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Avaliação Psicológica

ISSN: 1677-0471
revista@ibapnet.org.br
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica
Brasil

Ferreira da Silva, Roselaine Berenice; Tiellet Nunes, Maria Lúcia


TESTE GESTÁLTICO VISOMOTOR BENDER: REVENDO SUA HISTÓRIA
Avaliação Psicológica, vol. 6, núm. 1, junio, 2007, pp. 77-88
Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=335027181010

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Avaliação Psicológica, 2007, 6(1), pp.77-88 77

TESTE GESTÁLTICO VISOMOTOR BENDER:


REVENDO SUA HISTÓRIA
Roselaine Berenice Ferreira da Silva1 - Universidade de Santa Cruz do Sul
Maria Lúcia Tiellet Nunes - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

RESUMO
O presente artigo consiste em apresentar os fundamentos históricos que sustentam a construção do Teste Gestáltico
Visomotor de Bender, relacionando com aspectos atuais, bem como seu sistema de correção e sua interpretação. Aliado a
isto, apresenta-se a importância de novos estudos que contribuirão para o processo de validação de seu constructo, seja a
nível orgânico ou emocional. Para este propósito, foram consultados os bancos de dados PsychInfo, Bireme, BVS
(Biblioteca Virtual de Saúde) e CAPES, sobre os quais foi realizada pesquisa a níveis nacional e internacional, no sentido
de identificar as características dos estudos feitos nos últimos vinte anos.
Palavras-chave: Teste gestáltico; Teste visomotor; Validade de constructo

BENDER GESTALT VISUALMOTOR TEST: HISTORICAL REVISION

ABSTRACT
This article intends to introduce historical parameters which support the Visualmotor Gestalt Bender construction,
comparing with actual aspects, as well as its correction and interpretation system. In addition, introduces the importance
of actual studies which will contribute to the construct’s validation process in organic and emotional levels. PsychInfo,
Bireme, BVS (Health Virtual Library) and CAPES databases have been evaluated to obtain informations related to the
last twenty years’ Brazilian and International studies.
Keywords: Gestalt test; Visualmotor test; Construct’s validity

INTRODUÇÃO1 Wertheimer, e o conseqüente avanço dos estudos


ligados à Psicologia da Percepção, incentivaram os
O Teste Guestáltico Visomotor de Bender é profissionais a ampliarem seus conhecimentos
também conhecido como Teste de Bender, ou B-G acerca do assunto. Assim, o padrão visomotor
(Bender Gestalt), ou BGVMT (Bender Gestalt começou a ser mais estudado, tendo em vista que a
Visual Motor Test). No Brasil, seu nome mais criança, ao reproduzir graficamente, algum traçado
utilizado pelos psicólogos é Teste Bender ou ainda, no papel, necessita de maturação neurológica para
de forma mais reduzida, simplesmente o Bender2. tal.
O instrumento é composto por nove cartões Entre 1932 e 1938, Lauretta Bender utiliza
medindo 14,9 cm de comprimento por 10,1 cm de os desenhos de Wertheimer e realiza os primeiros
altura, cada um deles. Consiste de cartelas em cor estudos sobre a maturação neurológica em crianças.
branca, composta por figuras diferenciadas que Neste momento, uma série de desenhos infantis
estão desenhadas em cor preta. São estímulos começou a ser avaliada, tendo como foco a
formados por linhas contínuas ou pontos, curvas inteligência de crianças a partir desta maturação.
sinuosas ou ângulos. Ao mesmo tempo, Bender aplica esses mesmos
Na história da construção do Bender, desenhos em diferentes grupos clínicos -
algumas datas são importantes para a melhor transtornos orgânico-cerebrais, psicoses e neuroses
compreensão do instrumento. Em 1923, Max - com a finalidade de analisar respostas
Wertheimer publica seus estudos sobre a percepção características. Conforme Bender (1955), estes
visual, tendo por objetivo investigar a gênese da trabalhos iniciais foram divulgados pela American
percepção da forma na criança. A influência da Orthopsychiatric Association, através do Research
orientação metodológica da Gestalt, escola de Monograph n.3, em 1938, sob o título A Visual
pensamento psicológico co-fundada por Motor Gestalt Test and its Clinical Use. Em 1946,
ocorre a publicação do teste pela autora, sendo
1
Contato:
eleitas as figuras originais que Wertheimer
Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, 9o Andar, Sala 928. CEP 90619- apresentou em sua clássica monografia publicada
900 – Porto Alegre/RS – Tel.: (51) 3320-3500 (R.215) – E- em 1923.
mail: mrsilva@unisc.br
2
Esta será a denominação utilizada no decorrer do artigo.
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Bender (1955), em casos com crianças, impressões clínicas gerais quando avaliam
tinha por objetivo entender que tipos de erros protocolos do Bender, não tendo mais uma correção
poderiam ocorrer na percepção de um estímulo padronizada do teste (Cunha, 1993, 2000). A
dado (as figuras do teste); perguntava-se se tais elevada subjetividade na interpretação dos
seriam decorrentes de distúrbios a nível cerebral (de resultados frente ao teste colabora para reduzir a
visopercepção) ou de imaturidade para perceber e confiança no mesmo.
reproduzir corretamente os desenhos. Para
responder às suas inquietações, desenvolveu um PRESSUPOSTOS DA PSICOLOGIA DA GESTALT
estudo com uma amostra de 800 crianças, com PARA A CONSTRUÇÃO DO TESTE BENDER
idades entre 3 e 11 anos, examinando a evolução
dos desenhos feitos por elas. Como resultado, Bender (1955) definiu a função gestáltica
identificou haver relação entre a idade cronológica como uma função do organismo integrado pela qual
e a maturação neurológica; por exemplo, com a este responde a constelações de estímulos, sendo a
idade de 11 anos, uma criança poderia executar bem resposta em si mesma uma constelação, um padrão,
os desenhos do teste, praticamente sem erros uma gestalt.
(Bender, 1955). Com isso, pode demonstrar que “o
produto final, a resposta ao teste, é um padrão “A gestalt resultante das figuras compõe-se,
visomotor que revela modificações no padrão portanto, de um padrão espacial original
original” (p. 24). (padrão visual), do fator temporal de
Não havia, àquela época, uma transformação e do fator pessoal
sistematização quanto à correção e avaliação das sensoriomotor. Assim mesmo, a gestalt
respostas; este processo foi desenvolvido, mais resultante é mais que a soma de todos esses
tarde, por outros autores que deram seguimento ao fatores. Há uma tendência não somente de
seu trabalho. O trabalho de Bender (1955) foi perceber as gestalts, mas sim a completá-las e
entender o processo de maturação visomotora a reorganizá-las de acordo com princípios
infantil e, com isso, pode postular que é o quadro biologicamente determinados pelo padrão
total de estímulos e o estado de integração do sensório-motor de ação. Cabe esperar que
organismo que determinam o padrão de resposta ao este padrão de ação varie nos diferentes
teste. Preferiu os padrões visomotores, e não níveis de maturação e crescimento e nos
qualquer outro padrão do campo sensorial, por estados patológicos orgânica ou
entender ser o campo visual aquele que melhor se funcionalmente determinados” (Bender,
presta ao estudo experimental e, também, pelo nível 1955, p. 26).
de cooperação possível quando se solicita ao sujeito
que copie desenhos. Com esta citação, fica evidente que a teoria
A partir das considerações iniciais de determinante do Bender atenta para o fato de que
Bender, os sistemas de inspeção dos protocolos se alguns princípios regem a forma do sujeito perceber
multiplicaram, evoluindo de uma abordagem mais os estímulos visuais. São os princípios: fechamento,
global e intuitiva - ou até subjetiva - até métodos proximidade e continuidade. Em cada figura do
objetivos de escore. Em crianças, sua forma de Bender, algum destes princípios são enfocados,
correção varia desde análises de comprometimento proporcionando entendimento quanto à estrutura e
orgânico até análises de aspectos emocionais forma do estímulo.
(Koppitz, 1989; Clawson, 1992). Em se tratando de A partir do material da própria autora
adultos, o enfoque mais usual se refere à análise (Bender, 1955), a figura A foi eleita como
projetiva, destacada nos trabalhos de Suczek e introdutória em razão de se tornar evidente que o
Klopfer (1952), Tolor (1957), Goldfried e Ingling sujeito experiencia, rapidamente, uma figura
(1959), Hutt e Briskin (1960), Hammer (1954), fechada, ou seja, segue o Princípio do Fechamento.
Brown (1954) e Cunha (1977). O sistema Lacks Esta configuração formada por duas figuras
(1984) foi o mais desenvolvido para o levantamento contingentes representa é considerada uma boa
de indicadores orgânicos (Cunha, 1993/2000). forma (boa gestalt).
Na visão de Cunha (1993), este instrumento Segundo Kacero (2005), o círculo se
é um dos mais utilizados para fins de avaliação caracteriza por apresentar uma curva na qual o
diagnóstica, em especial, com crianças. Segundo traçado feito retorna ao ponto inicial, sendo que a
Koppitz (1989), muitos psicólogos usam mão executa o movimento sem descontinuidade;

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início e fim se confundem e desaparecem em si círculos; o mais importante é identificar a
mesmos. Em um nível de análise que considere não capacidade da pessoa alterar o estímulo, pois a
somente pictórico ou visual, mas também o figura 1 é constituída por uma linha de pontos,
psicológico, é possível afirmar que a curva fechada enquanto que a figura 2 é constituída por colunas ou
constitui a base de toda a forma percebida. linhas de círculos em posição inclinada. De
Portanto, está em ação o Princípio do Fechamento qualquer forma, tudo isto é relevante para o
também nessa figura. Princípio da Proximidade das partes.
O traçado das crianças pequenas se O Princípio da Proximidade das partes
constitui em formas de círculos, fundamenta, igualmente, a figura 3, na qual se
predominantemente. Para elas, é sempre mais fácil percebe linhas de pontos em forma de flecha e não
desenhar formas arredondadas, já que figuras com pontos separados entre si. Por outro lado, na figura
ângulos, um quadrado, por exemplo, pressupõe uma 4 se identifica duas unidades determinadas pelo
mudança na posição do traçado, bem como a Princípio da Continuidade, com formas geométricas
capacidade motora de frear o movimento para bem distintas, como na figura A. Há uma tendência
alterar a angulação da figura desenhada. Assim, em perceber duas figuras inacabadas, ou seja, um
continua, ainda, fazendo efeito o Princípio do quadrado e uma figura curva, em formato de sino.
Fechamento. A figura 5 também pode ser percebida
Na figura A, o quadrado se encontra como continuidade, pois se pode produzir um
inclinado na posição de 45 º em relação à círculo incompleto com um traço reto inclinado,
horizontal. Paín, citada por Kacero (2005), enfatiza constituído por uma linha de pontos. Por sua vez, a
que o quadrado, nesta posição, só é possível de se figura 6, formada por duas linhas sinusoidais de
executar após a criança ultrapassar a etapa de diferentes comprimentos de ondas, que se cortam
capacidade mental referente à reprodução de obliquamente, segue o Princípio do Fechamento,
ângulos e lados retilíneos. Em seguida, surge a proporcionando uma boa gestalt.
capacidade de promover a rotação do eixo da As figuras 7 e 8 são duas configurações
figura. Portanto, a síntese necessária para executar o compostas pelas mesmas unidades, seguindo o
quadrado que acompanha o círculo é uma aquisição Princípio da Continuidade das formas geométricas.
posterior. No entanto, raramente são percebidas como tal. Há
A figura 1, por sua vez, é regida pelo tendência em perceber formas e tamanhos
Princípio da Proximidade das partes; isto por ela diferenciados do que realmente aparece nas
representar pares de pontos separados por uma imagens, em especial na figura 7, já que a posição -
distância de um centímetro entre si, com um ponto uma estando à direita e inclinada - e a orientação -
mais distanciado nas extremidades direita e uma inversamente a outra - são decisivas para criar
esquerda destes pares. No entanto, pela tendência uma aparência diferente.
do sujeito em fazer a gestalt, ou seja, perceber a A figura 7, por exigir maior mudança na
figura como um todo e não separada em partes, esta direção das figuras, com seus ângulos, torna mais
figura é percebida por uma linha de pontos. Para difícil sua execução. Esta habilidade é adquirida
reproduzir esta figura, se torna necessário atentar ao mais tardiamente pela criança. Observando-se,
aspecto tensional da mão porque fazer pontos atentamente, vê-se que a figura é constituída pelo
diminutos corresponde a uma tarefa motora entrelaçamento horizontal das figuras anteriores,
relativamente complexa. Além disso, a orientação pois tomando em atenção às duas imagens que
para fazer a figura em linha reta pressupõe compõe a 7 e dispondo-as na posição horizontal,
maturação motora e espacial avançadas. lado a lado, elas compõe o formato da 8. O
A figura 2 é regida por este mesmo polígono central nada mais é do que as pontas que
princípio - Princípio da Proximidade – havendo a contém o menor ângulo, da figura 7, em direção
tendência de que três colunas de círculos – já que oposta.
estão mais próximas- e não três linhas de círculos Já a figura 8, aparentemente, é de mais fácil
sejam identificadas. Contudo, a expressão destas execução que a figura anterior: existe a tendência
linhas se dá no sentido horizontal, com atenção à das crianças obterem êxito nesta figura porque nela
inclinação das mesmas. Segundo Kacero (2005), prevalece o Princípio da Continuidade da linha reta,
não é o mais importante a forma do sujeito sendo que nas pontas esquerda e direita da figura, o
reproduzir o estímulo, seja fazendo de modo ângulo é mais aberto, formando duas pontas bem
horizontal ou já ir desenhando colunas oblíquas de definidas.

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De acordo com Kacero (2005), a figura 8, conseguiam identificar as formas das figuras e
por ser a última figura copiada, provoca sensação reproduzi-las com a maior semelhança possível.
de repouso, proporcionando uma finalização do Uma criança de 3 anos, aproximando-se da idade de
teste de forma branda, já que suas linhas retas são 4 anos, já manifestava alguma mudança. Conseguia
de fácil reprodução e, geralmente, bem transcender das simples espirais para esboçar
identificadas pelos sujeitos. figuras mais arredondadas, ou seja, círculos com
Percebe-se que cada figura é regida por um traçados mais bem caracterizados (como nas figuras
princípio diferente; vai depender, para isto, de sua 1 e 2) e linhas retas mais definidas (como partes das
gestalt própria na formação do estímulo. Sendo figuras 4, 7 e 8). Na figura A já era evidenciada
assim, toda a estrutura do teste enfoca a percepção uma tentativa de círculo. Quanto mais próxima de 4
visual que, por sua vez, ao ser processada a nível anos, se evidenciava, então, a capacidade de
cerebral, é suscetível de sofrer modificações, em perceber e desenhar os ângulos das figuras (A, 4, 7
sua forma, caso existam deficiências neste e 8). Além disto, tendência a desenhar linhas
processo. A partir destes conceitos esboçados, é retilíneas e com maior continuidade.
pertinente traçar algumas reflexões acerca deste Somente próximo à adolescência, com a
constructo visomotor. aquisição do pensamento formal, os protocolos do
teste, praticamente, não apresentavam erros.
CONSTRUCTO VISOMOTOR E ESTUDOS Portanto, baseando-se nestas experiências, pode-se
COM O BENDER deduzir que os padrões visomotores surgem da
conduta motora modificada pelas características do
Para Casullo (1998), o Bender tem sido campo visual, ou seja, um estímulo é dado e o
considerado como uma prova de percepção visual sujeito reage pelo ato motor, segundo suas
por alguns investigadores; de coordenação motora, possibilidades maturativas.
por outros. Koppitz (1989) afirma que avalia a Ver não é sinônimo de perceber. A
integração visomotora. percepção pressupõe a possibilidade de interpretar o
Como já foi salientado, Bender (1955) se que se vê, interpretação que é facilitada, ou não, por
preocupou em analisar o desenvolvimento variáveis como a maturação e as experiências
maturacional da criança quanto aos aspectos prévias. Porém, ao perceber um estímulo, isto ainda
visomotores. Estes dependem de processo não leva à capacidade da criança em copiá-lo; para
maturacional adequado, sendo que a criança os poder fazê-lo, a criança deve transferir sua
desenvolve até a idade de 12 anos, segundo ela. percepção à atividade motora (Casullo, 1998).
Sendo assim, no momento em que a criança Assim, a percepção visomotora se constitui em
aprende a ler e a escrever deve possuir experiências complexa função integrativa que compreende tanto
visomotoras desenvolvidas para tal ato. a percepção como a expressão motora desta mesma
Todavia, os primeiros desenhos feitos por percepção. Tais funções estão sujeitas a um
elas se constituem de forma mais evidente como processo de maturação neurológica (Kacero, 2005).
descarga motora; são riscos sem ordem, direção e Portanto, a percepção visomotora é
sentido. A tendência da criança pequena, em torno viabilizada pela maturação e consolidação de quatro
de 2 anos de idade, é conceber riscos em formas de etapas: visão do estímulo; compreensão do que se
círculos. Se ela for destra, espirais são produzidas vê (percepção); tradução do que é percebido numa
na direção dos ponteiros do relógio. Sendo canhota, ação ou expressão motora; e coordenação da ação
a direção torna-se contrária. Inclusive, neste motora.
momento do desenvolvimento, a criança Estas são algumas das observações que
proporciona diversos sentidos próprios aos seus Bender reconheceu entre os anos de 1932 e 1938.
riscos e espirais – podem ser uma pessoa, ou uma Com o passar do tempo, diversos estudos com o
casa, ou seu cachorrinho de estimação (Bender, Bender foram realizados (Koppitz, 1989),
1955). Não há identificação da forma e o demonstrando o interesse dos pesquisadores, no
pensamento da criança ainda é autocentrado teste, além de mostrar sua aplicabilidade para
(egocêntrico) – se ela menciona que aquele traçado diferentes situações. A avaliação da maturidade
na folha é uma pessoa, então é o correto. para aprendizagem foi estudada por Baldwin
Bender (1955) realizou aplicações do teste (1950), Harriman e Harriman (1950) e por Koppitz,
em crianças com diferentes idades e constatou que Mardis e Stephens (1961). Koppitz (1962)
crianças muito pequenas (de 2-3 anos) ainda não identificou que a aplicação do Bender possui a

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capacidade de predizer o desempenho escolar. tal instrumento de acordo com seu sistema de
Outra proposta do Bender foi estudada no correção, a fim de avaliar os indicadores orgânicos
diagnóstico de problemas de leitura e aprendizagem e, descartados estes, tem-se a tendência a fazer o
(Koppitz, 1959; Lachman, 1960). A avaliação de levantamento emocional. Sendo assim, se confirma
dificuldades emocionais foi estudada por Clawson a citação de Bender (1955) que, em sua obra
(1959, 1962), por Koppitz (1960) e por Simpson explanou sobre os aspectos visomotores da
(1958), ao passo que a possibilidade do Bender em personalidade, sem excluir a integração emocional
determinar a necessidade de psicoterapia foi necessária para executar bem os desenhos do teste.
aventada por Byrd (1956). O uso deste intrumento Neste sentido, a autora afirma que “a linguagem e
para o diagnóstico de lesão cerebral foi as funções gestálticas constituem funções
desenvolvido por Chorost, Spivack e Levine (1959) integradoras da personalidade em sua totalidade,
e por Koppitz (1962) e, finalmente, o Bender na cujo centro de integração mais elevado se faz no
avaliação do retardo mental, por Eber (1958), córtex cerebral”(BENDER, 1955, p. 111).
Halpin (1955) e Keller (1955).
O estudo normativo de Koppitz SEGUIMENTO DO TRABALHO DE LAURETTA
(1961/1989) proporcionou um sistema de pontuação BENDER: NOVAS INVESTIGAÇÕES
ao Bender, sendo um marco na história deste
instrumento. Até hoje, sua forma de correção é a Cunha (1991) suspeita que, em razão da
mais utilizada pelos profissionais na correção do forma de divulgação inicial do teste, os primeiros
Bender em crianças (Kroeff, 1988). Consiste numa investigadores confeccionaram suas próprias
correção dicotômica, ou seja, são vistos como lâminas, a partir dos desenhos da publicação
presentes, ou não, os indicadores considerados de original. Somente a partir de 1946, depois de
relevância orgânica, sendo eles: a distorção na registrado o Copyright da Psychological
forma da figura copiada pela criança, a rotação Corporation, as lâminas foram reproduzidas em
desta figura, a falta de integração das partes da série autorizada.
figura ou a perseveração da mesma. Verifica-se Dana (1983) salienta o estudo de
quais destes são mais freqüentes em cada figura do Popplestone que, em 1956, enumerou diferenças
teste. A análise final evidencia, então, o tipo de erro entre as séries publicadas por Bender em 1938 e em
mais significativo para a idade da criança, do ponto 1946, além das constantes em outras séries, como
de vista de comprometimento neurológico, bem nas de Halpern (1951), Pascal & Suttel (1951),
como aquele que indica uma possível imaturidade. Woltman (1967) e Hutt (1969) que explicariam
Em sua prática clínica, Koppitz avaliava, muitas das divergências entre os dados de
rotineiramente, crianças pequenas com dificuldades pesquisas.
emocionais. Observou que, a maioria delas Bender analisou a produção do teste em
apresentava problemas de aprendizagem tendo, por pacientes adultos com algum tipo de afasia ou
sua vez, desempenho fraco no teste Bender. A partir apraxia, sendo constatados erros de movimento e
de seu juízo clínico, concluiu que baixo percepção do estímulo. Todavia, após tratamento,
desempenho no teste e problemas de aprendizagem foi possível verificar a evolução dos mesmos, pois
tinha como causa problemas perceptivos. Contudo, os erros cometidos não mais apareciam nas
quando estudou os protocolos de crianças em idade subseqüentes execuções do teste. Ela também
escolar, sem dificuldades de aprendizagem, analisou a cópia das figuras em pacientes com lesão
descobriu que estas, também, apresentavam muitos cerebral orgânica, psicoses, deficiência mental,
desvios e distorções no Bender. Assim, uma alcoolistas ou com alguma intoxicação severa.
comparação entre as respostas dos pacientes Nestes, foram observados alguns erros específicos
clínicos e crianças em idade escolar revelou que em cada categoria diagnóstica, como segue a
nenhuma distorção ou desvio ocorre explicação: figuras muito pequenas, fragmentação e
exclusivamente em um grupo ou noutro. Também separação das partes da figura, além de pontos
analisou os protocolos infantis na tentativa de convertidos em números, ou em traços, nos
levantar indicadores emocionais, dizendo serem pacientes que apresentavam a demência precoce
estes passíveis de análise quando descartado algum como diagnóstico; linhas com pelos, em pacientes
problema orgânico. alcoolistas; maior distorção das formas da figura
A partir deste trabalho, na década de 60, (falhas perceptuais), em pacientes apresentando
surge uma tendência dos profissionais a utilizarem estados confusionais agudos; rotações e dificuldade

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de integração da figura, em pacientes intoxicados de dificuldades emocionais: seqüência das figuras
por alguma droga, levando a um estado alterado de desenhadas, mudança na curvatura e angulação das
consciência; grande distorção da gestalt das figuras, figuras, dificuldade de fechamento, mudança no
bem como perseveração e rotação, encontrados nos tamanho das figuras e rotação.
casos de esquizofrenia; protocolos que distorciam a Cunha (2000) constata que os estudos,
gestalt, sendo especialmente prejudicadas as figuras visando uma análise projetiva do instrumento,
que envolviam pontos, mais comum em pacientes foram aumentando, com o passar do tempo, desde o
com diagnóstico de psicose depressiva; por sua vez, trabalho de Bender, em 1938. A autora aponta os
na fase maníaca, os desenhos eram bem elaborados, trabalhos de Suczek e Klopfer (1952), Tolor (1957),
com presença de enfeites e adornos aos mesmos. Goldfried e Ingling (1959), Hutt e Briskin (1960),
Com essas observações feitas por Bender Hammer (1954), Brown (1954) e Cunha (1977).
(1955), confirma-se o pressuposto de que a Neste sentido, o propósito foi utilizar os desenhos
integração da gestalt depende de uma adequada como um esquema de referência para a exploração
integração orgânica, ao nível do córtex cerebral. do valor simbólico dos mesmos.
Além disso, é necessária uma personalidade livre de Hutt e Briskin (1950,1960) introduziram
patologias severas que possam prejudicar o campo uma análise projetiva, aos protocolos do Bender,
do processamento da informação para boa execução numa população adulta. Assim, cada figura é
da percepção do estímulo. Esta constatação auxiliou analisada em função dos vínculos que o sujeito
o desenvolvimento de futuros trabalhos, internalizou (figuras A, 4, 5), capacidade de
envolvendo o Bender, na avaliação da reprimir seus impulsos (figuras 1 e 2), inserção do
personalidade do sujeito. Desta forma, vislumbra-se sujeito ao meio (figura 3), relações com figuras de
a possibilidade de utilizar este instrumento na autoridade (figura 7), manejo do afeto (figura 6),
análise projetiva, além de visomotora apenas. incluindo questões sexuais (figura 8). Outrossim,
Um dos trabalhos mais destacados quanto à formularam a Escala de Psicopatologia, contendo
análise da personalidade, usando o Bender, foi o de 17 fatores de análise (seqüência das figuras, posição
Clawson (1959). Este estudo foi anterior ao de do primeiro desenho, uso do espaço, colisão,
Koppitz, sendo publicado um artigo sobre os posição da folha desenhada, dificuldades no
indicadores de distúrbios emocionais em crianças3, fechamento das figuras, assim como no cruzamento
publicado no Journal Projective Techniques (1959). e na curvatura, mudança na angulação, rotação,
Forneceu uma interpretação de protocolos Bender retrogressão, simplificação, fragmentação,
em crianças desajustadas, com idades acima de oito dificuldade de superposição, elaboração,
anos, com inteligência média. Foram levantados perseveração e repassamento da figura). A eficácia
alguns indicadores emocionais, sendo que, para este destes fatores foi analisada por Lownsdale e McCall
trabalho foram excluídas crianças com transtornos (1989), sendo aplicado o Bender em grupos clínicos
mais severos, como psicose, retardo mental ou lesão formados por esquizofrênicos, depressão e lesão
cerebral. cerebral. No entanto, comparando esses resultados
O constructo emocional do teste já era com o MMPI4, foi possível discriminar os dois
evidenciado nos estudos de Simpson (1958) e o de últimos diagnósticos (Cunha, 1993).
Byrd (1956). Este último analisou a possibilidade Posteriormente, a adaptação Lacks (1984)
do teste ser um preditor de psicoterapia. Em seu do sistema Hutt-Briskin revelou importantes
trabalho, analisou os protocolos de Bender em 200 contribuições, pois além de manter o sistema de
crianças com idades entre 8 e 16 anos. Dividiu em correção de Hutt, acrescentou uma escala
dois grupos: com necessidade de psicoterapia, comportamental à análise do sujeito, no momento
avaliadas pela Clínica na qual trabalhava e, um da testagem. Além disso, diminuiu para 12 os
outro grupo, sem necessidade de tratamento. O discriminadores de disfunção orgânica, sendo eles:
método de correção usado foi pela Escala de rotação, dificuldade de superposição, simplificação,
Psicopatologia de Hutt. Os resultados apontaram fragmentação, retrogressão, perseveração, colisão
que alguns itens de correção são maiores preditores ou tendência à colisão, impotência, dificuldade de
fechamento, incoordenação motora, dificuldade na
angulação e coesão.
3
The Bender Visual Motor Gestalt Test as an index of
emotional disturbance in Children. Journal Projective
4
Techniques. , v.23, n.2, jun. 1959, p. 198-206. Multiphasic Minnesotta Personality Inventory – Inventário
Multifásico Minesotta de Personalidade.

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Já um outro sistema de avaliação da significativas na pontuação pelo sistema Koppitz.
personalidade é o de Pascal e Suttel (1951). Foi Da mesma forma, não foi encontrada correlação
planejado para adultos, entre 15 e 50 anos, sem entre o desempenho do Bender e o desempenho
comprometimentos no fator cognitivo, com acadêmico. Contudo, a correlação entre o Bender e
maturidade e capacidade para perceber e reproduzir alguns subtestes de execução do WISC (Cubos,
os desenhos do Bender, sem erros. Estes autores Armar Objetos e Completar Figuras) foi positiva. É
consideram o desempenho do sujeito, no teste, relatada a importância da aplicação do Bender em
como um reflexo das suas atitudes diante da adolescentes, mostrando que a habilidade visual-
realidade. Eles identificam a capacidade de motora se mantém em desenvolvimento nesse
desenhar as figuras como uma função da período, contrariando estudos anteriores que
capacidade integradora do sujeito ou da sua força apontavam que essa maturação era atingida até os
de Ego, estando, então, correlacionado com o doze anos. De qualquer forma, apontam, também, a
ajustamento emocional. Portanto, quanto maior o necessidade de estudos adicionais para o uso do
escore, maior a probabilidade de a pessoa ter algum Bender em adolescentes com dificuldades
distúrbio psiquiátrico. Afirmam que a magnitude do emocionais e comportamentais.
escore do Bender está relacionada com a gravidade Murphy e Davidshofer (1998) compararam
da perturbação emocional. o uso do Bender em adultos com o uso do MMPI e
Com relação às aplicações do teste, também concluíram que o Bender, assim como o MMPI, é
existem variações pela introdução de modelos instrumento que não deve ser utilizado de forma
plásticos, como é apontado na obra de Cunha isolada. Da mesma forma, argumentaram que o
(2000): o uso do Bender-memória (Brown, 1954; Bender avalia melhor disfunções cerebrais do que
Clawson, 1980; Minella, Pereira, Argimon & esquizofrenia, por exemplo. Comentaram a ênfase
Cunha, 1990) e o método de associação com no aspecto perceptomotor do teste, afirmando ser o
palavras, também ligada à identificação de Bender mais indicado no diagnóstico de lesão
respostas simbólicas e populares (Suczek & cerebral e de outras formas de disfunções orgânicas.
Klopfer, 1952; Tolor, 1957; Hutt, 1975; Hammer, Destacaram, ainda, o fato de que o Bender é mais
1954; Greenbaum, 1955; Garney & Popplestone, bem indicado para um diagnóstico mais geral,
1960; Goldfried & Ingling, 1954; Clawson, 1980; carecendo de elementos para a indicação de lesões
Lopes, 1984). mais específicas.
Aileen Clawson, em sua obra Bender Mazzeschi e Lis (2000) desenvolveram uma
Infantil – Manual de Diagnóstico Clínico (1992), pesquisa, na Itália, com 1065 crianças,
destaca que a pesquisa de validação de um teste é compreendendo as idades de três anos e seis meses
difícil, em função de necessitar, quando se trata de a onze anos e cinco meses, cursando desde o jardim
análise de indicadores subjetivos, amostra com de infância até a escola elementar. Os achados
maior número de pessoas e de grupos bem demonstraram os tipos de erros mais comuns em
definidos que separem os sujeitos em com cada idade, tentando identificar o processo
dificuldades/sem dificuldades e normal/patológico. evolutivo visoperceptomotor em cada criança.
É possível identificar que o Bender, a nível Sendo assim, confirmaram os achados dos
mundial, se tornou um instrumento visado para o primeiros estudos de Lauretta Bender (1938), em
estudo quanto às suas propriedades psicométricas. que esta já havia demonstrado ser a percepção
Nesse ínterim, um estudo americano de Simpson e visomotora uma habilidade em desenvolvimento até
Shapiro (1995) avaliou o desempenho no Bender os doze anos. Também confirmaram os achados de
numa amostra de 87 adolescentes (doze a dezessete Koppitz quanto aos itens de correção nas figuras, a
anos) com distúrbios emocionais e saber: distorção, integração, perseveração e rotação.
5
comportamentais, avaliados pelo DSM-III-R . Os No entanto, este estudo contrariou o de Simpson e
resultados sugeriram que a idade influi no escore do Shapiro (1995) citados anteriormente.
Bender, sendo que a habilidade visual-motora pode Chan (2000) realizou estudo em Hong
ainda se desenvolver além da idade de onze anos. Kong com 748 crianças, com idades entre quatro a
Gênero, diagnóstico psiquiátrico e traços de oito anos. Ele identificou o escore qualitativo de
personalidade não encontraram correlações avaliação do Teste Bender como mais eficaz do que
o escore desenvolvimental de Koppitz. O método
avalia somente seis desenhos do total de nove do
5
Diagnostic Statistical Mental-Revised, third edition, 1987. teste. Os resultados demonstraram que o escore é

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84 Roselaine B. F. da Silva & Maria L. T. Nunes
mais eficaz para predizer a capacidade de uma Aqui, no Brasil, igualmente, houve essa
criança chinesa se alfabetizar, tendo em vista que preocupação, sendo demonstrada na tentativa, por
avalia melhor a integração das partes. Esse mesmo parte dos pesquisadores, de produzir normas locais
autor associou o fato de que uma criança chinesa para o teste e, em alguns casos, de traçar algumas
deve aprender 259 caracteres chineses no jardim de evidências de validade. Este é o caso de um estudo
infância e cerca de 2000 no primário. Isto seria efetuado por Moura (1982), em que a autora avaliou
relevante para a adaptação do sistema de escore do o desempenho em tarefas de reconhecimento e
Bender para essa população. reprodução das figuras do Bender. A amostra
McCarthy e colaboradores (2002) consistiu em 160 crianças, com idades entre três
investigaram a habilidade de memória de curto anos a seis anos e onze meses, sem dificuldades
prazo em crianças e adolescentes com desordens emocionais ou neurológicas. Foi aplicado, também,
psiquiátricas severas (psicose, esquizofrenia, o Teste de Reconhecimento de Figuras, sendo um
distúrbios esquizoafetivos, TDAH), utilizando o instrumento de múltipla escolha na avaliação do
sistema Koppitz. Os resultados frente ao Teste desempenho em tarefa de reconhecimento e
Bender demonstraram que a idade, o nível de identificação de figuras geométricas. Os resultados
inteligência e o sexo são significativos para a evidenciaram que todas as crianças cometem menos
análise dos escores, quando esse instrumento for erros no reconhecimento das figuras do que na
utilizado como uma medida de memória visual. reprodução gráfica das mesmas, tarefa proposta
Já Raphael e Golden (2002) analisaram a pelo Bender. Nas idades de três e quatro anos, o
relação entre os escores do Bender com o MMPI escore integração do Bender foi mais alto6.
numa população de pacientes psiquiátricos. Houve Aparentemente, nessa faixa etária, é mais difícil
correlação dos escores altos do MMPI com escores reproduzir as figuras como um todo integrado,
do Bender. Esses autores sugerem a correção pelo sendo mais fácil percebê-las dessa forma, como foi
sistema de escores da Interpretação possível ver nos escores de reconhecimento. Aos
Psicodiagnóstica Avançada, proposta pelos autores cinco e seis anos, a maior média dos erros ocorreu
(1998). no item distorção de formas no Bender. A criança já
Mais recentemente, Bolen (2003) construiu é capaz de reproduzir a figura integradamente, mas
normas locais para avaliação do Bender, numa lhe faltam algumas habilidades para uma
população norte-americana. A amostra reprodução adequada das formas envolvidas. A
compreendeu um total de 4014 sujeitos, com idades autora conclui que as habilidades de percepção
compreendendo entre cinco e dezoito anos. visual, precisão motora e integração de
Correlacionaram-se os resultados com o teste WISC comportamento motor e visual são processos
e confirmou-se a hipótese de que há correlação complexos e que não amadurecem
entre níveis de inteligência (QI) e escores no concomitantemente. Alerta para esse fato, já que
Bender. Concluiu que a inteligência e a habilidade numa avaliação o Bender tem sido utilizado para
perceptomotora são interdependentes e têm seu medir todos esses fatores.
desenvolvimento até o início da idade adulta. Isto, O estudo de Puente e Maciel Jr. (1984)
pois, vem ao encontro do estudo já comentado constatou que o item rotação ocorria não somente
acima de Simpson e Shapiro (1995). em pacientes com dificuldades no nível cerebral,
Um estudo realizado, em Buenos Aires, por como constata Koppitz (1961), mas em sujeitos sem
Alicia Pelorosso (2004), analisou 700 protocolos do estas dificuldades. Já Ungaretti e Bonamigo (1985)
Teste Bender com o sistema de correção de estudaram o Bender enquanto preditor do
Koppitz. A amostra comportou escolares de nível rendimento na alfabetização da criança. O estudo
primário, sendo que a pesquisa foi realizada entre foi realizado em 250 crianças com idades entre
os anos de 1987 e 2003. Seu objetivo era verificar cinco e sete anos. Os protocolos foram avaliados de
se havia diferenças nos escores de anos anteriores acordo com o método Koppitz. A aplicação foi
até o momento. Os resultados apontaram para o fato efetuada anteriormente ao ingresso da criança na
de que as crianças (independentemente do sexo) primeira série, sendo que os resultados foram
foram atingindo resultados melhores nos últimos correlacionados com os conceitos obtidos por elas
tempos. A autora atribui tal resultado à estimulação ao final do ano letivo. A análise dos dados desse
crescente de tecnologias de que, muitas vezes, a
criança faz uso e/ou a outros estímulos que tem do
6
meio ambiente. Escores altos no Bender pressupõem pior desempenho.

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Teste Gestáltico Visomotor Bender: Revendo sua História 85
estudo demonstrou baixa correlação (r = 0,31), de acordo com a qualidade do desenho; desenhos
identificando o Bender como mau preditor do com maior quantidade de erros ou distorções
desempenho na alfabetização, sendo este entendido determinam maior escore. Os autores identificaram
como a capacidade da criança de escrever e ler ser possível avaliar a maturidade visomotora,
fluentemente, até o final da primeira série. através deste sistema, associando-o a medidas de
O estudo normativo de Kroeff (1988) inteligência, tais como associações feitas com o
apresenta os resultados do Bender em crianças da Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de
cidade de Porto Alegre (RS). Foi analisada a Raven.
produção da criança frente ao teste e feita uma Suehiro e Santos (2005) buscaram
comparação com a amostra americana de Elizabeth evidências de validade de critério para o B-SPG,
Koppitz. Os achados evidenciaram que as crianças através da comparação de grupos divididos por
brasileiras cometem mais erros que as crianças níveis de dificuldade de aprendizagem (acentuada,
americanas entre as idades de 5,6 meses a 10,11 média e leve). Compararam o desempenho no
meses. Além disso, nossas crianças diferiram no Bender com o desempenho na Escala de Avaliação
tempo de executar a tarefa (foram mais lentas). O de Dificuldades na Aprendizagem da Escrita
autor sugere que o treinamento escolar das crianças (ADAPE) e constataram que este novo sistema de
americanas evidencia maior estímulo aos aspectos correção do Bender é sensível à identificação de
psicomotores auxiliando, assim, no bom dificuldades na aprendizagem da escrita. As autoras
desempenho ao teste. Em outro estudo, Kroeff pressupõem que os construtos “aprendizagem da
(1992) estudou o desempenho de crianças no escrita” e “habilidade perceptomotora” estão
Bender, comparando os resultados com seu nível correlacionadas e que, por sua vez, o novo sistema
sócio-econômico-cultural. Evidenciou, assim, a de correção capta as diferenças entre crianças com e
necessidade de uso de normas de pontuação sem dificuldades de aprendizagem.
diferenciadas, no sentido de acompanhar a condição Bartholomeu, Rueda e Sisto (2005)
sócio-econômica a qual a criança pertence. aplicaram o Teste Gestáltico de Bender, método
Pinelli e Pasquali (1992) identificaram uma Koppitz, e o ADAPE em alunos do ensino
estrutura multifatorial para o Bender, contrapondo a fundamental de escolas públicas. No teste Bender
estrutura unifatorial de Koppitz (1989). especificaram dois itens de análise: distorção da
Constataram que alguns itens de correção do forma e integração. Não encontraram correlações
sistema Koppitz não possuem valor psicométrico, significativas entre as pontuações do Bender e o
propondo, desta forma, uma Escala Reduzida de total de erros na escrita. Demonstraram que
correção, com 22 itens apenas (e não os 30 somente a medida de integração correlacionou com
propostos por Koppitz). o total de erros na escrita, na terceira série. Os
Estudos mais atuais, como o de Sisto, autores sugerem que as medidas de distorção e
Bueno e Rueda (2003) evidenciaram alguns itens de integração do Bender não fornecem uma estimativa
correção do Bender (a distorção da forma e a confiável quanto às dificuldades de aprendizagem
integração) como indicadores de análise dos traços na escrita em crianças. Assim, questionam o
de personalidade da criança. Sisto, Noronha e sistema de correção proposto por Koppitz.
Santos (2004) analisaram os critérios de Koppitz
para avaliar a integração das figuras com seu CONSIDERAÇÕES FINAIS
caráter evolutivo. Este trabalho influenciou outra
pesquisa mais abrangente realizada, pelos autores, Esta revisão quanto aos fundamentos e
com 1052 crianças da região de Campinas/SP. O criação do teste Bender, possibilitou uma atenção à
intuito foi criar um novo modo de correção para o necessidade de critérios mais objetivos para a
teste, descartando, então, o sistema dicotômico de avaliação do constructo ao qual o mesmo se propõe
Koppitz. Assim, a aprovação do Sistema de a medir, seja ele visomotor ou emocional. Foi
Pontuação Gradual para o Bender (B-SPG) foi possível perceber que, desde os tempos de
emitida pelo Conselho Federal de Psicologia, em Wertheimer (1923), o teste Bender se configurou,
2005. A diferença deste sistema de correção baseia- pelo trabalho inicial de Lauretta Bender (1938),
se, principalmente, nos escores de pontuação. O como um importante instrumento de análise dos
item de correção utilizado corresponde ao da indicadores em nível orgânico e emocional do
distorção da forma somente. Desta forma, o B-SPG sujeito. Todavia, torna-se pertinente uma pesquisa
atribui um escore de zero a três pontos, o qual varia que abarque, especialmente, a validade de

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86 Roselaine B. F. da Silva & Maria L. T. Nunes
constructo do teste, bem como sua capacidade do teste, mas acima de tudo, sobre o entendimento
preditiva e de conteúdo. do constructo a ser averiguado.
No livro Psicodiagnóstico (Cunha, Freitas e No momento em que entendemos o teste
Raimundo, 1991) é destacado o uso de instrumentos como o instrumental técnico capaz de auxiliar na
para avaliação da área perceptomotora do sujeito análise do fenômeno psicológico evidenciado, este
como essencial no processo psicodiagnóstico. deve contemplar quatro características básicas: ser
Informam acerca da validade para o diagnóstico e válido, fidedigno, padronizado e normatizado.
entendimento do paciente com dificuldades de Observa-se, no decorrer da história do Bender, que
aprendizagem, comprometimentos emocionais e seu constructo a nível visomotor ou emocional, foi
alterações neurológicas, além de colaborar para o identificado por muitos que estudaram seu
nivelamento de crianças pré-escolares, bem como desenvolvimento enquanto instrumento de
em estimativas do seu desempenho escolar. avaliação. Todavia, torna-se urgente continuar o
Zazzo (citada por Cunha, 1991) também estudo no tocante à padronização e normas de
justifica a importância do uso do Bender, correção. Estudo importante, neste sentido, foi o de
destacando que a avaliação do nível motor auxilia Sisto, Noronha e Santos (2005), pois possibilitou
na discriminação entre os quadros de debilidade retomar o Bender enquanto instrumental técnico,
motora e debilidade mental. Hutt (1998) reitera que além de estimular os pesquisadores a novas
os estudos feitos com o Bender retratam uma investigações.
análise quanto ao método ou procedimento, e não Importante salientar este aspecto: um
quanto ao teste em si. Destaca que, ao longo desses estudo com vistas à análise dos parâmetros
anos, os trabalhos realizados apontam para uma psicométricos que regem o instrumento é a base da
análise diferenciada para grupos clínicos investigação científica na avaliação psicológica.
específicos e não podem ser considerados estudos Sem isto, o instrumental técnico de toda e qualquer
que validem o instrumento. Aponta, ainda, que não avaliação se torna obsoleto e sem sentido. Lauretta
existem informações quanto ao constructo do teste, Bender tornou viável a possibilidade do Bender
bem como sua validade de critério ou de conteúdo. identificar processos maturativos a nível
Salienta que, para este tipo de análise, faz-se neurológico. Demais autores, conforme citados no
necessário uma pesquisa que vai além da decorrer deste artigo, demonstraram as
aplicabilidade em grupos clínicos e não clínicos possibilidades de uso para diferentes propósitos.
definidos, pois pressupõe uma análise concorrente Penso que a tarefa atual seja a de darmos
com algum outro instrumento perceptivo ou mesmo seguimento a este trabalho, potencializando o
projetivo. Além disso, a necessidade de um estudo Bender como instrumento sensível ao constructo
sobre a consistência interna do próprio instrumento, que se propõe: seja na avaliação dos processos
ou seja, averiguar se as figuras do Bender realmente visomotores, ou na identificação de características
medem o que se propõem medir é ponto crucial. emocionais.
Recentemente, Noronha e Primi (2005), em
estudo realizado com estudantes e profissionais de REFERÊNCIAS
Psicologia de vários estados brasileiros, apontam
para o fato de o Bender Infantil ser um dos Bartholomeu, D.; Rueda, F. J. M.; Sisto, F. F.
instrumentos mais conhecidos e utilizados. (2005). Teste de Bender e Dificuldades de
Especificam que o sistema de correção de Koppitz Aprendizagem: quão válido é o sistema de
(avaliação visomotora) é menos utilizado que o de Koppitz? Avaliação Psicológica, 4(1), 13-21.
Clawson que estabelece uma análise emocional. Bender, L. (1955). Test Gestaltico Visomotor (B-G)
A partir disso, percebe-se a necessidade de – Uso y aplicaciones clínicas. Buenos Aires:
novas pesquisas, além de um conhecimento mais Paidós.
acurado, por parte do profissional que utiliza testes, Bolen, L. M. (2003). Constructing Local Age
sobre o fenômeno psicológico que está sendo Norms Base don Ability for the Bender Gestalt
medido e avaliado. De nada valem as pesquisas de Test. Perceptual and Motor Skills, 97, 467-
validação, se existem confusões no momento da 476.
testagem, não se tendo certeza se, no caso do Byrd, E. (1956). The Clinical Validity of the
Bender, o constructo visomotor ou emocional é que Bender Gestalt Test with Children: A
estão sendo averiguados. Isto leva a refletir não Developmental Comparison of Children in
somente sobre a necessidade de uma nova validação Need of Psychotherapy and Children Judged

Avaliação Psicológica, 2007, 6(1), pp.77-88


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Teste de Bender como Preditor do Rendimento Reformulado em Março de 2007
em Alfabetização. Prospectiva, 14, 52-60. Aceito em Maio de 2007

SOBRE AS AUTORAS
Roselaine Berenice Ferreira da Silva: Psicóloga, Docente do Curso de Psicologia da Universidade de Santa
Cruz do Sul e doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES.
Maria Lúcia Tiellet Nunes: Psicóloga, Doutora em Psicologia Clínica; Docente e Coordenadora do Programa de
Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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