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23 Anos Animais Selvagens e Exóticos

Esta seção destina-se aos profissionais que atuam permanente ou esporadicamente na clínica, cirurgia, criação e
proteção dos animais selvagens e exóticos. Trata-se de um campo de imensas possibilidades, onde o médico-
veterinário deve aumentar sua presença. A temática é sempre internacional, dentro da visão universalista de nossa
publicação. Solicitamos aos articulistas brasileiros e estrangeiros, que enviem seus trabalhos buscando assuntos
de uso prático e com abundância de ilustrações.

Avaliação da eficiência de agonistas alfa2- adrenérgicos


para contenção farmacológica do ratão-do-banhado
(Myocastor coypus Molina, 1782)
Relatam-se os resultados da avaliação de quatro sedativos do grupo dos agonistas de receptores alfa2 adrenérgicos
(cloridrato de xilazina, cloridrato de romifidina, cloridrato de detomidina e cloridrato de medetomidina) em ratões-do-
banhado (Myocastor coypus), grandes roedores da fauna neotropical.
J. R. PACHALY1, R. R. LANGE2, T. C. C. MARGARIDO3, E. M. G. CIFFONI4,
E. L. A. MONTEIRO-FILHO5, F. F. PEDROSO6, S. C. ADAMI7, L. MÜNCHEN8

INTRODUÇÃO sua pele. Como tantos outros representantes


da fauna neotropical, a espécie ainda é pouco
Os animais selvagens apresentam pecu- estudada no que tange a aspectos biomédicos
liaridades anatômicas e fisiológicas que algu- e, havendo necessidade de realização de
mas vezes são bastante diversas das observa- procedimentos especiais de manejo ou ativi-
das em animais domésticos. Os clínicos e pes- dades médicas, os ratões-do-banhado podem
quisadores que trabalham com tais animais exigir o emprego de fármacos para que possam
defrontam-se, portanto, com diversos proble- ser adequadamente contidos e manejados.
mas, quando necessitam realizar procedimentos
1
José Ricardo Pachaly, Médico médicos ou de manejo. REVISÃO DA LITERATURA
Veterinário, Mestre, Doutor. É difícil conduzir determinados estudos
Professor dos Cursos de Medici-
em espécies selvagens, devido a uma multipli- A grande diferença entre o trabalho com
na Veterinária e Ciências Biológi-
cas da Universidade Paranaense cidade de fatores limitantes. Tais fatores animais domésticos e selvagens encontra-se
(UNIPAR), Umuarama, PR, incluem a enorme variedade de espécies de nos métodos de abordagem e contenção.
BRASIL. Pesquisador da Sociedade répteis, aves e mamíferos mantidos cativos em Dentre estes, a contenção é o que mais limita a
de Pesquisa em Vida Selvagem
(SPVS), Membro do Comitê
parques zoológicos e criadouros, e o pequeno qualidade da medicina aplicada aos animais
Cien-tífico Internacional de A número de animais cativos de cada espécie selvagens (Pachaly et al., 1993; Pachaly, 1997).
Hora Veterinária, Curitiba, PR, alojados em cada uma das citadas instituições, Em termos gerais, a contenção dos animais
BRASIL. não se prestando, portanto, à experimentação selvagens, tanto cativos quanto de vida livre,
2
Rogério Ribas Lange, Médico
Veterinário, Mestre. Professor do biomédica. Assim, sempre que se dispuser de pode ser realizada por meios físicos, farmaco-
Curso de Medicina Veterinária da uma população expressiva de determinada lógicos, ou pela associação de ambos. De
Universidade Federal do Paraná espécie selvagem, em cativeiro, é de funda- acordo com Pachaly (1997), ao se conter ani-
(UFPR), Curitiba, PR, BRASIL. mental importância que se aproveite a oportuni- mais selvagens por meios farmacológicos, nem
3
Teresa Cristina Castellano
Margarido, Bióloga, Mestre, dade para implementar estudos que contribuam sempre se busca a anestesia geral, mas sim um
Doutora. Curadora da Coleção de para a melhoria das condições de trabalho estado de imobilidade que possibilite a reali-
Mamíferos do Museu de História clínico e de pesquisa com esses animais. zação de procedimentos médicos (como exame
Natural Capão da Imbuia (MHNCI), Este trabalho apresenta dados referentes físico, colheita de amostras de fluidos orgâ-
Curitiba, PR, BRASIL.
4
Elza Maria Galvão Ciffoni, à execução de parte de um projeto destinado a nicos ou tecidos, tratamento dentário, exame
Médica Veterinária, Mestre. avaliar, no ratão-do-banhado (Myocastor radiográfico e curativos) ou de manejo (como
Professora do Curso de Medicina coypus Molina, 1782), a ação de drogas sedati- biometria, transporte e marcação).
Veterinária da (UNIPAR), Umua-
vas e anestésicas, com doses calculadas pelo A contenção por meios farmacoló-
rama, PR, BRASIL.
5
Emygdio Leite Araújo Mon- método de extrapolação alométrica interespecífica. gicos pressupõe o emprego de fármacos tran-
teiro-Filho, Biólogo, Mestre, O ratão-do-banhado é um dos roedores qüilizantes, hipnóticos ou anestésicos, admi-
Doutor. Professor do Curso de mais característicos da fauna neotropical, nistrados isoladamente ou em combinação, e
Ciências Biológicas da UFPR,
Curitiba, PR, BRASIL.
pertencendo à Família Myocastoridae, da Sub- qualquer que seja o meio empregado, o método
6
Francisco Francioli Pedroso, Ordem Hystricogmathi da Ordem Rodentia selecionado deve permitir plena segurança
Silvio Cezar Adami e Leandro (Woods, 1992; Nowak, 1999). É freqüente- para o paciente e para a equipe envolvida, bem
München, Médicos-Veterinários. mente criado em zoológicos, reservas e como a realização adequada do procedimento
Ex-bolsistas do programa de inicia-
ção científica PIBIC, da UNIPAR, parques naturais, e também em estabeleci- médico ou de manejo que causou a neces-
Umuarama, PR, BRASIL. mentos que visam aproveitar comercialmente sidade de contenção (Pachaly, 1997).

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Dentre as várias drogas usadas na contenção farma- entre 1,4 e 4,8 kg, pertencentes aos plantéis de diversas insti-
cológica de animais domésticos e selvagens, destacam-se os tuições, que necessitavam ser submetidos a manipulação para
agonistas de receptores alfa2 adrenérgicos, que vêm sendo realização de procedimentos médicos e de manejo, como
empregados clinicamente em medicina veterinária desde a colheita de sangue, biometria e marcação. Os animais foram
década de 1960, quando foi desenvolvido o cloridrato de divididos em quatro grupos, sendo que cada grupo recebeu
xilazina (Jalanka, 1993). Atualmente, os agonistas alfa2 adre- uma das drogas em estudo (cloridrato de xilazina1, cloridrato
nérgicos produzidos para uso em medicina veterinária são o de romifidina2, cloridrato de detomidina3 e cloridrato de
cloridrato de xilazina, o cloridrato de romifidina, o cloridrato de medetomidina4), conforme demonstrado no Quadro 1.
detomidina e o cloridrato de medetomidina (Pachaly, 2000). Quadro 1. Drogas agonistas de receptores alfa 2
São drogas classificadas como sedativos analgésicos, adrenérgicos administradas a grupos de ratões-do-
com propriedades miorrelaxantes (Tranquili & Thurmon, 1984; banhado (Myocastor coypus)
Massone, 1988; Plumb, 1991; Muir & Hubbel, 1995; Pachaly,
2000), e após injeção intramuscular ou subcutânea, os agonis- Nº de Animais Droga empregada
tas alfa2 adrenérgicos são rapidamente absorvidos, sofrendo Grupo 1 8 Cloridrato de xilazina
metabolização hepática relativamente rápida, e excreção urinária Grupo 2 8 Cloridrato de romifidina
(Muir & Hubbel, 1995). Grupo 3 10 Cloridrato de detomidina
Seus efeitos farmacológicos incluem sedação, analgesia, Grupo 4 13 Cloridrato de medetomidina
miorrelaxamento, alívio de ansiedade, bradicardia e hipotensão
(Muir & Hubbel, 1995; Pachaly, 2000), e são aditivos, quando Como animal-modelo para os cálculos de extrapolação
em combinação com outras drogas depressoras e analgésicas alométrica, para cada uma das drogas citadas, foram empregados
usadas para produzir contenção farmacológica ou anestesia o cão doméstico (Canis familiaris) e o cavalo doméstico (Equus
geral (Plumb, 1991; Muir & Hubbel, 1995; Pachaly, 2000). caballus). O cão doméstico é a espécie de mamífero para a qual
Segundo Plumb (1991) e Muir & Hubbel (1995), os as doses de xilazina e medetomidina já se encontram estabele-
agonistas de receptores alfa2 adrenérgicos induzem depressão cidas, mediante os estudos farmacocinéticos e farmacodinâ-
da transmissão neuronal internuncial, bem como inibição dos micos tradicionais. Da mesma forma, o cavalo doméstico é a es-
reflexos polissinápticos, configurando-se uma ação mior- pécie para a qual estão definidas as doses de romifidina e detomi-
relaxante central, porém sem influência sobre a junção dina. O peso do cão modelo foi padronizado em 10,0 kg, e o do
neuromuscular. De acordo com Muir & Hubbel (1995), a cavalo modelo em 500,0 kg, ambos com base no peso médio dos
depressão do SNC ocorre por estímulo aos receptores pré- exemplares adultos normalmente empregados em experimentação.
sinápticos alfa2 centrais e periféricos, o que diminui a liberação As doses empregadas para cães e cavalos, e utilizadas
de noradrenalina nas terminações nervosas sinápticas, tanto como modelo para cálculo neste experimento, foram definidas a
em nível central quanto periférico. Como resultado deste estí- partir das indicações dos fabricantes dos produtos comerciais
mulo, ocorre diminuição no fluxo simpático do SNC, e também Virbaxyl®, Sedivet®, Dormosedan® e Domitor®, conforme
nos níveis circulantes de catecolaminas e outras substâncias demonstrado no Quadro 2.
relacionadas com o estresse (Plumb, 1991; Muir & Hubbel, 1995). Quadro 2 – Animais domésticos e respectivas doses
Animais previamente excitados, ou muito agitados, indicadas de agonistas alfa2 adrenérgicos, usados como
podem reagir de maneira adversa à administração das drogas, modelo para cálculos de extrapolação alométrica
exibindo comportamento agressivo ou vicioso quando abor- interespecífica, visando obtenção de doses para
dados ou tocados (Fowler, 1993; Muir & Hubbel, 1995). administração a ratões-do-banhado (Myocastor coypus)
O método para calcular doses de drogas por extrapolação com pesos variando entre 1,0 e 5,0 kg
alométrica interespecífica vem sendo cada vez mais empregado Agonista Animal-modelo Peso do Dose indicada
em medicina de animais selvagens, e foi revisado em profun- alfa2 animal- para o animal-
didade por Pachaly & Brito (2001). Segundo aqueles autores, adrenérgico modelo modelo
o método compara animais de diferentes grupos taxonômicos,
Xilazina Cão doméstico 10,0 kg 2,00 mg/kg
com base em sua taxa metabólica basal (TMB), e permite a
Romifidina Cavalo doméstico 500,0 kg 0,12 mg/kg
extrapolação de doses previamente definidas através de
Detomidina Cavalo doméstico 500,0 kg 0,04 mg/kg
estudos farmacocinéticos em uma determinada espécie (deno-
Cloridrato de
minada “animal-modelo”), para um indivíduo de outra espécie
Medetomidina Cão doméstico 10,0 kg 0,05 mg/kg
(denominado “animal alvo”). Na extrapolação alométrica, ao
invés de se utilizar a massa ou a área de superfície corporal A partir desses dados, através do método de extrapolação
dos animais como base para calcular as dosagens de drogas, alométrica interespecífica, e com base na taxa metabólica basal
empregam-se suas necessidades energéticas, o que permite calculada para ratões-do-banhado pesando entre 1,0 e 5,0 kg, a
maior segurança e eficiência (Pachaly & Brito, 2001). intervalos de 0,1 kg, elaborou-se uma listagem das doses de
cada sedativo (Quadro 3).
MATERIAL E MÉTODO
1
Virbaxyl®, cloridrato de xilazina a 2,0%.Virbac do Brasil Ltda., São Paulo, SP.
Foram usados 39 exemplares de ratão-do-banhado
2
Sedivet®, cloridrato de romifidina a 1,0%. Boehringer Ingelheim, Itapecerica da Serra, SP.
3
Dormosedan®, cloridrato de detomidina a 1,0%. Orion Farmos, Espoo, Finlândia.
(Myocastor coypus), sendo 13 machos e 26 fêmeas, pesando 4
Domitor® cloridrato de detomidina a 0,1%. Orion Farmos, Espoo, Finlândia.

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Quadro 3 – Doses de agonistas alfa2 adrenérgicos, calculadas por meio de mentos subseqüentes foi determinada em
extrapolação alométrica interespecífica, para administração a ratões-do-banhado “minutos pós-injeção” (MPI). Todos os
(Myocastor coypus) com pesos variando entre 1,0 e 5,0 kg dados referentes a tempo foram anotados
em fichas individuais de acompanha-
Xilazina Romifidina Detomidina Medetomidina
mento e monitorização.
Peso Dose Dose Dose Dose Dose Dose Dose Dose
Após a injeção, cada animal era
(kg) total em total em total em total em
colocado em uma gaiola mantida em
(mg) mg/kg (mg) mg/kg (mg) mg/kg (mg) mg/kg
ambiente silencioso e em semi-obscu-
1,00 3,557 3,557 0,567 0,567 0,189 0,189 0,089 0,089 ridade, e mantido sob observação. A
1,10 3,820 3,473 0,609 0,554 0,203 0,185 0,096 0,087 indução da contenção farmacológica era
1,20 4,078 3,398 0,651 0,542 0,217 0,181 0,102 0,085 avaliada pela perda da reação postural
1,30 4,330 3,331 0,691 0,531 0,230 0,177 0,108 0,083 de endireitamento e pelo advento de
1,40 4,577 3,270 0,730 0,522 0,243 0,174 0,114 0,082 incapacidade de reagir ao contato
1,50 4,821 3,214 0,769 0,513 0,256 0,171 0,121 0,080 humano e à manipulação.
1,60 5,060 3,162 0,807 0,505 0,269 0,168 0,126 0,079 Nos casos em que ocorreu indução
1,70 5,295 3,115 0,845 0,497 0,282 0,166 0,132 0,078 da contenção farmacológica, cada animal
1,80 5,527 3,071 0,882 0,490 0,294 0,163 0,138 0,077 era retirado da gaiola e transferido para
1,90 5,756 3,029 0,918 0,483 0,306 0,161 0,144 0,076 uma mesa. Posicionado em decúbito late-
2,00 5,981 2,991 0,954 0,477 0,318 0,159 0,150 0,075 ral direito, era submetido a exame físico e
2,10 6,204 2,954 0,990 0,471 0,330 0,157 0,155 0,074 exame anestesiológico inicial. Aos cinco,
2,20 6,425 2,920 1,025 0,466 0,342 0,155 0,161 0,073 10, 15 e 20 minutos eram avaliados e
2,30 6,642 2,888 1,060 0,461 0,353 0,154 0,166 0,072 anotados os dados referentes à tempera-
2,40 6,858 2,857 1,094 0,456 0,365 0,152 0,171 0,071 tura retal, freqüência cardíaca, freqüência
2,50 7,071 2,828 1,128 0,451 0,376 0,150 0,177 0,071 respiratória e exame anestesiológico.
2,60 7,282 2,801 1,162 0,447 0,387 0,149 0,182 0,070 Também nestas ocasiões era avaliado o
2,70 7,491 2,775 1,195 0,443 0,398 0,148 0,187 0,069 fluxo salivar e o diâmetro pupilar, bem
2,80 7,698 2,749 1,228 0,439 0,409 0,146 0,192 0,069 como realizada a irrigação oftálmica com
2,90 7,904 2,725 1,261 0,435 0,420 0,145 0,198 0,068 solução fisiológica de cloreto de sódio
3,00 8,107 2,702 1,293 0,431 0,431 0,144 0,203 0,068 (NaCl) a 0,9%.
3,10 8,309 2,680 1,326 0,428 0,442 0,143 0,208 0,067 O exame anestesiológico foi basea-
3,20 8,509 2,659 1,358 0,424 0,453 0,141 0,213 0,066 do no método proposto para cutias
3,30 8,708 2,639 1,389 0,421 0,463 0,140 0,218 0,066 (Dasyprocta azarae) por Pachaly (1998),
3,40 8,905 2,619 1,421 0,418 0,474 0,139 0,223 0,065 consistindo de avaliação da sensibilidade
3,50 9,101 2,600 1,452 0,415 0,484 0,138 0,228 0,065 dolorosa e da observação do comporta-
3,60 9,295 2,582 1,483 0,412 0,494 0,137 0,232 0,065 mento do animal contido frente à reali-
3,70 9,488 2,564 1,514 0,409 0,505 0,136 0,237 0,064 zação do exame físico e demais procedi-
3,80 9,680 2,547 1,544 0,406 0,515 0,135 0,242 0,064 mentos médicos, além da avaliação do
3,90 9,870 2,531 1,575 0,404 0,525 0,135 0,247 0,063 miorrelaxamento. A sensibilidade dolo-
4,00 10,059 2,515 1,605 0,401 0,535 0,134 0,251 0,063 rosa era testada periodicamente, nos
4,10 10,247 2,499 1,635 0,399 0,545 0,133 0,256 0,062 tempos mencionados, por meio da
4,20 10,434 2,484 1,665 0,396 0,555 0,132 0,261 0,062 avaliação da resposta a firme pressão
4,30 10,620 2,470 1,694 0,394 0,565 0,131 0,266 0,062 com pinça hemostática, feita em um dígito
4,40 10,805 2,456 1,724 0,392 0,575 0,131 0,270 0,061 do membro torácico esquerdo e um dígito
4,50 10,989 2,442 1,753 0,390 0,584 0,130 0,275 0,061 do membro pélvico esquerdo. O miorrela-
4,60 11,171 2,429 1,782 0,387 0,594 0,129 0,279 0,061 xamento foi avaliado subjetivamente,
4,70 11,353 2,415 1,811 0,385 0,604 0,128 0,284 0,060 pelo grau de rigidez extensora, presença
4,80 11,533 2,403 1,840 0,383 0,613 0,128 0,288 0,060 ou ausência de fasciculações musculares
4,90 11,713 2,390 1,869 0,381 0,623 0,127 0,293 0,060 e resistência à manipulação dos membros
torácico e pélvico esquerdos.
O miorrelaxamento era considerado
“excelente” quando da perda total do
Os animais eram capturados física, e dentro do qual imediatamente
tono muscular, com ausência de tremores
previamente ao início do experimento, recebia a dose da droga em teste, por
e/ou rigidez, “bom” quando se obser-
pesados e mantidos em caixas de madeira injeção intramuscular profunda realizada
vasse moderada manutenção do tono
totalmente escuras durante no mínimo na coxa direita.
muscular, com discreta presença de
uma hora, para minimizar os efeitos do O momento da injeção do sedativo
tremores e/ou rigidez, e “ruim” quando o
estresse. A seguir, cada indivíduo era foi considerado como “tempo zero”,
animal apresentasse movimentação
transferido da caixa para um saco de momento de acionamento de um cronô-
intensa, ou estado de catalepsia. Para
pano, onde era mantido sob contenção metro, e a realização de todos os procedi-

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efeito de classificação da qualidade da contenção Figura 1.
farmacológica foi considerado o miorrelaxamento observado. Exemplar de
A qualidade da contenção farmacológica era considerada ratão-do-
banhado
“excelente” quando o animal apresentasse miorrelaxamento (Myocastor
excelente e total imobilidade, independentemente do nível de coypus) do
analgesia, evidenciando a possibilidade de realização dos sexo feminino,
procedimentos médicos e de manejo usuais na rotina de com peso de
2,2 kg, contido
parques zoológicos e criadouros. Era considerada “boa” farmacologica-
quando o animal apresentasse bom miorrelaxamento e mente pela
moderada reação à manipulação, com discreta movimentação ação do cloridrato de medetomidina, administrado em
voluntária, sendo possível a realização de procedimentos dose calculada por meio de extrapolação alométrica
interespecífica. Observa-se um brinco plástico de
médicos sem o uso concomitante de meios físicos de contenção. identificação, implantado na orelha esquerda.
Se o animal apresentasse miorrelaxamento ruim, resistindo à
manipulação com movimentação voluntária e impossibilitando de manejo do ratão-do-banhado, e novos estudos deverão
a realização de procedimentos médicos sem o uso conco- ser executados, visando maior conhecimento sobre suas ações
mitante de meios físicos de contenção, a qualidade da nesta e em outras espécies de roedores neotropicais.
contenção farmacológica era considerada “ruim”. Já o cloridrato de xilazina, o cloridrato de romifidina e o
Nos casos em que ocorreu indução da contenção cloridrato de detomidina se mostraram incapazes de induzir
farmacológica, os animais recebiam aos 25 MPI uma dose de contenção farmacológica satisfatória no ratão-do-banhado.
um antagonista do sedativo empregado, e eram devolvidos à
gaiola, continuando a ser observados até 90 MPI. Nos casos AGRADECIMENTOS
em que não se observou ação sedativa das drogas, os animais
eram removidos na gaiola aos 25 MPI, e submetidos a Os autores agradecem o apoio financeiro do Conselho
contenção física e anestesia geral pela administração de Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
cloridrato de cetamina. CNPq, que viabilizou a execução deste trabalho.

RESULTADOS REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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1993. Apostila, Curso de Pós Graduação em Medicina Veterinária
porém plenamente despertos e capazes de se locomover da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade
normalmente durante todo o tempo de observação, reagindo de São Paulo. 227 p.
ativamente a qualquer tentativa de manipulação. JALANKA, H.H. New alpha-adrenoceptor agonists and antagonists. In:
FOWLER, M.E. (Ed.) Zoo & wild animal medicine - Current therapy.
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medetomidina, apresentaram um estado de contenção MASSONE, F. Anestesiologia veterinária - Farmacologia e técnicas.
farmacológica considerado plenamente satisfatório. A perda Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. 235 p.
MUIR, W.W.; HUBBEL, J.A.E. Handbook of veterinary anesthesia. 2.
da reação postural de endireitamento ocorreu aos 4,11±0,74 ed. St. Louis: Mosby, 1995. 510 p.
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colheita sangue por meio de punção cardíaca, sem que se PACHALY, J.R. Contenção da cutia, Dasyprocta azarae (Rodentia:
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A Hora Veterinária – Ano 23, nº 138, março/abril/2004 77

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