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Vale, P. R. B. R. & Melo, W. Psicologia do número: uma análise junguiana do número


e do processo de contagem

Psicologia do número: uma análise junguiana do número e do processo


de contagem1

Psychology of the number: a junguian analysis about the number and


the counting process

Psicología del número: un análisis junguiano del número y el proceso


de conteo

Pablo Rwany Batista Ribeiro do Vale2


Walter Melo3

Resumo

Neste artigo, o número é abordado como um fenômeno psíquico, sendo analisado a partir de suas
possibilidades e particularidades simbólicas. Para tanto, foram consultados textos históricos,
antropológicos, filosóficos, mitológicos e religiosos sobre o conhecimento matemático. Esses
textos foram selecionados em periódicos indexados e livros científicos conceituados. Em seguida,
foi realizado um movimento de compreensão, a partir da fundamentação teórica da Psicologia
Analítica de Carl Gustav Jung. Como fenômeno psíquico, o número é entendido como um
arquétipo que adveio à consciência e como um símbolo, isto é, como um mistério que tem um
sentido passível de compreensão. Nesse contexto, o número ocupa o lugar de imagem psíquica
central de nossos interesses, ao redor do qual foram efetuadas analogias (amplificação),
procedimento característico do método hermenêutico-simbólico da Psicologia Analítica.

Palavras-chave: Símbolo. Número. Psicologia Analítica. Amplificação.

Abstract

In this article, the number is approached as a psychic phenomenon, being analysed from its
possibilities and symbolic particularities. Therefore, historical, anthropological, philosophical,
mythological, and religious texts on mathematical knowledge were consulted. These texts have
been selected in indexed periodicals and well-known scientific books. Then, a movement of
understanding was made, based on the theoretical basis of Analytical Psychology by Carl Gustav
Jung. As a psychic phenomenon, the number is understood as an archetype that came to
consciousness, and as a symbol, that is, as a mystery that has a comprehensible sense. In this
context, the number occupies the place of the central psychic image of our interests, around which

1
Artigo oriundo da dissertação Psicologia do Número Infinito: as imagens arquetípicas na Matemática
Transfinita de Georg Cantor defendida por Pablo do Vale (Bolsista UFSJ de mestrado) em março de 2018.
2
Doutorando em História e Filosofia da Psicologia pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia da
Universidade Federal de Juiz de Fora. E-mail: pablorvale@outlook.com. Orcid: https://orcid.org/0000-
0002-8830-7116.
3
Doutor em Psicologia Social pela Uerj. Professor associado II da Universidade Federal de São João del-
Rei. Professor do Programa de Pós-Graduação de Psicologia da Universidade Federal de São João del-Rei
(mestrado e doutorado) e Universidade Federal de Juiz de Fora (mestrado e doutorado). Telefone: 32 9 8883
8909. E-mail: wmelojr@ufsj.edu.br. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-5755-0666.

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analogies were made (amplification), a characteristic procedure of the hermeneutic-symbolic


method of Analytical Psychology.

Keywords: Symbol. Number. Analytical Psychology. Amplification.

Resumen

En este artículo, el número se aborda como un fenómeno psíquico y se analiza a partir de sus
posibilidades y particularidades simbólicas. Para ello se consultaron textos históricos,
antropológicos, filosóficos, mitológicos y religiosos sobre el conocimiento matemático. Estos
textos fueron seleccionados de revistas indexadas y libros científicos de renombre. Luego, se
realizó um movimiento de comprensión desde la base teórica de la Psicología Analítica. Como
fenómeno psíquico, el número se entiende con un arquetipo que llegó a la consciencia y como un
símbolo, es decir, como un misterio que tiene un sentido comprensible. En este contexto, el
número ocupa el lugar de la imagen psíquica central de nuestros intereses, alrededor de cual se
fueron hechas analogías (amplificación), un procedimiento característico del método
hermenêutico-simbólico de la Psicología Analítica.

Palabras clave: Símbolo. Número. Psicología Analítica. Amplificación.

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Introdução névoas da Pré-História (Boyer, 1974; Eves,


2011).
As proposições científicas são, em Desde a Idade da Pedra, perante
sua maioria, efêmeras. Assim, a Terra pôde necessidades práticas – como a divisão e o
ser considerada, por muito tempo, o centro controle de recursos –, o homem percebeu a
do universo. O mesmo não podemos dizer importância da contagem, “um prelúdio ao
sobre as descobertas no campo da conhecimento científico” (Eves, 2011, p.
Matemática, que têm, de modo geral, 13). O homem primitivo representava o
caráter permanente. Basta verificar que uma número por meio de talhas em bastões ou
vez feita uma descoberta matemática, ela pedaços de ossos. Tal prática é,
ganha vida, supera seu descobridor, provavelmente, o mais arcaico e imediato
tornando-se acessível para que os demais método de registrar visivelmente a ideia
possam usá-la, servindo de base para novas numérica, caracterizando-se como maneira
possibilidades de conhecimento. Métodos para “contar” algo, como um modo de
de resolução de problemas matemáticos que comunicação. Poucos artefatos que retratam
foram descobertos pelos babilônios há essa prática de entalhe resistiram à ação do
milhares de anos ainda são ensinados nas tempo, todavia, dentre os que foram
escolas. A notação, obviamente, é distinta encontrados, alguns chamam a atenção. No
daquela utilizada em tempos tão remotos, território onde anteriormente fora a
mas o vínculo histórico é inegável Tchecoslováquia, um osso de lobo foi
(Guicciardini, 2018; Stewart & Ian, 2014). encontrado com 57 profundos entalhes
Os desenvolvimentos da dispostos em série e em agrupamentos
humanidade e da matemática andam de ordenados. Tal artefato data de 30 mil anos,
mãos dadas, a relação é tão estreita que o que indica que a ideia de número precede
Teun Koetsier e Luc Bergmans (2005) a civilização e a escrita (Boyer, 1974;
apontam o conhecimento matemático, em Stewart & Ian, 2014). No complexo de
largo sentido, como um dos pontos centrais cavernas do Rio Klasies, localizado no
da cognição humana, sendo um dos distrito de Humansdorp, África do Sul, foi
mediadores entre o homem e as descobertas encontrado um fragmento de Ocre gravado
sobre a natureza. Niccolò Guicciardini com uma série de incisões. No artefato, os
(2018) afirma, e com razão, que a entalhes descrevem um padrão geométrico
Matemática é vista como a disciplina que semelhante à letra “X” que se repete por
melhor resume a objetividade e é aclamada uma série conectada e parece ser uma fração
pelo seu alto rigor e perenidade de um desenho maior. A peça tem 25 linhas
intersubjetiva. Todavia, mesmo nesse e data de 100 mil anos. Também é notável
contexto de permanência dos um fragmento de osso bovídeo encontrado
conhecimentos adquiridos e da no mesmo sítio. Esse fragmento é dotado de
possibilidade de se conhecer o mundo a linhas paralelas traçadas com cuidado,
partir dos saberes da Matemática, o número evidenciando o conhecimento da noção de
permanece um mistério. Para o matemático paralelismo, um conceito matemático
Ian Stewart (2014, p. 12), “é mais fácil usar (Almeida, 2013).
os números do que especificar o que O mais fascinante dentre os artigos
realmente são”. A cada nova resposta, o encontrados é o Ocre de Blombos, um
desbravador da História da Matemática e artefato de hematita de aproximadamente
dos Números se vê diante de um novo 77 mil anos, que contém entalhes formando
universo de indagações. Por exemplo, ao um padrão geométrico que consiste em uma
tentarmos investigar a gênese do número sequência de losangos. Nesse objeto, é
inteiro, nos deparamos com a angústia de possível detectar características de
não saber, pois essa origem se perde nas processos simbólicos da Matemática: a

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existência de entes – as retas–, conceitos – Matemática se deram na época moderna,


paralelismo, ângulos, simetria – e processos quando Aristóteles e Heródoto já debatiam
– as construções geométricas (Almeida, a gênese da arte dos números. No debate
2013; Nicolau, 2016). Para Manoel de sobre “onde” e “quando” surge a
Campos Almeida (2013), é possível Matemática, ambos acreditavam que ela
afirmar, com considerável segurança, que havia se originado no Egito. Enquanto
os entalhes no Ocre de Blombos são Heródoto defendia uma origem de cunho
produtos genuínos de atividade matemática prático, o filósofo de Estagira, em outra
humana, podendo ser o mais antigo mão, acreditava que somente uma alta
exemplo de padrão geométrico executado classe sacerdotal poderia, por meios
pelas mãos do homem. divinos, ter concebido a linguagem
Manoel Almeida (2013) levanta, numérica (Boyer, 1974). Depois de anos,
ainda, duas grandes polêmicas provindas da esse debate ainda vive. Mesmo que algumas
descoberta dos artefatos da Caverna de suposições mais usuais apontem para uma
Blombos: em primeiro plano, o caráter origem de ordem prática para a Matemática,
transgressor desses achados, pois – uma vez outros estudos oferecem explicações
que a caverna está localizada a 300 diversas.
quilômetros ao Leste da Cidade do Cabo, na
África do Sul – eles desafiam as já vigentes Estudos antropológicos sugerem a
teorias que defendem que o comportamento possibilidade de outra origem. Foi sugerido
que a arte de contar surgiu em conexões
humano moderno se originou de uma com rituais religiosos primitivos e que o
“explosão criativa” ocorrida em terras aspecto ordinal precedeu o quantitativo. Em
europeias há 35 mil anos, no período ritos cerimoniais representando mitos da
Paleolítico Superior. A segunda polêmica criação era necessário chamar os
surge em forma de indagação: Seria o Ocre participantes à cena segundo uma ordem
específica, e talvez a contagem tenha sido
de Blombos um exemplo de arte ou inventada para resolver esse problema.
atividade matemática paleolítica? Para (Boyer, 1974, p. 4)
responder tal demanda, o autor trabalha
sobre os argumentos de Ubiratan Apesar de ser a matriz das chamadas
D’Ambrosio: no alvorecer das faculdades ciências exatas, a Matemática apresenta um
mentais humanas, suas formas de aspecto mítico e, até mesmo, divino. O
expressão, como a Matemática, a Arte, a aspecto mítico parece ser inseparável da
Religião e a Linguagem, surgem, a ciência dos números, uma vez que esta é
princípio, mescladas. Esse caráter de “abstrata e isso frequentemente soa
mescla faz com que a arte possa ser, absoluto, universal, eterno e puro. Mais que
também, uma forma de Matemática outros tipos de conhecimento, ela possui
inconsciente, ou seja, uma forma de características que nós associamos ao
Matemática que se manifesta divino” (Koetsier & Bergmans, 2005, p. 4,
independentemente das intenções tradução nossa).4 Assim, desde tempos
conscientes do sujeito. remotos, a Matemática ganhou cada vez
Os achados arqueológicos mais espaço entre as práticas humanas, hoje
acrescentam conhecimento, todavia deixam estando presente, mesmo implicitamente,
em suspenso uma série de dúvidas sem em qualquer campo do conhecimento. A
respostas. Seria ingenuidade pensar que os mente mais acurada, capaz de perceber o
questionamentos sobre a origem da fantasma numérico latente em cada aspecto

4
“abstract and it often seems absolute, universal, it possesses charcteristcs that we associate with the
eternal andpure. More than other kinds of knowledge divine” (Koetsier & Bergmans, 2005, p. 4).

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da existência, espanta-se com a perenidade como religião, mitologia e técnicas


e onipotência dos números (Koetsier & divinatórias (Koetsier & Bergmans, 2005;
Bergmans, 2005). Franz, 1997). Tais aspectos tornam
Não é possível pensar a história da plausível uma investigação da Psicologia
humanidade sem a presença do número, da sobre o número e, também, sobre o processo
contagem e da Matemática. A Matemática de criação matemática.
exerceu, por exemplo, notável importância Nesse sentido, abordaremos o
na Academia de Platão, uma vez que, dessa número como um fenômeno psíquico,
tradição, vieram grandes nomes, como: analisando-o a partir de suas possibilidades
Teodoro, Teeteto, Eudóxio e Euclides. A e particularidades cognitivas e simbólicas.
unidade substancial da Matemática da Para tanto, foram consultados textos
Academia reside no conceito de históricos, antropológicos, filosóficos,
aritmetização. Essa unidade se refere à mitológicos e religiosos sobre aspectos do
importância concedida e conquistada pelo conhecimento matemático; tais textos
cálculo de medida e à generalização da constituíram o chamado corpo de pesquisa,
noção de ἀρίθμος (arítimos), ou seja, de ou seja, o material analítico que fornece
número inteiro. Três grandes traços marcam dados para o processo de interpretação
a Matemática da Academia: (i) assimilação junguiana, a saber, a amplificação. A
de uma tradição pitagórica de cunho amplificatio ou amplificação é o principal
aritmético-geométrico; (ii) fixação e método do escopo teórico de Carl Gustav
ritualização de métodos de demonstração; Jung e consiste “simplesmente em
(iii) colocação discriminativa do problema estabelecer paralelos” (Jung, 2013 p. 99). A
central derivado de uma relação entre dois plausibilidade de tal método – que de
conceitos, ditos naturais, número inteiro e elementar tem apenas o nome – repousa
grandeza, notavelmente grandeza sobre as bases teóricas da própria
geométrica (Granger, 2002). Psicologia Analítica. Por meio das
O recurso numérico se caracteriza analogias ou intertextualidades, é possível
como uma das principais maneiras de se identificar o elemento de coesão
conhecer o universo e de comunicar as responsável pelas semelhanças em tão
elaborações científicas. Uma vez diferentes fontes, em outras palavras, a
conhecedor do aspecto numérico da estrutura arquetípica que gera tais motivos
natureza, o homem se torna mais íntimo (Jung, 2011a; Corbett & Whitney, 2015).
dela e mais apto a criar indagações,
buscando conhecer sempre mais. Homem e Psicologia da Matemática
natureza dialogam por via do número e,
assim, abre-se uma importante via para a Em consonância com as opiniões de
construção do conhecimento. Mesmo que Teun Koetsier e Luc Bergmans (2005), para
os números constituam um dos principais a Psicologia Analítica, a gênese do
elementos da racionalidade científica, os conhecimento matemático diz respeito à
matemáticos reconhecem que eles têm gênese da psique humana. Sendo assim,
aspectos misteriosos e são muito mais que conforme o homem caminha rumo à
simples elementos de mensuração. Seja na consciência, seus sistemas de contagem se
História da Matemática ou nas tornam mais elaborados e os entalhes em
peculiaridades de muitas descobertas, o ossos vão se transformando até se tornarem
número extrapola a razão e, muitas vezes, equações complexas ou números na tela de
se apresenta com características que um monitor. Entretanto, algo há de perdurar
transcendem o campo da ciência, sendo um nessa caminhada, a saber: a mitologia que
elemento importante e frequente em permeia a arte de contar (Jung, 2011b;
diversos outros campos do conhecimento, 2011c; Franz, 1997). A história do

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conhecimento matemático evidencia que, Matemática, pois a divindade soprava-lhe


mesmo nos tempos do Renascimento e na no ouvido os percursos para desenvolver
contemporaneidade, diante de todo o apelo sua nova descoberta, a Matemática
à razão e face à desespiritualização da transfinita e os conceitos de infinitude,
Física (Kaplan, 2018; Pauli, 1996), transfinitude e infinitude absoluta (Achtner,
frequentemente os matemáticos associavam 2014; do Vale, 2018; Krajewsky, 2016;
suas pesquisas numéricas a aspectos divinos Naylor, 2018; Recalde & Beltrán, 2017).
ou ao próprio Deus (Koetsier & Bergmans, Contar ou matematizar é talvez a
2005; Pauli, 1996). Como exemplo mais antiga das artes humanas e consiste em
primário, é possível recorrer ao dado de que estabelecer relações biunívocas entre
em seu Philosopiae Naturalis Principia elementos. Tal princípio existe em qualquer
Mathematica Newton (1686/2012), que contexto que envolva o processo de
acreditava em uma hierarquia contagem. O homem conta desde os
epistemológica em cujo topo residiam os primórdios da humanidade e, curiosamente,
problemas teológicos, optou por cultivar na também o faz em sua gênese psíquica. As
obra em questão apenas a Matemática ao correspondências bijetoras são processos
refletir sobre o mundo físico. Ainda mais, básicos, porém complexos, pois dependem
procurando alcançar o maior número da noção de abstração reflexiva. Por meio
possível de leitores e acreditando poder dos números naturais – aqueles usados para
legar mais concretude às suas descrições contar – a criança reconstrói e reorganiza
dos movimentos da natureza, Sir Isaac objetos no mundo, a mais elementar
Newton, bastante influenciado pelas obras operação é construir conjuntos organizando
dos geômetras gregos, optou pelas elementos, ou seja, contá-los e ordená-los
descrições geométricas (Kaplan, 2018). (Arnon, Cottrill, Dubinsky, Oktaç, Fuentes,
Todavia, mesmo diante do grande e fecundo Trigueros & Weller, 2014).
êxito do modus operandis usado no Essa prática antiga de
Principia e muitos anos após seu advento, é emparelhamento de elementos é o meio
possível ainda perceber diversas mais comum pelo qual a psique consciente
associações entre a Matemática e o mundo se apropria do número que, antes, se
divino. Para isso, basta percorrer, mesmo encontrava no campo inconsciente (Corbett
que superficialmente, o instigante enredo & Whitney, 2015; Jung, 2011b; 2011c;
histórico com a finalidade de encontrar Franz, 1997). Carl Jung (2011b; 2011c) e o
representantes da Matemática que físico Wolfgang Pauli (1996), Nobel de
correlacionam os números à fantasia, Física de 1945 pelo princípio de exclusão,
mitologia e religiosidade. No vasto mundo travaram um instigante diálogo na tentativa
dos matemáticos “divinos”, podemos de entender o que seria um objeto do
destacar três exemplos notáveis: (1) Carl conhecimento (Hogenson, 2014). Ambos
Frederich Gauss declara ter descoberto uma perceberam que se tratava de produto da
determinada propriedade numérica, não colisão entre o raciocínio lógico-
pela via da pesquisa exaustiva, mas por matemático e os dados da empiria, mediada
graça divina e, como em um ato miraculoso, pelo símbolo, ou seja, pelas imagens
o enigma resolveu-se por ele mesmo; (2) arquetípicas, tratando-se de um construto
após uma noite insone, Henri Poincaré psicoide, devido a sua identidade
assistiu a diversas representações arquetípica – que diz tanto da natureza
matemáticas chocando-se umas contra as quanto do psiquismo (Gullatz &
outras, até que algumas se tornaram estáveis Gildersleeve, 2018).
(Franz, 1997); (3) Georg Cantor acreditava A partir do diálogo entre Jung
ter descoberto o caminho para a (2011b; 2011c) e Pauli (1996), podemos
compreensão de Deus por meio da dizer que quatro grandes fatores atuam na

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formulação do conhecimento: a empiria, o sobre o conhecimento como produto do


raciocínio lógico-matemático, as psiquismo. Em qualquer produção de
predisposições psicológicas do sujeito e as conhecimento, há um fundamento
imagens arquetípicas. Desse modo, o arquetípico que, na maioria das vezes, não é
conhecimento pode ser lido como uma levado em consideração, sendo descartado
conjunção entre natureza e psique (Jung, como um refugo do conhecimento (Pauli,
2011b). Essas concepções foram utilizadas 1996). Mas, quando as imagens do
por Pauli (1996, pp. 279-280) na análise da inconsciente são levadas em consideração
gênese das ideias científicas de Kepler. como importantes aspectos da produção do
conhecimento, a relação entre pesquisador e
O processo de compreensão da natureza, objeto de pesquisa é totalmente
assim como o júbilo que o homem reconfigurada.
apresenta ao compreendê-la, isto é, a
verificação consciente do novo
conhecimento, parece estar baseada em Na medida em que as imagens são
uma correspondência, em uma germinação “expressão de um obscuro estado das
das imagens internas preexistentes na coisas, suspeitado, mas ainda não
psique com os objetos externos e o seu desconhecido”, podem ser denominadas
comportamento. [...] Essas imagens simbólicas, segundo o conceito de
primárias que a alma pode perceber com a simbólico proposto por C. G. Jung. Por
ajuda de um “instinto” inato são as que conseguinte, enquanto operadores de
Kepler denomina arquetípicas – ordenação e formadores de imagem nesse
archetypallis.5 (Tradução nossa) mundo simbólico, os arquétipos funcionam
como o vínculo perdido entre as percepções
sensórias e as ideias, sendo, em
Em suas pesquisas, Pauli (1999, p. consequência, uma pressuposição que é
193, tradução nossa) percebeu duas coisas inclusive necessária para o
interessantes: a) que Kepler usara o desenvolvimento de uma teoria científica
conceito de arquétipo nos mesmos moldes da natureza.7 (Pauli, 1996, p. 280, tradução
nossa)
que Jung o fez, todavia restrito ao campo da
Matemática, que Kepler pensara a
Nesse sentido, Pauli (1996) postula
geometria como “o arquétipo da beleza do
que a configuração da imagem da trindade
mundo”;6 b) que processos inconscientes
divina interfere diretamente nas concepções
interferem de maneira direta nas produções
cosmológicas de Kepler. Krajewsky (2016),
científicas, todavia eram, posteriormente,
Naylor (2018) e do Vale (2018) esclarecem
descartados pelo fato de serem produtos da
que os estudos sobre os números
fantasia. Mas, exatamente por evidenciarem
transfinitos de Georg Cantor estão
a fantasia criadora, os conteúdos
correlacionados com a ideia de Deus. Estes
inconscientes podem conter dados
são, dentre outros, cientistas que
reveladores sobre a realidade psíquica e

5 7
El proceso de comprensión de la naturaleza, así Como quiera que estas imágenes son “la expresión
como la felicidad que el hombre experimenta al de un oscuro estado de cosas, sospechado pero aún
comprenderla, esto es, la verificación consciente del desconocido” pueden ser denominadas simbólicas
nuevo conocimiento, parece estar basada en una según el concepto de símbolo propuesto por C. G.
correspondencia, en un hermanamiento de las Jung. Por conseguiente, en tanto que operadores de
imágenes internas preexistentes en la psique humana orden y formadores de imágenes en este mundo
con los objetos externos y con su comportamiento. simbólico, los arquétipos funcionan como el vinculo
[...] Estas imágenes primarias que el alma puede perdido entre las percepciones sensoriales y las ideas
percibir con la ayuda de un “instinto” innato son las siendo, en consecuencia, una presuposición que es
que Keppler denomina arquetípicas – archetypallis incluso necesaria para el desarollo de una teoría
(pp. 279-280). científica de la naturaleza (Pauli, 1996, p. 280).
6
[...] l’archétype de la beauté du monde (p. 193)

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pretendiam se aproximar da sapiência consciência e do inconsciente, mais


divina por meio do conhecimento, especificamente sobre a possibilidade de
incluindo a Matemática. Por outro lado, na criação do eixo eu/Si-mesmo (Corbett &
Bíblia, como em outros textos religiosos ou Whitney, 2015; Doherty, 2017; Stewart &
míticos, as leis da natureza e seus números David, 2014). O arquétipo central, Si-
fazem parte dos conhecimentos de Deus. mesmo, ordena a psique, sendo, portanto, o
Assim, quem as descobre comungará desse princípio organizador, o arquiteto primevo
saber. Numa passagem bíblica, no evento de (primus architetus) de todos os conteúdos
Pentecostes é compartilhado com o homem psíquicos. No caso específico dos números,
um tostão da sabedoria de Deus. quando um ser humano efetua uma
contagem, retira cada número de Deus –
1. E cumprindo o dia de pentecostes, psicologicamente o arquétipo do Si-mesmo
estavam todos ao mesmo tempo no mesmo (Franz, 1997).
lugar: 2 Ocorreu que de repente adveio do
céu um som, como o de um espírito
Pesquisadores perceberam que a
impetuoso, e preencheu toda a casa onde maior parte das sociedades tribais tem
estavam sentados. 3 E apareceu-lhes sistemas restritos de contagem que logo
línguas rachadas tais como fogo, e sentou param em um dado número e cedem lugar
sobre cada um deles: 4 e todos são ao “muitos” (Almeida, 2013; Franz, 1997).
preenchidos pelo Espírito Santo, e
começam a falar várias línguas, pois o
Tem-se como exemplo algumas tribos
Espírito Santo dava-lhes eloquência.8 australianas e da América do Sul. As tribos
(Actus Apostolorum: II: 1-4 Tvveedale, que habitam ao longo dos afluentes do Rio
tradução nossa) Amazonas são destituídas de palavras
numéricas, embora possam contar até seis,
Sob a influência do cristianismo, a e os nativos de Queensland, na Austrália,
palavra πνεῦμα (pneuma) recebeu a contam de um modo muito peculiar, contam
significação de espírito. O que ocorre no “um, dois, dois e um, dois e dois, muito”.
evento de pentecostes – sob uma Há ainda certos pigmeus africanos que
abordagem psicológica – é o duplo contam “a, ao, ua, oa-oa, oa-oa-a” e “oa-
significado proposital de πνεῦμα, vento e oa-oa” para um, dois, três, quatro, cinco e
espírito (ventus et spiritus). O espírito como seis (Eves, 2011).
aparição sob o signo da pomba é Na leitura de Marie-Louise von
representado na antiga gnose como Σοφια Franz (1997), esses exemplos mostram a
(Sophia), Sapientia, Sabedoria e Mãe de disputa entre o homem e o Deus que tudo
Cristo. O Spiritus Sanctus é o espírito conta. Em termos psicológicos, entre a
desbravador, a sabedoria interna deixada consciência e o arquétipo do Si-mesmo. Ao
pelo filho de Deus e que impulsiona o aprender a contar, o homem conquista uma
homem, trata-se de um conhecimento de fração do território de Deus. Ao contar até
cunho arquetípico (Jung, 2011a; Stewart & três, depois quatro, cinco e assim por diante,
David, 2014). o homem, curioso, ganha mais e mais
A partir da Psicologia Analítica, a território. No entanto, inevitavelmente
relação homem/Deus é considerada como encontrará o assustador “muitos”, momento
bastante significativa para compreendermos em que desistirá de contar e perceberá sua
as interseções entre os campos da pequenez diante da divindade que conhece

8 tamquam ignis, seditque suora singulos eorum: 4 et


1. Et complerentur dies Pentecostes, erat omnes
pariter in eodem loco: 2 et factu est repentem de repleti sunt omnes Spiritu Sancto, et cooperunt loqui
caelum sonus, tamquam advenientis spiritus variis linguis, prout Spiritus Sanctus dabat eloqui
vehementis, et replevit totam domum ubi erat illis (Actus Apostolorum: II: 1-4 Tvveedale).
sedentes. 3 Et apparuerunt illis dispertitae linguae

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todos os números. Esse é um dos paradoxos e tesouros da tribo e, para conservar-se


da contagem, pois cada vez que ampliamos protegido, vivia isolado. Ele tinha uma
grande turquesa da qual o Deus-Sol era
o escopo numérico, mais retiramos da invejoso. Embora o próprio Deus-Sol
divindade. Porém, sempre vamos nos possuísse uma turquesa completa ou
deparar novamente com o infinito e a perfeita, ele queria também a do chefe
proximidade se desfaz. É nesse ponto que, navajo. Assim gerou um filho com a
ao contar, o homem se aproxima de Deus, Mulher-Rocha e educou esse filho para que
se tornasse um perfeito jogador, um jogador
mas percebe que a cada passo a distância que sempre ganhasse. Depois enviou-o a
entre ambos apenas aumenta. Terra para desafiar o chefe e ganhar tudo
O arquétipo do Si-mesmo está muito dele, inclusive a grande turquesa, mas seu
além dos limites subjetivos e, quando filho, o jogador navajo, guardou-a para si.
manifesto, toma necessariamente as formas O Deus ficou furioso e repetiu o mesmo
expediente. Gerou um novo filho com a
de um mitologema, em que os símbolos Mulher-Rocha e também o instruiu, mas a
originários dessa manifestação oscilam esse segundo filho ensinou também a
entre o máximo e o mínimo de trapacear no jogo, com a ajuda dos
numinosidade (Corbett & Whitney, 2015), animais”. Neste mito, o novo jogador vence
entre o máximo e mínimo de assombro e o antigo e entrega a turquesa para o Deus-
Sol. A modéstia do segundo jogador venceu
espanto, de encanto por assim dizer. O a soberba do primeiro. É possível pensar
numinoso toma o sujeito e faz com que ele que, psicologicamente, o mito nos fala
se encante pelo brilho e pela natureza da sobre a identificação com o primeiro
imagem que adveio, mas, ao mesmo tempo, jogador, o que é um tanto comum entre os
a teme devido a sua grandeza e obscuridade, cientistas, pois tornar-se arrogante é
esquecer-se dos instintos (representados no
como acontece com o fiel que adentra uma mito pelos animais). Desvendar e aprender
catedral barroca (Jung, 1955/2012). Dado as regras do jogo da natureza é algo nobre e
que o número é uma manifestação do louvável, é areté, no entanto o
arquétipo da ordem que salta para a “descobridor” (ou cientista) deve se manter
consciência, ele se torna o mediador entre humilde quanto aos instintos e as regras que
ainda somente “Deus” sabe. (Franz, 1997,
homem e natureza, tornando-se um valioso pp. 39-40, grifos do autor)
recurso usado pelo humano para colocar
ordem no caos das aparências do universo. Do mesmo modo que o jogador
Por meio do número, o homem assimila e se Navajo, o homem que conta, seja um
aproxima dos movimentos e regras do jogo cientista desvendando os mistérios do
da natureza. Entretanto, como o número é universo, seja um camponês recolhendo
de ordem divina, as descobertas racionais suas ovelhas, deve se manter humilde ante
passam, antes, pelas imagens do os mistérios do mundo, desvendando-os
inconsciente. E, mesmo após serem dadas pari passu, sem subestimar aquele que
todas as explicações racionais e as conhece todos os segredos dos jogos. A
verificações empíricas, muitas descobertas figuração do Si-mesmo como sabedor de
científicas e muitos instrumentos e artefatos todos os jogos e de todos os números
construídos ficam imersos numa aura aparece, também, em uma prece Yorubá,
mítica. Nesse processo, o investigador pode desta vez como entidade que a tudo conta.
se identificar com a imagem de Deus,
tentando equiparar-se a ele ou mesmo Morte: Conta, conta, conta continuamente,
superá-lo (Jung, 2011b; 2011c). Um mas não me conte a mim.
fascinante mito Navajo ilustra essa Fogo: Conta continuamente, conta
situação: continuamente, mas não me contes a mim.
Vazio: Conta continuamente, conta
continuamente, mas não me contes a mim.
“Os navajos tiveram outrora um chefe Dia: Conta continuamente, conta
extraordinário, que possuía todas as pérolas continuamente, mas não me contes a mim.

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A teia de aranha rodeia o celeiro do milho. Por ser um dado psíquico e uma
(Franz, 1997, p. 36) unidade psicofísica, é razoável ponderar
que o número não seja investigado apenas
O que o Yorubá tanto teme é pela Matemática, pela Filosofia Matemática
justamente o deus do inconsciente, que é ou, ainda, apenas pela História da
capaz de contar tudo. A interpretação Matemática. A Psicologia, principalmente a
psicológica da prece demonstra o deus Psicologia Analítica, mostra-se como um
implacável – um simbolismo do Si-mesmo grande recurso na compreensão dos
– que conhece todos os ritmos da natureza, multifacetados aspectos do número. A
da vida e da morte. Ritmo que nada mais é estreita relação estabelecida por Jung entre
que uma ordenação numérica. Dessa forma, a Psicologia Analítica e outros campos de
o eu assemelha-se a um relógio que pulsa e saber – Antropologia, Mitologia, Religião
a contagem de tudo é a atividade do Comparada e Microfísica – permite ao
arquétipo da ordem, por isso, aquele que pesquisador adentrar as profundezas da
reza, pede para que a morte não lhe conte. realidade numérica, valorizando tanto os
Ser contado é ser assimilado pela entidade, aspectos históricos, mitológicos, religiosos
pelo inconsciente, assim como a natureza é e culturais, quanto as funções operatórias
assimilada pelo homem que a conta (Franz, exercidas pelo número nas ciências.
1997). A visão da Psicologia Analítica
acerca do número e dos entes matemáticos
Considerações finais não é tão particular quanto parece. A ideia
de que as entidades matemáticas abstratas,
No sentido em que aproxima tais como números, séries, funções e
homem e natureza, o número é uma conjuntos, de fato existem em uma
entidade psicofísica, ou seja, um fenômeno realidade objetiva é chamada, no campo da
que se apresenta tanto nos acontecimentos Filosofia da Matemática, de Platonismo.
físicos quanto psíquicos. Assim, ele está Assim, conforme essa perspectiva
para além da materialidade e da filosófica, as propriedades matemáticas são
representação, transcendendo as noções de descobertas e não inventadas, pois existem
algarismo e de quantidade ou, até mesmo, na natureza por si só. Muitos matemáticos e
de qualidade. O número é uma totalidade, filósofos interpretam o Platonismo na
um arquétipo sui generis, constituído por Matemática em direção ao Realismo,
pares de opostos: racional e irracional, postulando, portanto, a existência de uma
psíquico e físico, quantitativo e qualitativo dimensão de objetos ideais na qual estão
etc. todos os entes e relações matemáticas
Do ponto de vista psicológico, seja (Bernays, 1935). Na perspectiva de Gödel
em sua gênese ou nas inúmeras formas de (1947), há uma faculdade epistêmica
expressão matemática, o número se mostra especial chamada de intuição matemática
como um legítimo fato psíquico: a que opera analogamente à percepção
proximidade com os temas religiosos, sensível quando esta apreende os objetos
presente, por exemplo, na tradição físicos. A intuição matemática permite ao
pitagórica; a Matemática como realidade pesquisador vislumbrar e apreender
psíquica, presente nas demonstrações; e, determinados aspectos de uma realidade
finalmente, a correspondência numérica matemática objetiva cuja totalidade escapa
entre aspectos das realidades física e à compreensão humana e ao mundo
psíquica, presente na relação dos números sensível. Cada formulação matemática é
inteiros com as grandezas. Todos esses então uma espécie de imagem, uma fração
aspectos apontam para a tentativa de proveniente de um todo não compreendido.
entender o mistério que é o número. Dado interessante é a semelhança entre os

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mecanismos de compreensão da Almeida, M. C. (2013). O nascimento da


Matemática na perspectiva de Gödel e os Matemática: a Neurofisiologia e a
mecanismos de compreensão dos Pré-História da Matemática. São
arquétipos na Psicologia Analítica. O Paulo: Livraria da Física.
matemático apreende vislumbres de uma Arnon, I., Cottrill, J., Dubinsky, E., Oktaç,
realidade objetiva maior (o ente A., Fuentes, S. R., Trigueros, M., &
matemático) ao formular uma Weller, K. (2014). From Piaget’s
demonstração matemática; do mesmo Theory to APOS Theory: Reflective
modo, o psicólogo vislumbra uma fração de Abstraction. In Learning
uma realidade objetiva maior (o arquétipo) Mathematics and the Historical
ao confrontar uma imagem arquetípica. A Development of APOS Theory (pp. 5-
imagem arquetípica não é o arquétipo, e a 15). New York: Springer. Doi:
formulação matemática não é o ente https://doi.org/10.1007/978-1-4614-
matemático, são vislumbres, feixes fugazes 7966-6_2.
de uma fonte luminosa maior. Bernays, P. (1935). Sur le Platonisme dans
Adentrar o campo de investigações le Mathématiques. L’enseignement
da Matemática e se valer dela para conhecer Mathematique, 8(1), 52-69.
o universo são atividades essencialmente Recuperado de
faustianas, pois consistem em lançar mão a http://www.unige.ch/math/EnsMath/
um recurso poderosíssimo de EM_en/welcome.html.
conhecimento, o próprio número, e, mais Boyer, C. (1974). História da Matemática.
tarde, se perceber perdido em meio aos São Paulo, Brasil: Edgard Blücher.
infinitos mistérios e não saberes contidos no Doherty, C. (2017). The imagination: a path
próprio dispositivo de conhecimento. to personal and planetary
Quanto mais o matemático aprende sobre e individuation. Journal of Junguian
com o número, mais interrogações ele Scholarly Studies, 12(1), 1-18.
desperta sobre e com o número, até perceber Recuperado de
que o percurso do conhecimento numérico https://jungianjournal.ca/index.php/jj
jamais findará. ss/article/view/16/14.
Corbett, L., & Whitney, L. (2015). Jung and
Ai de mim! da Filosofia, non-duality: some clinical and
Medicina, jurisprudência, theoretical implications of the self as
E, mísero eu! da teologia,
O estudo fiz, com máxima insistência.
totality of the psyche. Inernational
Pobre simplório, aqui estou Journal of Jungian Studies, 8(1), 15-
E sábio como dantes sou! 27. Doi:
De doutor tenho o nome e mestre em artes, https://doi.org/10.1080/19409052.20
E levo dez anos por estas partes, 15.1092460.
Pra cá e lá, aqui e acolá
Os meus discípulos pelo nariz.
Eves, H. (2011). Introdução à História da
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Matemática transfinita de Georg
Cantor. Dissertação de Mestrado,
Universidade Federal de São João
del-Rei, São João del-Rei.

Recebido em: 20/7/2019


Aprovado em: 22/11/2019

Pesquisas e Práticas Psicossociais 14(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2019. e3582

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