Você está na página 1de 23

ÁREA DE INTERESSE: DESENVOLVIMENTO REGIONAL

MOMENTO LULA:
DA SUBORDINAÇÃO NEOLIBERAL AO SOCIAL-DESENVOLVIMENTISMO

1
EDILSON VASCONCELOS RIBEIRO JÚNIOR
2
MAURÍCIO LEITE NASCIMENTO
3
LÍVIO ANDRADE WANDERLEY

Graduado em Ciências Econômicas pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL). E-mail:


edilsonjreconomista@hotmail.com
Tel: (71) 98874-9159

2
​Graduado Em Economia Pela Universidade Federal Da Bahia (UFBA). E-mail:​ ​Mau_Nasc@Hotmail.Com
Tel: (71) 99972-9481

3
Dr. em Adm. pela Faculdade Getúlio Vargas (FGV). Mestre em Economia pela Universidade Federal da Bahia
(UFBA). Graduado em Economia pela Universidade Estadual do Rio De Janeiro (UERJ). Professor do Programa de
Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal da Bahia (PPGE/UFBA). E-mail: ​Livio@Ufba.Br
Tel: (71) 99114-2681

1
MOMENTO LULA:
DA SUBORDINAÇÃO NEOLIBERAL AO SOCIAL-DESENVOLVIMENTISMO

RESUMO: ​Este artigo discorre sobre o governo Lula, ao analisar a política econômica adotada, seu
desempenho através de indicadores macroeconômicos, os fatos decorrentes da consolidação do modelo
neoliberal, em especial no seu primeiro mandato (2003-2006), ao aprofundar e acrescentar medidas em prol
da acumulação financeira, assim como o segundo mandato (2007-2010), onde as medidas de cunho
neoliberal foram em parte abrandadas e o Estado passou a ter uma participação mais ativa em programas de
desenvolvimento, sendo este modelo denominado de social-desenvolvimentismo.

Palavras-Chave:​ Neoliberalismo, Direitos Sociais, Acumulação Financeira.

ABSTRACT: ​This article discusses the Lula government, in analyzing the economic policy adopted, its
performance through macroeconomic indicators, the facts derived from the consolidation of the neoliberal
model, especially in its first term (2003-2006), by deepening and adding measures to Of financial
accumulation, as well as the second mandate (2007-2010), where neoliberal measures were partially softened
and the state started to have a more active participation in development programs, being this model called
social-developmentalism.

Key – Words: ​Neoliberalism, Social Rights, Financial Accumulation.

2
1. INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é verificar como a economia brasileira se comportou entre 2003 e
2010, mais propriamente durante o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (Lula), no que se refere
aos dados macroeconômicos fundamentais, avaliando seus pontos positivos, e claro, suas
incongruências em escolhas incoerentes e suas próprias implicações. A dubiedade do governo Lula
se faz notória ao analisar os fatores que determinaram o realinhamento eleitoral que obteve, como
consequência da conexão das políticas distributivas e a expansão do consumo das massas com a
manutenção oficial da política econômica ortodoxa.

O modelo neoliberal adotado por Lula se moldou com a política macroeconômica de viés
keynesiano, e seu prosseguimento só alcançou destaque enquanto contou com um quadro positivo
no cenário internacional, com altos preços para as commodities, onde os principais demandantes
advêm de países do continente asiático e com satisfatórias taxas de crescimento econômico, que
permitiram uma coesa distribuição de renda. ​Para os defensores do modelo
social-desenvolvimentista, as melhorias alcançadas que desaguaram no avanço dos padrões de vida
da população, findariam os traumas oriundos dos males intrínsecos à desigualdade social brasileira.
Partindo desta configuração, a economia em concomitância com a distribuição de renda teria que se
desenvolver em simultaneidade.

Nesta ambiguidade entre o neoliberalismo e o social-desenvolvimentismo, torna-se imprescindível


buscar alternativas para construir uma agenda de transformação que priorize a atuação econômica
com justiça social. Essa tarefa determina que haja amplas modificações estruturais tais como o
fortalecimento do Estado, com instituições funcionando em sua plenitude, o que caracteriza a busca
por um Estado responsável.

A composição deste trabalho consta além desta introdução, de mais três seções: a segunda seção
trata do primeiro governo Lula (2003-2006), sendo este um governo de ajustamento, ao explanar
sua preferência em seguir a herança neoliberal deixada por Fernando Henrique Cardoso (FHC); na
terceira seçã​m​o analisa-se o segundo governo Lula (2007-2010), que foi um governo
desenvolvimentista, ao citar os avanços do padrão de desenvolvimento social adotado; na quarta e
última seção encontram-se as conclusões finais. O trabalho está alicerçado na análise das variáveis
macroeconômicas, sua influência na demanda agregada assim como nos setores de produção, e na
evolução dos seus indicadores sociais, ​oferecendo uma visão panorâmica de todo o governo Lula
(2003 – 2010), ao descortinar sua trajetória política, social e econômica.

2. PRIMEIRO MANDATO – HERANÇA NEOLIBERAL

A etapa inicial da política econômica do governo Lula transcorre no decorrer do primeiro mandato
(2003-2006), sendo caracterizada pelo aprofundamento do modelo neoliberal. Foi mantido o tripé
macroeconômico da política econômica – metas inflacionárias, câmbio flutuante e superávit
primário -, que se dá por um sistema de três âncoras: a monetária, com as metas de inflação (ainda
que mantidas as taxas de juros em níveis muito elevados, por isto, se torna restritiva); a cambial,
com a apreciação da taxa de câmbio através da flutuação cambial; e a fiscal, fundamentada na
contenção do gasto público e elevação da carga tributária, resultando em amplos superávits fiscais.

3
Tristão (2011) percebe que “iniciado um novo governo sobre a gestão do Partido dos Trabalhadores
(PT), observou-se que, por maiores que tenham sido os contorcionismos retóricos das autoridades,
não se poderá dizer outra coisa do governo Lula, senão que deu continuidade com a política
econômica de cunho neoliberal do governo FHC. O governo Lula buscou refrear os desequilíbrios
macroeconômicos provocados durante o governo FHC, entre eles, a dívida pública, e os déficits em
conta corrente, por meio do aprofundamento do modelo neoliberal que se traduz nas Cartas ao FMI
enviadas pelo Ministro da Fazenda, Antônio Palocci, e pelo Presidente do Banco Central, Henrique
Meirelles, como nos mostra o seguinte trecho:

O governo tem avançado rapidamente no cumprimento de sua agenda para a


recuperação econômica e implantação das reformas. Depois de um importante
esforço para a construção de consensos, uma proposta ambiciosa de reforma
tributária e previdenciária foi enviada ao Congresso antes do previsto. [...] Além
disso, a emenda constitucional que facilita a regulação do setor financeiro – um
passo necessário à formalização da autonomia operacional do Banco Central – foi
aprovada (CARTA DO GOVERNO BRASILEIRO AO FMI ​apud ​SICSÚ;
MARINGONI, 2005, p.105-6).

Ainda sobre a Carta de intenções do governo Lula, que estabelece políticas e metas conservadoras:

​“O governo tem o compromisso de gerar, superávits primários suficientes para


garantir o gradual declínio da relação dívida/PIB”. É o momento em que assume o
compromisso eleitoral com as elites financeiras nacionais e internacionais de
manter o respeito referente aos contratos, cumprir as regras do jogo e dar
continuidade à política macroeconômica de controle inflacionário do governo
anterior baseada no regime de metas inflacionárias e de geração de superávits
primários, ou seja, dar sequência ao que estava sendo feito e propor algumas
reformas que não haviam sido encaminhadas pelo governo FHC. Esse programa
concedia um grande empréstimo para evitar o estrangulamento cambial, e continha
as constantes cláusulas restritivas às políticas monetária e fiscal a serem
implementadas. Na sua “Carta”, Lula comprometeu-se em implantar o programa do
4
FMI e cumprir seus condicionantes, pois muitas dúvidas pairavam sobre seu futuro
governo (BRASIL, MINISTÉRIO DA FAZENDA, 2003).

Para Villa (2014, p.31-32), “os três primeiros meses de governo do PT foram considerados
positivos, desde a campanha eleitoral havia indícios de que Lula continuaria a política econômica
de FHC, pois era mais prudente deixar como estava e aguardar alguma transformação positiva no
cenário econômico mundial. No primeiro semestre de 2003, as políticas econômicas do Ministério
da Fazenda evitaram qualquer tipo de alteração, sem sinalizar qualquer regulação do mercado, ou
mesmo políticas monetárias menos contracionistas”.

Segundo Mattei e Magalhães (2011), a Secretária de Política Econômica do Ministério da Fazenda


em 2003 lançou um documento intitulado “Política Econômica e Reformas Estruturais”. Onde
retrata que o caminho mais viável para a retomada do crescimento econômico seria aprofundar as

4 ​
Durante as eleições de 2002, outros três candidatos proeminentes (José Serra, Anthony Garotinho e Ciro Gomes)
também firmaram compromisso público semelhante em apoio ao programa do FMI.

4
linhas mestras da política anterior, fazendo pequenos ajustes e dando maior consistência. A política
econômica no início do governo Lula não foi somente uma sequência, foi um aprofundamento dos
mecanismos ortodoxos oriundos da filosofia macroeconômica neoliberal, a qual encontra apoio no
Fundo Monetário Internacional, no Banco Mundial (BIRD), bem como na própria Federação
Brasileira dos Bancos (Febraban). Estas políticas foram seguidas à risca pelo governo, que em
maio de 2003, mantinha a taxa de juros em 26%, estabelecia metas de superávit primário em 4,25%,
e mantinha o câmbio flutuante. O governo Lula aderia assim à tese da “macroeconomia única”,
como é ilustrado na citação, a seguir:

“Repetido hoje de A à Z, ou seja, por economistas das mais variadas filiações


ideológicas, o argumento reza que não há política econômica de direita, de
esquerda ou de centro. Existe a economia política certa, tecnicamente (sic)
fundamentada, neutra: e a política errada, irresponsável, utópica, ingênua,
populista. [...] Portanto, se só existe uma política macroeconômica cientificamente
comprovada, um governo responsável, qualquer que seja sua filiação ideológica,
deverá adotá-la” (PAULANI, 2003, p.20 apud TRISTÃO, 2011 p.113).

De acordo com Giambiagi (2011), os seis meses seguintes às eleições, o governo fez seis mudanças
de imediato que contribuíram para amenizar as tensões macroeconômicas existentes:

1) nomeou como presidente do Banco Central, Henrique Meirelles;

2) anunciou as metas de inflação para 2003 e 2004, de 8,5% e 5,5%, mantendo a sua política
anti-inflacionária;

3) elevou a taxa de juros SELIC;

4) definiu uma meta para o superávit primário, que passou para 4,25% do PIB;

5) ordenou cortes nos gastos públicos;

6) pôs na Lei de Diretrizes Orçamentárias, o objetivo de manter a mesma meta fiscal de 4,25% do
PIB, para 2004 - 2006.

No primeiro mandato do governo Lula devido ao tratamento a qual foi dado aos organismos
financeiros internacionais se percebeu a continuidade da política econômica. Segundo Villa (2014,
p.65), “esta postura levou os parlamentares da oposição a defenderem a política econômica do
governo, enquanto os da base de apoio – inclusive do PT – atacavam aquela administração
conservadora”. Ainda em Villa, (2014, p.173), a política econômica trabalhava com o curto prazo,
aproveitando os bons resultados das exportações e da entrada de capitais estrangeiros.

Sampaio Jr., (2006) e Arcáry (2011) defendem argumentos que apontam para a ideia de
continuidade entre os governos de FHC e Lula, portanto, defendem que o governo de Lula
consolidou o modelo neoliberal no Brasil. Para Sampaio Jr. (2006) no livro, ​Los Gobiernos
Progresistas en Debate: Argentina, Brasil, Chile, Venezuela y Uruguay (2006), existe continuidade,
dado que no governo de Lula, tanto a política econômica como a filosofia social das políticas,

5
seriam um aprofundamento do neoliberalismo, já que todos seus eixos foram radicalizados. Dois
5
pontos importantes do governo Lula confirmaram isto: o primeiro foi a reforma da previdência que
FHC não conseguiu realizar durante o período dos seus dois mandatos. O segundo ponto executado
pelo governo Lula foi à autonomia operacional do Banco Central, já que ele entrega o BACEN ao
capital financeiro e o Estado renuncia ao controle da política monetária.

O governo Lula pode ser conceituado como anexo ao de Fernando Henrique Cardoso, um
desenvolvimento dentro do mesmo modelo, não foi uma transição, e sim um aprofundamento das
políticas de FHC, a esse respeito concluía, em 2003, Carvalho (2003, p.71): “Trata-se de manter o
rumo do transatlântico, com pequenas correções de rota que permitam aumentar sua velocidade no
mesmo rumo”. Foi exatamente o que ocorreu, as políticas econômicas neoliberais foram
acentuadas.

2.1. Políticas Econômicas

Paulani (2003), afirma que essa política macroeconômica, tida como a única sensata porque é a
única verdadeiramente científica, implica, no caso da economia brasileira, a extinção do espaço da
política econômica: a política monetária ficou atrelada às metas inflacionárias, a fiscal aos
superávits e a cambial comandada pelo próprio mercado.

Para Ferrari & Fonseca (2013, p.9), “a política monetária se atém explicitamente a meta de
estabilidade do emprego, conjuntamente com a estabilidade dos preços, a política fiscal se atém ao
investimento público e aos programas sociais, e a política cambial deve ser articulada para
equilibrar o balanço de pagamentos. A política monetária deveria ter sido orientada pelas metas de
emprego como para adoção de medidas prudentes para amenizar riscos financeiros e expandir a
liquidez da economia, assim como ações voltadas a desconcentrar o sistema financeiro, e
democratizar o acesso ao crédito. Cabem ressaltar, a importância dos bancos públicos, tais como
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Banco do Brasil (BB), Caixa
Econômica Federal (CEF) e os bancos regionais e estaduais de fomento para o financiamento de
longo prazo do investimento produtivo”.

No âmbito da política fiscal, “o governo Lula, notadamente no primeiro mandato, procedeu da


mesma maneira ​do governo anterior, ao estabelecer as metas de política em termos primários,
comprimindo gastos, em sua maioria de investimento, de forma a liberar recursos destinados ao
pagamento de juros sobre a dívida pública ao gerar superávits suficientes para reduzir a relação
dívida/PIB. Este reducionismo ao preservar a riqueza financeira, limitou a capacidade do Estado em
ampliar os investimentos públicos” (TEIXEIRA & PINTO, 2012, p.923).

5 ​
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tentou alterar o sistema previdenciário nacional, mas, em oito anos de
mandato, só conseguiu implementar mudanças no setor privado referentes aos aposentados pelo Instituto Nacional do
Seguro Social (INSS). As mudanças no setor público sempre enfrentaram resistências – inclusive do PT, quando
oposição - no Congresso Nacional e nunca chegaram a ser implementadas. Pós a eleição, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva anunciou como prioridade a aprovação das reformas, consideradas fundamentais para a retomada do
crescimento do País. No dia 30 de abril de 2003, Lula, acompanhado dos 27 governadores, dos 82 integrantes do
Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e de alguns ministros, entregou pessoalmente as propostas das
reformas ao Congresso Nacional. O gesto teve o efeito simbólico de mostrar aos parlamentares que a proposta do
Executivo tem o apoio de todos os Estados e do Distrito Federal.

6
Ademais, a política fiscal deveria ter sido implementada de forma a assegurar a manutenção dos
atuais gastos em programas sociais e concentrar recursos orçamentários nos investimentos públicos,
especialmente em infraestrutura. Sendo que, para Barbosa (2013, p.92), “o principal estímulo ao
crescimento ocorreu via aumento das transferências de renda às famílias mais pobres, como a
elevação do salário mínimo, a expansão do programa bolsa família, e do gasto público com
investimento em educação”.

Ainda em Barbosa (2013, p.91), no que se refere à política cambial, “expressou continuidade, a
política econômica manteve o regime de câmbio flutuante iniciado em 1999 com a acumulação de
reservas internacionais​. Segundo Baltar et al. (2010), o país continuou negligenciando seu poder de
usar a taxa de câmbio como instrumento para orientar o desenvolvimento e para aumentar seu
volume de exportações de produtos manufaturados, dependendo deste modo, menos de importações
desses produtos.

Com um crescimento médio de 3,5% do PIB no primeiro mandato do governo Lula, vejamos o
comportamento das variáveis macroeconômicas apresentadas no quadro 1.

Quadro 1
Indicadores Macroeconômicos do Brasil, 2003 – 2006.

Anos r IPCA RP/ RN/ E=R$/US$ RC BC XCM/X ∆PIB/


Selic: % % PIB PIB média (a.a) US$ (FOB) % PIB
média % % (milhões) US$ %
(a.a) Em 31/12 (milhões) pm
ref. (2000)
2003 23,51 9,63 3,23 -5,17 3,0783 49.254,00 24.793,92 - 1,15
2004 16,38 7,63 3,69 -2,87 2,9267 52.937,00 33.640,54 - 5,71
2005 19,14 5,74 3,74 -3,54 2,4342 53.800,00 44.702,88 41,53 3,16
2006 15,32 3,17 3,15 -3,57 2,1767 85.839,00 46.456,63 43,80 3,96
Média 18,58 6,54 3,45 -3,78 2,6539 60.457,50 37.398,49 21,33 3,45
Fonte: Wanderley (2016).
Sendo: r = Taxa de juro Selic, IPCA = Taxa de inflação, RP = Resultado primário, RN = Resultado nominal
(Corresponde NFSP: sinal trocado), E = Taxa de câmbio, RC = Reservas cambiais, BC = Balança comercial, XCM =
Exportações de commodities, X = Exportações totais; PIB = Produto interno bruto.
a) Jan. – Nov. de 2015.
Nota: 23 commodities (Café em grão, Soja em grão, Farelo e soja, Óleo de soja em bruto, Suco de laranja congelado,
Açúcar em bruto, Açúcar refinado, Celulose, Alumínio, Carne suína "In Natura", Carne bovina "In Natura", Carne de
frango "In Natura", Semimanufaturado, Ferro/Aço, Laminados planos, Couro, Fumo em folhas, Minério de ferro,
Gasolina, Óleos combustíveis, Petróleo em bruto, Algodão, Milho e Álcool etílico – etanol).

Faz-se nos quatro parágrafos a seguir uma síntese da análise feita por Wanderley (2016). No que se
refere à estabilidade inflacionária com média de 6,54%, houve relativo êxito para o padrão Brasil,
dado que o uso de elevadas taxas de juros com média de 18,58% possibilitou-se o combate à alta
dos preços por efeito da demanda agregada. No primeiro mandato do governo Lula, a taxa de
inflação oficial, dada pelo Índice de Preços ao Consumidor amplo (IPCA), se manteve dentro do
intervalo da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Tendo como ponto fora
da curva, o primeiro ano da gestão, em 2003, quando o IPCA, bateu 9,63%. Em 2004, o IPCA

7
atingiu uma taxa final de 7,63%. Em 2005, a inflação oficial do país fechou o período com uma alta
acumulada de 5,74%. Em 2006, o IPCA atingiu a marca de 3,17%, a menor taxa desde o início de
implantação das metas, em 1999.

Os saldos da balança comercial durante o período analisado obteve um superávit aproximado de


US$ 37,4 bilhões, não havendo déficit algum neste espaço de tempo. Isto, por conta do volume de
exportações de commodities para mercados asiáticos, a priori, nossos parceiros nos BRIC’s, como,
China e Índia. Deste modo, foi responsável pela evolução do PIB, que seguiu um crescimento
descontinuado, apresentando uma pífia expansão de 1,15% em 2003. Em 2004 houve um
crescimento de 5,71% quando iniciou uma sequência de cinco anos positivos, beneficiando as
camadas de menor renda. Neste período, o dinamismo da economia, teve a maior média em mais de
duas décadas, atingindo 3,45%. Em 2005 de 3,16%, de 3,96% em 2006, numa conjuntura em que a
economia mundial crescia praticamente o dobro dessas taxas e os emergentes dinâmicos três vezes
mais. Nota-se, entretanto, que o governo pôs em prática uma revisão metodológica nas contas
nacionais, modificando o peso e o arranjo de indicadores basilares da economia, o que desaguou
numa alteração positiva de todas as taxas de crescimento. Nesses anos, o crescimento, embora
pequeno, do PIB foi principalmente fundado na expansão das exportações.

Sendo o câmbio flutuante e considerando o grande contingente de capitais externos como resultado
da expansão nas exportações de commodities e​ de altas taxas de juros doméstica, acumulam-se
volumosas reservas cambiais que se estimou em média R$ 60,5 bilhões. Esse cenário é
caracterizado pelas elevadas participações das commodities ​na pauta das exportações totais que
alcançaram uma média de 21,33%, em detrimento das demais atividades produtivas, principalmente
do setor industrial.

Na área do orçamento público, se constatou um alto superávit primário ​com ​média de 3,45% do
PIB, contribuindo, deste modo para a estabilidade dos preços. Cabe frisar que esse superávit ​decorre
da necessidade de custear o endividamento externo por conta da política de juros altos como
instrumento de controle dos preços. Observa-se um resultado nominal em conformidade ao PIB no
ano de 2003 de -5,17% e que se reduziu para o nível de -3,57% em 2006, computando-se uma
média de déficit​ n​ ominal de 3,78%.

O crescimento do PIB entre 2003 e 2006 analisado pelo prisma da demanda, e pela perspectiva da
distribuição setorial da economia brasileira, estão explícitos no quadro 2 com seus respectivos
desempenhos no período em análise. Tal como, a relação investimento/PIB que foi baixa no
primeiro governo Lula, em torno de 16%, estando relacionada com a política de juros elevados e
com o câmbio apreciado, que desestimulam o investimento produtivo, tornam pouco competitiva as
exportações de manufaturas. A manutenção da formação bruta de capital fixo dependeu cada vez
mais dos investimentos públicos, e o aumento da taxa de investimento requer uma postura mais
ativa do poder público, na sua articulação com a iniciativa privada e na ampliação da infraestrutura
econômica e social.

8
Quadro 2
Indicadores Macroeconômicos das Participações da Demanda Agregada e das Atividades
Setoriais no PIB,
por ano no Período de 2003 a 2006.

Anos Demanda Agregada (Ref.2000): % do PIB Setores de Produção: % do PIB (Ref.


Consumo Exp. 2010)
FBKFx X Agro. Ind. Serv.
(%)
Fam. Gov. (%) Final (%) (%) (%) (%) (%)
(%)
2003 61,93 19,39 81,32 15,28 14,99 7,19 26,96 65,84
2004 59,78 19,23 79,01 16,10 16,43 6,68 28,71 64,61
2005 60,27 19,91 80,19 15,94 15,13 5,47 28,62 65,91
2006 60,30 20,04 80,34 16,43 14,37 5,14 27,76 67,11
Média 60,57 19,64 80,21 15,93 15,23 6,12 28,01 65,86
FONTE: Wanderley (2016).
Sendo: ​Fam. = Família; Gov. = Governo; FBKFx = Formação bruta de capital fixo; X = Exportação total; Agro. =
Agropecuária; Ind. = Indústria; Serv. = Serviço.

Com relação à participação da demanda doméstica, se verificou um valor médio do consumo final
no PIB de 80,21%, sobressaindo-a a média do consumo das famílias em 60,57% e a média do
governo em 19,64%, e a média de 15,93% dos investimentos. Esse resultado no primeiro mandato
do governo Lula, se deveu em grande parte ao incentivo dado ao consumo interno, através da trinca
6
magnífica do PT, (o aumento real do salário mínimo, o aumento do acesso ao crédito consignado e
claro, os programas assistencialistas), e o peso das exportações no PIB. No que tange a análise das
participações dos setores de produção no PIB, fica evidente no quadro 2 que o peso do setor
agropecuário de 6,12% é irrisório, perante setores como indústria, e serviços, que obtiveram média
percentual respectivamente, 28,01% e 65,86%.

6
Termo de elaboração própria, que se refere às três medidas que o Partido dos Trabalhadores (PT) tomou visando
aumento do consumo interno, em contrapartida à crise financeira, são eles, incremento real do salário mínimo,
aumento do acesso ao crédito consignado, e o programa bolsa família.

9
Quadro 3
Taxa de Crescimento Médio e Anual do Consumo, do Investimento, das Exportações e dos
Setores de Produção (Agropecuária, Indústria e Serviços) de 2003 a 2006.

Anos Demanda Agregada Ref. (2010): Setores de Produção:


Variação anual Variação anual
Ref. (2010)
Consumo Exp.
FBKF** X Agro. Ind. Serv.
Fam. Gov. (%) Final (%) (%) (%) (%) (%) (%)
ISFLSF*
(%)
2003 -0,44 1,59 -0,02 -2,69 21,07 8,31 0,10 0,99
2004 3,95 3,87 3,91 10,32 32,00 2,00 8,21 5,01
2005 4,48 2,01 3,85 -2,49 22,63 1,12 1,99 3,66
2006 5,36 3,56 4,87 8,47 16,48 4,64 2,01 4,33
Média 3,33 2,75 3,15 3,40 23,04 4,01 3,07 3,49
Fonte: ​Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais Referência 2010 (IBGE/SCN 2010
Anual)​.
* ISFLSF: Instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias.
** FBKF: Formação bruta de capital fixo.

Ao observar o quadro 3 onde temos os indicadores macroeconômicos de crescimento anual das


variáveis da demanda agregada e dos setores de produção durante o primeiro mandato do governo
Lula compreendido entre 2003 e 2006 podemos afirmar que, no consumo, as famílias ascenderam
no decorrer dos anos, partindo de uma retração de 0,44% em 2003 para alta de 3,95% em 2004, em
2005 subiu 4,48%, e em seguida 5,36% em 2006, ficando com uma média de 3,33% no período. Os
gastos do governo tiveram em 2003 um crescimento de 1,59% em relação ao último ano da
administração FHC, em 2004 subiu para 3,87%, ante 2,01% em 2005 quando houve uma retração
nos gastos do governo, já em 2006 sofreu um acréscimo de 3,56% em comparação ao ano
antecedente, com média no período de 2,75%. Os gastos finais em 2003 foram de negativos 0,02%,
subindo para 3,91% em 2004, 3,85% em 2005 e 4,87% em 2006, com média de 3,15% durante este
mandato. A FBKFx obteve crescimento negativo em dois momentos neste mandato, no primeiro
ano em 2003, caindo aos -2,69%, e em 2005 quando caiu -2,49%, entretanto, em 2004 alçou um
crescimento de 10,32% perante o derradeiro ano anterior, e 8,47% no último ano do mandato, tendo
como média do investimento no período 3,40%. As exportações subiram 21,07% em 2003, quando
se comparada com 2002, e 32% em 2004 com relação ao ano anterior, 22,63% em 2005, e 16,48%
em 2006, tendo como média deste mandato 23,04%.

Os setores de produção com exceção da agropecuária que cresceu 8,31% em 2003 tiveram
crescimento ínfimo de 0,10% na indústria e 0,99% no setor de serviços, entretanto, no ano seguinte
em 2004, a agropecuária cresceu apenas 2%, em contrapartida, a indústria cresceu 8,21% e o setor
de serviços 5,01%, em 2005 com relação ao ano anterior houve queda nos três setores, ficando em
1,12%, 1,99% e 3,66% a agropecuária, a indústria e o setor de serviços respectivamente. No último
ano do mandato em 2006, a agropecuária subiu 4,64%, a indústria 2,01% e os serviços 4,33%, a
média deste mandato ficou em 4,01%, 3,07% e 3,49%, respectivamente para a agropecuária, a
indústria e o setor de serviços.

10
Quadro 4
Indicadores de Salário Mínimo, Desemprego, Bolsa Família Coeficiente de Gini, Pobreza, e
Pobreza Extrema por ano e média total
no Período de 2003 a 2006.

Anos Salário Mínimo Taxa de Taxa de Taxa de PROGRAMA BOLSA Coeficiente


e Desem Pobreza* Pobreza FAMÍLIA de
Taxa de prego (%) Extrema* Famílias Valor Gini
Crescimento (%) (%) Atendidas investido
R$
R$ 1,00 (%)
(bilhões)

2003 240,00 20,00 12,3 35,75 15,18 - - 0,5810

2004 260,00 8,33 11,5 33,71 13,22 6.571,839 3,8 0,5689


2005 300,00 15,38 9,8 30,83 11,50 8.700,445 5,7 0,5663
2006 350,00 16,67 10,0 26,75 9,45 10.965,810 7,5 0,5597
Média 287,50 10,09 10,9 31,76 12,33 8.746,031 5,66 0,568
FONTE: Wanderley (2016)
*Ambos os extratos sociais são os contemplados pelo bolsa família: famílias com renda per-capita mês de R$ 154,00
(pobreza) e R$ 77,00 (extrema pobreza), incluindo em alguns casos acréscimos para gestantes, crianças, adolescentes,
etc.

Partindo das variáveis analisadas no quadro 4, notamos que houve um progresso social que
corroborou com a alta do consumo. No desenrolar do primeiro governo Lula, durante quatro anos,
as evoluções das variáveis analisadas mostraram que o salário mínimo registrou acréscimo médio
acima da taxa de inflação, através das taxas de crescimento médio de 10,09%, enquanto que
segundo o quadro 1, o IPCA computou o percentual médio de 6,54%. A taxa de desemprego
apresentou uma evolução de queda, dado que as taxas em 2003 foram de 12,3%, em 2006 de
10,0%; a taxa de pobreza registrou redução em sua evolução. Tendo 35,75% em 2003,
computando-se taxa média de 31,76%. A taxa de extrema pobreza acusou também queda em sua
evolução, sendo em 2003 de 15,18%, verificando-se taxa média de 12,33%; o bolsa família
contemplou em média nos quatro anos do primeiro governo Lula a quantia de 6,5 milhões de
famílias.

O recurso público se iniciou em 2004 com um gasto de R$ 3,8 bilhões, sendo acrescido a cada ano.
O número de famílias assistidas pelo programa bolsa família (PBF) cresceu a cada ano e fechou
com uma média de 8.746,031 de famílias atendidas ao fim do primeiro mandato. O coeficiente de
Gini m​ ostra uma tendência de redução em seus indicadores anuais no período de 2003 a 2006,
registrando em média 0,56, indicando uma melhoria na distribuição de renda.

Depois de analisadas as variáveis podemos afirmar que os indicadores econômicos e sociais


sofreram melhoras, no período estudado, o PIB sofreu reajuste médio de 3,5%, acompanhado pelo
bom momento para a exportação de commodities primárias, e uma relevante participação do
consumo das famílias na demanda agregada. Houve também o incremento na geração de empregos,
a introdução do bolsa família, o combate à inflação, a ampliação das exportações e a contenção de
despesas foram algumas das metas buscadas pelo governo.

11
Na seção a seguir trataremos do segundo governo Lula (2007-2010), quando introduziu o então
denominado modelo social-desenvolvimentista, adotado a partir de 2007, bem como, análises de
políticas econômicas.

3. SEGUNDO MANDATO – MODELO SOCIAL-DESENVOLVIMENTISMO

A segunda etapa, denominada de social-desenvolvimentismo, devido à crescente importância dada


aos aspectos sociais do desenvolvimento, cobre todo o segundo mandato (2007-2010), e é marcada
por uma intervenção mais forte do Estado na economia retomando sua capacidade de investimento.
Na esfera da política de combate à pobreza e da Assistência Social, destacam-se alguns programas
que definem mudanças no governo Lula, como o programa bolsa família (PBF), e o benefício de
prestação continuada (BPC).

O segundo Governo Lula se iniciou sob a fase de estabilização, contudo, sinalizando um viés de
mudança que pode ser caracterizado como a “fase desenvolvimentista”, ancorando-se inicialmente
com o lançamento do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) e em uma maior ingerência
7
econômica do governo. Em combinação com as políticas sociais assistencialistas e de outras
medidas no campo social, faz-se um design do então “modelo social-desenvolvimentista”, que
formalmente manteve-se o tripé macroeconômico de cumprimento de metas dos preços, câmbio
8
flexível e superávit primário. Tratou-se de uma maior intervenção governamental na economia.
Com relação à área social, têm-se reformas, fusões e reforço de programas já existentes como, o
Auxílio-Reclusão de 1991, o Programa de Erradicação Trabalho Infantil (PETI) de 1996, ​Fundo de
Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (​FIES) de 1999, o Programa Bolsa Família (PBF)
de 2004, sendo este, a (fusão do Bolsa-Escola, Cartão-Alimentação, Auxílio-Gás e
Bolsa-Alimentação, criados no governo FHC), e a criação de novos programas como, Luz para
todos de 2003, o Programa Universidade para Todos (PROUNI) de 2004, o Programa Território da
Cidadania de 2008, o ​Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (​PRONATEC)
de 2011, etc.; além de algumas janelas de oportunidades para a população menos favorecida, como
as cotas raciais nas universidades, a política de valorização do salário mínimo, etc.
(WANDERLEY, ​2016, p.11-2).

De acordo com Castelo (2010), Márcio Porchmman elabora o conceito de


social-desenvolvimentismo como um padrão de acumulação (ou modelo de desenvolvimento) que
conjugaria crescimento econômico, reafirmação da soberania nacional (Brasil como credor mundial,
acumulador de reservas externas e diversificação de parceiros comerciais, em sua maioria,
economias periféricas), reformulação do papel do Estado (reforço nas empresas e bancos públicos,

7
No que pese o PAC carecer de uma base teórica que assegure uma articulação lógica dos investimentos de forma a
propiciar o desenvolvimento econômico.

8 ​
Trata-se de um desvio nos preceitos da “macroeconomia única” de base neoliberal, pois há uma mescla com medidas
keynesianas v​ ia consumo, além de proposição de grandes projetos não consolidados – trem-bala, transposição do São
Francisco, saneamento, biodiesel, etanol etc. -, e do relaxamento no cumprimento das metas de inflação, câmbio
flutuante e superávit​ p​ rimário.

12
aumento do funcionalismo público e o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC) e choque
distributivo (aumento do salário mínimo e dos gastos sociais – previdência, assistência,
seguro-desemprego e abono salarial – e expansão do crédito fácil para as pessoas físicas).

No segundo programa de governo, logo na página seguinte a capa, há a seguinte citação em


referência ao segundo governo Lula:

“O nome do meu segundo mandato será desenvolvimento. Desenvolvimento com


distribuição de renda e educação de qualidade” (PROGRAMA DE GOVERNO, 2006).

As propostas do “social-desenvolvimentismo”, apresentadas por Carneiro (2012), Bielschowsky


(2012) e Bastos (2012), destacam a relevância de um desenvolvimentismo com redistribuição de
renda e esta, como o atributo mais reivindicado como marca das propostas desses autores. O
social-desenvolvimentismo aborda temas estratégicos, relativos às alternativas e aos obstáculos que
se põem à sua continuidade e que terão de ser equacionados, por meio de um novo consenso social
que leve a uma política de conteúdo “desenvolvimentista” – vale dizer, uma política industrial,
tecnológica, de comércio exterior, tributária, de financiamento, de distribuição da renda e da riqueza
etc. – e que viabilize um bloco integrado de investimento produtivo e em infraestruturas econômica
(rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, energia elétrica, e telecomunicações) e social (saúde,
educação, habitação, saneamento e equipamentos de transporte coletivo) (CALIXTRE;
BIANCARELLI, CINTRA, 2014).

Por conta desta crescente importância dada aos aspectos sociais do desenvolvimento (ou,
9
especificamente, à ampliação do mercado consumidor) , alguns autores têm denominado a
10
estratégia de “social-desenvolvimentista”. Este modelo é a concepção de que qualquer estratégia
dissociada da missão de reduzir as enormes desigualdades sociais que marcam a nossa sociedade
não parece adequada, nem muito promissora em termos funcionais, no determinado contexto. Ou
11
seja, a dimensão social deve estar no centro da agenda .

9 ​
Para uma visão geral desta transição durante o governo Lula, com atenção especial ao papel do Estado, ver
LOPREATO, F. L. Caminhos da Política Fiscal do Brasil. São Paulo: Editora Unesp, 2013. Para um balanço da
política econômica sob Lula, ver BARBOSA FILHO, N.; SOUZA J. A. P. A inflexão do governo Lula: política
econômica, crescimento e distribuição de renda. In: SADER, E; GARCIA, M. A. (orgs.) Brasil: entre o Passado e o
Futuro. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo/Boitempo, 2010.

10 ​
CARNEIRO, R. de M. Novos e velhos desenvolvimentismos. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial, p.
749-778, 2012. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/S0104-06182012000400003; BASTOS, P. P. z. A economia política
do novo-desenvolvimentismo e do social-desenvolvimentismo. Economia e Sociedade, Campinas, v. 21, n. especial,
p. 779-810, 2012. DOI: http: //dx.doi.org/10.1590/S0104-06182012000400004; COSTA, F. N. Desenvolvimento do
desenvolvimentismo: do socialismo utópico ao social-desenvolvimentismo. Texto para Discussão IE-Unicamp, n. 205,
maio 2012. Disponível em: <http://www.eco.unicamp.br/docprod/downarq.php?id=3185&tp=a>. Acesso em: out.
2013.
11
Para uma exposição mais detalhada das ideias apresentadas nesta seção (incluindo considerações sobre a política
macroeconômica, o papel do Estado e a estrutura produtiva), ver BIANCARELLI, A. M.. Por uma agenda
social-/desenvolvimentista para o Brasil. FPA Di scute: Desenvolvimento. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, p.
49-66, jul. 2013. Disponível em:
<http://novo.fpabramo.org.br/sites/default/files/fpa-discute-desenvolvimento-v2-1.pdf>. Acesso em: out. 2013

13
Nas palavras de Fagnani (2014), “foi a partir de 2007 que o crescimento voltou a ser contemplado
na agenda macroeconômica e foram adotadas políticas fiscais e monetárias menos restritivas, sendo
o projeto social-desenvolvimentista parcialmente resgatado das teses do PT. Com a crise financeira
internacional de 2008, foram adotadas medidas anticíclicas, e os bancos públicos lançaram uma
estratégia agressiva de ampliação do crédito, que praticamente dobrou entre 2003 e 2010 (de 24%
para 49% do PIB)”.

No bojo do programa do segundo governo Lula destaca-se a fixação da questão social como o eixo
do desenvolvimento econômico. O novo modelo de desenvolvimento privilegia o mercado interno,
com a meta de inclusão de milhões de brasileiros à participação econômica, ao consumo e aos
direitos sociais, esta caminhada para a superação dos vergonhosos indicadores sociais são as balizas
da atuação do Estado. Este ativismo estatal se voltou para a redução da desigualdade da distribuição
de renda, este objetivo foi concretizado através da ampliação dos programas sociais.

3.1. Políticas Econômicas

Pode-se considerar que o modelo social-desenvolvimentista começou a ganhar materialidade no


segundo mandato, mais propriamente em 2007, e muitas das ações que marcaram este pleito
surgiram através, da criação de uma estatal para gerir o Pré-Sal; do Programa de Aceleração do
Crescimento (PAC I e II); do Plano Nacional de Educação (PNE); da Política de Desenvolvimento
Produtivo; entre outras iniciativas. Houve a retomada de programas de infraestrutura, que há muito
tempo (desde o II PND) o Brasil não tinha. Com o crescimento da demanda interna e as condições
favoráveis, adotaram-se alguns instrumentos de política econômica mais flexíveis no sentido de
impulsionar o consumo, ainda que as principais linhas básicas da política do período anterior
permanecessem em voga.

Sendo esta fase marcada por uma intervenção mais forte do Estado na economia, recuperando sua
capacidade de investimento, no sentido de ampliar a infraestrutura básica do país, mesmo assim, o
comando da política econômica ainda continuou refém do mercado financeiro. Sem ter havido uma
ruptura com as políticas macroeconômicas neoliberais do primeiro mandato, essas mudanças se
deram de forma complementar (ou mesmo aditiva) a tais políticas.
12
Nessa etapa, houve maior valorização do salário mínimo, e redução dos juros. O governo Lula no
segundo mandato alçou um crescimento médio de 4,5% do PIB, haja vista o comportamento das
variáveis macroeconômicas apresentadas no quadro 5.

12
​Ver, a respeito, Nelson Barbosa e José Antonio Pereira de Souza, “A inflexão do governo Lula: política econômica,
crescimento e distribuição de renda”, em E. Sader e M. A. Garcia (orgs.), ​Brasil entre o passado e o futuro.​

14
Quadro 5
Indicadores Macroeconômicos do Brasil, 2007 – 2010.

Anos r IPCA RP/ RN/ E=R$ RC BC XCM/X ∆PIB/


Selic: % PIB PIB US$ US$ (milhões) (FOB) % PIB
% % % média Em 31/12 US$ %
média (a.a) (milhões) pm
(a.a) (ref. 2000)
2007 12,04 4,47 3,24 -2,74 1,9483 180.334,00 40.031,63 44,27 6,09
2008 12,45 5,92 3,33 -1,99 1,8342 206.806,00 24.835,75 48,04 5,17
2009 10,13 4,32 1,95 -3,19 1,9983 239.054,00 25.289,81 52,50 -0,33
2010 10,00 5,97 2,62 -2,41 1,7608 288.575,00 20.146,86 56,60 7,53
Média 11,15 5,17 2,78 -2,58 1,8854 228.692,25 27.576,0125 50,35 4,61
Fonte: Wanderley (2016).
Sendo: r = Taxa de juro Selic, IPCA = Taxa de inflação, RP = Resultado primário, RN = Resultado nominal
(Corresponde NFSP: sinal trocado), E = Taxa de câmbio, RC = Reservas cambiais, BC = Balança comercial; XCM =
Exportações de commodities, X = Exportações totais, PIB = Produto interno bruto.
a) Jan. – Nov. de 2015.
Nota: 23 commodities (Café em grão, Soja em grão, Farelo e soja, Óleo de soja em bruto, Suco de laranja congelado,
Açúcar em bruto, Açúcar refinado, Celulose, Alumínio, Carne suína "In Natura", Carne bovina "In Natura", Carne de
frango "In Natura", Semimanufaturado, Ferro/Aço, Laminados planos, Couro, Fumo em folhas, Minério de ferro,
Gasolina, Óleos combustíveis, Petróleo em bruto, Algodão, Milho e Álcool etílico – etanol).

No segundo mandato do governo Lula, o índice de preços ao consumidor amplo (IPCA), foi
mantido dentro da meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Em 2007 mediu
4,47%, em 2008, o IPCA atingiu uma taxa de 5,92%, em 2009, a inflação fechou o ano com 4,32%.
No último ano do governo em 2010, a taxa de inflação foi a mesma que dois anos antes, ficando em
5,97.

Nesses anos, acelerou-se o ritmo de expansão do PIB no segundo mandato impulsionado pela
demanda da China, que permaneceu vigorosa e se alçou à condição de primeiro parceiro comercial
do Brasil. O Brasil registrou um crescimento do PIB de 6,1% em 2007, ano marcado pela retomada
da atividade em vários setores da economia, em virtude principalmente da recuperação da renda da
população e pela expansão do crédito no país. Em 2008, 5,1%, em 2009, mesmo com as decisões do
governo almejando ampliação do consumo, não foi possível conter uma queda no PIB em
decorrência dos impactos negativos da crise financeira global, o PIB apresentou uma variação
negativa de 0,33%, ​o que evidenciou o impacto significativo da crise sobre a economia brasileira.
Contudo, no ano seguinte a recuperação foi mais forte dado que o consumo se manteve aquecido e
as empresas tornaram a elevar as taxas de investimento novamente, com isto, no ano de 2010,
último ano do governo Lula, a economia apresentava crescimento de 7,5% (GENTIL; ARAÚJO,
2012 apud ​DAER 2013). Desta vez, o Brasil conseguiu fazer melhor do que a média mundial, o que
não parecia difícil em vista da gravidade da recessão nos países avançados. Mas ainda assim
permaneceu aquém do ritmo mais elevado dos emergentes dinâmicos, como a própria China ou a
Índia. É salutar lembrar que entre 2007 e 2010, excluindo o ano de 2009, as taxas de crescimento do
PIB foram superiores aos 5% a.a.

15
Os saldos da balança comercial que durante o período em estudo, obteve um superávit aproximado
de US$ 27,5 bilhões, não havendo déficit algum neste espaço de tempo. Isto, por conta do volume
de exportações de commodities para mercados asiáticos principalmente soja e minério de ferro, a
priori, nossos parceiros nos BRICs, como, China e Índia. Sendo que neste período, a balança
comercial caiu pela metade, ao sair do volume de US$ 40 bilhões em 2007, para US$ 20 bilhões no
último ano deste governo.

Com o câmbio flutuante acumulam-se amplas reservas cambiais que alcançou uma média de R$
228,6 bilhões. Essa dinâmica é calcada nas elevadas participações das commodities ​na pauta das
exportações totais que alcançaram uma média de 50%. O superávit p​ rimário ​médio de 2,78% do
PIB corroborou para a estabilidade dos preços. Observa-se um resultado nominal em conformidade
ao PIB no ano de 2007 de -2,74% e que se reduziu para o nível de -2,41% em 2010, computando-se
uma média de déficit​ ​nominal de 2,58%.

Pela dinâmica da distribuição setorial e pela ótica da demanda, ao se analisar o avanço dessas
variáveis no PIB da economia brasileira nos anos referentes ao segundo mandato do governo Lula,
percebemos os seguintes desempenhos listados no quadro 6.

Quadro 6
Indicadores Macroeconômicos das Participações da Demanda Agregada e das Atividades
Setoriais no PIB, por ano e em média no Período de 2007 a 2010.

Anos Demanda Agregada (Ref.2000): Setores de Produção:


% do PIB % do PIB
Consumo Exp. (Ref. 2010)
FBKFx
(%) X Agro. Ind. Serv.

Fam. (%) Gov. (%) Final (%) (%) (%) (%) (%)

2007 59,90 20,26 80,15 17,44 13,36 5,19 27,14 67,67

2008 58,93 20,19 79,12 19,11 13,66 5,40 27,44 67,16

2009 61,11 21,21 82,32 18,07 10,98 5,25 25,69 67,06

2010 59,64 21,15 80,79 19,46 10,87 4,84 27,38 67,78

Média 59,89 20,70 80,59 18,52 12,21 5,17 26,91 67,91

FONTE: Wanderley (2016).


Sendo: ​Fam. = Família; Gov. = Governo; FBKFx = Formação bruta de capital fixo; X = Exportação total; Agro. =
Agropecuária; Ind. = Indústria; Serv. = Serviços.

A média das participações das exportações no PIB ficou em 12,21%, e por parte da demanda
doméstica, em relação ao segundo pleito de Lula se constatou um valor médio do consumo final no
PIB de 80,59%, se destacando à média do consumo das famílias em 59,89% e à média do governo

16
em 20,70% em contrapartida as ínfimas taxas de investimentos, que ao se comparar a relação da
FBKFx/PIB entre os dois governos Lula, percebe-se que na média houve um acréscimo de quase 3
pontos percentuais do segundo mandato 18,52%, com relação ao primeiro 15,93%. A formação
bruta de capital fixo está intrinsecamente atrelada aos investimentos públicos, cabendo ao poder
público uma intermediação com a iniciativa privada ao adotar uma postura mais enérgica no que se
refere o desenvolvimento de todo o arcabouço econômico e social. Das variáveis macroeconômicas
componentes do produto agregado, o investimento produtivo é o elemento dinâmico do processo de
acumulação do modo de produção capitalista, pois gera demanda e aumenta a capacidade de oferta
da mesma.

Consoante a Wanderley (2016), essa conjuntura no segundo mandato do governo Lula, se deveu em
grande parte à política aplicada, tendo a demanda sido incentivada pelas políticas anticíclicas de
incentivo ao consumo, através da trinca magnífica do PT (bolsa família, aumento real do salário
mínimo e crescimento do acesso ao crédito consignado), quais sejam, facilidades de acesso ao
crédito para setores específicos (setor automotivo, linha branca, e etc.); aumento real do salário
mínimo superior a 20%; além é claro, dos programas assistencialistas, encabeçado pelo bolsa
família. Não obstante, ficou evidente no quadro 6 que o peso do setor agropecuário de 5,17% se
torna ínfimo, quando comparado com setores como indústria, e serviços por exemplo, que lograram
média percentual respectivamente, de 26,91% e 67,91%.

Quadro 7
Taxa de Crescimento Médio e Anual do Consumo, do Investimento, das Exportações e dos
Setores de Produção (Agropecuária, Indústria e Serviços) de 2007 a 2010.

Anos Demanda Agregada (Ref.2010): Setores de Produção:


Variação anual Variação anual
(Ref. 2010)
Consumo Exp.
FBKFx
(%)
X Agro. Ind. Serv.
Fam. Gov. Final (%) (%) (%) (%)
ISFLSF* (%) (%) (%)

2007 6,70 4,06 5,82 15,91 16,57 3,25 6,21 5,83


2008 6,52 2,04 5,40 14,22 23,21 5,77 4,10 4,82
2009 4,37 2,94 4,09 -14,49 -22,70 -3,73 -4,70 2,07
2010 6,23 3,92 5,67 28,79 31,97 6,70 10,20 5,80
Média 5,95 3,24 5,24 11,10 12,26 2,99 3,95 4,63

Fonte: ​Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Sistema de Contas Nacionais Referência 2010 (IBGE/SCN 2010
Anual)​.
*(ISFLSF) Instituições sem fins lucrativos a serviço das famílias.

17
No que tange os componentes da demanda agregada houve sintonia durante as variações entre os
anos, com exceção de 2009 quando os efeitos da crise foram sentidos e o consumo das famílias caiu
de 6,52% em 2008 para 4,37%, fechando com uma média de 5,95% no somatório dos quatro anos.
Em contrapartida o gasto do governo aumentou, mesmo que numa proporção ínfima de menos de
1%, ao subir de 2,04% em 2008 para 2,94% em 2009, tendo como média de consumo do governo
neste período de 3,24%. O consumo final caiu em 2008 de 5,40% para 4,09% em 2009, para em
seguida subir para 5,67% em 2010, ficando como média final do consumo neste segundo pleito de
5,24%. A FBKFx também sofreu com os efeitos da crise de 2008 onde os investimentos caíram de
14,22%, para -14,49% em 2009. No primeiro ano do segundo mandato do governo Lula, as taxas de
crescimento dos investimentos foram da ordem de 15,91%, sendo menor só em comparação com
2010 onde alçaram magníficos 28,79%, ficando na média 11,10% computando os quatro anos deste
pleito. As exportações não ficaram de fora dos efeitos da crise onde em 2009 caiu para -22,70%,
ante 23,21% em 2008, e 16,57% em 2007, entretanto, no último dos quatro anos as exportações
subiram 31,97% em comparação ao ano anterior, ficando como média final deste período 12,26%.

Em decorrência dos efeitos da crise sentidos em 2009 houve uma retração nos três setores de
produção, pois tiveram redução em comparação ao ano anterior, na agropecuária a queda foi de
-3,73% ante 5,77% em 2008, 3,25% em 2007, subindo 6,70% em 2010, a indústria sofreu queda de
-4,70% ante 4,10% em 2008 e 6,21% em 2007, alçando 10,20% em 2010, já o setor de serviços,
com a crise teve a menor alta entre os quatro anos ficando em 2,07% em 2009, em 2008 subiu
4,82% em comparação com 2007% que subiu 5,83%. Na média do pleito a agropecuária fechou
com 2,99%, a indústria com 3,95% e o setor de serviços com 4,63%.

Quadro 8
Indicadores de Salário Mínimo, Desemprego, Bolsa Família, Coeficiente de Gini, Pobreza, e
Pobreza Extrema por ano e média total
no Período de 2007 a 2010.

Anos Salário Mínimo Taxa de Taxa de Taxa de PROGRAMA BOLSA Coeficiente


e Desemprego Pobreza* Pobreza FAMÍLIA de
Taxa de (%) (%) Extrema* Famílias Valor Gini
Crescimento (%) Atendidas Investido
R$ 1,00 (%) (R$
bilhões)

2007 380,00 8,57 9,3 25,36 8,96 11.043,076 9,0 0,5522

2008 415,00 9,21 7,9 22,60 7,56 10.557,996 10,6 0,5429

2009 465,00 12,05 8,1 21,41 7,27 12.370,915 12,4 0,5388

2010 510,00 9,68 6,7 - - 12.778,220 14,4 0,5331

Média 442,50 9,87 8,0 23,12 7,93 11.687,551 11,6 0,5417

FONTE: Wanderley (2016)


*Ambos os extratos sociais são os contemplados pela Bolsa Família: famílias com renda per-capita mês de R$ 154,00
(pobreza) e R$ 77,00 (extrema pobreza), incluindo em alguns casos acréscimos para gestantes, crianças, adolescentes,
etc.

18
Ao analisar as variáveis do quadro 8 nota-se que houve um avanço na esfera social que respaldou a
alta do consumo. Neste segundo pleito do governo Lula se verificou que o salário mínimo registrou
uma taxa média de crescimento de 9,87%, acima da taxa de inflação que segundo o quadro 5,
através do IPCA computou-se o percentual de 5,17%; já a taxa de desemprego apresentou uma
evolução de queda, dado que as taxas em 2007 foram de 9,3%, ante 6,7% em 2010, tendo como
média neste último quadriênio lulista 8,0%; a taxa de pobreza registrou redução em sua evolução.
Esta taxa, em 2007 foi de 25,36%, computando-se uma taxa média de 23,12%; a taxa de extrema
pobreza acusou também queda em sua evolução, ficando em 2007 com 8,96%, verificando-se uma
taxa média de 7,93%.

O programa bolsa família nos quatro anos do segundo governo Lula contemplou em média 11,6
milhões de famílias. Os recursos públicos voltados ao PBF em 2007 foram de R$ 9 bilhões, sendo
acrescido a cada ano, até alçar R$ 14,4 bilhões no último ano deste governo, tendo como média do
segundo mandato R$ 11,6 bilhões. O coeficiente de Gini m ​ ostra uma tendência de redução em seus
indicadores anuais no período de 2007 a 2010, registrando em média 0,54, indicando, mesmo de
maneira parca, uma melhoria na distribuição de renda.

Ao se debruçar sobre o desempenho dos indicadores sociais acima citados, fica notório vislumbrar
as melhorias obtidas. No que diz respeito ao Salário Mínimo, as correções com ganhos reais, além
de influenciar beneficamente na propensão a consumir trazendo melhorias para a população, tem
direta ligação sobre os gastos do Governo Federal. As demais variáveis como, desemprego,
pobreza, pobreza extrema e coeficiente de Gini, demonstraram declínio em seus indicadores
apontando para uma melhora na distribuição de renda no país (WANDERLEY, 2016, p.15).

4. CONCLUSÕES FINAIS

O Presidente Lula, ao chegar à presidência da república defendia interesses da classe trabalhadora,


como também deixou explicita a condição de dependência da economia brasileira em relação ao
Fundo Monetário Internacional (FMI), sobretudo no que tange o pagamento dos juros da dívida
pública, que mina o investimento produtivo, e ceifa uma provável ampliação dos direitos sociais e
trabalhistas.

Como consequência da análise foi interessante averiguar a notoriedade que o ex-presidente Lula
arbitrou tanto no meio popular, como no capital financeiro, em decorrência do dualismo exercido no
decorrer dos seus dois governos, tendo como destaque o poder de arbitragem que o configura, pois,
ao enriquecer o grande capital, entre bancos e multinacionais, acentuando as medidas neoliberais,
em contrapartida, colaborou para diminuir as instabilidades da parte mais espessa da pirâmide
social, diminuindo a desigualdade de renda existente no país. Além do já conhecido beneficiamento
ao grande capital, houve uma considerável redução da pobreza, como também uma discussão sobre
a postura dúbia da política econômica adotada durante os governos lulista, ou seja, a adoção do
modelo neoliberal versus a implantação do modelo social-desenvolvimentista.

Estas questões foram tratadas neste artigo através de abordagens sobre os dois mandatos do governo
Lula. A seção 2 tratou do primeiro governo o qual foi de aprofundamento da agenda neoliberal,
além de analisar a política econômica com base em dados de variáveis macroeconômicas. A seção 3

19
tratou do segundo mandato do presidente Lula em que abordou o modelo social-desenvolvimentista
associado a análises de indicadores macroeconômicos.

O primeiro governo Lula se ateve à continuidade dos interesses da política neoliberal que está em
voga na sociedade brasileira desde inícios da década de 1990, sendo que foi mais rigoroso que seu
antecessor Fernando Henrique Cardoso (FHC). Lula aceitou a parcimônia imposta pelo
neoliberalismo ao Estado, herdou o modelo econômico, como também a sua base de sustentação
política, tendo como continuísmo, tanto a política econômica como a filosofia social das políticas
focalizadas, pois todos os eixos foram extremados.

Ao assumir a presidência Lula firmou compromisso com as elites financeiras em manter firmes os
contratos, tanto nacionais, quanto internacionais, a priori, ao assumir manter e aprofundar a política
econômica, e o tripé macroeconômico – metas de inflação, superávit primário e câmbio flutuante -,
assim como, agenciar a independência operacional do Banco Central (BACEN), restringindo deste
modo, a capacidade de ação do governo no controle da política monetária, apreciando a taxa de
câmbio, promovendo o aumento dos juros para acalmar o mercado financeiro, pois este tinha
desconfiança quanto a iniciante gestão petista. Estas políticas adicionadas a uma política fiscal que
busca incessantemente a sustentabilidade da dívida pública deu clara ênfase do aprofundamento do
modelo neoliberal.

Ao adotar estas medidas de cunho ortodoxo-liberal cuja intenção primordial foi o favorecimento da
classe dominante, Lula esclareceu o caminho a qual seguiria. Diante da manutenção da estabilidade
econômica os quatro anos do seu primeiro governo ao garantir metas conservadoras teve como
finalidade a manutenção do pagamento dos juros da dívida, Lula alegou que esta continuidade das
políticas neoliberais era para conter a priori, os desequilíbrios macroeconômicos, entre eles, a dívida
pública, e os déficits em conta corrente.

O segundo governo Lula assumiu uma postura mais ativa com a ampliação da intervenção estatal na
economia, somada às medidas anticíclicas, abandonou em parte, o conservadorismo assumido no
seu primeiro governo. Este novo modelo foi intitulado de social-desenvolvimentista, pois concilia
crescimento econômico, programa de investimentos tal como o programa de aceleração do
crescimento (PAC), e choque distributivo (aumento real do salário mínimo, expansão do crédito
consignado, e programas sociais), ao colocar no seu âmago a dimensão social.

O social-desenvolvimentismo foi a transformação do primeiro para o segundo mandato do governo


Lula - sem ter havido definitivamente e oficialmente uma ruptura com as políticas
macroeconômicas neoliberais do primeiro mandato. Essas mudanças sócio-desenvolvimentistas se
deram de forma complementar (ou mesmo aditiva) à tais políticas neoliberalizantes. A política
macroeconômica do decorrer do tempo passou a ser menos conservadora, por conta da participação
mais ativa do Estado, e pela iniciativa das políticas públicas na promoção do desenvolvimento, tal
qual duma condição externa favorável angariada pela demanda de commodities, e o valor que as
próprias alçaram, demanda esta produzida por países asiáticos, em especial a China, e a Índia.

Ao findar do segundo mandato como análise das políticas menos restritivas percebe-se que houve
melhora nos indicadores macroeconômicos como participação no PIB, entre eles, exportações,
reservas cambiais, e queda da inflação, da mesma maneira que os investimentos. Os indicadores

20
sociais como, salário mínimo, taxa de desemprego, taxa de pobreza, programas assistencialistas e
coeficiente de Gini também obtiveram melhoras em seus índices.

Deste modo, fica notório afirmar com propriedade de causa que as transformações reformistas
introduzidas pelo ex-presidente Lula no âmbito dos seus dois governos tiveram, como premissa
primordial a sustentação da propriedade privada, do bloco no poder e da ordem capitalista.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ANDERSON, P. O Brasil de Lula. NOVOS ESTUDOS CEBRAP 91, novembro 2011 p. 23-52.

ARCARY, Valério. Um reformismo quase sem reformas: uma crítica marxista do governo Lula em
defesa da revolução brasileira. São Paulo: Sundermann, 2011.

BALTAR, P. E. de A; KREIN, J. D.; SANTOS, A. L.; LEONE, E. T.; PRONI, M. W.; MORETTO,
A. J.; MAIA, A. G.; Salas, C., Moving towards decent work. Labour in the Lula government:
reflections on recent Brazilian experience. Global Labour University working Papers, v. 9, p. 1-46,
2010.

BARBOSA, N. 10 anos de governos pós-neoliberais no Brasil: Lula e Dilma. Editora Boitempo;


Rio de Janeiro: FLACSO Brasil 2013. Cap. 10, p.91-2.

BASTOS, P. P. Z., A economia política do novo-desenvolvimentismo e do social


desenvolvimentismo. Economia e Sociedade (UNICAMP. Impresso), v. 21, p. 779-810, 2012.

BIELSCHOWSKY. Estratégia de desenvolvimento e as três frentes de expansão no Brasil: um


desenho conceitual. Rio de Janeiro: IE-UFRJ, jul. 2012.

CALIXTRE, André Bojikian. BIANCARELLI, André Martins. CINTRA, Marcos Antônio Macedo
(ORG). Presente e futuro do desenvolvimento brasileiro. Brasília: IPEA, 2014. 643 p.

CARNEIRO, R. Desenvolvimentismos. Valor Econômico. São Paulo, 4 abr. 2012.

CARVALHO, C. E. A política econômica no início do governo Lula: imposição irrecusável,


escolha equivocada ou opção estratégica? ​In​: PAULA, J. A. (Org.). ​A Economia Política da
Mudança​. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

CASTELO, S Rodrigo. O novo desenvolvimentismo e a decadência ideológica do pensamento


econômico brasileiro. Revista Serviço Social e Sociedade. N. 112, São Paulo: Cortez, 2010, p. 613 a
636.

DAER, Tiago Pedrazzi. Uma análise empírica do investimento agregado na economia brasileira de
2003 a 2012. Monografia - Departamento de Economia e Relações Internacionais, Universidade
Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013, p. 56.

FAGNANI, E. Brasil: dois projetos em disputa. Le Monde Diplomatique (Brasil), v. 7, p. 4-5, 2014.

21
FERRARI FILHO, F. ; FONSECA, P. C. D. . Qual Desenvolvimentismo? Uma proposição
keynesiana-institucionalista à la wage-led. In: XLI Encontro Nacional de Economia, 2013, Foz de
Iguaçu. Anais do XLI Encontro Nacional de Economia. Brasília: ANPEC, 2013.

GENTIL, Denise Lobato; ARAÚJO, Victor Leonardo de. Mais além da macroeconomia de curto
prazo. 289. ed. Niterói: 2012. 30 p. Disponível em:
<http://www.uff.br/econ/download/tds/UFF_TD289.pdf>. Acesso em: 20 out. 2013.

GIAMBIAGI, Fábio, et al. Economia brasileira contemporânea: 1945-2010. Rio de Janeiro: Editora
Campus/Elsevier, 2011. 2ª Ed. Cap. 8, p. 206-207.

MATTEI, L.; MAGALHÃES, L. F., A política econômica durante o Governo Lula (2003-2010):
cenários, resultados e perspectivas. In: Marilene de Paula. (Org.). Nunca Antes na história desse
país...? Um balanço das políticas do Governo Lula. 1º ed. Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Boll,
2011, v. 1, p. 134-151.

MINISTÉRIO DA FAZENDA (2003). Política econômica e reformas estruturais, Brasília.

PROGRAMA DE GOVERNO 2007-2010. Lula de novo com a força do povo: Lula presidente
2007-2010. Resoluções de Encontros e Congressos & Programas de Governo - Partido dos
Trabalhadores. 2006.
PAULANI, L M. (2003) ‘Brasil Delivery: Razões, Contradições e Limites da Política Econômica
nos Primeiros Seis Meses do Governo Lula’, in: J. A. de Paula (org.) ​A Economia Política da
Mudança​. Belo Horizonte: Autêntica.

SAMPAIO JUNIOR, P. S. A. Encuentro Departamento de Industrias y agroindustrias de la


Plenario Intersindical de los Trabajadores-Convención Nacional de los Trabajadores
(EDIA-PIT-CNT) In: ELÍAS, A. (Org.) Los gobiernos progresistas en debate: Argentina,
Brasil, Chile, Venezuela y Uruguay. Buenos Aires: Clacso, 2006. p. 36-38, 82-85 e 161-164.

SICSÚ, J.; MARINGONI, G. Avaliando o desempenho do PT e do governo Lula. Quem perdeu?


Quem ganhou? ​In:​ PAULA, J. A. (Org.) ​Adeus ao desenvolvimento.​ Belo Horizonte: Autêntica,
2005.

TEIXEIRA, R. A.; PINTO, E. C., A economia política dos governos FHC, Lula e Dilma:
dominância financeira, bloco no poder e desenvolvimento econômico. Economia e Sociedade
(UNICAMP. Impresso), v. 21, p. 909-941, 2012.

TRISTÃO, E.; A opção neoliberal do primeiro mandato do governo Lula. ISSN: 1415-6946. Ser
Social (UnB), v. 13, p. 104-128, 2011.

VILLA, Marco Antonio,. Década Perdida. Dez Anos de PT no Poder - 1. ed. - Rio de Janeiro:
Record, 2014.

22
WANDERLEY, Lívio A. Política econômica e social brasileira: neoliberalismo e social
desenvolvimentismo. Salvador: PPGE/UFBA, 2016. Mimeografado.

23

Você também pode gostar