
consideração não somente a atmosfera/litosfera – hidrosfera, como suporte da biosfera, mas
também da relação entre homens e natureza. Assim, se desenvolveram temas de pesquisa como
a distribuição dos homens, de suas atividades e de suas obras na superfície da terra durante os
anos 1880 e 1890. Nesse período, conforme Claval (2012), Friedrich Ratzel, define o campo
como antropogeografia, a geografia humana.

Desse modo, a nova perspectiva da paisagem na geografia desenvolvia estudos das


relações densas entre os homens e os ambientes que habitam. Nessa fase, o intuito era conhecer

6
Traducido ao português como “Vista das cordilheiras e monumentos dos povos indígenas de América”.
47

as transformações desencadeadas no meio ambiente a partir das atividades humanas, o que não
implicava ponderar os jogos de forças nem os mecanismos econômicos.

A multiplicidade de aspectos a considerar na paisagem pelo geógrafo marcava uma


diferenciação entre suas descrições e aquelas dos pintores. Não obstante, foi a partir da
concepção da paisagem como interface entre a atmosfera e a litosfera/hidrosfera ou entre
natureza e cultura, que mudou a visão do geógrafo. Ela deixou só de ser horizontal ou oblíqua,
para se tornar vertical. Assim, a paisagem era cartografada através de mapas da paisagem
vegetal, do uso do solo e das formas de habitat, como indica Claval (2012).

A reconfiguração na ótica da visão da paisagem outorgou valor a elementos de pouca


relevância, no momento, como ilustrações das parcelas de terras, o plano das aldeias e das
cidades ou as estradas. Apareceram então novos usos do termo paisagem. Por exemplo: a
paisagem agrária e a paisagem rural, que não tivessem sido possíveis de apreciar sem a visão
vertical (CLAVAL, (2012).

A percepção vertical, conferida a partir de ferramentas como fotos aéreas e planos


cadastrais, adquiriu relevância nos estudos geográficos ao permitir conhecer generalizações, a
estrutura da distribuição, entre outras. Contudo, Claval (2012) menciona que essa perspectiva,
levou, em certas ocasiões, a desconsiderar elementos importantes na vida das pessoas.

A criação e a difusão de imagens, que ponderam a vista como privilegiada para enxergar
a paisagem, é um assunto que exige uma constante reflexão, levando em consideração que não
é neutra nem na perspectiva moral, nem política, segundo Cosgrove (2002), que considera as
imagens como agentes relevantes na configuração da realidade.

No tocante aos parques e praças, por exemplo, Cosgrove (2012) menciona que foram
criados para impor formas de conduta, sendo regulados desde a construção da própria paisagem,
que envolve a distribuição e a organização espacial, a escolha de plantas, o estilo, as cores e
outros aspectos para manter esses espaços imutáveis.

Cosgrove (2012) aponta que a disposição de parques como uma forma de diversão para
substituir passatempos tradicionais da classe trabalhadora inglesa, como as brigas de galo, beber
em tavernas ou a feiras locais, se mantém para simbolizar ideais de decência. Desse modo, o
autor coloca que todas as paisagens têm significados simbólicos ao serem produto de alterações
do meio ambiente pelo homem.
48

A interpretação simbólica das paisagens baseia-se em maiores evidências do que


antigamente, tanto material, através de fontes documentais e cartográficas e orais, como a partir
de expressões culturais, como pinturas, romances, poemas, músicas, canções, filmes etc. Porém,
Cosgrove (2012) salienta que é essencial uma sensibilidade contextual e histórica para a
compreensão da paisagem.

As diversas alterações dadas através da evolução da paisagem como categoria mostram


os diversos métodos para enxergar a paisagem através do desenvolvimento da geografia como
disciplina, mas também como a partir desse processo é possível reconhecer as nossas próprias
percepções de mundo, de como o observamos a partir de perspectivas, ângulos, instrumentos,
definições etc., evidenciando nesse processo um aspecto cultural.

1.3. Paisagem cultural: conceitos e evolução

A paisagem sob a perspectiva da geografia cultural tem sido desenvolvida a partir de


diversas escolas que, especialmente, ao longo do século XIX e XX, levantaram relevantes
discussões sobre a paisagem em relação com a cultura. Nesse viés, são considerados dois
grandes períodos, relacionados à abordagem: o primeiro dado em finais do século XIX a 1970
se refere à análise da paisagem conforme a sua morfologia e gênese; o segundo, de 1970 ao
presente, ao estudo da paisagem a partir dos seus significados. (CORRÊA; ROSENDAHL,
2012).

A relevância da interface entre cultura e a paisagem é apreciável na geografia a partir


de diversas bases que provêm de diversos lugares de pensamento e autores: na Alemanha
(Passarge e Schlüter), na França (Vidal de la Blache, Brunhes e Max Sorre) e com maior
destaque nos Estados Unidos, onde o trabalho de Carl Sauer (CORRÊA, 1995), que originou a
Escola de Berkeley, apresentou uma visão inovadora da paisagem.

Destaca-se o estadunidense Carl Sauer como um dos maiores expoentes na abordagem


da paisagem cultural a partir da sua morfologia e sua gênese, ou seja, das formas visíveis da
paisagem. Sauer (2012) concebe a paisagem cultural como uma composição dos atributos da
área natural e das alterações na paisagem física como resultado das atividades do homem. Nessa
composição, o homem é considerado como último agente na constituição da paisagem, pelo
qual considerava o progresso da paisagem cultural a partir da paisagem natural.
49

Na visão de Sauer (2012), era necessário pensar a paisagem como resultado das relações
entre um grupo cultural (agente), que é força ativa sobre uma área natural (meio), que muda a
paisagem através do tempo em aspectos como as formas de habitação, produção, comunicação
e população.

Os aportes de Sauer à fundamentação da geografia cultural foram relevantes na


constituição de um campo de estudos até então pouco cultivado. A consideração da paisagem
cultural como o último significado da área geográfica ponderava como fator preponderante a
preocupação por estudar as marcas do homem na paisagem, e não seus costumes, crenças ou
outros elementos (SAUER,2012).

O método morfológico para análise da paisagem, ponderada por Sauer, foi


preponderante na geografia cultural até 1970, quando começou a emergir um grupo de autores
que, influenciados pelo elo das mudanças sociais da época. Esses autores outorgaram à
geografia cultural uma orientação para conhecer os significados da paisagem e interpretar a
realidade social. Dessa virada cultural nasceria a chamada Nova Geografia Cultural.

A renovação da geografia cultural permite estabelecer um diálogo com outras


disciplinas através dos aportes da fenomenologia, hermenêutica, linguística, antropologia
interpretativa e outros, colocando-a uma como heterotopia epistemológica, como propõe
Duncan (2012). A partir dessa nova perspectiva, os estudos sobre a paisagem ganham uma
abrangência de temáticas que se desenvolve em diversos contextos sociais com a finalidade de
mostrar a importância material e simbólica da paisagem.

O conceito de paisagem adquire outro sentido a partir de autores como o geógrafo


francês Augustin Berque que aponta que mesmo sendo evidenciada a partir de sua
materialidade, a paisagem existe principalmente a partir de sua relação com o sujeito coletivo,
esclarecendo-o como: “a sociedade que a produziu, que a reproduz e a transforma em função
de uma certa lógica”. (BERQUE, 2012, p. 84)

Sobre esse quesito, Denis Cosgrove (2002), geógrafo inglês, menciona que a paisagem
como conceito organizativo e analítico passou de ser uma referência do concreto, de um
conjunto dimensionável de formas materiais de uma área geográfica definida, de uma
representação dessas formas em uma diversidade de expressões (quadros, fotografias, textos
etc.), para se converter em espaços lembrados, desejados e que dão corpo à imaginação e os
sentidos.
50

Como exposto em seu texto “A geografia está em toda parte”, publicado em 1989,
Cosgrove menciona que limitar a geografia à materialidade reduz sua potencialidade de se
maravilhar com o mundo humano, “com a alegria de ver e refletir sobre o mosaico ricamente
variado da vida humana e de compreender a elegância de suas expressões na paisagem humana”
(COSGROVE, 2012).

Nesse sentido, o funcionalismo utilitário, segundo Cosgrove (2012), restringe o


reconhecimento de outras motivações humanas, geralmente banidas da geografia como as
paixões morais, patrióticas, religiosas, sexuais e políticas. A proposta, aponta o autor, é aplicar
à paisagem habilidades interpretativas que permitam analisar, por exemplo, um romance, um
filme, um quadro, entre outros, como expressões humanas intencionais compostas de várias
camadas de significados, considerado atípico para os geógrafos.

A geografia como junção das humanidades e da ciência social, proposta por Cosgrove
(2012), adquire um maior sentido ao se focar na interface entre paisagem, cultura e simbolismo.
A discussão adiantada pelo geógrafo sugere outra perspectiva de paisagem que a considera
como uma forma de ver, compor e harmonizar o mundo, como uma unidade visual.

Assim a paisagem está intimamente ligada a uma nova maneira de ver o mundo como
uma criação racionalmente ordenada, designada e harmoniosa, cuja estrutura e cujo
mecanismo são acessíveis à mente humana, assim como ao olho, e agem como guias
para os seres humanos em suas ações de alterar o meio ambiente. Nesse sentido,
paisagem é um conceito complexo de cujas implicações desejo especificar três: 1) um
foco nas formas visíveis do nosso mundo, sua composição e estrutura espacial; 2)
unidade, coerência e ordem ou concepção racional do meio ambiente; 3) a ideia de
intervenção humana e controle das forças que modelam e remodelam nosso mundo.

A visão da paisagem, relacionada ao simbolismo e à cultura, concebida por Cosgrove


ao longo de sua trajetória, do mesmo modo que na geografia cultural inglesa, recebeu uma
importante influência das ideias desenvolvidas no Centro de Estudos Culturais
Contemporâneos da Universidade de Birmingham (Corrêa, 2011). A visão crítica da cultura
desenvolvida nesse centro acadêmico gerou vínculos entre Cosgrove e Peter Jackson (1987),
mas também ajudou o próprio Cosgrove a desenvolver uma posição de valorização das
paisagens comuns (ordinary landscapes), a partir da proposta de Raymond Williams da cultura
como comum (culture is ordinary).

Na relação entre cultura e poder, retomamos a Cosgrove (2012). Ele aponta que o poder
é expresso e mantido através da reprodução da cultura. Considerando que a paisagem como
forma de expressão cultural poderia ser reflexo desse tipo de relações hegemônicas,
51

considerando a existência de paisagens da cultura dominante, alternativas, residuais,


emergentes e excluídas.

Augusto Berque (2012), por sua parte, propôs conceituar a paisagem como marca e
matriz. Marca, devido ao fato de expressar uma civilização, e matriz, ao considerar que
correspondia aos esquemas de percepção, concepção e ação, ou seja, da cultura. Berque pondera
que é através da paisagem que é canalizado o vínculo de uma sociedade com o espaço e a
natureza.

A paisagem, na visão de Berque (2012), é plurimodal, porque é passiva-ativa-potencial


etc., como também é plurimodal o sujeito para o qual essa paisagem existe. Para o autor, o
sujeito coletivo e a paisagem fazem parte de uma cointegração em um conjunto unitário que
pode se autoproduzir e autorreproduzir, conseguindo se transformar em conformidade com as
mediações como o exterior.

A renovada geografia cultural como estudo do sentido e dos significados atribuídos à


paisagem não somente a partir da materialidade, mas do simbolismo em relação com a
experiência, abre caminhos para analisar temáticas, inclusive não recorrentes na produção
científica.

A compreensão das expressões de cada cultura na paisagem requer o conhecimento dos


símbolos nessa cultura e de seus significados. Como uma manga, por exemplo, que além de ser
um elemento natural, em Cuiabá, torna-se um elemento cultural identitário. Fora de Cuiabá, a
manga não representa o mesmo valor cultural. Às vezes a relação entre o símbolo e seu referente
é tênue, nesse sentido, como menciona Cosgrove: “Revelar os significados na paisagem exige
a habilidade imaginativa de entrar no mundo dos outros de maneira autoconsciente e, então, re-
presentar essa paisagem em um nível no qual seus significados possam ser expostos e
refletidos” (2012, p. 226).

Conforme Corrêa (2019), ao colocar a geografia cultural como abordagem, como um


modo de olhar a realidade e como uma interpretação sobre como outros grupos pensam e
praticam, não se considera o estudo de um objeto específico, mas a própria cultura
compreendida a partir do senso comum ou através de uma visão abrangente.
52

Assim, focalizada na interpretação das representações que os diferentes grupos sociais


construíram a partir de suas próprias experiências e práticas, a geografia cultural não estabelece
limites sobre a escala das pesquisas (CORRÊA, 2019).

Salientando que, assim como na cultura, na paisagem o dinamismo é uma constante que
a dota de sentido e permite a abordagem de múltiplos caminhos a percorrer, propomos
direcionar a seguinte tese para a compreensão dos modos de percepção e modos de relação de
um espaço comum como o quintal, que atravessa diversas modulações que se inter-relacionam
para lhe encher de sentido em três escalas (a cidade, a casa e as pessoas) e três dimensões
(material, simbólico e afetivo).

1.4. Contexto histórico e transformações da paisagem de Cuiabá

Pensar o quintal estabelece uma relação com a cultura ao se pensar na paisagem como
conjunto de fatores de um olhar construído que adquire uma função comunicativa. Considera-
se que, ao partir da análise sobre a construção do conceito de paisagem, ligada ao pensamento
geográfico, estabelecemos conexões para pensar os espaços da cidade como meio e conteúdo,
ou seja, exprimindo a dimensão comunicativa da paisagem cultural.

Olhar a paisagem de Cuiabá para interpretar o simbolismo, a materialidade e a dimensão


afetiva dos quintais exige o conhecimento prévio sobre as mudanças do espaço urbano e a
revisão dos acervos produzidos. As transformações permitem pensar na relação entre as
representações e as temporalidades que imprimiram uma marca na cidade, cujo registro é uma
testemunha histórica, mas também conteúdo comunicativo da própria cidade.

O material permite analisar a descrição e contextualização desses espaços ao longo do


tempo, considerando também que é um olhar construído, que mostra as relações de poder que
preponderam alguns elementos como pontos de referência, marcadores espaciais e identitários
da própria cidade.

A disposição e circulação de imagens, relatos e outros recursos permitem uma


legibilidade da ordem visual, devido a que proporcionam um valor às descrições geográficas e
urbanísticas. Da mesma maneira, são comunicacionais porque são elementos reconhecidos da
paisagem como construção social e coletiva. A ausência de alguns espaços, como destaques da
visualidade, pode remeter a uma sensação de desimportância (JACOBS, 2011).
53

A paisagem transcende a própria representação e possibilita pensar a constituição dos


modos de observação, pois as imagens da paisagem são construções sociais e reflexo da
expressão gráfica das identidades individuais e coletivas (COSGROVE, 2002).

Evolução da paisagem de Cuiabá

Cuiabá é capital do estado de Mato Grosso. A localização do município no Centro


Geodésico da América do Sul e no Centro-Oeste brasileiro permitiram a ela uma configuração
particular como cidade cujo reflexo é notável tanto na sua materialidade quanto no seu
simbolismo, que apresentam uma fonte inesgotável de misturas de grande interesse para análise
cultural. Nesse sentido, a proximidade dos biomas do Cerrado brasileiro e o Pantanal Mato-
grossense proporcionaram à cidade uma ampla biodiversidade.

No cenário natural dessas caraterísticas, a convivência diversificada de povos criou uma


relação relevante com a natureza que tem se transformado através das dinâmicas
socioeconômicas no decorrer do tempo.

Embora existam muitas discussões em torno à historiografia de Cuiabá, retomamos a


obra do arquiteto Júlio de Lamonica Freire (1997), que mostra as transformações urbanas e a
arquitetura popular, através de uma sensibilidade ímpar e um olhar atencioso. O trabalho do
arquiteto é baseado na sua formação e experiência como arquiteto, inclusive, levando em
consideração sua participação no Grupo de Trabalho encarregado do planejamento e construção
do Centro Político-Administrativo (CPA).

Em sua obra “Por uma poética popular na arquitetura”, publicada em 1997, Freire
ponderou três ciclos de produção do espaço em Cuiabá: ciclo da mineração, ciclo da
sedimentação administrativa e ciclo da modernização. As três fases marcadas por
acontecimentos notáveis na história da cidade que tiveram um impacto sobre a cultura material
e imaterial da cidade, e que seriam de grande importância no desenvolvimento da arquitetura e
da constituição da paisagem material.

Além do trabalho do pesquisador e arquiteto, tomamos como referência os registros da


Prefeitura Municipal de Cuiabá sobre a evolução urbana considerando fontes oficiais que
proporcionam outros dados sobre as transformações ocorridas ao longo da história. O estudo de
documentos oficiais e históricos é apresentado com o intuito de integrar as áreas de maior
54

impacto no desenvolvimento da cidade para ampliar a compreensão sobre a paisagem cultural


cuiabana.

Ciclo da mineração

Conforme Freire (1997), o ciclo da mineração compreende o período desde a fundação


da cidade até a época de declaração de Cuiabá como capital da Província de Mato Grosso, em
1820. Durante aquela época, menciona o autor, a cidade enfrentou um tempo de escassez e
adversidades, como consequência da posição de Cuiabá no sistema político-econômico.

De acordo com o histórico do município, a chegada do bandeirante paulista, Manoel de


Campos Bicudo, o primeiro a chegar em Cuiabá, entre 1673 e 1682, teve uma grande
repercussão. No ponto de confluência do rio Coxipó com o rio Cuiabá, Bicudo fundou o
primeiro povoado da região ao qual deu o nome de São Gonçalo, santo padroeiro dos
navegantes, atual Comunidade de São Gonçalo Beira-Rio. (Cuiabá, 2007).

Segundo documentos oficiais, Cuiabá seria fundada por meio da ata assinada no dia 8
de abril de 1719 no lugar conhecido como Forquilha, às margens do rio Coxipó, através da
convocatória de Pascoal Moreira Cabral, tempo depois que os bandeirantes paulistas tivessem
atravessado esse território, que, segundo o Tratado de Tordesilhas, correspondia à propriedade
dos espanhóis.

Em 1722, com a descoberta das Lavras de Sutil, a ocupação do povoado transfere-se do


Arraial da Forquilha, no atual distrito do Coxipó do Ouro, para o morro do Rosário. Desse
modo, o povoamento da Região Central da cidade foi iniciado à margem direita do córrego da
Prainha, cuja delimitação natural era dada, à esquerda, pelo morro do Rosário e, à direita, pelo
morro da Boa Morte, que era o ponto mais distante (CUIABÁ, 2014).

Próximo do córrego da Prainha, num lugar plano que apresentava elevação, foi
construída a Igreja Matriz dedicada ao Senhor Bom Jesus de Cuiabá. Os escravos, por sua parte,
construiriam também uma capela em dedicação a São Benedito nas proximidades das minas.

A extração aurífera foi um importante ponto de atração para a ocupação da cidade em


direção Leste-Oeste. Nesse contexto, foram surgindo as primeiras ruas, em concordância com
as características curvas do terreno. Ali também seriam levantadas as primeiras habitações que
iriam formando o espaço urbano cuiabano.
55

No ano de 1727, Cuiabá seria elevada à Vila, recebendo o nome de Vila Real do Senhor
Bom Jesus de Cuiabá. Após a mudança de categoria se deu início à construção dos primeiros
prédios públicos para a administração portuguesa ao redor do Largo da Matriz. A figura 1
mostra, através de um mapa da época, a perspectiva da dimensão do território caracterizado por
uma baixa densidade habitacional.

Figura 1. Mapa colorido da Vila Real do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, elaborado a mão pelo português José
Manoel de Siqueira, por volta de 1770.

Fonte: Biblioteca Mundial Digital. Disponível em: https://www.wdl.org/pt/item/874/

Durante o século XVIII, as diversas crises que enfrentou a vila reverberaram no aumento
e diminuição da população, não obtendo um crescimento definido do espaço urbano. Apesar da
descontinuidade, a área central da então nascente cidade já havia sido definida, por volta de
1775. O crescimento da vila se dava às margens do córrego da Prainha. “A primeira área
povoada estendia-se ao longo do córrego da Prainha, entre as minas e seu entorno, de um lado,
e a foz do córrego Cruz das Almas, doutro lado, local este último onde hoje a Avenida Isaac
Póvoas encontra a Praça Ipiranga” (CUIABÁ, 2014).

Como aponta Freire (1997), o abastecimento de Cuiabá dependia inteiramente de


recursos provenientes de São Paulo, que chegavam a Cuiabá, de tempos em tempos, depois
longas e perigosas encruzilhadas. Naquela época, a maioria dos moradores se ocupava das
lavras, e eram poucos quem se consagravam à produção de alimentos.
56

Ciclo da sedimentação administrativa

Segundo Freire (1997), o segundo ciclo de produção do espaço em Cuiabá vai desde
1820 até 1968, quando foi dinamitada a Catedral do Bom Jesus. Durante este período, o autor
identifica três etapas da transformação urbana. A primeira, caracterizada por uma espécie de
“euforia”, quando Cuiabá é nomeada capital, o que finalizaria com o século XIX com a
decadência da mineração. A segunda, como produto do breve surto açucareiro de finais do
século XIX e da extração da borracha de início do século XX. A terceira etapa seria iniciada
com a Interventoria no Estado Novo e teria continuidade até finais da década de 60.

Devido às alterações no status político da cidade, esse ciclo foi caracterizado pelas ações
o poder público com o intuito de construir edificações que proporcionassem, a partir de
elementos como as fachadas, um maior “bom gosto”.

Assim, as modificações na produção do espaço seriam o resultado das mudanças sobre


a percepção de Cuiabá que começariam em 1818 com a elevação de Cuiabá à categoria de
cidade e posteriormente em 1836 quando fosse declarada oficialmente capital da província de
Mato Grosso, logo do traslado da capital de Vila Bela da Santíssima Trindade para Cuiabá
(CUIABÁ, 2014).

Conforme Freire (1997) e a Prefeitura de Cuiabá (2014), a função governamental


norteou o repertório arquitetônico através da construção de edifícios públicos e de praças. Desse
modo, o estilo proporcionado a ditas edificações acabaria repercutindo na construção das
residências da época.

Espacialmente, durante a metade do século XIX, o povoado de Cuiabá foi ligado ao


povoado do Porto, cuja população somou aproximadamente 10.000 habitantes. Característica
cultural da ligação da cidade ao Rio Cuiabá. A região central se desenvolveu através do fluxo
gerado pela definição das Ruas de Baixo, do Meio e de Cima (atualmente Ruas Galdino
Pimentel, Ricardo Franco e Pedro Celestino), sendo esta última a mais importante. Outra rua
de grande importância foi a Bella do Juiz (atual Rua 13 de Junho), a nobre via conectava o
Largo da Matriz e o Porto Geral (CUIABÁ, 2014).

Neste período, as praças, que atraiam os habitantes com seus desenhos, também eram
pontos que ligavam vias paralelas e transversais. A mancha urbana, segundo o registro público
(CUIABÁ, 2014), se concentrou entre o Largo da Mandioca e as redondezas da Igreja Matriz.
57

A Guerra do Paraguai também reverberaria no desenho da cidade durante a segunda


metade do século XIX. A partir do assentamento do acampamento militar Couto Magalhães se
daria a formação de um bairro popular que conseguiria ter uma grande densidade populacional
durante a primeira metade do século XX (CUIABÁ, 2014).

O desenvolvimento da mancha urbana apresentava dois núcleos: o das minas do Rosário


e o Porto Geral. Assim, a mancha urbana caracterizava-se por sua descontinuidade e
uniformidade, modificando-se após da fundação do Seminário na colina do Bom Despacho.
Como consequência dessa edificação, construíram-se moradias no Largo da Conceição e no seu
entorno, acima do morro em direção à Santa Casa da Misericórdia. Em finais do século XIX
também ocorreu a integração da localidade do Coxipó, pequeno assentamento que seria parte
do aglomerado urbano nos anos de 1940 com a posterior abertura da estrada para Campo
Grande.

Em decorrência do decaimento da economia das usinas de cana-de-açúcar e da


exportação da borracha, Cuiabá apresentou um período de profunda estagnação, momento
histórico no qual não se registrou algum crescimento da cidade. Conforme Freire (1997),
através dos relatos dos memorialistas cuiabanos, constatou-se a inalterabilidade da fisionomia
urbana até meados do século XX.

Freire (1997) menciona que ainda nessa situação de crise, a relevância desse momento
foi a retomada das tradições. Durante esse período, devido à redução da navegação do rio e a
falta de estradas, se revitalizaram as práticas de reciprocidade e interação social, e a cuiabania
foi cultivada, segundo Freire (1997). O autor expõe que a atenção para a própria cidade gerou
a descoberta do seu carácter, desenhando um modo de vida cuiabano.

Contudo, o ensimesmamento urbanístico teve uma ruptura a partir do projeto de


modernização do Brasil por meio do Estado Novo promovido pelo governo do presidente
Getúlio Vargas. Através de programas financiados pelo governo federal para reformar o
ambiente urbano de diversas cidades, buscava-se também a construção de uma identidade
cidadã baseada em um modelo cultural para um país industrializado (BUZATO, 2017).

Em Cuiabá, na década de 1940, aconteceram mudanças no espaço urbano através da


construção de edificações que romperam com a fisionomia tradicional barroca (Freire, 1997).
O arruamento da área central também foi modificado e foi construída uma nova via que recebeu
o nome de Avenida Getúlio Vargas (CUIABÁ, 2014), ao longo da qual foram erguidas
edificações de porte como o Grande Hotel, o Cine Teatro e edifícios da Secretaria Geral, do
58

Tribunal de Justiça e do Colégio Estadual de Mato Grosso. Essas construções foram


caracterizadas por receber valores de uma estética art déco, que seria nomeada no Brasil como
arquitetura do Estado Novo (BRANDÃO, 1997).

Outra obra que marcou as transformações da época foi a construção da primeira ponte
de concreto sobre o rio Cuiabá, que ligou a cidade ao município vizinho de Várzea Grande. A
edificação apresentou uma mudança no sistema de comunicação conectando Cuiabá com
cidades do Norte e do Oeste mato-grossenses (CUIABÁ, 2014).

A construção de Brasília consideraria um grande estímulo para o desenvolvimento da


Região Centro-Oeste. Através do início das obras de construção da Rodovia Cuiabá-Porto
Velho chegariam à região os primeiros de vários grupos de migrantes que teriam um grande
impacto no aumento da população.

A partir da década de 1960 registrou-se um fenômeno no crescimento da população da


cidade quando Cuiabá apenas contava com 57.860 habitantes, de acordo com os registros do
IBGE. Posteriormente, outros incentivos federais para a ocupação da Amazônia e a integração
nacional geraram em Cuiabá fluxos migratórios em constante aumento que demandaram a
ampliação urbana, segundo o Instituto de Planejamento e Desenvolvimento Urbano da
Prefeitura de Cuiabá (CUIABÁ, 2007). Dentre estes acontecimentos, é destacável a
constituição de grandes empresas agropecuárias que se instituíram no Norte do Estado (Região
da Amazônia mato-grossense).

Em 1966, como produto das migrações massivas, o governo estadual criou a Companhia
de Habitação Popular do Estado de Mato Grosso (Cohab), que construiria o Núcleo Residencial
Cidade Verde, conhecido como Cohab Velha, em adjacências do rio Cuiabá. Esse primeiro
núcleo residencial que transformaria o espaço da cidade a partir da construção dos primeiros
“arranha-céus”, incidiria também no adensamento de bairros como Goiabeiras e Cidade Alta,
marcando o lado oeste da cidade como um polo de atração (CUIABÁ, 2014).

Ciclo da modernização

Perante as mudanças ocorridas em Cuiabá, que mostravam o andamento do processo


modernizador da cidade, o ano de 1968 é tomado por Freire (1997) como referente da
modernização, quando seria demolida a antiga Catedral do Bom Jesus.
59

A dinamitação da velha igreja Matriz teve um impacto simbólico ao manifestar as


tensões existentes entre o velho e o novo, o provinciano e o metropolitano, o tradicional e o
moderno, que colocavam em confronto a sociedade cuiabana (FREIRE, 1997).

O acontecimento de derrubada da catedral, que impactou à comunidade e que colocaria


em questão a afetação da modernização sobre a identidade cuiabana, seria acompanhado de
outras medidas tomadas no cenário de expansão capitalista na Amazônia, no qual Cuiabá seria
considerada como “portal”.

O fortalecimento da cuiabania, tão relevante durante o ciclo da sedimentação


administrativa, haveria de ser afetado devido aos ideais de progresso promovidos pelas
instituições. De acordo com Freire (1988, p. 58-59), conforme citado por Brandão (1997, p.
98):

Na esteira da política de integração econômica ao capitalismo, vinha a promessa de


desenvolvimento justificando a destruição. (...) Os modelos para as novas construções
e os novos caminhos do crescimento da cidade começaram a ser buscados fora dos
limites e não mais no interior de suas tradições. Afinal a promessa de progresso
acenava-se de fora para dentro.

As mudanças das construções identitárias de Cuiabá, como a catedral, o Jardim


Alencastro e o Palácio Alencastro, mostraram a partir do registro de pensadores da história da
cidade o conflito daquilo mais tradicional frente o panorama de urgência de progresso na cidade
como polo econômico, apoiado por uma parcela da população.

Naquela época, a fisionomia da cidade foi remodelada com a abertura de um corredor


amplo, desde a Igreja do Rosário até o Porto, a canalização do córrego da Prainha, a construção
de pistas laterais e pontes de concreto, o asfaltamento e a arborização da Avenida 15 de
Novembro em direção à Ponte Júlio Müller, a iluminação a vapor de mercúrio, a construção do
edifício do Centro Educacional no morro Dom Bosco, a edificação da primeira rodoviária de
Cuiabá, na Rua Miranda Reis. (BRANDÃO, 1997; CUIABÁ, 2014)

Transformações no sistema educativo também seriam agentes de relevantes mudanças


urbanas. Com a implementação dos cursos de nível superior foram construídos os edifícios do
Instituto de Ciências e Letras de Cuiabá, na Avenida Fernando Corrêa; construções que,
juntamente com outras do Centro de Vivência, conformariam o núcleo originário da
Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
60

A mobilidade também mudaria após o asfaltamento da Avenida Fernando Corrêa que


fortaleceria o corredor que conectava o centro da cidade ao Coxipó, e posteriormente orientaria
o aumento da cidade na direção sudeste (CUIABÁ, 2014). Seguidamente, seriam construídas a
Avenida Miguel Sutil e a Avenida Beira-Rio criando outros trajetos na cidade.

Conjuntamente, a construção do Núcleo Habitacional Grande Terceiro seria referência


dessa época, logo de ser criado para acolher os desalojados pela enchente de 1974, desastre
natural ocorrido às margens do rio Cuiabá que afetou alguns bairros de Cuiabá, como o Porto,
o Terceiro e o centro da cidade (ZAMPARONI, 2012). Devido à catástrofe, as instalações da
UFMT foram adaptadas para receber as famílias que ficaram desabrigadas.

Outra mudança de grande relevância registrada durante o ciclo da modernização foi a


separação do Estado de Mato Grosso, no dia 11 de outubro de 1977, mediante a Lei
Complementar nº 31, foi sancionada por Ernesto Geisel, então presidente da República. Assim,
a divisão de Mato Grosso e a criação de Mato Grosso do Sul foi um fato no fracionamento da
parte Sul do antigo estado, justificando ser inviável governar um território tão extenso. A lei de
separação dos estados entrou em vigor o dia 1º de janeiro de 1979. Dessa maneira, Cuiabá foi
nomeada capital de Mato Grosso, em sua nova forma.

Ainda finalizando a década de 1970 e iniciando a década de 1980 ocorreu a implantação


do projeto Cura (Comunidade Urbana para Recuperação Acelerada) em bairros considerados,
na época, de periferia da cidade, como Araés, Lixeira e Quilombo. O programa, através do
sistema de mutirão, visava melhorar a qualidade de vida das comunidades tradicionais através
de obras de infraestrutura e saneamento.

Cuiabá teve uma grande transformação com a criação da nova sede do governo de
Estado após a construção do Centro Político Administrativo (CPA), que modificou o desenho
da cidade e o traçado urbanístico, descentralizando a disposição urbana. Para conectar essa nova
zona da cidade, foi necessária a abertura de uma nova avenida, denominada Avenida
Historiador Rubens de Mendonça, que estendeu a Avenida Tenente Coronel Duarte (mais
conhecida pela população da cidade como Avenida da Prainha).

A construção do Centro Político Administrativo originou a edificação de um complexo


de conjuntos habitacionais destinados à população de baixa renda (CPA I, II, III e IV) e à classe
média (Morada do Ouro), com capacidade de alojamento para 100.000 moradores.
61

Com a expansão da cidade para outras áreas, a infraestrutura das vias seria transformada
com o asfaltamento da Avenida Miguel Sutil e a posterior construção dos viadutos nos
cruzamentos da mesma via com as avenidas Historiador Rubens de Mendonça e Fernando
Corrêa. Nos anos 1990, o córrego da Prainha, canalizado anteriormente, foi coberto sendo
ampliada a Avenida Tenente Coronel Duarte.

Durante essa época seria edificado o bairro Cidade Alta, construído o Estádio de Futebol
Governador José Fragelli, conhecido como Verdão, e inaugurado o Terminal Rodoviário
Engenheiro Cássio Veiga de Sá.

Brandão (1997) salienta que em contraste com a construção de obras públicas na cidade,
também ocorreu o processo de ocupação e “estabelecimento de favelas como a do Santa Isabel,
Barbado, Praeiro, Pedregal, Canjica, Planalto A e B, Jardim Bela Vista” (BRANDÃO, 1997, p.
106). A conformação dessas comunidades periféricas geraria outros modos de vida na realidade
de Cuiabá, cuja expansão intensificaria a experiência urbana. Durante esse período, iniciou-se
também o processo de verticalização.

O considerável aumento da cidade gerou a conurbação com o vizinho município de


Várzea Grande, que posteriormente derivaria no Aglomerado Urbano Cuiabá-Várzea Grande,
criado mediante Lei Complementar Estadual n.º 028, de 1993 e disposta pela Lei Complementar
Estadual n.º 83, de 2001 (CUIABÁ, 2014).

Contudo, essas leis seriam revogadas em maio de 2009, com a proclamação da Lei
Complementar Estadual n.º 359, através da qual se daria a criação da Região Metropolitana do
Vale do Rio Cuiabá (RMVRC), que, junto com Cuiabá e Várzea Grande na condição de núcleo
urbano principal, reúne ainda os municípios de Santo Antônio de Leverger e de Nossa Senhora
do Livramento.

A partir do início do século XXI, modificações do habitat urbano seriam caracterizadas


pela construção de condomínios fechados que complexaram o trânsito de veículos e de
pedestres (CUIABÁ, 2014).

Em 2010, foi inaugurada a Avenida Prof.ª Edna Affi (Avenida das Torres), aberta
parcialmente ao trânsito desde 2009. A avenida, projetada para desobstruir o tráfego na Avenida
Fernando Corrêa, conectou a região do bairro Pedra 90 à do bairro Pedregal.
62

Ciclo financeiro

Como complemento à proposta de Freire (1997), os geógrafos De Paula e Neto (2020)


propõem considerar o último e atual de produção do espaço urbano em Cuiabá como financeiro,
devido às mudanças geradas em Cuiabá no âmbito de um novo processo de consolidação de
produção capitalista de cidades a partir de megaeventos. Apesar de considerar os outros ciclos
devido ao crescimento financeiro, tem sido esse último ciclo um período de consolidação da
capital de Mato Grosso, como um polo de desenvolvimento econômico para o Brasil.

A orientação de construções nesse período toma como referência o contemplado no


Planejamento Estratégico de Cuiabá para o período de 2013 a 2023, a partir do qual foram
pensadas diversas ações para “transformar Cuiabá como Capital do Pantanal e do Agronegócio”
(CUIABÁ, 2013). O plano, inserido no contexto da realização da Copa do Mundo 2014 e da
comemoração dos 300 anos da cidade em 2019, visa a projeção de Cuiabá como uma cidade
atrativa para o desenvolvimento de negócios, especialmente voltados para o agronegócio e o
turismo.

Como parte do planejamento estratégico para a cidade também seria projetada a


requalificação da Orla do Porto do Rio Cuiabá e a disposição de outros equipamentos como o
Parque das Águas, o Jardim Botânico de Cuiabá (Horto Florestal) e o Parque Tia Nair, com a
finalidade de atrair visitação turística (CUIABÁ, 2013).

A realização no Brasil do campeonato mundial de Futebol, Copa do Mundo 2014,


geraria uma importante reestruturação socioespacial em Cuiabá, que abrigaria a organização do
megaevento como representação da região do Pantanal. A Copa 2014 demandava na cidade
uma nova dinâmica no espaço urbano através de transformações arquitetônicas, urbanísticas e
de infraestrutura com a mudança de equipamentos esportivos e turísticos, assim como a
construção e ampliação de vias e obras como viadutos, trincheiras, calçadas e pontes, entre
outras.

No conjunto de obras, foi contemplada a implantação do Veículo Leve sobre Trilhos


(VLT) que ligaria a região do Centro Político Administrativo com o Aeroporto Marechal
Rondon, em Várzea Grande, atravessando a cidade na direção nordeste-sudeste, e outra linha
que ligaria o Sul da cidade, na saída para o município de Santo Antônio do Leverger a região
Central (CUIABÁ, 2014).
63

As múltiplas obras mudariam a paisagem da cidade, especialmente aquelas destinadas


ao VLT, com a construção de viadutos e trincheiras. Posterior à realização da Copa em 2014, a
paisagem seria caracterizada por mostrar a descontinuidade na obra do sistema de transporte,
que não foi inaugurada. O governo do estado de Mato Grosso anunciaria, em 2022,
desconsiderar o VLT para dar início a implantação do sistema BRT (Bus Rapid Transit). Outra
das mudanças, conforme exigência da Fifa, seria a demolição do antigo Estádio de Futebol José
Fragelli, e a posterior construção da Arena Pantanal.

Posterior à Copa do Mundo, seriam entregues várias das obras contempladas no


Planejamento Estratégico 2013-2023, como a revitalizada Orla do Porto, inaugurada em 2016.
A obra seria motivo de controvérsias, ao recriar as fachadas de tradicionais casas cuiabanas em
material de gesso, que entre outros motivos, gerou questionamentos sobre a gestão do governo
da cidade na conservação do patrimônio histórico.

A obra inicial sofreria um considerável deterioro, sendo ainda alvo de críticas sobre a
construção que apresentou descolagem de pisos e rachaduras e posteriormente teve risco queda
da estrutura. Em 2021, as fachadas seriam reconstruídas em materiais de alvenaria, ainda
mantendo a ideia de representar uma “vila cuiabana”, ainda mantendo as discussões no tocante
aos recursos públicos destinados à obra.

O ciclo que foi caracterizado pelas funções de marketing da cidade ao fim de ser
considerada como dentro do fluxo do turismo, teve na comemoração dos 300 anos da cidade a
concepção de outras intervenções voltadas para acentuar os atributos da cidade e a mobilidade
urbana.

Atualmente, após completar três séculos de fundação (302 anos), Cuiabá conta com uma
população estimada de 623.614 pessoas (IBGE, 2021) e atravessa um processo de
transformação, conforme De Paula e Neto (2020), com a finalidade de fortificar uma nova
imagem utilizando os megaeventos como ferramentas para justificar diversas intervenções na
cidade.

Vivenciar essa última fase como estrangeira e pesquisadora da cidade, desde 2015, após
à realização da Copa do Mundo, me permitiu conhecer várias transformações do espaço em
Cuiabá:
64

1.) as pegadas de obras que deixaram marcas indeléveis na paisagem da cidade, como
lembrança da corrupção, o caso mais visível seria o VLT que deixou uma grande “cicatriz” na
cidade;

2.) a abertura de novas vias, que embora demorassem na construção, geraram expansão
na cidade como a avenida Parque do Barbado;

3) o vazio provocado pela derrubada das árvores para diversas obras, especialmente na
avenida Historiador Rubéns de Mendonça para a construção do VLT, que resultou na posterior
rearborização de alguns trechos da via, para simular o a ausência das obras propostas para o
“progresso da cidade”;

4). a construção de parques da cidade, como opções de lazer, cuja maior frequência é
registrada durante as horas da noite como o Parque Tia Nair, o Parque das Águas e o Parque da
Família;

5). a transformação dos viadutos, cuja construção foi polêmica devido aos erros na
execução das obras, em “galerias de arte” ao céu aberto que proporcionaram através do grafite
diferentes representações da cultura regional, exemplificando o viaduto jornalista Clóvis
Roberto Balsalobre de Queiroz (conhecido como viaduto da UFMT) e o Viaduto Jamil Boutros
Nadaf;

6). a mudança no paisagismo da cidade, por meio da plantação de ipês nas vias, assim
como de espécies ornamentais em canteiros e rotatórias;

7). a entrega de obras remanescentes da Copa do Mundo, como o Centro Olímpico de


Treinamento, localizado na UFMT, que apenas seria concluído em 2020.

A necessidade de criar uma visibilidade através da infraestrutura e dos diferentes


equipamentos turísticos evidencia a ânsia de ingressar no cenário global a partir da reprodução
capitalista do espaço a partir de modelos genéricos, em muitas ocasiões. No entanto, como
ponderam De Paula e Neto (2020), os megaprojetos introduzidos com motivo de megaeventos
como a copa de 2014, ainda que inacabados, potencializaram o valor do solo urbano das regiões
onde foram implantados. Assim, a fase financeira mostra como a cidade vira mercadoria,
transformando a paisagem material para se constituir em um elemento comunicativo favorável
ao marketing da própria cidade.

1.5. Olhar os quintais na cidade: perspectiva comunicacional


65

Prestar atenção às transformações da cidade e suas tensões abre os caminhos para pensar
nas visões sobre a paisagem e pensar os quintais a partir das dimensões material, simbólica e
afetiva. Olhar para os quintais pondera que a paisagem da cidade possui dimensões
comunicativas dinâmicas, ao considerar a cidade como uma obra inacabada. No entanto,
também mostra que a relação entre a paisagem e a interpretação dela não é um assunto neutro.

A cidade, a paisagem e o quintal, ao serem analisados em perspectiva interdisciplinar,


permitem revelar as complexidades culturais de uma cidade como Cuiabá. Portanto, é preciso
prestar atenção aos detalhes da cultura que possibilitam revelar a teia de significados tecida
pelos homens, utilizando os termos do antropólogo estadunidense Clifford Geertz.7

O quintal, a partir da paisagem cultural de Cuiabá e suas qualidades comunicativas,


pondera a cidade como produtora e resultado de práticas, interações e narrativas que a colocam
como meio, conteúdo e contexto (AIELLO; TOSONI, 2016). Considerados estes aspectos,
podemos pensar na disposição de recursos comunicacionais da paisagem, que ao longo do
tempo tem evidenciado a construção de olhares e a revisão e revalidação desses olhares.

Tomar a cidade como uma construção de complexas dimensões comunicativas, através


do olhar da geografia cultural e da comunicação urbana, consegue criar conexões sobre o olhar
da paisagem, suas perspectivas e as tecnologias utilizadas para a difusão de ideias, imagens e
outros elementos através dos quais a paisagem é percebida.

Conforme Ferrara (2008, p. 47): “A cidade corresponde a uma estranha espacialidade


que só se comunica quando dela se fala ou quando é traduzida pelo discurso técnico que a
submete a uma lógica que ordena sua multiplicidade sensível.”

A verificação da circulação de imagens, textos e relatos sobre os quintais em Cuiabá


permite obter uma análise sobre a ideia da cidade e suas formas de vivenciar o espaço, nem
sempre perceptíveis, por causa dos mesmos processos de circulação, que devido às
temporalidades poderiam condicionar as imagens aos propósitos de comunicação da ideia da
cidade de acordo com a transformação da cidade ao longo dos ciclos considerados
anteriormente: mineração, sedimentação administrativa, modernização e financeiro.

7
GEERTZ, Clifford. A Interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1989.
66

Na procura de fontes, como documentos oficiais e históricos, encontramos dados em


que a disposição de informações revelava características especiais em torno dessas
representações: 1) observação do alto, 2) os leitores especiais da cidade, 3) a representação do
espaço doméstico.

Retomando a construção da cidade, a partir da descoberta das Lavras de Sutil e a


ocupação próxima dessa área, as representações de Cuiabá partem desse ponto que constatou a
evolução do perímetro urbano. A necessidade de enxergar o território levou artistas,
expedicionários, fotógrafos e outros a observar e comunicar a paisagem de Cuiabá a partir de
um ponto fundamental na construção da paisagem: a elevação topográfica na região central da
cidade conhecida como o “Morro da Luz”.

O Parque Antonio Pires de Campos recebeu a denominação popular como “Morro da


Luz”, graças à existência de uma pequena casa, inaugurada em 1928, correspondente à
subestação da Usina da Casca I, que distribuía energia para a cidade. O lugar adquiriu ao longo
da história da cidade uma grande relevância, sendo tombado como patrimônio histórico
municipal, mediante Decreto Lei n° 870, de 13 de dezembro de 1983.

As transformações do morro, que nos primórdios era caracterizado por uma vegetação
remanescente do cerrado, foram se adaptando tanto ao plantio de árvores de maior porte que
caracterizam atualmente o espaço como uma das notáveis áreas verdes da cidade, embora
obnubilada visualmente pela construção de prédios ao longo da Avenida Tenente Coronel
Duarte (Avenida da Prainha). Contudo, o abandono do poder público e os problemas de
insegurança, por causa principalmente dos usuários de drogas, privam, atualmente, à população
de desfrutar dessa área.

Figura 2. Vista do morro da luz e da torre da Embratel, a partir do Centro Histórico de Cuiabá.
67

Fonte: A pesquisadora (2019)

No topo da colina foi adaptada uma torre de telecomunicações, onde fotógrafos subiam
para lograr imagens que conseguiam enxergar o espaço, conforme a cidade se expandia.
Posteriormente, os avanços da fotografia aérea lograriam criar a representação mais fidedigna,
ainda mantendo o morro e a área central como referência na observação.

Assim, as imagens construídas a partir da visão do alto do Morro da Luz criaram uma
visão panorâmica da cidade, que colocou os elementos do Centro Histórico como
preponderantes na representação imagética de Cuiabá. A partir do alto do Morro da luz, gerou-
se uma construção da cidade em plano geral, marcando como referências centrais da paisagem
urbana, como o Palácio da Instrução e a Igreja Matriz, cuja polêmica transformação também
marcou uma faceta da modernidade na cidade.

A panorâmica como elemento comunicacional é conhecida como skyline que, conforme


Ferrara (2008), é um gráfico que distingue a altura como valor simbólico de uma cidade com o
mundo. Ou seja, a altura para além de estabelecer um ponto de observação, se constitui em uma
mídia.

Levando em consideração registros, relatos e outras referências, à medida que Cuiabá


era observada panoramicamente de cima, a vegetação aparecia como um elemento identitário
dessa composição. O verde, que aparecia nos contornos do Centro Histórico, ia se incorporando
à ideia do território. No cotidiano, outros elementos a reforçar a ideia da importância da
68

vegetação para a cidade foram as praças, com grandes palmeiras e árvores, e ruas e avenidas,
como a Avenida Getúlio Vargas, enfeitadas com pés de flamboyant.

No início do século XX, Cuiabá foi denominada “Cidade Verde”, através de um poema
de Dom Aquino Corrêa. Na primeira estrofe, ele escreve: “Sob os flabelos reais de mil
palmeiras, Tão verdes, sobranceiras. E lindas como alhures não as há, Sobre alcatifas da mais
verde relva, Em meio a verde selva, Eis a ´cidade verde´: Cuiabá.”. (CORRÊA, 1985 apud
ROMANCINI, 2005, p. 45).

O epíteto dado a Cuiabá como Cidade Verde aparece frequentemente em diversos


discursos. Porém, a visualidade não se centra em uma forma de paisagem específica, embora
se enalteça a presença de grandes mangueiras e cajueiros que adquirem maior importância a
partir da reprodução icónica nas mais variadas expressões artísticas e comunicacionais, que se
associam ao território e ao folclore local.

Notáveis na paisagem da cidade, porém de forma mais tímida, estão os quintais. Esses
espaços, além de mangueiras, cajueiros e outras espécies, formam densas manchas verdes,
visíveis nas pinturas, fotos e outras manifestações visuais. Porém, nesses registros imagéticos,
ao tentar apreender a panorâmica de Cuiabá, essas manchas verdes não são explicitamente e
especificamente exaltadas como recursos visuais relevantes na morfologia da paisagem.

A vegetação presente nos quintais, vista como mancha nas imagens panorâmicas,
oferece informações sobre a mudança nas formas de ocupação (de horizontal para vertical com
a construção de prédios com mais de quinze andares) e também na preservação dos espaços
abertos e dos espaços construídos. A ocupação do espaço evidenciou a gradual desaparição
desses espaços abertos que são os quintais e sua vegetação na região central da cidade, hoje
Centro Histórico e seu entorno, na medida em que Cuiabá adquiria uma maior densidade
populacional.

A transição entre as imagens, como representação visual, evidencia a mudança dos


espaços de natureza na cidade, que passaram do espaço doméstico para o espaço público.
Dourado (2004) menciona que no Brasil anterior à constituição de passeios e parques públicos,
os quintais davam forma aos primeiros espaços verdes da cidade. Ao serem fragmentos da
paisagem doméstica da cidade, os quintais não têm maior destaque, considerando que a
visibilidade dos elementos de vegetação recai na existência de praças e da arborização pública.
69

Assim, para identificar as mudanças na paisagem em Cuiabá, foram selecionadas


algumas fotos e pinturas, organizadas cronologicamente, que mostram a evolução dos modos
de habitar a cidade e modificaram as percepções sobre a vegetação e os quintais na cidade (Ver
figuras de 3 a 9).

Iniciando pelas missões científicas dos séculos XVIII e XIX (Figuras 3 e 4), as obras,
desenho em lápis e pintura a cor, mostram a característica rural de Cuiabá através de elementos
como a densa vegetação, os espaços abertos e os animais ruminantes no centro da vila. Na figura
4, é possível apreciar os quintais, observando que esse modelo de moradia é recorrente na
paisagem de Cuiabá desde as primeiras casas até aquelas que se localizam em zonas mais
distantes do Centro.

Figura 3. Desenho de Hércules Florence durante a Expedição Langsdorf (1825-1829).

Fonte: Florence (2007, p. 134)

Figura 4. “Prospecto da Villa do Bom Jesus de Cuiabá” de 1790, desenhado por Joaquim José Freire ou por José
Joaquim Codina. A obra faz parte do Acervo do Museu Botânico Bocage em Lisboa.

Fonte: SIQUEIRA, 2007, p. 194-195.


70

No século XX, através da fotografia como meio de difusão da vista panorâmica da


cidade, registrava-se tanto a panorâmica (Figura 5) quanto no detalhe das casas (Figura 6) a
permanência dos quintais no Centro da cidade. Árvores de vários tamanhos encontram-se no
espaço doméstico, já dividido por muros, que impediam ver os interiores das residências a partir
da rua. Nota-se também que as casas estão próximas umas das outras, apresentando uma
considerável densidade urbana.

Figura 5. “Vista panorâmica da cidade de Cuyabá”.

Fonte: Album Graphico do Estado de Matto Grosso (EEUU do Brazil), 1914, p. 34-35.
Figura 6. Telhados de Cuiabá na década de 1930.

Fonte: SIQUEIRA, 2007, p. 91.

Os registros da década de 1960 em diante mostram significativas mudanças no centro


de Cuiabá. Com o fenómeno da verticalização, os elementos mais visíveis da vegetação deixam
de estar no espaço doméstico para se concentrar no espaço público. Em praças e ruas, grandes
71

palmeiras (Figura 7) e, posteriormente, árvores frondosas (Figura 8) sobressaem na paisagem,


que coloca como marco a Igreja Matriz, que, por sua vez, sinaliza as mudanças na concepção
urbanística da cidade. Na figura 8, o aumento do número de prédios aumenta também o limiar
da cidade.

Figura 7. Vista parcial do centro de Cuiabá do alto do Clube Dom Bosco. Década de 1960.

Fonte: SIQUEIRA, 2007, p. 108.


Figura 8. Vista parcial do centro de Cuiabá depois da construção da nova catedral. Destaque da verticalização da
cidade aos fundos (sem data específica).

Fonte: SIQUEIRA, 2007, p. 109.


72

A inícios do século XXI, a técnica de fotomontagem e o formato colorido da figura 9


permitem uma visão mais ampla e mais detalhes da paisagem de Cuiabá, podendo-se identificar
a presença de múltiplas pequenas manchas verdes nos quarteirões um pouco afastados do centro
da cidade. Percebe-se também uma constante verticalização que avança conforme a cidade se
expande. O registro da imagem a partir da torre da Embratel, localizada no Morro da Luz,
permite apreciar esse ponto como um referente de vegetação densa na vista panorâmica da
cidade.

Figura 9. Fotomontagem de vista de Cuiabá a partir da torre Embratel, localizada no morro da luz, 2002.

Fonte: SIQUEIRA, 2007, p. 204-205.

Por outro lado, a importância da cobertura verde em Cuiabá tinha sido atribuída, nos
registros visuais e na percepção de viajantes e exploradores, aos quintais cuiabanos. Como
sugere Pesavento (1995), há alguns “espectadores da urbe” aos quais poderíamos denominar
“leitores especiais da cidade”, entre eles fotógrafos, poetas, romancistas, cronistas e pintores da
cidade. Reconhece a autora que neles há uma variação na apreciação e na sensibilidade para
olhar a cidade. Por conseguinte, esses leitores especiais adquirem um olhar apurado, graças a
habilidades culturais, estéticas ou profissionais, alude Pesavento (1995).

Mato Grosso, nos séculos XVIII e XIX, chamou a atenção pela riqueza da fauna e da
flora e do subsolo do território (SIQUEIRA, 2009). Deste modo, diversas expedições científicas
foram realizadas no território, registrando, ainda que de maneira pejorativa, aspectos da
paisagem, notadamente pelos aspectos da natureza do cerrado, que causava desconforto na
percepção dos viajantes. Cuiabá, capital distante dos centros metropolitanos, foi registrada nos
seus descompassos com o que se entendia como a experiência urbana.
73

Como consta nos relatos dos viajantes, os quintais pressupõem um valor especial no que
diz respeito à paisagem da cidade, sendo relevantes tanto entre os espaços de vegetação quanto
nas formas de moradia singulares de Cuiabá.

Hércules Florence (1804-1879), fotógrafo, desenhista, tipógrafo e naturalista francês,


participou da Expedição Langsdorff, uma empreitada científica russa no interior do Brasil,
organizada e orientada pelo barão Georg Heinrich von Langsdorff. Na sua publicação ‘Viagem
fluvial do Tietê ao Amazonas de 1825 a 1829’, Florence faz uma descrição sobre os quintais
cuiabanos: “Cada casa tem nos fundos um jardim plantado de laranjeiras, limoeiros, goiabeiras,
cajueiros e tamarindeiros, árvores cuja folhagem, densa e escura, forma no meio das outras
agradável contraste, ocorrendo todas elas para darem á povoação aspecto risonho e pitoresco.”
(FLORENCE, 2007, p. 123).

Deu-se à descrição de Florence grande valor, pois o relato, que aparece em múltiplas
publicações editoriais, mostra não só uma apreciação da materialidade do quintal e sua
biodiversidade, mas a alusão a esse espaço como singular da cidade e sua paisagem cultural,
em termos de identidade.

Outra apreciação sob o olhar da vegetação e dos quintais foi dada em fins de 1938, pelo
engenheiro Cássio Veiga de Sá, encarregado de projetar o primeiro prédio de condomínio
vertical de Mato Grosso, conhecido como Edifício Maria Joaquina, no Centro da cidade.
Naquela época, durante sua visita a Cuiabá, Sá relatou: “No trajeto para o hotel compreendi por
que chamavam Cuiabá, Cidade Verde. Embora as ruas não apresentassem arborização, os
quintais, os espaços vazios, eram cobertos de vegetação” (SÁ, 1980, p. 49, como citado em
DUARTE, 2000, p. 136).

As aproximações à realidade e sua representação imagética, a partir da pintura e da


fotografia, principalmente, estabelecem vínculos com o olhar estético da arte. Conforme
Guimarães (2003), em Cuiabá a produção de artes plásticas imperativamente figurativa é
inspirada por elementos do cotidiano da cidade como a fauna, a flora e a paisagem.

A difusão de valores culturais regionais foi um dos distintivos das artes visuais
cuiabanas. Guimarães (2003) aponta o meio ambiente, como forte elemento inspirador dos
artistas na cidade, visível em diversos cenários cotidianos, como viadutos, muros, fachadas de
prédios, entre outros, nos quais alguns elementos como o caju, a manga, o pequi e os peixes são
expostos como parte do acervo iconográfico.
74

Na empreitada artística de exaltar os elementos regionais como um modo de salientar o


lugar de fala dos artistas, a Universidade Federal de Mato Grosso, e em especial do Museu de
Arte e Cultura Popular (MACP), localizado no campus de Cuiabá, teve uma grande repercussão.
Com a criação do Museu, em 1974, diversas coleções artísticas expuseram um infindável
repertório onde o mato e seus componentes adjetivaram o humano (GUIMARÃES, 2003).

O desenvolvimento das artes plásticas mostrou os quintais representados a partir de


ícones, notadamente o caju e a manga. Esses elementos constituíram a assinatura visual de
vários artistas, que transformaram as frutas a partir da hibridação caju-mulher e caju-onça, mas
também pintando, por exemplo, mangas na cama para expressar o erotismo, inclusive a relação
com a iconografia religiosa no “Sagrado Coração de Caju”.8

Particularmente, retomamos a obra do artista Marcelo Velasco, que retratou algumas


casas do cotidiano de Cuiabá, sendo significativas para análise da relação cidade-casa-quintal.
Contudo, é possível distinguir os quintais como elementos secundários da paisagem retratada,
destacando que a visualidade do espaço doméstico, no caso da figura 10, recai nas fachadas
como elementos significativos das composições.

Figura 10. Obra “A casa de Lulu Cuiabano”.

Fonte: Velasco, 1982.

8
As referências das obras foram obtidas a partir da revisão do site Visual Virtual MT que reúne um importante
acervo das obras de arte do Mato Grosso. Disponível em: https://setec.ufmt.br/visualvirtualmt/.
75

Em alusão aos quintais, a figura 11 mostra os fundos dos lotes com especial atenção,
detalhando esse espaço aberto como um espaço de vegetação, também ligado às atividades
domésticas como a secagem de roupas.

Figura 11. Obra “Morro da luz (com a “Casa de Luz” e a escola do professor Avelino Ribeiro”.

Fonte: Velasco, 1987.

Um olhar sobre os quadros em óleo sobre tela do artista visual Marcelo Velasco
possibilita a distinção do verde das casas com relação a um espaço verde mais amplo, como o
Morro da Luz, ao fundo. A pintura também evidencia as proporções de altura e a densidade da
vegetação doméstica com relação aos muros dos lotes e das próprias casas. A obra mostra um
ângulo de baixo para cima, na perspectiva das casas para o morro, diferente de outras
representações que mostram o ângulo contrário.

Embora a vegetação tenha sido um dos aspectos mais relevantes e que impactam as
percepções e imaginários sobre o Brasil, Mato Grosso e Cuiabá, as referências do epíteto da
cidade não referenciam amplas áreas verdes como poderia ser percebido em termos
comunicacionais, com projeções visuais ou skyline como o Central Park em Nova Iorque ou do
Parque Ibirapuera em São Paulo, que criam noções de poder com respeito a relação natureza-
cidade.

A inauguração, nos anos 2000, do parque urbano Mãe Bonifácia permitiu a criação de
outro skyline para a cidade que reforça a ideia de metropolização, criando uma imagem que
comunica a cidade a partir da composição da verticalização do bairro Quilombo e da densa
presença de vegetação da área do parque, que ocupa 77 hectares.
76

A relação dos quintais com a paisagem da cidade apresenta um tecido de fibras finas
que se tecem em relação ao afetivo, o material e o simbólico. A referência dessas novas
construções que marcam relações de poder motiva o presente estudo da paisagem ordinária e
não padronizada dos quintais, visando conhecer essas paisagens ordinárias e íntimas como
marcadores sociais da moradia brasileira e cuiabana.
77

CAPÍTULO II

O QUINTAL, UMA PAISAGEM DOMÉSTICA

Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa


Com janelas de aurora e árvores no quintal -
Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores
E ao crepúsculo fiquem cinzentas como a roupa dos pescadores.

Manuel de Barros (2010, p. 69-70)

Compreender o quintal como paisagem requer uma análise sobre o marco onde se
localiza. O quintal perpassa a ligação com a natureza pura para se adaptar ao espaço doméstico,
sendo uma paisagem cultural do cotidiano da cidade de Cuiabá. A abordagem desse espaço
doméstico permeia a compressão arquitetônica e coloca o quintal no cenário social e cultural
da vida privada inicialmente brasileira e logo cuiabana, onde assume uma singularidade.

Como parte suplementar da casa, o quintal adquire lógicas e sentidos quanto à sua
função utilitária (serviço, abastecimento alimentar, sombreamento, medicinal, ornamental),
mas também de forma simbólica e afetiva, ao considerar que a casa é um universo de
significados do homem. Ao se encontrar no cenário da vida cotidiana e ligado aos modos de
habitat humano, o quintal forma parte de uma experiência individual, familiar e coletiva.

Ainda a partir da pequena escala geográfica que o espaço do quintal e da casa


representam, o quintal e sua evolução ao longo da vida urbana mostram a realidade profunda
das relações entre diversos atores e fenômenos sociais. O quintal é híbrido, é mestiço e é
singular.

Em decorrência, a análise dessa organização espacial possibilita ver explícita e


implicitamente o fluxo das relações que tem se criado nesses espaços íntimos ao longo do
tempo, tornando as configurações espaciais parte da tradição.

A construção e reconstrução da paisagem cultural do quintal demonstra a estreita relação


entre os moradores e a paisagem a partir da própria relação dos habitantes com a ideia de casa.
O quintal é lugar de processos de subjetivação. É ali onde, por exemplo, são visíveis expressões
das relações como a do sujeito colonizador que introduz no Brasil plantas exóticas para difundir
sua própria cultura e seu poder simbólico.
78

Olhar o quintal a partir de uma apreciação científica e social valida a importância da


análise de espaços banais que exprimem as relações de poder através das quais se outorga
relevância a uma paisagem a partir de determinadas estéticas, saberes e valores
comunicacionais.

2.1. Casa: lugares e afetos

Ao ingressar no espaço doméstico é possível conhecer e reconhecer a história da vida


privada dos lugares, que marcam particularidades e encenam diversas relações que atravessam
a construção material, simbólica e afetiva desses espaços. O espaço doméstico é o reflexo
histórico de habitar. Sua forma, suas funções e sua estrutura são produto de processos culturais,
de relações entre os homens e natureza.

Conhecer paisagens ordinárias, como as paisagens domésticas, possibilita perceber os


modos de habitar como produto dos atos políticos dos homens e das relações de poder que
constituem a realidade dos espaços e dos tempos como produto da cultura.

Ao pensar a relação entre construir e habitar, retomamos a proposta do filósofo Martin


Heidegger (1954) em sua conferência “Bauen, Wohnen, Denken”, em português “Construir,
habitar, pensar”, pronunciada por ocasião da "Segunda Reunião de Darmastad", na qual ele
pondera que o construir está ligado ao sentido de habitar, ou seja, de ser e estar sobre a terra.

A colocação de Heidegger (1954) remete ao sentido da ligação ontológica entre


construir e habitar, que não é explícita atualmente, pois considera que a partir da análise
linguística é possível perceber que as variações semânticas dificultaram que o habitar
constituísse o ser do homem e seu traço fundamental e adquirisse unicamente uma relação de
meio e fim desprovido de uma profunda visão em relação à vida.

A necessidade de retomar a associação de construir, pensada a partir do habitar,


conforme Heidegger (1954), adquire outras lógicas, que permitem desvelar os universos
simbólicos, as relações mais íntimas do homem, da paisagem, do cenário, da imaginação, na
medida que construímos para habitar.

O habitar permite pensar nos modos de relação que fundamentam as construções e


validam as paisagens domésticas a partir de suas significações e da paisagem da cidade, que
79

como menciona José Carlos Rodrigues: “Existe como espaço simbólico e imaginário, antes de
existir como realização arquitetônica em pedras ou tijolos” (1999, p. 101).

Assim, a espacialidade adquire sentidos ao se construir e depois a partir da experiência


que é comunicada, reproduzida e transformada em ideias, sentimentos, modelos, integrando-se
ao cotidiano das pessoas e da cidade.

A professora de comunicação e literatura, Jerusa Pires Ferreira, na apresentação do livro


A casa subjetiva, da arquiteta, historiadora e crítica de arte Ludmila de Lima Brandão, aponta
que a casa é uma complexa constituição para além de sua concretude, pois dá lugar à
subjetivação dos espaços.

A habitação, a casa, a moradia, a máquina de morar, muito mais que projeto e


construção material é receptáculo de mitos, de práticas e de acontecimentos que,
cotidianos, ganham às vezes outra dimensão no campo afetivo: sons, formas, volumes
replicantes, que se perderiam de outro modo. (…) Sua operação, bem ativa, é a de
recuperação de verdadeiros patrimônios coletivos e subjetivos não tombados. E aí nos
leva a confirmar que uma casa é muito mais que uma casa, é uma cosmologia e um
encontro não fortuito, é a construção de um jogo de impulsos e de conhecimentos,
rede de ícones vivificados, virtualidades que se articulam, circulação de afetos,
medida no mundo. (FERREIRA, 2008, p. XIII).

Tais considerações do ato de habitar conduzem à interpretação da paisagem doméstica


a partir do objetivo e do subjetivo. Possibilitando pensar a construção para além de sua
materialidade dando sentido às relações entre os seres que a habitam e o mundo. No espaço da
casa se localizam as mais diversas práticas, muitas delas desestimadas socialmente.

Considerando a casa como parte da composição da paisagem da cidade pela qual a


sociedade revela seus interesses não somente de construir, mas de habitar, pensamos o quintal
como algo não indivisível dessa relação, e que se mostra como um acervo vivo da cidade e do
habitar a cidade.

Embora a materialidade não expresse uma “concretude” da construção da casa, a partir


de técnicas específicas da arquitetura e do paisagismo, o quintal é uma “construção” humana.
No caso de Cuiabá, as origens dos quintais são ponderadas em múltiplas funções: suprir a
necessidade de dar proteção, alimento, sombra, sustento, contemplação, criação, mostrando a
partir de sua densidade uma ideia de construção de afetos, sociabilidades, saberes e fazeres que
valorizam esse espaço.

Considerando sua relevância, podemos pensar nos quintais a partir do conceito de lugar
do geógrafo sino-americano Yi-Fu Tuan, que define os lugares como “centros aos quais
80

atribuímos valor e onde são satisfeitas as necessidades biológicas de comida, água, descanso e
procriação” (TUAN, 1983, p.4).

Conforme Tuan (1983), a capacidade humana de atribuir valor é o que diferencia o


espaço de lugar, ao ser o lugar dotado de sentido. Deste modo, o conhecimento ou a experiência
pode ser direta ou estar mediada por símbolos. Assim, é possível conhecer os lugares de modo
íntimo, mas também conceitualmente. A compreensão dos lugares parte da experiência que
envolve os sentidos, mas sua interpretação evoca uma maior complexidade, devido ao
envolvimento da simbolização. Desse modo, para Tuan (1983), a experiência é conformada por
sentimento e pensamento.

Ao contemplar o quintal, como elemento do habitat humano e como uma forma de ser
e estar no mundo, percebemos que ele se apresenta como uma tecelagem de significações. Essa
tecelagem não unicamente revela uma intervenção humana para a transformação da natureza
com a finalidade de ser usufruída. Mostra também o tecido de afetos que fazem do quintal um
ponto de intersecções que só pode ser compreendido a partir de uma visão interdisciplinar.

A interpretação da paisagem conecta ao mesmo tempo um olhar familiar, mas também


estrangeiro, capaz de sair e entrar dele sem somente apelar aos padrões estéticos, porque o
quintal revela uma sucessão de imagens que mostra diversas temporalidades na cidade e a
evolução dos modos de habitar localizados.

2.2. O quintal na construção da casa brasileira

O arquiteto espanhol Antón Capitel (2005) pondera os pátios9 como arquétipos versáteis
e sistêmicos, capazes de abrigar formas, tamanhos, estilos e características diversas. Conforme
o autor, a manutenção dos pátios pode remeter a climas quentes e ensolarados de antigas
civilizações que transcenderam tanto para as moradias modestas quanto para os palácios.

A evolução desses ambientes elucida a existência deles no território da América


colonial. Enquanto os quintais do Brasil foram espaços localizados, em geral nos fundos da
casa (SILVA, 2004), prolongando a superfície estreita e profunda da casa brasileira, as casas
coloniais da América espanhola mantiveram padrões estéticos que ponderavam o pátio como

9
E também poderia se incluir os quintais.
81

um espaço aberto imprescindível que, localizado no centro das edificações, é ponderado como
conjunto com a parte construída.

Silva (2004) acentua que a densidade entre os lotes era um diferencial, pois aqueles
localizados na América espanhola era mais intensiva, sem deixar espaço livre atrás. A figura
12 exemplifica a distribuição das construções da América espanhola: A). Na parte inferior da
imagem panorâmica de Cusco, no Peru, mostra-se o centro histórico da cidade, do lado
esquerdo da catedral e da praça principal, que está iluminada, aparecem várias construções
quadradas que se caracterizam por ter um espaço aberto no interior, denominados pátios; as
imagens inferiores (B e C) correspondem as perspectivas de cima e de baixo do pátio de uma
casa colonial de Bogotá, na Colômbia, através da qual é possível reconhecer o pátio como uma
parte pensada para complementar a casa. No pátio são visíveis quatro canteiros próximos das
esquinas, cada um deles com uma árvore de porte médio no centro e ornamentado com flores
ao redor; também no meio do pátio há um chafariz. Todos os elementos apresentam simetria.

Figura 1. A. Foto panorâmica da cidade do Cusco (Peru). B e C. Foto do pátio da casa Museu Botero, localizada
no centro histórico de Bogotá (Colômbia)

Fonte: A pesquisadora (2019)

No que concerne ao quintal da casa brasileira, ele foi caracterizado por adquirir uma
composição e posição anexa, sendo velado ao olhar público, particularidades que diferençaram
a moradia brasileira de outras construções ocidentais. O traço de casas com jardins, que
caracteriza a arquitetura urbana e que dá forma as cidades brasileiras coloniais, corresponde a
diversos processos culturais da mestiçagem cultural entre povos originários, portugueses e
82

africanos que amadureceram tradições, rituais e representações espaciais importantes na


compreensão de espaços como o quintal (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999).

O quintal, elemento da vida privada e do cotidiano no Brasil, é uma paisagem familiar,


adaptada às condições sociais e econômicas que ao longo dos anos foi adquirindo formas e
funções diferentes, de acordo com cada época. As características do quintal, como área de
serviço e sua vegetação densa que abrigava diversas espécies nativas e exóticas, são propostas
para pensar a importância do quintal como paisagem condicionada à cultura.

O quintal no modelo da casa brasileira

Os primórdios dos quintais no Brasil remetem ao surgimento da casa brasileira, que,


conforme Veríssimo e Bittar (1999), foi estabelecendo sua forma definitiva em finais dos anos
1650, com o avanço do modelo agrícola monocultor de cana-de-açúcar que se estendia ao longo
da costa leste do litoral do Brasil e nas proximidades de vários centros urbanos.

Segundo Veríssimo e Bittar (1999, p. 17), várias condições favoreceram a formação


dessa casa, por exemplo: “o clima tropical e úmido, a flora, o gentio da terra, a princípio fácil
e dócil, a se submeter à nova ordem europeia, em que o mais importante de todos esses
elementos foi o colonizador português”.

Sob a constante hegemônica do colonizador português, os lotes das cidades brasileiras


foram definidos conforme antigas urbanísticas de Portugal (REIS FILHO, 1978) e foram
caracterizados pela agrupação da construção na área frontal, sem recuo no que se refere a rua,
nem recuos laterais, permitindo que atrás da casa ficasse uma grande área “ociosa”, dentro do
enquadramento do lote (SILVA, 2004).

Essa forma de ocupação era, conforme Silva (2004), baseada na mão-de-obra escrava
que fazia uso de técnicas limitadas e materiais locais como a terra. Os muros eram construídos
em adobe ou taipa, que precisavam ser protegidos da água para o qual se adotavam soluções a
partir de recursos reduzidos. O telhado de duas águas com beirais, proporcionava cobertura para
a fachada frontal e a fachada dos fundos. A ausência de recuos laterais com respeito aos lotes
vizinhos, resguardava as paredes laterais.
83

Durante a época colonial, o fato de a terra ser objeto de concessão e não produto da
venda do terreno, definia a metragem linear em relação à fachada e do acesso à rua, para além
da metragem quadrada definitiva do terreno (Ver figura 2). Desse modo, poderia se observar
que o resultante desse tecido parcelar era conformado por lotes altamente estreitos, profundos
e frequentemente geometricamente irregulares (MARX, 1991 apud SILVA, 2004).

Figura 2: Esquema da casa colonial brasileira

Fonte: REIS FILHO (1978, p. 29)

Esse modo de organização do tecido urbano colonial mostrava terrenos de grande


tamanho. Em seu interior, os terrenos apresentavam, cada um, uma ampla zona livre,
geralmente arborizada. Desse modo, ao se juntarem todos os fragmentos dos lotes do quarteirão,
esses espaços denominados quintais apareciam notavelmente na paisagem das vilas e das
cidades brasileiras, sendo percebidos por cronistas e viajantes que os registraram através dos
seus relatos e outros documentos10.

Silva (2014) aponta ainda que a observação iconográfica do período colonial oferece
indícios de que a área aberta era superior à área construída do lote, evidenciando também a
grandeza dos quintais que, ao se olhar de cima, mostrava ares de meio rural, ainda nas áreas
centrais das cidades.

A diferença de outros fundos de lotes da arquitetura ocidental, Silva (2014) observa que
o quintal brasileiro abrigava práticas singulares como o fornecimento de alimentos. Conforme
Reis Filho (1978), o abastecimento era o principal problema doméstico da época colonial,

10
A obra “Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira” de Ernani Silva Bruno e o Museu da Casa Brasileira
reúne um grande acervo de registros sobre quintais das casas do Brasil presentes em relatos de cronistas e viajantes,
testamentos e outros documentos. BRUNO, Ernani Silva. Equipamentos, usos e costumes da casa brasileira. São
Paulo: EdUSP, 2000.
84

devido ao sistema de exportação e monocultura do mundo rural, que gerava uma crise de
abastecimento nas cidades.

Naquele contexto, as casas tentavam ser unidades de produção e o quintal era o centro
onde se localizavam muitas atividades que cumpriam esse propósito, tornando-se o coração da
vida doméstica. No quintal eram plantados diversos alimentos e o espaço também possibilitava
a criação de aves e porcos (REIS FILHO, 1978). No entanto, a importância do quintal começava
pela prática de labores domésticos ligados à cozinha e a outros serviços domésticos cotidianos.

A cozinha, equipamento básico da casa, sofre alterações com respeito ao modelo


português de habitação. No território brasileiro, o clima tropical forçou o deslocamento da
cozinha para os fundos, praticamente fora da casa, deixando de se localizar mais ao centro da
construção (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999). Devido aos problemas de calor e emanação de
fumaça, no quintal seria adaptada uma cozinha auxiliar, conhecida como “cozinha suja”.

A percepção lusa quase imediata quanto ao novo clima colocou-a nos fundos, num
puxado, deixando a última parede para apoiar a chaminé do fogão, liberando a casa
para uma satisfatória ventilação. Esse espaço subdivide-se num setor de limpeza,
abate e antepreparo, e outro como área de preparo propriamente dita. Cozinha suja e
cozinha limpa, respectivamente, funcionando à custa da mão-de-obra escrava.
(VERÍSSIMO; BITTAR, 1999, p. 109)

A relação entre quintal e escravos é uma história muito próxima. Silva (2014) aponta
que os quintais de casas mais abastadas eram lugares de alojamento dos escravos. Conforme
Veríssimo e Bittar (1999), o desempenho dos escravos nas tarefas domésticas e, sobretudo, na
alimentação, derivaria em mestiçagens da própria culinária que se apresentaria como uma
mistura portuguesa, africana e indígena, e que dialogava com outros ingredientes de
procedências diversas para formar pratos, como a feijoada.

O quintal era um espaço amplo sem demarcações e nele, além da produção de alimentos,
realizavam-se outras tarefas como lavar, quarar e secar as roupas, tingir fios para tecidos, entre
outras atividades (VERÍSSIMO; BITTAR, 1999; DOURADO, 2004).

As condições de insalubridade derivadas das atividades do quintal e de instalações


sanitárias como fossas e tonéis de excremento faziam do quintal um espaço velado, oculto da
vista da rua e dos estrangeiros, que os conheciam somente quando a situação demandasse um
gesto de hospitalidade, devido à ausência de hotéis e as grandes distâncias dos percursos
(SILVA, 2004). Em contraposição, os muros baixos do lote que cercavam o quintal permitiam
a observação dos vizinhos.
85

O caráter de privacidade do quintal gerava uma ligação com o enclausuramento das


mulheres, que, conforme Veríssimo e Bittar (1999), era resultado da tradição portuguesa que
limitava a circulação feminina apenas ao interior do espaço doméstico. Silva (2004) aponta
também o fato de o quintal ser área de trabalho ao qual as mulheres da casa dedicavam uma boa
parte de tempo. O quintal era assim reconhecido como um centro de produção feminino,
adquirindo invisibilidade com respeito a espaços de produção masculina, como as lavouras
monocultoras.

O desenvolvimento desse modelo inicial de habitação foi sendo modificado, conforme


ocorriam transformações no país. Durante o início do século XIX, a chegada da família real e
da corte portuguesa habilitariam o ingresso de mercadorias industrializadas, maioritariamente
inglesas, nos portos brasileiros, mudando as condições de abastecimento e inserindo as cidades
na economia de exportação/importação, menciona Silva (2004).

Em 1850 foi substituído o regime de concessão de terras por um novo sistema que
institucionalizava a propriedade privada do solo, através da Lei de Terras do Decreto n° 1318
do ano de 1854. A nova orientação mudaria a forma de medir as parcelas vendidas por metro
quadrado, trocando a antiga forma que considerava o acesso à rua como parâmetro que,
conforme Silva (2004), apesar de manter a forma retangular dos lotes, foi menos acentuada,
tendo implicações sobre os quintais.

Fatos posteriores, como a Abolição da Escravatura, em 1888, e a Proclamação da


República, em 1889, produziriam modificações na casa rural ou urbana que dependia do
escravo para seu funcionamento e o desenvolvimento de atividades que foram alteradas, mas
também na valorização da classe média que, como mencionam Veríssimo e Bittar (1999), teve
uma oportunidade de ascensão social que permitiu a construção de um modelo arquitetônico
mais confortável, com novas habitações.

Veríssimo e Bittar (1999) expõem que a partir dessas condições as residências urbanas
ocupam lotes menores e os quintais foram reduzidos demarcando uma área de serviços, com
tanque adicionado a um banheiro, ainda localizados fora do corpo da casa. Essas novas
ocupações foram resultantes do desmembramento de velhas propriedades, que foram divididas
e transformadas.
86

Enquanto isso, antigos palacetes continuaram ocupando grandes terrenos, os quintais


albergam novidades importadas como garagem para motoristas, oficinas e inclusive lavanderias
com dormitórios para empregados (VERÍSSIMO E BITTAR, 1999).

Durante os primeiros anos do século XX já era notável a diminuição de quintais, que


sobreviviam conforme Veríssimo e Bittar (1999), apenas em subúrbios dos grandes centros e
em outras áreas do interior do país, sendo reduzidos a áreas cimentadas em alguns casos.
Mudanças na vida urbana como os modelos de transporte foram alterando o espaço doméstico,
e especialmente o quintal, que virou estacionamento para os veículos privados. Na figura 2,
mostram-se as tendências arquitetônicas no Brasil de esquerda à direita.

Figura 3: Esquema de reconstituição de rua com modelos arquitetônicos de diversas algumas tendências
estilísticas do Brasil.

Fonte: Veríssimo; Bittar (1999, p.29)

Alterações da casa, como a aparição do jardim frontal, mudaram a relação do quintal


como único espaço de vegetação. Nesse novo espaço havia um critério na escolha de plantas
para compor o jardim, levando em consideração que ele representava o que os moradores
queriam mostrar (SILVA, 2004). Posteriores formas de habitação, como edifícios, mudariam
radicalmente a existência do quintal.

O aumento da escala urbana evidenciaria fenômenos como a verticalização e a transição


dos espaços domésticos urbanos de unidades de produção para unidades de consumo (SILVA,
2004). As condições de assepsia demandadas na vida urbana levou à pavimentação dos quintais.
Em outros casos, o crescimento populacional, incentivou a adaptação do quintal para a
edificação de cômodos destinados a familiares ou para serem sublocados como fonte de renda.
87

A vegetação do quintal

A composição da paisagem do quintal, para além da arquitetura, remete a pensar na


presença de uma grande diversidade de espécies que foram cultural e ambientalmente adaptadas
ao Brasil para estabelecer um diálogo com espécies nativas. Em conjunto, espécies nativas e
exóticas, ainda na atualidade, caracterizam os quintais, e são parte da simbologia associada a
esses espaços.

Graças aos descobrimentos marítimos foi possível o primeiro grande trânsito de plantas
intercontinental que o mundo conheceu. Os portugueses, participantes dessa empreitada,
buscavam assegurar o monopólio de espécies valorizadas no mercado europeu, e procederam a
estabelecer um sistema de troca de plantas úteis entre suas colônias no Oriente e no Ocidente
(DOURADO, 2004).

Para esses fins, os colonizadores portugueses começaram a inventariar as espécies


disponíveis no Brasil e, nessa troca, a enviar para o Brasil, em meados do século XVI, sementes
e mudas de hortaliças e cereais do Reino, das reconhecidas especiarias do Oriente e de plantas
frutíferas do Mediterrâneo e Ásia. Conforme Dean (1992), inicialmente, as transferências das
espécies foram marcadas pelo prejuízo dos colonizadores que não gostavam da comida dos
tupis.

Segundo Dourado (2004), foram dispostas três centrais de aclimatação e propagação


vegetal nos arquipélagos dos Açores, na Ilha da Madeira e Cabo Verde, localizados no Oceano
Atlântico ao norte da costa africana. Depois do longo percurso marítimo, as mudas e as
sementes que chegavam ao Brasil eram confiadas aos colonos e irmandades de diversas regiões
que procuravam conhecer suas potencialidades e informar se era ou não possível usá-las nas
metrópoles.

Dourado (2004) confirma que durante o século XVII os jesuítas estabeleceram na


Quinta do Tanque, no estado da Bahia, um centro de investigações agrícolas, onde eram
cultivadas espécies da Europa, da Ásia e das Américas. A participação dos religiosos na
distribuição de sementes e mudas de diferentes espécies foi primordial e sua labor é considerada
antecessora dos jardins botânicos no Brasil, mas suas contribuições já eram reconhecidas um
século antes através de suas descrições.
88

A obra “Botânica e agricultura no Brasil no século XVI”, do botânico brasileiro


Frederico Carlos Hoehne, publicada em 1937, reúne a transcrição de trechos dos registros de
alguns padres e outras figuras que descrevem os processos de adaptação de espécies
estrangeiras e de outras nativas registrados nos quintais domésticos no Brasil.

Por exemplo, o jesuíta português Manoel da Nóbrega (1517-1570) informava que, na


cidade de Salvador, em algumas casas plantavam-se cana de açúcar e outros alimentos,
manifestando que a terra era fértil e elogiando os pomares onde figuravam espécies introduzidas
como uvas, cidras, laranjas, limões e figos. O sacerdote salientava a existência da mandioca,
espécie nativa, sobre a qual escreveu: “O mantimento commum da terra é uma raiz de páo, que
denominam: mandioca, da qual fazem uma farinha que comem todos, e dá egualmente bom
vinho, o qual misturado com a farinha faz um pão que escusa o de trigo” (apud HOEHNE, 1937,
p. 90).

O padre José de Anchieta (1534-1597) também entregou diversas informações sobre


plantas e práticas alimentícias do Brasil, mencionando a importância de algumas espécies para
os indígenas, como o abacaxi, que era nomeado como “nana”.

Quando os ananases estão maduros, a sua coloração torna-se amarello-arroxeada, e


então emittem um cheiro de framboezas tão pronunciado, que ao passar-se na estrada,
pode-se descobri,- onde estão mesmo a grande distancia. Ao se pôr uma fatia delles
na bocca tem-se a impressão de saborear um pedaço de mel, cousa tão agradavel
nenhum confeiteiro poderá produzir. (apud HOEHNE, 1937, p. 128)

Através de uma descrição detalhada, o sacerdote ponderou a importância da mandioca


e seus derivados, que causavam boas impressões nos expedicionários, e se referiu a introdução
de boa parte dos legumes plantados no Brasil:

Da terra há poucos legumes, mas de Portugal há muitos: couves, rabões, alfaces,


pepinos, aboboras, gravanços, lentilhas, perexil e herva boa e outros muitos em
Pernambuco e Rio de Janeiro muitos melões e da terra e Guiné há muitas aboboras e
favas que são melhores que as de Portugal e são tão sans como hervilhas, feijões e
outros legumes, e todo o anno não faltam de ordinário aos nossos e muitos deles os
têm em suas roças. (apud HOEHNE, 1937, p. 107)

Também uma das mais importantes contribuições foi a do senhor do engenho da Bahia,
Gabriel Soares de Sousa (1540 – 1591), que em 1587 explanava no “Tratado Descriptivo do
Brasil” sua fascinação pela natureza do Brasil. Hoehne (1937) elogia o trabalho de Sousa por
oferecer uma documentação preciosa sobre o cultivo de uma grande listagem de vegetação.
89

Em seu registro sobre as árvores frutíferas, Soares (1587) observou a existência na Bahia
de romãzeiras, mamoeiros, coqueiros, mangabeiras, araçazeiros, entre outras espécies. Também
salientou a ampla presença dos cajueiros e a boa estima que os habitantes sentiam pela planta.
Mencionou que a fruta tinha variedades de formas e cores e que lhes eram atribuídas funções
medicinais, como curar a febre e melhorar a digestão, e proporcionou detalhes sobre as formas
de consumo do caju:

Os cajús silvestres travam junto do olho que se lhes bota fora, mas os que se criam
nas roças e nos quintaes comem-se todos sem terem que lançar fora por não travarem.
Fazem-se estes cajus de conserva, que é muito suave, e para se comerem logo cozidos
no assucar cobertos de canella não tem preço. Do sumo d’esta fruta faz o gentio vinho,
com que se embebeda que é de bom cheiro e saboroso. E para notar que no olho d’este
pomo tão formoso cria a natureza outra fruta parda, a que chamamos castanha, que é
da feição e tamanho de um rim de cabrito, a qual castanha tem a casca muito dura e
de natureza quentíssima e o miolo que tem dentro; deita esta casca um óleo tão forte,
que tão forte, que aonde toca na carne faz empola, o qual óleo é da côr de azeite e tem
o cheiro mui forte. Tem esta castanha o miolo branco, tamanho como o de amendoà
grande, a qual é muito saborosa, e quer arremedar no sabor aos pinhões, mas é de
muita vantagem. D'estas castanhas fazem as mulheres todas as conservas doces que
costumam fazer com as amendoas, o que tem, graça na suavidade do sabor; o miolo
d'estas castanhas, se está muitos dias fóra da casca, cria ranço do azeite que tem em
si; quando se quebram estas castanhas para lhes tirarem o miolo, faz o azeite que tem
a casca pellar as mãos a quem as quebra. (apud HOEHNE, 1937, p. 219-220)

Os escritos citados oferecem uma visão da integração de produtos na dieta alimentar dos
brasileiros que remete a diversas conexões marcadas pelas relações de colonizador e
colonizado. Ditas trocas e intervenções permitem analisar a profundidade de uma paisagem que
foi naturalizada ao longo do tempo.

No quintal existem outros elementos adaptados que fazem parte dessa paisagem
construída como as bananeiras, originárias do Sudeste asiático e aclimatadas em São Tomé e
Cabo Verde; os mamoeiros, originários da América Central; os coqueiros, originários da
Polinésia e do Sudeste asiático; romãzeiras, trazidas da Europa. Parte desse grupo, também são
as excepcionais árvores da Índia que foram transferidas para o Brasil no século XVII e que
tiveram uma grande distribuição nos quintais: as mangueiras e as jaqueiras.

Além do alcance comunicacional das descrições dos elementos da vegetação presente


nos quintais através dos relatos dos padres e outros envolvidos na empreitada botânica, também
foi possível o reconhecimento da paisagem através das artes que retratavam, com um matiz
científico, os produtos da natureza e os elementos do lar como parte dessa cultura brasileira que
estava se formando.
90

Figura 4: Obra “Abacaxi, Melancias e Outras Frutas” de Albert Eckhout.

Fonte: ECKHOUT, Albert. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo:
Itaú Cultural, 2020.

Um dos maiores legados da representação das espécies presentes na mestiçagem da


mesa brasileira foi o pintor e desenhista holandês Albert Eckhout (1610-1666), a serviço do
conde Maurício de Nassau (1604 - 1679), que deixou um acervo de imagens úteis na
compreensão da convivência homens-natureza, retratando herbáceas, arbustos, frutas,
hortaliças e legumes em um diálogo com os habitantes do Brasil diverso.

2.3 Quintal e a casa cuiabana

Acompanhando as dinâmicas de moradia do Brasil colonial, os padrões arquitetônicos


de Cuiabá apresentam influências dos modelos gerais do país, mas também de regiões
específicas, considerando ainda que o território foi parte do domínio espanhol. Nessa dinâmica,
o padrão ibérico apresenta singularidades e assinaturas próprias, quando se considera a
convivência dos indígenas, dos bandeirantes paulistas e dos africanos que foram escravizados
e assim modularam uma ideia de cultura brasileira e cuiabana.

Júlio De Lamonica Freire (1997) ponderou o quintal como um elemento da casa


cuiabana e salientou que as primeiras casas seguem o padrão paulista do século XVIII. No
entanto, o padrão da arquitetura bandeirante apresentava particularidades, sendo consideradas
semelhanças com a arquitetura registrada em Vila Boa de Goiás. Ditas características eram
91

perceptíveis a partir da implantação de casas sobre o alinhamento das ruas e limites laterais do
terreno, onde apareciam umas seguidas de outras, o que criou certa monotonia das paisagens
das ruas, apontou o autor.

As casas, segundo a apreciação de Freire (1997), reproduziam um único padrão. Tinham


telhados de duas águas, os quais tinham duas caídas, uma para a rua e outra para o quintal,
possivelmente com o intuito de se aproveitar as águas chuvas para a plantação de alimentos.

A situação de desabastecimento que a população cuiabana atravessava durante o século


XVIII poderia ser, segundo Freire (1997), o motivo pelo qual os quintais iriam ser uma parte
fundamental tanto da estrutura das casas quanto dos hábitos em Cuiabá: “A lembrança residual
dos tempos de escassez e extrema penúria em Cuiabá no século XVIII, contribuiu na
constituição da prática de se plantar quintais, levando em consideração as raízes tão profundas
do costume entre os cuiabanos.” (1997, p. 81).

Na conjuntura daquele período, a casa cuiabana configurou-se como um espaço


produtivo a partir da organização do conjunto de casa, varanda e cozinha. Desenhava-se assim
um pátio interno pequeno, onde se encontrava elementos constituintes da casa: poço, forno,
plantas medicinais, ornamentais e árvores frutíferas.

A organização das plantas, conforme Freire (1997), correspondia ao seguinte esquema:


perto da casa estavam citros, romã ou pitanga, bocaiuveiras, jabuticabeiras, cajueiros,
goiabeiras e mangueiras; nos fundos havia bananeiras e cajazeiras. Quintais maiores possuíam
também pequenos plantios de mandioca e/ou milho, que usualmente eram encontrados depois
da horta.

Durante o século XIX, ainda era possível registrar a estrutura casa-quintal, de acordo
com a historiadora Luiza Volpato (1993), que aponta que naquele período as casas dos mais
poderosos na sociedade da época eram feitas de adobe e taipa, e o corpo da casa estava
composto de sala, alcova, varanda, loja e cozinha. No espaço doméstico havia quintais
espaçosos cuja extensão era até a outra rua e se caracterizavam pela plantação de árvores
frutíferas.

Posteriormente, devido à expansão da cidade e à criação de novos bairros,


especificamente do CPA 1, nos anos 1970, Freire (1997) estuda a linguagem arquitetônica das
casas populares cujo padrão sofre alterações, em decorrência da imposição de discursos que
reformulam os signos da casa, até aquele momento socialmente produzidos. O autor, afirma
92

que ainda nesse contexto o morador pensou sua casa desejada, considerando os referentes de
espaços de suas vivências.

A figura 5 mostra uma foto aérea do bairro CPA feita no ano de 1994. No conjunto da
paisagem apreciada do alto é possível ver a estruturação do núcleo habitacional, através das
demarcações dos quarteirões que indica um planejamento urbanístico. A imagem panorâmica
mostra a construção do conjunto habitacional como uma composição horizontal de grande
porte.

Figura 5. Vista aérea de bairro CPA-1.

Fonte: O Estado de Mato Grosso, 08 de abril de 1994, p. 19.

Nesse novo tipo de moradia, o quintal foi proposto, em várias ocasiões, como espaço
natural ou artificial, dado o confronto na linguagem arquitetônica entre o construído e o não-
construído. Freire (1997) expõe que o redesenho de resistência cultural manteve o quintal mais
amplo e plantado, enquanto o modelo hegemônico de redesenho da casa, que privilegiava a
visão de modernização, rejeitou o quintal.

Apesar de não ter outras referências sobre à transformação desse tipo de moradia na
cidade, a importância do modelo arquitetônico da casa-quintal é projetada ainda como um
elemento da cultura da cidade através da Casa Cuiabana, localizada na região central da cidade
e tombada como patrimônio histórico do Estado de Mato Grosso, por meio da Portaria n° 27/83,
de 13/6/1983. A construção, que abriga atualmente um Centro Cultural do Estado de Mato
Grosso, data do século XVIII.
93

A casa em estilo colonial, construída em taipa e adobe sobre alicerces de pedra canga,
era antigamente a “Chácara de Deidâmia” e foi adquirida em 1901 por Mariano Campos
Borralho. Depois de pertencer à família, passou a formar parte dos equipamentos culturais do
Estado, sendo destinada à realização de diversas atividades que promovem o desenvolvimento
da música e das artes plásticas e cênicas locais, mas também representando um equipamento
turístico de Cuiabá.

Figura 6. Quintal do Centro Cultural Casa Cuiabana.

Fonte: A pesquisadora (2019).

O imóvel, em seu caráter simbólico de uma experiência urbana, ainda mantém grandes
mangueiras para representar resquícios do antigo quintal, onde também havia um poço
construído com pedra canga. As árvores, que dão sombra à casa, formam parte do espaço aberto,
que foi adaptado para apresentação de obras de teatro, montagem de feiras e outras exposições
de caráter cultural.

2.4 Quintais cuiabanos, fazeres, saberes e vida social

O quintal como parte da vida doméstica, desde o período colonial, constitui um acervo
vivo, onde tem se especializado manifestações como a gastronomia, para a qual teve uma
grande importância ao permitir o desenvolvimento de costumes alimentares singulares.

Em Cuiabá, estes espaços, para além dos serviços ambientais e alimentícios,


proporcionam às famílias um espaço para o encontro social, visível na manifestação de
94

atividades familiares e outras práticas coletivas de cunho religioso, como as festas de santo,
manifestações de ampla distribuição no território da Grande Cuiabá, conforme o comunicador
e pesquisador em cultura Yuji Gushiken (2012). A organização de ditas atividades de veneração
são complementadas por demonstrações gastronômicas e danças.

A historiadora Kátia Ormond (2018) pondera a importância dos quintais de Cuiabá para
o estudo da formação do cardápio local. A pesquisadora menciona que o entendimento da
formação dos hábitos alimentares precisa da consideração, em primeiro lugar, do valor dado
pelos indígenas da região às espécies dos três biomas encontrados no território de Mato Grosso
(Cerrado, Pantanal e Amazônia) como: caju, buriti, araticum, jatobá, baru, mangaba, pequi,
pitomba, maracujá, entre outras. Em segundo lugar, aos bandeirantes paulistas, disseminadores
de espécies da colônia portuguesa, e em terceiro lugar, aos africanos que foram escravizados
para trabalhar nas minas da cidade e que ao se assentar no território traspassaram seus saberes
e fazeres.

As comidas que prevaleceram em Cuiabá são, portanto, a síntese desse processo,


iniciado pelos paulistas, amalgamados aos alimentos indígenas e ao modo de fazer
dos africanos, daí resultando não somente vários dos cardápios locais, como também
as técnicas e utensílios usados para prepará-los. (2018, p. 75)

Em Cuiabá, a disposição de equipamentos como a cozinha suja, fenómeno dado nos


quintais do Brasil, apresentava características singulares de cada residência, como as descritas
pelo arquiteto, historiador e artista plástico Moacyr Freitas:

A cozinha eu conheci ficava lá fora, ao lado da casa. Era um puxado coberto de telhas,
apoiado num muro de terra socada, que dava para a rua, ao lado da casa. O chão era
de terra batida, e suas paredes não tinham revestimento nenhum. Não havia
fechamento para o quintal, mas ninguém se preocupava com isso. Não havia ladrões!
O fogão de adobes ficava ao fundo. Sobre ele, algumas grosas velhas, apoiadas em
duas filas de tijolos, separavam o fundo das panelas pretas de ferro e das de barro do
fogo que as aquecia. Pouca coisa ficava ali na cozinha: dois pilões, um de socar milho
para fazer fubá e outro para pilar café torrado; um armário simples sobre uma mesa
rústica encostada na parede suportava pratos, latas e outras coisas mais. Num dos
cantos, o pote de barro com seu tampo de madeira e junto dele, pendurado num fio, a
pedra hume para purificar a água. O monte de lenha, um ninho de galinha com seu
indez dentro (casa de caramujo) ocupavam outros cantos. Esta cozinha foi, certo dia,
ampliada pelo mestre Elisiário, velho amigo lá de casa. Uma cobertura de zinco
permitia então irmos lá, sem que apanhássemos
chuva. (1995 apud ORMOND, 2018)

Conforme Ormond (2018), a descrição sobre a cozinha da residência de Freitas, de


meados do século XX, correspondia ao comum das casas menos abastadas da cidade. No
entanto, a historiadora comenta sobre a existência de duas cozinhas nas moradias das classes
mais abastadas: uma no corpo da casa e outra no quintal.
95

Na cozinha do quintal, aponta Ormond (2018), eram adiantados processos culinários,


como a preparação de carnes (defumadas e salgadas), a elaboração de doces em tachos, moagem
de arroz, café e carne seca no pilão e o refinamento do açúcar. Mediante fogões e fornos de
adobe ali encontrados era possível também assar carnes, pães e bolos. A cozinha interna era
utilizada para preparações culinárias em menores quantidades

O quintal tinha também a função de produção de alimentos como mandioca, banana,


abóbora, maxixe; a criação de animais como galinhas e porcos nos quintais; a abundante
presença de peixes no rio Cuiabá, e as técnicas de conservação de alimentos foram
determinantes na criação de pratos do cardápio cotidiano da maioria da população de Cuiabá
como carne com banana verde, maria-isabel (carne com arroz), mojica de pintado, peixe com
maxixe, farofa de pintado, paçoca de pilão, pirão, pacu frito e outros (ORMOND, 2018).

Em outra perspectiva, os quintais adquirem relevância social ao acolher as festas


populares que rendem homenagem aos santos católicos. Conforme Souza e Osorio (2019),
durante o século XX, estes festejos praticados nos quintais criou um embate entre a Igreja e os
festeiros em Cuiabá.

Durante as festas, os santos eram mantidos dentro das residências e os quintais se


tornaram lugares de peregrinação religiosa para os devotos. A prática de rituais católicos, nesses
espaços gerava um confronto entre a igreja que sabendo da realização dos encontros de caráter
religioso procurava manter sua hegemonia, enquanto os fiéis procuravam render tributo ao
santo em casa.

Souza e Osorio (2019) expõem o caso de uma mulher que em devoção a São Benedito,
santo padroeiro de Cuiabá, realizou a inícios do século XX um festejo religioso no quintal de
sua própria casa. O acontecimento posicionou o quintal como lugar do sagrado, a partir da
celebração da missa no altar disposto ao santo, e envolveu outras atividades como música, baile,
comida e bebida. A festa, de acordo com um fiel era necessária para agradecer ao santo, mas ao
não ser realizada na igreja, obrigou os devotos a dispor o espaço doméstico também com a
finalidade de regozijo.

A tentativa da Igreja de impedir a realização de festas populares fora dos espaços


dispostos para a prática da fé é vista como uma forma de controle e a imposição de suas regras,
que atravessa os interesses econômicos. Em contrapartida, as famílias cuiabanas que se reúnem
no quintal reconfiguram a organização coletiva através da partilha e da dádiva. O quintal no
96

meio do conflito permitiu a integração popular e adquiriu um lugar dentro da religiosidade de


Cuiabá.

Poesias e crônicas sobre o quintal

Para o filósofo e poeta francês Gaston Bachelard (2008), a casa é um corpo de imagens
que outorga ao homem motivos para se sentir estável. Assim, ao se reimaginar frequentemente
a realidade da casa, ao se apontar todas as imagens, poderia se revelar a alma da casa. A poesia
e a crônica, através da descrição e da narração, permitem recriar os lugares e produzir sensações
diversas, viver, experimentar, ser e estar no quintal.

O coronel Octayde Jorge da Silva, que foi membro da Academia Mato-Grossense de


Letras (AML), escreveu sobre o quintal de sua casa em seu habitual espaço de crônicas do jornal
O Estado de Mato Grosso. A compilação de escritos foi organizada e publicada pelo historiador
Fernando Tadeu Miranda Borges. No texto, divulgado no dia 13 de novembro de 1983, exibe a
abundante vegetação existente nesse espaço, e inclusive, menciona seu assombro sobre a
plantação de espécies como cacau e café, se perguntando se quiçá foram plantados por
“bizantice”.

A nossa (casa) tem um quintal enorme, que sai na rua do Campo, quintal repleto de
mangueiras de tipo Bourbon, assim chamadas por terem sido as sementes trazidas pela
corte dos Bourbon e Bragança, quando se mudou para o Brasil. E a jabuticabeira?
Resiste. Está na 5ª geração. Os tataranetos estão chupando jabuticaba no pé!
Centenária como o ‘tamarineiro’ (tamarindo, fica um pouco pedante, não acha?). Este
em agosto e setembro, estala e joga as bagas no chão, que fica repleto delas para delírio
da criançada, que faz ali um verdadeiro ‘pizeiro’ (Aliás, por falar em ‘pizeiro’, esta é
uma das palavras-chaves de nossa gíria antiga. Você quer explicar o tumulto, a
anarquia, a algazarra, o vozeiro, a avacalhação e não tem palavras, diga ‘pizeiro’ que
todo mundo entende e faz ideia).
Goiabas? Muitas!... tanto das brancas como das vermelhas. Com cascas amarelas ou
‘verdolengas’ (o cuiabano não gosta de verdoengas). Pés de ata, 2 cajueiros, do tipo
amarelos e raquíticos.
O abacateiro... só um pé está dando. E muito. O outro, há muito poderia ter trazido os
frutos. Já furei o tronco, em três lugares distintos, com três pregos velhos,
enferrujados..., mas, ele resiste. Continua estéril.
Os pés de figo estão desafiando os donos da casa. Pretendem ao grupo contestatário.
Não dão nada... Pena!... nada mais bonito que doce de figo ou de limão, em compoteira
bem clara, de cristal liso.
A graviola, ah! Essa está sempre sendo requisitada para o sorvete!...
As bananeiras, de três tipos, fornecem cachos que derrubam os pés e dão à área em
que estão, um ar de umidade ambiental, fresco e gostoso. (BORGES, 2013)

A narração que também fala da cerejeira do mato, limões, laranjas, tangerinas,


mandioca, cana de açúcar, abóbora, tomate, cebolinha verde, pimentão, maracujá, coqueiros,
97

cabaceira, entre outras, possibilita estabelecer uma relação íntima sobre a compreensão das
plantas e os processos da natureza como as safras e mostra a diversidade dos quintais. O autor
também menciona que o cuidado do quintal não é só individual, mas possibilita práticas
comunitárias, como o intercâmbio de mudas de plantas.

A importância do quintal é também ser um elemento recorrente nos textos líricos, a


partir de autores como o mato-grossense Manoel de Barros, para quem o quintal aparece como
um universo inesgotável de recursos para apreciar e enaltecer as minúcias da vida. O poema
“Mundo Pequeno I” mostra a importância do quintal para esse autor, nascido em Cuiabá e que
passou a vida no atual estado de Mato Grosso do Sul, que ao longo de sua obra salienta o quintal
como seu lugar de inspiração:

O mundo meu é pequeno, Senhor.


Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa.
Ele me rã.
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter
os ocasos. (BARROS, 2003)

Abordar as palavras do escritor é se adentrar na realidade infinita de percepções. O poeta


coloca uma lupa no quintal e explora cada elemento mínimo a partir da grandeza. A
compreensão desse quintal é inefável. Portanto, inventa verbos, expressões e expande o quintal
como uma categoria inexplicável através linguagem.

As diversas evocações do quintal como recurso para compor seus poemas mostra a
relação estreita do homem com a casa como seu primeiro mundo a ser explorado. A experiência
de ficar em um espaço como quintal, especialmente durante a infância, cria uma intimidade que
transcende as várias etapas da vida, porque gera uma espécie de encantamento. Como o poeta
Barros expõe, é uma relevância que não pode ser medida, mas vivida:

Um fotógrafo-artista me disse outra vez: Veja que


pingo de sol no couro de um lagarto é para nós mais
importante do que sol inteiro no corpo do mar. Falou
mais: que a importância de uma coisa não se mede
com fita métrica nem com balanças nem com
barômetros etc. Que a importância de uma coisa há
que ser medida pelo encantamento que a coisa
produza em nós (BARROS, 2006, p. 95).
98

Destarte, a proposta de Barros é criar uma fissura no olhar cotidiano incapaz de perceber
a grandeza do quintal. Por isso, sua forma de pensá-lo é um incentivo para ver como o quintal
é capaz de dar sentido à vida. Assim como, é necessário admirar como o quintal se adapta às
diversas construções afetivas das pessoas com os quintais presentes em Cuiabá, dependendo
dos usos que eles dão a esse espaço.
99

CAPÍTULO III

QUINTAIS DA ATUAL CUIABÁ

Acho que o quintal onde a gente brincou é maior


do que a cidade. A gente só descobre isso depois
de grande. A gente descobre que o tamanho das
coisas há que ser medido pela intimidade que
temos com as coisas. Há de ser como acontece
com o amor. Assim, as pedrinhas do nosso
quintal são sempre maiores do que as outras
pedras do mundo. Justo pelo motivo da
intimidade.

Manuel de Barros (2015, p. 124)

Classificação dos quintais

As aproximações com o objeto de estudos que se vai construindo têm permitido uma
classificação dos quintais em algumas categorias mais perceptíveis: domésticos, coletivos e
comerciais, de acordo com os modos de acesso aos quintais. A primeira categoria (domésticos)
mostra que o quintal mantém uma relação direta com a casa, porque abastece a casa ou porque
nele são desenvolvidas as tarefas domésticas, mas também porque para sua visitação é preciso
conhecer os habitantes da residência.

O segundo, denominado quintal coletivo, não apresenta dependência da casa, ainda que
a produção de alimentos seja aproveitada para o consumo local. O quintal coletivo permite uma
visitação moderada, sem necessidade de ingressar nos espaços da casa e pode albergar uma
quantidade de pessoas maior do que a dos quintais domésticos.

O terceiro, os quintais considerados comerciais, recebem essa classificação porque seu


uso é dedicado a uma atividade econômica pontual, como a venda de alimentos, sob a qual os
valores e atributos comunicacionais do espaço quintal são parte da estratégia comercial de
algumas marcas.

3.1. Quintais domésticos

Considerando a composição do espaço para fins residenciais, este tipo apresenta uma
coesão entre o espaço construído (casa) e o quintal, como espaço aberto ou não construído. As
100

funções que o quintal cumpre são conectadas diretamente ao lar, sendo só acessível aos
moradores e restringindo sua visibilidade a partir de muros e portões, como foi evidenciado em
quatro dos cinco quintais visitados.

Figura 1. Mapa de distribuição dos cinco quintais domésticos da pesquisa em Cuiabá, Mato Grosso.

Fonte: A pesquisadora (2021).

O perfil encontrado dos moradores foi diverso. Encontrou-se que a maioria dos espaços
domésticos abrigava casais de jovens adultos (Q. Boa Esperança, Q. Jardim Universitário e Q.
101

Jardim Imperial II), e apenas um deles com duas crianças pequenas. Esse grupo é constituído
por moradores que provêm do interior de Mato Grosso, São Paulo, Recife, Minas Gerais e uma
pessoa de Lemans (França). Os outros dois espaços domésticos, localizados nos bairros Lixeira
e Cidade Alta, são habitados por idosos11. Esses últimos, naturais de Cuiabá.

O quintal é considerado um espaço de interações entre o ser humano e o ambiente. A


diferença de outros ambientes de vegetação, mencionam Sal, García e Doña (2014), o quintal é
um espaço que demanda o cuidado humano. No caso dos quintais da pesquisa, constatou-se
que, embora o cuidado seja uma responsabilidade compartilhada para os casais, segundo as
informantes, os homens cuidam mais do quintal. Os outros dois quintais são cuidados por seus
proprietários, homem e mulher.

O cuidado dos quintais domésticos da pesquisa é responsabilidade maioritariamente dos


homens (80%). A baixa participação das mulheres (20%) apresenta uma diferenciação com as
pesquisas desenvolvidas sobre este tipo de ambientes, especialmente, naquelas pesquisas
desenvolvidas em Mato Grosso, onde usualmente existe um protagonismo das mulheres no
cuidado e manejo dos quintais (AMARAL e GUARIM NETO, 2008; GUARIM NETO e
CARNIELLO, 2008;).

Ao se concentrar na materialidade da paisagem, é possível evidenciar que o quintal se


compõe da presença de várias espécies de vegetação e da realização de várias atividades. Ditas
relações entre os sujeitos e o quintal oferecem uma multiplicidade de óticas suportadas na
consideração do quintal como lugar, no sentido de Tuan (1983), cuja atribuição de valor
corresponde às atividades ali realizadas e as necessidades satisfeitas através delas.

As plantas mencionadas na seguinte tabela foram parte do inventário em conjunto com


os participantes da pesquisa. Como referido na tabela 1, elaborou-se uma lista de cinquenta
espécies, em geral para uso alimentar, medicinal e de sombreamento. Na lista denominada
alimentar, também foi contado uma espécie do tipo florística (ipê12) como sendo parte dessas
variedades representativas.

Através de fotografias, é possível observar a existência também de espécies


ornamentais, que, ainda sendo parte da composição paisagística dos quintais, não são
inventariadas pelos participantes, adquirindo um papel secundário no quintal.

11
No Brasil, o termo idoso denomina a população com 60 anos ou mais.
12
O ipê é a flor nacional do Brasil, reconhecido em 1978 mediante a lei 6.507. Contraditoriamente, a espécie faz
parte do mercado internacional de madeira ilegal, que afeta principalmente espécies da Amazônia brasileira.
102

Tabela 1. Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos cinco quintais domésticos
distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de 2020.
ESPÉCIES QUINTAIS

NOME COMUM NOME A B C D E


(DIALETO CIENTÍFICO
LOCAL)
Abacate Persea Americana •
Mill.
Abacaxi Ananas comosus L. • • •
Açafrão Curcuma longa L. •
Acerola Malpighia • • • • •
emarginata DC.
Agrião Nasturtium •
officinale W.T.
Aiton
Alecrim Rosmarinus •
officinalis L.
Alface Lactuca sativa L. •
Ata Annona squamosa • • •
L.
Babosa Aloe vera (L.) • •
Burm. f.
Banana Musa × paradisiaca • • • • •
L.
Berinjela Solanum •
melongena L.
Cacau Theobroma cacao •
L.
Caju Anacardium • • • • •
occidentale L.
Cana de açúcar Saccharum •
officinarum L.
Capim cidreira Cymbopogon • •
citratus (DC.) Stapf
Cará-roxo Dioscorea trifida •
L.f.
Carambola Averrhoa •
carambola L.
Cebolinha Allium fistulosum L. • • •
Cenoura Daucus carota L. •
Citronela Cymbopogon • •
winterianus Jowitt
ex Bor
Coco Cocos nucifera L. •
Couve Brassica oleracea •
var. acephala DC.
Cupuaçu Theobroma •
grandiflorum (Willd.
ex Spreng.) K.
Schum.
Feijão guandu Cajanus cajan (L.) •
Millsp
Fruta-pão Artocarpus altilis •
(Parkinson)
Fosberg
Goiaba Psidium guajava L. • •
Graviola Annona muricata L. •
Hortelã Mentha piperita L. • •
Ipê* Tabebuia sp. •
Jabuticaba Myrciaria cauliflora • • •
(Mart.) O. Berg
Jaca Artocarpus •
heterophyllus Lam.
Jenipapo Genipa americana •
L.
Laranja Citrus × sinensis •
(L.) Osbeck
Limão Citrus × limonum • •
Risso
Mamão Carica papaya L. • • • • •
103

Mandioca Manihot esculenta • • • •


Crantz
Manga Mangifera indica L. • • • •
Manjericão Ocimum L. • •
Menta Mentha spicata L. •
Mexerica Citrus reticulata •
Blanco
Milho Zea mays L. •
Pepino Cucumis sativus L. •
Pimenta Capsicum L. •
Pitanga Eugenia uniflora L. • •
Pitomba Talisia esculenta • •
(A. St.-Hil.) Radlk.
Pupunha Bactris gasipaes •
Kunth
Quiabo Abelmoschus •
esculentus (L.)
Moench
Romã Punica granatum
L.
Rúcula Eruca sativa Mill. • •
Seriguela Spondias purpurea •
L.
Tomate Solanum • •
lycopersicum L.

Bairros: A – Boa Esperança; B – Jardim Universitário; C – Lixeira; D – Cidade Alta;


E – Jardim Imperial II
Fonte: A pesquisadora (2020).

Os quintais domésticos da pesquisa são possuidores de grande diversidade vegetal.


Salientando que algumas espécies estão presentes em todos os quintais, como é o caso da
acerola, caju, banana e mamão. Outros elementos, como as mangueiras e plantas de mandioca,
são parte do 80% dos quintais.

Em menor medida há presença de abacaxi, jabuticaba, ata e cebolinha em 60% dos


quintais domésticos. No quintal localizado no bairro Jardim Imperial II foram registradas 35
espécies diferentes de alimentos e no quintal do bairro Boa Esperança registraram-se 21 tipos,
sendo uma boa parte hortaliças. Foram inventariados 14 espécies no quintal do bairro Cidade
Alta e 11 variedades nos quintais pesquisados nos bairros Lixeira e Jardim Universitário.

Os entrevistados mencionam que o manejo de sementes é realizado de maneira artesanal


como a extração de sementes de frutos, que são lavadas e colocadas para a secagem a partir da
exposição ao sol, para serem plantadas diretamente na terra, em sacolas ou em pequenos vasos.
Nos quintais dos bairros Jardim Universitário, Boa Esperança e Jardim Imperial II, os
conhecimentos técnicos foram adquiridos mediante a profissionalização dos habitantes, que
conformam o grupo familiar, que são formados em ciências agrárias. De outro lado, os
moradores das residências dos bairros Lixeira e Cidade Alta mantêm um conhecimento
empírico derivado de trocas geracionais. A senhora Joana, que cultiva seu quintal há mais de
104

60 anos, menciona que tem recebido e oferecido sementes e bulbos, situação que se repete nos
outros quintais onde os informantes confirmaram a troca desses elementos com amigos e
vizinhos.

Figura 2. Manejo de plântulas para a plantação de espécies no quintal do B. Boa Esperança.

Fonte: A pesquisadora (2019)

Os quintais, desse modo, representam as singularidades dos sujeitos envolvidos com o


ambiente. A partir das atividades de plantio e manutenção, os quintais se colocam aos olhos de
quem entra neles como pequenas florestas, em ocasiões surpreendentes por conter árvores
frondosas como mangueiras, jaqueiras, pitombeiras, seriguelas, que devido ao seu grande porte
proporcionam sombras que dão cobertura a uma grande parte dos quintais, formando
sobressalientes manchas verdes evidentes através de recursos como as imagens de satélite.

Conforme a figura 3, o quintal localizado no bairro Cidade Alta, apresenta uma alta
densidade de vegetação, formando em conjunto com casas vizinhas que compartilham modelos
de ocupação similares uma grande quantidade de elementos que aportam à cobertura verde
urbana.
105

Figura 3. Imagem de satélite no espaço correspondente ao quintal do B. Cidade Alta.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Google Maps, 2020.

Considerando a altitude como um meio de comunicação da cidade (FERRARA, 2008)


e a ampla disposição de imagens de satélite proporcionadas pelo Google Maps, foi possível
apreciar a paisagem dos espaços domésticos a partir de uma imagem real do espaço urbano.
Embora a imagem de satélite apresente dificuldades na atualização, ela permite contemplar as
manchas verdes dos quintais, evidenciando que as áreas não-construídas dos quintais
domésticos da pesquisa, na maioria dos casos, sobrepassam as áreas construídas.

De outro lado, percebeu-se que os quintais se adaptam às condições geomorfológicas e


socioculturais. No bairro Lixeira13, fundado mediante a Lei nº 1315, de agosto de 1973, anotou-
se que o espaço residencial se adapta a uma inclinação do terreno. O espaço daquela casa,
ocupado há mais de sessenta anos pela senhora Joana e sua família, inclusive antes da
denominação do bairro, apresenta outras particularidades. No desconhecimento, à época, de
qual seria o traçado urbano, a casa foi construída em um ponto posterior à construção da rua.
Ficou, portanto, distante da rua, como é mostrado a partir da imagem de satélite da figura 4.

13
A origem do nome do bairro deve-se à presença da árvore de nome científico Curatella Americana L.,
popularmente conhecida como Lixeira, pau-de-lixa, caimbé ou sambaíba. A denominação comum dessa espécie
do cerrado brasileiro é dada pela particularidade das folhas que servem arear superficies de madeira e metais.
Fonte: ÁRVORES DO BIOMA CERRADO. Curatella Americana L. [s.d]. Disponível em:
<http://www.arvoresdobiomacerrado.com.br/site/2017/06/06/curatella-americana-l/>. Acesso: 17 de jun. 2021.
106

Figura 4. Imagem de satélite do espaço doméstico B. Lixeira.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Google Maps, 2020.

A distribuição do espaço doméstico mostra também outras incidências sobre sua


transformação. Segundo o relato da senhora Joana, em princípio sua casa foi construída em uma
zona caracterizada por ser matagal, mas foram dispondo o espaço para o estabelecimento de
um espaço doméstico, limpando e plantando o lugar. “Limpar” é um verbo recorrente nos
relatos que se refere ao desmatamento de áreas de vegetação. Em alguns casos, a limpeza do
quintal refere-se à desaparição da vegetação, portanto, da função de abastecimento, sombra etc.

Aos poucos, a senhora Joana foi plantando pé de manga, mamão, acerola, laranja, entre
outras árvores frutíferas, para fazer sombra e abastecer o lar formado por ela, seu esposo e seus
oito filhos. Ela lembra que na década dos anos 1960 havia uma grande dificuldade de acesso a
alimentos deste tipo em Cuiabá.

As responsabilidades familiares obrigaram a senhora Joana e sua família a reduzir a


propriedade, que inicialmente ocupava um hectare. Segundo a senhora Joana, a família foi
vendendo partes separadas do terreno para sustentar os filhos e contribuir na formação
acadêmica deles. Além da vegetação, a senhora Joana incluiu no seu quintal a criação de galos
e galinhas (Figura 5), atividade que mantém atualmente.

Na figura 5, é possível apreciar o quintal como o lugar onde são colocados diversos
objetos de consumo, como latas, madeira e fragmentos de telhas. A disposição de elementos
107

materiais distintos não apresenta uma ordem estabelecida. O que se observa ali naquele espaço,
no registro fotográfico: árvores, resíduos, um galo e um pintinho, o muro, a sombra, a luz, folhas
secas. Este conjunto de objetos e seres vivos conforma uma imagem comum do quintal
tradicional da senhora Joana.

Figura 5. Criação de galos e galinhas no quintal B. Lixeira.

Fonte: A pesquisadora (2019)


A presença de fauna selvagem nos quintais é habitual devido à vegetação e aos frutos.
Os informantes mencionaram que é recorrente a presença de araras, tucanos, joões-de-barro,
bem-te-vis e outras espécies de aves silvestres que frequentam os quintais e, com distintos
cantos, oferecem à paisagem uma sonoridade diferenciada, não unicamente para os moradores
da casa, mas para a vizinhança.14

Durante uma visita ao quintal de Mônica e Ricardo, sua filha Flora, de dez meses,
observava um joão-de-barro e mostrava ao pai onde estava a ave. Autores como Sal, García e
Doña (2014) mencionam que a diversidade de fauna que aparece nos quintais é elevada e
algumas espécies de aves utilizam estes espaços como habitat próprio, na medida em que
oferece segurança para a reprodução das espécies.

14
Durante 2021, em Cuiabá, tive a oportunidade de ficar vários dias em um apartamento localizado na região
centro sul da cidade. Próximo ao prédio, localizava-se uma casa com um grande quintal aos fundos. Nele havia
uma frondosa mangueira que dava abrigo a centenas de passarinhos que cantavam juntos, provocando um barulho
ensurdecedor que alegrava as manhas na cozinha do apartamento. Também, em outros quintais das proximidades
era possível acordar com o som das araras.
108

Figura 6. Sagui em mangueira no quintal do B. Jardim Imperial II.

Fonte: Acervo pessoal Juliana Vieira da Silva (2020)

Em alguns quintais também foram identificados pelos participantes a visita de outros


animais como esquilos, cobras, macacos, lagartos. Um dos quintais é habitat de um jabuti,
resgatado pelos moradores da casa.

Na figura 6 aparecem dois saguis (Callithrix) na frondosa mangueira (Mangifera


indica). Conforme os moradores desse espaço doméstico, os pequenos primatas, endêmicos do
Nordeste brasileiro, frequentam o quintal para obter alimento.

Ainda com a delimitação dos quintais dada através de muros e cercas elétricas, em
quatro dos cinco quintais são criados cães de guarda, encarregados da proteção e do cuidado do
lar. A confiança relacionada à segurança não é depositada unicamente na tecnologia, mas
também em formas tradicionais de proteção, o que inclui a criação destes animais domésticos.

Na figura 7 aparece um cachorro de grande porte, possivelmente um mestiço de pastor


alemão, no quintal no bairro Cidade Alta. O animal transita livremente pelo quintal onde as
plantas lhe proporcionam sombra, aproveitando a amplitude do espaço. O participante da
pesquisa menciona que, além de segurança, o cão proporciona companhia aos moradores da
casa.
109

Figura 7. Cão no quintal do B. Cidade Alta.

Fonte: A pesquisadora (2019)

As dinâmicas urbanas de Cuiabá têm mostrado fenômenos como o aparecimento de


pombos (Columba livia) no quintal do bairro Jardim Universitário, cuja presença é considerada
uma ameaça à presença de crianças pequenas no quintal, considerado um espaço para
brincadeiras infantis. A ameaça deve-se ao fato de que este tipo de ave ser considerada como
animal sinantrópico, que pode representar problema ambiental e ser nocivo para a saúde
humana, pois abrigam alguns parasitas.

Usos do espaço: serviço, lazer, socialização e contemplação

O aproveitamento do espaço do quintal vai além da plantação de árvores frutíferas e


manutenção de vegetação variada. O quintal é também um espaço para a realização de
atividades domésticas, como a secagem de roupas. Para esta atividade, que ainda é comum,
apesar da presença hoje das máquinas de lavar roupas e algumas que também secam, os
moradores armam varais, feitos de fios de náilon ou de arame, onde as roupas são penduradas
e secadas ao sol e ao vento.

Assim, o varal e as roupas penduradas constituem uma visualidade recorrente na


paisagem do quintal cuiabano, diferente de espaços como apartamentos onde as áreas de serviço
apresentam outras características “mais estéticas”. No caso da figura 8, o varal mostra também
110

a amplitude do espaço de sombra do quintal, que é disposto tanto para as funções de serviço,
quanto para fins de socialização.

Figura 8. Quintal e suas funções de área de serviço quintal do B. Jardim Universitário.

Fonte: A pesquisadora (2019)

Na contemplação do quintal há uma disposição de elementos associados a diversas


atividades de partilha que remetem à concepção do quintal como um lugar de “estar junto”, mas
também como um lugar de contemplação da natureza. Um desses elementos é a churrasqueira,
que aparece em todos os quintais, em diferentes modelos. Quatro dos quintais tem
churrasqueiras de ferro e um deles é construído em alvenaria.

Assar carne, entre as distintas formas de preparação de comida consideradas típica, é


também prática comum na cultura local, considerando historicamente a produção de carne
bovina na Baixada Cuiabana e a então fartura desta matéria-prima no mercado em âmbito
regional. Esta prática de assar carne, recorrente na região pantaneira, pela oferta de matéria-
prima, favorece reunir a família e os amigos para amenizar o tempo nos dias de domingo. Em
um desses lares, a entrevistada diz que o domingo, dia da semana em que comumente se assa
carne na churrasqueira, trata-se de um dos poucos momentos em que ela frequenta o quintal,
uma vez que o cuidado e a ocupação deste espaço, por hábito, tornaram-se responsabilidade do
marido.

Adicional à churrasqueira, em alguns quintais foram adaptadas mesas e cadeiras de


plástico. Em outros quintais foram construídos bancos de madeira e em outro há uma mesa e
poltronas de cimento, adaptados em termos materiais para o sol e a chuva. Em alguns quintais
111

também são penduradas redes de descanso, onde participantes da pesquisa disseram que têm o
costume de deitar-se para repousar.

A senhora Sol, uma das informantes de origem estrangeira e residente em Cuiabá,


ponderou também a importância do quintal para tomar café da manhã, hábito que foi adquirido
durante uma visita da mãe dela à casa da informante. Mãe e filha se sentavam nas cadeiras de
madeira para contemplar a paisagem do quintal e consumir os alimentos.

A senhora Sol afirma que o quintal é um lugar especial por ser um espaço que não existe
nas residências da França, seu país de origem. Quando ela e seu companheiro Leonardo, natural
do estado de São Paulo, começaram a morar na casa foram caracterizando o quintal na
constituição visual da vegetação, visando a criação de um lugar para descansar e compartilhar
momentos especiais com amigos e família.

Na figura 9, observa-se a senhora Sol no seu quintal, sentada em um banco artesanal


elaborado com tabuas. Nas mãos segura um mamão e um dos três cajus amarelos que coletou,
enquanto mostrava as espécies do quintal. Nos fundos, aparecem algumas bananeiras e
temperos.

Figura 9. A senhora Sol no quintal do B. Boa Esperança.

Fonte: A pesquisadora (2019)


112

Em três quintais, as práticas sociais também são dadas a partir da organização das festas
juninas, em que os moradores adaptam o espaço para a realização dessas manifestações
culturais brasileiras, realizadas em comemoração aos santos católicos do mês de junho: São
João, São Pedro e Santo Antônio. O local da festa é chamado de arraial e é caracterizado pela
decoração com bandeirinhas coloridas (em geral feitas de papel de seda), espalhadas pelo local,
onde são dispostos outros elementos culturais como a comida à base principalmente de milho,
que, segundo os informantes, é colocada em mesas no espaço de sociabilidade.

No quintal localizado no bairro Jardim Imperial II, por ser um espaço localizado com
pouca densidade habitacional, é feita a fogueira de São João, conforme a tradição da
comemoração dos festejos juninos. Também no quintal do bairro Cidade Alta, o senhor Jonildo
disse que todo ano realiza o arraial para reunir a família e os amigos, razão pela qual mantém
de forma permanente a placa “Arraiá Jéco 70” na porta de entrada do seu quintal.

Figura 10. Quintal do B. Cidade Alta com decoração permanente do arraial de junho.

Fonte: A pesquisadora (2019)

A configuração diversa dos quintais tem sido resultado da adaptação, de acordo com as
necessidades de cada habitante. Distinguiu-se que em alguns quintais foram instalados
chuveiros, que permitem aos moradores se refrescar nos dias de intenso calor. A existência
desses elementos apresenta contrastes com o entorno dos quintais, pois, a partir das imagens de
satélite, é possível registrar a aparição reiterada de piscinas em outras áreas não construídas das
residências próximas aos quintais do estudo, conforme a figura 11. No quintal do bairro Jardim
Imperial II apresenta-se uma exceção.
113

Figura 11. Imagem de satélite do entorno do espaço doméstico do quintal do B. Jardim Universitário.

Fonte: Elaboração própria, a partir de Google Maps, 2020

Como exposto, a zona aberta do espaço doméstico é utilizada para inúmeras atividades
sociais, familiares e de lazer, que, segundo os participantes da pesquisa, está relacionada com
uma ideia de bem-estar. Por exemplo, o quintal da senhora Joana é centro de reuniões da
família. Ela menciona que, em todo final de semana, a família se reúne para assar carne na
churrasqueira, fazer um bolo ou comemorar os aniversários dos parentes. O quintal, para ela, é
o lugar da união familiar.

Frutos do quintal, sabores e saberes

A produção familiar de alimentos em pequena escala nos quintais apresenta uma grande
diversidade de sabores, aromas, formas e cores ao longo do ano. A fartura garantida pelo quintal
favorece o desenvolvimento de saberes gastronômicos dos moradores, que contribuem ao
repertório culinário local.

As qualidades visuais dos frutos do quintal propiciam o conhecimento de espécies


comuns e exóticas endêmicas e introduzidas que permitem vivenciar uma experiência visual
diferenciada dos ambientes tropicais e subtropicais para conhecer a diversidade de produção de
alimentos no cenário urbano de Cuiabá.
114

Figura 12. A - Cacau no quintal do B. Cidade Alta. B – Banana e abacaxi no quintal do B. Jardim Universitário.
C – Feijão guandu e mexerica no quintal do B. Jardim Imperial II.

Fonte: A pesquisadora (2019).

A relação do quintal com a cozinha é íntima e histórica. O quintal representa um grande


aporte de alimentos ricos em vitaminas, minerais e proteína animal, no caso da criação de
galinhas do quintal do bairro Lixeira. Levando em consideração que a maioria de árvores são
frutíferas, os sujeitos da pesquisa mencionam que a produção doméstica é utilizada para a
elaboração de sucos e sobremesas. A existência de hortaliças também diversifica a preparação
de pratos, privilegiando o consumo de produtos frescos.

Figura 13. Cará-roxo do quintal do B. Jardim Imperial II.

Fonte: A pesquisadora (2019).


115

No lar do senhor Jonildo, a safra de frutas do quintal, como jabuticabas e jenipapos,


possibilita a elaboração de licores para o consumo próprio. O senhor Jonildo menciona que cada
preparação demanda tempo e paciência, porque são estimados vários processos, como a
colheita, a reserva e a finalização.

Figura 14. Licor de jenipapo e jabuticaba produzidos no lar do B. Cidade Alta.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Em alguns casos a produção dos quintais também representa um ingresso econômico


adicional aos lares. Por exemplo, a senhora Joana desenvolveu uma pequena produção artesanal
de doce de caju, marca identitária na culinária cuiabana, que é vendido com a marca “Cajuana”,
um jogo de palavras de Caju e Joana. Ela menciona que aprendeu a receita através de sua
cunhada, ou seja, num circuito de saberes que circula em âmbito familiar. Antigamente, ela
também elaborava geleias em um fogão de chão improvisado no próprio quintal, mas devido à
idade avançada e a problemas de saúde, não continuou com essa atividade.

Figura 15. Doce de Caju artesanal com a produção do quintal do B. Lixeira.


116

Fonte: A pesquisadora (2019).

No quintal localizado no bairro Jardim Imperial II há uma grande produção de


hortaliças. A senhora Juliana menciona que o empreendimento dela e de seu companheiro
Tarcísio permite, em primeiro lugar, o autoabastecimento da própria casa e ainda proporciona
uma renda ao venderem os produtos a amigos e conhecidos. O cultivo, de caráter orgânico, está
organizado em uma pequena horta localizada perto da entrada da casa, onde foram dispostos
canteiros com terra e adubo.

Figura 16. Couve, cenoura e outras espécies do quintal do B. Jardim Imperial II.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Ter o quintal tem sido favorável para o abastecimento do lar, segundo a senhora Juliana,
durante um ano ela não comprou tomates no mercado ou no supermercado, pois a produção
doméstica provia o consumo da família. O casal também aproveita seus conhecimentos da
formação profissional na área agrícola para realizar processos de conservação artesanal de
alimentos, como o feijão guandu, que após colheita e secagem é armazenado em garrafas pet
para uma longa duração, como é exposto na figura 17.
117

Figura 17. Armazenamento de feijão guandu no quintal do B. Jardim Imperial II.

Fonte: A pesquisadora (2019).

De acordo com os participantes da pesquisa, a produção dos quintais é farta e suficiente


para os lares. Não obstante, em alguns quintais, a produção supera a necessidade de consumo
familiar, sendo distribuída para amigos e conhecidos e sobrando para ser consumida por animais
silvestres. Essa superprodução apresentou uma preocupação em dois quintais, porque as frutas
apodrecem ocasionando maus odores e gerando um desperdiço de comida, como aparece na
figura 18, onde jacas, mangas e seriguelas apodrecem no chão. A senhora Mônica alude que
tem tentado ofertar as jacas, aproveitando a tendência de elaboração de pratos vegetarianos que
tem como base esse alimento, mas tem sido difícil que alguém os procure para receber os frutos.

Figura 18. Frutas apodrecendo no chão do quintal do B. Jardim Universitário.

Fonte: A pesquisadora (2019)


118

Por sua parte, no quintal do senhor Jonildo, as ventanias da época de chuva derrubaram
vários pés de mamão. Ele disse que fez uma publicação em suas redes sociais ofertando para
quem quiser buscá-los, mas nesse momento ninguém tinha ido ao seu domicílio para buscar as
frutas. Ele alude que o trabalho no quintal demanda tempo, amor e disposição e que entristece
quando acontecem esses contratempos da mesma natureza. No entanto, para ele, a manutenção
do quintal representa um grande valor afetivo.

3.2 Quintais comerciais

Os quintais apresentados na pesquisa nesta classificação apresentam atributos


comunicacionais que se sustentam na forma espacial como recurso simbólico. A denominação
de quintal como associação da ideia ligada ao lar, estabelece conexões múltiplas referentes às
qualidades sensoriais da experiência do quintal.

Segundo os informantes, um cuiabano, uma goiana e um paraense, ao estabelecer uma


ligação entre o quintal e o produto vendido (comida), há um interesse de relacionar o espaço à
comida de casa ou regional. Para além da ligação com a alimentação, as formas associadas ao
padrão arquitetônico da casa-quintal, reproduzem suas próprias experiências familiares
localizadas nos quintais. Desse modo, quando os três informantes pensaram no funcionamento
dos comércios, ponderaram a ideia de caracterizar os espaços conforme aos locais onde foram
criados.

Os restaurantes estão distribuídos nos bairros Quilombo, Boa Esperança e Duque de


Caxias, como mostrado na figura 19, apresentando uma distribuição em três pontos diferentes
no mapa da cidade, mostrando que a partir da adesão nesse tipo de negócio se cria uma
diversificação dos quintais na cidade.
119

Figura 19. Mapa de distribuição dos três quintais comerciais da pesquisa em Cuiabá, Mato Grosso.

Fonte: A pesquisadora (2021).

Sobre a reprodução do quintal foi possível apreciar que remetem às formas de habitação
dos avôs. Para a senhora Soelma, locatária no bairro Boa Esperança, onde funciona seu
restaurante, o quintal é relevante porque foi a tradição que aprendeu de sua avó no estado de
Goiás, que faz divisa com Mato Grosso.
120

Por sua parte, o senhor Fernando menciona que o quintal da casa localizada no bairro
Duque de Caxias, onde funciona o restaurante, é o espaço mais relevante, pois o conceito de
cozinha deriva da experiência do avô, que aos domingos assava costela no quintal da casa no
estado do Paraná, e por isso o conceito do seu restaurante é de uma costelaria com quintal.

Também o senhor Rafael disse que a ideia de aproveitar o quintal do bairro Quilombo
para estabelecer o restaurante foi da mãe, que herdou a casa da mãe dela. Segundo o senhor
Rafael, as características do quintal da avó ainda mantêm alguma vigência no espaço atual,
onde foi adaptado o restaurante:

Esse quintal já existia, já era propriedade da família, mas aqui era literalmente um
quintal mesmo, com poleiro, com galinha, com ganso. Era a vegetação, algumas
árvores já tinha, outras foram construídas ao longo do tempo. E já existe há 13 anos o
restaurante, mas a casa ela já tem mais de 40 anos. Eu brincava bastante aqui,
fazíamos churrasquinhos, então já era um lugar bem frequentado pela família pelo
fato de ser grande, ser espaçoso. O lugar era só familiar. (Herane, 2019)15

Para os proprietários dos restaurantes, ancorar a ideia do restaurante à espacialidade do


quintal pode ser associada a experiência de aconchego, que permanece na memória coletiva, na
tentativa de fazer as pessoas se sentirem “em casa”, para o qual tem organizado os elementos
da vegetação, com a finalidade de criar essa ligação simbólica. Razão pela qual, como afirma a
senhora Joelma, a pesar de oferecer o serviço de delivery, seus clientes tem manifestado preferir
comer no quintal, justificando a necessidade de contemplar a paisagem.

Tabela 2. Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos três quintais comerciais
distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de 2020.
ESPÉCIES QUINTAIS
NOME COMUM NOME A B C
(DIALETO LOCAL) CIENTÍFICO
Acerola Malpighia •
emarginata DC.
Ata Annona squamosa •
L.
Bocaiuva Acrocomia aculeata •
(Jacq.) Lodd. ex
Mart.
Cajá-manga Spondias dulcis G. •
Forst
Caju Anacardium • • •
occidentale L.
Cebolinha Allium fistulosum L. •
Coentro Coriandrum •
sativum L.
Gengibre Zingiber officinale •
Roscoe
Goiaba Psidium guajava L. •
Hortelã Mentha piperita L. •
Jabuticaba Myrciaria cauliflora • •
(Mart.) O. Berg

15
Entrevista de Rafael Herane realizada em novembro/2019.
121

Laranja Citrus × sinensis •


(L.) Osbeck
Manga Mangifera indica L. • •
Pimenta Capsicum L. •
Pitanga Eugenia uniflora L. •

Bairros: A – Quilombo; B – Boa Esperança; C – Duque de Caxias


Fonte: A pesquisadora (2020).

A diversidade de vegetação nos quintais comerciais é menor que nos espaços


domésticos da pesquisa. No entanto, é importante salientar que algumas espécies mais
ocorrentes são aquelas que apresentam um valor simbólico em relação com a presença comum
dos antigos quintais como o caju (Anacardium occidentale) e a manga (Mangifera indica) e que
são reproduzidos em diversas peças comunicativas ligadas à vegetação da cidade.

Por exemplo, em um dos quintais que funciona aos sábados e domingos no horário de
almoço, a mangueira de grande porte cobre quase todo a área destinada aos comensais,
cumprindo uma função de sombreamento (Ver figura 20). Levando em consideração o tamanho
e a localização na esquina de uma via movimentada, a mangueira é visualmente o elemento
mais relevante na paisagem desse quintal.

Figura 20. Quintal do restaurante do B. Boa Esperança.

Fonte: A pesquisadora (2019).

No restaurante do bairro Duque de Caxias, caracterizado por ter quatro ambientes: o ‘do
caju’, onde dois cajueiros decoram na frente; dois climatizados no espaço construído; e o da
mangueira, no fundo, onde também há uma piscina e a iluminação das árvores, no período
noturno, é preponderante e valoriza a vegetação. Nesse local, as duas espécies de árvores
122

apresentam relevância na paisagem. O senhor Fernando alude que a presença da mangueira


proporciona um ambiente mais aprazível para que seus clientes sintam conforto.

Figura 21. Ambiente da mangueira no quintal do restaurante do B. Duque de Caxias.

Fonte: A pesquisadora (2019).

No bairro Quilombo, caracterizado por sua verticalização, a manutenção do quintal do


restaurante como uma paisagem familiar do espaço doméstico tradicional cuiabano contrasta
com a transformação urbana desse fragmento da cidade. No quintal há ainda criação de gansos
e se mantém uma vegetação de arbustos que decoram o espaço dos comensais, na condição de
clientes, levando em consideração que o restaurante funciona no horário noturno e o quintal
ganhou uma iluminação que atendesse a esta demanda de um empreendimento comercial.
123

Figura 22. Quintal do restaurante do B. Quilombo.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Os cuidados dos quintais têm um aspecto relevante, pois sua manutenção é primordial
para as marcas destes pequenos empreendimentos comerciais, ante a necessidade de uma
paisagem mantida, cultivada e produzida para os sentidos. Portanto, dois dos entrevistados
mencionam que há contratação de serviços de jardinagem. Inclusive no quintal do bairro
Quilombo foi adaptado um sistema de cachepot, um sistema de jardinagem onde um recipiente
decorativo foi colocado na árvore permitindo uma forma de compostagem onde as folhas que
caem das árvores são transformadas, elas próprias, em adubo.

Figura 23. Sistema cachepot para as árvores do quintal do B. Quilombo.

Fonte: A pesquisadora (2019).


124

Ainda que o valor paisagístico da vegetação supere a função de abastecimento presente


nos quintais, os frutos dos quintais comerciais também são utilizados em receitas dos cardápios
dos próprios restaurantes, como o sorvete de manga rosa com pimenta rosa; os doces de caju e
de manga; os sucos de caju, acerola e goiaba; e as caipiroskas de caju.

3.3 Quintais coletivos

Considerando a forma simbólica do quintal na construção social desse espaço, foram


visitados dois quintais abertos ao público durante a realização de eventos com objetivos
específicos e que atendem a demandas da vida social de seus moradores e circuito familiar ou
de amigos. Os grandes quintais, localizados nos bairros Santa Rosa II e Coophema (Figura 24)
são, de acordo com a espacialidade produzida, lugares de encontros coletivos e reprodução de
manifestações culturais locais.

Figura 24. Mapa de distribuição dos dois quintais coletivos da pesquisa em Cuiabá, Mato Grosso.
125

Fonte: A pesquisadora (2021).

A vegetação dos quintais coletivos é dada principalmente pela presença de frondosas e


grandes mangueiras que cumprem a função de sombreamento e caracteriza estes espaços. Este
tipo de quintais é destinado a atividades não domésticas, pelo qual a vegetação não é muito
diversificada nem cumpre um papel relevante de abastecimento, mas é caraterizada pelo amplo
volume das plantas.
126

Tabela 3. Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos dois quintais coletivos
distribuídos no município de Cuiabá – MT, no ano de 2020.
ESPÉCIES QUINTAIS

NOME COMUM NOME CIENTÍFICO A B


(DIALETO LOCAL)

Acerola Malpighia emarginata DC. •

Banana Musa × paradisiaca L. •

Laranja Citrus × sinensis (L.) •


Osbeck

Manga Mangifera indica L. • •

Seriguela Spondias purpurea L. •

Bairros: A – Santa Rosa II; B – Coophema


Fonte: A pesquisadora (2020)

O quintal localizado no bairro Santa Rosa II foi aberto para visitação durante um dia
domingo, para a realização de uma feijoada, atividade de comensalidade coletiva, proposta em
âmbito familiar e comunitário com fins de arrecadar recursos para o tratamento de pessoa
diagnosticada com câncer.

Para a organização do evento, a coletividade deu apoio à paciente através da doação de


insumos (arroz, feijão, linguiça, carne, pratos e talheres plásticos etc.) e também de tempo para
a preparação dos alimentos. Os demais participantes colaboraram através do pagamento do
ingresso pelo valor de R$ 25, que deu acesso às pessoas ao local, à comida em sistema sirva-se
à vontade e às atividades programadas.

No grande quintal foram dispostas numerosas mesas e cadeiras de plástico, algumas à


sombra de grandes mangueiras que preenchiam o local, e outras expostas ao sol do meio-dia,
que em Cuiabá, devido à intensidade, obrigou à constante reorganização do espaço, conforme
o sol se movimentava no correr da tarde.

Na zona lateral localizou-se uma cozinha onde algumas mulheres descascavam e


cortavam laranjas em rodelas, enquanto outros colaboradores cuidavam de grandes panelas
colocadas em fogões a lenha dispostos no chão, que lembrava o panorama dos antigos quintais
onde, conforme Silva (2004), eram instaladas as cozinhas externas, aparelhadas para a
preparação de alimentos mais demorados e que emitiam mais calor.
127

A figura 25 mostra o espaço disposto para a cozinha, onde várias pessoas realizam suas
atividades. A foto mostra uma área que inclui uma parte coberta, mantendo uma grande zona
aberta, onde a arborização, representada por uma laranjeira (Citrus sinensis), mangueiras
(Mangifera indica) e uma aceroleira (Malpighia glabra), proporciona sombra. Ainda neste
caso, a configuração deste espaço coletivo reitera a associação das mangueiras à paisagem dos
quintais da cidade.

Figura 25. Cozinha disposta para a preparação da feijoada no quintal do B. Santa Rosa II.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Neste contexto, a ligação cozinha-quintal não é a do abastecimento, mas sim a


disposição de um espaço de encontro onde fossem servidos os alimentos para uma grande
quantidade de pessoas, que aguardavam a comida ser servida. Durante a atividade foi aberto o
bar, organizado em um quarto de uma pequena construção, onde eram vendidas bebidas com
cerveja, água, refrigerante e suco.

Na mesa principal (Figura 26), coberta por um toldo piramidal que protegia a comida
da exposição ao sol, foram servidos os seguintes pratos na composição do almoço: vinagrete,
couve picada, farofa, arroz, rodelas de laranja e cebolinha cortada, acompanhados de pimenta
natural e artesanal e a própria feijoada como prato principal.
128

Figura 26. Mesa servida com a feijoada e outros acompanhamentos no quintal do B. Santa Rosa II.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Considerando o encontro para fins de solidariedade comunitária, um dos momentos da


atividade foi marcado pela emotividade da fala da pessoa diagnosticada com câncer e em fase
de tratamento, que compartilhou a experiência de padecer a doença, expondo os momentos mais
críticos de sua vivência e outros momentos de esperança.

O sentimento expressa não só uma situação isolada, mas reflete sobre a precariedade
dos sistemas de saúde dos países latino-americanos, que apresentam trâmites burocráticos e
financeiros que acrescentam a dificuldade do tratamento de doenças graves para as camadas
populares. Por isso, da necessidade de espaços como os grandes quintais como plataforma
dessas causas sociais.

O almoço teve a animação de uma banda de lambadão cuiabano, dança representativa


da Baixada Cuiabana, território mato-grossense composto pelos municípios: Acorizal, Barão
de Melgaço, Campo Verde, Chapada dos Guimarães, Cuiabá, Jangada, Nobres, Nossa Senhora
do Livramento, Nova Brasilândia, Planalto da Serra, Poconé, Rosário Oeste, Santo Antônio do
Leverger e Várzea Grande.

A dança, considerada periférica em relação à produção cultural da região, apresenta uma


rítmica rápida e alegre. Executada aos pares, foi dançada em sua maioria por mulheres (Ver
figura 27) que disfrutaram dos movimentos velozes e das longas canções interpretadas pela
banda.
129

Figura 27. Dança de lambadão cuiabano durante evento beneficente.

Fonte: A pesquisadora (2019).

A partir da consideração do quintal como plataforma de difusão cultural no Quintal do


Siriri e Cururu, também conhecido como Quintal da Domingas, localizado no bairro Coophema,
na comunidade originária de São Gonçalo Beira Rio, foi realizado o ensaio do “Semente
Ribeirinha”, projeto da Associação Cultural Flor Ribeirinha para vincular as crianças à vivência
da dança do siriri.

A abertura do quintal para o oferecimento de aulas gratuitas de siriri, dança folclórica


da região Centro-Oeste, especificamente Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás, e marcador
cultural importante na cultura em Cuiabá, tem o intuito de gerar uma troca geracional que
garanta a permanência da manifestação cultural principalmente na comunidade local de São
Gonçalo.

O quintal de Dona Domingas, caracterizado por ser um espaço aberto pela presença de
árvores de grande porte, como mangueiras e seriguelas, tornou-se um centro cultural, adaptado
como um grande palco, neste caso para usufruto das crianças. A figura 28 mostra também as
frondosas árvores do quintal. A vegetação constitui o ambiente com a produção artística dos
murais, pintados por artistas locais que retrataram a história da comunidade e da cidade, na
medida como arraial que deu origem à cidade.
130

Figura 28. Ensaio de siriri para crianças no quintal do B. Coophema.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Durante o ensaio, ao qual assistiram os pais das crianças, se realizou a apresentação do


projeto. O evento também foi acompanhado por autoridades da cidade de Cuiabá que
ofereceram uma placa em homenagem à Associação e à representação da senhora Domingas
Leonor da Silva como promotora cultural a partir da criação do grupo cultural no contexto dos
300 anos de Cuiabá.

Figura 29. Dança de siriri do Grupo Flor Ribeirinha no quintal do B. Coophema.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Próximo à barra do rio Coxipó, o quintal é representativo da cultura ribeirinha, que, para
além das danças de siriri e cururu, possui na cerâmica artesanal um elemento de sua identidade,
131

representada na espacialidade do quintal através da disposição de um forno de queima (Ver


figura 30), onde são elaboradas peças ornamentais, como as moringas, objetos da cerâmica
artesanal referenciados nas próprias danças. Na figura 29, um grupo de jovens mulheres dança
siriri de mãos dadas, fazendo uma circunferência na qual está a senhora Domingas Leonor da
Silva levantando uma moringa de cerâmica, peça artesanal elaborada no próprio quintal.

Figura 30. Forno de queima para cerâmicas no quintal do B. Coophema.

Fonte: A pesquisadora (2019).

A foto (Figura 30) mostra o caráter coletivo dos quintais quando colocadas perto do
forno várias cadeiras de plástico indicam uma possível reunião de pessoas em torno das
atividades da cerâmica, mas também a necessidade de manter essa prática notável graças a
manutenção do forno, que foi coberto por um telhado duas águas enfeitado com objetos
coloridos.
132

A diversidade de atividades, formas, configurações e saberes nos quintais cuiabanos


ponderam este espaço como um mosaico de lugares que permite múltiplas possibilidades de
admirá-lo, pensá-lo, retratá-lo e comunicá-lo. A sobrevivência histórica dos quintais na
configuração urbana tem raízes muito fortes no tecido social, que permite ir além do tempo-
espaço, avaliando sua presença como uma adaptação dos seres ao entorno urbano, sendo mais
notável, em ocasiões, durante as épocas de crise local, nacional ou global.
133

CAPÍTULO IV

REPENSAR O QUINTAL EM TEMPOS DE PANDEMIA

O homem que possui um pente


e uma árvore
serve para poesia
Terreno de 10 x 20, sujo de mato — os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia (...)
Tudo aquilo que nos leva a coisa nenhuma
e que você não pode vender no mercado
como, por exemplo, o coração verde
dos pássaros,
serve para poesia

Manoel de Barros (2015, p. 38-39)

Ponderar a importância do quintal cuiabano na contemporaneidade parte de se pensar o


local em diálogo com as dinâmicas globais. A partir das significativas mudanças desse tempo
que vivenciamos, o quintal pode ser considerado em suas origens domésticas, cuja
espacialidade apresenta significados, funções e valores. Essas dinâmicas de produção de
sentido, tomadas com base nos vários referentes do quintal, atualizam-se nas mudanças
socioeconômicas e climáticas, mas especialmente no âmbito da crise sanitária mundial.

Em finais de 2019, o mundo começou um novo ciclo determinante para a humanidade,


a partir da descoberta, em Wuhan, na província de Hubei, China, do vírus SARS-CoV-2,
responsável pela doença Covid-19. A rápida propagação do vírus no mundo resultou na
posterior declaração da pandemia, que alertaria a humanidade sobre as condições ambientais e
de saúde pública.

O vírus, cujo epicentro detectou-se no mercado de animais vivos de Huanan16, produz,


conforme Marín (2020), uma doença respiratória aguda que apresenta várias manifestações
leves, moderadas ou graves, que inclusive podem produzir a morte. A transmissão zoonótica
do vírus, ainda em avaliação, aponta a hipótese do traspasso de um morcego a um humano,
através de um hospedeiro (MARÍN, 2020). O processo de transbordamento de patógenos de um
animal para humanos, conhecido como spillover, é consequência da intervenção humana sobre
o meio ambiente como tem sido evidenciado durante o estudo do surgimento da Covid-19
(NASCIMENTO et al, 2021).

16
A OMS e alguns governos ainda adiantam investigações para determinar qual foi a origem do SARS-CoV-2.
134

O novo coronavírus apresenta semelhanças com outros sete coronavírus (CoV) que já
afetaram os humanos. Segundo Limongi e Oliveira (2020), ao longo do século XXI foram
identificados três episódios de transferência zoonótica envolvendo coronavírus (CoV): O
primeiro foi o Sars-CoV-1, em 2002, registrado inicialmente na cidade chinesa de Guangzhou;
posteriormente, em 2012, apareceu outro patogênico nos países de Oriente Médio que foi
conhecido como Síndrome Respiratória de Oriente Médio; por último, em dezembro de 2019,
foi identificado o novo coronavírus SARS-CoV-2.

Conforme observado nas pesquisas epidemiológicas, esses três episódios de transmissão


zoonótica envolvem práticas culturais, como o consumo de animais silvestres (morcegos,
pangolins, cobras, civetas, entre outros) como parte da dieta alimentar de algumas populações
da Ásia (LIMONGI e OLIVEIRA, 2020), situação que impacta diretamente sobre aspectos mais
amplos da vida como a saúde pública, sobre as formas de transmissão, propagação e a própria
natureza do vírus SARS-CoV-2.

A importância da interface entre grupos humanos e animais na transmissão do SARS-


CoV-2 suscitam a abordagem da Saúde Única (One Health), enfoque que procura o
desenvolvimento de estratégias para se obter uma saúde pública ótima, a partir da consideração
de aspectos como a saúde humana, ambiental, vegetal e animal, de acordo com a Organização
Mundial da Saúde (OMS) (2017).

Na perspectiva da Saúde Única (One Health), o ambiente e os aspectos sociais,


econômicos e comportamentais são quatro esferas que interferem nas condições sanitárias dos
territórios. Desse modo, o enfoque procura um trabalho colaborativo interdisciplinar e
multiprofissional para agir em relação à saúde humana e animal, considerando que ambas as
populações afetam o ambiente (LIMONGI e OLIVEIRA, 2020).

A partir do marco da One Health, tem sido adiantadas estratégias baseadas na relação
saúde-adoecimento-cuidado no âmbito global dos serviços de saúde com a finalidade de
enfrentar a pandemia da Covid-19. A perspectiva interdisciplinar permite pensarmos a
pandemia não unicamente desde a prevenção das doenças, mas também no tocante à saúde
como uma série de consequências da interação humana e animal no ambiente em outras
dimensões, inclusive culturais.

A perspectiva One Health pondera que a saúde deve ser pensada a partir de múltiplos
ângulos. Assim, também a pandemia vivenciada desde 2020 despertou no mundo diversas
135

preocupações não apenas no que se refere ao vírus e à doença, mas, entre outros, ao panorama
social, entornos familiares, saúde mental dos indivíduos, qualidade das moradias e impacto
econômico da crise sanitária global.

Nesse sentido, considerando as questões da vida e do cotidiano social, ponderamos a


importância de se pensar os quintais como um tema que permite uma grande abrangência de
aspectos a serem considerados na construção de ambientes sustentáveis e que permitam atenuar
as dramáticas mudanças geradas pelo contexto atual do mundo. A existência dos quintais no
espaço urbano ainda no século XXI é produto também das relações entre os seres humanos e o
ambiente para a satisfação de necessidades diversas, que envolvem também a relação com
animais, considerando que a forma como habitamos a cidade impacta o mundo de forma
significativa.

4.1 A mudança social gerada a partir da pandemia

Situações diversas na história do mundo têm obrigado a humanidade a mudar os hábitos,


relacionamentos sociais e práticas cotidianas, reconfigurando os espaços, o acesso aos bens e
serviços e desenvolvendo tecnologias úteis para a solução a curto prazo de diversas
problemáticas, como guerras, crises financeiras, danos ambientais, fome mundial etc.

Em 2019, a aparição do novo coronavírus se mostraria como um desafio para a


humanidade, e seus efeitos mudariam rapidamente nosso cotidiano alterando o mundo social
de uma forma radical e imediata.

A ampla disseminação do vírus, após seu surgimento na cidade chinesa de Wuhan,


alertou o mundo durante as primeiras semanas do ano 2020, ao se perceber que a doença
apresentava uma letalidade de entre 2%-3% nos casos registrados, dos quais 10% apresentavam
manifestações clínicas graves (RODRÍGUEZ-MORALES et al., 2020).

A preocupação da comunidade internacional foi manifesta logo após serem reportados


alguns casos fora da China, possivelmente devido às conexões do aeroporto internacional de
Wuhan, um dos maiores daquele país, com diversas regiões do mundo (RODRÍGUEZ-
MORALES et al., 2020).
136

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, no dia 30 de janeiro de 2020, a


Covid-19 como emergência em saúde pública de relevância internacional. Posteriormente, no
dia 11 de março de 2022, foi elevada a emergência sanitária ao nível de pandemia, logo após
se reportar, no dia 25 de fevereiro do mesmo ano, o primeiro caso em São Paulo, como o
primeiro registro das Américas, o único continente que não detectava o vírus até aquele
momento.

Múltiplos alertas foram emitidos e os casos passaram a ser monitorados constantemente,


a partir de dados atualizados em tempo real, com base em estatísticas, por diversos centros de
pesquisas epidemiológicas. Autoridades globais e locais começaram a tomar medidas para
prevenir e controlar a difusão do vírus.

Sob o assessoramento da OMS, que realizou emissão de informações diárias sobre a


doença então emergente, o mundo seria reconfigurado de uma nova forma. O pedido de uso de
elementos sanitários, como máscaras e o álcool em gel, seria promovido junto com ações de
limpeza como a lavagem frequente de mãos com água e sabão.

Diversas campanhas de higienização individual começaram a circular pelo mundo e


medidas de confinamento passaram a ser adotadas para evitar a infeção coletiva e o colapso nos
sistemas de saúde. A necessidade de evitar aglomerações e de manter distanciamento mínimo
de um metro entre as pessoas (para evitar o contágio do vírus) priorizou os espaços exteriores
e arejados sobre os interiores, conforme as orientações da Organização Mundial da Saúde.17

O habitual convívio comunitário em transporte público, estádios, shoppings, parques e


outros espaços urbanos seria descartado. Sendo só permitido por um período de quarentena
unicamente o funcionamento de estabelecimentos e comércios essenciais. Após a determinação
dos governos do fechamento de escolas e outros pontos de encontro coletivo, a orientação foi a
de ficar em casa, adotando socialmente o sistema de home office ou trabalho em casa, espaço
onde também seriam realizados labores escolares através da implementação de aulas online.

No Brasil, foram diversas as medidas adotadas por autoridades públicas de alguns


estados como o decreto de lockdown ou bloqueio total das cidades, toques de recolher,
fechamento de espaços públicos (como parques urbanos), criação de normativas para punir

17
Algumas diretrizes da Organização Mundial da Saúde dirigidas ao público sobre a Covid-19 estão disponíveis
em:<https://www.paho.org/pt/covid19#:~:text=Ao%20comparecer%20ao%20servi%C3%A7o%20de,a%20a%2
0seguir%20esta%20orienta%C3%A7%C3%A3o>.
137

estabelecimentos que não cumprissem as exigências e punir cidadãos que fomentassem ou


participassem de aglomerações, entre outros aspectos.

O isolamento social, produto da preocupação coletiva do cuidado, outorgou um novo


sentido ao lar, mas também trouxe consequências devido à restrição social prolongada, como é
evidente no estudo transversal de Malta et al. (2020), que descreve as alterações nos estilos de
vida de adultos no Brasil.

Os resultados demostram o aumento de comportamentos que colocam em risco a saúde,


como a diminuição da atividade física, o tempo dedicado ao consumo de televisão e internet, a
implementação de dietas menos saudáveis, o aumento do consumo de alimentos
ultraprocessados, bebidas alcoólicas e de cigarros. “O estudo confirma, portanto, a hipótese
inicial dos investigadores, comprovada em estudos desenvolvidos em outros países, de piora
nos fatores de risco comportamentais, durante a pandemia da COVID-19” (MALTA et al.,
2020, p. 9).

A situação de isolamento gerou uma rasura no tecido social. Encontros entre familiares
e amigos foram abdicados, com a finalidade de evitar a distribuição do vírus e foi recomendado,
especialmente, o isolamento dos idosos, ao serem considerados o grupo de mais alto risco de
morte por serem mais vulneráveis às complicações clínicas desencadeadas pelo vírus.

Perante os protocolos de biossegurança, as dinâmicas próprias da cidade, como a


circulação, mudaram drasticamente. Em jornais e múltiplos veículos comunicacionais do
mundo registraram-se imagens de ruas, praças e outros pontos das cidades isolados. No Brasil
e em outros países do mundo, restringiu-se o ingresso de viajantes e muitos setores da economia
mundial, como o turismo, resultaram afetados significativamente durante a quarentena.

Nesse cenário, foi preciso pensar a adaptação das práticas sociais e econômicas perante
o contexto da pandemia o que determinou o início de uma denominada “nova normalidade”,
onde o lar foi o lugar mais importante.

4.2 “Fique em casa”, a necessidade de pensar o lar em tempos de pandemia

Após ser declarada a pandemia, o lar virou o espaço mais relevante para a proteção das
pessoas, sendo também o ambiente onde diversas atividades foram concentradas. Com a família
138

reunida em uma única atmosfera, o trabalho, a escola, a academia, entre outros, foram adaptados
no espaço doméstico. Para a família, o costume de frequentar determinados lugares teve que
ser refreado e muitas atividades deslocaram-se para o lar como lugar existencial. Esta
transformação nos hábitos, provocada pela pandemia, gerou múltiplos questionamentos sobre
os modos de habitar e a conformação das cidades para abrigar os habitantes e oferecer sensação
de bem-estar.

De modo geral, analisando as formas de habitação e como estas respondem às condições


para garantir uma boa saúde a todos, o contexto da pandemia forçou uma reflexão sobre
diversos aspectos da vida social. Entre os questionamentos, a carência, na realidade urbanística
brasileira, de moradias adequadas para se realizar o distanciamento social requerido pela
pandemia e, consequentemente, haver condições materiais para boas práticas de higiene e
cuidado. Nestas condições de saúde em crise, o aporte dos quintais à crise sanitária e
habitacional se nutre de reflexões que partem do marco das Nações Unidas sobre os
assentamentos humanos.

A partir da década de 1970, a Assembleia Geral da ONU instou a realização de ações e


debates para tratar o acelerado e descontrolado crescimento das cidades. Nesse viés, foi criada
em 1975 a Fundação das Nações Unidas para o Habitat e os Assentamentos Humanos
(FNUMAH, como o primeiro órgão a discutir os temas da urbanização, sob responsabilidade
do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Perante o desafio da urbanização, foram organizadas a cada vinte anos conferências


coordenadas pela ONU que orientariam os debates internacionais sobre o urbanismo. A
primeira foi realizada em 1977 em Vancouver, no Canadá, onde foi criada a Comissão das
Nações Unidas de Assentamentos Humanos, como órgão intergovernamental e o Centro das
Nações Unidas para os Assentamentos Humanos, também conhecido como Habitat.

Em 1996, teve lugar a segunda conferência em Istambul, na Turquia, para avaliar as


duas décadas de avanços da primeira conferência e definir os objetivos para o novo milênio. O
documento Agenda Habitat, resultante do encontro em Istambul, seria aprovado por 171 países,
contendo em torno de 100 compromissos e 600 recomendações (UN-Habitat, 20-?).

A terceira conferência, conhecida como Habitat III, foi realizada em Quito, no Equador,
em 2016, para abordar a temática de moradia e desenvolvimento sustentável. Para dar
continuidade ao tratamento de um fenômeno complexo como a urbanização, em 2002, através
139

da resolução A/56/206 da Assembleia Geral, foi criado o Programa das Nações Unidas para os
Assentamentos Urbanos (UN Habitat).

Em vista do panorama da pandemia, a agência manifestou a necessidade de pensar os


desafios das cidades, considerando que aproximadamente 90% dos casos de Covid-19
confirmados provêm dos ambientes urbanos, sendo as cidades os epicentros da pandemia, de
acordo com o Relatório Mundial das Cidades 2020, apresentado pela agência dirigida pela
também Sub-Secretária-Geral das Nações Unidas Maimunah Mohd Sharif (UN-HABITAT,
2020b).

No tocante à moradia adequada, foi reconhecida como direito humano em 1948 e


documentada através da Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela
Assembleia Geral das Nações Unidas (BRASIL, 2013; DIREITO Á MORADIA, 20-?). A
referência à moradia adequada vai além de se pensar a moradia como o estabelecimento de uma
forma física (paredes e teto) ao permitir a garantia de uma vida digna, em paz e saudável (física
e mental).

Desse modo, a moradia adequada envolve, segundo as Nações Unidas, diversos


aspectos, como o jurídico para legitimar a posse; a disponibilidade e manutenção de serviços e
equipamentos públicos como água potável, saneamento, e também de infraestruturas como
escolas, creches, áreas de esporte e lazer, entre outras; um custo accessível para a aquisição ou
aluguel como das despesas; boas condições de proteção contra o clima desfavorável, o tamanho
da moradia, os espaços adequados para diversos usos e para o número habitantes; a não
discriminação dos grupos vulneráveis da sociedade; uma localização que favoreça o
desenvolvimento econômico, cultural e social; e a adequação cultural que garanta as dimensões
culturais da moradia como o uso de matérias condizentes com a identidade cultural das
comunidades (DIREITO À MORADIA, 20-?).

Conforme a relatora especial das Nações Unidas sobre o direito a uma moradia
adequada18, Leilani Farha, a moradia é parte da primeira linha de defesa no combate contra o
coronavírus, razão pela qual, nesse momento de pandemia da Covid-19, a moradia pode ser
considerada uma condição de vida ou morte (UN-HABITAT, 2020a).

18
Em 2000 foi criada a Relatoria Especial para o Direito à Moradia Adequada da ONU com a finalidade de
analisar, monitorar e relatar o direito à moradia no mundo. Ver informação em:
http://www.direitoamoradia.fau.usp.br/?page_id=48&lang=pt
140

A superlotação dos espaços de moradia e o peso desse fenômeno na transmissão da


Covid-19 evidenciou fatores econômicos, como a desigualdade social, visíveis nos
aglomerados urbanos, em especial nas favelas, mas também mostrou questões culturais como
o fato de no Brasil e em Cuiabá ser comum, tanto pelo costume quanto pela condição
econômica, os filhos fazerem novas construções, chamados de “puxadinhos”, nos lotes dos pais
por falta de dinheiro para comprar novos lotes ou uma casa própria.

No entanto, a necessidade de pensar o espaço de moradia em tempos de pandemia


possibilitou refletir sobre como a especulação imobiliária limitou o espaço de moradia a um
produto de alto custo. Começando por Hong Kong, Barcelona, Nova York, o mundo haveria de
questionar o sentido de habitar, não unicamente a partir do fator econômico, mas do cuidado e
da vida.

Por exemplo, espaços diminutos como as “casas-gaiolas”19 de Hong Kong, de tamanho


equivalente ao de uma vaga de garagem, ou dos “apartamentos colmeia”20, em Barcelona, que
são cápsulas de três metros quadrados, publicizados como unidades funcionais, são moradias
para serem ocupadas à noite, para dormir. Estes modelos de habitação tornaram-se inviáveis,
ao colocar em risco ainda mais a saúde física e mental dos habitantes.

Nesse sentido, torna-se indispensável ponderar a moradia como a conexão do habitante


da cidade e do morador de uma casa com o ecossistema, que deveria oferecer condições dignas
para as populações urbanas. Conforme a diretora executiva de UN Habitat, Maimunah Mohd
Sharif, a Covid-19 não pode reverter a urbanização, mas esta conjuntura possibilita a discutir a
formação de aglomerações mais inclusivas, com um enfoque no bem-estar coletivo (UN-
HABITAT, 2020b).

Para tais fins, a agência UN-Habitat (2020b) manifesta a necessidade de um


desenvolvimento da urbanização sustentável que envolva os diversos atores na construção de
ambientes inclusivos, bem geridos, planejados e construídos. Nesse sentido, considera
necessária a ação multissetorial e multi-stakeholder, envolvendo governos nacionais,
autoridades locais, sociedade civil e setor privado.

19
Ver informação em: https://veja.abril.com.br/mundo/as-casas-gaiola-de-hong-kong-cubiculos-do-tamanho-de-
uma-vaga-de-garagem/
20
Ver informação em: https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2018/09/05/37276-as-casas-colmeia-
chegaram-a-espanha-capsulas-de-3-m2-em-barcelona-por-250-euros-ao
141

O setor privado, menciona a diretora da UN Habitat, também deve se responsabilizar


pela implementação de ideias inovadoras que conduzam à acessibilidade na habitação, mas
também nas infraestruturas e tecnologias limpas, como está expresso na Nova Agenda Urbana,
documento guia para os assentamentos urbanos.
A Nova Agenda Urbana defende o valor da urbanização sustentável, ou como as
pessoas que optam por viver nas cidades podem contribuir para a prosperidade
econômica, qualidade ambiental, equidade social e reforço das instituições cívicas e
culturais. A urbanização é essencial para os esforços globais para reconstruir melhor
e para a transição para um desenvolvimento sustentável. (UN-HABITAT,
2020b).

As situações de estresse, incerteza e ansiedade, derivados da situação econômica e social


da era pós-Covid-19, viraram assunto de grande importância com respeito aos modos de habitar.
A pandemia operou como uma espécie de raio X para mostrar a importância de repensar as
formas de moradia, perante a situação sanitária contemporânea.

A experiência pessoal de morar em uma quitinete (pequeno apartamento composto por


uma divisão que serve de quarto, cozinha e uma miniárea de serviço) em Cuiabá, localizada em
um imóvel residencial de dez unidades no mesmo terreno, gerou nesses momentos de pandemia
múltiplas reflexões sobre as atividades que poderiam resultar em uma noção de boa moradia.

Ficar o dia inteiro no próprio espaço doméstico, só conseguir sair na rua à procura de
serviços essenciais como comprar alimentos, pensar as incertezas geradas sobre a distribuição
do vírus que gerava colapsos nos sistemas de saúde mundial, conhecer sobre o sofrimento das
famílias sendo desintegradas ao perderem seus integrantes por serem vítimas mortais do vírus,
foram situações que se repetiam dia-a-dia gerando uma espécie de loop no cotidiano.

A mudança da rotina, o confinamento e a pressão psicológica, produto da pandemia,


foram assuntos de grande importância para diversos profissionais. De acordo com Limongi e
Oliveira (2020, p. 146), “em uma pandemia, as pessoas ficam mais vulneráveis, por isso a
identificação destes cenários e a proposição de estratégias que minimizem o estresse gerado
pela pandemia são de extrema importância”.

Reafirma Lima (2020) que, em situações apresentadas durante epidemias, o número de


indivíduos afetados psicologicamente é habitualmente maior que o número de pessoas
infectadas pelo vírus. Segundo Brooks et al. (2020), durante a quarentena, foram registrados
alguns efeitos psicológicos negativos que compreendem sentimentos como frustração,
irritabilidade, insônia, dificuldade para se concentrar, entre outros.
142

A Covid-19, como assunto de saúde pública, deve integrar diversas esferas para garantir
a saúde da população, entre elas os determinantes da saúde mental (FARO et al., 2020), levando
em consideração as repercussões das medidas adotadas para lidar com o vírus. Especificamente,
as diversas perspectivas da relação entre moradia e saúde pública estão intimamente
relacionadas e direcionam os debates a uma forma interdisciplinar de tratar os espaços,
prestando especial importância às desigualdades e aos problemas sanitários ainda mais visíveis
nas cidades contemporâneas.

A questão dos quintais, diretamente ligada ao tema do habitar a cidade, adquire outro
sentido no atual momento de pandemia, considerando especialmente as dinâmicas de moradia
de uma cidade como Cuiabá, que passa por uma verticalização muito valorizada nos últimos 30
anos, por questão de segurança e também status social. Nesse contexto, em que a verticalização
se impôs como modelo de habitação que gerou a desconsideração dos quintais, a pandemia
permitiu ter uma releitura destes espaços na cidade contemporânea.

4.3. Arquitetura e pandemia, a importância dos quintais

Após vencer na categoria de habitação do concurso internacional de design ‘Arquitetura


Xiong’an – Princípio de Desenvolvimento de Alta Qualidade’, promovido pelo governo chinês
para a construção do modelo de cidade do futuro, o arquiteto espanhol Vicente Guallart virou
uma referência na arquitetura pós-Covid-19 com a aprovação do projeto “A cidade
autossuficiente”.

A construção da Nova Área Xiong'na, na província de Hebei, pensada como resposta


para aliviar a pressão sobre Pequim, e anunciada originalmente em 2017, inclui no modelo de
planejamento apresentado em 2020 ideias pensadas à luz da pandemia. Conforme o presidente
Xi Jinping, projetar uma comunidade de uso misto teria como objetivo ponderar um novo
arquétipo na era pós-Covid-19 (WRAY, 2020).

Desse modo, o modelo urbano apresentado pelo arquiteto espanhol para a construção de
moradias em Xiong'an marcaria algumas pautas da construção dos ambientes, levando em
consideração as novas necessidades dos moradores em tempos de pandemia. Conforme
Guallart:
Não podemos continuar a projetar cidades e edifícios como se nada tivesse acontecido.
Nos últimos tempos existem fenômenos em escala mundial que nos obrigam a
143

repensar tudo. Nossas propostas nascem da necessidade de dar soluções às várias


crises que estão vivendo nosso planeta. (REVISTA PROJETO, 2020)

O projeto de cidade apresentado pelo escritório Guallart Architects, eleito entre 300
propostas dos mais renomados arquitetos do mundo, mantém uma visão de priorizar as questões
de saúde e do clima no cenário atual de crise, mantendo como foco o uso residencial.

O modelo postula um conjunto de quatro quarteirões autossustentáveis, conformados


por edifícios de acordo com princípios de bioeconomia circular21, que se misturam com casas,
que servem de residências para diferentes faixas etárias como jovens e idosos. Terá igualmente
escritórios com instalações de última tecnologia, piscina pública, comércio, creche, centro
administrativo, corpo de bombeiros e uma pequena indústria digital mini aprovisionada com
impressoras de 3D.

O aproveitamento do espaço parte de pensar no estado de confinamento atual para se


adaptar às diversas atividades que os integrantes da família desenvolvem. Assim, a proposta
pondera a moradia como uma série de camadas interligadas que partem do espaço domiciliar,
passando para a importância dos quarteirões e assim estender as funções da cidade como um
modelo autossustentável de emissão zero devido à construção das edificações em madeira
(REVISTA PROJETO, 2020).

O conjunto habitacional a ser construído em uma nova zona da cidade chinesa de


Xiong’an, localizada a cem quilômetros de Pequim, abrange também a produção de energia e
de alimentos através de estufas disponibilizadas nas coberturas dos blocos habitacionais, que
também permitem a retenção de energia solar para a posterior conversão em energia elétrica
(REVISTA PROJETO, 2020).

21
A economia circular pondera-se como um sistema onde é minimizada a poluição através do aproveitamento e
proteção dos recursos. Através dos fluxos circulares de reutilização, restauração e renovação se procura um
gerenciamento de materiais e energia para substituir o modelo econômico linear. Fonte: ECO.NOMIA. O que é a
economia circular. [s.d]. Disponível em: <https://eco.nomia.pt/pt/economia-circular/estrategias>. Acesso: 17 de
mar. 2021.
144

Figura 1: Desenho da cidade autossustentável apresentada pelo escritório Guallart Architects para a construção
da nova área de Xiong'an a partir da perspectiva de pós-COVID-19

Fonte: Guallart Architects (DEJTIAR, 2020)

Vicente Guallart (NOTÍCIAS CARACOL, 2020) também pondera que a introdução de


espaços para a produção de alimentos, como vegetais, nas cidades também possibilita que os
habitantes se mantenham protegidos diante de outras crises, como a alimentar ou de poluição.
Assim, hortas, quintais e outros espaços de produção são contemplados no protótipo de moradia
pós-Covid-19.

As residências da cidade pós-Covid-19 apresentam amplos terraços, que funcionariam


como reguladores térmicos e zonas de lazer, especiais para momentos de confinamento. Como
manifestou Guallart (WE DEMAIN, 2020), através de uma entrevista disponível em Youtube,
era necessário retomar espaços de transição entre o interior e exterior da moradia como os
terraços, presentes na arquitetura dos anos 1950 e 1960, que foram eliminados nos modelos
arquitetônicos de décadas anteriores a atual.

Nesse período de confinamento, como proposto pelo modelo de moradia de Guallart, os


espaços de transição são determinantes nos projetos imobiliários. Ambientes abertos, arejados
e verdes viraram não unicamente parte do debate ambiental, mas também assunto de saúde
mental e física. A agência UN Habitat para América Latina e o Caribe, sediada na cidade
brasileira do Rio de Janeiro, dispôs através do site em espanhol, informações especializadas
sobre cidades e covid-19, através das quais manifestou a importância dos espaços exteriores da
moradia, pensando as questões referentes à saúde integral humana:
145

Las medidas de control del COVID-19 en ciudades y áreas urbanas y la falta de acceso
a espacios exteriores pueden tener un efecto perjudicial en la salud mental y física de
los residentes. El ambiente estresante de la estadía en el hogar, especialmente en
viviendas pequeñas y abarrotadas en asentamientos informales, la interrupción de las
redes sociales y de protección y la disminución del acceso a los servicios exacerban
el riesgo de violencia para mujeres y niños.22 (UN-HABITAT, 2020a)

Assim, a relevância dos espaços suplementares à moradia é notável a partir de diversos


discursos, tanto dos responsáveis por projetos urbanísticos na construção de cidades-modelos
para o futuro no mundo quanto das instituições internacionais como a UN-Habitat, que
ponderam visões sobre aspectos de bem-estar humano e qualidade dos ambientes de moradia.

Esses debates apresentados no plano internacional têm reflexos, como pretendemos


argumentar, diretamente na possibilidade de ponderar a importância dos quintais, levando em
consideração o bem-estar que estes espaços da paisagem de Cuiabá podem representar como
solução para o contexto da pandemia. Enquanto o mundo procura um planejamento que
considere esses espaços suplementares, e que existem, portanto, no plano da virtualidade, uma
cidade histórica como Cuiabá, em sua singularidade urbanística, desafia as tendências do futuro
considerando o potencial do seu próprio presente.

No Brasil, num momento posterior à declaração de pandemia, percebeu-se na mídia um


maior registro de informações sobre a importância do quintal como espaço suplementar
importante na constituição de um espaço residencial adequado para a atual conjuntura. Vários
sites informativos, como UOL23, Exame24 e 6 Minutos25, mencionaram o quintal como uma
demanda dos brasileiros na busca de imóveis durante o período de pandemia.

As matérias baseiam-se nos dados levantados pelo portal Imovelweb, especializado no


mercado imobiliário no Brasil. O portal realizou uma pesquisa que mostrou como resultado a

22
“As medidas de controle do COVID-19 em cidades e áreas urbanas e a falta de acesso a espaços exteriores podem
ter um efeito prejudicial na saúde mental e física dos residentes. O ambiente estressante da estadia no lar,
especialmente em residências pequenas e lotadas em assentamentos informais, a interrupção das redes sociais e de
proteção e a diminuição do acesso aos serviços exacerbam o risco de violência para mulheres e crianças.”.
Tradução da autora.
23
Notícia: “Covid-19 aumenta busca por imóveis com quintal ou varanda”. 20 jun. 2020. Disponível em:
<https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-brasil/2020/06/20/covid-19-aumenta-busca-por-imoveis-
com-quintal-ou-varanda.htm>. Acesso em: 21 de fev. 2021.
24
Notícia: “Com a pandemia, brasileiros sonham com casa maior e com quintal”. 17 jul. 2020. Disponível em: <
https://exame.com/minhas-financas/com-a-pandemia-brasileiros-sonham-com-casa-maior-e-com-quintal/>.
Acesso em: 21 de fev. 2021.
25
Notícia: “Quintal, varanda, escritório: os sonhos de consumo na busca por imóveis na pandemia”. 20 maio.
2020. Disponível em: < https://6minutos.uol.com.br/economia/quintal-varanda-escritorio-os-sonhos-de-
consumo-na-busca-por-imoveis-na-pandemia/>. Acesso em: 22 de fev. de 2021.
146

preferência dos brasileiros pela busca de casas mais espaçosas, em comparação com anos
anteriores, em que os compradores procuravam apartamentos.
Em janeiro deste ano [2020], antes da crise estourar, 64% das buscas feitas no
comparador eram por apartamentos, e apenas 36% por casas. No mês passado [abril
de 2020], a procura por casas aumentou para 44% do total, o que reflete o desejo do
brasileiro por mais espaço em meio ao confinamento. [...] Segundo o levantamento,
as buscas que incluem filtros pedindo quintal cresceram 82% entre abril deste ano e o
mesmo período do ano passado; no caso de varandas, a alta foi de 72%, e de escritório,
de 71%. (PRADO, 2020)

Segundo as informações expostas, a preocupação para adquirir casas maiores se deve à


necessidade de realizar atividades ao ar-livre e de apaziguar o confinamento e tensões derivadas
da crise sanitária global. Especificamente, o espaço para as brincadeiras das crianças é colocado
como justificativa, assim como a manutenção de hortas para a produção de alimentos,
atividades restritivas em moradias como apartamentos.

O registro das mudanças na procura de moradia registradas na mídia em tempos de


pandemia, mesmo que prematuras, salientam a vigência de um modelo de moradia que ao longo
do tempo tem prestado serviços essenciais para a vida dos habitantes. O material informativo
não apresenta maiores descrições sobre os quintais. Percebeu-se também que existem poucas
referências visuais no tocante aos espaços mencionados, pelo qual no discurso mediático o
conceito do quintal poderia apresentar um significado implícito.

Ainda que o destaque na mídia a paisagem do quintal seja generalizado para o Brasil e
não apresente referências aos quintais de Cuiabá, as informações validam a importância de
estabelecer relações entre a procura de espaços para melhorar a qualidade de vida e o modelo
casa-quintal como uma representação de boa moradia.

Esta busca por espaços abertos junto à casa que se habita aparece como uma demanda
num contexto marcado pelo confinamento, produto pandemia provocada pela Covid-19. As
considerações de buscas e enunciados discursivos mostram implicitamente a valorização dos
quintais no tempo presente, como parte da reconfiguração urbana do mundo e do Brasil.
Portanto, abrem um leque de possibilidades para projetar a funcionalidade dos quintais
cuiabanos e coloca a cidade como exemplo, embora esta nunca tenha sido sua ambição, na
forma de organização espacial doméstica.

4.4. Os quintais em Cuiabá, na perspectiva dos novos tempos


147

As informações coletadas na presente pesquisa sobre os quintais em Cuiabá, antes de


declarada a pandemia em 2020, dialogam com situações desenvolvidas em tempos da “nova
normalidade”, no contexto da crise sanitária global gerada pela Covid-19, oferecendo outras
perspectivas sobre os quintais. A disposição desses ambientes exteriores possibilita múltiplas
atividades cotidianas e funções ambientais para as cidades, e se apresentam como soluções de
ocupação para as necessidades sanitárias atuais.

Os quintais, independentemente de seu uso (correspondendo à classificação dada neste


documento como domésticos, coletivos ou comerciais), podem ser considerados como
ambientes socioecológicos relevantes que permitem às pessoas, sem distinção de idade, a
realização de diversas atividades ao ar livre e a possibilidade de melhorar a qualidade de vida
no tocante às condições de saúde mental e física.

Durante a coleta de dados, anterior à pandemia, foi possível identificar vários aspectos.
O perfil etário dos cuidadores dos quintais variava entre adultos e idosos, sendo estes últimos
parte do grupo de risco da covid-19. Nesse caso, a continuidade das atividades do quintal
poderia mantê-los mentalmente ativos, atenuando o estresse psicológico derivado da pandemia.

Apesar de se pensar principalmente na população de risco da doença, a pandemia afetou


todas as faixas etárias da sociedade, gerando desconforto e registrando uma claustrofobia geral
da sociedade durante os períodos de confinamento. Atividades ao ar livre no quintal, como
cultivo de plantas, foram ressignificadas como formas de terapia para melhorar a saúde mental
dos integrantes do lar, ao permitir às pessoas relaxar e descontrair diante das preocupações, de
acordo com estudos de outras áreas do mundo como a Índia (BASU, et al., 2021).

Nesse viés, Silva et al., (2016), duas nutricionistas e um engenheiro agrônomo,


manifestaram, a partir do observado em uma pesquisa interdisciplinar, que uma das motivações
para a manutenção dos quintais produtivos é o gosto e o prazer em plantar, considerando assim
esse ato como terapia e ocupação.

Como registrado no caso dos informantes da pesquisa em Cuiabá, existe um gosto por
plantar, ato espontâneo que em vários casos não era derivado de um conhecimento ou profissão,
mas de um hábito herdado pela tradição familiar, em ocasiões para suprir uma necessidade de
alimento.
No quintal a experiência de plantar, germinar, cuidar, regar, expressam atividades do
dia-a-dia, mas também implicitamente mostram o afeto do ser humano de respeito pelo tempo
148

em que uma planta cresce e pode dar fruto, além das dificuldades que podem se apresentar no
caso das fortes tempestades, da seca e outros fenômenos.

Ademais, o ato de plantar, a partir do período derivado da pandemia atual, adquire outras
motivações, conforme o especialista em solos e agricultura da Universidade do Estado de Ohio,
Rattan Lal. Ele considera que a jardinagem doméstica e a agricultura urbana cumprem um papel
importante no que diz respeito à soberania alimentar durante e depois da pandemia:
Grandes perturbações no abastecimento alimentar a cadeia causada pela pandemia da COVID-
19 agravou os graves problemas de fome já existentes e desnutrição, juntamente com o
desperdício de alimentos. Urbanização não planejada ou adhoc também tem impactos drásticos
sobre o meio ambiente (ou seja, o efeito ilha de calor, escoamento alto, inundação), e estes
problemas são agravados pela mudança do clima. Um grande desafio criado pela pandemia
COVID-19 é interromper o acesso a alimentos frescos e nutritivos em preços acessíveis para a
grande e crescente população urbana. (LAL, 2020, p. 873)26

A diferença de outros sistemas de jardinagem doméstica como aquela com fins


ornamentais, onde são plantadas flores e outras espécies não comestíveis, o quintal é um espaço
de plantio de alimentos que adquire relevância para garantir a soberania alimentar.

A biodiversidade de espécies plantadas no quintal fornece aos moradores alimentos


saudáveis, evitando a necessidade de ir constantemente ao mercado e permitindo a otimização
dos usos dos produtos na elaboração de pratos variados. Além do benefício econômico, o
funcionamento do quintal como despensa ao ar livre possibilita a diminuição de alimentos
industrializados e de outros que são produzidos com o uso de agrotóxicos que prejudicam a
saúde.

Tabela 4. Demonstrativo do Inventário de espécies alimentares botânicas na área dos quintais distribuídos no
município de Cuiabá – MT, no ano de 2020
ESPÉCIES QUINTAIS (TIPOS)

DOMÉSTICOS COMERCIAIS COLETIVOS

NOME COMUM NOME CIENTÍFICO A B C D E F G H I J


(DIALETO LOCAL)

Abacate Persea Americana •


Mill.
Abacaxi Ananas comosus L. • • •
Açafrão Curcuma longa L. •
Acerola Malpighia • • • • • • •
emarginata DC.
Agrião Nasturtium •
officinale W.T. Aiton

26
Texto original em inglês: “Major disruptions in food supply chain caused by the COVID-19 pandemic have
aggravated the already existing severe problems of hunger and malnutrition along with food wastage. Unplanned
or adhoc urbanization also has drastic impacts on the environment (i.e., the heat island effect, high runoff,
inundation), and these problems are aggravated by the changing climate. A major challenge created by the COVID-
19 pandemic is disrupting access to fresh and nutritious food at affordable prices to large and growing urban
population.”. (LAL, 2020, p. 873).
149

Alecrim Rosmarinus •
officinalis L.
Alface Lactuca sativa L. •
Ata Annona squamosa • • • • •
L.
Babosa Aloe vera (L.) Burm. • •
f.
Banana Musa × paradisiaca • • • • • •
L.
Berinjela Solanum •
melongena L.
Bocaiuva Acrocomia aculeata •
(Jacq.) Lodd. ex
Mart.
Cacau Theobroma cacao •
L.
Cajá-manga Spondias dulcis G. •
Forst
Caju Anacardium • • • • • • • •
occidentale L.
Cana de açúcar Saccharum •
officinarum L.
Capim cidreira Cymbopogon • •
citratus (DC.) Stapf
Cará-roxo Dioscorea trifida L.f. •
Carambola Averrhoa carambola •
L.
Cebolinha Allium fistulosum L. • • • •
Cenoura Daucus carota L. •
Citronela Cymbopogon • •
winterianus Jowitt
ex Bor
Coco Cocos nucifera L. •
Coentro Coriandrum sativum •
L.
Couve Brassica oleracea •
var. acephala DC.
Cupuaçu Theobroma •
grandiflorum (Willd.
ex Spreng.) K.
Schum.
Feijão guandu Cajanus cajan (L.) •
Millsp
Fruta-pão •
Artocarpus altilis
(Parkinson)
Fosberg
Gengibre Zingiber officinale •
Roscoe
Goiaba Psidium guajava L. • • •
Graviola Annona muricata L. •
Hortelã Mentha piperita L. • • •
Ipê Tabebuia sp. •
Jabuticaba Myrciaria cauliflora • • • • •
(Mart.) O. Berg
Jaca Artocarpus •
heterophyllus Lam.
Jenipapo Genipa americana •
L.
Laranja Citrus × sinensis • •
(L.) Osbeck
Limão Citrus × limonum • •
Risso
Mamão Carica papaya L. • • • • •
Mandioca Manihot esculenta • • • •
Crantz
Manga Mangifera indica L. • • • • • • • •
Manjericão Ocimum L. • •
Menta Mentha spicata L. •
Mexerica Citrus reticulata •
Blanco
Milho Zea mays L. •
Pepino Cucumis sativus L. •
150

Pimenta Capsicum L. • •
Pitanga Eugenia uniflora L. • • •
Pitomba Talisia esculenta (A. • •
St.-Hil.) Radlk.
Pupunha Bactris gasipaes •
Kunth
Quiabo Abelmoschus •
esculentus (L.)
Moench
Romã Punica granatum • •
L.
Rúcula Eruca sativa Mill. • •
Seriguela Spondias purpurea • •
L.
Tomate Solanum • •
lycopersicum L.

DOMÉSTICOS: A – BOA ESPERANÇA; B – JARDIM UNIVERSITÁRIO; C – LIXEIRA; D – CIDADE ALTA; E – JARDIM IMPERIAL
II; COMERCIAIS: F – QUILOMBO; G – BOA ESPERANÇA; H – DUQUE DE CAXIAS; COLETIVOS: I – SANTA ROSA II; J –
COOPHEMA

A produção local em pequenas parcelas de terra, como os quintais, no contexto da


pandemia, poderia conduzir a pensar também na reconexão entre a produção e o consumo de
alimentos. Esta relação se antepõe à industrialização dos alimentos que se impôs como condição
moderna de consumo e diminuiu a importância da produção artesanal e em pequena escala.
Como foi mencionado no estudo dos profissionais em ciências da saúde, de Malta et al., (2020),
o aumento da ingestão de alimentos ultraprocessados é uma das situações evidenciadas durante
a pandemia que colocam em risco a saúde dos brasileiros.

Figura 2. Produção de feijão guandu no quintal do bairro Jardim Imperial II.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Alimentos in natura ou de produção artesanal podem representar benefícios, levando


em consideração que uma ótima saúde depende também da boa nutrição. Por exemplo, no
quintal do bairro Jardim Imperial II, identificou-se a produção e o armazenamento em pequena
escala de feijão da espécie guandu (Figura 2), de modo artesanal em garrafas de plástico, que,
conforme os moradores desse domicílio, podia representar o abastecimento do próprio lar por
alguns meses.
151

O feijão é suplemento alimentar com o arroz. Junto, o conhecido arroz com feijão
constituem elementos fundamentais na dieta dos brasileiros. Os profissionais em nutrição e
outras áreas da saúde, Sichieri et al. (2000), indicam que algumas recomendações de
alimentação e nutrição saudável para a população brasileira sugerem que, além do arroz e feijão,
é necessário incluir o consumo de frutas ao alcance da sociedade, uma vez que os nutrientes das
frutas têm a capacidade de prevenir doenças crônicas.

Cuiabá tem apresentado algumas dificuldades enquanto ao abastecimento de frutas no


comércio atacadista e varejista, devido ao fato de que o fornecimento desses produtos provém
em boa parte de outros estados, como São Paulo. Em 2020, por exemplo, na cidade registrou-
se um aumento nos preços de alguns produtos como consequência da falta de chuvas, da
pandemia e da baixa produção local, conforme reportagem jornalística local27, fato que somado
ao fechamento das feiras livres durante o período da quarentena dificultou o acesso a esse tipo
de alimentos.

Ainda em 2021, registrou-se um acréscimo no preço de produtos como a banana maça


e a banana prata, de acordo com informações publicadas pelo Governo de Mato Grosso, nas
quais a técnica da Secretaria de Estado de Agricultura Familiar (Seaf), Doraci Maria Siqueira,
explica que, além da baixa oferta de produtos hortigranjeiros produzidos no estado, o aumento
de preços se deve, em alguns casos, às modificações na forma de comercialização,
especificamente à embalagem, por exemplo, quando o produto muda da caixa para a bandeja28.
Em um supermercado de Cuiabá foi possível observar, a modo de exemplo, que dois cajus de
tamanho grande, em uma bandeja, procedentes de São Paulo, custam R$10.

A exemplificação expõe os contrastes existentes no mercado de itens hortigranjeiros,


especialmente de frutas de Cuiabá, e a valorização da produção de fora do estado, mas também
tem a finalidade de refletir sobre o que representa a produção de alimentos nos quintais de
Cuiabá. A figura 3 evidencia a coleta de frutas como mamão e banana, que fazem parte da dieta
da família que habita o espaço domiciliar do bairro Cidade Alta. As frutas, conforme o registro

27
Reportagem: “Clima e pandemia elevam preços de hortifrúti em mais de 80%” . 06 set. 2020. Disponível em:
<https://www.gazetadigital.com.br/editorias/economia/clima-e-pandemia-elevam-preos-de-hortifrti-em-mais-de-
80/628424>. Acesso em: 22 de fev. 2021.
28
“Levantamento aponta que hortifruti teve alta de até 110% em Cuiabá”. 04 fev. 2020. Disponível em:
<http://www.mt.gov.br/rss/-/asset_publisher/Hf4xlehM0Iwr/content/id/16415260>. Acesso em: 22 de fev. 2021.
152

fotográfico, apresentam boa aparência, sabor e tamanho, graças às condições edafoclimáticas29


de Cuiabá.

Figura 3. Coleta de frutas como mamão e banana no quintal do bairro Cidade Alta.

Fonte: A pesquisadora (2019).

Conforme foi registrado, nos quintais cuiabanos desta pesquisa foram identificadas uma
ampla variedade de frutas, tanto para o consumo da própria fruta, quanto para a elaboração de
sucos e doces. Encontraram-se algumas frutas como as mais recorrentes, fazendo parte do
inventário de espécies em cinco ou mais quintais entre os dez registrados: acerola (Malpighia
emarginata DC), banana (Musa × paradisiaca L.), caju (Anacardium occidentale L.),
jabuticaba (Myrciaria cauliflora (Mart.) O. Berg), mamão (Carica papaya L.), manga
(Mangifera indica L.).

29
O termo faz referência às características determinadas a partir de factores do meio tais como o clima, a humidade
do ar, a radiação, o relevo, a temperatura, a litologia, o tipo de solo, o vento, a composição atmosférica e a
precipitação pluvial. “As condições edafoclimáticas são relativas à influência dos solos nos seres vivos, em
particular nos organismos do reino vegetal, incluindo o uso da terra pelo homem, a fim de estimular o crescimento
das plantas.” Fonte: Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Condições edafoclimáticas. 27 jun. 2007. Disponível em:
<https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/consultorio/perguntas/condicoes-edafoclimaticas/21084>. Acesso: 21 de maio.
2021.
153

O consumo de alimentos produzidos em quintais cuiabanos também favorece a


manutenção de hábitos alimentares locais, prolongando também a presença de espécies do
inventário botânico regional. De outra parte, as frutas dos quintais são fonte de alimento para
animais silvestres, como mamíferos, pássaros, répteis etc. A fauna silvestre do cerrado encontra
no quintal um refúgio natural no espaço urbano, gerando um equilíbrio ecológico na cidade,
levando em consideração que alguns desses animais cumprem diversas funções ambientais,
como a dispersão de sementes, entre outras.

Os especialistas em paisagem e ecologia Basu et al. (2021) reafirmam que o acesso a


áreas verdes pode ajudar para mitigar sentimentos de estresse psicológico e ansiedade. A
contemplação de ambientes de vegetação em lugares abertos pode ser levada em consideração
como terapia física e mental, especialmente em tempos de quarentena quando os parques
públicos fecharam e os cidadãos ficaram sem acesso aos espaços verdes da cidade.

O tempo dedicado ao quintal teve um valor adicional ao simples ato de cuidar do espaço
no cotidiano: regar e podar as plantas, varrer as folhas, plantar mudas, colher frutos, cozinhar,
caminhar pelo quintal, tomar Sol, sentar-se à sombra das árvores. Estas práticas banais
adquiriram um significado de cuidado de si, do cuidado da saúde mental em tempos de
confinamento. No quintal também podem ser realizadas atividades físicas, que favorecem a
saúde mental como tem sido sugerido pela Organização Mundial da Saúde (WORLD HEALTH
ORGANIZATION, 2020);

Na pandemia de Covid-19, a recomendação mais recorrente era para as pessoas


optassem por espaços arejados. Nos quintais domésticos pesquisados, o espaço do quintal era
maior do que o espaço construído. Esta caracterização dos quintais familiares, de uso
doméstico, estabeleceu uma grande diferença funcional e simbólica entre a casa com quintal e
os apartamentos nos ambientes verticalizados. Se a casa contava com a amplitude do quintal,
os apartamentos contavam apenas com a varanda como espaço exterior.

Os seguintes croquis dos quintais domésticos em Cuiabá mostram a distribuição e as


singularidades espaciais (notadamente pela presença de vegetação), onde também se
materializam as manifestações culturais diversas a partir da realização de atividades como festas
(juninas), reuniões familiares (churrasco, aniversários), secagem de roupas etc. Cada atividade
aparece como hábito dos moradores, mas também evidencia a multiplicidade de atividades no
quintal, cujo processo de ressignificação foi evidente durante a pandemia entre 2020 e 2021.
154

A representação espacial possibilita superar as atribuições de valor impostos


socialmente no que diz respeito a partes do lar como frente e trás ou aberto e fechado, expostas
por Tuan (1980) como categorias espaciais significativas. O cuidado dado às áreas abertas e
fechadas do espaço doméstico, por exemplo, foram ressignificadas sob a percepção da
prevenção e tratamento dos impactos da pandemia, entre eles a claustrofobia gerada no período
de isolamento social.

No bairro Boa Esperança, o lote homogêneo no tamanho ao longo do bairro, é divido


por uma área construída no meio. A simetria do espaço permite um maior aproveitamento para
a realização de diversas atividades nas áreas livres, na frente e nos fundos, sendo a parte dos
fundos maior. Na área dos fundos acontecem várias atividades: é o lugar da secagem das roupas,
de assar carne e ficar nas cadeiras ali improvisadas com madeira, de descansar na rede, de se
refrescar embaixo do chuveiro externo, de germinar as mudas para logo serem plantadas ou
distribuídas com amigos, de coletar frutas como acerola e caju, de tomar o café da manhã, entre
outras.

Figura 4. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Boa Esperança.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.
155

No bairro Lixeira, área mais antiga, no entorno do Centro Histórico de Cuiabá, o lote
apresenta outra configuração, não sendo os lotes homogêneos nem na forma nem no tamanho.
De maior tamanho, o espaçamento é maior, possibilitando mais espaço livre tanto na área
frontal quanto no quintal localizado aos fundos. Árvores frondosas dão sombra à casa,
evidenciando, através do tamanho, sua longevidade. Mangueira, pitombeira, laranjeira e
cajueiro fazem parte do inventário desta casa, junto com outras espécies. Na lateral encontra-se
uma churrasqueira de tijolo e uma mesa grande de madeira com muitas cadeiras, disponível
para os encontros de uma família numerosa.

Figura 5. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Lixeira.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

Na Cidade Alta, bairro de renda mais baixa, é perceptível que há mais espaços
construídos, na medida em que a família precisa ocupar mais espaço. Há construções com vários
propósitos: quartos para alugar, a casa familiar, o banheiro que fica fora da casa mais antiga e
o quarto de ferramentas. Mangueiras, coqueiros, mamoeiros, um pé de cacau e outras espécies
compõem a vegetação do local, mas também há lugar para uma horta onde são plantadas
mandioca e outras espécies.
156

Para a segurança do local foram construídos altos muros e adaptadas cercas elétricas.
Para incrementar as medidas de segurança, os habitantes também criam cães que protegem o
espaço. Pode-se evidenciar que, apesar das diversas construções, as áreas ao ar livre constituem
a maior parte do lote. Em uma área próxima à casa se encontra uma mesa redonda de cimento
com quatro cadeiras, onde o proprietário da moradia costuma tomar café.

A paisagem do quintal oscila entre o rústico das plantações e o paisagismo empírico,


sendo criado um círculo no meio do quintal com espécies ornamentais. Este círculo é cercado
por um pequeno caminho de brita, que cria uma rota para os diversos microespaços do quintal.

Figura 6. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Cidade Alta.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

No bairro Jardim Universitário, o lote também apresenta uniformidade. O quintal,


localizado aos fundos junta-se com a área lateral, onde foram plantadas bananeiras e abacaxis,
entre outras espécies. Na área do quintal, composta por árvores de grande porte como
157

mangueiras, serigueleiras e jaqueiras, se dispôs um varal para secagem de roupas. Nessa área
foi construída uma casa pequena para armazenar ferramentas e outros objetos.

Aproveitando a sombra das árvores e o amplo espaço, a família permanece no quintal


para compartilhar o tempo com as crianças pequenas que brincam naquele espaço. Se dispôs
ali uma mesa de plástico com algumas cadeiras para permanência no local e recepção aos
familiares e amigos. Também há uma churrasqueira móvel de metal, em que os moradores
costumam assar carne.
Figura 7. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Jardim Universitário.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

No bairro Jardim Imperial II, o lote está inserido em um ambiente semirrural, perceptível
pelo tamanho. O quintal está localizado aos fundos, mas o aproveitamento para plantar
alimentos também acontece nas áreas laterais, onde inclusive há uma plantação de hortaliças e
temperos como couve, alface, manjericão, entre outros.
158

Na zona dos fundos há uma grande diversidade de espécies como abacaxi, laranjeiras e
uma grande mangueira que dá sombra a atividades dos proprietários. Entre as atividades mais
importantes que acontecem no quintal registra-se, além da prática de assar carne, a organização
da festa junina para a qual são colocadas mesas com comidas e bebidas e os participantes
acendem uma fogueira no chão, conforme a tradição da festa.
Figura 8. Croqui do espaço doméstico localizado no bairro Jardim Imperial II.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

Pandemia e atividades coletivas nos quintais

Há quintais suplementares aos restaurantes e quintais que transformados em


restaurantes, onde as pessoas podem ter acesso à experiência do quintal como espacialidade.
Nestes locais, as pessoas podem vivenciar durante o almoço ou o jantar diversas atividades,
como se sentar à sombra de grandes mangueiras. São pequenas práticas que reproduzem
experiências nos quintais da família, outorgando a esses espaços um valor afetivo e cultural.
159

Em contrapartida, durante o período de quarentena, foi fechado o comércio não


essencial. O funcionamento dos restaurantes ficou restrita à produção de comida a ser entregue
pela modalidade de delivery. Posterior a esta fase, a reabertura desses espaços de restaurantes
exigiu várias modificações, por exemplo, a adaptação para manter o distanciamento entre as
mesas, a disposição de elementos como álcool em gel e outros insumos sanitários etc.

Além disso, a necessidade de manter as recomendações epidemiológicas continuo


valendo. De acordo como as especificações de autoridades sobre a distribuição do vírus por
meio do ar, foi preciso pensar em uma adequada circulação do ar para evitar o risco de contágio
do Sars-cov-2. Desse modo, levantou-se uma discussão que privilegiou os espaços abertos,
conforme Campos e Guedes (2020), por existirem mais riscos nos ambientes climatizados que
usassem ar condicionado:
Considerando que os ambientes climatizados se mantêm fechados e a ausência de
sistemas de renovação mecânica na instituição (contando apenas com renovação por
infiltração), considerando também a possibilidade da transmissão de SARS-CoV-2
por aerossol, o resultado é de que estes ambientes climatizados atuem como
multiplicadores de infecções respiratórias.

Nesse sentido, pondera-se que a manutenção dos quintais nesses ambientes comerciais
fornece à cidade não unicamente os serviços ambientais, mas também é favorável para o
cuidado da população com relação aos serviços sanitários. Como apresentado nas figuras 9, 10
e 11, a distribuição dos espaços mostra que os quintais, como áreas abertas e arejadas,
conformam uma grande área com respeito às áreas construídas, marcadas em laranja, e que
podem ser fechados ou climatizados.

No bairro Quilombo, caracterizado pela verticalização nas últimas décadas, o


restaurante no quintal estabelece a diferença por ser um espaço remanescente dos antigos
formatos domiciliares que eram conformados pela casa e o quintal. Neste caso, o lote possui
uma grande área ao ar livre e mesmo a parte construída (um corredor de ingresso, um ateliê e
parte do restaurante) tem espaços ventilados. O quintal tem uma área para a criação de patos e
outra onde as mesas foram dispostas perto cajueiros e outras árvores frutíferas.
160

Figura 9: Croqui do espaço comercial (Restaurante) localizado no bairro Quilombo.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

No bairro Boa Esperança, o restaurante no quintal é caracterizado por duas áreas


construídas: a área maior, onde funciona a cozinha, e outra menor, onde estão dispostas mesas
para o atendimento aos clientes, mantendo a área ventilada. Na metade do quintal há uma
grande mangueira que fornece sombra a muitas das mesas que se localizam na área ao ar livre.
No lote há também um cajueiro, uma aceroleira, uma bocaiuveira, além de outras plantas que
tem se plantado em canteiros e vasos.
161

Figura 10: Croquis do espaço comercial (Restaurante) localizado no bairro Boa Esperança.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

O restaurante localizado no bairro Duque de Caxias tem um quintal aos fundos.


Nessa área foi construída uma piscina que ocupa grande parte do quintal. O restante
corresponde ao espaço onde são dispostas as mesas, algumas embaixo da sombra de
uma grande mangueira. Perto da piscina, há alguns arbustos como uma aceroleira e uma
jabuticabeira. A maior parte construída do lote é fechada e climatizada com ar
condicionado; outra menor foi adaptada para serviços sanitários. Perto da entrada há
outra área ao ar livre, onde algumas mesas foram localizadas perto de dois cajueiros.
162

Figura 11: Croquis do espaço comercial (Restaurante) localizado no bairro Duque de Caxias.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ

A lenta retomada de atividades coletivas que apresentam aglomerações manteve vários


espaços fechados, depois de ser declarada a pandemia. Ainda assim, de acordo com o regimento
para a espacialidade das atividades públicas, ponderamos os quintais de uso coletivo como
lugares que oferecem a oportunidade de realizar encontros sociais, tendo a possibilidade de
manter distanciamento entre as pessoas devido à sua distribuição, como é explícito nas figuras
12 e 13, onde é possível perceber que os quintais apresentam um maior tamanho com respeito
às áreas construídas, apontadas em laranja.

No Santa Rosa II, bairro humilde cercado por prédios de apartamentos de luxo, um lote
de grandes proporções é usado para o encontro da comunidade. O lote é distribuído para
diversos usos: a cozinha, em maior parte coberta, onde também há fogões a lenha; outras
construções nas beiradas para uso habitacional; um bar; os serviços sanitários; uma espécie de
palco bandas musicais e outra área para a dança.

A maior parte do lote é ao ar livre e nela se distinguem antigas mangueiras, uma


laranjeira e um coqueiro. A amplitude do lote permite o desenvolvimento de diversas atividades
163

simultâneas que possibilitam, durante o encontro coletivo, a manutenção e reprodução de


práticas e saberes populares da região, como um baile vespertino de Lambadão.

Figura 12: Croquis do espaço de caráter coletivo localizado no bairro Santa Rosa II.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ.

No setor de São Gonçalo Beira Rio, no bairro Coophema, está localizado o espaço
denominado “O quintal do siriri”, um grande lote com algumas construções, onde o conhecido
grupo folclórico “Flor Ribeirinha” foi criado e onde funciona sua sede. O lote, além de ser palco
da dança popular da comunidade ribeirinha, funciona como uma escola de danças populares,
onde crianças de várias idades se familiarizam com a tradição folclórica.

O espaço, em sua maioria ao ar livre, é caracterizado pela presença de árvores de grande


porte, como mangueiras e serigueleiras, que proporcionam a sensação de imensidão tanto na
perspectiva vertical quanto horizontal. Além da dança e da música, outras atividades culturais
têm lugar no quintal, como a produção de cerâmica, através da disposição de um forno, onde
são elaboradas diversas peças. O ambiente comunica as tradições da cultura ribeirinha em
Cuiabá.
164

Figura 13: Croquis do espaço de caráter coletivo localizado no bairro Coophema.

Fonte: Velásquez e Medina (2021). Elaborados a partir dos registros audiovisuais e observação in situ

A pandemia gerada pela Covid-19 nos conduz a traduzir a vida, a repensar os sentidos,
a mudar as condutas. Este fenômeno de saúde pública mundial exerceu uma força que
desacelerou, deslocou e demonstrou que nossa forma de habitar o mundo é primordial para
garantir nossa própria existência como espécie.

Ante a fragilidade humana derivada da mente ocupada de sensações de medo do vírus,


como ameaça “invisível”, a pressão de se comprometer a cuidar da vida, sem esquecer a
desigualdade de situação sanitária, perpassou as funções dos centros de saúde para pontuar a
necessidade de se pensar o espaço da casa e repensar os espaços compartilhados de modo
coletivo. A partir desse ponto, os quintais no inventário socioespacial retornaram como espaços
de vida, recuperando sua vitalidade e vigência que também foi apreciável a partir da pesquisa
localizada em Cuiabá.
165

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A abordagem dos quintais em Cuiabá, a partir de um olhar interdisciplinar, permitiu


ponderar esses espaços como relevantes no plano material, e também a partir de um elo afetivo,
pensando-os como uma montagem, um tecido conformado por camadas de significações que
perpassa ideias, imagens, memórias e abre a possibilidade de pensar em inúmeros sentidos
atribuídos aos lugares. O quintal é polivocal, permitindo várias interpretações.

O alcance de considerar os quintais como lugares representativos da cidade de Cuiabá


mostra quatro aspectos:

a) diferentes modos de vida e sua adaptação no tempo;

b) o quintal como um espaço suplementar da casa, na medida que exerce funções domésticas
importantes relacionadas com serviço e abastecimento;

c) a realização de atividades sociais e de lazer, que possibilitam em cada um deles a existência


de um acervo vivo que permite a manutenção de saberes múltiplos;

d) a necessidade ainda hoje dos quintais como espaços do cuidado e da saúde mental e física,
como foi evidenciado a partir da pandemia gerada pela covid-19.

Estes quatro aspectos orientam a discussão sobre o valor de uso, no âmbito do valor
simbólico, no cotidiano da paisagem cultural de Cuiabá na presente tese, reafirmando a
importância de pensar esses espaços a partir de diversas perspectivas que favorecem uma
discussão interdisciplinar da cidade e dos modos de habitá-la.

Apontados como acervos vivos, os quintais se têm construído, renovado e adaptado


conforme as necessidades humanas, dinamismo que indica que existe uma singularidade,
excluindo-o como uma forma definitiva e dando sentido a estes espaços, a partir da junção
forma, função, estrutura que não unicamente demanda pensar na espacialidade, mas na cultura
como agente na composição dessa paisagem.

Todavia, ao ser considerado uma área velada ao olhar público ou inclusive de visitantes
da casa, a visualidade do quintal é restrita. A relação tão íntima das pessoas com este espaço
faz com que a divulgação dele tenha pouco alcance e seja mais frequente sua referência oral,
do que visual. Deste modo, o quintal é vivido, praticado, mais do que comunicado.
166

Nesse sentido, a abordagem dos quintais a partir das categorias espaciais de paisagem
cultural e lugar adquirem sentido, sendo necessário refletir sobre os quintais na atualidade para
criar outras visualidades e refletir sobre como a configuração espacial desses lugares apresenta
contrastes nas formas e usos. Assim, o quintal pode ser considerado como um espaço que reúne
um mosaico de lugares social e culturalmente constituídos na paisagem cuiabana.

Aspectos comunicacionais da paisagem

A partir da exposição da visualidade da paisagem da cidade, que tem privilegiado o


valor da altitude e do que é verticalizante, tomando como referência o Morro da Luz e depois
outros pontos e logo outros dispositivos atuais como aviões e drones (foto aérea), foi possível
constatar que o quintal não é um elemento cultural amplamente difundido a partir de sua
materialidade. Ainda assim, esse fragmento da paisagem tem sido visível através da circulação
de imagens da iconografia dos produtos do quintal, onde a manga e o caju são mais ponderados.

Por outro lado, o mapeamento dos quintais a partir dos usos permitiu pensar nas
variações do quintal e a adaptação deles no inventário cultural da cidade, considerando o acesso
aos quintais para o uso comercial ou coletivo, que proporcionam uma visão mais ampla das
formas de interação homem-natureza e modificando os valores atribuídos as categorias “frente
e trás” (Tuan, 1980), que privilegia a importância das fachadas das casas, como tem sido
percebido em Cuiabá, através da disposição dessa paisagem, de contorno kitsch, na Orla do
Porto.

A disposição dos quintais para fins de encontro coletivo, por meio da realização de
eventos, ou a disposição dos quintais como espaços suplementares de restaurantes, proporciona
outra perspectiva, ao possibilitar que o quintal seja uma paisagem apreciada e comunicada
publicamente. Embora o espaço seja adaptado para parecer mais atraente e seja habilitado para
o convívio social, o quintal pode ser ponderado no seu sentido estético a partir do que
afetivamente representa: memórias familiares, lar, brincadeiras de infância etc.

O amplo acervo fotográfico resultante do registro das atividades e paisagens do quintal


poderia permitir uma concepção da importância do quintal na manutenção da biodiversidade de
um município como Cuiabá, ligadas à ideia da “Cidade Verde”, através da contribuição cidadã
167

e doméstica, sendo a vegetação seu atributo mais valorizado. Também salientamos que um
olhar mais apurado para os quintais poderia favorecer a visualização e manutenção de
manifestações culturais locais, pois é no quintal onde são praticadas a gastronomia, a dança, os
bailes, as festas juninas, a cerâmica, a agricultura, a fitoterapia, entre outras.

Da mesma forma, a grande diversidade presente nos quintais é um atributo comunicável,


pois a condição de “pequenas florestas” na cidade, poderia funcionar como motivador para
fomentar a plantação de diferentes espécies e atenuar a formação de ilhas de calor no espaço
urbano, tendo um impacto ecológico.

Comunicar a diversidade dos quintais poderia fornecer maior informação sobre a


possibilidade de se ter uma alimentação variada, com matéria-prima plantada no próprio espaço
doméstico, e de modo a favorecer a imagem da cidade e de sua importância na conservação
ambiental como área tropical.

Conforme é exposto na tabela 4, os quintais para uso doméstico apresentam uma maior
diversidade de espécies vegetais, inclusive se sustentado pela prática de atividades como a troca
de sementes ou mudas. Por sua parte, nos quintais de uso comercial e de coletivo, existe um
menor percentual de vegetação, devido à habilitação dos espaços para o uso coletivo, que
demanda espaços com menor densidade vegetativa. Ainda assim a caracterização desses
espaços é dada pela presença de árvores, como mangueiras e cajueiros, principalmente, em
áreas abertas.

Topofilia do quintal

A partir da pesquisa foi possível constatar o valor afetivo dos quintais para os
moradores, no caso, os informantes desta pesquisa. Essa relação afetiva, como se nota, é
baseado na experiência concreta de se viver o quintal. Para algumas pessoas, a ligação com o
quintal como lugar era resultado da memória familiar e especialmente de sua experiência de
infância. Para outras pessoas, o quintal é um projeto pessoal, cujo cuidado representa, por
extensão, o cuidado do lar, a manutenção de uma despesa natural e diversa, um lugar para
receber amigos e familiares, um lugar onde se manter ativo, vivo.
168

A categorização dos quintais a partir de seus usos ilustra como os modos de relação com
esse espaço o transformam em lugar, de acordo com o vínculo dos moradores com a paisagem.
Uma paisagem doméstica revela relações íntimas, duradouras, familiares, múltiplas; uma
paisagem para o encontro coletivo ou para fins comerciais revelam um desejo, mas nem sempre
uma realidade.

Existem valores do quintal que se expressam na relação das pessoas com o espaço. Estar
no quintal nem sempre valida a mesma experiência, pois depende da intimidade e da
aproximação, não unicamente física, mas também afetiva. Estar no quintal como parte do
cotidiano doméstico pode demandar cuidado e apropriação. No entanto, estar no quintal para
fazer uma refeição (tomar café, almoçar, jantar) ou assistir um espetáculo cultural gera outro
sentido: o quintal vira cenário, possibilita um vínculo afetivo efêmero, instantâneo, evocador
de sensações e memórias.

Destarte, no caso dos quintais domésticos, eles oferecem informações relevantes sobre
os modos de vida urbana em convivência com a natureza. Os quintais domésticos são
considerados a partir da particularidade do cuidado, modo de relação que atribui sentido a estes
espaços. A produção de sentido, no caso, fica condicionada pela percepção social do tempo que
pondera como relevantes outras atividades dentro do sistema de produção do capital.

Desse modo, a demanda de tempo para a realização de múltiplas atividades do quintal


leva a transformação desses espaços ou ao descuido. Ainda assim, perante mudanças
socioculturais, como as vivenciadas a partir da pandemia da covid-19, as horas “vagas” no
quintal para a realização de atividades de lazer adquiriram outro sentido para o cuidado da vida
e da saúde mental e física das pessoas, especialmente no período de confinamento.

A mudança social, originada a partir da declaração da pandemia que centralizou no lar


a maioria de atividades do cotidiano da família, possibilitou enxergar a necessidade dos quintais
como áreas abertas do espaço doméstico, para a realização de atividades essenciais com a
finalidade de atenuar o estresse psicológico gerado pela crise sanitária.

Durante o período de confinamento foi possível validar a importância do quintal como


espaço de socialização e de contemplação de áreas verdes, alternativo aos serviços oferecidos
por praças e parques, que foram fechados, retomando o papel inicial dos quintais como espaços
verdes das cidades, antes, inclusive, das áreas verdes públicas.
169

Salienta-se que a cidade deve aos quintais, em parte, o epíteto de Cidade Verde, mas
também deve mais atenção, mais afeto, mais visibilidade a partir de vários discursos, entre eles
o acadêmico, através de mais pesquisas sobre diversas abordagens. Por isso, ponderar os
quintais na presente tese pode ser uma iniciativa para atingir o propósito de visualizar a
importância desses espaços, mas também considerar que são as pessoas que atribuem
significados que mantém essa paisagem cultural, outorgando à cidade uma especial
caracterização que, mesmo de modo inconsciente, pode ser exemplar no mundo.
170

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178

APÊNDICES
APÊNDICE A - ROTEIRO DA ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA

Data da Entrevista: ___/___/____


Bairro:
Endereço:
CEP:
Nome do entrevistado (a):
Idade:
Naturalidade:
Gênero:
Profissão:
Tempo de moradia no local:

Proposição geral:

A partir das seguintes perguntas, adaptadas para cada tipo de quintal (doméstico ou
comercial), poderá se iniciar uma conversa com os informantes a fim de conhecer a relação
íntima de cada um deles com o espaço do quintal:

Características do espaço segundo o morador:

- Qual é a composição do quintal?


- Que espécies foram plantadas no quintal?
- Tipo de espécies: Hortaliças, Frutíferas, Medicinais.
- O quintal tem sido modificado?

Atividades no quintal:

- O que você faz no quintal?


- Quanto tempo você fica no quintal?
- Realiza atividades de caráter social no espaço do quintal?
- Como você cuida deste lugar?

Usos dos recursos do quintal:

- Quais são os usos que você dá aos frutos?


- Você doa ou compartilha a produção do quintal?
179

Relação afetiva:

- O que significa o quintal para você e sua família?


- Quais são os desafios de ter um quintal e cuidar dele?
- Qual a finalidade de ter o quintal?

Perguntas específicas para os proprietários dos quintais comerciais:

Como foi a concepção do restaurante?


Como foi concebido o espaço do quintal?
Foi modificado para fins do funcionamento do restaurante?
Quem faz a manutenção do quintal?
Qual é o horário de funcionamento do restaurante?
Que atividades são realizadas para aproveitar o espaço do quintal?
Você usa as frutas do quintal para serem incluídas em pratos do cardápio do restaurante?
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APÊNDICE B - TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM E


DEPOIMENTOS

Eu____________________________________,CPF__________________,
RG_________________, depois de conhecer e entender os objetivos, procedimentos
metodológicos, riscos e benefícios da pesquisa, bem como de estar ciente da necessidade do
uso de minha imagem e/ou depoimento, especificados no Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE), AUTORIZO, através do presente termo, os pesquisadores (Heidy
Yilibeth Bello Medina e Yuji Gushiken) do projeto de pesquisa intitulado “(“QUINTAIS
URBANOS: LUGARES NA PAISAGEM CULTURAL EM CUIABÁ”)” a realizar as fotos
que se façam necessárias e/ou a colher meu depoimento sem quaisquer ônus financeiros a
nenhuma das partes.

Ao mesmo tempo, libero a utilização destas fotos (seus respectivos negativos) e/ou depoimentos
para fins científicos e de estudos (livros, artigos, slides e transparências), em favor dos
pesquisadores da pesquisa, acima especificados, obedecendo ao que está previsto nas Leis que
resguardam os direitos das crianças e adolescentes (Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA, Lei N.º 8.069/ 1990), dos idosos (Estatuto do Idoso, Lei N.° 10.741/2003) e das pessoas
com deficiência (Decreto Nº 3.298/1999, alterado pelo Decreto Nº 5.296/2004).

Cuiabá, ___ de _____________ de 20__

_____________________________
Pesquisador responsável pelo projeto

_______________________________
Sujeito da Pesquisa

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