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Livro I

Capítulo I
Medite sobre a vida de Cristo.
Tenha o Espírito de Cristo e
conforme sua vida com a Dele.
É a vida virtuosa que nos faz
agradáveis a Deus e é preferível
sentir o amor e a graça de Deus do
que saber defini-los.
Vaidade é buscar aquilo que não se
pode reter além desta vida e nelas
por esperança.
Procure desapegar das coisas
visíveis aos sentidos e põe afeição
nas invisíveis a fim de ganhar a
graça de Deus.
Capítulo II
Aquilo que fazemos diante de Deus
com humildade é muito melhor do
que fazemos diante dos homens
para ganhar aplausos.
Buscar muito conhecimento que não
se aproveita é insensato, pois muitas
palavras não satisfazem a alma. A
boa vida e a consciência pura
agradam a Deus.
Não se ensoberbeças com o
conhecimento
que adquiriste mas antes saiba que
muitos são mais sábios que você e
que quanto mais sabes com maior
rigor serás julgado, se não viver
santamente.
Seja humilde perante a sabedoria
dos outros e não os julgue pelos
seus erros, não sabemos até quando
podemos perseverar no bem.
Capítulo III
Nossos sentidos nos enganam é
preciso aprender com a verdade para
não desprezamos as coisas úteis e
necessárias, temos olhos mas não
vemos.
Aquele que tem Deus é tudo, não se
importa com o que dizem sobre
gêneros e espécies, enfastiase nas
coisas que vê, ouve e lê. Que o Deus
de verdade nos torne um e
emudeçam as criaturas, fala-nos Tu
somente.
Nosso principal empenho deve ser
vencer a nós mesmo, pois o homem
bom e fiel regula interiormente suas
ações exteriores. Por isso é
importante o recolhimento e a
simplicidade
de coração, o espirito puro, singelo e
constante não se distrai, mesmo que
se ocupe de muitas coisas.
Nem tudo é perfeito nesta vida, as
sombras se misturam com a luz e o
humilde conhecimento de ti mesmo é
o caminho mais certo de ir à Deus.
Não se deve condenar a ciência mas
se deve estudar mais para saber
bem viver e colher bons frutos.
Certamente no dia do juízo o que
lemos não importará e sim o que
fizemos.
A glória do mundo passa rápido,
grande é aquele que tem um grande
amor, verdadeiramente sábio é
aquele que faz a vontade de Deus.
Capítulo IV
Devemos ser mais prudentes em
nossas palavras e evitar falar mal
dos outros, antes temos que
examinar com prudência as coisas.
Temos que saber das fraquezas
humanas e não dar crédito demais
ao que dizem os outros.
Não decidir apressadamente é uma
questão de sabedoria humana e da
mesma forma quando decidir não ser
tão apegado a decisão. Devemos
nos deter ao falar antecipadamente
sem tomar conselhos com homens
sábios. Sejamos humildes e
submissos à Deus para alcançar a
sabedoria e a tranquilidade.
Capítulo V
Devemos ler todos os livros das
Sagradas Escrituras de boa vontade
e buscar a verdade, não a
eloquência.
A verdade do Senhor permanece
para sempre, mas os homens
passam. Não desprezes os mais
velhos e ouça em silêncio as
palavras dos santos.
Capítulo VI
O desejo desordenado nos faz
perder o sossego, a humilde
mortificação nos ajuda a vencer a vil
tentação. O fraco de espírito com
dificuldade se desapega a
sensualidade e aos desejos terrenos.
E quando alcança o que deseja por
não ter resistido as paixões e as
coisas exteriores logo sente pesar e
remorço na consciência, porque
seguiu seu apetite e não alcançou a
paz que procurava.
Capítulo VII
É insensato quem põe sua
esperança nos homens, nas
criaturas, nas ciências ou em si
mesmo, põe em Deus a sua
esperança.
Não se glories e nem se orgulhe da
sua riqueza, dos amigos poderosos,
da sua beleza, da forma do seu
corpo, do seu talento e habilidades,
não desagrade a Deus que nos dá
tudo o que naturalmente tem de bom.
Não se julgue melhor do que
ninguém, conserve a humildade, pois
de paz goza o humilde e o soberbo
vive com inveja e ira frequente.
Capítulo VIII
Não seja íntimo de qualquer homem,
seja reservado com jovens e
estranhos, procure o convívio com os
humildes e com os devotos
dos bons costumes e trate com eles
de coisas edificantes. Seja familiar
com Deus e foge de ser conhecido
dos homens.
Com todos tenha caridade mas não
familiaridade. Às vezes pensamos
agradar as pessoas com nossa
presença mas acabamos por
desagradar pelos nossos defeitos
que vão descobrindo.
Capítulo IX
Muito mais seguro é obedecer do
que mandar.
Ninguém é tão sábio que tudo saiba,
de bom coração ouça o parecer dos
outros.
Dizem que ouvir conselhos é melhor
que dar, por isso ao ouvi-lo e após
seu parecer perceber que foi de bom
coração, não seja soberbo e aceite.
Capítulo X
Quando puder evita o mundo e seus
embaraços, pois, somos cativos da
vaidade. É melhor calar quando
estamos com o coração cansado e
se dedicar ao silêncio, do
que ser consolados pelos outros que
não tenham a intensão sincera.
Mas quando fazemos sofremos,
porque a consolação exterior é um
obstáculo para a interior. Por isso
vigiemos e oremos para não cairmos
na ociosidade, no entanto, se for
lícito falar que sejam coisas
edificantes. Ajuda no progresso
conversar com pessoas do mesmo
espírito e coração que se encontram
unidos em Deus.
Capítulo XI
Os simples terão paz.
Não podemos nos ocupar apenas
com nossas paixões, elas são
transitórias e se cultivadas nos fazem
tíbios e frouxos.
Sempre buscamos consolações
humanas porque não estamos com
nosso interior desembaraçado e não
estamos apegados a Deus.
Sejamos fortes na batalha, assim
vemos o auxílio do Senhor descer
dos céus, não coloquemos o
progresso de nossa vida
religiosa em coisas exteriores.
Não devemos nos apegar ao
princípio de nossa conversão e sim
conservar o fervor, progredir dia após
dia e ir se libertando dos vícios.
Vence as coisas pequenas e fáceis
que conseguirá resistir às mais
dificultosas.
Capítulo XII
Não devemos colocar nossas
esperanças em coisas deste mundo.
É até bom que padeçamos algumas
vezes neste mundo e sejamos
desprezados pelos homens para
procurarmos a Deus como
testemunha de nossa consciência.
Desta forma, descobre que não há
neste mundo nem segurança nem
paz completa.
Capítulo XIII
Enquanto vivermos neste mundo
teremos tentações, não podemos
viver sem ela e não há ninguém tão
santo e tão perfeito que sejam livres
dela.
Mesmo inoportunas e penosas, são
utilíssimas para nos tornar humildes.
Não é fugindo das tentações que
podemos vencê-las é com paciência
e verdadeira humildade.
Não é somente evitando as situações
que se vence é arrancando o mal
pela raiz e com a ajuda de Deus.
É preciso vigiar logo no início, aquele
momento do princípio da tentação, o
simples pensamento que leva a
imaginação do prazer, para o
movimento desordenado e ao
consentimento da vontade.
É nas tentações e nos reveses que o
homem percebe o quanto progrediu,
se manter a paciência na
adversidade, haverá esperança e
grande progresso.
Capítulo XIV
Para evitar nossa própria contradição
procure sempre a Deus com reta
intenção, põe os olhos em ti mesmo
e não julgue os outros, que é uma
ocupação vã.
As coisas não acontecem apenas na
medida
de nosso parecer, diversidade de
opiniões e sentimentos produz
discórdias entre amigos.
Dificilmente abandonamos nossos
velhos hábitos e nosso próprio
parecer, mas devemos confiar nossa
razão e sensibilidade na virtude de
submissão que Jesus Cristo nos deu
o exemplo.
Capítulo XV
A menor obra feita com amor e
caridade é bem vista por Deus que
vê a intenção e não a ação.
Bem faz quem muito ama o próximo
e não faz por amor próprio que em
nós muitas vezes é mais comum.
Uma verdadeira e perfeita caridade
não se faz em nome de si mas em
nome de Deus para que seja
glorificado.
Capítulo XVI
Precisamos ter paciência com os
outros e pedir a Deus ajuda para
vencer os obstáculos com
resignação .
Não podemos exigir perfeição nos
outros se
não somos capazes de sofrer com
paciência as fraquezas alheias.
Demonstramos que não temos amor
ao próximo quando desejamos que
os outros sejam apertados pelas leis
e não queremos limites para nós, se
todos fossem perfeitos não teríamos
que suportar os outros por amor a
Deus.
Pois é nas situações de
adversidades que somos revelados
fortes e virtuosos.
Capítulo XVII
Se quiseres ser bem aventurado e
viver bem sobre a terra,
perseverando e progredindo nas
virtudes, considera-te como exilado e
peregrino enquanto vives.
Só se deve procurar a Deus e a
salvação de nossa alma, se outra
coisa busca terás tribulação e dor. A
mudança dos costumes e a
mortificação das paixões fazem o
verdadeiro religioso.
Aqui na terra se prova os homens
como ouro na fornalha e se trabalha
para estar com
Deus de todo coração com
humildade e amor.
Capítulo XVIII
Para seguir fielmente a Deus
necessitamos ser estranhos ao
mundo e íntimos e particulares
amigos de Deus. Ser humildes e ter
singela obediência para crescer em
espírito para alcançar a graça diante
Dele.
Capítulo XIX
Todos os dias devemos nos
esforçar em nossos propósitos de
exercitar nosso fervor como no
início de nossa conversão.
Muitas vezes abandonamos
nossas resoluções, porém, pior
seria se nem a fizéssemos.
Necessário é nos ordenamos no
interior e no exterior e sempre nos
propor alguma coisa determinada
que seja útil para nosso
aproveitamento.
Seja firme e arma-te contra o mal,
se for forte nas malícias da gula
facilmente refrearás toda a má
inclinação da carne.
Existem exercícios para cada
tempo, uns
para os tempos da tentação e
outros para o de paz e sossego,
devemos meditar numas coisas
quando estamos tristes e em
outras quando alegres.
Sejamos vigilantes e se fiel no
pouco Deus manifestará sua
glória.
Capítulo XX
Se afaste de coisas curiosas,
conversações supérfulas e passeios
ociosos que acharás tempo para ler
matérias que dê compução e santas
meditações.
Quantas vezes estive entre homens,
voltei menos homem. Sêneca. Mais
fácil é encerrar-se em casa e calar-
se, pois, o que deseja chegar às
coisas espirituais e interiores deve
afastar-se das multidões com Jesus.
Quem aprendeu a obedecer,
dignamente preside.
Nunca se tenha por seguro, mesmo
se for bom religioso e devoto
eremita.
Medite na sua salvação para que se
afaste das tentações e não confie
demasiado em si e não busque
consolações exteriores.
É no silêncio da alma que se
progride e se penetra nos segredos
das Escrituras.
Os desejos sensuais nos arrastam a
passatempos, mas passada aquela
hora, fica apenas o peso na
consciência e a distração no
coração. A saída alegre das muitas
vezes a volta triste.
Deixa para os vãos as coisas vãs.
Capítulo XXI
Se queres algum progresso com
Deus, tenha compunsão no coração
e recolhe-te com disciplina.
Não se tem verdadeira liberdade
nem perfeita alegria sem o temor de
Deus e a boa consciência.
Aprenda a deixar os homens para
fazer boas obras, olha primeiro para
ti e admoesta-se mais que a seus
amigos.
Por sabermos que não se passa
nesta vida sem tribulações, o homem
justo sempre acha aflições para olhar
para si e compreender a sua dor.
Peça a Deus um espírito de
compunção para que não se queixes
muitas vezes das fraquezas do
nosso miserável corpo.
Capítulo XXII
Nenhum homem na terra tem tudo
que deseja e ninguém vive no mundo
sem alguma tribulação ou angústia.
Não necessita o homem ter
abundância de bens temporais, basta
a mediana.
Não devemos ser apegados demais
a este mundo, as coisas carnais e
somente as coisas visíveis, não
percamos a confiança de aproveitar
as coisas espirituais.
Agora é o tempo de pelejar e de se
emendar, quando estamos aflitos que
é o tempo de merecer.
Somos inclinados aos vícios, hoje
confessamos os pecados e amanhã
tornamos a cair. Com muita razão
devemos nos humilhar e não nos
termos em grande conta, pois somos
frágeis e inconstantes.
Capítulo XXIII
O dia de amanhã é incerto, devemos
cuidar do futuro, evitar o pecado e
não pensar só no presente.
Esteja sempre preparado e viva de
tal modo que nunca a morte te
encontre despreparado.
Faça o que puder para ser prudente
durante a vida enquanto tem saúde,
pois, quando estiver enfermo não sei
o que poderá fazer.
Não confie no auxílio dos outros, vá
fazendo boas obras, cuide da tua
salvação, porque os homens
esquecerão de ti mais depressa do
que pensas. Virá o tempo que
desejarás ter um dia ou uma hora e
não terá.
Aprenda a viver com Cristo para que
na hora da morte, que não podemos
prever e é certa para os homens, não
temas.
Faze o que puder agora, pois, não
sabe quando morrerás e nem o que
te acontece depois da morte.
Conserva teu coração como hóspede
peregrino neste mundo, venere os
santos e imite suas virtudes para que
seja recebido
por Deus no céu, porque aqui não
temos domicílio permanente.
Capítulo XXIV
Em todas as coisas olha para o fim,
como responderá a Deus que sabe
de todas as suas maldades.
Aqui tem grande chance de perdoar
seus inimigos e se ofendeu alguém
não tarda a pedir perdão, mas vale
purificar agora os pecados do que
reservar a purificação para o futuro.
Quanto mais perdoa a si mesmo e
segue os apetites da carne, será
mais atormentado, o homem que
mais peca, mais severamente será
castigado.
Será for pobre, humilde e devoto, se
entristecerão todos os irrereligiosos,
assim será mais aplaudida a pobre
choupana do que o mais suntuoso
palácio e se alegrará a mais pura e
boa consciência do que a mais douta
filosofia.
Se alegrarás mais com as obras
santas do
que as palavras floridas, mais a vida
estreita e a rigorosa penitência do
que as delícias terrenas.
Na verdade não pode ter dois gozos,
deleitar-se neste mundo e reinar
depois com Cristo no céu.
Que o amor a Deus nos desvie do
caminho inferno muito mais do que o
amor as coisas do mundo nos afaste
do céu.
Capítulo XXV
Seja vigilante em Deus, pois é para
ser homem espiritual que vieste para
este mundo e deixaste as coisas do
mundo.
Persevere e não se entregue a
tristeza e ansiedade, tenha temos e
esperança em Deus que o tempo é
agora.
O homem aproveita mais da graça
quando vence a si mesmo naquilo
que é mais penoso e contraria suas
inclinações.
Duas coisas ajudam a nossa
emenda: ser violento em se afastar
do que mais atinge nossa natureza
corrupta e trabalhar
firmemente para adquirir a virtude
que mais se necessita.
Se cair em alguma falta logo levante-
se e se vir alguma coisa errada evite
de fazer.
Medite na santíssima vida de Jesus e
sua dolosora paixão, ache nela o
necessário é útil para sua
santificação.
O homem passa a gostar
perfeitamente de Deus quando
chega ao ponto de não buscar
consolação em nenhuma criatura.
Não se esqueça que o tempo perdido
não volta mais.

Livro II
Capítulo I
Toda a glória e formosura está no
interior da alma, aprende a desprezar
as coisas exteriores e dar-te às
coisas interiores.
Não deixe que nada entre na sua
alma além de Cristo, se possuíres
Cristo estará rico e de nada mais
necessita, os homens mudam
depressa, porém, a amizade com
Jesus é
para sempre.
Não ponha confiança no homem
frágil e mortal, pois, hoje estão
contigo e amanhã estarão contra ti,
porque os homens são volúveis
como o vento.
As coisas da terra passam e
acabam, assim como também
teremos um fim.
Sofra com Jesus que quis passar
pelas detrações que passou, sofra
com Cristo e por Cristo, se queres
reinar com Ele.
O homem que ama Jesus e a
verdade tem seu interior livre de
afeições desordenadas e pode
elevar-se sobre si mesmo em
espírito, recolhe-se facilmente em
Deus e descansa Nele.
Aquele que avalia as coisas como
realmente elas são e não como os
outros dizem, esse é
verdadeiramente sábio. O homem se
embaraça e se distrai quando se
apega às coisas deste mundo. O
amor desordenado as criaturas
mancha e embaraça o coração do
homem.
Capítulo II
Tenha boa consciência e Deus te
defenderá, nenhum mal dos homens
lhe atingirá.
Aprenda a se humilhar por seus
defeitos, Deus ama os humildes e dá
consolação. O humilde, recebida a
afronta, fica em paz, porque tem sua
confiança em Deus e não no mundo.
Capítulo III
Procura a paz para ti, o homem
pacifico é mais útil do que o douto.
Viva em sossego e não descuide de
seus deveres, não suspeites do mal
de ninguém e não considere apenas
as obrigações dos outros.
Suporta os outros para sua suportem
a ti. Viver em paz com os ásperos é
grande graça, muito mais do que
viver em paz com os mansos.
Toda a paz consiste nesta vida em
considerar o sofrimento com
humildade do que sentir
contrariedades.
Capítulo IV
A simplicidade e a pureza são as
asas que elevam o homem acima
das coisas terrenas. A primeira na
intenção a segunda no afeto.
Sendo o coração reto verás Deus em
toda criatura.
Um coração limpo penetra o céu e o
inferno. Todos fazem julgamentos
das coisas exteriores com suas
disposições interiores.
Quando o homem começa a andar
com valores no caminho de Deus
percebe que as coisas que antes
eram pesadas se tornaram leves e
ligeiras.
Capítulo V
Não devemos confiar demais em
nós, muitas vezes estamos cegos em
nossa alma e repreendemos as
pequenas faltas nos outros e
desculpamos as nossas graves.
Cuide de sua vida interior para ser
um homem que evita falar dos outros
e se ocupe de Deus para não se
abalar com o que vires a sua volta.
Não se esqueça de ti mesmo.
Ama a Deus e despreza tudo que
não vem
Dele e não busque consolação
naquilo que vem das criaturas. So
Deus eterno, imenso e que tudo
enche, é a consolação da alma, e a
verdadeira alegria do coração.
Capítulo VI
O homem de boa consciência pode
suportar muitas coisas e conservar-
se sempre alegre. Se teu coração
sempre te acusa e tens mal
consciência, estará sempre inquieto
e assustado.
A glória do mundo pouco dura, está
sempre acompanhada da tristeza e
nunca está na boca dos homens.
Quem busca a glória temporal é sinal
de que não ama a celestial.
Vive contente e sossegado quem tem
a consciência limpa. Não és mas
santo quando te louvam e sim
quando falam o mal de ti. Não
busque consolações das criaturas,
tenha-se sempre em pouca conta e
tenha uma alma humilde.
Aquele que busca a aprovação dos
homens claramente mostra que não
se entregou em
todo a Deus.
Capítulo VII
Ama e tenha como amigo aquele que
não te faltará quando todos te
abandonarem, nosso amor deve ser
para Jesus que quer ser amado
acima de todas as coisas.
Não confie nem te firmes na afeição
dos homens, pois, são carne que é
como a erva que logo morre.
Busca Jesus em todas as coisas que
sempre acharás Jesus. Pois, aquele
que não busca a Jesus é mais nocivo
a si mesmo do que todos os seus
inimigos.
Capítulo VIII
Quando Jesus está presente e nos
fala interiormente, há uma grande
alegria em nós, mas quando ele está
ausente tudo nos cansa e nada tem
valor.
Estar sem Jesus é penoso inferno e
estar com Jesus é doce paraíso. Se
Ele estiver contigo nenhum inimigo
pode te ofender. Jesus é um tesouro
acima de todo bem.
Se humilde e pacifico para saber
conversar com Jesus, depressa Ele
se apartará de ti se te apegares a
coisas exteriores.
Em Jesus deve amar amigos e
inimigos e a Ele deve dedicar um
amor singular. E não desejes ser
amado nem louvado singularmente,
isso só pertence a Jesus.
Deixe a graça de Deus te invadir e
não será desamparado e será
conformado com a vontade de Deus
para sua vida, pois, após a
tempestade vem a bonança.
Capítulo IX
Não se sinta especial por ter a
consolação divina.
Aprenda a vencer as consolações
humanas, confie em si mesmo e ama
a Cristo e trabalha em suas virtudes.
Quando receber a consolação de
Deus seja agradecido reconhecendo
que é dom Dele. Se acautele, pois,
passado aquela hora virá a tentação.
Mas ainda assim não se desespere,
poderoso é Deus para te dar de
novo uma ainda maior.
Não existiu homem, o mais devoto
que seja, que sendo privado da
consolação divina não sentisse a
diminuição do seu fervor.
Deus dá a consolação para que o
homem tenha mais forças para
suportar as adversidades. O demônio
não dorme e a carne não está morta,
por isso não cesses de te amar para
a batalha.
Capítulo X
Prepara-te com paciência, mais do
que a consolação, quando
receberes, pois esta excede todos os
deleites do mundo. A tentação não
cessa por muito tempo.
Não seja presunçoso e não se faça
mal confiando em si mesmo, todo
nosso bem vem de Deus, seja grato.
Dá a Deus o que é de Deus e atribui
a ti o que é teu.
Ponha-se sempre em último lugar e
alcançará o primeiro, os maiores
diante de Deus são os pequenos. Se
somos fundados
e fortalecidos em Deus jamais
podemos ser soberbos.
Se grato para ser digno de receber
coisas maiores. Nunca é pouco o
que dá um Deus soberano. E seja
paciente e orante quando perdes,
sendo cauto e humilde para que te
seja restituída.
Capítulo XI
Muitos amam a Jesus quando não há
diversidade, todos querem gozar de
sua alegria, poucos querem sofrer
alguma coisa por Ele. Muitos seguem
Jesus até o partir do pão, poucos,
porém, até ao beber do Cálice de
sua paixão.
Que confessemos que somos servos
inúteis, não se avalie por grande.
Quando o homem chega a esse
ponto, então poderá chamar-se
verdadeiro pobre de espírito e
desapegado de tudo, ninguém é
mais rico e poderoso nem mais livre
do que aquele que sabe deixar-se a
si e a todas as coisas, e pôr-se no
último lugar.
Capítulo XII
Renúncia a ti mesmo, toma a tua
cruz e segue-me.
Na cruz estão a salvação e a vida, na
cruz a proteção contra nossos
inimigos.
Se ordenares todas as coisas
conforme teu querer e parecer,
sempre hás de padecer alguma coisa
por força ou por vontade e assim
nunca estarás isento da cruz.
Para qualquer lugar que vá não se
pode fugir de si mesmo, porque onde
quer que fores, levas a ti mesmo
contigo e sempre acharás a ti
mesmo.
Toda a vida de Cristo foi cruz e
martírio e tu queres que a tua seja
descanso e alegria.
Se considerar suas forças, acharás
que nada disto podes fazer, porém,
se confiares no Senhor, do céu te
enviará celestial fortaleza e terás
poder sobre a carne e sobre o
mundo.
Quando chegares ao estado em que
a aflição te seja suave e gostosa por
amor de Jesus, dá-te então por feliz,
porque achaste o
paraíso na terra.
Só é capaz de contemplar as coisas
celestiais, o que se resolve a sofrer
adversidades por Cristo.

Livro III
Capítulo I
Bem aventurada a alma que recebe
do Senhor palavras de consolação e
as ouve fazendo-se de surda e cega
as murmurações e as coisas
exteriores do mundo. Felizes as que
penetram as coisas interiores e se
alegram em Deus se
desembaraçando dos impedimentos
do mundo. Jesus nos diz: deixa as
coisas transitórias e busca as
eternas. Seja fiel e grata a teu criador
para que possa alcançar a
verdadeira bem-aventurança.
Capítulo II
Fala comigo Senhor, porque vosso
servo ouve, já que tendes palavras
de vida eterna. Falai-me para dar
alguma consolação à
minha alma, para ensinar-me a
emendar a minha vida, falai-me para
louvor, glória e honra eterna do
vosso nome.
Capítulo III
Filho ouve minhas palavras
suavissimas que excedem toda a
ciência dos filósofos e sábios deste
mundo. Não se deve usá-las apenas
para o seu agrado, mas deve ouvir
em silêncio e receber-se com toda a
humildade e grande afeto.
Escreve as minhas palavras em teu
coração, e considera-as
atentamente, porque te serão muito
necessárias no tempo da tentação.
Capítulo IV
Filho anda sempre diante de mim em
verdade, pois, se a verdade te
libertar serás verdadeiramente livre e
nenhum cuidado te dará o que os
homens de ti injustamente disserem.
Jesus Cristo é a verdade e nos
ensina o que é justo e o que o
agrada. Nós somos na verdade
pecadores sujeito a muitas paixões e
preso em seus laços.
Tenha como grande as coisas
eternas e ama sobre todas as coisas
a verdade e despreza a tua extrema
vileza.
O Espírito da verdade nos diz ao
coração que devemos desprezar as
coisas terrenas e amar as celestiais,
esquecer o mundo e desejar o céu
de dia e de noite.
Capítulo V
Ó Senhor Deus, santo objeto do meu
amor! Quando entrares em meu
peito, exultarão de alegria as minhas
entranhas. Sois a minha glória e o
júbilo de meu coração; sois a minha
esperança e o meu refúgio no dia da
tribulação.
Livrai-me das paixões más, sarai
meu coração de todos os afetos
desordenados para que, santo e bem
purificado interiormente, seja apto
para amar-Vos, forte para sofrer e
firme para preservar no Vosso
serviço.
O amor muitas vezes não sabe ter
medida,
mas vai além de todos os limites.
Nada lhe pesa, nada lhe custa,
empreende mais do que pode, não
se desculpa com a impossibilidade,
pois crê que tudo lhe é possível e
permitido.
Quem não está disposto a sofrer
tudo por amor a Deus e a fazer
sempre a vontade de seu amado,
não merece que lhe chamem
amante.
Capítulo VI
Filho, o que ama Jesus Cristo com
amor generoso, ama-o mais que tudo
o que Ele dá e põe Nele a sua glória
e não nos dons Dele.
O verdadeiro sinal de virtude sólida e
de grande merecimento é combater
os movimentos desordenados da
alma, e desprezar as sugestões do
demônio.
Peleja como valente soldado, e se
alguma vez caíres por fraqueza de
coração, entra outra vez no combate,
ainda mais valoroso que dantes,
persuadido de que a minha graça te
sustentará mais fortemente, guarda-
te
porém muito da vã complacência e
soberba. Da falta desta vigilância
vem que muitos andam enganados,
e caem algumas vezes numa
cegueira quase incurável.
Capítulo VII
Filho, quando possuires a graça,
pensa quão miserável e pobre és
sem ela. Se sentires securas e
inquietações, não se descuides dos
seus exercícios da oração, a
perfeição da vida espiritual não
consiste só em gozar da consolação
da graça, senão em suportar a
privação dela com humildade.
Não seja imprudente em não
considerar sua fraqueza, seguindo
antes a impetuosidade do seu
coração que o juízo da razão. Muitos
se elevam mais do que Deus queria
e bem depressa perdem a graça que
tinham recebido.
Os que se presumem sábios, raras
vezes sofrem com humildade de que
outrem os dirija.
Quem se considera muito seguro em
tempo
de paz se achará tímido e covarde
em tempo de guerra.
Quando te achares penetrado dum
grande fervor de espírito, é bem que
medites no que será de ti, retirando-
se esta graça.
Capítulo VIII
Abandonado em minhas forças, vejo
que não sou senão fraqueza e um
puro nada, porém, desde que lançais
sobre mim vossos olhos, logo me
sinto forte e cheio duma nova alegria.
Perdi-me amando-me
desordenadamente, porém,
buscando-Vos a Vós só e amando-
Vos puramente, me achei a mim e a
Vós, e do vosso amor recebi um
profundo conhecimento do meu
nada. Ó dulcissimo Senhor, Vós
fazeis por mim muito mais do que eu
me atrevo a esperar e pedir.
Capítulo IX
Filho é necessário que me
reconheças teu soberano e último
fim. Se em alguma coisa busca a ti
mesmo, logo desfaleces e
afrouxas. Refere-se a mim como sua
verdadeira origem e considera todos
os bens inferiores.
Não atribua a ti bem algum e nem a
algum homem a virtude, mas refere
tudo a Deus, sem o qual não tem o
homem coisa alguma.
Quando a minha graça entra em um
coração e o firma na verdadeira
caridade, nem a inveja o ofende,
nem a angústia o oprime, nem o
amor próprio o ocupa.
Capítulo X
Ó fonte de amor perene! Que direi de
Vós? Poderei eu esquecer-me de
Vós, que Vos dignastes lembrar-vos
de mim, quando eu jazia no abismo
da corrupção e da morte? Usaste de
misericórdia com vosso servo sobre
toda esperança, e além de todo
merecimento me concedestes vossa
graça e amizade.
E em verdade só Vós sois digno de
ser por todos servido, honrado e
louvado eternamente.
Inúmeras graças receberão aqueles
que voluntariamente se sujeitarem a
vós. Acharão a suavíssima
consolação do Espírito Santo os que,
por vosso amor desprezarem todos
os atrativos da carne.
Capítulo XI
Filho, quero te ensinar muitas coisas
que ainda não sabes.
Tenha cuidado em não acolher
desejos sobre o qual não me
consultastes, porque pode ser que
depois te arrependas ou que te
desagrade o que primeiro te agradou
e que, por te parecer melhor, o
desejaste.
Deve algumas vezes usar de
violência e resistir varonilmente ao
apetite sensitivo, não atendendo ao
que a carne quer ou não quer, mas
trabalhando por sujeitá-la, apesar de
sua rebeldia, ao império do espírito.
Capítulo XII
Filho, não quero que faças consentir
a paz na isenção de tentações ou em
não encontrar alguma coisa que te
aflija. Se dizeres que
não pode sofrer tanto, como sofrerás
o fogo do purgatório. De dois males
sempre se há de escolher o menor.
Quanto mais se afastar do prazer
que encontras nas criaturas, tanto
mais suaves e eficazes consolações
em mim acharás. Não o conseguirás,
a princípio, sem alguma tristeza e
trabalho na peleja, haverá resistência
do antigo costume inveterado, mas
será vencido por outro melhor. A
carne se revoltará, mas o fervor de
espírito lhe porá freio e afugentarás
a serpente com a oração e com o
trabalho proveitoso para não lhe dar
a principal entrada.
Capítulo XIII
Filho, quando alguém não se sujeita
de bom grado a seu superior, sinal é
que sua carne ainda não obedece
perfeitamente, mas que se rebela
ainda muitas vezes contra o espirito.
Aprende, pois, a submeter-se
prontamente a teu superior, se
desejas ter a tua carne sujeita.
Porque o inimigo de fora é
bem depressa vencido, quando o
homem não tem a guerra dentro de
si mesmo. Não há inimigo pior nem
mais perigoso para tua alma que tu
mesmo. É necessário que te
desprezes a ti mesmo, se queres
vencer a carne e o sangue. Mas
porque ainda te amas
desordenadamente, por isso receias
sujeitar-se de todo à vontade dos
outros.
Aprende a quebrantar tua vontade e
a fazer-te vítima da obediência.
Capítulo XIV
Senhor, não há santidade que possa
durar se a vossa mão soberana não
sustenta. Nenhuma sabedoria será
discreta se vossa luz não a governa.
Nenhuma castidade está segura, se
vós não a defenderes. Não há
fortaleza que ajude, se por vós não
for sustentada. Enfim, nenhuma
cautela pode salvar a nossa alma, se
nos falta vossa santa vigilância.
Deixados a nós mesmos, para logo
nos afundamos e parecemos,
visitados porém por Vós,
levantamos-nos animosos e
vivemos. Inconstantes somos, mas
Vós nos dais firmeza, fazemo-nos
tíbios, mas Vós nos afervorais.
Capítulo XV
Filho, quero que em tudo me fales
assim: Senhor, se for de vossa
vontade o que Vos proponho, faça-
se. Senhor se conheceis o que me é
nocivo e nada proveitoso à salvação
de minha alma, desviai de mim tal
desejo. Porque nem todo desejo é
inspirado pelo Espírito Santo, ainda
que ao homem pareça bom e útil.
A vossa vontade seja a minha e a
minha seja sempre a vossa, e se
conforme em tudo com ela. Vós sois
a verdadeira paz da alma, seu único
descanso, fora de Vós tudo é
inquietação e desassossego.
Capítulo XVI
Tudo o que posso desejar ou pensar
para minha consolação, não o
espero achar na terra senão no céu.
Pois, ainda que eu sozinho gozasse
de todos os prazeres e
delícias do mundo, é certo que tudo
isto passaria num momento. Minha
alma não pode saciar te com
nenhum bem temporal, porque não
és criada para gozar do que é
caduco. Vã e breve é toda a
consolação humana. A ditosa e
verdadeira consolação é aquela que
a verdade nos faz perceber no fundo
do coração. Jesus, seja minha
consolação e priva-me
voluntariamente de toda a
consolação humana.
Capítulo XVII
Filho, deixa-me fazer contigo o que
quero, eu sei o que te convém. Tu
pensas como homem e julgas em
muitas coisas consoante te persuade
o afeto humano.
Senhor, fazei de mim tudo o que
quiserdes, contanto que permaneça
em vós, reta e firme, a minha
vontade. Pois não pode deixar de ser
bom tudo o que fizerdes de mim.
Capítulo XVIII
Filho, eu desci à terra para salvar-te
e desde a hora que nasci até o
momento em que
expirei na cruz não estive nunca sem
dores.
Senhor, se vós padecestes tanto em
vossa vida, cumprindo
principalmente nisto o preceito de
vosso Pai, justo é que eu, miserável
pecador, sofra com paciência
segundo vossa vontade e leve para
minha salvação enquanto vós
quiseres, o peso desta vida mortal.
Oh! Quantas graças não devo dar-
vos por vos haverdes dignado
mostrar-me mim e a todos os fiéis o
caminho direito e seguro de vosso
reino eterno.
Capítulo XIX
Filho, pouco é o que padeces em
comparação do que padeceram os
meus servos, tão fortemente
tentados, tão pesadamente
atribulados, provados e exercitados
por tão diversos modos.
Não é verdadeiro sofredor quem
sofre só o que lhe parece e a quem
lhe parece. Quem possui a virtude da
paciência não olha se aquele que o
maltrata é superior, igual ou
inferior, se é homem bom e Santo, ou
perverso e indigno.
Prepara-te pois para batalha, se
queres conseguir a vitória. Sem
peleja não podes alcançar o prêmio
da paciência. Sem trabalho não se
chega ao descanso, sem peleja não
se consegue a vitória.
Senhor, fazei-me ser possível
alcançar pela graça o que me parece
impossível pela natureza. Bem
sabeis quão pouco posso padecer e
depressa desfaleço à mais leve
adversidade. Fazei depois que eu
deseje e abrace com ardor o
exercício das tribulações para glória
de vosso nome, pois que é de
grande proveito à minha alma sofrer
e ser perseguida por amor de Vós.
Capítulo XX
Senhor, muitas vezes um nada me
abate e me entristece. Algumas
vezes, da coisa mais desprezível me
vem uma grande tentação. Lançai
Senhor os vossos olhos sobre a
minha baixeza e fragilidade, que
melhor
conheceis que eu mesmo. Enfastia-
me viver nesta guerra intestina que
não acaba. O que descobre ainda
mais minha fraqueza, é que os
abomináveis pensamentos que me
acometem entram mais facilmente na
minha alma do que saem.
Animai-me com celestial fortaleza
para que eu despreze perfeitamente
o mundo e trabalhe por viver para
Deus em santa vigilância, não
ignorando a divina doçura, que é
concedida a quem deveras renuncia
a si mesmo e conhece claramente
quão errado vai o mundo e quão
perigosamente se engana quem o
ama.
Capítulo XXI
Minha alma, em tudo e sobre tudo
descansa sempre em Deus, que é o
eterno descanso dos Santos. Fazeis
que vos prefira a todas as
esperanças e promessas que nos
dais hoje, a todos os merecimentos e
bons desejos que podemos ter, a
todas as graças e favores de que
podeis encher-nos, a todas as
consolações e doçuras que podemos
receber de Vós.
Meu coração não pode dar-se por
cabalmente satisfeito senão
elevando-se acima de todas as
criaturas, a fim de descansar em Vós
só.
Venha a mim na extrema pobreza em
que jazo e encha-me de alegria.
Estenda a sua mão e levante este
infeliz da miséria em que está
prostrado. Vinde, meu Deu, vinde,
sem vós não posso ter dia nem hora
alegre, porque sois toda a minha
alegria e vós só podeis encher o
vazio do meu coração.
Filho meu, aqui me tens e venho a ti,
pois me chamaste. As tuas lágrimas
e os desejos de tua alma, a
humildade e a penitência de teu
coração me inclinaram a vir a ti.
Sede, pois, bendito, Senhor, por
haver usado com o vosso servo de
tamanha bondade, segundo vossa
misericórdia infinita.
Capítulo XXII
Senhor, concedei-me que eu
conheça vossa
vontade, e com grande reverência e
diligente consideração tenha na
lembrança vossos benefícios, assim
gerais como particulares, para que
possa daqui em diante dar-Vos por
eles as devidas graças.
Tudo vem de Vós e por isso em tudo
deveis ser louvado. Vós sabeis o que
convém a cada um, e a vós e não a
nós é que pertence discernir porque
um é mais favorecido e outro menos,
porque só Vós é que tendes
determinado a medida dos
merecimentos de cada um dos
homens.
Por isso nenhuma coisa deve causar
tanta alegria a quem vos ama e sabe
apreciar vossos benefícios, como o
fazer-se nele vossa vontade,
executando-se na sua pessoa as
vossas eternas disposições.
Capítulo XXIII
Filho, vou agora te ensinar o
caminho da paz e da verdadeira
liberdade. Senhor, fazei o que dizeis,
que muito grato me é ouvi-lo. Filho,
trata de fazer antes a vontade alheia
que a
tua. Prefere sempre ter menos que
mais. Busca sempre o último lugar e
sujeita-te a todos. Deseja sempre e
roga que se cumpra plenamente em
ti a vontade de Deus. O homem que
assim procede penetra na região da
paz e do descanso. Senhor, este
vosso discurso é breve, mas encerra
muita perfeição. Poucas são as
palavras, cheias, porém, de
sabedoria e de copioso fruto. Se eu
as praticasse fielmente, não me
deixaria perturbar com tanta
facilidade. Pois, todas as vezes que
me sinto inquieto e aflito, verifico
que me desviei desta doutrina. Vós,
porém, que tudo podeis e desejais
sempre o progresso da alma,
aumentai em mim a graça, para que
possa guardar vossos ensinamentos
e levar a efeito minha salvação.
Capítulo XXIV
Filho, não seja curioso, nem te
embaraces com cuidados inúteis. Tu
não tens que responder pelos outros,
mas só a ti hás de
dar conta. Por isso deixa tudo aos
meus cuidados, conserva-te em
santa paz e deixa o buliçoso fazer
quanto quiser. Não corras após essa
sombra que chamam um grande
nome, ou fama, não desejes nem a
familiaridade de muitos, nem o amor
particular de algum homem. Tudo
isso dissipa o espírito e obscurece
consideravelmente o coração. Sê
diligente, vigia na oração e humilha-
te em todas as coisas.
Capítulo XXV
Filho, todos desejam a paz, mas nem
todos buscam as coisas que dão a
verdadeira paz. A minha paz é para
os humildes e mansos de coração.
Tu acharás paz na grande paciência.
Se me ouvires e seguires a minha
voz, gozarás de muita paz.
Não penses pois ter achado a
verdadeira paz quando te acontece
não sentires alguma contradição,
nem te pareça que o teu maior bem
consiste em não ter inimigos, nem
creias que a tua vida é perfeita
porque tudo sucede à medida do teu
desejo. Guarda-te também de ter em
grande conta e de pensar que Deus
te ama particularmente. É
necessário, além disso, que sejas tão
firme, tão constante na esperança,
que privado interiormente de toda a
consolação, prepares teu coração
para maiores provações sem nunca
te justificares a ti mesmo, como se
não merecesse sofrer tanto, mas
reconhecendo, pelo contrário, a
minha justiça e louvando a minha
santidade em tudo o que te suceder.
Capítulo XXVI
Senhor, meu piedosíssimo Deus,
peço-Vos que me livrei dos cuidados
desta vida, para que não me detenha
neles em demasia, das necessidades
corporais, para que não me domine a
sensualidade, das tentações da
alma, para que a aflição não me
quebre e abata.
Não me vença, Deus meu, não me
vença a
carne e o sangue, não me engane o
mundo com a sua breve glória, não
se suplante o demônio com a sua
astúcia. Dai-me forças para resistir,
paciência para sofrer, constância
para perseverar. Concedei-me usar
de tudo que me é necessário com tal
moderação que não lhe consagre
demasiado afeto. Guia-me, Senhor
vossa mão, entre estes dois
extremos, a fim de que, instruído por
Sua voz, me preserve de todo o
excesso.
Capítulo XXVII
Filho, se me queres possuir todo, é
necessário que te dês todo a mim e
que nada em ti seja teu. Sabe que o
teu amor próprio te é mais nocivo
que nenhuma coisa do mundo.
Segundo for o amor e o afeto que
tiver às coisas da terra e assim
estarás mais ou menos ligado a elas.
Se o teu amor por puro, singelo e
bem regulado, não serás escravo de
nenhuma. Não cobices o que não te
é permitido possuir. Renuncia ao que
ocupa demasiadamente a tua alma e
lhe tira a
liberdade interior.
Sustentai-me, Senhor, pela graça do
Espírito Santo. Dai-me, Senhor,
sabedoria celestial para que aprenda
a buscar-Vos e a achar-Vos, a
gostar-Vos e a amar-Vos sobre todas
as coisas, e a ter em nenhuma conta
tudo o mais, segundo a ordem da
vossa sabedoria. Dai-me prudência
para desviar do lisonjeiro, e
paciência para sofrer o inimigo.
Capítulo XXVIII
Filho, não te escandalizes se alguns
tiverem má opinião de ti e disserem o
que não quiseres ouvir. Tu deves
pensar ainda mais mal de ti e crer
que és o mais imperfeito de todos os
homens. Se andares recolhido dentro
de ti, que te importarão as palavras
que o vento leva? É grande
prudência saber calar-se no tempo
adverso e voltar-se para mim de
coração, sem se inquietar do que
dirão os homens.
Onde está a verdadeira paz e glória
verdadeira? Não é porventura em
mim? O que
não deseja agradar aos homens nem
teme desagradar-lhes, esse gozará
de muita paz. Do amor desordenado
e do vão temor nasce todo o
desassossego do coração e a
distração dos sentidos.
Capítulo XXIX
Senhor, seja vosso nome para
sempre bendito, pois quisestes
provar-me com esta tribulação. Sinto-
me atribulado, meu coração está
desassossegado por causa desta
paixão que o atormentava vivamente.
Vós permitistes que eu chegasse a
este estado para que sejais
glorificado quando eu estiver muito
abatido e for por Vós livre. Poderosa
é a vossa mão onipotente para
afastar de mim esta tentação e
moderar sua violência, para que não
sucumba de tudo, como tantas vezes
tendes feito para comigo, Deus meu,
misericórdia minha.
Capítulo XXX
Filho, eu sou o Senhor, sou eu que
dou conforto no dia da tribulação.
Vem a mim
quando te achares aflito. O que mais
impede de receber a consolação
celeste é o recorreres tarde à oração.
Antes que ores com atenção,
procuras consolar-te, recreando-te
com divertimentos exteriores.
Onde está a tua fé? Tem firmeza e
perseverança. Sê varão forte,
magnânimo, e há seu tempo te virá a
consolação. Tentação é o que te
atormenta e vão temor o que te
assusta. Que ganhas atormentando
o espírito sobre futuros incertos,
senão acrescentar tristezas a
tristezas? A cada dia basta o seu
mal. É pensamento vão e inútil ir
buscar motivos de tristezas ou de
alegrias no futuro que talvez não
acontecerá nunca.
Quando pensas que estás longe de
mim, então de ordinário estou mais
perto de ti. Quando te parece que a
tua perda é quase inevitável então
muitas vezes é ocasião de adquirires
maiores merecimentos.
Não te julgues inteiramente
desamparado do meu socorro, ainda
que te envie de tempos a
tempos alguma tribulação, ou te prive
da consolação desejada, porque é
este o caminho por onde se vai ao
reino dos Céus. E sem dúvida te
convém mais a ti, e aos demais
servos meus, serdes exercitados nas
adversidades do que suceder-vos
tudo segundo vossos desejos.
O que te dou é sempre meu, quando
te tirar, não tomo coisa tua, pois,
minha é qualquer dádiva excelente e
todo o dom perfeito. Se te enviar
alguma pena ou contradição, não te
entristeças, nem desfaleça teu
coração. Bem depressa posso
aliviar-te e mudar em alegria tudo o
que te aflige. E quando assim uso
contigo, sou justo e digno de ser
louvado. Se julgares das coisas,
segundo a sabedoria e a verdade,
não te deves afligir nem desanimar-
te com os trabalhos, mas antes
alegrar-te e dar-me por eles graças.
Capítulo XXXI
Senhor, necessária me é ainda muita
graça, para chegar ao estado em que
nenhuma
criatura me possa impedir. Porque,
enquanto alguma coisa me prender,
não poderei livremente voar a Vós. É
necessário, pois, que a alma se
eleva acima das criaturas, se
desapegue totalmente de si mesma
para que, assim arrebatada fora de
si, compreenda que vós sois o
Criador de todas as coisas e que
nenhuma semelhança tem com as
criaturas. A causa porque hoje há tão
poucas pessoas comtemplativas, é
porque são raros os que sabem
desapegar-se inteiramente das
criaturas e dos bens transitórios.
Quem não ama só o único, imenso e
eterno Bem, permanecerá muito
tempo no seu estado imperfeito.
Tudo o que não é de Deus, é nada, e
por nada se deve contar. Há grande
diferença entre a sabedoria do
homem iluminado e devoto, e a
ciência que o douto adquire pelo
estudo. Há muitos que desejam
elevar-se à contemplação, mas que
não trabalham por adquiri-la. Não
consideramos até onde descem
nossos afetos, nem
choramos vendo que tudo em nós é
impuro. Quando, pois, os nossos
afetos interiores estão corrompidos,
corrompem necessariamente nossas
ações e descobrem assim toda a
fraqueza de nossa alma. A natureza
não considera senão o exterior do
homem, a graça porém penetra no
seu interior. Aquela muitas vezes se
engana, esta espera em Deus para
não ser enganada.
Capítulo XXXII
Filho, não podes gozar de perfeita
liberdade, sem que renuncies
inteiramente a ti mesmo. Em
escravidão vivem todos os que se
amam e buscam a si mesmos.
Andam inquietos, ávidos, curiosos,
buscando sempre o que adula os
sentidos e não o que me agrada,
nutrindo-se de ilusões e formando mil
projetos, que se dissipam. Tudo que
não vem de Deus não pode ser firme
e permanente. Filho, não deves
esmorecer nem logo perder o ânimo,
quando te mostram o caminho dos
homens perfeitos, mas antes forçar
por
chegar a esse estado sublime ou
pelo menos aspirar a ele com o
desejo.
Capítulo XXXIII
Filho, não confie na tua disposição
presente, experimentas agora certos
afetos, daqui a pouco sentiras os
outros diferentes. Enquanto viver
estará sujeito a mudanças, ainda que
não queiras, se acharás triste, ora
alegre, umas vezes sossegado,
outras inquieto, hoje fervoroso,
amanhã tíbio, já ativo, já preguiçoso,
hora sério, hora leviano. Mas o
verdadeiro sábio instruído nos
caminhos espirituais, eleva-se acima
destas vicissitudes. Quanto mais
puros forem os olhos da alma e mais
reta a sua intenção, tanto mais
constante estará entre as diversas
tentações. É coisa raríssima achar
uma alma que esteja inteiramente
livre de buscar o seu próprio
interesse.
Capítulo XXXIV
Eis o meu Deus e o meu tudo! Que
mais quero eu? E que maior
felicidade posso eu
desejar? O doce palavra: o meu
Deus é o meu tudo! Palavra
suavíssima, mas para quem ama a
Deus e não o mundo nem o que nele
há! Esta palavra é bastante para
quem a entende, e o repeti-la muitas
vezes é para ele coisa de sumo
gosto. Porque estando Vós presente,
tudo e agradável, estando ausente,
tudo enfastia e aborrece. Vós dais ao
coração sossego, doce paz e
inalterável alegria. Ó luz eterna,
purificai, alumiai, vivificai minha alma
e todas as suas potências, para que
se una convosco em transportes de
alegria. Oh! Quando virá essa ditosa
e desejada hora em que me sacieis
de vossa presença e me sejais tudo
em todas as coisas. Enquanto isto se
me não conceder, não terei alegria
perfeita. Ainda sua concupiscência
combate fortemente contra o espírito,
move em mim guerras interiores e
não deixa reinar a paz em minha
alma.
Capítulo XXXV
Filho, nunca estarás seguro nesta
vida, por
isso, enquanto viveres, sempre te
serão necessárias as armas
espirituais. Anda cercado de
inimigos, à direita e à esquerda te
acometem. Se, pois, te não cobrires
por todos os lados com o escudo da
paciência, não estarás por muito
tempo sem feridas. Se nesta vida
buscas descanso, como chegarás
depois à eterna bem-aventurança?
Não esperas ter aqui muito
descanso, mas arma-te de paciência
para sofrer muito. Procura a
verdadeira paz, não na terra senão
no céu, não nos homens nem em
criatura alguma, senão em Deus só.
Capítulo XXXVI
Filho, põe o teu coração firme em
Deus e não temas os juízos dos
homens, quando a consciência não
te acusa. Bom e ditoso é também
padecer desta sorte, e isto não é
duro ao coração humilde que confia
mais em Deus que em si mesmo. A
maior parte dos homens fala
demasiadamente e por isso deve-se
dar pouco crédito ao que dizem Além
de que não é possível contentar a
todos. Teme a Deus e não temerás
as ameaças dos homens. Que te
pode fazer aquele que te desonra
com palavras ou injúrias? Mais dano
faz a si mesmo que a ti, e, seja ele
quem for, não poderá fugir ao juízo
de Deus. Põe os olhos em Deus e
põe de lado as palavras de
queixume. E se agora pareces
sucumbir e sofrer confusão que não
mereceste, não murmures por isso,
nem pela impaciência diminuas tua
vitória.
Capítulo XXXVII
Filho, deixa-te e achar-me-ás a mim.
Vive sem vontade nem amor próprio
e crescerás sempre na virtude. Logo
que renunciares a ti sem reserva,
derramarei sobre ti abundantes
graças. Deve renunciar sempre e a
cada hora, assim no pouco como no
muito. Nada excetuo, e exijo que
estejas despojado de tudo.
Muitas vezes te tenho dito e ainda te
repito, deixa-te a ti, renuncia-te, e
gozarás de grande
paz interior. Dá tudo para achar tudo,
nada busques, nada peças,
permanece firmemente unido a mim,
e me possuirás. Teu coração será
livre e desembaraçado das trevas
que o obscurecem. Encaminha todos
os teus esforços, desejos e orações
afim de despojar-te de todo o
interesse próprio, para seguir assim
a Jesus despido de tudo, morrer para
ti e viver para mim eternamente.
Então se desvanecerão todos os
vãos pensamentos, as penosas
inquietações e os cuidados
supérfluos. Então também
desaparecerá o temor excessivo, e
morrerá em ti o desordenado amor
de ti mesmo.
Capítulo XXXVIII
Filho, em qualquer lugar que estejas,
qualquer coisa que faças, em
qualquer ocupação que tem aches,
cuida muito em viver sempre livre no
interior e ser senhor de ti, de sorte
que tudo esteja sujeito e tu não
estejas a coisa alguma. Conserva
sobre tuas ações um império
absoluto, sê senhor delas
e não escravo seu. Se, em qualquer
acontecimento, não te fundares na
aparência exterior e não
considerares só com os olhos da
carne o que vires e ouvires, se
entrares primeiro, como Moisés no
tabernáculo, para consultar o senhor,
ouvirás algumas vezes o seu divino
oráculo e voltarás instruído de muitas
coisas presentes e futuras. Assim
deves tu retirar-te ao secreto de teu
coração, para implorar com mais
eficácia o auxílio de Deus.
Capítulo XXXIX
Filho, confia-me sempre tuas
preocupações, e eu farei que elas
tenham a seu tempo o devido efeito.
Espera o que eu te ordenar e tirarás
desta submissão grande proveito.
Muitas vezes o homem busca com
afinco uma coisa que deseja, mas,
logo que alcança, começa a perder-
lhe o gosto, porque nada há durável
nas afeições que passam facilmente
dum objeto para outro. Por esta
causa eu te disse na pessoa dos
meus
Apóstolos: "Vigiai e orai para que não
entreis em tentação".
Capítulo LX
Senhor, o que é o homem, para que
Vós lembreis dele? E que é o filho do
homem, para que o visiteis? Por
certo que não posso pensar, nem
dizer com verdade, senão isto: "Nada
sou, Senhor, nada posso, nada de
bom tenho de mim, de tudo que é
bom acho-me vazio" e caminho
sempre para o nada. Contudo, logo
me acho menos fraco quando vós
dignais estender-me vossa mão
auxiliadora, porque Vós só, sem
humano favor, me podeis socorrer e
fortificar, de tal sorte que não esteja
jamais sujeito a todas essas
mudanças, e meu coração só para
Vós se converta, e em Vós só
descanse para sempre. Graças vos
dou, Senhor, por serdes a fonte de
que dimana todo o bem que me
sucede. Toda a glória humana, toda
a honra temporal, toda a grandeza
do mundo, comparada com vossa
eterna glória, é
vaidade e loucura. Ó verdade minha
e misericórdia minha, Deus meu,
Trindade beatíssima! A Vós seja
dada honra, virtude, louvor e glória
por séculos sem fim!
Capítulo XLI
Filho, não te molestes se vires honrar
engrandecer a outros e tu seres
desprezado e abatido. Levanta teu
coração a mim, que estou no céu, e
não te entristecerás de que os
homens te desprezem na terra.
Confusão e desprezo, eis o que que
me é justamente devido, e a Vós,
louvor, honra e glória. E se não
dispuser a sofrer com alegria, a
desejar até ser desprezado e
malquisto de todas as criaturas e tido
por nada, não poderei nem possuir
dentro em mim uma paz segura, nem
receber a luz espiritual, nem viver
perfeitamente unido a Vós.
Capítulo XLII
Filho, se pões a tua paz em algumas
pessoas por serem do teu mesmo
parecer e viverem na tua habitação,
estarás sem firmeza e
liberdade. Porém, se buscares a
verdade imutável e sempre viva, não
sentirás tristeza na ausência nem na
morte do amigo. Em mim se há de
fundar o amor do amigo e por mim se
deve amar todo aquele que te
parecer virtuoso e te for mui caro
nesta vida. Sem mim é estéril a
amizade e pouco dura, nem é
verdadeiro nem puro o afeto do que
eu não sou o laço. Quando olhas
para as criaturas, perdes a vista do
Criador. Aprende a vencer-te em tudo
por causa dEle e, então, poderás
chegar a conhecer este Senhor. Uma
coisa, por pequena que seja, se se
olha e ama desordenadamente, este
amor faz grande dano à alma e a
separa do sumo bem.
Capítulo XLIII
Filho, não te deixeis levar da
formosura e sutilezas dos discursos
dos homens, "porque o reino de
Deus não consiste em palavras,
senão em obras". Está atento as
minhas palavras, que inflamam o
coração, alumiam o entendimento,
enternecem a alma
e a enchem de consolação. Nada
leias para parecer mais douto ou
mais sábio. Estuda o modo de
mortificar tuas paixões, isto te será
mais útil que o conhecimento das
questões mais dificultosas. Por mais
estudo que faças, por mais ciência
que tenhas, convém-te sempre voltar
a mim como a único princípio e fim
de todos os conhecimentos. Aquele,
a quem eu falo, bem depressa
possuirá a sabedoria e se adiantará
maravilhosamente na vida espiritual.
Ai daqueles que buscam na ciência
dos homens de que nutrir a sua
curiosidade e trata um pouco de
saber o que devem obrar para me
servir. Os livros falam a todos a
mesma linguagem, mas ela não
produz em todos as mesmas
impressões, porque eu só ensino a
verdade interiormente, esquadrinho
os corações, penetro os
pensamentos, excito a obrar e
distribuo a cada um meus dons
segundo me apraz.
Capítulo XLIV
Filho, deves muitas vezes fazer-te
surdo a
muitas coisas, para poderes
conservar a paz de tua alma. Vale
mais apartar os olhos do que não te
agrada e deixar cada um em seu
parecer, que ocupar-te em
argumentos e disputas. Se estiveres
bem com Deus e tiveres presente
seu juízo, facilmente te darás por
vencido. Não se atente ao pouco e
aproveite do que é muito mais
necessário e não faz caso, porque o
homem todo se dá as coisas
exteriores e nelas descansa com
prazer, se Vós a entrar em si mesmo.
Capítulo XLV
Senhor, quantas vezes busquei em
vão a fidelidade onde pensei achá-
la? Quantas vezes também a achei
onde menos a presumia? Vaidade é,
pois, esperar nos homens, porém
Vós sois, meu Deus, a salvação dos
justos. Bendito sejais, Senhor, em
tudo o que nos acontece. Fracos
somos e inconstantes, a menor coisa
nos engana e nos faz mudar. Que
homem há aí tão vigilante e que
alguma vez não caia em
engano ou tribulação? Mas o que
confia em Vós, Senhor, e Vos busca
com sincero coração, não resvala tão
facilmente. E se cair em alguma
tribulação, de qualquer maneira que
estiver enlaçado nela, depressa será
por Vós livre ou consolado, porque
não desampararais para sempre ao
que em Vós confia. Sábia é a alma
que diz em vista aos maiores
tormentos: "Meu coração está seguro
e firme em Jesus Cristo!" Se eu
estivesse neste feliz estado, não me
perturbaria tão depressa o temor
humano nem me ofenderia as
palavras injuriosas. Senhor ponde na
minha boca palavras sinceras e
verdadeiras, e apartai da minha
língua toda a cavilação de artifício,
pois quero totalmente evitar em mim
o que não quero sofrer nos outros.
Quanto é seguro para conservar a
graça celestial fugir das pompas
aparentes do mundo e de tudo o que
pode procurar-nos a admiração das
gentes, e trabalhar cuidadosamente
por adquirir tudo o
que pode dar-nos a emenda da vida
e um novo fervor! A quantos homens
tem sido funesta uma virtude,
conhecida e louvada antes do tempo!
Quão proveitosa, pelo contrário, foi
sempre a graça guardada em
silêncio nesta vida frágil, a qual se
passa em tentação e peleja!
Capítulo XLVI
Filho, está firme e espera em mim.
Que são as palavras dos homens
senão palavras? Ferem o ar, mas
não ofendem a quem está firme e
sólido como o rochedo. No entanto,
se tua consciência de nada te acusa,
lembra-te que deves sofrer com
alegria esta ligeira pena por amor de
Deus. Quem não anda recolhido
interiormente e não traz a Deus
diante dos olhos, facilmente se
comove com a menor palavra que o
ofende. Mas quem confia em mim e
não se apega ao seu próprio parecer,
não terá nada que temer dos
homens. O testemunho dos homens
muitas vezes é falso, mas o meu
juízo sempre é
verdadeiro, ele subsistirá e não será
revogado. O que parece louvável ao
juízo dos homens, muitas vezes é
criminoso a meus olhos.
Capítulo XLVII
Filho, não esmoreças nos trabalhos
que por mim empreendeste, nem te
desanimes com as tribulações, mas
em tudo que te acontecer, minhas
promessas o consolem e fortifiquem.
Eu sou assaz poderoso para dar-te
uma recompensa sem limites e sem
medida. Os trabalhos que agora
aparece não serão dilatados, nem
sempre viverás oprimido de dores.
Espera um pouco e verás quão
depressa passam os males. Virá uma
hora em que cessará todo o trabalho
e inquietação. Sempre é breve tudo o
que passa com o tempo. Faze com
cuidado o que tem que fazer,
trabalha fielmente na minha vinha e
eu mesmo serei a tua recompensa.
Escreve, canta, suspira, guarda
silêncio, ora, sofre varonilmente a
adversidade: a vida
eterna merece ser comprada por
estas ou outras maiores pelejas.
Levanta, pois, os olhos ao céu. Ali é
onde eu habito com todos os meus
Santos: eles sustentaram neste
mundo grandes combates, e agora
se alegram, cheios de consolação e
segurança, agora descansam em
paz e permanecerão para sempre
comigo no reino do meu Pai.
Capítulo XLVIII
Oh Senhor! Quando virá o fim de
todos os males! Quando me verei
livre da miserável escravidão dos
vícios? Quando me lembrarei
Senhor, de Vós só? Quando me
alegrarei plenamente em Vós?
Quando gozarei da verdadeira
liberdade, sem impedimento nem
embaraço de corpo e espírito?
Quando possuirei essa paz sólida,
essa paz imperturbável e segura,
essa paz interior e exterior, paz de
todo permanente e invariável? Oh!
Bom Jesus! Quando me será dado
ver-Vos. Quando contemplarei a
glória do vosso reino! Quando me
serei tudo em todas as
coisas! Quando estarei convosco no
"reino que preparaste desde toda
eternidade para os que Vos amam!"
Consolai o meu desterro, mitigai a
dor do meu coração, que por Vós
suspira com todo o ardor dos meus
desejos. Todo o prazer do mundo é
para mim penoso tormento. Desejo
estar unido com as coisas celestiais,
porém, minhas paixões imortificadas
me arrastam para terra. Minha alma
aspira a elevar-se acima de todas as
coisas, porém, a carne me violenta e
estar sujeito a elas. Deste modo, eu,
homem infeliz, comigo pelejo "e sou
pesado assim mesmo" vendo que o
espírito busca elevar-se e a carne
abater-se. Chamai a Vós todos os
meus sentidos, fazei-me esquecer
todas as coisas mundanas, dai-me
resolução para lançar longe de mim
até as sombras dos vícios. Socorrei-
me, verdade eterna, para que não
me seduza vaidade alguma. Vinde a
mim, suavidade celestial, e fuja da
vossa presença toda a torpeza.
Perdoai, Senhor,
pela Vossa misericórdia, as minhas
distrações na oração. Pois confesso
com verdade que nela estou de
ordinário bem distraído. Em pé ou
sentado, muitas vezes não estou
onde está meu corpo, mas, antes,
onde me leva o meu pensamento. E
meu pensamento está de ordinário
onde está o que amo. Se amo o céu,
com gosto penso nas coisas
celestiais. Se amo o mundo, alegro-
me com as prosperidades mundanas
e entristeço-me com suas
adversidades. Se amo a carne,
muitas vezes penso nas coisas
carnais. Se amo o espírito, em coisas
espirituais me deleito. Porém, bem-
aventurado aquele homem, ó meu
Deus, que, por amor de Vós,
desterra de sua lembrança todas as
criaturas, que faz violências ao seu
natural e crucifica os apetites carnais
com o fervor do espírito, para que,
serenada sua consciência, vos
ofereça uma oração pura, e
desembaraçado interior e
exteriormente de tudo que é
terrestre, se faça digno de adorar
a Deus em espírito na companhia de
seus anjos.
Capítulo XLIX
Filho, quando sentires que o desejo
da eterna bem-aventurança te é
infundido do alto e quando aspirares
a sair do cárcere do corpo para
contemplar minha luz sem sombra
nem vicissitudes, dilata teu coração e
recebe com amor esta santa
inspiração. Dá muitas graças à
soberana bondade que assim se
digna favorecer-te, visitar-te com
clemência, mover-te com eficácia,
sustentar-te com vigor, para que não
decaias com teu próprio peso para
as coisas terrenas. Porque nada
disto é o fruto de teus pensamentos
ou de teus esforços, senão uma
graça de Deus, que sobre ti lançou
olhos de bondade, a fim de que,
crescendo em virtude e humildade, te
prepares para novos combates, e
todo o teu coração se una a mim
com vontade firme de me servir.
Assim alguns, posto que abrasados
de desejos das coisas celestiais,
não estão ainda inteiramente livres
da tentação dos afetos carnais. Hás
de ser ainda provado em terra e
passar por vários exercícios. De
tempos em tempos, receberás
algumas consolações, mas nunca
assaz abundantes para saciar teus
desejos. “Conforta-te, pois, e toma
ânimo”, para cumprir e padecer
coisas que repugnam à natureza.
Capítulo L
Senhor Deus, Pai Santo, agora e
para sempre seja bendito, porque se
faz como Vós quereis e é bom o que
fazeis. Alegre-se vosso servo em
Vós, não em si nem  em algum outro,
porque Vós só sois a verdadeira
alegria: Vós, Senhor, sois minha
esperança, minha coroa, meu gozo e
minha alegria e minha glória. Eu
desejo e suplico a alegria dessa paz
que concedeis aos vossos filhos, a
quem alimentais com a luz de vossas
consolações. Vós me derdes a paz,
se derramardes em mim vossa santa
alegria, ficará a alma do
vosso servo cheia duma doce
melodia, e, transportado de amor,
cantará vossos louvores. Pai justo e
sempre digno de louvor, é chegada a
hora em que vosso servo deve ser
provado. Pai amoroso, justo é que
vosso servo sofra alguma coisa
nesta hora por vosso amor. É
necessário que por um pouco de
tempo seja abatido, humilhado,
aniquilado diante dos homens,
consumido de sofrimentos e
enfermidades, a fim de que
ressuscite convosco na aurora da
nova luz e entre na posse da glória
do paraíso. É igualmente útil para
mim que o meu rosto se haja coberto
de confusão, para que assim
aprenda a procurar consolação antes
em Vós que nos homens. Pai
amantíssimo, eis-me aqui em vossas
mãos, inclino-me debaixo da vara
que me castiga. Feri minhas costas e
minha cerviz, para que sujeite a
minha vontade à vossa. Vós
conheceis todas e cada uma das
coisas, e nada vos é oculto na
consciência dos homens. Conheceis
o futuro
antes que ele aconteça e não é
necessário que ninguém vos ensine
ou vos advirta do que se passa na
terra. Sabeis o que convém para
meu adiantamento e quanto me
aproveita a tribulação para limpar a
ferrugem dos vícios. Disponde de
mim segundo vossa vontade e não
me desprezeis por causa da minha
vida pecaminosa, que ninguém
conhece melhor que Vós. Concedei-
me, Senhor, que eu saiba o que devo
saber, ame o que devo amar, louve o
que vos é agradável, estime o que
Vós apreciais e aborreça tudo o que
vos é odioso. Não permitais que eu
julgue segundo as exterioridades que
vejo, nem que sentenceie segundo o
que ouço dos homens ignorantes,
mas dai-me graça para que possa
discernir com verdadeiro juízo entre
as coisas visíveis e as espirituais, e,
sobretudo, que busque sempre o que
é mais conforme à vossa soberana
vontade. Por ventura um homem é
melhor porque outro homem tem
dele com conceito? Quando um
homem exalta a outro, é um
mentiroso que engana a outro
mentiroso, um soberbo que engana a
outro soberbo, um cego que engana
a outro cego, um doente que engana
a outro doente, e os vãos louvores
são uma verdadeira confusão para
quem os recebe.
Capítulo LI
Filho, não podes conservar-te
sempre no desejo fervoroso das
virtudes, nem no mais alto grau da
contemplação, porém, é necessário,
por causa do vício de tua origem,
que desças algumas vezes a coisas
mais baixas, e suportes, ainda que te
pese e enfastie, a carga desta vida
corruptível. Enquanto viveres neste
corpo mortal, sentirás tédio e
angústias de coração. Convém, pois,
que na carne gemas muitas vezes
debaixo do meu peso; porque não
podes ocupar-te perfeitamente nos
exercícios e na divina contemplação.
Busca, então, um refúgio nas
humildes ocupações exteriores e nas
boas obras uma distração
que te anime, espera com firme
confiança a minha vinda e a visita da
minha graça, sofre com paciência o
teu desterro e a secura do teu
espírito, até que eu venha visitar-te
de novo e te livre de todas as tuas
penas. Eu virei e farei com que te
esqueças dos teus trabalhos e gozes
de grande serenidade interior.
Exporei à tua visita o delicioso jardim
das minhas escrituras, para que,
dilatado de amor o teu coração, te
faça “correr no caminho de meus
mandamentos”.
Capítulo LII
Senhor, não sou digno que me
consoleis e visiteis algumas vezes
espiritualmente, e por isso
justamente usais comigo, quando me
deixais pobre e desconsolado. Ainda
que derramar pudesse um mar de
lágrimas, nem por isso seria digno de
vossas consolações. Nada mais
mereço que ser afligido e castigado,
porque vos ofendi gravemente e
muitas vezes, e pequei muito e de
muitas maneiras. Vossas
consolações não são
como as vãs palavras do homem.
Que é o que principalmente exigis de
um réu, um miserável pecador,
senão que se humilhe e arrependa
de seus pecados? O verdadeiro
arrependimento e humildade do
coração produzem a esperança do
perdão, acalmam a consciência
perturbada, reparam a graça perdida,
protegem o homem contra a ira
futura, e então é que se juntam no
ósculo da paz de Deus e a alma
contrita. Esta dor humilde dos
pecados é para Vós, Senhor, um
sacrifício agradável e de um cheiro
mais suave que o do incenso. A
contrição é o lugar do nosso refúgio,
onde nos salvamos da ira do inimigo,
nela se emenda e purifica o pecador
de todas as culpas que mancham
sua consciência.
Capítulo LIII
Filho, minha graça é um dom
precioso, e ele não sofre mistura de
coisas estranhas, nem de
consolações terrenas. Convém, pois,
remover todos os obstáculos a graça,
se
desejas receber a sua infusão.
Procura o retiro, ama estar só
contigo, deixa as conversações
mundanas, Ora devotamente a Deus,
para que te dê compulsão da alma e
pureza de consciência. É necessário
que te apartes de conhecidos e
amigos, e que teu espírito viva
retirado de todo o prazer temporal. O
bem-aventurado Apóstolo Pedro roga
a todos os fiéis cristãos" que se
considerem como estrangeiros e
peregrinos neste mundo". Se
contudo quiser entrar
verdadeiramente na vida espiritual, é
preciso que renuncie aos estranhos e
a todos, e que de ninguém se guarde
mais que de si mesmo. Se te
venceres a ti, vencerás facilmente
tudo o mais. A maior de todas as
vitórias é vencer-se cada um a si
próprio. Aquele, pois, que tem a sua
alma sujeita de sorte que os sentidos
obedeçam a razão e a razão me
obedeça a mim em tudo, esse é
verdadeiramente vencedor de si e
senhor do mundo. Desde amor
desordenado que o
homem tem a si mesmo, nasce
quase todos os vícios que ele deve
vencer e desarraigar, e logo que ele
tiver vencido e subjugado este mal,
gozará de contínua paz e grande
sossego. Aquele, porém, que deseja
seguir-me livremente, é necessário
que mortifique todas as suas
inclinações desordenada e que não
tome afeição a criatura alguma com
amor apaixonado.
Capítulo LIV
Filho, cuida em bem discernir os
movimentos da natureza dos da
graça, porque, ainda que muito
oposta a diferença entre eles é tão
imperceptível que apenas um
homem iluminado interiormente pode
discerni-lo entre si. Todos os homens
desejam o bem, e no que dizem e
fazem tendem a algum bem, por isso
muitos se enganam com as
aparências do bem. A natureza é
astuta, arrasta a maior parte dos
homens, os enreda e seduz, e não
tem outro fim senão ela mesma. A
graça porém trabalha com
simplicidade, evita as menores
aparências do mal, não se serve de
disfarces e artifícios, e faz tudo
puramente por Deus, em quem
descansa como em seu fim último. A
graça leva o homem a mortificar-se,
resiste à sensualidade, quer estar
sujeita, deseja ser vencida e não
quer usar de sua própria liberdade,
gosta da dependência, não cobiça
dominar a ninguém, mais viver, servir
e estar sempre debaixo da mão de
Deus, e por Deus"está pronta a
abaixar-se humildemente a qualquer
criatura humana". A natureza é
ambiciosa, tem por alvo a utilidade
que lhe pode vir. A graça, porém, não
considera o que é útil e conveniente,
senão o que aproveita a muitos. A
natureza recebe de bom grado honra
e o respeito. A graça atribuie
fielmente a só Deus toda a honra e
glória. A natureza teme a confusão e
o desprezo, a graça alegra-se em
parecer injúrias pelo nome de Jesus.
A natureza ama o ócio e descanso
corporal. A graça, porém não pode
estar ociosa, antes
folga em trabalhar. A natureza busca
as coisas raras e formosas, e detesta
o que é vil e grosseiro. Mas a graça
deleita-se nas coisas simples e
humilde, não desdenha a severa
aspereza nem recusa vestir-se de
panos de pobres. Folga a natureza
com as consolações exteriores em
que se deleitam os sentidos, só em
Deus quer a graça consolar-se,
elevando-se acima das coisas
visíveis no sumo bem põe todas as
suas delícias. A graça ensina a
reprimir os sentidos, a fugir de vã
complacência e ostentação, a
esconder humildemente o que
merece elogio e estima, a não buscar
em todas as coisas e em toda a
ciência, senão o que pode ser útil
para honra e glória de Deus. Quem a
possui não quer jamais se louvado
em si nem no que lhe pertence, mas
deseja que Deus seja glorificado em
seus dons, que todos espalha com
puríssimo amor. Assim que, quanto
mais fraca e a batida é a natureza,
tanto maior graça dela se infunde, e
cada dia, com visitações novas, se
vai reformando o homem interior
segundo a imagem de Deus.
Capítulo LV
Deus e Senhor meu, que me criastes
à vossa imagem e semelhança,
concedei-me esta graça que
declarasse ser tão excelente e
necessária para a salvação, para que
eu possa vencer minha natureza
corrupta, que me arrasta ao pecado
e leva à perdição. "Porque sinto em
minha carne a lei do pecado que
contradiz a lei do Espírito", e me leva
o cativo a obedecer em muitas
coisas à sensualidade, nem poderei
resistir às suas paixões, se Vós me
não socorrer, reanimando meu
coração com a efusão de vossa
divina graça. Deus meu, "me deleito
em vossa lei, segundo o homem
interior, reconhecendo que vossos
mandamentos são bons, justos e tão
santos", que condenam todo mal e
ensinam a fugir do pecado. Porém
"minha carne me traz escravizado à
lei do pecado",
obedecendo antes aos sentidos que
à razão, "querendo o bem e não
tendo força para cumpri-lo". Oh!
Quão necessária me é, Senhor, a
vossa graça para começar o bem,
para o prosseguir e para o
aperfeiçoar! Sem ela nada posso
fazer, mas "posso tudo em Vós, com
auxílio da vossa graça". Ó graça
verdadeiramente celestial, sentir ti
nada valem os merecimentos
própios e para pouco prestam os
dons naturais. Nem as artes, nem as
riquezas, nem a formosura, nem a
fortaleza, nem o engenho, nem a
eloquência tem valor algum diante de
Vós, Senhor, sem a vossa graça.
Nem ainda a fé, nem a esperança
nem todas as outras virtudes, Vos
são aceitas sem a graça e a
caridade. Por mais tentado e
oprimido que seja as tribulações,
nenhum mal temerei, enquanto
vossa graça me assistir. Ela é minha
força, meu conselho, meu
sustentáculo. Muito mais poderosa
que todos os inimigos e muito mais
sábia que
todos os doutos. A graça ensina a
verdade, dá a ciência, ilumina o
coração, consola nas aflições,
desterra a tristeza, tira o temor,
alimenta a devoção, produz santas
lágrimas. Assista-me, pois, Senhor,
vossa graça para que esteja sempre
atento a empreender, prosseguir e
aperfeiçoar boas obras, por vosso
Filho Jesus Cristo. Amém.
Capítulo LVI
Filho, quanto mais puderes sair de ti,
tanto mais poderás chegar-te a mim.
Assim como o não desejar nada
exteriormente produz a paz interior,
assim também o renunciar cada um
a si interiormente causa a união com
Deus. Eu sou o caminho reto,
verdade infalível, vida interminável.
Eu sou caminho retíssimo, verdade
suma, vida verdadeira, ditosa e
inefável. Se permaneceres em meu
caminho, "conhecerás a verdade e a
verdade te livrará e alcançarás a vida
eterna". Se queres reinar comigo,
leva a cruz comigo. Porque só os
servos da cruz acham o
caminho da bem-aventurança e da
luz verdadeira. A vida do bom
religioso é na verdade uma cruz, mas
cruz que leva ao paraíso. Começado
tenho o caminho, já não é permitido
voltar atrás, nem convém deixá-lo.
Capítulo LVII
Filho, muito mais me agradam a
humildade, a paciência nos
trabalhos, que é muita devoção e
fervor na prosperidade. Por que
entristeces tanto com te imputar em
uma falta leve? Ainda que ela fosse
grave, nem por isso deverias
inquietar-te. Deixa-a passar, porque
não é a primeira, nem nova, nem
será a última ser continuares a viver.
Por esforçado te deves ter, se não
caíres em culpa grave. Quando
ouvires coisas que te não agradam e
te sentires indignado, reprime-te e
não deixes sair da tua boca alguma
palavra ofensiva que escandalize os
fracos. Em breve se aquietará o
ímpeto excitado em teu coração, e a
dor interna se adoçará com a volta
da minha graça. Eu ainda vivo, diz o
senhor, e sempre disposto a
socorrer-te e consolar-te mais do que
nunca, se puderes em mim a tua
confiança e me invocares com fervor.
Homem és, e não Deus, carne e não
anjo. Como poderias tu estar sempre
num mesmo estado de virtude,
quando esta perseverança faltou ao
anjo no céu e ao primeiro homem no
paraíso. Eu sou quem sustento e
livro aos que choram, e faço subir até
à participação da minha divindade os
que conhecem sua fraqueza. Dai-me,
Senhor, um bom fim, dai-me um doce
trânsito deste mundo para o outro.
Lembrai-vos de mim, Deus meu, e
guiai-me pelo caminho direito ao
vosso santo reino. Amém.
Capítulo LVIII
Filho, não disputes sobre matérias
sublimes nem sobre acultos juízos de
Deus. Não indiques a razão porque
um é desamparado, enquanto outro
recebe abundantes graças, porque
este é tão aflito e aquele tão cheio de
honra e glória. Estas coisas excedem
toda a
humana inteligência e não basta
razão nem disputa alguma para
compreender os altos juízos de
Deus. Meus juízos hão de ser
temidos, não examinados, porque
são incompreensíveis ao
entendimento humano. Eu sou quem
fez todos os santos, quem deu a
graça e a glória. Chamei-os pela
graça, atraí-os pela misericórdia e
conduzi-os por entre as diversas
tentações desta vida. Enviei-lhes
grandes consolações, dei-lhes a
perseverança e coroei sua paciência.
Aquele pois que desprezar o menor
dos meus santos, não honra por isso
ao maior, porque eu fiz o pequeno e
o grande. E o que ainda é mais
perfeito, ame-me mais a mim que si
mesmo e que todos os seus
merecimentos. Porque elevando-se
acima de si mesmo e saindo da sua
própria afeição, se transforma no
amor, no qual descansa com sumo
gozo. Não há coisa que o possa
separar nem declinar deste grande
objeto, porque, cheio da eterna
verdade, arde no fogo enextinguível
da caridade. Cessem pois de
disputar do estado dos santos esses
homens carnais e de vida animal,
pois não sabem amar senão seus
gozos particulares. Eles os elevam
ou abatem segundo a sua inclinação,
não porém segundo a regra da
eterna verdade. Este defeito nasce
em muitos da ignorância,
principalmente naqueles que sendo
pouco ilustrados a ninguém sabem
amar de ordinário com perfeito amor
espiritual. Uma inclinação natural e
um afeto humano os atrai para tal ou
tal santo, e assim transportam ao céu
o sentimento da terra. Melhor é orar
aos santos com fervor e lágrimas, e
implorar, do que indagar com vã
curiosidade os segredos de sua
glória no céu. Todos os santos,
quanto mais altos estão na glória,
tanto mais humildes são em si
mesmos, e sua humildade os torna
mais caros e os une mais
estreitamente a mim. Grande coisa é
ser o menor no céu onde todos são
grandes: porque todos te
chamarão e serão na realidade filhos
de Deus. Ai daqueles que se
dedignam de humilhar-se ao com os
pequenos, porque a porta do céu é
estreita e baixa, e não poderão por
ela entrar!
Capítulo LIX
Senhor, qual é a minha confiança
nesta vida? Ou qual é a minha maior
consolação no meio de tantas coisas
que se apresentam a meus olhos
debaixo do céu? Por melhor tenho
peregrinar convosco na terra, que
sem Vós possuir o céu. Onde Vós
estais, está o céu, e onde não estais,
está a morte e o inferno. Vós sois o
objeto dos meus desejos, por isso
não cessarei de orar, gemer e clamar
por Vós. "Todos buscam seu
interesse", Vós buscais minha
salvação e meu aproveitamento, e
tudo dispondes para o meu bem.
Ainda tem algumas vezes me
expondes a diversas tentações e
trabalhos, é sempre para meu
proveito, pois de mil modos
costumais provar os vossos
escolhidos. E
nem por isso devo amar-Vos menos
nessas provações, do que me
enchesseis das mais doces
consolações. Em Vós pois, Deus e
Senhor meu, ponho toda minha
esperança e refúgio, em vossas
mãos deixo todas as minhas
tribulações e angústias, porque fora
de Vós tudo é fraqueza e
inconstância. Não acho amigos que
me sirvam, poder que me sustente,
sábio que me aconselhe e guie, livro
que me console, tesouros que me
protejam, retiro que me assegure e
defenda, se Vós mesmo não sois o
amigo que me assista, o protetor que
me sustente, o sábio que me ilustre,
a verdade que me console, o tesouro
que me enriqueça e o asilo que me
ponha em segurança. Tudo o que
parece conduzir-nos à posse da paz
e da felicidade nada é sem Vós, e
realmente de nada serve para nos
fazer felizes. Sois, portanto, o
princípio e o fim de todos os bens, a
plenitude da vida, a fonte da luz e o
abismo da sabedoria, e a maior
consolação de
vossos servos é pôr em Vós toda a
sua esperança. A Vós, Senhor,
levanto os meus olhos, em Vós
espero Deus meu, em Vós confio,
Pai de Misericórdia.
Livro IV
Voz de Cristo
Quem come a minha carne e bebe o
meu sangue fica em mim e eu nele.
Capítulo I
São vossas essas palavras, ó Jesus,
Verdade Eterna, ainda que não
fossem
proferidas todas ao mesmo tempo,
nem escritas no mesmo lugar. Sendo
vossas,
pois, essas palavras e verdadeiras,
devo recebê-las todas com gratidão
e fé. São
vossas, porque vós as dissestes, e
são também minhas, porque as
dissestes para
minha salvação. Ó palavra doce e
amorosa aos ouvidos do
pecador: vós, Senhor meu Deus,
convidais o pobre e indigente à
comunhão de
vosso santíssimo corpo, mas quem
sou eu,
Senhor, para ousar aproximar-me de
vós? Eis que os céus dos céus não
vos pode abranger, e dizeis: Vinde a
mim
todos! Eu, o mais
miserável de todos os homens, como
poderei receber-vos em minha casa,
quando mal sei empregar meia hora
com devoção? E oxalá que uma vez
sequer
a houvesse empregado dignamente!
Ó meu Deus, quanto se esforçaram
esses vossos servos para agradar-
vos! Ai, quão pouco é o que eu faço!
Quão pouco o tempo que gasto em
preparar-me
para a Comunhão! Raras vezes
estou de todo recolhido, raríssimo
livre de toda
distração. E eis que aqui
estais presente diante de mim, no
altar, vós, meu Deus, Santo dos
santos,
Criador dos homens e Senhor dos
anjos. Aqui, porém, no Sacramento
do
Altar, vós estais todo presente, Deus
e homem, Cristo Jesus, aqui o
homem
recebe copioso fruto de eterna
salvação, todas as vezes que vos
recebe digna e
devotamente. Aí não nos leva
nenhuma leviandade, nem
curiosidade ou atrativo
dos sentidos, mas sim a fé firme, a
esperança devota e a caridade
sincera.
Ó Deus invisível, Criador do mundo,
quão maravilhosamente nos
favoreceis, quão suave e ternamente
tratais com vossos escolhidos,
oferecendo-vos
a vós mesmo como alimento, neste
Sacramento! Ó graça admirável e
oculta deste Sacramento, que só dos
fiéis de Cristo
é conhecida, mas que os infiéis e
escravos do pecado não podem
experimentar!
Neste Sacramento se dá a graça
espiritual, recupera a alma a força
perdida,
refloresce a formosura deturpada
pelo pecado. Tamanha é, às vezes,
esta graça,
que, pela abundância da devoção
recebida, não só a alma, mas ainda o
corpo
fraco sente-se munido de maiores
forças. É,
porém, muito para chorar e lastimar a
nossa tibieza e negligência, o
pouco fervor em receber a Jesus
Cristo, em quem reside toda a
esperança e
merecimento dos que se hão de
salvar. Porque ele é a nossa
santificação e
redenção, ele o consolo dos
peregrinos e o gozo eterno dos
santos. Graças vos sejam dadas,
Bom Jesus Pastor
Eterno, que vos dignais sustentar-
nos a nós, pobres e desterrados,
com vosso
precioso corpo e sangue, e até
convidar-nos, com palavras de vossa
própria
boca, à participação desses
mistérios, dizendo: Vinde a mim
todos que penais e
estais sobrecarregados, e eu vos
aliviarei.
Capítulo II
Confiado, Senhor, na vossa bondade
e grande misericórdia, a Vós me
chego, qual enfermo ao médico,
faminto e sequioso à fonte da vida,
indigente ao
Rei do céu, servo ao Senhor, criatura
ao
Criador, desconsolado ao meu
piedoso
Consolador. Ó dulcíssimo e
benigníssimo Jesus! Louvor vos devo
pela participação do
vosso sacratíssimo corpo, cuja
existência ninguém pode explicar!
Mas que hei de
pensar nesta comunhão, chegando-
me a meu Senhor, a quem não posso
devidamente honrar, e todavia desejo
receber com devoção? Que coisa
melhor
e mais salutar posso pensar, senão
humilhar-me totalmente diante de
vós e exaltar vossa infinita bondade
para comigo? Eu vos louvo, Deus
meu, e vos
engrandeço para sempre. Desprezo-
me e a Vós me submeto no abismo
de
minha vileza. Coisa maravilhosa e
digna de fé e acima de toda
compreensão humana é
que Vós, Senhor, meu Deus,
verdadeiro Deus e homem, estejais
todo inteiro
debaixo das insignificantes espécies
de pão e vinho, e, sem serdes
consumido,
alimentais aquele que vos recebe.
Vós,
Senhor do universo, que não
precisais de
coisa alguma, quisestes morar em
nós por vosso Sacramento;
conservai meu
coração e meu corpo sem mancha,
para que com alegre e pura
consciência
possa muitas vezes celebrar e
receber vossos mistérios, para minha
eterna
salvação, visto que os instituístes e
ordenastes principalmente para
vossa honra
e perpétua lembrança. Porque todas
as
vezes que celebrares este mistério e
receberes o corpo de Cristo, renovas
a obra
de tua redenção e te tornas
participante de todos os
merecimentos de Cristo.
Pois a caridade de Cristo nunca se
diminui, nem se esgota jamais a
grandeza de
sua propiciação. Por isso te deves
preparar sempre para esse ato pela
renovação
do espírito, e considerar com
atenção este grande mistério de
salvação. Tão
grande, novo e delicioso se te deve
afigurar, quando celebras ou ouves
missa,
como se Cristo no mesmo dia
descesse pela primeira vez ao seio
da Virgem e se
fizesse homem, ou como se,
pendente da cruz, padecesse e
morresse pela
salvação dos homens.
Capítulo III
Alegrai, pois, hoje, a alma de vosso
servo, porque a Vós, Senhor Jesus,
levantei a minha alma. Desejo
receber-vos
agora com devoção e reverência;
desejo hospedar-vos em minha casa,
para que,
com Zaqueu, mereça ser abençoado
e contado entre os filhos de Abraão.
Minha
alma suspira por vosso corpo; meu
coração deseja ser convosco unido.
Dai-vos a mim e estou satisfeito;
porque sem Vós nada me pode
consolar.
Sem Vós não posso estar, e sem
vossa visita não posso viver. Por isso
muitas
vezes devo achegar-me a vós e
receber-vos para remédio de minha
salvação, a
fim de não desfalecer no caminho
quando
estiver privado deste alimento
celestial. Vós sois a suave refeição
da alma, e quem dignamente vos
receber se tornará
participante e herdeiro da glória
eterna. A mim, que tantas vezes caio
e peco,
tão depressa afrouxo e desfaleço,
mui necessário me é que, com a
oração,
confissão e comunhão frequentes,
me renove, purifique e afervore, para
não
abandonar meus santos propósitos,
abstendo-me da comunhão por mais
tempo. Ó maravilhosa
condescendência de vossa bondade
para convosco, que Vós,
Senhor Deus, Criador e vivificador de
todos os espíritos, vos dignais de vir
à
minha pobre alma e saciar-lhe a
fome com toda a vossa divindade e
humanidade! Ó ditoso coração, ó
alma bem-aventurada, que merece
recebervos
com devoção a Vós, seu Deus e
Senhor, e nesta união encher-se de
gozo
espiritual!
Capítulo IV
Senhor, na simplicidade do meu
coração, com firme e sincera fé, e
obedecendo a vosso mandado, me
aproximo de Vós com esperança e
reverência
e creio verdadeiramente que estais
presente aqui no Sacramento, Deus
e
homem. Porque este altíssimo e
diviníssimo Sacramento é a saúde da
alma e
do corpo, remédio de toda
enfermidade espiritual; cura os
vícios, reprime as
paixões, vence ou enfraquece as
tentações, comunica maior graça,
corrobora a
virtude nascente, confirma a fé,
fortalece a esperança, inflama e
dilata a
caridade. Muitos bens concedestes e
concedeis ainda a miúdo aos vossos
amigos,
neste Sacramento, quando
devotamente comungam, ó Deus
meu, amparo da
minha alma, reparador da humana
fraqueza e dispensador de toda
consolação
interior. O que me
falta, porém, ó bom Jesus, Salvador
santíssimo, supri-o pela vossa
bondade e
graça, pois vos dignastes chamar-
nos todos a vós, dizendo: Vinde a
mim todos
que penais e estais sobrecarregados,
e eu vos aliviarei. Na verdade, eu
trabalho com o suor do meu rosto,
sou atormentado com
angústias do coração, estou
carregado de pecados, molestado de
tentações,
embaraçado e oprimido com muitas
paixões e não há ninguém que me
ajude,
livre ou salve, senão vós, Senhor
Deus, Salvador meu, a quem me
entrego, com
tudo o que me pertence, para que
me guardeis e leveis à vida eterna.
Capítulo V
Ainda que tiveras a pureza dos anjos
e a santidade de São João Batista,
não serias digno de receber ou
administrar este Sacramento. Porque
não é
devido a merecimento algum
humano que o homem pode
consagrar e
administrar o Sacramento de Cristo e
comer o pão dos anjos. Sublime
mistério
e grande dignidade dos sacerdotes,
aos quais é dado o que aos anjos
não foi
concedido! Neste augustíssimo
sacramento deves, pois, mais crer
em Deus
onipotente que em teus próprios
sentidos ou em qualquer sinal visível.
Por isso
deves aproximar-te deste mistério
com temor e reverência. Também
não cesse de orar e oferecer o santo
sacrifício, até que
mereça alcançar graça e
misericórdia. Quando o sacerdote
celebra a Santa
Missa, honra a Deus, alegra os
anjos, edifica a Igreja, ajuda os vivos,
proporciona
descanso aos defuntos e faz-se
participante de todos os bens.
Capítulo VI
Senhor, quando considero vossa
dignidade e minha baixeza, tremo de
medo e me envergonho diante de
mim mesmo. Porque, se me não
chego a vós, fujo da vida, e se me
apresento indignamente, incorro em
vossa indignação. Que farei, pois,
Deus meu, meu auxílio e conselheiro
em meus apuros? Ensinai-me Vós o
caminho direto, mostrai-me algum
breve exercício. Porque me é útil
saber de que modo devo, com
devoção e respeito, preparar o meu
coração para receber com fruto
vosso Sacramento ou celebrar tão
grande e divino sacrifício.
Capítulo VII
Examina diligentemente a tua
consciência, procura limpá-la e
purificá-la, quanto puderes, com
sincera contrição e humilde
confissão, de sorte que nada tenhas
ou saibas que te pese na
consciência, que te cause remorsos
e te estorve o livre acesso. Detesta
todos os teus pecados em geral, e
lamenta mais em
particular as faltas cotidianas. E, se o
tempo o permite, confessa a Deus,
no recôndito de teu coração, toda a
miséria de tuas paixões. Aflige-te e
geme por seres ainda tão carnal e
mundano, tão pouco mortificado nas
paixões, tão cheio de movimentos de
concupiscência, tão pouco recatado
nos sentidos exteriores, tão
emaranhado em muitas vãs ilusões,
tão inclinado às coisas exteriores, tão
descurado das interiores.
Confessados e chorados estes e
outros defeitos, com pesar e vivo
sentimento de tua própria fraqueza,
toma o firme propósito de emendar
tua vida e melhorá-la continuamente.
Pois não há oblação mais digna, nem
maior satisfação para expiar os
pecados, que oferecer-se a si
mesmo a Deus, pura e inteiramente,
unido à oblação do corpo de Cristo,
na missa e na comunhão. Se o
homem fizer o que está em seu
poder, e se arrepender
verdadeiramente de seus pecados,
quantas vezes a mim vier pedir graça
e perdão, sempre dirá o Senhor: Por
minha vida juro, não quero a morte
do pecador, mas que se converta e
viva; não mais me lembrarei dos
seus pecados, mas todos lhe serão
perdoados.
Capítulo VIII
Assim como eu a mim mesmo ofereci
espontaneamente ao Pai Eterno,
com os braços estendidos e o corpo
nu, de modo que nada restasse em
mim que não fosse oferecido em
sacrifício de reconciliação divina:
assim também deves tu de coração
oferecer-te voluntariamente a mim
todos os dias na Santa Missa, em
oblação pura e santa, com todas as
tuas potências e afetos. Que outra
coisa exijo de ti senão que te
entregues inteiramente a mim? De
tudo que me deres fora de ti, não
faço caso, porque não busco teus
dons, mas a ti mesmo. Se, porém, te
apegares a ti mesmo, e não te
ofereceres espontaneamente à
minha vontade, não será completa
tua oblação, nem perfeita a união
entre nós. Portanto, a todas as tuas
obras deve preceder o voluntário
oferecimento de ti mesmo nas mãos
de Deus, se desejas alcançar a
liberdade e a graça. O motivo de
haver tão poucos
interiormente esclarecidos e livres é
que muitos não sabem abnegar-se
de todo a si mesmos.
Capítulo IX
Senhor, vosso é tudo quanto existe
no céu e na terra. Desejo oferecer-
me a vós em oblação voluntária e ser
vosso para sempre. Senhor, na
simplicidade do meu coração me
ofereço hoje a vós por servo
perpétuo em obséquio e eterno
sacrifício de louvor. Senhor, ofereço-
vos sobre vosso altar de propiciação
todos os meus pecados e delitos que
tenho cometido em vossa presença e
de vossos santos anjos, desde o dia
em que pela primeira vez pequei até
à hora presente, para que os
consumais e queimeis no fogo de
vossa caridade, também apagueis
todas as manchas de meus pecados
e purifiqueis minha consciência de
toda a culpa e me
restituais a vossa graça, que perdi
pelo pecado, perdoando-me tudo
plenamente
e admitindo-me na vossa
misericórdia ao
ósculo da paz. Que posso eu fazer
em expiação dos meus pecados,
senão confessá-los humildemente e
chorá-los, implorando
incessantemente vossa misericórdia?
Ofereço-vos, finalmente, todas as
orações e a hóstia de propiciação
particularmente por aqueles que de
qualquer modo me ofenderam,
contristaram, censuraram,
prejudicaram ou molestaram. Enfim,
por todos a quem eu tenha afligido,
perturbado, contrariado ou
escandalizado, com palavras
ou obras, por ignorância ou com
advertência, a fim de que a todos nos
perdoeis os nossos pecados e
mútuas ofensas. Apartai, Senhor, dos
nossos corações toda suspeita,
indignação, ira e contenda e tudo
que possa ofender a caridade e
diminuir o amor fraternal.
Capítulo X
A miúdo deves recorrer à fonte da
graça e divina misericórdia, à fonte
de bondade e de toda pureza, para
que possas ser curado de
tuas paixões e vícios, e merecer ficar
mais forte e vigilante contra todas as
tentações e enganos do demônio.
Sabendo o inimigo qual é o fruto e o
eficacíssimo remédio que se
encerra na santa comunhão, procura
por todos os modos e em qualquer
ocasião
impedir e afastar dela, quanto pode,
as almas fiéis e piedosas. Mas não
se há de fazer caso algum das suas
manhas e sugestões, por
mais torpes e horríveis que sejam; ao
contrário, todas essas fantasias se
hão de
rechaçar sobre a sua cabeça.
Desprezo e irrisão merece esse
malvado, e por
causa de suas investidas ou
inquietações não se há de deixar a
comunhão. Muitas vezes também
causa embaraço a demasiada
preocupação a respeito da devoção
ou certo receio da necessária
confissão. Procede nisto
conforme o conselho dos entendidos,
e deixa a ânsia e escrúpulos, porque
estorvam a graça de Deus e
impedem a devoção da alma. Não
deixes a Sagrada Comunhão por
qualquer pequena tribulação ou
contrariedade, mas vai logo
confessar-te e perdoa
generosamente aos outros todas as
ofensas. Se tu, porém, ofendeste a
alguém, pede humildemente perdão,
e Deus te perdoará de boa vontade.
Purifica-te quanto antes, expele já o
veneno, apressa-te em tomar o
remédio e achar-te-ás melhor que se
por muito tempo o diferes. Se deixas
hoje a comunhão, por este ou aquele
motivo, talvez que amanhã te
sobrevenha
outro maior, e assim te podias afastar
por muito tempo da comunhão e
tornarte
cada vez menos apto. O mais cedo
que possas, sacode de ti essa inércia
e
tibieza, porque nada te aproveita
viver muito tempo nessa ânsia e
perturbação e
privar-te dos divinos mistérios por
cotidianos embaraços. Antes
prejudica por muito adiar a
comunhão por largo tempo; porque
isto costuma produzir grave
frouxidão.
Capítulo XI
Na vossa presença e na dos santos
anjos, meu coração devia
inteiramente ficar abrasado e chorar
de alegria, pois vos tenho
verdadeiramente presente no
Sacramento, embora oculto sob
estranhas espécies. Contemplar-vos
na vossa própria e divina claridade –
não poderiam suportar meus olhos;
nem o mundo todo poderia subsistir
perante o fulgor de vossa majestade.
Por isso viestes em socorro à minha
fraqueza, em vos ocultando debaixo
do Sacramento. Possuo realmente e
adoro aquele a quem os
anjos do céu adoram; mas eu, por
enquanto, só pela fé, eles, porém,
com clara visão e sem véu. Eu me
devo contentar com a luz da
verdadeira fé e nela caminhar, até
que amanheça o dia da claridade
eterna e desapareçam as sombras
das figuras. coisa me pode consolar,
nem criatura alguma sossegar-me,
senão vós, meu Deus, a quem
desejo contemplar eternamente. Mas
isso não é possível enquanto vivo
nesta vida
mortal. Por isso me convém ter
grande
paciência e submeter-me a vós em
todos os meus desejos. Porque
também os
vossos santos, Senhor, que exultam
agora convosco no Reino dos Céus,
esperavam durante a sua vida
terrestre, com muita fé e paciência, a
vinda da
vossa glória. O que eles creram, eu o
creio também; o que eles esperaram,
eu o
espero; aonde eles chegaram,
espero que hei de chegar também,
pela vossa
graça. Até então, caminharei na fé,
confortado com os exemplos dos
santos.
Terei ainda os livros santos para
consolo e espelho de minha vida e
sobretudo
terei vosso corpo sagrado como
singular remédio e excelente refúgio.
Reconheço que neste mundo duas
coisas me são sobretudo
necessárias, sem as quais me seria
insuportável esta miserável vida.
Confesso que, enquanto estou detido
no cárcere deste corpo, necessito de
duas coisas: alimento e
luz. Sem estas duas coisas não
poderia bem viver; porque a Palavra
de Deus é a luz da minha alma e
vosso Sacramento o pão de vida.
Podem ser chamadas duas mesas,
colocadas de um e outro lado do
tesouro da Santa Igreja. Uma é a
mesa do santo altar, onde está o pão
sagrado, isto é, o corpo de Cristo. A
outra é a mesa da lei divina, que
contém a doutrina santa, nos ensina
a
verdadeira fé e nos conduz com
segurança atrás do véu do santuário,
onde está
o Santo dos santos. Graças vos dou,
Senhor Jesus, luz da luz eterna, pela
mesa
da sagrada doutrina que nos
ministrastes por vossos servos, os
profetas, apóstolos e outros santos
doutores.
Capítulo XII
Sou amigo da pureza e dispensador
de toda santidade. Busco um
coração puro, e este é o lugar do
meu repouso. Prepara-me um
cenáculo grande e bem ornado, e
nele celebrarei a Páscoa com meus
discípulos. Se
queres que eu venha a ti e fique
contigo, lança fora o velho fermento
e limpa a
morada do teu coração. Desterra
dele o mundo todo e o tumulto dos
vícios;
assenta-te, qual passarinho solitário,
no telhado, e relembra teus pecados
na
amargura de tua alma. Porque todo
amante prepara para o seu amado o
melhor e mais belo aposento, porque
nisto se conhece o amor de quem
acolhe o amado. Só por minha
bondade e graça te é permitido
chegar à minha mesa, como se um
mendigo fora convidado à mesa de
um rico e não tivera outra coisa com
que pagar os benefícios recebidos,
senão humilde agradecimento. Faze
o que podes, e faze-o com diligência;
não por costume ou por
necessidade, mas
por temor, respeito e amor, recebe o
corpo do teu amado Senhor e Deus,
que se digna de te visitar. Se não
tens devoção, mas te sentes
muito seco, persevera na oração,
suspira, bate à porta e não cesses
até que mereças
receber uma migalha ou uma gota de
minha graça salutar. Tu necessitas
de mim, e não eu de ti. Não vens tu
me santificar a mim, mas sou eu que
te venho santificar e fazer melhor. Tu
vens para que, santificado por mim e
a mim unido, recebas nova graça e
de novo te afervores para a emenda.
Importa, porém, que não só te
prepares para a devoção antes da
comunhão, mas também que a
conserves cuidadosamente depois
da recepção
do Sacramento. Não é menor a
vigilância que se exige depois da
comunhão, do que a fervorosa
preparação antes de recebê-la. Pois
essa boa vigilância posterior é
novamente a melhor preparação
para alcançar maior graça; ao
contrário,
muito indisposto se torna quem logo
depois se dissipa com recreações
exteriores. Guarda-te de falar muito,
retira-te na solidão e goza do teu
Deus, pois possuis aquele que o
mundo todo te não pode roubar. A
mim te deves entregar inteiramente,
de sorte que já
não vivas em ti, mas em mim, sem
mais
cuidado algum.
Capítulo XIII
Quem me dera, Senhor, achar-me só
convosco, para vos abrir todo o meu
coração e vos gozar como deseja a
minha alma a ponto que já ninguém
em mim
reparasse, nem criatura alguma se
preocupasse comigo ou olhasse para
mim,
mas que só vós me falásseis e eu a
vós, como costuma falar o amante
com seu
amado, e conversar o amigo com
seu amigo! Isto peço, isto desejo: ser
unido todo a vós e desprender o meu
coração de todas as coisas criadas,
e pela Sagrada Comunhão e
frequente celebração da Santa Missa
achar cada vez mais gosto nas
coisas celestiais e eternas. Ah!
Senhor meu Deus, quando estarei
todo unido a vós, absorto em vós, e
completamente esquecido de mim?
Vós em
mim e eu em vós; concedei que
fiquemos assim unidos! Que nação
há tão ilustre como
o povo cristão, ou que criatura
debaixo do
céu recebe tanto amor como a alma
devota a quem Deus se une para
nutri-la com a sua gloriosa carne? Ó
graça inefável, ó admirável
condescendência, ó amor imenso,
prodigalizado singularmente ao
homem. Mas que darei ao Senhor
por esta graça e tão exímia
caridade? Oferta mais agradável não
posso fazer a meu Deus, que lhe
entregar meu coração todo inteiro,
para que o una
intimamente consigo. Então
exultarão de alegria todas as minhas
entranhas,
quando minha alma estiver
perfeitamente unida com Deus.
Capítulo XIV
Oh! Como é grande, Senhor, a
abundância da vossa doçura, que
reservastes para os que vos temem!
Quando me lembro, Senhor, de
alguns devotos que se aproximam do
vosso Sacramento com o maior
fervor e afeto, fico muitas vezes
confuso e envergonhado de mim
mesmo, por chegar tão tíbio e frio ao
vosso altar e à mesa da Sagrada
Comunhão; por ficar tão seco e sem
fervor de coração; por não estar de
todo abrasado diante de vós, meu
Deus, nem tão veementemente
atraído e comovido, como estavam
muitos
devotos, que, pelo grande desejo de
Sagrada Comunhão e amor sensível
do seu
coração, não podiam reprimir as
lágrimas, mas com a boca da alma e
do corpo
ao mesmo tempo suspiravam
ardentemente por vós, a fonte viva,
não podendo
mitigar nem saciar essa fome doutro
modo, senão recebendo vosso corpo
com
toda alegria e ânsia espiritual. Oh!
Esta fé verdadeira e ardente é prova
manifesta de vossa sagrada
presença! Estes verdadeiramente
reconhecem seu Senhor ao partir do
pão, porque seu coração está em
companhia deles. Longe está de mim
tal devoção e ternura, tão vivo amor
e fervor. Sede-me propício, ó bom, ó
doce, ó benigno
Jesus, e concedei a este vosso
pobre
mendigo que sinta ao menos alguma
vez na
Sagrada Comunhão um pouco do
afeto cordial do vosso amor, para
que se fortaleça minha fé, cresça
minha esperança em vossa bondade,
a minha caridade, uma vez bem
acesa e acostumada ao celestial
maná, jamais desfaleça. Vossa
misericórdia é bastante poderosa
para me dar a graça desejada, e
visitar-me em vossa clemência, no
dia que vos aprouver, com o espírito
de
fervor. Pois ainda que não esteja
acendido de tão ardentes desejos,
como vossos
privilegiados devotos, sinto, todavia,
com a vossa graça, o desejo de seus
abrasados desejos, e peço e rogo o
favor de participar do fervor de todos
esses
vossos amigos e ser agregado à sua
santa companhia.
Capítulo XV
Com perseverança deves buscar a
graça da devoção, pedi-la com
instância, esperá-la com paciência e
confiança, recebê-la com
agradecimento, guardá-la com
humildade, com diligência aproveitá-
la, cometendo a Deus o tempo e o
modo da celestial visita, até que se
digne visitar-te. Deves
principalmente humilhar-te quando
pouca ou nenhuma devoção sentes
em teu
interior, sem, todavia, ficar abatido ou
entristecer-te demasiadamente. Às
vezes é bem pouco o que impede ou
oculta a graça, se é que se pode
chamar pouco e não muito, o que
priva de tão grande bem. E se
removeres este pequeno ou grande
impedimento, e se te venceres
perfeitamente, terás o que pediste.
Porque logo que de todo o teu
coração te entregares a Deus e não
buscares coisa alguma a teu gosto e
desejo, mas inteiramente te puseres
em
suas mãos, achar-te-ás unido a ele e
sossegado, e nada te será tão
delicioso e
agradável como o beneplácito da
divina vontade. Todo aquele, pois,
que com
coração singelo dirige a sua intenção
a Deus
e se desprende de todo amor ou
aversão desordenada a qualquer
coisa criada, está bem disposto para
receber a
graça e digno de alcançar a devoção,
porque o Senhor dá a sua bênção
onde
encontra o coração vazio. E quanto
mais perfeitamente alguém renuncia
às
coisas terrenas e morre a si pelo
desprezo de si mesmo, tanto mais
depressa lhe
advém a graça, mais copiosamente
se lhe infunde e mais alto lhe ergue o
coração livre. Eis como será
abençoado o homem que busca a
Deus de todo o seu coração, e não
deixa sua alma se apegar às
vaidades. Esse é que na recepção
da Sagrada Eucaristia merece a
graça
inefável da união com Deus, porque
não olha para a sua devoção e
consolação, mas sobretudo busca a
honra e glória de Deus.
Capítulo XVI
Ó dulcíssimo e amabilíssimo Senhor,
a quem desejo agora devotamente
receber, vós
conheceis minha fraqueza e a
necessidade que sofro; sabeis em
quantos males e vícios estou
emaranhado, quantas vezes estou
oprimido, tentado, perturbado e
manchado! A vós peço consolação e
alívio. Convosco falo,
meu Deus, que sabeis todas as
coisas e a quem são manifestos
todos os segredos
do meu coração; vós sois o único
que me pode perfeitamente consolar
e socorrer. Sabeis os bens de que
mais necessito e quão pobre sou em
virtudes. Eis-me aqui, diante de vós,
pobre e nu, a pedir graça e implorar
misericórdia. Fartai este vosso pobre
mendigo, aquecei minha frieza com o
fogo
de vosso amor, iluminai minha
cegueira com a claridade de vossa
presença. Fazei que me seja amargo
tudo o que é terreno, que leve com
paciência as penas e contrariedades,
e que despreze e esqueça todas as
coisas caducas e criadas. Levantai o
meu coração a vós no céu, não me
deixeis vaguear na terra.
Só vós, desde hoje para sempre, me
sereis
doce e agradável, porque só vós sois
minha comida e bebida, meu amor e
minha alegria, delícia minha e meu
único bem. Oh! Se me inflamásseis
todo com a vossa presença e me
abrasásseis e transformásseis em
vós, a ponto de tornar-me um só
espírito convosco pela graça da
união interior e a força do ardente
amor! Não me deixeis sair de vossa
presença seco e faminto, mas usai
para comigo de vossa misericórdia,
como tantas vezes admiravelmente
fizestes com vossos santos. E que
maravilha fora se todo me abrasasse
em vós e me consumisse, sendo vós
o fogo que sempre arde e nunca se
apaga, o amor que purifica os
corações e ilumina o entendimento?
Capítulo XVII
Com suma devoção e abrasado
amor, com todo o afeto e fervor do
coração, desejo receber-vos, Senhor,
como muitos santos e pessoas
devotas o desejaram, os quais vos
agradaram principalmente pela
santidade de
sua vida e pela ardentíssima
devoção que os animava. Ó Deus
meu, amor eterno, meu
único bem, bem-aventurança
interminável! Desejo receber-vos
com o mais ardente afeto e a mais
digna reverência que jamais sentiu
ou pôde sentir santo algum! Nada
quero reservar para mim, mas a mim,
e tudo que é meu quero sacrificar-
vos espontaneamente, de boa
vontade, Senhor, Deus meu, Criador
e
Redentor meu! Desejo receber-vos
hoje com tal afeto e reverência, com
tal louvor e honra, com tal
agradecimento, dignidade e pureza,
com tal fé, esperança e amor, como
vos desejou e recebeu vossa Mãe
Santíssima, a gloriosa Virgem Maria,
quando, ao anjo que lhe anunciou o
mistério da encarnação,
humilde e devotamente respondeu:
Eis a serva do Senhor, faça-se em
mim
segundo a vossa palavra! Aceitai,
Senhor, Deus meu, os votos e
desejos de infinitos louvores e
imensas ações de graças, que vos
são justamente devidas, segundo a
vossa
inefável grandeza. Isso vos ofereço,
e desejo oferecer cada dia e a
cadabmomento, e convido com
minhas súplicas e rogos todos os
espíritos celestes e todos os vossos
fiéis a vos agradecerem comigo e
louvarem.
Capítulo XVIII
Foge do desejo curioso e inútil de
investigar este profundíssimo
mistério, se não te queres afogar
num abismo de dúvidas. Quem quer
perscrutar a majestade será oprimido
por sua glória. Mais pode Deus fazer,
que o
homem compreender. Contudo é
permitida uma piedosa e humilde
investigação
da verdade, que sempre está
inclinada a ser instruída e segue a sã
doutrina dos Santos Padres.Bem-
aventurada a simplicidade, que deixa
os caminhos dificultosos das
discussões, para andar no caminho
plano e firme dos mandamentos de
Deus!
Muitos perderam a devoção, porque
quiseram investigar coisas muito
altas. O
que se exige de ti é fé e inocência,
não
sublime inteligência, nem profundo
conhecimento dos mistérios de Deus.
Alguns são gravemente tentados
acerca da fé, nesse Sacramento;
mas isso não se deve imputar a eles,
senão ao inimigo. Não te importes,
nem disputes com teus próprios
pensamentos, nem respondas às
dúvidas que o demônio te
sugere, mas crê nas palavras de
Deus, crê nos seus santos e
profetas, e fugirá de
ti o malvado inimigo. Persevera, pois,
na fé, firme e simples, e chega-te ao
Sacramento com profunda
reverência. E quanto ao que não
podes compreender, encomenda-o
tranquilamente a Deus onipotente.
Deus não te engana; mas se engana
quem
demasiadamente confia em si
mesmo. Deus anda com os simples,
revela-se aos
humildes, dá inteligência aos
pequenos, abre o sentido às almas
puras e esconde
sua graça aos curiosos e soberbos. A
razão humana é fraca e pode
enganar-se,
mas a fé verdadeira não se pode
enganar.
Toda razão e pesquisa natural deve
seguir a fé, não precedê-la, nem
enfraquecê-la, porque a fé e o amor
aqui dominam e operam ocultamente
nesse santíssimo e diviníssimo
Sacramento. “Deus eterno, imenso e
infinitamente poderoso faz coisas
grandes e incompreensíveis no céu e
na terra.

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