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O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS E A

SUSPENSÃO DOS PROCESSOS PENDENTES


THE IRDR AND THE SUSPENSION OF THE PENDING ACTIONS

FLÁVIO HUMBERTO PASCARELLI LOPES


Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Doutorando em Direito pela
Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Direito do Estado pela Universidade Cândido Mendes
– UCAM. Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas – TJAM. Diretor da Escola
Superior da Magistratura do Amazonas – ESMAM. Professor Universitário.
fpascarellilopes@icloud.com

RAFAEL VINHEIRO MONTEIRO BARBOSA


Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP.
Professor Adjunto de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Secretário-
geral Adjunto para o Estado do Amazonas do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Membro da
Associação Brasileira de Direito Processual – ABDPro. Coordenador do Núcleo de Estudos em Processo da
Universidade Federal do Amazonas – NEPRO/UFAM. Defensor Público no Estado do Amazonas.
rvmb78@gmail.com

TAÍZE MORAES SIQUEIRA


Pós-graduada lato sensu em Direito Processual pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC-
Minas. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas – UFAM. Assessora de Defensor
Público na Defensoria Pública do Estado do Amazonas.
taize.siqueira@hotmail.com

ÁREA DO DIREITO: Processual Civil.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo ABSTRACT: The purpose of this article is to
refletir sobre a suspensão das ações pendentes reflect on the suspension of pending lawsuits
durante a tramitação do IRDR. Visando conferir during the processing of the Incident of
segurança jurídica e isonomia, ao estabelecer as Resolution of Repetitive Demands. Aiming at
regras procedimentais do novo precedente providing legal certainty and isonomy by
obrigatório, o Código de Processo Civil de 2015 establishing the procedural rules for the new
determinou que a admissibilidade do incidente mandatory precedent, the Civil Procedure Code
suspende todas os processos pendentes que of 2015 determined that the admissibility of the
tratam da matéria debatida. Todavia, questões de incident suspends all pending proceedings
ordem prática e jurídica demonstram que dealing with the subject matter. However,
eventual inflexibilidade da referida regra practical and legal issues show that any
inviabiliza a própria funcionalidade do incidente. inflexibility in this rule precludes the very
functionality of the incident.
PALAVRAS-CHAVE: IRDR. Precedentes.
Suspensão. Ações pendentes. KEYWORDS: IRDR. Precedents. Suspension.
Pending actions.

SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Regras gerais acerca da suspensão dos processos em curso – 3. Escopo da
suspensão fora do âmbito judicial: processo arbitral – 4. Suspensão cogente ou facultativa? – 5. Meios
processuais para retirar a suspensividade do IRDR – 6. Considerações finais – 7. Referências.

1. INTRODUÇÃO
Estamos em 2018. Passados mais dois anos da vigência do Código de Processo
Civil de 2015, diploma que pretendeu definir expressamente o rito do cumprimento definitivo
da obrigação de prestar alimentos, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas1 deparou-
se, para o desespero dos seus milhares de assistidos, com 4 (quatro) correntes disputando a
melhor interpretação para o caso de haver, em razão das categorias das parcelas devidas, a
necessidade de convergência dos ritos da prisão e da expropriação tradicional.
O drama dos Defensores Públicos e dos alimentandos iniciava-se, quando, na fila
de atendimentos, havia credores de débitos alimentares superiores a 3 (três) meses da
propositura da demanda e que também poderiam executar parcelas mais recentes (as três
parcelas mais atuais, considerando a data da propositura e as que se vencerem no curso do
procedimento).
Destarte, a depender da distribuição da demanda e, por conseguinte, da vara de
família onde tramitou o processo na fase de conhecimento, as coordenadas para implementar
a “execução” dessa ou daquela parcela poderiam ser completamente diferentes, gerando, em
virtude da miríade de possibilidades e de conexões a serem realizadas pelo exequente, risco
à subsistência do alimentando e de sua família.2 3
Para o assistido que teve a fase de conhecimento tramitando na 1ª Vara de Família
da Comarca de Manaus, por exemplo, o Defensor Público, sabedor do entendimento
esposado pelo juiz, deveria advertir o assistido da necessidade de escolha de um dos dois
ritos – prisão ou expropriação de bens. Optando pelo rito da prisão, teria que renunciar
parcelas antigas, ou seja, as que se venceram há mais de 3 (três) meses da propositura da
demanda. A cobrança da integralidade do débito, somando as parcelas recentes e as antigas,

1
Importante destacar, de início, o papel desempenhado pela Defensoria Pública no cenário atual. Embora
instituição democrática relativamente recente, o protagonismo na condução de ações voltadas para a
efetivação de direitos das minorias e a implementação de políticas públicas em prol das populações e grupos
vulneráveis vêm lhe dando, nacionalmente, elevado destaque, amplificado enormemente em razão da
pandemia causada pelo Covid-19. O notório amadurecimento da instituição tem se refletido na condução
de demandas inovadoras e no desenvolvimento de teses com forte viés democratizante. Sobre o tema:
GONÇALVES FILHO, Edilson Santana; ROCHA, Jorge Bheron; MAIA, Maurílio Casas. Custos
vulnerabilis - a Defensoria Pública e o equilíbrio nas relações político-jurídicas dos vulneráveis. Belo
Horizonte: CEI, 2020. p. 59-84. Para compreender o papel e a estrutura da Defensoria Pública: ESTEVES,
Diogo; SILVA, Franklyn Roger Alves. Princípios institucionais da Defensoria Pública. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 2018.
2
Marcos de Araújo Cavalcanti foi certeiro ao apontar os prejuízos decorrentes do fato constatado acima:
“A disseminação de processos e o consequente tratamento individualizado das questões jurídicas
homogêneas não se compatibilizam com a cláusula do devido processo legal e com o efetivo acesso à
justiça. Provocam tratamento não isonômico e insegurança jurídico-processual entre os litigantes que se
encontram e situação idêntica. Trazem, ainda, custo excessivo à atividade jurisdicional e tempo acima do
razoável para a resolução dos litígios”. (Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 151). [grifos no original].
3
A inserção, no ordenamento jurídico, da súmula vinculante, consoante apontado por Uadi Lammêgo
Bulos, teve por finalidade permitir ao Supremo Tribunal Federal “padronizar a exegese de uma norma
jurídica controvertida, evitando insegurança e disparidade de entendimentos em questões idênticas”.
(Curso de direito constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 1.356). [sem grifos no original].
só seria possível pelo procedimento de constrição patrimonial, ficando privado da técnica
executiva mais eficaz do ordenamento jurídico pátrio: a decretação da prisão civil. Isso
porque a 1ª Vara de Família não permitia a cumulação de ritos, impondo ao credor verdadeira
escolha de sofia.4
Por outro lado, para o assistido com processo na 3ª Vara de Família, o Defensor
Público, não sem antes advertir seu assistido, deveria escolher, de forma inteiramente livre,
qual dos dois ritos faria a cobrança nos próprios autos. Se a escolha fosse pela prisão, só
poderia cobrar as 3 (três) parcelas mais recentes, devendo, as mais antigas, serem cobradas
por intermédio de novo processo, instaurado com essa específica finalidade. Nenhum
problema se as escolhas fossem invertidas, isto é, cobrando as parcelas antigas nos próprios
autos e as mais atuais, com prisão, em processo novo. Embora a problemática da escolha
continuasse alarmando Defensor e assistido, ela não pressupunha, nesse caso, renúncia a
nenhuma das parcelas em débito, apenas divergências entre as técnicas executivas
empregadas, o que configuraria propriamente uma questão estratégica.5
Se o sorteio tivesse redundado na tramitação do processo perante a 2ª Vara de
Família, o Defensor Público, para se adequar ao entendimento do juízo, precisaria ajuizar 2
(duas) ações autônomas, uma para cada rito. Teríamos, assim, três processos para debelar,
exclusivamente, uma única questão de direito material: (i) o primeiro para a formação do
título executivo – sentença; (ii) o segundo para cobrar as parcelas recentes com prisão e (iii)
o terceiro para cobrar as parcelas antigas. Nada obstante contraproducente e propícia ao
desperdício, de tempo e dinheiro, em hipótese alguma a execução das parcelas, pouco
importando quais delas, poderia ter curso nos próprios autos, já que o juízo considerava que
a formulação de autos próprios – novo processo – outorga sistematicidade e clareza para a
fase executiva.6

4
“(...). Verifica-se a incompatibilidade dos ritos descrito na petição, observando-se a divergência de prazos
e forma de satisfação do crédito. A cumulação de ritos é indevida no caso concreto. Resta inviável o
prosseguimento do feito com a cumulação de ritos (prisão x penhora), sendo lícito ao credor optar pela
exclusão das parcelas anteriores a três parcelas descritas no § 7, do artigo 528 do CPC para o rito da prisão
ou cobrar a integralidade do crédito utilizando o procedimento da constrição patrimonial previsto no artigo
523 do referido diploma processual. Intime-se. Prazo: dez dias”. (1ª Vara de Família da Comarca de
Manaus-AM, Processo n.º 0610994-91.2016.8.04.0001, Juiz Alexandre Lopes Lasmar, julgado em
23/02/2018).
5
“(...). Desta feita, efetuar as referidas cobranças em autos apartados se mostra a decisão mais acertada a
fim de garantir processos organizados e, por isso mesmo, mais céleres, possibilitando a satisfação do
crédito, que é o objetivo maior da demanda, especialmente quando se trata de verba alimentar. Posto isto,
indefiro o pedido de processamento conjunto dos ritos de prisão e expropriação e defiro o prazo de 15 dias
para que a Defensoria Pública opte por qual rito deseja prosseguir, nada impedindo que ajuíze outra ação,
por rito diverso, a ser processada em autos apartados, sob pena de indeferimento. Intimem-se. Cumpra-se”.
(3ª Vara de Família da Comarca de Manaus-AM, Processo n.º 0220350-78.2016.8.04.0001, Juiz Antonio
Itamar de Sousa Gonzaga, julgado em 08/03/2018).
6
“Despacho: Processo de conhecimento já sentenciado e baixado. Ante a existência de valores diversos do
processo principal e a impossibilidade de realizar dentro do processo já baixado esta atualização, deve o
patrono do Exequente/Requerente cadastrar uma nova ação, autônoma de execução ou o cumprimento de
Por último, mas, de igual maneira, nada acalentador, porquanto a incerteza
quanto à aleatoriedade das opções já é suficiente para verter em caos a vida do assistido e,
por tabela, do seu Defensor, nos processos com trânsito nas 5ª e 8ª Vara de Família, a parte
exequente poderia perfeitamente, e com liberdade, optar pela cumulação dos ritos de prisão
e expropriação dos bens nos mesmos autos em que proferida a sentença.7 8 Equivalente ao
bilhete premiado, com a possibilidade de cumulação, o alimentando ganha em celeridade e
efetividade na fase executiva, podendo, ao final do processo, ver inteiramente quitado seu
crédito e satisfeita a pretensão de direito material.
O panorama apresentado é, no mínimo, indesejável. Não são poucos os
doutrinadores que sobrelevam a importância da previsibilidade para um sistema processual
que se quer útil e adequado.9 Nada justifica, portanto, que alguns credores tenham, por causa

sentença e trasladar as peças correspondentes, utilizando para o tal a classe correspondente, conforme tabela
unificada do Conselho Nacional de Justiça - CNJ. As petições devem ser endereçadas para a nova ação de
execução ou o cumprimento de sentença, sob pena de não serem conhecidas. À fila de encerrados. Intime-
se. Cumpra-se”. (2ª Vara de Família da Comarca de Manaus-AM, Processo n.º 0224561-
94.2015.8.04.0001, Juiz Everaldo da Silva Lira, julgado em 14/05/2018).
7
“DESPACHO: Intime-se, nos termos, para os fins e com a advertência do art. 528 e §§ 1º e 3º, do Código
de Processo Civil, com relação às 03 (três) parcelas anteriores ao ajuizamento e todas que se venceram
durante a tramitação do processo. Quanto às demais parcelas, intime-se para pagamento no prazo de 15
(quinze) dias, sob pena de penhora. Não informado o pagamento, providencie-se a penhora. Não havendo
pagamento voluntário, a dívida será acrescida de multa de 10% (dez) por cento, bem como de honorários
advocatícios no mesmo percentual”. (5ª Vara de Família da Comarca de Manaus-AM, Processo n.º
0642630-12.2015.8.04.0001, Juiz Dídimo Santana Barros Filho, julgado em 11/04/2018).
8
Um dos co-autores já se debruçou sobre a problemática de decisões divergentes sobre o mesmo tema
proferidas por juízos com competências concorrentes, em que se reclamou a exigência de mútua influência,
bem como verdadeiro abrandamento da clássica concepção do livre convencimento motivado. MONTEIRO
BARBOSA, Rafael Vinheiro; LIMA, Fábio Lindoso e. A contradição externa e o venire contra factum
proprium do juízo. Revista de Processo. v. 245, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 79-119.
9
As ideias de certeza, de previsibilidade, de economia, de rapidez, de confiabilidade e de coerência,
integrantes da imperiosa necessidade de segurança jurídica, justificam a própria existência do Direito. Sobre
o tema, com proveito, cf. NEVES, A. Castanheiras. O instituto dos “assentos” e a função jurídica dos
Supremos Tribunais. Coimbra: Coimbra Editora, 2014. p. 37; FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O
direito, entre o futuro e o passado. São Paulo: Noeses, 2014. p. 115-130; SCHAUER, Frederick. Playing
by the rules: a philosopical examination of rule-based decision-making in law and in life. New York:
Oxford, 2002. p. 181; ARRUDA ALVIM, Teresa. ¿Deben los jueces crear derecho? La misión de los
tribunales supremos. Madrid: Marcial Pons, 2016. p. 301-372; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes
obrigatórios. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 123; DIDIER JR., Fredie; CUNHA,
Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil. vol. 3., 13. ed., Salvador: Juspodivm, 2016. p.
637; CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). São
Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 161; CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões
decisórios a sério: formação e aplicação de precedentes e enunciados de súmula. São Paulo: Atlas, 2018.
p. 73; SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 2. 8. ed. São
Paulo: Saraiva, 2019. p. 391; ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 3. ed. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2019. p. 1.063; TEMER, Sofia. Recursos no incidente de resolução de
demandas repetitivas: quem pode recorrer da decisão que fixa a tese jurídica? A nova aplicação da
jurisprudência e precedentes no CPC/2015 - Estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim.
NUNES, Dierle; MENDES, Aluisio; JAYME, Fernando Gonzaga (coord.). São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017. p. 1.035-1.053; NASSER, Paulo Magalhães. Vinculações arbitrais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2019. Conquanto o anseio pela previsibilidade seja recorrente na doutrina processual, merece
consideração atenta a opinião de Erik Navarro Wolkart sobre o tema: WOLKART, Erik Navarro.
Precedente no direito processual civil brasileiro: mecanismos de objetivação do processo. Salvador:
Juspodivm, 2013. p. 17-22; WOLKART, Erik Navarro. O fetiche dos microssistemas no novo Código de
Processo Civil - Interações normativas entre procedimentos para a formação de precedentes e para
exclusivamente aleatória, celeridade e efetividade na cobrança dos seus créditos alimentícios,
ao passo que outros não. Impor a esses últimos, sem medida que justifique o tratamento
diferenciado, encargos maiores e percurso mais árduo, com sério retardamento para a
percepção de verba de natureza alimentar e, ainda por cima, com possibilidade de
significativa diminuição do valor a que fazem jus, fustiga frontalmente os princípios da
isonomia e da segurança jurídica.
Com essas questões em mente, a Defensoria Pública do Estado do Amazonas,
confiando estar diante de hipótese típica de uniformização de entendimento com tendência
de repetição,10 além do pujante potencial para prejudicar grupo significativo de pessoas,
inclusive vulneráveis, ingressou com o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.11
Entretanto, o entusiasmo decorrente da provável solução da divergência
jurisprudencial em virtude da utilização do novo instituto, foi temperado pela norma derivada
da interpretação do art. 982, inciso I, do CPC, que impõe, de forma peremptória, a suspensão

julgamentos de processos repetitivos. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015 -


Estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim. NUNES, Dierle; MENDES, Aluisio; JAYME,
Fernando Gonzaga (coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 363-399.
10
A respeito da evolução, recente e tardia, no Direito brasileiro, das técnicas de uniformização de
entendimentos jurisdicionais, respectivamente, cf.: CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de
resolução de demandas repetitivas (IRDR). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 140-148;
CÂMARA, Alexandre Freitas. Levando os padrões decisórios a sério: formação e aplicação de
precedentes e enunciados de súmula. São Paulo: Atlas, 2018. p. 113-143.
11
“EMENTA: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS
REPETITIVAS. JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. REQUISITOS CONTEMPLADOS.
INAPLICABILIDADE DA DISCIPLINA DO ART. 982, I, CPC. SUSPENSÃO DOS PROCESSOS
PENDENTES. PECULIARIDADE DA QUESTÃO DE DIREITO DISCUTIDA. CUMPRIMENTO DE
SENTENÇA DE ALIMENTOS. TUTELA PROVISÓRIA CONCEDIDA. INCIDENTE ADMITIDO. - A
Defensoria Pública do Estado do Amazonas logrou êxito em demonstrar o preenchimento dos requisitos
essenciais a admissão do incidente em questão, quais sejam a ocorrência de efetiva repetição de processos
que contenham controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito, o risco de ofensa à isonomia e
à segurança jurídica e a inexistência de recurso afetado ao regime de solução de recursos repetitivos nos
Tribunais Superiores acerca da mesma questão de direito; - A regra insculpida na disciplina do art. 982, I,
do Código de Processo Civil e que determina a suspensão dos processos pendentes quando da admissão do
incidente deve ser excetuada em situações tais como a dos presentes autos, uma vez que a questão
controvertida discutida se relaciona com o cumprimento de sentença que concede alimentos. Precedente do
Supremo Tribunal Federal (RE 966.177/RS) e do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.729.593/SP); - A
concessão da tutela provisória na forma requerida, para que se determine o processamento conjunto dos
pedidos de cumprimento de sentença pelos ritos da prisão e da expropriação, se faz possível, uma vez
presentes os requisitos autorizadores; - Incidente de resolução de demandas repetitivas admitido”. (TJAM,
IRDR n.º 0004232-43.2018.8.04.0001, Relator Desembargador Aristóteles Lima Thury, Tribunal Pleno,
julgado em 25/09/2018).
dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região,
conforme o caso.12 13 14
Na espécie, a suspensão automática dos processos pendentes sobre a temática
objeto do IRDR implicaria em nefastos prejuízos ao direito aos alimentos de centenas de
crianças e adolescentes do Estado do Amazonas, que teriam, ao menos pelo período de um
ano, obstados o seu acesso a essa modalidade de crédito alimentar.
Embora contra legem, mas de maneira fundamentada,15 a Defensoria Pública
ingressou com o IRDR e, de forma inusitada, pleiteou a não aplicação da suspensão
automática das ações em curso, contrariando os termos do art. 982, inciso I, do CPC. Para
além, requereu ainda, em sede de tutela provisória, ordem imediata para que todos os juízes
atrelados ao TJAM prosseguissem com as ações de execução ou cumprimento de sentença
de alimentos, no âmbito de suas respectivas competências, com a observância do
entendimento a ser uniformizado por ocasião da análise do pedido de tutela provisória de
urgência.

12
“Quanto à disposição constante do art. 982, I, do NCPC, no sentido de que cabe ao relator do IRDR
determinar a suspensão da tramitação dos processos repetitivos pendentes, é preciso fazer uma ressalva.
Na verdade, há uma aparente contradição entre dois dispositivos constantes do substitutivo aprovado.
Enquanto o mencionado art. 982, I, do NCPC dispõe que o relator é quem deve determinar, por meio de
decisão, a suspensão dos processos repetitivos pendentes, o inc. IV do art. 313 do mesmo diploma
estabelece que tais processos serão automaticamente suspensos pela decisão de admissão do IRDR”.
CAVALCANTI, Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 271-272. [grifos no original]. O autor, no desenvolvimento do seu
raciocínio, soluciona a antinomia vaticinando que a suspensão decorre da admissão do incidente, de modo
que o papel do relator se reduz ao de comunicador da suspensão, nos termos do § 1º, do art. 982 do CPC.
Em igual sentido: ARRUDA ALVIM, Teresa; DANTAS, Bruno. Recurso especial, recurso extraordinário
e a nova função dos tribunais superiores no direito brasileiro. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 2017. p. 545; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual
civil. vol. 3., 13. ed., Salvador: Juspodivm, 2016. p. 637-638; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao
novo Código de Processo Civil. ARRUDA ALVIM, Teresa; DIDIER JR., Fredie; TALAMINI, Eduardo;
DANTAS, Bruno (coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 2.189; CABRAL, Antonio
do Passo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1.451-
1.452; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Comentários ao Código de Processo Civil, vol.
XVI. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 95.
13
Há, na doutrina, quem defenda que a competência para deliberar a respeito da suspensão ou não dos
processos pendentes é do relator: “A despeito do seu texto, importa interpretar o dispositivo para recusar a
ele qualquer pecha de obrigatoriedade, como se a admissão do incidente de resolução de demandas
repetitivas resultasse sempre e invariavelmente na suspensão dos processos que tratem da mesma questão
jurídica”. SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 2. 8. ed.
São Paulo: Saraiva, 2019. p. 504. No mesmo sentido: MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente
de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual.
Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 185.
14
A torrente de enunciados doutrinários dos últimos anos, como não poderia deixar de ser, findou por criar,
também nessa seara, idêntica divergência: de um lado, o Enunciado n.º 92 do Fórum Permanente de
Processualistas Civis: “A suspensão de processos prevista neste dispositivo é consequência da admissão do
incidente de resolução de demandas repetitivas e não depende da demonstração dos requisitos para a tutela
de urgência”; de outro, o Enunciado n.º 104 da II Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça
Federal: “A suspensão dos processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na
região prevista no art. 982, I, do CPC não é decorrência automática e necessária da admissão do IRDR,
competindo ao relator ou ao colegiado decidir acerca da sua conveniência”.
15
Ponderou-se, aqui, a existência de doutrina defendendo que a suspensão deve decorrer de ponderação do
órgão competente, encarregado de avaliar, tendo em vista o caso concreto, a pertinência ou não da medida.
Em posição de vanguarda, o Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas, não só
admitiu o incidente, mas também deixou de aplicar a suspensão automática das ações, tendo
em vista a natureza alimentar do crédito perseguido, assim como concedeu a tutela provisória
requerida para que os juízes submetidos à autoridade do precedente confeccionado pelo
Órgão Pleno do Tribunal admitissem, nos processos então pendentes, a possibilidade de
cumulação de execuções por ritos distintos, mediante prisão para as prestações atuais e com
expropriação para as mais antigas.16
Conquanto merecedora de destaque e elogios, a admissibilidade do IRDR sem a
suspensão das ações pendentes não foi um pioneirismo do Tribunal de Justiça do Estado do
Amazonas. A análise dos incidentes cadastrados no sítio eletrônico do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ) demonstra a existência de outros incidentes sem a suspensão das ações na
forma enunciada pelo art. 982, inciso I, do CPC.
A fim de dissecar a tendência anunciada, o presente trabalho buscará mapear o
debate acerca do caráter cogente ou facultativo da ordem de suspensão das ações em curso
após a admissão do IRDR, tendo sempre em mente que o instrumento serve ao gerenciamento
dos litígios em massa e tem por principal objetivo uniformizar o entendimento dos tribunais
mediante a qualificação dos seus precedentes.

2. REGRAS GERAIS ACERCA DA SUSPENSÃO DOS PROCESSOS EM CURSO

A análise das regras procedimentais do Incidente de Resolução de Demandas


Repetitivas (art. 981, do CPC17) demonstra que o juízo de admissibilidade é realizado pelo
órgão colegiado incumbido do julgamento do mérito e não simplesmente pelo relator, como
costuma acontecer, por exemplo, no caso dos recursos.
Admitido o incidente, o art. 982 do CPC enumera as medidas a serem tomadas
pelo relator. A primeira delas é a determinação da suspensão dos processos pendentes que
tramitem no Estado ou Região.18 Contudo, como consignado no bojo do IRDR ajuizado pela
Defensoria Pública do Estado do Amazonas, a suspensão dos processos pendentes não pode
ser reputada consequência inarredável da admissão do incidente, sob pena de o instrumento
se transformar em instituto inconveniente, inacessível e inoportuno.19 É que a grandiosidade

16
Disponível em: https://www.conjur.com.br/2018-set-26/tj-am-uniformiza-cumulacao-sentenca-pensao-
alimenticia. Acesso em 31/07/2020.
17
Art. 981, CPC. Após a distribuição, o órgão colegiado competente para julgar o incidente procederá ao
seu juízo de admissibilidade, considerando a presença dos pressupostos do art. 976.
18
Art. 982, CPC. Admitido o incidente, o relator: I - suspenderá os processos pendentes, individuais ou
coletivos, que tramitam no Estado ou na região, conforme o caso; (...).
19
Também no sentido da flexibilização: SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito
processual civil. vol. 2. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. p. 504-505; MENDES, Aluisio Gonçalves de
dos prejuízos que os pretensos beneficiários da medida poderão vir a suportar, caso a
suspensão aconteça invariavelmente, pode esvaziar completamente o incidente.
Existem, certamente, casos em que sobressai nítida a falta de adequação da
medida suspensiva, não apenas em virtude das consequências que poderão advir para o objeto
principal do incidente, podendo ser de ordem prática, mas também, e principalmente,
relacionadas a razões de cunho jurídico. Isso vai acontecer, infatigavelmente, toda vez que a
temática do incidente envolver ou disser respeito a situações que reclamem soluções
passíveis do qualificativo da urgência, como é o caso da natureza essencial dos alimentos.
Superando, em prol da tese defendida no IRDR em questão, ao menos de modo
provisório, a discussão se a suspensão dos processos em curso é efeito automático da simples
admissão do incidente ou se, ao contrário, depende de decisão específica sobre a questão 20,
abre-se a possibilidade para se questionar qual o órgão competente para limitar o alcance da
determinação legal de suspensão dos feitos pendentes: o relator ou o órgão colegiado
competente?
A redação do art. 982, inciso I, do CPC, à primeira vista, atribui ao relator a
incumbência, dando a entender que a responsabilidade de deliberar sobre a questão deve ser
feita de maneira monocrática. Aliás, esse é o entendimento defendido por Cassio Scarpinella
Bueno, que afirma: “Cabe ao relator ponderar, diante das peculiaridades do caso concreto, os
prós e os contras da suspensão e, bem assim, verificar medidas que possam ser
implementadas para dar maior segurança jurídica ao jurisdicionado enquanto tramita o
incidente, assim, por exemplo, a suspensão parcial de processos ou a admissão de sua
tramitação até determinada fase”.21
Aluisio Gonçalves de Castro Mendes, com ligeira diferença, acredita que a
decisão tanto pode ser tomada pelo relator como pelo órgão colegiado competente.22 Baseia-
se, nos moldes expostos acima e na letra do preceito citado, no fato de que eventual decisão
a esse respeito tomada pelo relator desaguaria, havendo recurso, na manifestação final do
órgão colegiado. Na sua visão, o reconhecimento de que o colegiado poderia, em razão da

Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e interpretação do novo


instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 185; NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria
de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p.
1.972-1.973.
20
Cf., sobre o ponto, as notas 11, 12 e 13.
21
SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso sistematizado de direito processual civil. vol. 2. 8. ed. São
Paulo: Saraiva, 2019. p. 504-505.
22
“Não obstante a previsão contida no art. 982, caput e inciso I, do CPC, a questão da suspensão, no âmbito
do tribunal, poderá ser decidida monocrática ou coletivamente, de modo respectivo, pelo relator ou pelo
colegiado do órgão competente para a admissibilidade e o julgamento do IRDR”. MENDES, Aluisio
Gonçalves de Castro. Incidente de resolução de demandas repetitivas: sistematização, análise e
interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 184.
sua competência maior, dirimir desde logo essa situação, traria para o incidente ganhos na
segurança jurídica e no tempo do processo.
Arrisca-se, data maxima venia, divergir dos entendimentos mencionados. A
pesquisa demonstrou que parte significativa da doutrina opta por colocar o efeito paralisador
dos processos em curso como característica central do instituto, sendo, por isso, seu ponto
definidor.23 A não incidência do preceito deve apenas ocorrer naqueles casos-limite, em que
resta evidenciada a impertinência da medida. São, portanto, situações extremas e de índole
excepcional e, desse modo, reclamam manifestação contundente a respeito das razões do seu
afastamento.
Por outro lado, a admissão do incidente não pode prescindir, tendo em conta o
propósito da novidade legislativa, da fixação exata e precisa da controvérsia instaurada e, o
que é mais importante, do estabelecimento da extensão e dos limites da questão unicamente
de direito que deu origem ao procedimento-modelo. Acredita-se, à vista disso, ser primordial
que o órgão colegiado competente aja de forma extremamente rigorosa na decisão de
admissão do IRDR, obrigatoriamente colegiada.
Na oportunidade em que o tribunal estiver apreciando a admissibilidade do
incidente e, consequentemente, estatuindo os seus precisos contornos, caberá ao colegiado
competente decidir sobre eventual afastamento ou não da regra insculpida no art. 982, inciso
I, do CPC.
Pressupondo que a ratio essendi do julgamento colegiado está centrada na sua
especial natureza e qualificação, que decorrem de ser o ato decisório em questão plural e com
potencial totalizante, de forma a permitir a adoção de visão mais ampla e conjugada do
problema que se pretende dirimir, e, considerando, ainda, a força do órgão, pós CPC/15, para
a fixação de precedentes obrigatórios, plenamente aceitável a flexibilização do preceito legal,
apenas e tão-somente quando estiverem presentes razões de elevada ordem.
Ao passo que se respeita a centralidade e a importância do efeito suspensivo para
o IRDR e, via de consequência, à economicidade que ele busca e dele deveria derivar,
garante-se ao órgão colegiado incumbido de admitir e julgar o incidente a prerrogativa

23
Cf. WOLKART, Erik Navarro. O fetiche dos microssistemas no novo Código de Processo Civil -
Interações normativas entre procedimentos para a formação de precedentes e para julgamentos de processos
repetitivos. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015 - Estudos em homenagem à
professora Teresa Arruda Alvim. NUNES, Dierle; MENDES, Aluisio; JAYME, Fernando Gonzaga
(coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 376; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro;
TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil.
Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. DIDIER JR., Fredie (coord.).
MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
p. 336; CABRAL, Antonio do Passo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2016. p. 1.451-1.452; DIDIER JR., Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da. Curso de direito
processual civil. vol. 3., 13. ed., Salvador: Juspodivm, 2016. p. 637.
excepcional de flexibilizar a regra. Tais argumentos reforçam a conclusão de que a decisão
de não suspender os processos repetitivos pendentes há de ser tomada pelo órgão colegiado
competente, cabendo, em síntese, ao relator, o papel de, como longa manus do tribunal,
comunicar, na linha do que determina o inciso I do art. 982 do CPC, a suspensão dos feitos
em curso quando tal consequência não for fundamentadamente afastada.
Outro ponto que também diz respeito à suspensão dos processos pendentes que
versem sobre a temática posta no IRDR está relacionada à eventual necessidade de a
suspensão acontecer apenas de modo parcial.24 Isso porque, por exemplo, o atual Código de
Processo Civil passou a admitir, com ampla largueza, a cumulação de demandas, ainda que
entre elas não esteja tecnicamente caracterizada a conexão25. Demais disso, o novo diploma
também passou a tratar, com maior generalidade e permissividade, sobre a admissão de
decisões parciais de mérito26. Sendo assim, diante de tais inovações, não se ignora que o
IRDR poderá, a depender do caso, ter como objeto uma questão determinante para apenas
um dos pedidos cumulados ou parte do pedido que seja decomponível, não existindo razão
para que o feito fique totalmente paralisado, mesmo que o pedido ou parcela dele não
apresentem relação de prejudicialidade com a futura decisão do incidente.27 28

24
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro; TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas
repetitivas no novo Código de Processo Civil. Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões
judiciais. DIDIER JR., Fredie (coord.). MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre
(org.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016. p. 341. No mesmo sentido: ALMENDRA, Matheus Leite.
Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas: desmistificando a sua influência e o tema da suspensão
de processos em razão da sua admissibilidade. Revista de processo. v. 281, jul. 2018. São Paulo: Editora
Revista dos Tribunais, 2018. p. 337-365.
25
Art. 55, CPC. Reputam-se conexas 2 (duas) ou mais ações quando lhes for comum o pedido ou a causa
de pedir. § 1º Os processos de ações conexas serão reunidos para decisão conjunta, salvo se um deles já
houver sido sentenciado. § 2º Aplica-se o disposto no caput: I - à execução de título extrajudicial e à ação
de conhecimento relativa ao mesmo ato jurídico; II - às execuções fundadas no mesmo título executivo. §
3º Serão reunidos para julgamento conjunto os processos que possam gerar risco de prolação de decisões
conflitantes ou contraditórias caso decididos separadamente, mesmo sem conexão entre eles.
26
Art. 356, CPC. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou
parcela deles: I - mostrar-se incontroverso; II - estiver em condições de imediato julgamento, nos termos
do art. 355. § 1º A decisão que julgar parcialmente o mérito poderá reconhecer a existência de obrigação
líquida ou ilíquida. § 2º A parte poderá liquidar ou executar, desde logo, a obrigação reconhecida na decisão
que julgar parcialmente o mérito, independentemente de caução, ainda que haja recurso contra essa
interposto. § 3º Na hipótese do § 2º, se houver trânsito em julgado da decisão, a execução será definitiva. §
4º A liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o mérito poderão ser processados em
autos suplementares, a requerimento da parte ou a critério do juiz. § 5º A decisão proferida com base neste
artigo é impugnável por agravo de instrumento.
27
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; CONCEIÇÃO, Maria Lúcia Lins; RIBEIRO, Leonardo Ferres da
Silva; TORRES DE MELLO, Rogério Licastro. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015. p. 1.406.
28
O Enunciado 205 do Fórum Permanente de Processualistas Civis discute a questão nos seguintes termos:
“Havendo cumulação de pedidos simples, a aplicação do art. 982, I e § 3º, poderá provocar apenas a
suspensão parcial do processo, não impedindo o prosseguimento em relação ao pedido não abrangido pela
tese a ser firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas”.
Dando como possível a deliberação sobre a incidência ou não da suspensão ou,
pelo menos, de que ela se dê de forma apenas parcial, impende perquirir a amplitude e o
tempo que tal deliberação poderá tomar.
A despeito do caráter estadual ou regional dos tribunais aptos a analisar o
incidente, situação que depende de estar a demanda com viés repetitivo na competência da
justiça estadual ou federal, parece ser possível que a tese jurídica a ser fixada no IRDR
ultrapasse os limites da respectiva corte recursal. A doutrina tem denominado esse fenômeno
de “ampliação da eficácia suspensiva”.29
O CPC, no art. 982, § 3º, prevê a possibilidade de que qualquer legitimado
mencionado no art. 977, incisos II (partes) e III (Ministério Público e Defensoria Pública),
requeira ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça, a suspensão de
todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre
a questão objeto do incidente já instaurado.
Trata-se, como se vê, de medida de natureza preventiva,30 embora exija a prévia
admissibilidade do IRDR pelo tribunal local, e de economia processual, na medida em que
um único incidente uniformizará a mesma questão em todo território nacional, impedindo
que o prosseguimento dos processos em tramitação noutros estados ou regiões possam
alcançar entendimento contrário ao uniformizado.
Com relação ao tempo de suspensão, o CPC estabelece que o julgamento do
incidente deva ocorrer no prazo de 1 (um) ano. Superado o intervalo, cessa a suspensão das
ações pendentes, ressalvada uma possível decisão fundamentada do relator em sentido
contrário.31
O diploma processual é omisso em definir o início do prazo de suspensão dos
processos pendentes. Ao que tudo indica, tendo em conta que a lei dá como certa e
irremediável o mencionado efeito, não dispondo que ele decorrerá da deliberação do
colegiado, parece natural supor que o seu início encontra-se atrelado à admissão do incidente.
Noutros termos, admitido o incidente pelo colegiado sem ressalva alguma, consideram-se
suspensos os processos pendentes, cabendo ao órgão proceder, mediante a publicação do
acórdão, a comunicação aos demais julgadores sujeitos àquilo que foi deliberado.

29
CAVALCANTI. Marcos de Araújo. Incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR). São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 273.
30
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas:
sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 189.
31
Art. 980, CPC. O incidente será julgado no prazo de 1 (um) ano e terá preferência sobre os demais feitos,
ressalvados os que envolvam réu preso e os pedidos de habeas corpus. Parágrafo único. Superado o prazo
previsto no caput , cessa a suspensão dos processos prevista no art. 982, salvo decisão fundamentada do
relator em sentido contrário.
Com efeito, publicada a decisão de admissão do incidente, não havendo
manifestação em sentido expresso e contrário pelo colegiado, tem-se como iniciado o prazo
de suspensão dos processos em tramitação.
Padece do mesmo mal o preceito que cuida da possibilidade de prorrogação da
referida suspensão. A lei não definiu qual a duração da prorrogação, menos ainda deixou ao
órgão colegiado atribuição para sua fixação. Diante da ausência normativa, a interpretação
mais consentânea é aquela que admite a prorrogação por igual período, ou seja, mais 1 (um)
ano.
Todavia, pesquisa veiculada na revista do Conselho Nacional de Justiça aponta
que a tendência é o IRDR durar mais tempo que a previsão legal de 1 (um) ano, alcançando
o tempo médio que geralmente se leva para apreciar recursos repetitivos e casos submetidos
à repercussão geral. Consta no referido estudo: “Se a média de tempo de sobrestamento de
processos vinculados a temas de incidente de resolução de demandas repetitivas já é alta se
tomado em conta o tempo de vigência do instituto, cabe mencionar que 60.503 processos
estão sobrestados há mais de um ano, ou seja, 40,4% do total de processos sobrestados por
IRDR já ultrapassou o prazo previsto no parágrafo único do artigo 980, isso em apenas 2
anos da entrada em vigor do NCPC”.32
A conclusão a que se chega, portanto, é a de que o parágrafo único do art. 980 do
CPC, se não for tratado com responsabilidade, poderá redundar em letra morta, ante a sua
completa falta de efetividade. O ponto, bem considerado, pode ser outro forte argumento da
maior flexibilidade que o colegiado pode ter para manejar o fenômeno da suspensão,
buscando dar-lhe maior operacionalidade e tornando-o, de algum modo, útil.

3. ESCOPO DA SUSPENSÃO FORA DO ÂMBITO JUDICIAL: PROCESSO ARBITRAL

Não há dúvidas de que a lei brasileira adotou a teoria da natureza jurídica


jurisdicional da arbitragem, sem que isso implique, obviamente, na sua equiparação à
jurisdição estatal.33 A arbitragem, por certo, não se sujeitará às mesmas regras impostas
àquela.34

32
BORGES, Davi Ferreira; STEMLER, Igir Radeu Silva Viana; DELGADO, Lucas. Sistemas de
julgamento concentrado de demandas repetitivas e formação de precedentes judiciais: realidades e desafios.
Revista CNJ, Brasília, v. 2, 2017.
33
MARIANI, Rômulo Greff. Precedentes na arbitragem. 2017. 267 f. Tese (Doutorado em Direito) -
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2017. p. 67-68.
34
Existe, por certo, influência entre jurisdição estatal e arbitragem. O peso dessa influência é ainda maior
quando a análise recai sobre as arbitragens de direito, em que se faz a opção pela incidência da legislação
pátria. Sobre o tema, cf. NASSER, Paulo Magalhães. Vinculações arbitrais. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2019; BELLOCCHI, Márcio. Precedentes vinculantes e a aplicação do direito brasileiro na convenção de
O Código de Processo Civil, embora incidindo, não avança indiscriminadamente
à arbitragem. A influência da jurisdição estatal na arbitral e a obrigatoriedade do respeito aos
precedentes obrigatórios são temas que rendem ricos debates. Existe calorosa discussão se
os árbitros estão ou não sujeitos aos precedentes judiciais estabelecidos no art. 927 do CPC.
Mutatis mutandis, o propósito do art. 927 do CPC, de relativa verticalização dos
julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário,35 objetivando a isonomia das partes e o
descongestionando dos pretórios, alinha-se sobremaneira com o móvel que estimulou o
legislador a confeccionar o IRDR.
Fica fácil compreender, embora o tema seja polêmico, conforme já anunciado,
que os incisos I e II se ligam com maior facilidade às decisões pronunciadas nos feitos
arbitrais. O inciso I menciona as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle
concentrado de constitucionalidade, sabidamente dotadas de efeitos vinculantes e eficácia
erga omnes. No inciso II, possuidor de força similar, os enunciados provenientes das súmulas
vinculantes.36
Apresenta maior dificuldade a adequação, à arbitragem, das disposições dos
incisos III, IV e V do art. 927 do CPC. Tais dispositivos são marcados pelo fato de afetarem
unicamente o processo estatal. O conteúdo do inciso V, ao aduzir a vinculação da orientação
do plenário ou órgão especial ao qual esteja vinculado o juiz, por seu turno, não incide na
arbitragem, uma vez que inexiste relação de subordinação entre o órgão prolator da decisão
e o juízo arbitral.
De igual maneira, a vinculação da arbitragem à tese fixada em Incidente de
Resolução de Demandas Repetitivas pode apresentar algumas dificuldades. A primeira delas
refere-se ao objeto do IRDR. Se o incidente tiver como objeto matéria processual, como é o
caso do IRDR que dá suporte à presente pesquisa, resta impossível estabelecer qualquer
vinculação para a arbitragem, salvo a persuasiva, sem descurar que esta é marcada pela
flexibilidade e independência procedimental, não se sujeitando às regras encontráveis no
processo civil regulado.
Ponto extremamente pertinente diz respeito à repercussão que eventualmente
pode ter na arbitragem o efeito da suspensão dos processos pendentes. Curial pressupor, de
início, em razão das já mencionadas autonomia e independência entre as duas esferas, a

arbitragem. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017; MARIANI, Romulo Greff. Precedentes na
arbitragem. Belo Horizonte: Fórum, 2018.
35
FIORAVANTI, Marcos Serra Netto. A arbitragem e os precedentes judiciais: observância, respeito ou
vinculação?. 2017. 137 f. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo, São Paulo, 2017. p. 97.
36
Quando a arbitragem adota o direito brasileiro, traz a reboque as súmulas vinculantes, bem como as
decisões do Supremo Tribunal Federal proferidas em controle de constitucionalidade, sob pena de não ser
observado o desejo prévio das partes.
ausência de influxos recíprocos, de modo que as demandas arbitrais manterão seu curso
normal, embora os processos judiciais afetos à temática do incidente restem suspensos. A
não suspensão das demandas submetidas à arbitragem, ainda que situadas no plano regional
ou local, é medida que se impõe e, provavelmente, verte-se em um dos estímulos a esse meio
de solução alternativa dos conflitos.
Na arbitragem, a escolha do local é utilizada apenas para fixar a nacionalidade
do processo arbitral, não existindo correlação entre o local da sede da arbitragem e a
circunscrição dos tribunais de segundo grau.37
Por fim, chega a ser intuitivo, tanto para quem defende a vinculação da
arbitragem aos precedentes do art. 927 do CPC, como para aqueles que rechaçam a
possibilidade, que a suspensão do processo arbitral decorrente da mera admissibilidade do
incidente, sem que tenha havido a fixação de uma tese, seria seguro exagero, além de medida
equivocada.
Partindo da constatação acima, salutar reconhecer que a situação objeto da
presente investigação merece do intérprete olhar cuidadoso e responsável. O fato de a
admissão do incidente não repercutir, no plano da suspensão, nos processos arbitrais,
apresenta-se como sinal indicador de que a mesma temática precisa ser tratada, quanto aos
processos estatais, cum grano salis. A depender do objeto do incidente e de como ele pode
afetar os feitos em curso, é inclusive recomendável que o tribunal se dedique às
especificidades da causa e, ciente de todos os contornos, possa deliberar e controlar o impacto
do julgamento do mérito do incidente e de sua simples admissão.

4. SUSPENSÃO COGENTE OU FACULTATIVA?

No direito, mais intensamente que o desejável, as diferentes posições do


intérprete acabam por refletir na atuação dos tribunais. Embora exista uma variedade de
questões e de correntes, a divisão entre garantistas e ativistas tem recebido especial atenção
da doutrina.38
À primeira vista, a leitura da legislação sobre o Incidente de Resolução de
Demandas Repetitivas - IRDR, associada à proposta do instituto, fortemente ligada à

37
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei n. 9.307/96. 3. ed. São Paulo:
Atlas, 2009. p. 209-210.
38
Sobre o tema, com grande proveito, cf. ABBOUD, Georges. Processo constitucional brasileiro. 3. ed.
São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2019. p. 1.283-1.413.
economia processual e à racionalidade dos julgamentos, poderá fazer crer que a suspensão
dos processos pendentes é uma imposição inabalável do sistema.39
Contudo, análise mais apurada do novel instrumento de manejo de processos
repetitivos e fixação de precedentes obrigatórios40 dá conta de que a inflexibilidade na forma
de encarar a obrigatoriedade de suspensão dos processos pendentes tem o condão de acarretar
diversas dificuldades e gerar um sem número de empecilhos à sua própria utilização.
O primeiro entrave à irrefragável suspensão, automática e abrangente, capaz de
fazê-la também cogente e infalível, está ligado à própria situação fática que dá embasamento
à questão de direito objeto do IRDR. Tendo em vista que um dos requisitos para o cabimento
do incidente é a exigência de que a questão seja unicamente de direito, é bem provável que a
suspensão gere consequências imediatas na vida do jurisdicionado, já que é justamente no
processo que a norma, inclusive a de direito material, encontra o plano dos fatos e a sua
materialidade.41
O incidente suscitado pela Defensoria Pública do Amazonas, por exemplo,
ilustra, com grande suficiência, a afirmação feita anteriormente. Ressoa inescapável,
portanto, que a mera admissibilidade desse específico IRDR, que nitidamente veicula questão
de ordem processual, consistente na possibilidade de cumulação dos ritos de prisão e
expropriação nos mesmos autos em que a sentença foi proferida, pode impactar sobremaneira
a vida de milhares de amazonenses.
Só por isso, desejável que a Corte, ao deliberar sobre o instituto, leve em
consideração todas especificidades que circundam a questão central, assim como não deixe

39
“Com relação ao IRDR, a decisão de admissibilidade, proferida pelo órgão competente do tribunal, é
causa suspensiva de todos os processos repetitivos pendentes que tramitam no Estado ou na região,
conforme o caso. Essa eficácia suspensiva é obrigatória e não admite, na literalidade do NCPC, o
requerimento de autoexclusão (opt-out)”. CAVALCANTI. Marcos de Araújo. Incidente de resolução de
demandas repetitivas (IRDR). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 279. No mesmo sentido:
“A suspensão dos processos é ponto fulcral do instituto, devendo as demandas repetitivas aguardarem a
definição da tese jurídica no procedimento-modelo incidental”. MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro;
TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil.
Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. DIDIER JR., Fredie (coord.).
MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
p. 336; WOLKART, Erik Navarro. O fetiche dos microssistemas no novo Código de Processo Civil -
Interações normativas entre procedimentos para a formação de precedentes e para julgamentos de processos
repetitivos. A nova aplicação da jurisprudência e precedentes no CPC/2015 - Estudos em homenagem à
professora Teresa Arruda Alvim. NUNES, Dierle; MENDES, Aluisio; JAYME, Fernando Gonzaga
(coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. p. 363-399.
40
A respeito da polêmica discussão sobre a natureza jurídica do IRDR, cf. ÁVILA, Henrique de Almeida.
A repercussão das decisões repetitivas em relação aos serviços públicos delegados: a contextualização do
efeito vinculante à luz da Separação de Poderes. 2019. 161 f. (Doutorado em Direito) - Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2019. p. 87-99; MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro;
TEMER, Sofia. O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo Civil.
Processo nos tribunais e meios de impugnação às decisões judiciais. DIDIER JR., Fredie (coord.).
MACÊDO, Lucas Buril; PEIXOTO, Ravi; FREIRE, Alexandre (org.). 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
p. 313-357.
41
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. vol. 1, 17. ed. Salvador: Juspodivm, 2015. p. 439.
de considerar, até porque essa é a razão de ser do Poder Judiciário, as peculiaridades do
impacto da decisão na população mais pobre e vulnerável da sociedade. No caso, desprezar
o número de alimentandos e o poder aquisitivo da parte mais substancial desse imenso grupo,
cujos processos e, por conseguinte, a própria via judicial, concretizam e dão forma à única
esperança de verem seus respectivos créditos satisfeitos, pode redundar em decisões, não só
injustas, mas autofágicas.
Pela natureza da relação obrigacional, que subjaz à questão processual,
envolvendo o direito aos alimentos e à sua proteção efetiva, a paralisação/suspensão de todos
os processos em curso no Estado do Amazonas, por até 1 (um) ano, é suscetível de acarretar
consequência nitidamente contrária à celeridade, segurança jurídica e isonomia, princípios
norteadores e inspiradores do IRDR.42 Com efeito, no afã de evitar instabilidade,
economicidade e quebra de isonomia, produz-se algo, em termos práticos, infinitamente pior
que a mácula decorrente da ofensa aos princípios mencionados. Disposições de ordem
técnica, no comum das vezes, não podem se sobrepor ao direito fundamental à vida, do qual
o direito aos alimentos faz logicamente parte.
Por motivos muito menos apelativos, em casos envolvendo tributos, os tribunais
do Rio Grande do Sul e de São Paulo deixaram de aplicar a suspensão prevista no art. 982,
inciso I, do CPC.
No julgamento da admissibilidade do IRDR nº 0212283-08.2016.8.21.7000, o
Tribunal de Justiça o Rio Grande do Sul, levando em consideração o fato de que milhares de
execuções fiscais municipais e estaduais ficariam paralisadas pelo julgamento de uma
questão processual apenas acessória, entendeu, em caráter excepcional, pela não suspensão
dos processos pendentes.43
Por seu turno, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar incidente relacionado
à possibilidade de emenda/substituição da CDA ou reconhecimento da nulidade do título, e
outro alusivo ao valor venal de referência para base de cálculo do ITBI, consignou que a

42
Escrevendo antes da vigência do CPC/15, essa também era a preocupação de Eduardo Henrique de
Oliveira Yoshikawa: “Tendo em vista a relevância da fixação da tese jurídica, que por si só recomendaria
brevidade (e não pressa!) no julgamento do incidente, bem como a suspensão das demais causas e recursos
até a sua conclusão (potencialmente danosa à garantia da duração razoável do processo), é de todo
recomendável a fixação de um prazo para que a questão seja apreciada pelo colegiado, sendo razoável o
prazo constante do Projeto”. (O incidente de resolução de demandas repetitivas no novo Código de Processo
Civil. Comentários aos arts. 930 a 941 do PL 8.046/2010. Revista de processo. v. 206, abr. 2012. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2012. p. 243-270).
43
TJRS, IRDR nº 0212283-08.2016.8.21.7000, Relator Desembargador Almir Porto da Rocha Filho, data
da admissão 05/08/2016.
retirada da suspensão dos processos pendentes preservaria o interesse público, evitando-se,
assim, perigo de lesão grave ao erário.44 45
A doutrina, com razão, defende a existência de casos em que sobressai, com
nitidez, a própria inconveniência da suspensão, na medida em que a paralisação dos processos
pode afetar valores posicionados acima da simples comodidade do tribunal. Além do mais, é
possível que a divergência tenha lugar em fração mínima dos órgãos jurisdicionais. Imagine-
se, a título de exemplo, que apenas uma das dez varas de família da comarca de Manaus
resistisse à interpretação majoritária e preponderante no âmbito do tribunal local.46
No julgamento do IRDR nº 2151535-83.2016.8.26.0000, o Tribunal de Justiça
de São Paulo deixou de determinar a suspensão das ações pendentes, porque a divergência
existente se resumia a uma das Câmaras da Seção de Direito Público.47
Pode-se elencar, entretanto, outros óbices à suspensão dos processos pendentes.
Alguns deles foram, de forma percuciente, apreendidos pelo Superior Tribunal de Justiça,
quando do enfrentamento da matéria.
Já se teve o cuidado de pontuar que a suspensão do art. 982 do CPC só alcança,
de início, os processos em trâmite em dado Estado ou região, importando, para a definição
desses limites, se o instituto foi proposto, seguindo as regras de competência, na justiça
estadual ou federal. Se o impacto do julgamento do incidente aconselhar, é legalmente
possível, na forma do seu § 3º, respaldado na garantia da segurança jurídica, que qualquer
dos legitimados à propositura do incidente requeira, ou do STF ou do STJ48, que a suspensão
abranja todo território nacional.49
Contudo, e isso não pode passar batido, para que a decisão de mérito fixada no
incidente seja caracterizada como precedente vinculante de abrangência nacional, isto é,
constranja os demais órgãos jurisdicionais estaduais e federais, para além daquele em que
brotou o IRDR, impõe-se que a decisão de mérito seja realizada ou confirmada por tribunal
de estirpe e dimensão nacional, tal e qual STF e STJ. Entretanto, só se terá a manifestação

44
TJSP, IRDR nº 0057572-21.2017.8.26.0000, Relator Desembargador Henrique Harris Júnior, data da
admissão 27/09/2018.
45
TJSP, IRDR nº 2243516-62.2017.8.26.0000, Relator Desembargador Torres de Carvalho, data da
admissão 13/04/2018.
46
MENDES, Aluisio Gonçalves de Castro. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas:
sistematização, análise e interpretação do novo instituto processual. Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 185.
47
TJSP, IRDR nº 2151535-83.2016.8.26.0000, Relator Desembargador Jefferson Moreira de Carvalho,
data da admissão 11/11/2016.
48
Mediante projeção, já é possível, à vista da temática central do incidente, se constitucional ou federal
infraconstitucional, predizer, pelo menos em tese, se eventual futuro recurso excepcional será dirigido ao
STF ou ao STJ, ou a ambos.
49
Art. 982, CPC. (...). § 3º Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado
no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário
ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que
versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado.
desses órgãos jurisdicionais se do incidente apreciado no âmbito estadual ou federal houver
recurso. Se a temática não for, mediante recurso adequado da decisão final, levada aos
tribunais superiores, os processos que tiveram a tramitação suspensa em uma dada região
onde não foi instaurado o incidente, não serão alcançados pela decisão de mérito.
Sendo assim, embora inusitado, é plenamente factível que a suspensão nacional
de ações termine sendo totalmente inócua, isto é, apenas retardando o andamento processual
de milhares de ações espalhadas pelo território nacional que, não obstante afetadas
provisoriamente pelo efeito da suspensão, não sentiram as consequências do julgamento do
mérito do IRDR.
Malgrado não se tratar, em essência, da mesma modalidade de suspensão, alguns
argumentos aduzidos pelo Superior Tribunal de Justiça podem iluminar o caminho e facilitar
o acesso às respostas buscadas na presente pesquisa.50
O art. 1.037 do CPC51, cuidando da afetação de recursos repetitivos, admite que
o relator possa, nos termos do inciso II, determinar a suspensão de todos os processos
pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território
nacional.52
Por ocasião do julgamento da proposta de afetação como repetitivo do REsp n°
1.729.593/SP, interposto contra decisão de mérito do Incidente de Resolução de Demandas
Repetitivas nº 0023203-35.2016.8.26.0000, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela inaplicabilidade da suspensão,
valendo-se de importantes argumentos.
Na hipótese, o relator, a despeito do teor do art. 1.037, inciso II, do CPC, acima
mencionado, reputou como desnecessário e impróprio o afastamento da suspensão
automática de todos os processos em curso no país. O primeiro argumento favorável à não
suspensão diz respeito ao número de processos eventualmente atingidos pela suspensão. Caso

50
Sobre as discussões que envolvem a existência de um microssistema de formação de precedentes e/ou
um microssistema de julgamentos de processos repetitivos, cf. WOLKART, Erik Navarro. O fetiche dos
microssistemas no novo Código de Processo Civil - Interações normativas entre procedimentos para a
formação de precedentes e para julgamentos de processos repetitivos. A nova aplicação da jurisprudência
e precedentes no CPC/2015 - Estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim. NUNES, Dierle;
MENDES, Aluisio; JAYME, Fernando Gonzaga (coord.). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.
p. 363-399.
51
Art. 1.037, CPC. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do
pressuposto do caput do art. 1.036 , proferirá decisão de afetação, na qual: I - identificará com precisão a
questão a ser submetida a julgamento; II - determinará a suspensão do processamento de todos os processos
pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional; III -
poderá requisitar aos presidentes ou aos vice-presidentes dos tribunais de justiça ou dos tribunais regionais
federais a remessa de um recurso representativo da controvérsia. (...). [sem grifos no original].
52
A escolha conduzida pelo tribunal local, estadual ou federal, também implica em suspensão dos demais
processos em curso sobre a mesma temática, respeitada, obviamente, a abrangência da Corte que procedeu
à afetação (art. 1.036, § 1º, CPC).
o número seja considerável, a suspensão, além de medida antipática, pode fomentar,
contrariamente aos auspícios da norma, a morosidade do Poder Judiciário.
Em sequência, na linha do que já foi explanado, também recebe relevância a
circunstância de a divergência atingir parcela minoritária dos tribunais. Se a temática já se
encontra consolidada no STJ e no STF, assim como nos próprios tribunais estaduais e/ou
federais, a suspensão pode não ser desejável. Por tal razão, o tribunal reconhece que a
paralisação dos processos no país, pelo prazo de até 1 (um) ano, pode engendrar efeito diverso
à celeridade e segurança jurídica que o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos anseia.
Contudo, o argumento mais coactado ao do IRDR proposto pela Defensoria
Pública do Amazonas relaciona-se à temática de fundo, a qual a questão processual faz
referência e a ela diz respeito: direito aos alimentos, direito à moradia, etc. Entendeu o STJ
que, quando a natureza da relação em discussão envolve direitos que admitem solução
transacional, a suspensão indiscriminada poderia obstar o fim consensual dos litígios.
Por fim, a Corte ponderou, de forma bastante sensível, que o julgador não pode,
quando for deliberar a incidência da suspensão, descurar do impacto que a paralisação dos
processos pode causar na vida dos jurisdicionados.53
A exposição acima, de forma bastante ilustrativa, deixa nítido que a adesão
irrestrita ao efeito suspensivo automático, geral, total e irrestrito, tal e qual deseja a norma,
não pode ser tomada sem a devida cautela e consideração concreta das sutilezas do caso do
qual deflui o incidente. Assim, presentes razões que justifiquem a excepcionalidade, curial
permitir a continuidade da tramitação dos feitos então pendentes.54

5. MEIOS PROCESSUAIS PARA RETIRAR A SUSPENSIVIDADE DO IRDR

Como já demonstrado, há situações em que não é conveniente, sob o prisma


jurídico ou prático, a suspensão dos processos pendentes, de forma que eventual

53
“(...). Também deve ser considerado o risco potencial do encerramento das atividades de parte das
empresas demandadas, devido ao atual desaquecimento do setor imobiliário, o que poderia acarretar
prejuízos financeiros irreparáveis para grande parte das famílias” (STJ, ProAfR no REsp 1.729.593/SP,
Min. Relator Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, DJe 18/09/2018).
54
Embora possuidor de interpretação um pouco mais restrita, esse parece ser o entendimento de Matheus
Leite Almendra: “Obviamente poderá haver casos em que a suspensão seja dispensada em razão de
situações emergenciais. Para alguns autores, em situações nas quais a questão objeto do IRDR seja, por
exemplo, a possibilidade ou não de concessão de tutela de urgência, deverá o próprio Tribunal sopesar os
valores da urgência e segurança e, caso entenda pertinente, dispensar a suspensão dos demais processos
que, pela letra da lei, parece a nós ser ex lege”. (Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas:
desmistificando a sua influência e o tema da suspensão de processos em razão da sua admissibilidade.
Revista de processo. v. 281, jul. 2018. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2018. p. 337-365).
inflexibilidade do julgador, ainda que calcado no texto normativo, pode tornar inadequado e
inoportuno o próprio incidente, desestimulando-o.
Além do mais, não existe previsão legal para que a eventual admissibilidade do
IRDR suspenda a prescrição das ações individuais ainda não ajuizadas. Na hipótese, o
indivíduo não teria como aguardar o resultado do incidente para, só depois, decidir sobre a
viabilidade do ajuizamento da ação, dado o risco de ser atingido pela prescrição.55
Diante do panorama aludido, necessário se faz encontrar meios processuais para
retirar a suspensividade do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, sem, contudo,
esvaziar por inteiro a novidade legislativa.
A primeira medida que possibilita a tramitação regular dos processos pendentes
é a modulação dos efeitos com a fixação de uma tese provisória a ser aplicada nos processos
pendentes.
A instauração do IRDR pressupõe a existência de uma controvérsia sobre uma
questão unicamente de direito. Ilustrando a situação com o incidente suscitado pela
Defensoria Pública do Estado do Amazonas, no âmbito da Justiça amazonense, havia 4
(quatro) entendimentos a respeito da possibilidade ou não de cumulação dos ritos de prisão
e expropriação no cumprimento de sentença condenatória ao pagamento de alimentos.
Por isso, a fim de evitar o prejuízo para milhares de alimentandos, cujos
processos encontravam-se em curso por ocasião da instauração do incidente, a Defensoria
Pública do Amazonas solicitou, ao órgão colegiado, a fixação de entendimento unificador,
conquanto provisório, de modo a garantir a previsibilidade, isonomia e celeridade processual
durante o trâmite do incidente.
Na admissibilidade do incidente, pôde o Tribunal de Justiça do Amazonas, por
meio do órgão colegiado designado para o julgamento do IRDR, deliberar provisoriamente
qual tese jurídica seria a mais acertada, pelo menos naquele instante processual, para garantir
a tutela dos jurisdicionados, uniformizando, desse modo, o entendimento do tribunal e dos
juízes a ele vinculados. Certo que, ao fixar a tese provisória, o TJAM poderia escolher uma
das quatro correntes, ou mesmo, fixar um entendimento inédito, que poderia ter sua validade
estendida até o efetivo enfrentamento do mérito do incidente.
Percebe-se, portanto, que a fixação de tese provisória ressoa como medida eficaz
e expedita, capaz de remediar os transtornos que eventual paralisação poderia causar aos
processos pendentes (aos titulares dos direitos perseguidos nos processos pendentes).

55
Assim, ajuíza-se a ação, incorrendo em gastos inúteis e utilizando desnecessariamente a máquina
judiciária, para que o processo se inicie suspenso.
Além da fixação de tese provisória, medida que também possibilita a tramitação
dos processos pendentes é a concessão de tutela provisória de urgência. Fundamentando-se
no princípio constitucional da inafastabilidade da prestação jurisdicional56, o § 2º do art. 982,
do CPC, prevê que, durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido
ao juiz onde tramita o processo suspenso.
Nesse caso, a tutela de urgência pode ser pleiteada, individualmente pelo
jurisdicionado que se sentir prejudicado, a partir da comunicação da suspensão do processo,
ou posteriormente, em decorrência do surgimento inesperado ou calculado de perigo que
tenha se acentuado ao longo da tramitação do incidente.
Enquanto a fixação da tese provisória atinge todos os processos em curso no
estado ou região, podendo ser, por isso, definida como solução coletivizada, o pedido de
concessão de tutela de urgência, a ser deduzido em cada processo específico que, sem a
medida excepcional, estaria fadado a suportar a suspensão, é solução individualizada.
Nada obstante, com supedâneo na ratio essendi do art. 982, § 2º, CPC, é
plenamente possível que o requerimento de tutela de urgência seja pleiteado quando do
pedido de instauração do incidente, com caráter geral e coletivizado. No IRDR suscitado pela
Defensoria Pública do Estado do Amazonas, o pedido de fixação de tese provisória veio
acompanhado de requerimento de tutela provisória de urgência para afastar a incidência da
suspensão.57
Consoante antecipado, a tutela de urgência pode ser utilizada em conjunto com o
pedido de formulação de tese provisória. Ou seja, os pedidos podem ser no sentido de a Corte
conceder a tutela de urgência, impedindo a suspensão dos processos em curso, e, ato
contínuo, fixar tese provisória para ser aplicada enquanto o incidente é processado sem
decisão final.
Com efeito, a concessão da tutela de urgência pode restringir-se a não incidência da
suspensão, de modo a permitir que os respectivos juízos onde tramitam as ações continuem
atuando com certa liberdade. No julgamento do IRDR nº 0037860-45.2017.8.26.000058, por
exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo apenas afastou a suspensão das ações,
consignando a validade das decisões proferidas nos vários processos em tramitação até que
definida a questão no incidente.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

56
Art. 5º, CF. (...). XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
57
Destarte, não é o momento processual que determina a possibilidade de concessão de tutela provisória
de urgência, mas o preenchimento dos requisitos inscritos no art. 300 do CPC, quais sejam, a probabilidade
do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.
58
TJSP, IRDR nº 0037860-45.2017.8.26.0000, Relator Desembargador Torres de Carvalho, data da
Publicação 01/02/2018.
O escopo da presente pesquisa foi demonstrar a possibilidade de mitigação da
regra da suspensão automática dos processos pendentes em virtude da tramitação de um
incidente de resolução de demandas repetitivas, bem como delinear, tendo em vista a
presença de algumas circunstâncias fáticas, jurídicas e circunstanciais, os meios processuais
que poderiam funcionar como estratagemas para retirar a sobredita suspensividade.
A estruturação do estudo partiu da análise de um caso concreto, ocorrido no
Estado do Amazonas, em que a não suspensão dos processos pendentes foi requerida e o
afastamento concedido pelo órgão competente59, em IRDR proposto pela Defensoria Pública
do Amazonas, com fundamento na probabilidade de lesão ao direito fundamental aos
alimentos.
Foram mapeadas as regras gerais que disciplinam a suspensão dos processos em
consequência da tramitação do IRDR (competência, tempo e amplitude), estabelecendo,
embora de maneira excepcional, a extensão da paralisação para além do órgão originário, do
mesmo modo que se tratou da possibilidade de suspensão parcial e do completo afastamento
da incidência da suspensão.
Por fim, levando em conta outros casos concretos pesquisados nos demais
tribunais, foi possível perceber que a suspensão dos processos pendentes não vem sendo
aplicada como regra absoluta, sofrendo diversos temperamentos. Tais mitigações podem
decorrer de inúmeros fatores, como, por exemplo, o relacionamento com direitos
fundamentais, a envergadura da dissidência, o impacto nos processos e nos jurisdicionados,
além da própria abrangência e grau de atingimento da suspensão.
A pesquisa também buscou listar meios processuais eficazes para abrandar a
regra da suspensividade ampla e automática dos processos pendentes, sem, contudo, olvidar
da finalidade do instituto, que é a de manejo de processos repetitivos e fixação de precedentes
obrigatórios.
Dentre os possíveis meios, a pesquisa cuidou de analisar a concessão de tutela
provisória de urgência, a modulação de efeitos a partir da fixação de uma tese provisória a
ser aplicadas nos processos pendentes.
Ao final, logrou-se chegar à seguinte conclusão: deve ser consagrada a tese que
defende a mitigação, em caráter excepcional, pelo órgão colegiado competente, da regra da

59
O Pleno do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas (TJAM, IRDR n.º 0004232-43.2018.8.04.0001,
Relator Desembargador Aristóteles Lima Thury, Tribunal Pleno, julgado em 25/09/2018). Cabe mencionar,
por oportuno, que os três co-autores participaram efetivamente do julgamento do caso-fundamento da
pesquisa. O Desembargador Flávio Humberto Pascarelli Lopes, na condição de julgador; Rafael Vinheiro
Monteiro Barbosa, como Defensor Público que procedeu à sustentação oral, e Taíze Moraes Siqueira,
Assessora de Defensor Público que auxiliou na confecção da minuta, ambos da Defensoria Pública do
Estado do Amazonas.
suspensão dos processos pendentes em decorrência da admissibilidade do incidente de
resolução de demandas repetitivas, principalmente quando presentes motivos justificadores,
uma vez que eventual inflexibilidade tem o condão de tornar o instituto inadequado e
impróprio ao fim a que se destina.
Logrou-se, por igual, reforçar o importante papel desempenhado pela Defensoria
Pública perante o Sistema de Justiça. Sabe-se, dia após dia, que o sistema legal sustenta
ordem não igualitária e socialmente parcial, que, nas lições de Guillermo O’Donnell, cumpre,
de forma camuflada, a função de auxiliar e reproduzir relações de poder sistematicamente
assimétricas.60 Se se quiser acreditar e apostar que o reequilíbrio há de partir do próprio
Estado, fundamental reforçar e confiar na Defensoria Pública.

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