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Resumo
Abstract:
Bone and ochre artefacts from the middle stone age found at Blombos Cave, South
Africa, may be the oldest evidences of mathematical activity ever found.
São questões que, de uma forma ou de outra, afloram repetidamente à mente dos
interessados nesta ciência. Para tentar respondê-las, necessitamos primeiro saber o que é
Matemática, e de que forma esta se manifesta. Não é nossa intenção debater aqui sobre
problema ontológico de sua natureza ou a de seus entes, ou de sua existência real ou ideal,
árduas questões filosóficas, porém, relevantes para seus praticantes. Concentrar-nos-emos
em procurar estabelecer uma conceituação operacional que nos permita distinguir o que é
matematizar das outras atividades cotidianas do ser humano, tais como comer, dormir,
caçar, plantar, construir, fabricar, acender, etc.
WEYL, já em 1944, notava que matematizar pode bem ser uma atividade criativa do
homem, como linguagem ou música; uma atividade do seu pensamento, melhor apreciada
historicamente (KLINE, 1980, p. 318).
D’AMBROSIO, apontando que o conhecimento, que é gerado pela necessidade de
uma resposta a problemas e situações distintas, está subordinado a um contexto natural,
social e cultural, resume magistralmente:
1
In: Revista Educação em Movimento. Vol.IV, nº 11=Maio-Agosto 2005. Curitiba, Champagnat, 2005.
…em todas as culturas encontramos manifestações relacionadas, e mesmo identificadas, com2 o que
hoje se chama matemática (isto é, processos de organização, de classificação, de contagem, de
medição, de inferência), geralmente mescladas ou dificilmente distinguíveis de outras formas [de
conhecimento], que hoje são identificadas como Arte, Religião, Música, Técnica, Ciências. Em todos
os tempos e em todas as culturas, Matemática, Artes, Religião, Música, Técnicas, Ciências foram
desenvolvidas com a finalidade de explicar, de conhecer, de aprender, de saber/fazer e de predizer
(artes divinatórias) o futuro. Todas aparecem mescladas e indistinguíveis como formas de
conhecimento, num primeiro estágio da história da humanidade e na vida pessoal de cada um de nós
(D’AMBROSIO, 2002, p. 60 e s.).
2
Essa lista não pretende ser exaustiva, nem esses processos são exclusivos da
Matemática. Esta compartilha-os com os demais ramos do conhecimento humano, como as
Ciências, Técnicas, Artes, e mesmo a Música ou a Religião.
Buscaremos agora uma conceituação operacional de atividade matemática, que nos
permita, de um modo pragmático, distingui-la das demais atividades racionais cotidianas do
ser humano.
Para os propósitos do presente trabalho, é útil conceituarmos Matemática como a
ciência que emprega entes ou objetos tais como retas, curvas, figuras e sólidos geométricos
(quadrados, losangos, círculos, espirais, cubos, esferas, ...), números, etc.; conceitos, que
exprimem relações entre estes objetos, tais como distância, paralelismo, simetria,
periodicidade, frações, raízes, etc.; e processos racionais, tais como contagem, cálculo,
construção, indução, dedução. A esses entes, conceitos e processos denominaremos de
matemáticos.
Chamamos a atenção particularmente para os processos matemáticos construtivos,
particularmente as construções geométricas, de especial interesse para nossa pauta. A
moderna corrente construtivista ou intuicionista sobre os fundamentos da matemática,
capitaneada por BROUWER, prescreve que somente objetos matemáticos que possam ser
construídos devam ser aceitos como realmente integrantes da Matemática. Para os adeptos
dessa corrente, uma entidade matemática só existe se puder ser construída; e a própria
Matemática é produto de atividades de construções intuitivas3.
Foi o emprego da razão constitutiva que permitiu ao homem identificar no mundo
empírico os entes de interesse para a Matemática, bem como propiciou a ordenação deles e
a formulação dos conceitos-chave desta; já o emprego da razão operativa lhe permitiu erigir
o arcabouço desta ciência.
Qualquer ser humano que utilize, de modo consciente e racional, entes, conceitos e
processos matemáticos estará, portanto, matematizando, ou seja, praticando uma atividade
matemática.
3
Para detalhes consultar KÖRNER (1.985) e também COSTA (1.980).
Recentemente uma série de manchetes espocaram nas páginas da imprensa mundial,
portando títulos tais como “Entalhes incendeiam debate sobre a origem do pensamento
abstrato” (Los Angeles Times, 11/01/2002); “Os antigos humanos pensavam?” (Newsweek
International, 21/01/2002); “Ferramentas indicam que comportamento humano “moderno”
começou na África” (África News Service, 10/12/2001).
Estas manchetes originaram-se de uma série de descobertas efetuadas por uma equipe
comandada pelo antropólogo Dr. Christopher Henshilwood, do South African Museum e da
State University de Nova Iorque, realizadas na Caverna Blombos, localizada a cerca de
300 quilômetros a leste da Cidade do Cabo, na África do Sul. Elas parecem desafiar teorias
correntes que defendem que o comportamento humano moderno teve origem em uma
“explosão criativa” ocorrida na Europa há aproximadamente 35.000 anos atrás, no
Paleolítico Superior, bastante disseminadas e aceitas pela ciência contemporânea.
Representações abstratas ou naturalísticas, bem como ornamentos pessoais, são
geralmente consideradas, entre outras, como expressões arqueológicas de habilidades
cognitivas modernas, bem como evidências da aquisição de uma linguagem oral articulada
(D’ERRICO, HENSHILWOOD, NILSEN, 2001). O uso de símbolos, bem como o de
linguagens e rituais, constituem mecanismos reconhecidos para a criação e manutenção de
identidades grupais.
Os homens modernos parecem ter evoluído na África há cerca de 100.000 anos atrás.
Há aproximadamente 50.000 anos eles se espalharam pela Europa, deslocando os
neandertais, os quais parecem ter constituído uma subespécie humana diferente. Em 1997
Svante Paabo, Anne Stone e Matthias Krings recuperaram e analisaram uma pequena
amostra de DNA de um esqueleto Neandertal descoberto na Alemanha em 1856. Sua
análise encontrou uma seqüência de DNA diferente da dos humanos modernos, o que
parece indicar que eles não foram ancestrais diretos dos homens atuais (KAHN, GIBBONS,
1997).
Alguns modelos científicos correlacionam essas inovações comportamentais a essas
rápidas mudanças biológicas ocorridas na África. Outros modelos sugerem uma evolução
biológica mais antiga e possivelmente mais gradual para o comportamento humano
“moderno”. Além desses modelos biológicos, uma corrente alternativa recente sugere que o
simbolismo pode ter se desenvolvido independentemente de mudanças biológicas, como
conseqüência de mudanças demográficas, ecológicas e culturais.
A Caverna Blombos está situada perto da Baía Still, em um penhasco junto à costa, a
cerca de 100m do Oceano Índico, 34,5m acima do nível do mar. Seu nível estratigráfico
superior, correspondente à camada superficial, é da Idade da Pedra Tardia, apresentando
datações entre 300 e 2.000 anos atrás. Uma camada de areia eólica estéril separa esse nível
superficial dos níveis atribuídos à Idade da Pedra Média (IPM) na África, que corresponde
aproximadamente ao Paleolítico Médio Europeu. Os níveis correspondentes à IPM foram
começaram a ser escavados em 1992, de 1997 a 2000 passaram a ser pesquisados
anualmente. Os itens escavados em 2000, nessa camada, foram classificados em três fases:
uma superior (BBC M1), caracterizada por pontas de pedra faciais bifoliadas e poucos
ferramentas de osso; uma média (BBC M2) que continha mais de 20 ferramentas de osso
com poucas pontas bifaciais; e uma inferior (BBC M3), rica em conchas e restos de peixes.
Técnicas de luminescência, de ressonância eletrônica (ESR), e estudos comparativos de
dados obtidos de escavações localizadas em outros sítios, permitiram estabelecer uma idade
mínima de 70.000 anos para esses achados (D’ERRICO, HENSHILWOOD, NILSEN,
2001). Estudos realizados pelo Aberystwyth Luminescence Laboratory, empregando
técnicas modernas que estimulam oticamente a luminescência de tal modo que permitam
calcular quando um determinado grão de areia foi exposto à luz, possibilitaram calcular a
idade dos grão de areia depositados pelo vento no estrato onde foram encontrados os
artefatos de Blombos. Chegaram a uma idade de 77.000 anos.
Para os nossos objetivos, deter-nos-emos em dois dos achados da Caverna Blombos.
Um é um fragmento de osso com incisões, outro é um pedaço de ocre gravado com um
padrão de linhas paralelas.
Obviamente esse fragmento oferece somente uma apreciação parcial do padrão original
de entalhes do osso, evidentemente muito maior, o que torna difícil avaliar o nível de
complexidade dos procedimentos adotados em sua confecção e o grau de complexidade de
seu projeto. Não é improvável, porém, que os autores desses entalhes tinham intenções
simbólicas quando de sua confecção, observam os autores desse estudo. Também é claro
que eles, dentro das suas limitações de ordem técnica, procuravam desenhar um conjunto
de traços paralelos cuidadosamente entalhados em uma superfície plana.
Cabe aqui uma comparação com objetos semelhantes da Europa. Um osso4 encontrado
em La Ferrassie, na Dordonha, França, junto aos restos de uma criança Neandertal,
atribuído ao período musteriense, do Paleolítico Médio, com uma idade de cerca de 50.000
anos, está gravado com uma série de finos traços paralelos.
B. FROLOV (1977) vê nesses traços “uma primeira estrutura matemática, que nasceu
depois de centenas de milhares de anos de aplicação prática de séries de golpes para
fabricar machados de mão e depois de muitas experiências com instrumentos de corte que
legaram entalhes” (apud GUERDES, 1992, p.19). OKLADNIKOV reconhece nesses
desenhos um passo decisivo no desenvolvimento da arte e da lógica dos conceitos abstratos
(id., op.cit.). Porém, observa apropriadamente GUERDES, essa interpretação não esclarece
o porquê foram entalhados traços paralelos, isto é, qual o simbolismo desses traços.
Expressiva parcela dos antropólogos modernos é de opinião que os Neandertais não
possuiam capacidades intelectuais suficientes para desenvolver os comportamentos
tradicionalmente considerados característicos do Paleolítico Superior; que os ornamentos
pessoais a eles associados não passam de imitações, sem cabal compreensão de seu
conteúdo abstrato; e que eram incapazes de comportamento simbólico, provavelmente por
causa de sua pouco desenvolvida capacidade de fala. Isso porque foram encontrados apenas
algumas poucas dúzias de ornamentos indubitavelmente atribuídos aos Neandertais,
enquanto milhares foram achados em sítios Cro-Magnon, sendo que estes últimos são
considerados legítimos antepassados do homem moderno. Além disso, a arte paleolítica,
expressa através de imagens, está associada praticamente em sua totalidade a sítios Cro-
Magnons. Essa visão, contudo, vem cambiando paulatinamente. Estudiosos como
D’ERRICO, ZILHÃO, JULIEN e outros, em um artigo controverso (1998), entendem que
eram seres humanos dotados de cultura, e que não há razão para se assumir que eram
incapazes de “comportamento moderno”. Argumentam que os Neandertais não poderiam
ter imitado os Cro-Magnon, simplesmente porque já estavam assumindo esse
“comportamento” muito antes destes surgirem no cenário.
Mesmo as concepções tradicionais sobre sua extinção, as quais admitem ter ocorrido
por obra dos Cro-Magnon, ancestrais dos humanos modernos, por volta de 30.000 anos
atrás, não deixando legado, vêm mudando. A Península Ibérica parece ter sido o último
4
Fragmento de osso, segundo GUERDES (1992, p.18), ou de pedra, conforme MARSHACK (1972, p.349).
refúgio dos Neandertais. Em 1999 JOÃO ZILHÃO, diretor do Instituto Português de
Arqueologia, descobriu no Vale do Lapedo, situado a cerca de 140 quilômetros de Lisboa,
o esqueleto de uma criança, o qual apresenta tanto traços de Neandertais como de Cro-
Magnons (KUNZIG, 1999). Esse esqueleto híbrido vem sendo considerado como
testemunho do cruzamento entre essas raças. Desse modo a concepção vigente que os
Neandertais foram substituídos por imigrantes modernos começa a perder o sentido. Uma
emigração da África parece ter ocorrido, mas esses emigrantes foram cruzando, em graus
variáveis, com as populações arcaicas que encontravam pelo caminho.
Passaremos agora a analisar o segundo e o mais importante dos achados na Caverna
Blombos. Trata-se de dois pedaços de ocre que contém desenhos abstratos cuidadosamente
gravados em uma superfície. Resultados de análises criteriosas sobre os mesmos ainda não
foram publicados, ao que temos conhecimento, porém, o que já foi divulgado nos permite
tecer algumas considerações preliminares. Foram encontrados no mesmo estrato da Idade
da Pedra Média da África na Caverna Blombos, portanto, sua idade é superior a 70.000
anos; 77.000 segundo as últimas estimativas. O ocre já apresentado pode ser apreciado na
Fig. 4.
Ocres vermelhos, que são óxidos de ferro (Fe2O3), provêm de hematitas (palavra de
origem grega, significando “como sangue”) e de outras rochas ricas em ferro (especularita,
limonita, etc.); são relativamente comuns em muitas formações geológicas e em solos.
Nenhum outro pigmento mineral compete com a habilidade do ocre de penetrar os poros
dos arenitos, onde um motivo pintado com hematita se torna quase indestrutível. Outros
pigmentos, mas não o ocre, podem mudar suas cores com a idade.
Quando de alta qualidade, principalmente os com matizes ricos e profundos, eram
muito estimados e procurados, sendo amplamente “comercializados”, isto é, trocados por
bens valorizados, entre os povos primitivos espalhados pelo mundo, que despendiam
considerável tempo em viagens para sua obtenção. São conhecidos principalmente por seu
emprego em pinturas de cavernas e em contextos associados a rituais de sepultamentos,
notadamente entre os Neandertais, todavia também foram amplamente empregados, tanto
por povos antigos como atuais, em medicamentos de uso interno e externo, repelentes de
insetos, conservantes de madeira ou de alimentos, curtimento de peles e em outras
finalidades.
A antiguidade de seu uso é uma questão controversa, pois geralmente está conectada
com os primórdios do comportamento cerimonial e simbólico, bem como com o debate
sobre as origens dos homens anatomicamente modernos. Na África, o primeiro registro
arqueológico de ocre parece ser sua ocorrência em um sítio de Olduvai George (c.500.000
anos idade, ERLANDSON, 1999); os ocres encontrados em Twin Rivers, associados à
indústria lítica Lupemban Inferior, da antiga Idade da Pedra Média da África, têm uma
idade superior a 400.000 anos (BARHAM, 2002). Na Europa, ocres foram identificados em
sítios de Ambrona, do Acheuliano Antigo, com uma idade entre 400.000 e 230.000 anos
(ERLANDSON, 1999). Parcela desses sítios mais antigos, inicialmente correlacionados
com o Homo Erectus, são hoje atribuídos ao Homo Sapiens arcaico.
Os hominídeos da África Central e Oriental parecem ter incorporado a cor em suas
vidas em torno de 270.000 anos atrás (BARHAM, 2002), mas o contexto social de seu uso
permanece especulativo. Uma paleta de suas cores, baseada em amostras de minerais de
Twin Rivers, seria composta de: amarelo, marrom, vermelho, púrpura, rosa e azul escuro.
Cristais de especularita podem produzir um pó que cintila. Os Neandertais também
coletavam e processavam pigmentos, mas predominantemente dióxido de manganês ao
invés de hematita.
Os ocres de Blombos representavam, portanto, bens preciosos, estimados por seus
donos, adequados para ostentarem um conteúdo simbólico importante, convenientes serem
objetos rituais. Lembramos que símbolos e comportamentos baseados em símbolos são, por
definição, arbitrários, e dependem de convenções para que sejam aceitos e tenham sucesso.
Passemos agora a examinar o padrão gravado nesse ocre. Observando-o (Fig.4)
constatamos que a superfície onde aparece a gravura está danificada à direita, talvez o
desenho se prolongasse, mas provavelmente não muito, nessa direção. Aparentemente, seu
autor estava tentando reproduzir um padrão geométrico similar ao da Fig. 5.
4.1 Natureza
a b
4.2.2 Tatuagens
Podem também ostentar uma linguagem simbólica complexa, do mesmo modo que
as pinturas, as tatuagens e as escarificações corporais. Não raro se constituem em objetos
rituais, prezados e valiosos entre os povos que os cultuam. Além disso, muitas vezes seu
apelo estético também os tornam bastante requisitados.
São feitos dos mais diversos materiais, desde que disponíveis, tais como: ossos,
dentes, conchas, madeira, sementes, contas, pedras, semi-preciosas ou não, couro, chifres,
marfim, unhas, plumas, etc.. Assumem variadas formas: pendentes, colares, tiaras,
diademas, braceletes, braçadeiras, pingentes, cilindros labiais e auriculares (botoques),
bastões, anéis e outras. Penteados elaborados também constituem adornos corporais.
Conforme o artefato, ou pode ser gravado com complexos desenhos, ou a
combinação criteriosa de diversos de seus elementos componentes, como sementes, contas,
etc., pode formar elaborados padrões geométricos decorativos.
4.3.2.1 Fosfenos
4.5 Cerâmica
AGRADECIMENTO
Agradecemos sinceramente ao ilustre Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrosio, por nos ter
chamado a atenção para os achados da Caverna Blombos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS