Você está na página 1de 17

CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPERIOR TRIBUNAL

DE JUSTIÇA: UMA MEDIDA CONTRA LEGEM?


JUDICIAL REVIEW IN “RECURSO ESPECIAL” BY SUPERIOR TRIBUNAL DE
JUSTIÇA: A CONTRA LEGEM MEASURE?

GEORGES ABBOUD
Doutor e Mestre em Direitos Difusos e Coletivos pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo – PUC-SP. Professor do mestrado e doutorado da Faculdade Autônoma de São Paulo –
FADISP. Professor do curso de graduação da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP. Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito Privado – RT. Advogado sócio do
escritório Nery Advogados. Consultor Jurídico.
georges.abboud@neryadvogados.com.br

RAFAEL VINHEIRO MONTEIRO BARBOSA


Mestre e doutorando em Processo Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP. Professor Assistente de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Amazonas –
UFAM. Defensor Público no Estado do Amazonas. Secretário-geral Adjunto para o Estado do
Amazonas do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Coordenador do Núcleo de
Estudos em Processo da Universidade Federal do Amazonas – NEPRO/UFAM. Pesquisador e
bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas – FAPEAM.
rvmb78@hotmail.com

JULIANA MIEKO RODRIGUES OKA


Acadêmica de Direito na Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Monitora de Direito
Processual Civil II. Estagiária da Procuradoria Geral do Estado do Amazonas –PGE/AM. Membro
do Núcleo de Estudos em Processo da Universidade Federal do Amazonas – NEPRO/UFAM.
julianamroka@gmail.com

ÁREA DO DIREITO: Processual Civil; Constitucional.

RESUMO: Este artigo analisa a possibilidade de ABSTRACT: This study analyses the viability of
o STJ, em sede de Recurso Especial, exercer o judicial review in “Recurso Especial” addressed
controle de constitucionalidade, notadamente to STJ, especially with the innovations
com as inovações incorporadas no Novo Código incorporated into the New Civil Procedure Code
de Processo Civil pelo art. 1.034. by the art. 1.034.

PALAVRAS-CHAVE: Controle de KEYWORDS: Judicial review – STJ – “Recurso


Constitucionalidade – Recurso Especial – Especial” – Diffuse system – Judicial Activity –
Sistema difuso – Atividade Judicial – CPC/15. CPC/15.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A função do Recurso Especial: cassação e revisão – 3. A diferença


entre juízo de admissibilidade e juízo de mérito do Recurso Especial – 4. Controle de
constitucionalidade pelo Superior Tribunal de Justiça – 5. Considerações finais – 6. Referências.

1. INTRODUÇÃO
A Década de 60 ficou conhecida no ambiente jurídico como a “Década das
Súmulas”.1 O Supremo Tribunal Federal, disposto a equalizar o volume de trabalho e o
contingente de pessoal – este muito aquém do necessário e adequado2 –, viu na
cristalização de entendimentos firmados com certo grau de consenso uma forma de
minorar a sua crise, na medida em que tais enunciados dariam conta de informar e
difundir o pensamento da Corte a respeito de determinado assunto, facilitando a
apreciação de casos a eles relacionados.3
Ao lado dos mencionados verbetes que, mais tarde, foram criticados por
conservarem viés restritivo aos direitos dos jurisdicionados e pertencentes ao malfadado
grupo da jurisprudência defensiva,4 aquela quadra histórica também fez nascer o
Enunciado nº 456, detentor do seguinte conteúdo: O Supremo Tribunal Federal,
conhecendo do recurso extraordinário, julgará a causa, aplicando o direito à espécie.
A precisa intelecção do verbete descrito acima sempre foi um desafio fastidioso
para a doutrina e para a jurisprudência do próprio tribunal. Qual a exata dimensão das
expressões “julgará a causa” e “aplicando o direito à espécie”? Considerando o status
do Supremo de Corte Excepcional, estaria o enredo sumular admitindo o julgamento do
recurso extraordinário com o modus operandi de uma apelação? Os obstáculos, ab
originem, dos recursos excepcionais encontrariam termo após a admissibilidade da
impugnação?
Com a criação do Superior Tribunal de Justiça pela Constituição Federal de 1988,
deu-se ao recurso especial natureza equivalente a do recurso extraordinário, de molde a
estender-lhe, mutatis mutandis, a forma e o conteúdo. Não foi por outra razão que o
Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça veio a lume com o seguinte
dispositivo: Art. 257. No julgamento do recurso especial, verificar-se-á,
preliminarmente, se o recurso é cabível. Decidida a preliminar pela negativa, a Turma
não conhecerá do recurso; se pela afirmativa, julgará a causa, aplicando o direito à
espécie.

1
A técnica foi aprovada na sessão plenária do Supremo Tribunal Federal de 13 de dezembro de 1963.
Cfr. PASSOS, José Joaquim Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda n. 3 do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, vol. 5, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 43-
60.
2
PASSOS, José Joaquim Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda n. 3 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, vol. 5, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 43-60.
3
Em 1977, o Brasil já era considerado um país em desenvolvimento e inúmeras eram as críticas à
insuficiência no número de Ministros do STF, incapazes, sozinhos, de darem cumprimento ao seu mister,
bem como na perda de qualidade das decisões proferidas. Pois, o “progressivo desenvolvimento do país,
em termos de população e em termos de riqueza, fez com que, também progressivamente, por todo o
decorrer deste século, se avolumasse o número de recursos extraordinários, máxime com o objetivo de
lograr a uniforme aplicação da lei federal. E o Supremo, que não teve seus quadros proporcionalmente
aumentados, nem teve suas competências proporcionalmente reduzidas, viu-se a braços com sério
problema: o do congestionamento dos feitos submetidos a seu julgamento, o que, sem dúvida, também
determinou, sob a pressão dos interesses legítimos, progressiva perda de substância nas decisões por ele
proferidas”. PASSOS, José Joaquim Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda n. 3 do Regimento
Interno do Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, vol. 5, São Paulo: Revista dos Tribunais,
1977. p. 43-60.
4
Cfr. FARINA, Fernanda Mercier Querido. Jurisprudência defensiva e a função dos Tribunais
Superiores. Revista de Processo, v. 209, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 105; JORGE, Flávio
Cheim. Requisitos de admissibilidade dos recursos: entre a relativização e as restrições indevidas
(jurisprudência defensiva). Revista de Processo, v. 217, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 13;
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. O princípio da primazia do julgamento do mérito no CPC projetado:
óbice ao avanço da jurisprudência ofensiva. Revista dos Tribunais, v. 950, São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 107-132.
Assim, caso o Superior Tribunal de Justiça, vencida a admissibilidade do recurso
especial, e por ocasião do julgamento da causa, se deparasse diante de lei
infraconstitucional contrária à Constituição Federal, poderia, de modo idêntico a todo e
qualquer juiz, realizar o controle de constitucionalidade difuso, isto é, afastar do
ordenamento a norma em afronta à Lei Maior, ainda que cingida a análise ao caso
concreto, muito embora sem o prequestionamento da questão?
A superação de tais indagações ganhou exponencial importância com o advento
do CPC/15. O art. 1.034 do novo regramento processual vinca que, “admitido o recurso
extraordinário ou o recurso especial, o Supremo Tribunal Federal ou o Superior
Tribunal de Justiça julgará o processo, aplicando o direito”. Mais ainda, o parágrafo
único do preceito mencionado consagra máxima antes inexistente, pois, segundo consta
da norma, “admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial por um
fundamento, devolve-se ao tribunal superior o conhecimento dos demais fundamentos
para a solução do capítulo impugnado”.
O sutil e aparentemente despretensioso acréscimo levou respeitável doutrina a
defender a ampla devolutividade dos recursos excepcionais, pari passu, aos recursos
ditos ordinários.5
A proposta do presente estudo é analisar esse fenômeno ocorrente nos recursos
excepcionais, consistente no julgamento e aplicação do “direito” (ordenamento jurídico)
ao caso concreto, bem como a possibilidade, inerente a tal atividade, de a Corte
responsável pela fiscalização da lei federal infraconstitucional também realizar o
contraste de norma inferior em face da Constituição Federal, como caminho indivíduo
para o julgamento da causa.

2. A FUNÇÃO DO RECURSO ESPECIAL: CASSAÇÃO E REVISÃO

Não há uniformidade no modo como as “Cortes de Vértices”6 vão se comportar


num determinado ordenamento jurídico.7 Existem os sistemas que optaram, com
exclusividade, por “Cortes de Cassação”, cuja incumbência é a de “anular” as decisões
dos órgãos inferiores que forem contrárias à norma, procedendo, desta forma, a um
verdadeiro reenvio8 dos processos nos quais as decisões foram invalidadas para a
prolação de novas no juízo de origem,9 e as “Cortes de Revisão”, cuja finalidade não se
cinge a apenas extirpar os pronunciamentos contrários (cassação, anulação ou
invalidação), mas vão além e impõem ao órgão o rejulgamento completo da causa,
substituindo a decisão anterior, supostamente cunhada ao arrepio do direito.
A especificação da função da corte pode ser dessumida do tipo de recurso que ela
está incumbida de apreciar, singularidade que acaba definindo a sua natureza jurídica, se
Corte de Cassação ou Revisão. Angelo Bonsignori vale-se dessa distinção –
impugnazioni rescindenti e impugnazioni sostitutive – para classificar as impugnações
no direito italiano. De acordo com o autor, os recursos com escopo rescindente (de

5
OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/15. Florianópolis:
Conceito, 2015. p. 271-272.
6
Cfr. TARUFFO, Michele. Processo civil comparado: ensaios. São Paulo: Marcial Pons, 2013. p. 117-
139.
7
TARUFFO, Michele. Il vertice ambíguo. Saggi sulla cassazione civile. Bolonha: Il Mulino, 1991. p. 27-
50.
8
CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del proceso civil, vol. II. Buenos Aires: EJEA, 1959. p. 267-
268.
9
Segundo Héctor Fix-Zamudio, a origem do instituto deve ser buscada na Assembleia Nacional francesa.
FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y futuro de la casación civil a través del juicio de amparo mexicano.
Memoria de El Colegio Nacional, vol. 91, n. 49, 1978. p. 91-138.
anulação) “mirano a un giudizio sulla sentenza impugnata, per provocare l’inefficacia,
enquanto o substitutivo “portano a una nuova decisione della causa, che si sostuisce
appunto quanto all’afficacia, alla sentenza di conferma (appello). 10 Na visão exposta, o
exaurimento das atribuições da Corte de Revisão só é atingido quando o órgão profere
nova decisão a respeito do caso concreto, ainda que mantenha o mesmo sentido da
decisão recorrida, na medida que efetiva a confirmação do julgado proferido na origem.
De outra banda, na função rescindente, o trabalho a ser desempenhado limita-se ao
reconhecimento do vício e à invalidação do decisum.
Consoante constatado por Jon Anthony Jolowicz, “two principal categories of
recourse are recognised and are distinghised one form another, as is reflected in legal
terminology by regular use of two different words: appel, cassation; appello,
cassazione, apelación, casación; (or amparo-casación); Berufung, Revision”.11
No sistema definido como de apelação, menciona o autor inglês, o recorrente
devolve ao tribunal de revisão a consideração a respeito das questões de fato já
analisadas no grau inferior. Ao passo que, no regime da cassação, não há efeito
devolutivo, de modo que o papel do órgão incumbido de apreciar o recurso é exclusivo
para examinar a legalidade da decisão impugnada. Além do mais, não são admissíveis
provas, e o órgão jurisdicional recebe os fatos de acordo com a assimilação do juízo
recorrido, devendo adotar uma de duas opções: ou confirma a decisão ou a anula.12
A lógica da cassação, influenciada pela sua origem francesa, estava estruturada e
tinha por função servir de instrumento do órgão legislativo (a Corte de Cassação era
órgão do legislativo) para vigiar a aplicação estrita da legislação por parte dos juízes, a
quem era vedada, ainda que de forma ilusória, a realização da interpretação da norma.13
O receio de que os juízes manipulassem as leis, interpretando-as conforme seus próprios
propósitos, precipitou a criação de órgão específico e estranho ao Poder Judiciário
imbuído do escopo de impedir a consumação do desvirtuamento do texto aprovado pelo
Legislativo quando da sua intepretação e aplicação.14
10
BONSIGNORI, Angelo. Impugnazioni civili in genere. Digesto delle discipline privatistiche – sezione
civile, v. IX. Torino: UTET, 1996. p. 336.
11
JOLOWICZ, John Anthony. On civil procedure. Cambridge: Cambridge University Press, 2000. p.
299.
12
“On ‘appeal’ the litigation as a whole - or so much of it as is the subject of the appeal (tantum
devolutum, quantum appellatum) – ‘devolves’ upon the appellate jurisdiction whose function it is to
consider afresh the questions at issue on their facts as well as at law”. Na sequência: “There is no
‘devolutive’ effect and the role of a jurisdiction of cassation is said to be exclusively to examine the
legality of the decision under ‘attack’ - and ‘attack’ is here an appropriate word which it is not in relation
to appeal. No proofs are admissible on cassation - the facts must be taken as already found - and the court
has only two options: it must either affirm or annul”. JOLOWICZ, John Anthony. On civil procedure.
Cambridge: Cambridge University Press, 2000. p. 300.
13
FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y futuro de la casación civil a través del juicio de amparo mexicano.
Memoria de El Colegio Nacional, vol. 91, n. 49, 1978. p. 91-138. V. tb.: “A revolução francesa deu
origem a uma Corte de Cassação destinada à realização de um desejo utópico, o de preservar a
intangibilidade da letra da lei quando de sua interpretação judicial”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.
Cada caso comporta uma única solução correta? Direito jurisprudencial, vol. II. MENDES, Aloisio
Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 1219-1238; MARINONI, Luiz Guilherme. Da Corte que declara o
‘sentido exato da lei’ para a Corte que institui precedentes. Direito jurisprudencial, vol. II. MENDES,
Aluisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.).
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p.731-765.
14
“Acerca da questão, Robespierre, quando se referia ao Tribunal de Cassação, enfatizava a necessidade
de se assegurar um poder de custódia, vigilância sobre os tribunais, e que tal poder possa conduzir esses
tribunais ao caminho da legislação. Por isso necessidade de criar um vinculação do Tribunal de Cassação
a órgãos do próprio Poder Legislativo”. ABBOUD, Georges. Discricionariedade administrativa e judicial
– o ato administrativo e a decisão judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 345.
Contudo, a evolução fez da cassação uma impugnação, de caráter excepcional, por
meio do qual se examina a legalidade da atividade do juiz no procedimento e na
sentença, e que, se for acolhida, pode produzir a anulação da decisão atacada, seja para
corrigir eventual erro no procedimento, seja para se proferir nova decisão de mérito.15
O propósito de garantir a autoridade da lei federal infraconstitucional ou
constitucional não diz nada quanto à natureza da corte, pois tanto a de revisão quanto à
de rescisão podem sustentar esta finalidade.16 A diferença, à vista disso, reside no
trabalho a ser encetado posteriormente ao reconhecimento do erro da decisão atacada; se
o órgão procede à devolução do processo ao juízo recorrido17 ou se prossegue no
enfrentamento das questões necessárias à adequação do pronunciamento sobre o mérito,
agora corrigido em face da lei ou da Constituição.18 19
O Supremo Tribunal Federal, desde 1981, ano do seu nascimento,20 estava
comprometido com a asseguração da inteireza positiva, validade, prevalência ou
autoridade e uniformidade da lei federal, não diferindo se constitucional ou infra.
Todavia, sempre se posicionou como “Corte de Revisão”, uma vez que, muito embora

15
FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y futuro de la casación civil a través del juicio de amparo mexicano.
Memoria de El Colegio Nacional, vol. 91, n. 49, 1978. p. 91-138.
16
A seguinte passagem é extraída de outra obra de J. A. Jolowicz: “The Italian law on court organisation,
for example, states that, as the supreme court, the Court of cassation ‘assures the exact observance and the
uniform interpretation of the law, the unity of nacional law...”. JOLOWICZ, John Anthony. Appeal,
cassation, amparo and all that: what and why? Estudios en homenaje al doctor Hector Fix-Zamudio en
sus treinta años como investigador de ciencias jurídicas. Tomo III. México: Universidad Nacional
Autonoma de México, 1988. p. 2045-2074. No mesmo sentido: Através da cassação “por una parte se
efectúa una función que calificó de nomofilaquia, es decir, de vigilancia de la legalidade procesal, y en
segundo término, con la misma trancendencia, la institución tiene el propósito de lograr la unificación del
ordenamento jurídico, a través de la unidad de su interpretación”. FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y
futuro de la casación civil a través del juicio de amparo mexicano. Memoria de El Colegio Nacional, vol.
91, n. 49, 1978. p. 91-138.
17
“In the latter event the parties are restored to the position in which they were before the defective
decision was made, and so if, as a result, questions are left outstanding between them, these must be
resolved in another court: they cannot be resolved on cassation”. JOLOWICZ, John Anthony. Appeal,
cassation, amparo and all that: what and why? Estudios en homenaje al doctor Hector Fix-Zamudio en
sus treinta años como investigador de ciencias jurídicas. Tomo III. México: Universidad Nacional
Autonoma de México, 1988. p. 2045-2074.
18
Enquanto a cassação “no implica un examen directo y total del proceso en el cual se plantea, como
ocurre respecto de la apelación, en la cual el tribunal de segunda instancia se sustituye al der primer grado
para examinar nuevamente los actos procesales combatidos, ya que el tribunal de cassación se limita a
constatar si el juez de la causa cumplió con las disposiciones legales respectivas, y en caso contrario, sólo
anula (casa) los actos procesales irregulares, y por este motivo se ha sostenido, con todo acerto, que la
casación constituye un recurso extraordinario de nulidad”. FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y futuro de
la casación civil a través del juicio de amparo mexicano. Memoria de El Colegio Nacional, vol. 91, n. 49,
1978. p. 91-138.
19
A diferença entre cassação e revisão nem sempre se apresenta de modo absoluto. Conforme
denunciado por Jolowicz, existem cortes de cassação com permissão para, invalidada a decisão,
prosseguir no julgamento da causa. Essa é a realidade da Corte da Espanha, por exemplo: Segundo o
autor, a corte espanhola está autorizada “to replace a defective decision with a decision of its own if it can
do so without further investigation of facts”. JOLOWICZ, John Anthony. Appeal, cassation, amparo and
all that: what and why? Estudios en homenaje al doctor Hector Fix-Zamudio en sus treinta años como
investigador de ciencias jurídicas. Tomo III. México: Universidad Nacional Autonoma de México, 1988.
p. 2045-2074. No mesmo sentido: FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y futuro de la casación civil a través
del juicio de amparo mexicano. Memoria de El Colegio Nacional, vol. 91, n. 49, 1978. p. 91-138.
20
PASSOS, José Joaquim Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda n. 3 do Regimento Interno do
Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, vol. 5, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977. p. 43-60.
em grau recursal excepcional, tinha a função de julgar a causa transportada ao seu
conhecimento através do Recurso Extraordinário.21
Ademais, o fato de ser possível ao Supremo Tribunal Federal, a depender do caso
concreto e do tipo de vício contido no acórdão, concluir o julgamento com a anulação
da decisão impugnada, de modo a impor o retorno do processo à origem, em típica
função clássica de apelação assacada contra decisão terminativa, nunca lhe retirou o
caráter de corte encarregada de julgar o caso concreto, na hipótese de isso ser possível,
o que o afastaria da caracterização como corte de cassação.22
Natural que a função a ser desempenhada pelo Superior Tribunal de Justiça
guarde estreita relação com a do Supremo Tribunal Federal, visto que a criação daquele
tem vinculação direta com a “Crise do Supremo”, conectada à ausência, nesta corte, de
condições materiais e humanas para desempenhar as suas nobres funções. Ademais, é
sabido que a competência do Superior Tribunal de Justiça congrega atribuições antes
desempenhadas pelo Supremo, o que faz ainda mais nítido o liame a aproximar as duas
Cortes.
Escrevendo sobre o Recurso Extraordinário, a sutileza não passou despercebida
por José Afonso da Silva: “Cremos ter demonstrado tratar-se de recurso ordinário, com
caráter anormal ou excepcional, pelos motivos já vistos. Ordinário: 1º, porque se
interpõe dentro da mesma instância da ação, prolongando-a até ao Juízo de grau
superior; 2º, porque leva a um novo julgamento da causa; 3º, porque a sentença
proferida em grau de Recurso Extraordinário substitui (como na apelação), no que tiver
sido objeto do recurso, a decisão recorrida; 4º, porque devolve à superior instância o
conhecimento das questões in iure (só nisto se distingue a apelação) suscitadas e
discutidas na ação”.23
Com o surgimento do Superior Tribunal de Justiça, o Supremo Tribunal Federal
deixou de ser o órgão competente para apreciar os acórdãos violadores da lei federal
infraconstitucional. Tal missão é hoje, com exclusividade na tela excepcional,
desempenhada pela novel Corte, competência que se extrai do art. 105, III, da
Constituição Federal.24
O próprio art. 105, III, da Constituição não deixa dúvidas quanto à função do
recurso especial e, por consequência, do Superior Tribunal de Justiça quando o aprecia.
De acordo com o texto legal, compete à Corte “julgar, em recurso especial, as causas
decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos

21
Muito embora tratando do recurso especial, a lição é exemplar e serve para revelar a natureza dos
recursos excepcionais no sistema pátrio: “Não há no processo civil brasileiro, como existe em outros
países, recurso de cassação, onde o tribunal superior cassa o acórdão do tribunal inferior e lhe devolve os
autos para que seja proferida nova decisão (juízo de cassação separado do de revisão). Os nossos recursos
constitucionais têm aptidão para modificar o acórdão recorrido. O provimento, tanto do recurso especial
quanto do extraordinário, tem como consequência fazer com que o STF ou o STJ reforme ou anule o
acórdão recorrido”. NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 422.
22
J. A. Jolowicz faz interessante apontamento no sentido de que as diferenças entre cortes de cassação e
cortes de revisão estão cada vez mais tênues: “Even where there are "courts of appeal" and "courts of
cassation" it is no longer possible to distinguish sharply between their respective functions: the
differences between them are blurred”. JOLOWICZ, John Anthony. Appeal, cassation, amparo and all
that: what and why? Estudios en homenaje al doctor Hector Fix-Zamudio en sus treinta años como
investigador de ciencias jurídicas. Tomo III. México: Universidad Nacional Autonoma de México, 1988.
p. 2045-2074.
23
SILVA, José Afonso da. Recurso extraordinário no direito processual brasileiro. São Paulo: Saraiva,
1963. p. 104.
24
Cfr. NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p.
421.
tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida (a)
contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência, (b) julgar válido ato de governo
local contestado em face de lei federal ou, ainda, (c) der a lei federal interpretação
divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
A doutrina não destoa desse pensamento, defendendo que tanto o Supremo
Tribunal Federal como o Superior Tribunal de Justiça exercem o rejulgamento da
causa, não se portando como meras Cortes de Cassação.25 26 Por este motivo, inevitável
concluir que, após admitir o recurso excepcional, caberá ao Superior Tribunal de Justiça
apreciar o seu mérito e, caso provido o recurso para cassar a decisão impugnada, em
sequência, a fim de não deixar vazio algum, julgar o caso, aplicando o direito à espécie.
Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery expõem com acuidade o
enfrentamento de tais questões pelas nossas Cortes Excepcionais: “O conhecimento do
RE/REsp é insuficiente para que o STF e o STJ possam aplicar o direito à espécie. Daí a
incorreção da expressão ‘admitido’ – que remete ao juízo de admissibilidade – contida
no caput do dispositivo ora comentado. Conhecer e não conhecer são expressões
próprias do juízo de admissibilidade do recurso, ou seja, referentes ao preenchimento
(juízo positivo: conhecer) ou não preenchimento (juízo negativo: não conhecer) dos
requisitos ou pressupostos de admissibilidade do RE e do REsp. Prover e improver são
expressões próprias do juízo de mérito do recurso, ou seja, referentes ao acolhimento
(juízo positivo: prover) ou não acolhimento (juízo negativo: improver) da pretensão
recursal (anulação: correção do error in procedendo; ou reforma: correção do error in
iudicando). Uma vez provido o RE ou o REsp (juízo de cassação), o STF e o STJ
poderão julgar a causa com ampla liberdade, reexaminando provas e corrigindo
injustiças, agindo como tribunais de apelação”.27
A dificuldade e, principalmente, a diferença do recurso excepcional em
comparação aos ordinários reside, portanto, não no enfrentamento do juízo de mérito,
mas no maior rigor para se ultrapassar o juízo de admissibilidade, em razão da
existência de requisitos específicos.

3. A DIFERENÇA ENTRE JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE E JUÍZO DE MÉRITO DO RECURSO


ESPECIAL

A classificação dos recursos em excepcionais ou ordinários já dá indicações sobre


o papel desempenhado por eles e, também, sobre sua utilização no sistema jurídico. É
dizer: de acordo com a doutrina majoritária, a mera acepção do termo excepcional basta
para compreender que as modalidades recursais assim caracterizadas possuem utilização
mais restrita e não se prestam a um reexame sem limitações das questões tratadas pelo
tribunal de piso.

25
Sobre o ponto destacado, com enorme proveito: “A pretensão recursal nos recursos excepcionais é, em
primeira plana, a cassação, a anulação da decisão írrita, que contenha um dos vícios mencionados na CF
102 III e 105 III. Cassada a decisão recorrida, a segunda parte da pretensão recursal deduzida no RE e no
REsp é o rejulgamento da questão subjetiva que ensejou a interposição dos recursos excepcionais”.
NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2.174.
26
“Ao apreciar o recurso, tais Tribunais rejulgam a causa decidida e restabelecem o primado do direito
violado”. OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/15. Florianópolis:
Conceito, 2015. p. 271. No mesmo sentido: OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Breves comentários ao novo
Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI,
Eduardo; DANTAS, Bruno (coord.), São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2307.
27
NERY JR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 2.174.
Os recursos excepcionais, porque excepcionais são, não podem, simplesmente,
fazer as vezes de uma nova apelação, a ser analisada pelo Supremo Tribunal Federal ou
Superior Tribunal de Justiça, sem que isso implique, ao menos, em um terceiro grau de
jurisdição ou em completa subversão do próprio expediente. Se assim o fosse, não
haveria sequer razão para a existência dessa denominação.28
As modalidades recursais excepcionais têm como finalidade precípua a
preservação do direito objetivo e uniformização da jurisprudência. Não se busca por
meio delas, pois, pelo menos não de forma imediata, a tutela dos direitos subjetivos das
partes (como ocorre no manejo dos recursos ordinários), mas, sim, resguardar o
ordenamento jurídico. O recurso excepcional não persegue, com desvelado desígnio, a
melhor ou mais justa decisão para o caso concreto.
Essa distinção nem sempre é fácil de ser compreendida, como bem pontua Teresa
Arruda Alvim Wambier: “Não é fácil compreender-se esta distinção, até porque ela
suscita a seguinte questão: qual a utilidade do direito objetivo se não a de garantir
direitos subjetivos?
A única explicação para o sentido desta distinção é a seguinte: o direito objetivo é
composto das soluções normativas previstas em tese, ao passo que o direito subjetivo é
a solução normativa incorporada à situação circunstancializada de algum sujeito de
direitos. O que se pode entender então, é que a ofensa ao direito objetivo é mais
perniciosa porque POTENCIALMENTE implica ou pode implicar uma pluralização das
ofensas a direitos subjetivos que seriam decorrentes da regra violada, cuja eficácia fica
já em tese comprometida”.29
Certo é que essa missão de zelar pelo ordenamento jurídico, que difere os recursos
ordinários dos excepcionais, gera maiores reflexos, não no enfretamento do juízo de
mérito, mas no maior rigor para se ultrapassar o juízo de admissibilidade.30
Os juízos de admissibilidade e de mérito, como dois momentos distintos que são,
se diferem por critérios cronológicos e lógicos.31 O primeiro deles, o de admissibilidade,
aparece como uma espécie de “filtro” para aqueles recursos que não atendam os
requisitos exigidos pelo sistema e, portanto, não mereçam uma decisão de fundo sobre o
direito invocado,32 descartando-os de pronto.
Esse exame preliminar não analisa se o recorrente faz, ou não, jus ao que postula,
mas, sim, se, em primeiro lugar, possuía, ou não, o direito ao recurso e, em caso
afirmativo, se exerceu este direito corretamente.
Em se tratando de Recurso Especial, os vícios de decisão, cuja nocividade é
tamanha que transcende a tutela de situações individualizadas, e importam em ofensa ao
direito objetivo, representam hipóteses específicas, que estão intimamente relacionadas

28
“A instância do recurso especial não é terceiro grau de jurisdição, porquanto esse recurso é excepcional
e não se presta à correção de injustiça eventualmente cometida pelos tribunais federais regionais e
tribunais estaduais”. NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2014. p. 422.
29
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos de estrito
direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é uma
decisão contrária a lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 168.
30
Importante não confundir recursos de fundamentação vinculada com recursos excepcionais. Por
exemplo: os embargos de declaração são recursos de fundamentação vinculada, em que os vícios da
omissão, contradição e obscuridade hão de estar presentes na própria decisão atacada (internamente) e,
nem por isso, posicionam-se como recursos excepcionais.
31
NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 239;
SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 5. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 76.
32
DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Admissibilidade e mérito na execução, Revista de Processo, vol.
47, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987. p. 24-42.
à função desempenhada pelo Superior Tribunal de Justiça: zelar pela inteireza da
interpretação do direito infraconstitucional federal. Assim, será cabível o Recurso
Especial que se insurja contra as questões infraconstitucionais das hipóteses elencadas
no artigo 105, inciso III, da Constituição Federal.
Também aparecem como pressupostos cumulativos e especiais de cabimento, não
verificados nos recursos ordinários, a necessidade de que seu fundamento trate
exclusivamente de matéria de direito,33 de esgotamento de todas as vias ordinárias e de
prequestionamento da matéria impugnada.
É exatamente por essas razões, dentre outras,34 que se diz que os recursos
excepcionais são recursos que possuem certas restrições35 quanto ao cabimento; fato
este que, inegavelmente, gera consequências na análise do juízo de admissibilidade. Não
é outra razão que leva Vicente Greco Filho a afirmar que “o recurso especial também é
um recurso de cabimento estrito, cujos pressupostos especiais, somando-se, aos gerais,
tornam restritas as hipóteses em que será conhecido”.36
Contudo, ultrapassado esse mecanismo de filtragem mais rigoroso, atestando-se
que estão presentes todos os requisitos exigidos, realizar-se-á um exame substancial da
postulação. Analisar-se-á, pois, a questão de fundo do recurso, para saber se o
recorrente faz jus ao direito invocado, se existe, de fato, o vício da decisão alegado, que
enseje sua cassação e, em decorrência daquele juízo, a respectiva reforma.
Isso nada mais significa dizer que, no juízo de mérito do Recurso Especial, o
Superior Tribunal de Justiça poderá julgar a causa, aplicando o direito à espécie. Uma
questão que sempre se mostrou tormentosa, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência,
diz respeito à possibilidade, ou não, de a Corte, no desempenho de tal atividade,
realizar, assim como todo e qualquer ato judicial, o contraste de norma inferior em face
da Constituição Federal como caminho indivíduo para o julgamento da causa.37

4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA


33
Trata-se de lição antiga o não cabimento de recurso excepcional para combater erro de má apreciação
de matéria fática, sendo vedado o reexame das provas, conforme assentado, jurisprudencialmente, nos
Enunciados nº 7, do Superior Tribunal de Justiça, “a pretensão de simples reexame de prova não enseja
recurso especial”, e nº 279, do Supremo Tribunal Federal, “para simples reexame de prova não cabe
recurso extraordinário”.
34
Vicente Grego Filho destaca, também, como um “pressuposto prévio ou preliminar” dos Recursos
Especiais, a maior rigorosidade na exigência de regularidade procedimental e trata, ainda, sobre os
“pressupostos pertinentes aos permissivos constitucionais”, que estão relacionados às hipóteses de
cabimento previstas na Constituição Federal (Direito processual civil brasileiro, vol 2. São Paulo:
Saraiva, 2003. p. 335-336).
35
Nesse ponto, não se pode deixar de destacar que Teresa Wambier, em sentido contrário, pontua que
“[m]uitas das ditas restrições ao cabimento dos recursos excepcionais são, na verdade, inadequadamente
assim designadas. É o caso das regras com vagas examinadas neste ensaio, no sentido de que estes
recursos (recurso especial e recurso extraordinário) não se prestam para reexaminar fatos e provas. São
recursos de direito estrito e, portanto, essas regras nada mais são do que decorrência de sua natureza”.
Assim, nos seus dizeres, “[e]stas “restrições” ao cabimento dos recursos extraordinários dizem respeito,
na grande maioria das vezes, a regras que decorrem naturalmente da função que exercem no
ordenamento”. WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos
de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário e ação rescisória: o que é
uma decisão contrária a lei? São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 169 e 186.
36
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro, vol 2. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 335.
37
“A partir do caso Marbury vs Madison, fica expressamente registrado que o judicial review constitui
elemento fundamental para garantir a concretização da Constituição Federal. Nesse sentido, asseveramos
que a judicial review (controle difuso de constitucionalidade) possui natureza de direito fundamental”.
ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2011. p. 350. Cfr., ainda: STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial
e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 110.
A cisão, em via recursal excepcional, de competências das Cortes, decorrente da
criação do Superior Tribunal de Justiça, tormentosas dúvidas sobre possibilidade deste,
em Recurso Especial, exercer o controle de constitucionalidade por via difusa.38
Por serem, os Recursos Extraordinário e Especial, recursos de fundamentação
vinculada – aqueles cujas razões de inconformismo são tão-só as previamente valoradas
e tipificadas pelo legislador39 –, a falta de previsão, nas hipóteses de cabimento do
Recurso Especial, da violação direta à Constituição, ao que parece, para certa parte da
doutrina, impede o exercício do controle de constitucionalidade difuso por parte daquela
Corte, ficando tal missão reservada apenas ao Supremo Tribunal Federal, em Recurso
Extraordinário.
Há quem defenda, dessa forma, que as limitações referentes à fundamentação
vinculada do Recurso Especial não são relevantes apenas na apreciação de sua
admissibilidade, mas estendem-se ao seu julgamento de mérito, sendo defeso ao
Superior Tribunal de Justiça realizar o controle difuso de constitucionalidade, quando da
aplicação do direito à espécie.40
Contudo, em que pesem as opiniões contrárias, como bem ressaltam Fredie Didier
Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha, “[é] possível que STJ exerça o controle difuso da
constitucionalidade da lei apontada como violada. No entanto, é preciso evitar que esse
entendimento leve à usurpação da competência do STF”.41
O Superior Tribunal de Justiça, assim como todo e qualquer órgão judicial de
primeiro ou segundo grau, pode exercer o controle difuso (ou incidental) de
constitucionalidade. A falta de previsão nas hipóteses de cabimento do Recurso Especial
ou a cisão de competências das Cortes não representam óbices à apreciação da
constitucionalidade da legislação federal.
Como se depreende da atual sistemática recursal, há casos em que simplesmente
inexiste interesse no manejo do Recurso Extraordinário, ainda que exista debate acerca
de questão constitucional.
A proposição pode ser claramente visualizada quando existirem dois fundamentos
para um mesmo pedido, um constitucional e o outro infraconstitucional. A título
ilustrativo: numa demanda, há alegação que determinado tributo é, ao mesmo tempo,
inconstitucional e ilegal. A parte vence, tendo seu pleito julgado procedente com esteio
na ilegalidade do tributo, sequer se passando a análise de sua inconstitucionalidade,

38
Sobre o tema, cfr. MONTEIRO BARBOSA, Rafael Vinheiro. Reflexos da repercussão geral no sistema
de interposição conjunta do recurso extraordinário e do recurso especial e a sugestão para o problema,
Revista de Processo, vol. 158, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 161-188.
39
SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 5. 5. ed. São
Paulo: Saraiva, 2014. p. 44.
40
Sobre a impossibilidade de realização de controle de constitucionalidade difuso pelo Superior Tribunal
de Justiça, dispõe Leonardo Castanho Mendes que “[a]s limitações impostas ao recurso especial, como
decorrência da sua qualidade de recurso de fundamentação vinculada, não são operantes apenas no
momento inicial de sua admissibilidade, como se, admitido, fosse possível, no julgamento de seu mérito,
a discussão de todas as questões, à similitude do que ocorre nos chamados recursos ordinários. A
vinculação que caracteriza essa espécie de recursos alcança também o julgamento do seu mérito. Aplicar
o direito à espécie, nesse contexto, no caso de recurso especial já admitido, é aplicar o direito federal
infraconstitucional, para isso devendo o Superior Tribunal de Justiça resolver todas as questões
necessárias, sem espaço, todavia, para adentrar na solução de fundamento à interposição do recurso
especial”. MENDES, Leonardo Castanho. O recurso especial – e o controle difuso de
constitucionalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 246.
41
DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil, vol. 3. 12. ed.
Salvador: JusPodivm, 2014. p. 301.
porque prescindível, já que o fundamento infraconstitucional, por si só, sustenta a
procedência do pedido.
Aqui, importa destacar a sutil, mas importante, inovação trazida pelo parágrafo
único do artigo 1.034 do CPC/2015, segundo o qual “admitido o recurso extraordinário
ou o recurso especial por um fundamento, devolve-se ao tribunal superior o
conhecimento dos demais fundamentos para a solução do capítulo impugnado”.
Percebe-se, na situação apresentada, que, quando do julgamento do recurso
interposto, por óbvio, pela parte sucumbente, haverá a devolução de todos os demais
fundamentos para a solução do capítulo impugnado.42 Logo, ante essa ampla devolução
no plano da profundidade, em sendo afastada a tese de ilegalidade do tributo, passar-se-
á, obrigatoriamente, à análise da inconstitucionalidade, exercendo o Superior Tribunal
de Justiça, indubitavelmente, o controle de constitucionalidade.43
A lei não faz restrição à matéria, se federal infra ou constitucional, apenas ao
capítulo impugnado, que está, obviamente, relacionado ao efeito devolutivo no plano da
extensão, similarmente ao que se dá no recurso de apelação (art. 1.013, CPC/15). Desse
modo, se o recorrente atacou o capítulo "x", todos os argumentos para o sucesso do seu
pleito deduzidos em juízo haverão de ser enfrentados por ocasião do julgamento da
causa, muito embora o juízo a quo a eles não tenha se referido.
O CPC/15, ao estender essa sistemática aos recursos excepcionais, deu mais uma
importante contribuição para a frutificação da crença de que os tribunais superiores,
mesmo no desempenho de competência extraordinária, são cortes que julgam casos.
Recuperando o exemplo posto acima, numa demanda em que o autor pretende
deixar de pagar determinado tributo ou, ainda, a devolução de um indevidamente pago,
o pleito pode estar escorado em duas causas de pedir distintas: ilegalidade e
inconstitucionalidade da exação. Nesta hipótese, portanto, por se referirem ao pedido
principal de não pagamento (duplo fundamento, um infraconstitucional e outro
constitucional), caso o tribunal de apelação acolha só o primeiro - a ilegalidade-, o
Recurso Especial devolverá ao tribunal o conhecimento de todas as demais causas de
pedir, não obstante matéria de cariz constitucional. Essa é a dicção da norma, qualquer
restrição será, ao que tudo indica, de lege ferenda.
Tal permissão não é única. O Supremo Tribunal Federal firmou, em
jurisprudência mais restritiva, que a violação à Constituição que desafia o manejo do
Recurso Extraordinário deve ser frontal e direta. Se, porém, for o caso de violação
reflexa ou por via oblíqua, em que a aferição, a pretexto de ofensa constitucional,
depender de prévia análise de legislação infraconstitucional, o recurso apto à
neutralização dos efeitos é o Especial, pois a decisão, primeiramente, viola a legislação
federal e, reflexamente, a Constituição.

42
De acordo com Nelson Nery Jr., “[a]plicar o direito à espécie é exatamente julgar a causa, examinando
amplamente todas as questões suscitadas e discutidas nos autos, inclusive as de ordem pública que não
tiverem sido examinadas pela instância ordinária” (Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014. p. 423).
43
Valendo-se de exemplo semelhante e interpretando o parágrafo único do art. 1.034 do CPC/15, conclui
Pedro Miranda de Oliveira: “Permite-se, no CPC atual, que o próprio Tribunal Superior decida as demais
causas de pedir. Assim como se permite expressamente que se analise eventual outro fundamento de
defesa. Portanto, se o réu alega pagamento e prescrição, em ação em que lhe é cobrada determinada
quantia, e o juiz acolhe o pagamento, julgando improcedente a ação, e o Tribunal de segundo grau
confirma integralmente a sentença, sem analisar o outro fundamento da defesa, o Tribunal Superior pode,
para suprir a falha do segundo grau, segundo o CPC projetado, afastado o pagamento, conhecer da
prescrição”. OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno
(coord.), São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015. p. 2308.
Num primeiro sentir, até poderia parecer que se trata somente de análise de
questão infraconstitucional. Entretanto, não há como negar que, ao fazer a análise da
interpretação errônea da legislação que terminou por, mediatamente, violar a Carta,
acaba-se por se debruçar na questão constitucional. A linha que separa a mera
interpretação federal e o controle de constitucionalidade é tênue.
Admitir o contrário, nesses casos em que não há como fazer uso do apelo
extremo, seria ir de encontro à inafastabilidade da jurisdição, já que, não havendo como
fazer a questão chegar ao Supremo Tribunal Federal, nem podendo o Superior Tribunal
de Justiça julgá-la, o recorrente jamais poderia se insurgir contra a inconstitucionalidade
de leis ou atos normativos.
Contudo, impende ressaltar que a Corte, como preconizado no seu enunciado
sumular nº 126, não poderá analisar a questão constitucional, se ela estiver preclusa, por
ausência de impugnação pelo recurso correto.
Assim, quando o acordão se assentar em fundamentos constitucional e
infraconstitucional, suficientes, por si só, para manter a decisão, o recorrente deverá,
necessariamente, se insurgir contra ambos os fundamentos, cada qual no recurso
cabível. Aí, sim, haverá interesse em recorrer extraordinariamente. Tampouco se
prestará à análise quando o recorrente embasa, no Recurso Especial, o pedido de revisão
ou cassação da decisão impugnada em fundamento constitucional.
Mas não porque lhe seja defeso, a todo custo, exercer o controle de
constitucionalidade de modo difuso. O Superior Tribunal de Justiça não poderá analisar
matéria constitucional, em tais condições, porque o recurso interposto sequer supera a
barreira de admissibilidade.
Tal vedação jamais existirá se vencida a análise de admissibilidade. Isso porque,
como já visto, quando ultrapassado tal juízo, o Tribunal aplicará o direito à espécie, e,
necessariamente, ainda que modo implícito, procederá ao controle de
constitucionalidade difuso; aliás, como é comum a todo juiz.
De suma importância se revela a lição de Luís Roberto Barroso para a
compreensão de que a aferição de constitucionalidade pelo Superior Tribunal de Justiça,
em Recurso Especial, é possível: “[e]m todo ato de concretização de direito
infraconstitucional estará envolvida, de forma explícita ou não, uma operação mental de
controle de constitucionalidade. A razão é simples de demonstrar. Quando uma
pretensão jurídica funda-se em uma norma que não integra Constituição – uma lei
ordinária, por exemplo -, o intérprete, antes de aplicá-la, deverá certificar-se de que ela é
constitucional”.44
Num ordenamento jurídico que se pauta pela supremacia da Constituição, a
averiguação da constitucionalidade da lei infraconstitucional é decorrência do
desempenho normal da função judicial, que comporta na interpretação e na aplicação do
Direito.45
Do contrário, se fosse vedada, até mesmo em controle difuso, a verificação da
constitucionalidade, propalar-se-ia que, não obstante se reconheça a supremacia da

44
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 1.
45
“De pronto é necessário deixar claro que qualquer ato judicial é ato de jurisdição constitucional. Se
entendermos o sistema jurídico a partir da Constituição, poderemos afirmar que o juiz sempre faz
jurisdição constitucional. É dever do magistrado examinar, antes de qualquer outra coisa, a
compatibilidade do texto normativo infraconstitucional com a Constituição”. STRECK, Lenio Luiz.
Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 529. No
mesmo sentido: KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013. p.
126; BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p. 89.
Constituição no ordenamento, o Superior Tribunal de Justiça deveria ignorar a nulidade
de uma lei inconstitucional e, obrigatoriamente, aplicá-la ao caso concreto.46 Seria
declarar que, mesmo totalmente vazia, a lei, na prática, é totalmente obrigatória. 47 Tais
premissas, desde o paradigmático precedente estadunidense Marbury vs. Madison, se
encontram assentadas.
Outrossim, estaríamos admitindo que qualquer juiz de direito pode realizar o
controle da constitucionalidade de uma lei, menos o juiz de direito Ministro do Superior
Tribunal de Justiça, encontradiço, supostamente, na estrutura do Poder Judiciário, numa
escala acima daquele.
Nesse mesmo sentido, impende ressaltar a passagem que se retira do voto do Min.
Luiz Vicente Cernicchiaro, em julgamento de Recurso Especial por ele relatado:
“[n]ítida a distinção entre o Recurso Extraordinário e o Recurso Especial. O controle da
constitucionalidade das leis é do Supremo Tribunal Federal. Urge, no entanto,
considerar o Direito, como sistema; reúne unitariamente a Constituição e as demais
normas jurídicas. O Judiciário, de outro lado, só deve aplicar a legislação harmônica
com a Lei Maior. Em conseqüência, por dedução lógica, toda interpretação elabora,
incidentalmente, a crítica de constitucionalidade”.48
A lei só poderá conferir, efetivamente, o direito postulado, se constitucional for.
Do contrário, será mácula desde sua existência, de sorte que incapaz de incidir no caso
concreto. Por conseguinte, o Superior Tribunal de Justiça, admitindo a incidência da lei
ao caso, deverá, ainda que de maneira implícita, em todo juízo de mérito do Recurso
Especial, proceder à averiguação de sua constitucionalidade. Não se poderia cogitar
hipótese diversa.
Como se vê, ainda que o debate, no Recurso Especial, envolva, a priori,
unicamente matéria infraconstitucional, faz-se claro que, ao aplicar qualquer norma à
espécie, o Superior Tribunal de Justiça, não só pode, como deve, por decorrência lógica
do sistema e da atividade jurisdicional, exercer o controle de constitucionalidade,
averiguando, pois, se a lei, aplicável ao caso, confronta, ou não, a Constituição,
devendo, em caso afirmativo, declará-la inconstitucional e, via de consequência, obstar
sua incidência.
Enquanto que, no Supremo Tribunal Federal, a inconstitucionalidade é tratada
como matéria do recurso, no Recurso Especial, é necessário que a declaração de
inconstitucionalidade se faça por meio de incidente processual previsto nos artigos 948
a 950 do CPC/2015 e artigos 199 e 200 do RISTJ.
Sempre que se deparar com a arguição de inconstitucionalidade, o Relator
submeterá a questão à Turma ou Seção para que se decida acerca da pertinência, ou não,
da instauração do incidente de decretação de inconstitucionalidade.

46
“If an act of the Legislature repugnant to the Constitution is void, does it, notwithstanding its invalidity,
bind the Courts and oblige them to give it effect? Or, in other words, though it be not law, does it
constitute a rule as operative as if it was a law? This would be to overthrow in fact what was established
in theory, and would seem, at first view, an absurdity too gross to be insisted on. It shall, however, receive
a more attentive consideration”. Marbury vs. Madison, 5 U.S. 137 (1803):
47
“This doctrine would subvert the very foundation of all written Constitutions. It would declare that an
act which, according to the principles and theory of our government, is entirely void, is yet, in practice,
completely obligatory. It would declare that, if the Legislature shall do what is expressly forbidden, such
act, notwithstanding the express prohibition, is in reality effectual. It would be giving to the Legislature a
practical and real omnipotence with the same breath which professes to restrict their powers within
narrow limits. It is prescribing limits, and declaring that those limits may be passed at pleasure”. Marbury
vs. Madison, 5 U.S. 137 (1803).
48
Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 10.442-RO. 6ª Turma. Relator: Min. Luiz Vicente
Cernicchiaro, 09.03.1992.
A instauração do incidente só será prescindível quando, conforme observado no
parágrafo único do artigo 949 do CPC/2015, a Corte Especial do Superior Tribunal de
Justiça ou, em controle concentrado, o Plenário do Supremo Tribunal Federal já
houverem se manifestado previamente acerca da tese de inconstitucionalidade.
Emitido um juízo positivo acerca da pertinência da instauração, a questão será
submetida ao crivo da Corte Especial, órgão competente para a declaração
inconstitucionalidade do ato normativo impugnado.
Opera-se, aqui, verdadeira cisão funcional: ao passo que o órgão especial se
pronuncia sobre a tese de inconstitucionalidade suscitada, o órgão fracionário julga a
causa.
Justamente por isso, o parecer da Corte Especial sobre a inconstitucionalidade,
como premissa lógica e necessária, vinculará os demais órgãos, que deverão decidir,
segundo o entendimento assentado, se o recorrente faz jus, ou não, à postulação.
Ficando, por consequência lógica dessa cisão, os processos sobrestados no órgão
fracionário até a pronúncia definitiva.
A declaração da inconstitucionalidade, incidentalmente, só poderá ocorrer, por
imposição do artigo 97 da CF, se respeitada a cláusula de reserva de plenário. Dessa
forma, à luz do princípio da presunção de constitucionalidade das leis, que, para ser
afastado, exige quórum qualificado,49 a declaração só poderá ser feita por voto da
maioria absoluta da Corte Especial.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A previsão do art. 134 do CPC/15 e do seu parágrafo único obriga-nos a retomar a


discussão a respeito da amplitude do efeito devolutivo dos recursos excepcionais, assim
como a natureza jurídica de tais cortes e a função por elas ocupadas no ordenamento
jurídico nacional.
A questão posta granjeia, ainda, maior importância quando passa a ser perceptível
que o legislador pretende, aos poucos, desvirtuar a própria concepção de Poder
Judiciário como instituição composta de órgãos cuja atribuição primordial é a de julgar
casos.
Nesse passo, a onda de julgamentos por atacado, que no jargão ficou conhecida
pelo qualificativo julgamento por amostragem, não pode deturpar a quintessência da
noção de julgar, e, mais precisamente, de aplicar o direito ao caso concreto, que reside,
sabidamente, na solução da questão posta diante do órgão julgador. Aplicar o direito à
espécie é, pois, decidir aquele específico conflito de interesses, valendo-se, o
magistrado, do ordenamento jurídico na sua integridade.
E quando esse ato de julgar for atribuído ao Superior Tribunal de Justiça em sede
de Recurso Especial, superado o juízo de admissibilidade e, por conseguinte, as
barreiras que o jus constitutionis naturalmente impõe, não há nada que particularize o
seu atuar de outro órgão do Poder Judiciário, mormente a realização necessária do
contraste do direito infraconstitucional à Constituição da República, base e fundamento
das demais leis presentes no nosso ordenamento.
Não se julga, por questão de impossibilidade lógica, sem que se realize
verificação de conexão e interdependência entre as normas, de idêntica e distinta
hierarquia.50 A aferição do respeito, pelo legislador, dos direitos e garantias constantes

49
BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo:
Saraiva, 2009. p.96.
50
ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 17.
No mesmo sentido: “O essencial é reconhecer que as normas jurídicas, sejam elas enunciativas de formas
da Constituição é, hoje, questão vital para a manutenção da ordem e da justiça. Sendo
assim, a “revisão das leis através do processo constitui garantia fundamental (elemento
essencial) para a existência, preservação e concretização de uma Constituição Escrita”.51
De tal modo que um dos autores deste ensaio já defendeu noutro locus que o judicial
review representa verdadeiro direito fundamental.
Sendo, pois, direito fundamental, inegável reconhecer que não se pode, sem ferir
de morte o Poder Judiciário e a sua estrutura, despojar este poder de um dos seus órgãos
de cúpula.

6. REFERÊNCIAS

ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo:


Revista dos Tribunais, 2011.

______. Discricionariedade administrativa e judicial – o ato administrativo e a decisão


judicial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

ÁVILA, Humberto Bergmann. Sistema constitucional tributário. 3. ed. São Paulo:


Saraiva, 2008.

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 4. ed.


São Paulo: Saraiva, 2009.

BONSIGNORI, Angelo. Impugnazioni civili in genere. Digesto delle discipline


privatistiche – sezione civile, v. IX. Torino: UTET, 1996.

CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del proceso civil, vol. 2. Buenos Aires: EJEA,
1959.

DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Admissibilidade e mérito na execução. Revista de


Processo, vol. 47, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987.

DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil,
vol. 3. 12. ed. Salvador: JusPodivm, 2014.

FIX-ZAMUDIO, Héctor. Presente y futuro de la casación civil a través del juicio de


amparo mexicano. Memoria de El Colegio Nacional, vol. 91, n. 49, p. 91-138,
1978.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro, vol 2. São Paulo: Saraiva,
2003.

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2013.

de ação ou comportamento, ou de formas de organização e garantia das ações ou comportamentos, não


são modelos estáticos e isolados, mas sim modelos dinâmicos que se implicam e se correlacionam,
dispondo-se num sistema, no qual umas são subordinantes e outras subordinadas, umas primárias e
outras secundárias, umas principais e outras subsidiárias ou complementares, segundo ângulos e
perspectivas que se refletem nas diferenças de qualificação verbal”. REALE, Miguel. Lições preliminares
de direito. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. p. 99.
51
ABBOUD, Georges. Jurisdição constitucional e direitos fundamentais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2011. p. 349.
JOLOWICZ, John Anthony. Appeal, cassation, amparo and all that: what and why?
Estudios en homenaje al doctor Hector Fix-Zamudio en sus treinta años como
investigador de ciencias jurídicas. Tomo III, p. 2045-2074, México:
Universidad Nacional Autonoma de México, 1988.

_____. On civil procedure. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

MARBURY VS. MADISON, 5 U.S. 137 (1803).

MARINONI, Luiz Guilherme. Da Corte que declara o ‘sentido exato da lei’ para a Corte
que institui precedentes. Direito jurisprudencial, vol. 2. MENDES, Aluisio
Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme; WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim (coord.), p.731-765, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

______. Precedentes obrigatórios. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.

MENDES, Leonardo Castanho. O recurso especial – e o controle difuso de


constitucionalidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

NERY JR., Nelson. Teoria geral dos recursos. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2014.

______; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Novíssimo sistema recursal conforme o CPC/15.


Florianópolis: Conceito, 2015.

______. Breves comentários ao novo Código de Processo Civil. WAMBIER, Teresa


Arruda Alvim; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno
(coord.), São Paulo, Revista dos Tribunais, 2015.

PASSOS, José Joaquim Calmon de. O recurso extraordinário e a Emenda n. 3 do


Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal. Revista de Processo, vol. 5,
p. 43-60, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977.

SILVA, José Afonso da. Recurso extraordinário no direito processual brasileiro. São
Paulo: Saraiva, 1963.

SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil, vol. 5. 5.


ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e decisão jurídica. 4. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2014.

______; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas


vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
TARUFFO, Michele. Il vertice ambiguo. Saggi sulla cassazione civile. Bolonha: Il
Mulino, 1991.

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Controle das decisões judiciais por meio de recursos
de estrito direito e de ação rescisória: recurso especial, recurso extraordinário
e ação rescisória: o que é uma decisão contrária a lei? São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2001.

______. Cada caso comporta uma única solução correta? Direito jurisprudencial, vol.
II. MENDES, Aloisio Gonçalves de Castro; MARINONI, Luiz Guilherme;
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.), p. 1219-1238, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2014.

Você também pode gostar