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Este breve trabalho é o resultado da minha primeira contagem do Omer – minha primeira
colheita, que, porventura, foi uma colheita completa. É inacreditável a experiência que isso me
trouxe e o quanto de mim consegui entregar de presente a mim mesmo e a algo que desconheço
o tamanho.
Foram longos dias e breves noites de conclusões estranhas a respeito de mim mesmo e de outras
tantas mais. Pensei sobre 49 ser o quadrado de 7 (7²) que é uma forma estranha de escrever 72
e fiquei quase quarenta minutos pensando se isso era algum tipo de coincidência ou algo
planejado de uma forma estranha. Pensei sobre a metáfora da colheita e se esse “colher aos
poucos” algo de nós mesmos fazia parte do sentido original no hebraico, pensei nas alterações
de significado quando as sefiras se invertem (qual seria a diferença do Reino na Misericórdia
para a Misericórdia no Reino, afinal?) e como aprendemos isso ao longo do Omer. Pensei sobre
tantas coisas que pareciam certas, erradas, devaneios, sincronicidades, coincidências (será que
isso existe?), epifanias etc., que quase surtei em alguns dias.
Me deitava para dormir e sentia que queria fazer algo a mais na minha contagem – que precisava
fazer algo a mais! Enquanto isso eu não percebia que a cada dia eu estava escrevendo um texto
ao fim das minhas reflexões e meditações. Iniciei esses escritos por uma clara influência do
Rafael Arrais e o seu ’49 noites antes da Colheita’. Fiz questão de escrever sempre antes de ler
seus poemas para que não houvesse uma influência direta e me surpreendi com quantas
coincidências ocorreram neste sentido – às vezes com algo meu fazendo referência a poemas
‘futuros’ dele em relação a minha contagem.
Houve ainda uma metáfora específica por onde minha mente vagou antes de dormir e que
gostaria de usar como a derradeira introdução aos meus escritos catárticos dos quais pouco me
lembro de escrever. Para mim, eles soaram como uma fábula pessoal e nem ao menos tenho
certeza se isso é meu ou se uma adaptação de algo que vi em algum lugar:
“Primeiro eu era mosquito a voar pelos céus. Um ínfimo inseto sem valor que só se importava
em choupar a essência vital de outros seres para minha própria benesse.
Mas aos poucos colhi algo de mim e pude passar pelo buraco de uma fechadura.
Como primeiro passo de quem cruza a senda, os cacei com veemência e os tornei meu jantar.
Devorava-os sem pudor e esmagava seus argumentos. Nem ao menos lembrava que já havia
sido mosquito um dia.
Como sapo, passei novamente por uma brecha de outra porta e lá tornei-me cachorro.
Percebia que ocasionalmente poderia devorar um sapo, mas que esta não era minha natureza.
Eu podia ignorar os mosquitos agora e ter uma nova perspectiva de tudo o que havia ao redor.
Passei por uma portinhola de cachorro por mais uma porta e torne-me homem.
Assim, eu observava que já havia sido mosquito, sapo e até cachorro. Tentava compreender
quem eu fora e percebia até onde havia chegado.
Mas eu pensava? Por onde precisarei passar agora que sou homem?
Todas as portas anteriores eram grandes o suficiente para que eu atravessasse, mas que porta
grande o suficiente teria passagem pela fechadura para um homem adulto?
Lá eu poderia estar atrasado, poderia ser gigante, poderia perder minha cabeça ao confrontar
uma Rainha de Copas, poderia tomar chá com os loucos e fumar com as lagartas. Poderia até
mesmo receber um sorriso da Lua. Ocasionalmente, me encontraria com Lewis Carrol e lhe
perguntaria o que estava acontecendo ali.
E antes mesmo que as fábulas me dessem um sinal do caminho, percebi que poderia eu mesmo
escrever as fábulas da minha alma. E escrevê-las estaria longe de entender seus significados.
Não seja arrogante ao ponto de acreditar que compreende a si mesmo, eu mesmo me disse.
Assim, humildemente compartilho o que escrevi durante esses quarenta e nove dias. Espero que
possa servir a alguém além de mim. Como artista, entendo que (de alguma forma) isto que
escrevi é arte e arte precisa ser compartilhada, pois raramente quem a constrói a compreende
por completo.
O amor não é fogo, o amor não é mar e tampouco o amor é vendaval: o amor precisa ser terra.
Amor se constrói e construções se tornam ruína. Quem de nós pode construir castelos? Quem
de nós poderia construir um Coliseu de puro amor? Um amor que sobrevive aos milênios, um
amor que sobrevive as nações, que sobrevive ao pisar dos homens sobre o mundo.
Construir tijolo por tijolo, andar por andar: a grande obra do construtor de sentimentos. O amor
precisa de segurança, precisa de estabilidade e precisa ter quem more dentro dele. Com que
materiais você constrói o teu amor? Ele é de palha, madeira ou tijolo? Castelos de cartas caem
ao sopro da fera dos instintos, do predador noturno que come carniça, que uiva para as ilusões
da noite clamando e invocando seus iguais.
Há o construtor e há o caçador.
Como você constrói o teu amor? Há um puxadinho para dar morada há outro alguém? Quem
você traz para dentro da tua casa? Quem habita a tua construção? Há um segundo andar que
abrigue mais e mais gente? És tu quem dá lar aos refugiados do mundo todo? Ou é apenas um
balneário para esconder tudo aquilo que já deveria ter sido jogado fora?
É uma casa de subúrbio que pode ruir a qualquer momento, mas que sempre cabe mais um?
Ou é uma casa do lado rico da cidade, com seus muitos cômodos e mármore frio por toda a
parte?
Mas é casa com piscina? Cheia de sentimentos revoltos a cada mergulho que alguém dá?
Será que é uma casa nas montanhas onde o vento frio sopra? Mas é o vento que esfria o jantar
ou o frio que nos faz dormir abraçados?
Tua família mora lá? Ela é um séquito ou um lar? É um abraço apertado ou uma necessidade de
se confortar? Eles moram na varanda aonde tu só vais de vez em quando? Ou será que moram
na sala de estar?
É cônjuge, tu tens? É um casal que pertence a uma casa? Ou um conjunto de casas que tu vigias?
Tu és aquele que vigia o bairro? O que policia o amor alheio ou o que cuida para que ninguém
invada? Amor é casa, casa é vizinhança, vizinhança é bairro, bairro é cidade, cidade é país e é
assim que o amor pode abarcar o mundo todo.
Casa precisa ter lareira, água para tomar banho e brisa fresca para refrescar. Casa tem quatro
paredes e não pode ser muito engraçada: precisa ter teto e precisa ter quem more ali. Nossa
primeira casa é o ventre da mãe e a nossa última é o ventre do mundo. Só precisamos construir
uma morada para deixar de herança...
Amor é construção. Amor é casa. Quem é que chama a tua casa de lar?
Geburah shebe Chesed
Eis aqui a obra do amor: aquela que deve ser construída com disciplina e rigor.
Quem ama sem rigor ama demais. É possível amar de mais, tu me perguntas? Sim, é possível
amar demais. É possível amar tanto que o amor se torna banal, se torna uma xícara de café pela
manhã, um cigarro no piloto automático da vida. Amar demais torna o amor raso, diluído,
homeopático. Amar demais é fruto plantado em terreno alagado.
Quem ama sem rigor ama pouco. Mas amar com rigor não é amar pouco? Não, amar com rigor
é amar de forma regrada. Amor é exercício diário, é necessidade do dia a dia como comer, beber
água e se exercitar. Precisamos abastecer a máquina física para que ela não enferruje e
transforme nossos ossos em farelo, nossos músculos em geleia. Precisamos abastecer nossa
mente para que ela não se perca nas coisas torpes e tolas crendo-as como essenciais, para não
nos tornarmos nós mesmos torpes e tolos. Precisamos abastecer nossos sentimentos com
preenchimento e satisfação, com doses certas de necessidades e doses ainda mais certas de
frustrações a serem superadas. E precisamos abastecer nossas almas com amor.
Amor é combustível do ser acima do ser. Amor é combustível da vida além da vida.
Amar é a convicção que precisamos para saber quem somos, quem fomos e quem seremos.
Nós não podemos ter aquele amor que sonhamos antes de dormir.
Amanhã acorde e viva um novo dia. Tome seu café, se você toma café. Fume seu cigarro, se você
fuma cigarro. Vá para o banheiro e faça o teu ritual matinal. Se exercite, respire fundo, medite,
faça yoga, dedique-se a si mesmo. E se ame.
Se ame com o rigor necessário. Se ame com a vontade que queima e grava uma tatuagem tão
funda que atinge a nossa alma. Ame de verdade a si mesmo. Ame-se como os teus pais te amam,
como teus amigos te amam, como teu cônjuge te ama. Ame-se como D’us te ama.
E expanda isso.
Aos poucos.
Você é orvalho.
Seu amor precisa estar ali mesmo que ninguém veja como aconteceu. Como se passou.
Há beleza na bondade.
Parece óbvio, não é? Parece tão fácil perceber isso, não é? Então por que temos tanta
dificuldade em fazê-lo? Por que ser bom é tão cruelmente difícil mesmo sendo belo? Nós não
fugimos da beleza: ela nos atrai como moscas atraídas por açúcar. E mesmo assim temos
dificuldade em esticar a mão para quem precisa.
Julgamos nós! Para que não possamos ser julgados antes, pois depois seremos julgados
também! Julgais para serdes julgado, mas julgais antes! É este o lema que dita nosso
comportamento civil e é isto que torna o nosso comportamento servil.
A tu aponto meu dedo, pois julgo-te não merecedor de minha bondade! Tu foges do trabalho!
E tu foges das tuas obrigações! Tu és um péssimo pai e ela uma péssima esposa! Tu mereceste
este câncer! Tu mereceste essa separação! A culpa é toda a tua! Assuma teus problemas! Fica
tão difícil ajudar quando eu sou o único certo por aqui!
Aprenda – aprenda consigo mesmo – que é quando estamos errados, quando não fazemos ideia
de como seguir em frente, que mais precisamos de ajuda. É certamente nestes momentos que
tu mais quer ajuda e é neste momento que tu mais recusa ajudar ao próximo.
Talvez o mendigo não trabalhe porque não entende o valor que o trabalho agrega.
Talvez a criança não faça o dever porque não sabe o valor do aprendizado.
Talvez ele só não saiba ser um bom pai. Talvez ela tenha esquecido que, além de mãe, é mulher.
Talvez a doença dela seja a oportunidade que o outro precisa para aprender a curar.
Talvez a separação deles seja a oportunidade que eles precisam para aprender a suturar.
Talvez a culpa dela seja a oportunidade que ela tem para aprender a se recuperar.
Não tens tu o direito de julgar quem é merecedor do teu amor porque o amor nunca foi teu: ele
é um empréstimo feito a ti em Nome de D’us que precisa ser pago com juros! Multiplique este
amor antes de devolver para que não precise retornar ao trabalho árduo do mundo!
Você não nasceu Gandhi. Você não nasceu Luther King. Você não nasceu Mandela.
Certamente somos uma espécie resiliente, mas será que somos uma espécie tolerante?
Quantos sofrem pelo bem de poucos? Quantos sofrem pelo bem de ninguém?
Mas não são só esses os diferentes tão iguais na nossa humanidade. Tantos outros são distantes
e iguais: os extremos sempre se tocam na intolerância e na solidão. Alguns tão sozinhos cercados
por tantos outros e outros acompanhados por tantos demônios do próprio coração que só
queriam a solidão. Ambos de alma solitária que não tolera quem se é.
A tolerância começa...
Só começa...
E se começar...
A tolerância se carrega na alma. Na alma imortal que lhe foi dada no ventre.
“O amor basta a si mesmo. Quando penetra num coração, absorve todos os outros sentimentos.
A alma que ama, ama e não conhece mais nada”. [São Bernardo]
Meu avô tinha este lema. Carregava ele nos bolsos. Escrevia ele nas mesas. Apregoava ele em
canções. Transcrevia ele em atos. Levava-o junto de seu coração.
Com ele aprendi muito. Tento carregá-lo no peito. Mas é um fardo tão árduo... Levar comigo
todo este zelo. Um zelo que só ele tinha. Nunca o vi em mais ninguém. Conheço gente que ama,
mas como ele amava não tem.
Sempre muito humilde, carregando um sorriso no rosto. Teve pouco da terra, mas sempre com
muito bom gosto. Apaixonou-se por minha avó. Apaixonou-se por choro e samba. O seu violão
nunca só: tocou com todos os bambas. Toquinho, Braguinha e Pixinga. Baden, Benedito Lacerda.
Seu pai no instrumento de sopro, seus irmãos instrumentos de cordas. As horas corriam soltas,
os vizinhos abriam as portas: para ouvir canções de amor improvisadas por horas e horas.
Esse foi meu avô: quem mais me ensinou a amar. Seu amor tinha tanto amor e humildade, que
vou te falar: não sei que vida ele levou para aprender tão bem a amar, pois o que eu me esforço
pra ser, para ele era fácil levar.
Fomos nós que inventamos o amor: uma palavra para tentar expressar aquilo que não se pode
explicar com todas as outras que podemos falar.
Por isso peço, meu amigo. Venha comigo e ouça a palavra daquele velho que me caçoava e
brincava comigo na infância. Venha sem ânsia nenhuma, venha sem pressa qualquer. Venha
comigo e ouça aquilo que eu lhe disser!
Uma primeira pedra. Uma primeira tora. Um primeiro tijolo. Um primeiro passo.
Construir a vida é um processo interminável. Construir nossa sina é como domar um cavalo
indomável. Somos construções do cosmos, construções feitas de convicção verdadeira. Somos
a obra prima, a arte derradeira.
Aquilo que construímos de nós mesmos é aquilo que seremos. Aqueles Eu que apresentamos é
nossa roupa para a vida, aquele outro que destacamos é a impressão que fica. Mas existem
outros de nós, que construímos aos poucos: alguns são verdadeiros, outros são como o Louco;
que trafega na onda da vida, sem se importar se voa, que transborda de ideia infinita vivendo
num mundo que ecoa para todos os lados que pode o grito de nascimento daquele que sonha e
não dorme.
São estes pequenos inícios em que planejamos quem somos, mas por quem seremos lembrados
quando nos formos? Seremos uma obra eterna, calcada numa raiz de amor? Seremos alguma
lenda que se conta por onde for? Seremos aquele esquecido um dia após nossa morte? Ou
teremos algum motivo pra ter um embate com a Morte?
Se nossa desconstrução é constante seremos sempre um projeto que não sai do papel. Um
projeto que nunca começa, sempre retorna ao que é. É como escalar mil montanhas e nunca
sair do sopé.
Se só construímos para cima seremos uma casa improvisada. Sem pintura, sem textura, sem
janelas ou portas, sem cuidado, sem zelo, uma Torre que não se importa se cai ou se fica, se
desaba ou não, uma casa só sua para viver em solidão.
Se construímos algo antigo seremos uma ruína pré-montada. É o jovem que nasce velho, a
criança que não brinca, o amado que não ama, a vida que não atina.
Se construímos com pressa seremos uma casa cansada. Aquelas feitas pra venda, por gente
pouco esforçada. São casas que alguns compram, mas casas que ninguém quer. Se somos quem
somos e pronto(!), por que pressa para ser quem tu é?
Se subimos sem nenhuma pressa somos a casa inacabada. Parece que falta engenheiro para ver
ela terminada ou será que falta pedreiro para tirá-la do chão? Será que falta vontade? Será que
falta paixão? Antes de ser se torna ruína, um terreno baldio eterno: alguém que viveu sem nada
e achava que aquilo era certo.
Construa sua casa aos poucos, mas construa com satisfação. Aceite desmontar um cômodo que
não cabia um colchão. Aceite subir um andar quando teu fundamento for forte. Aceite se
apressar sem ter que contar com a sorte: se apresse para amar, se aprece por quem te ama, se
apresse para expressa o apreço que acende a chama. E chame para te amar, quem te constrói
por inteiro, apresse para apreçar teu amor verdadeiro.
És tu tão nobre quanto aparenta o teu cavalo? Ou não és tu que deveria estar montado?
És tão bem-vindo quanto clama o teu sorriso? Ou és tão falso quanto clama o teu fidalgo?
És tão belo e perfumado quanto aparenta? Ou tens a fama porque paga ouro aos bardos?
Foi sozinho por esta longa escadaria? Ou teve ajuda de quem não vale nada?
Será que tu aparentas a calmaria apenas porque esta não é tua jornada?
O povo clama por você! O povo quer te receber! O povo quer mais ilusão! O povo quer te pedir
perdão! O povo quer aprovação! O povo quer a tua mão que alimenta! O povo quer o teu verbo
que aliena! O povo não quer nobreza, meu caro! O povo quer pagar caro! Pagar caro pelo amor
que tu vender tão bem-vestido! Pelo sentimento que tu não sentes por ninguém! Eles querem
uma chance de serem teus reféns! De serem teus escravos! De seguirem tuas palavras malditas
tão bonitas que desfazem qualquer dia nublado!
Venha de forma que possamos lhe acolher! Venha de forma que possa nos acolher!
Nobreza não se compra e nem se herda! Nobreza custa caro! Nobreza precisa ser mantida!
Nobreza não custa ouro, mirra ou incenso! Nobreza custa o corpo, a emoção e a alma!
Nobreza tem um preço tão grande que tu não terias apreço por ela vindo assim vestido de rei!
Pois Rei não és tu! És tão diminuto no teu mundo de fantasias! Mas aqui é terra firme, meu
amigo! E tu não és um bravo navegante! Jamais chegou nas terras desconhecidas! Jamais
assinalou o teu brasão! Jamais carregou as tuas armas! Jamais sacrificou-se por um irmão!
Queime meu rosto para que eu entenda que minha face mortal não é minha face divina!
Queime meus ouvidos para que eu possa ouvir a voz da minha alma!
E queime minha língua para que ela não fira o outro mortalmente com minhas palavras!
Severo és tu, meu pai, que me faz perceber sozinho todos os erros que cometi! Misericordioso
és tu, meu pai, que me perdoa mesmo quando eu mesmo não sou capaz de me perdoar!
Teu perdão se estende por toda a minha raça – dos meus ancestrais à minha prole! Teu perdão
se estende pelas sombras dos seres! Sombras estas que sou incapaz de enfrentar!
Castigue minha soberba, castigue a minha cólera! Castigue, sobretudo, a minha implacável ira!
Despeje em mim suas pestes e suas maldições!
Mas faça-o somente enquanto eu merecer! Pois a Misericórdia me fará melhor! A Severidade
me fará melhor! Pois preciso ser melhor para confrontá-la, ó Fúria! Ó, Implacável!
Não habites meu estômago com sua obsessão! Não castigue os meus por sua soberba! Não
castigue os meus por sua cólera! Não os castigue por nada! Pois a mim cabe perdoá-los! Perdoá-
los por não atenderem as minhas próprias expectativas!
Não julgueis, pois o julgamento virá! Virá como a chama divina que queima seu rosto!
Como a chama divina que leva teus olhos! Que leva teus ouvidos! Que leva tuas narinas! Que
leva, sobretudo, a tua língua!
Quem és tu para conjugar o verbo que julga? Quem és tu para crer que tuas palavras trazem o
ajustamento? És sobre ti a constelação celeste da balança? Tens toda soberba o suficiente para
assim se afirmar?
E se isso tornar pesado o teu coração lembre-se sempre que aquele que leva os fardos mais
pesados e acalma os corações abandonados tem para si o divino de advogado!
Acorde! O despertador está tocando! Tome logo o seu café! Coma alguma coisa! Você precisa
sair! Já está atrasado! Precisa pegar o ônibus! Precisa pegar o trem! Não chegue amarrotado!
Abotoe direito a sua camisa, amarre corretamente sua gravata! Não use um salto muito alto! E
nem um sapato baixo demais! Lembre-se da maquiagem! Lembre-se de cuidar das olheiras!
Acorda! Acorda! Acorda! Acorda, agora! Acorda e vá tomar café! Que o dia já está raiando! E
um novo dia já está de pé!
Você precisa trabalhar! Precisa ganhar dinheiro! Precisa comprar tantas coisas para não se sentir
vazio! Precisa se casar logo, não quer ficar sozinho na velhice, quer? Precisa ter filhos! Alguém
para cuidar de você quando estiver gagá! Como assim não quer ficar gagá? Isso faz parte! Todo
mundo chega lá!
Tem que estudar! Tem que trabalhar! Tem que se casar! Tem que procriar!
O despertador está tocando! Acorda! Acorda! Acorda! Acorda, agora! Mais um dia já raiou!
Mas não se preocupa com isso não! Você vai aprender de qualquer forma!
Não quer comer? Não quer comprar? Não quer viver? Não quer se divertir?
Então precisa acordar agora! O despertador já está tocando! Arruma o terno, passe a saia, pegue
o trem, corra para não se atrasar! Vá trabalhar! Vá estudar! Vá cumprir seu dever de ser alguém!
Você precisa ser feliz! Você precisa se mostrar! Quem é feliz precisa ser visto! Mostre-se para o
mundo! Veja como todos são tão felizes! Tristeza não vende tão bem!
Acorde todo dia uma hora antes! Faça um pouco de exercício! Coma frutas, coma verduras! Viva
a vida que eles querem! Trabalhe antes do despertador tocar e trabalhe o dobro depois do sino!
Lembre-se de sorrir! Lembre-se de passar sua saia! Lembre-se de pôr a gravata no salto! Lembre-
se de pôr o trem no café da manhã! Sem açúcar, por favor! Açúcar faz mal para o meu sorriso!
E sorrir é preciso! Todo dia! Mesmo que esteja infeliz!
Seja quem eles querem ser! Não se dê tanta atenção! Você precisa se provar pra todo mundo!
Se não se provar, quem acreditará que você é alguém? Não se cuide se não for vender! Seja
quem eles querem ser! E eles vão ser quem você quer ser! Todo mundo precisa aparecer!
Se não tiver rigor a vida ensina a lição mais dura: existe um rigor chamado rotina que te levará
para a amargura. A não ser que você tome as rédeas da tua vida e crie a rotina do teu coração,
a não ser que você entenda que rotina precisa ser a tua e não alguma feita por comparação!
Tenha rigor consigo mesmo! Ou não será capaz de ser quem você quer ser!
Tenha rigor com a tua vida! Ou não terá a vida que quer viver!
Tenha rigo com a tua alma! Ou ela não pertencerá mais a você!
Tenha rigor, mas tenha calma! Pois nem tudo gira em torno de você!
Tirefet shebe Geburah
Deixe que o ouro de tolo se vá! Ele não te pertence, pois ele não tem amo! Ele é o ouro de tolo
e tolo é quem crê ser seu dono! Ele não é escravo de ti, pois você é o escravo dele!
Deixe que os devaneios sejam lavados pela maré! Entregue sua cama e sua calma! Entregue-se
para os ventos que carregam seus sacrilégios! Compreenda que você é ferramenta do amor
divino e ponha-se de pé no alvorecer em nome de Sua Vontade!
Veja o mundo de olhos bem abertos e encontrará quem precisa de compaixão! Distribua perdão
como quem distribui injúrias! Distribua amor como quem semeia mentiras! Veja como o amor
se propaga com laços fortes de um em um e que as injúrias se distribuem em elos fracos nas
multidões!
Marche, soldado! Marche até o alvorecer do mundo! Leve a cabo tua missão! Você é parte da
infantaria da elevação! Você é parte do exército sagrado que entrega rosas para os corações
desalentados!
Seu corpo não é uma arma assassina! O teu corpo é a ferramenta que conserta! Concerte com
tuas palavras! Conserte com tuas mãos! Concerte com tua alegria! Consortes terá como irmãos!
Se és bélico, treine primeiro com o próximo. Se fores amargurado, treine primeiro consigo.
Se és indulgente, treine primeiro com o próximo. Se fores triste, treine primeiro consigo.
Aprenda a ser severo em tua tolerância, pois a clemência é um ato nobre que está acima do que
é justo. Não é sentir a dor do próximo, mas ser suave em teu julgamento.
Ela é tão importante quanto respirar: necessária para a vida, mas precisamos dar muita atenção
para percebê-la.
Mas cuidado com as armadilhas! Tolerar uma rotina não é o mesmo que escrevê-la!
Sua primeira sabatina é um primeiro teste derradeiro: mostre tua vontade para o mundo, mas
não espere por recebê-lo, pois a severidade do mundo por ti só tem zelo e quem por ela tem
apego sofre cortes profundos que nada cicatriza e são como o próprio medo.
Tolere quem quer ver-te mudo, tolere quem não tem teu apreço.
Nada é mais severo que o fundo de um poço de desespero. Severamente ele te tranca,
severamente ele te enreda, severamente ele te pranta como uma flor sofrimento. O pranto não
tolera o mundo, pois o vê com muito medo de ver em seu próprio augúrio aquilo que ele é por
inteiro.
Tolere como tolera o mundo que não se importa com o que você faz, não se importa com quem
você ama, não se importa com o que você faz. Ele não te faz perguntas, mas ele cobra seu preço,
afinal tu não és realeza nenhuma para merecer o seu berço.
O mundo te deu uma cama. Te deu de teto o firmamento. Com as estrelas do céu te encanta,
com teu solo lhe dá alimento. Com tuas águas ele te sacia, com teu prana te faz respirar, com
tua voz ele sempre te nina e com seu solo lhe dá um lugar.
Mas ele cobra por sua tolerância! Sua severidade tem alto preço!
Pois ele cobra tua vida com sua moeda chamada tempo...
Cada folha foi um que o julgou. Cada folha é um de quem ele foi juiz.
Pese o peso das tuas palavras antes de proferir o verbo que ataca!
Decida-se se é ou não pesado o suficiente o fardo daquele que de quem tu só conheces o raso!
Decida-se se é ou não correto a sentença a ser paga por aquele cuja face tu desconheces!
Decida-se, mas decida-se rápido! Não és tu da justiça o arauto? Aquele que é imune ao
ajustamento? A própria face esplendorosa do juiz do filho do homem?
Por acaso, o que espera do outro lado? Achas que não serás julgados? Acha que o divino poder
é teu?
Ora! Mas que ousadia tens tu de crer que apenas tu não serás julgados pelo grande juiz que é
você! Quem te julgará será seu próprio ego! Tua própria alma! Ela é o derradeiro julgamento, o
juiz de tua vida!
Retorne agora a Roda de Samsara! Volte as palmas da mão do iluminado e dance celebrando
teu retorno! O pagamento é vindouro e tu irás retornar ao pó de onde viestes!
A terra que te forma é só poeira! Nasceu de supernova, viajou pelo vácuo, tornou-se queima
escaldante, moldou-se como pedra, tornou-se areia pela chuva e pela seca. Antes era pó
molhado e da severidade tomou forma.
Agora te falta formação adequada. Te fala compreensão do pequeno ponto que és.
Mas saiba tu, que não sou teu juiz. Tu mesmo o será! Apenas tu, a tua própria verdade!
Poderá mentir a tua mente, poderá mentir ao teu coração, poderá mentir para toda a gente,
mas quando fizer a passagem e estiver imerso em solidão tua alma carente de vida implorará
por perdão, mas por ela mesma não será atendida, pois foste juiz do próximo e isso te torna juiz
de si mesmo. O pêndulo volta e te deixará em posição de julgamento.
Todos a quem tu julgaste não serão mais os mesmos. Não terás mais lembranças deste ego
descontrolado. Sofrerá penitência e o fará calado!
Dizem que houve um talentoso professor que vagava pela existência. Apenas a menção de seu
nome, hoje esquecido, fazia seus alunos tremerem de emoção. A pronúncia da própria palavra
que o nomeava era capaz de ensinar algo. Sua figura, seus gestos e seu tom de voz poderiam
ensinar uma pedra a falar e um sapo a voar. Sua eloquência era lendária e parecia que tudo o
que ele dizia era um testamento da própria sabedoria dos deuses. Seu verbo era tão sutil e feroz
que permitia que um universo inteiro fosse criado em poucos segundos na mente dos alunos
mais dispersos. Mas acima de tudo isso estava o seu olhar.
Seus olhos enxergavam a alma por trás da alma, a fagulha divina dentro dos seus alunos.
Contavam que era assim que ele aprendia a ensinar: observando a essência primeva de cada um
de seus alunos e escolhendo as palavras certas para ensinar o que eles precisavam aprender.
Lhe perguntavam por que não escrevia livros ou por que não tomava um aprendiz, afinal quem
levaria adiante tão grande compromisso com o ensino? A estes, ele respondia que a arte de
ensinar era a arte de aprender e que qualquer um capaz de aprender seria capaz de ensinar.
“Mesmo um cadáver pode tomar lições suficientes para nos ensinar algo de novo”, dizia.
Pessoas de todos os lugares viajavam distâncias infinitas ver suas aulas. Voltavam maravilhadas
com o professor e tornavam-se sábios em suas terras distantes. O pouco que lhes cabia
impressionava nações inteiras. Eram tidos como sábios, profetas, poetas e conselheiros.
Fundavam templos do saber, escolas e grupos de debate. Passavam adiante as poucas
mensagens que recebiam como um céu de diamantes jamais antes visto.
Com o tempo as palavras do grande professor foram deturpadas. Cada tradução perdia fagulhas
importantes que poderiam incendiar uma mente curiosa e a cada discípulo do discípulo novas
interpretações eram feitas a partir de desígnios pessoais. Pérolas da vida, se tornava comida dos
porcos. A sabedoria daquele professor ia se perdendo.
Revoltosos, viajavam as mesmas longas distâncias em busca de um aprendiz deste homem tão
sábio que havia dado aval para os mais vis conselheiros, sacerdotes e poetas. Buscavam a origem
daquela mentira para poder desmascará-la. Iam com rumo certo para a terra do grande
professor em busca de um sucessor e tudo o que encontravam era um velho homem em uma
caverna.
Havia ali algumas hortaliças, algumas frutas. Ele vestia roupas velhas e rasgadas e comia com os
pássaros e outros pequenos animais. Bebia água do Rio próximo e contemplava as árvores do
bosque de uma em uma. Beijava o solo lamacento e agradecia silenciosamente o sol cada vez
que ele nascia e cada vez que ele se punha.
Todas as tentativas de perguntar ao homem onde estaria o sábio professor falhavam. Ele nunca
respondia com palavras, mas sorria sempre que lhe questionavam. Não havia qualquer sombra
de uma cidade antiga ou de uma escola prodigiosa. Tudo ali era aquele velho homem sujo e
maltrapilho aparentando ser mais velho que o próprio tempo. Ele sempre sorria e seus olhos
pareciam encantados pela presença daqueles homens truculentos e cheios de rancor.
Eles comeram com o velho, provaram da água do rio, contaram suas histórias e receberam seus
sorrisos. Retornaram para suas casas com a certeza de que perderam tempo, mas em cada passo
do caminho sorriam pelos dias simples e bons com aquele homem incapaz de falar. Passo após
passo, lugar após lugar algo lhes ficava cada vez mais claro. E percebendo que o professor era
um velho mudo perceberam que tem vezes que o silêncio transborda palavras.
Malkuth shebe Geburah
Chame o seu filho no canto para lhe dar uma lição. Não o faça na frente de todos.
Chame seu aluno no final da aula em tranquilidade. Não o humilhe na frente da turma.
Ensine o que você sabe e explique que há mais além disso. Mostre que está aberto ao
aprendizado.
No reino, sempre deve haver Nobreza. Seu papel é o sacrifício protetor àqueles que não podem
se proteger. Seu papel é o do ensino àqueles que não podem aprender. Seu papel é levar o amor
àqueles que podem receber. Seu papel é disciplinar amorosamente àqueles que precisam
conviver.
Severo és tu, meu mestre e amo! Severo é a separação das coisas para que elas possam existir!
Sua espada corta e abre caminho dentro da mata, seu fogo aquece e ilumina a escuridão da
tempestade, sua fala cultiva bons frutos e suas mãos fundam cidades! És o Senhor da Guerra
que permite a impermanência! És o criador de toda a forma de ciência! És aquele que ciente se
mantém em sua essência!
Todo o dia realiza a tua rotina! Caminha a passos certos e demonstra exemplos claros! Mostra
ao teu filho tua face para que ele não a esqueça. Para os que esquecem tuas lições você cobra
o preço exato de sua indisciplina. Cobra de dentro para fora: primeiro traz a culpa e depois traz
o castigo. Traz na ordem de tua própria manifestação.
Ó, filho nascido entre o Guerreiro e a Princesa! Mostra-nos o caminho dos fortes em alma e
coração! Mostra que a compaixão não é permissividade, mostra-nos que o amor não é
indolência, mostra que o caminho é sempre árduo, pois o cultivo da terra não se faz sozinho!
Chama o seu filho no canto para que ele não sinta medo de lhe dizer a verdade! Corrija seu
comportamento para que compreenda que o mundo nada lhe deve e ensine-o através da tua
experiência dolorosa para que ele seja capaz de cometer erros, mas erros novos! Que ele erre e
se machuque! E que isso cause cicatrizes! Mas que estes erros sejam novos e bons! Que sejam
erros com novas lições e não repetições uma falha imutável!
Chame seu aluno no final da aula para lhe apontar suas mentiras! Diga a ele que ele está ali para
aprender e não para demonstrar suas virtudes e se gaba, mas o faça em particular para que ele
não lhe forçar uma rixa e lhe atestar como mau professor. Mostre que seu carinho é individual,
mas que seu ensinamento é coletivo. Lhe ensine a pesquisar e trazer novas possibilidades ao
invés de tornar-se egocêntrico apenas por ter aprendido velozmente a tua conclusão sem
conhecer o teu caminho.
Ensine suas lições com calma e de forma pausada para que aprendam com os teus erros e tuas
falhas. Ensine de muitas formas para que não lhes faltem exemplos para aprender. Disciplina é
errar com o frescor de uma manhã de primavera. Indisciplina é beber água do mar a cada onda
que bate na praia.
Por fim, nos ensine de forma coesa. Seja franco consigo mesmo e nos demonstre que não és a
verdade e que o seu caminho é apenas uma ramificação só sua. Existem muitas moradas para
se buscar e cada porta leva a um novo Reino. Nos ensine a buscar nossa nobreza, mas não nos
deixe submissos a tua própria. Reis criam príncipes. Tiranos criam lacaios.
Chesed shebe Tiferet
Fique de pé com ele e lhe ajude a dar alguns passos. Você conheceu o mundo dele e agora deve
pedir para que ele veja um pouco do seu. Lembre-se que a decisão cabe a ele. Você apenas quer
mostrar algo novo.
Saiba que o teu caminho não é o único e muito menos o melhor. Ele é teu e apenas teu. Mas
para aqueles que estão perdidos uma carona pode lhes levar ao início da estrada. Cada um tem
sua própria trilha até a Cidade das Esmeraldas, cada um tem seu próprio tempo de travessia.
Lembre-se que a lanterna ilumina pouco, mas é melhor que tatear nas trevas.
Seu caminho para a Cidade das Esmeraldas passa pela coragem, pelo cérebro e pelo coração.
Ninguém caminha sozinho. Ninguém caminha sozinho. Ninguém caminha sozinho.
Sua lanterna pode iluminar a noite, mas é o Sol que ilumina o mundo.
Geburah shebe Tiferet
Veja como ele ilumina e cega! Como aquece e castiga com seu calor! Veja como ele é rígido com
seu amor! Todo dia ele faz questão de nascer nos céus e nos dar suas bençãos e suas maldições!
É Hélios que atravessa com a luz a cidade de Delfos e permite que se vislumbre o pôr-do-sol!
Disciplina que castiga, compaixão que arde, a chama da vela assassina, a fogueira que queima
as vaidades, a juba vista acima, o nascer que gera abaixo, a violência da força divina e o calor do
deserto a tarde.
Caia dos céus e toque o chão! Mostre-se mais pesado que o ar! Queime toda minha ilusão e faça
meu corpo voar, ó mente que atinge a união e faz o corpo suar!
Vós que provardes o fruto, tem misericórdia de nós! Pois meu amor é resoluto: é a compaixão
que devora atroz! É selvagem e seu mistério profundo é a força que me fazer ter, é selvagem e
se espalha no mundo, pois a selva do mundo é manter este sentimento profundo de me ver tão
humano quanto vejo você.
Que me deem compaixão por inteiro! Que me deem a coroa de louros! Aquela que merecerei
por inteiro quando amar-me como amo aos tolos!
Tiferet shebe Tiferet
Somos uma comunidade de sentimentos que se crê ser um único indivíduo, mas como
poderíamos acreditar num universo tão coletivo?
Chamamos nós mesmos por nomes que nos dão propriedade, mas fingimos que estes nomes
nos darão prioridade.
Chamamos por ordem alfabética, por ordem de idade e ordem de escolha. Usamos nossos
nomes como armas para separar-nos em tribos e bolhas.
Inventamos a incoerência com cada novo pecado que nos vimos criar.
Somos uma comunidade de sentimentos que se crê ser um único indivíduo, mas como
poderíamos acreditar num universo tão coletivo?
Perdoamos e nos doamos. Nos perdemos e voamos. Nos permitimos e nos envolvemos. Nos
pacificamos e nos contemos. Nos protelamos e partimos. Nos pranteamos e sorrimos.
Vem tomá um café com nós! Vem comé uns bolinho de mîo!
Vem que aqui sua vó é sua voz e é ela quem te mostra os caminhos!
Tenha noção que o seu caminho é vitorioso! Mas só se a vitória você conquistar!
E para o amor que te deixa prosa, ponha-se tudo em tua forma exterior!
Pegue seu cavalo e cavalgue rumo o fim do mundo e pule no abismo sem fim do teu caminho;
Saiba que as terras do centro são a desforra daqueles que viajam sozinhos;
E cada letra e cada forma se transforma e beija a anima que queres te animar;
Tome tudo no mundo como poema, e tudo no teu mundo poema formará!
Acenda chama da vela em minha mesa! Vamos orar na língua sagrada da tradição!
E, de toda forma, sempre tenha pressa! Pois não se espera viver num mundo sem compaixão!
Mas lembre que toda gente um dia espera sofrer algum martírio! Um martírio do qual valha se
valer!
Pois sagrado é o ofício tão difícil que sacrifício é o nome que deve ter;
Para quem crê que toda forma de martírio precisa tornar-se uma pérola do saber.
Corra em direção a quem tem, corra para que todos lhe vejam fazer!
Pois quem faz e mostra ao mundo dá exemplo, mas somente quando isso se planejou!
Pois quem se acha de bondade o exemplo, que tu saibas desde já que já falhou.
Ter fé num mundo cujo salvamento existe de verdade. Um mundo de esperança e de razão.
Um mundo em que a cabra sobe a montanha, mas que no topo não enfrenta solidão.
E que a língua que fala esteja alerta! Pois a virtude do inimigo é o orgulho!
E que a língua que fala fique quieta! Pois virtude sem silêncio é só barulho...
Por que emprestar teu brilho a um astro que não pode brilhar?
Ó, Sol! Por que te gastas pouco a pouco por um brilho tão claro?
É o ego do Sol que ilumina o dia? É a vaidade da Lua a luz que irradia?
Ainda que possível que outro calce os meus sapatos, certamente é impossível que ele vista os
meus pés.
Saiba que o bem-aventurado não é quem doa ao pedinte! Pois este lhe garante pouco tempo de
conforto! É rápido o tempo que se esvai a comida! É fugaz o tempo que inebria o licor! É curta
a vida da moeda adquirida! É curto o espaço em que ele vive sem dor!
Tampouco és bem-aventurado tu que lhe dá a ferramenta! Pois não saberás ele usá-la com
maestria! É rápido o tempo em que ele lhe põe à venda! É fugaz o tempo que ela dura em suas
mãos! É curta a vida da Coroa na mão do faminto! É curto o espaço em que ele vive sem dor!
Também não terás sucesso lhe ensinando a lição verdadeira! Pois ele nada aprenderá em estado
de fome e sede! É rápido o tempo em que sua memória lhe engana! É fugaz o tempo que seu
raciocínio subsiste! É curta a vida de sua coerência! É curto o espaço em que ele vive sem dor!
Abrace seu sentimento de dor e leve-o consigo para sua morada! Mostre que conhece de seu
mundo conturbado! Mostre que tua nobreza não é vaga! Mostre a ele que a dignidade não é
um fardo! Ensine-o a ser como tu que vês de pé! Ensine-o que poderás viver num mundo novo!
Alimente-o para que sacie sua fome! Alimente-o para que sacie seu coração!
Contudo, entenda que o teu lugar não é o dele! E que o sucesso da empreitada não é tua
obrigação! Cada ato compassivo é um ato de batalha. E toda batalha é um ato de solidão.
Comungue com si mesmo em sua grande mesa posta e veja que neste Reino tu és Rei, tu és
Rainha. Comungue consigo mesmo em sua grande mesa inóspita e veja que este Reino é um
reduto de solidão.
Seu forte tem a beleza das conquistas em que tu imperas. É imperativo que use o Don interno
de sua obsessão! Obedeces a ti mesmo, ao verdadeiro manifesto. Entenda que ser si mesmo é
uma única obrigação.
Construa passo a passo o teu reino e aprenda que seus sapatos só te levam a certas distâncias.
Metade do caminho com botas, na outra metade elas se vão. Tudo que se constrói para ser gasto
se esgota, mas teus pés tão castigados, tão doloridos, lhe guiarão.
Todo castigo nos melhora com o tempo, toda dor se transforma em lição. Todo o tempo que
passamos aprendendo será tempo que teremos visto os erros que virão. Saiba que toda
construção é sentimento intenso e que toda falsidade é uma lição desaprendida. Saiba que um
reino se constrói no firmamento para que toda recompensa lhe seja merecida.
Ainda que possível que outro calce os meus sapatos, certamente é impossível que ele vista os
meus pés. Ainda que possível que outro trilhe o meu asfalto, o meu aprendizado foi desbravar
a minha trilha. O pagamento do meu trabalho será sempre o meu Reino. A herança da minha
vida será sempre a minha trilha.
Chesed shebe Netzach
Seja ar, seja vento. Seja sopro, seja prana. Seja necessidade, seja necessário.
Mostre que sem você não há nada, mas mostre que você sempre estará ali. O ar não se julga
importante demais, o ar não faz mesquinharia. Ele apenas se expande por onde pode entrar,
sopra por onde pode soprar.
Mostre que você não muda quem você é para provar nada.
Seja fogo, seja chama. Seja calor, seja queima. Seja necessidade, seja necessário.
Mostre que é você quem queima o que precisa queimar, mas mostre que você só queima o que
é necessário. O fogo não se julga importante demais, o fogo não destrói porque sente raiva. Ele
apenas se alimenta em troca de calor, queima e ilumina.
Mostre que você não destrói quem você é para provar nada.
Seja água, seja mar. Seja rio, seja chuva. Seja necessidade, seja necessário.
Mostre que você refresca e esgota a sede, mas mostre que você não pode ser restrito em uma
única forma. A água não se julga importante demais, a água não é mutável porque mente sobre
si mesma. Ela apenas mostra que é múltipla, é neve e é chuva.
Mostre que você não flui através de quem você é para provar nada.
Seja terra, seja solo. Seja montanha, seja abismo. Seja necessidade, seja necessário.
Mostre que você é a rigidez e a dureza, mas mostre que você é a fertilidade que alimenta. A
terra não se julga importante demais, a terra não faz mesquinharia. Ela apenas existe onde pode
existir, nutre onde pode nutrir.
Mostre que você não se consolida quem você é para provar nada.
Não se desvie do seu caminho por nada, mas não tome qualquer atitude para não se desviar.
Seu caminho não é um traçado reto que atropela quem vem de frente, mas não é tão sinuoso
que seja impossível de se chegar.
Seja ar que nunca muda. Seja fogo que se queima. Seja água que sempre flui. Seja terra que se
consolida.
Seja necessário para respirar. Seja necessário para se aquecer. Seja necessário para saciar. Seja
necessário para sobreviver.
Seja quem você gostaria de encontrar no caminho. Seja o mestre com quem tu queres aprender.
Seja a estrada que tu trilhas sozinho. Seja os encontros que queres viver.
Severa como somente ela é, ela lhe exige uma tolerância impensável. Imagine-se tolerar o
intolerável sabendo que o intolerável para si é a medida correta de tudo aquilo que pode lhe
danificar. Imagine tolerar o teu próprio intolerável! Feito na medida certa para lhe desabar!
Imagine a jovem moça que perde o marido de forma trágica. O que lhe resta para não lembrar?
Será alguém capaz de encontrar algo que não lhe traga uma memória terrível? Quão tolerante
ela precisa ser consigo mesma para não se culpar mesmo não tendo culpa? Há algo que não a
faça lembrar?
E a mãe que perde um filho? Que música, cor ou sabor não lhe fará lembrar? Que dança,
tempero ou amor que a fará se esquecer? Será que existe algo em todo o cosmos capaz de lhe
atenuar a dor? Será que ela precisa tolerar aquilo que lhe é intolerável?
Nos preocupamos com datas especiais, mas são os dias comuns que causam a verdadeira dor.
Tolerar o dia a dia é tolerar a falta, é tolerar a própria perda.
Não lhe dei tudo o que tinha e muito mais? Não tolero tua força avassaladora no meu pesar?
Um sábio tem a disciplina de uma mãe que amamenta! Um sábio tem a tolerância de quem
convive com a miséria da memória! Um sábio precisa ter disciplina em sua tolerância para que
não tolere na medida inexata!
Tolerar demais lhe desgastará até que se torne pálido e sem vida! Não tolerar o suficiente lhe
tornará um incêndio catastrófico!
Não sabe que teu rigor é uma bela melodia? Não sabes que é tu quem traz minhas vitórias?
Seja a constante de minha equação e deixe que apenas os outros elementos se alternem!
Para que eu seja a mãe que amamenta e não a criança que perde o pai!
Não inventamos o tempo ou o espaço. Não temos gravidade para manter nossos próprios
sistemas. Não iluminamos a vida e tampouco geramos calor. Nossa morte não permite a criação
dos corpos celestes e tampouco nos tornamos os centros gravitacionais de galáxias.
Ciclos são para os astros. Nosso caminho deve ser uma reta.
Se um dia se encontrar em ciclos infinitos, pare. Você está longe da perfeição e por isso tem a
obrigação de não se repetir. Erre vorazmente, mas erre novo.
Não desfaça suas pegadas, faça novas. Não apague o teu passado, escreva um novo presente.
Não destaque as tuas pegadas, pois elas são a poeira que tu deixaste para trás.
Não se vanglorie do teu passado, pois ele é o que tu foi e não o que tu é.
Sua nau de mármore não pode alcançar os planos celestes. Ela é pesada demais. Ela é humana
demais. Ela é você demais. Não seja você o tempo todo. Erre vorazmente, mas erre novo.
Seja o outro e se compadeça por si mesmo. Seja você mesmo para se compadecer pelo outro
que tu já foi. Tolere a si mesmo para tolerar o outro. Tolere-se como o outro, tolere o outro com
compaixão.
Desamarre essa corda que lhe faz andar em círculos e perceba que é andando que a criança
tropeça. É chorando que a criança se faz ouvir. É calando-se que a criança cresce. É errando que
a criança aprende.
Não se consolide na sua nau de mármore. Ela não pode alcançar os planos terrestres. Ela foi
feita para navegar nos céus, mas ela é pesada demais. Ela foi feita para afundar no mar, pois ela
é humana demais. Ela é você demais. Não seja ninguém o tempo todo. Erre vorazmente, erre
de novo.
Aprenda o novo e veja que ele será o teu erro fixo de amanhã.
Confie que o seu caminho é um presságio perpétuo. Tudo o que deve ser será, tudo o que não
deve ser já não é. Agouro é deixar o mundo passar vendo que tem tanto e tão pouco cá.
Saiba que é preciso confiar para que possa a jornada manter, passo a passo é preciso andar, vida
após vida é preciso aprender. Nada é mais democrático que a decisão de um homem só em
sabotar o seu destino, nada é mais cruel e tirânico que um homem que desconhece o seu
caminho.
Ele anda tanto e tão pouco para cá que parece que só viu o mundo todo.
Ele anda pouco e tampouco por aqui que tudo sobre ele é um sufoco.
Saiba que é preciso acreditar para que possa a jornada manter, passo a passo é preciso se mover,
vida a vida é preciso conhecer. Pois nada é mais democrático que escolher o seu caminho! Nada
é mais belo e verdadeiro que encontrar a sua trilha. O homem que conhece o seu caminho anda
e anda.
Saiba que é preciso que D’us lhe dê uma jornada para que se possa manter, passo a passo é
preciso nascer, vida a vida é preciso oferecer. Pois nada é mais absoluto que o absoluto! Este é
tudo e este é nada, este é água e este é respiração.
Ele anda nada e tão pouco aqui que ele faz-te sentir completo.
Tem pouco e tão pouco aqui que parece que comecei a andar de novo...
Seja a árvore mais alta da floresta e depois seja lenha na fogueira dos aldeões!
Seja o galho partido, o filho não nascido! Seja o eterno grito do Verbo!
Entenda que toda música não é nada mais que uma equação!
Saibas que és igual a qualquer outro homem que já caminhou na terra e, ainda assim, és
diferente de todos eles. O que nos torna iguais e nos permite ser diferentes é a liberdade de
nossas almas para trilhar o caminho sob nossas peles.
Comprometa-se consigo mesmo antes de se comprometer com o outro. Quem não tem
compromisso consigo não estará preparado para assumir nada mais.
Entenda que é você quem pensa por você e você mesmo deve tomar suas decisões.
Não espere por um messias, não espere por um ídolo dourado. Não acredite no que eles dizem
sobre você! Não acredite no que você repete sobre eles! Pense nas sementes que você gerou
porque quis, mas não cultive as sementes do estupro que sofreu.
Tolere-se o bastante para entender o que é ser tolerado. Veja o quanto de você dói na sua
própria alma. Entenda que a tua dor dói mais em você que em qualquer outra cor do céu.
Todo homem e toda mulher é um vazio e um cosmos infinito ao mesmo tempo. Todo homem e
toda mulher é um universo em eterna construção. Todo homem e toda a mulher é o brilho de
mil supernovas na fronteira última e invisível da expansão universal. Todo homem e toda mulher
é uma Estrela.
Não se vincule aos falsos profetas e, desta forma, não se vincule a profeta algum.
Profetize você mesmo o destino dos teus pés e observe você mesmo as pegadas que deixou.
Esses são os pés das tuas cores. Este é o brilho fátuo da tua escravidão acorrentada. Este é o
brilho eterno de tua alforria. Seja a Estrela de tua própria libertação.
Comprometa-se, sobretudo, com teu próprio ser, mas não se comprometa com os devaneios de
si mesmo. Entenda onde tu és livre e entenda onde tu irás servir.
Prometa a si mesmo que nunca mais se abandonará. Compre um anel de ouro branco com
safiras e peça a si mesmo em casamento!
Eis o meu pequeno súdito dispendioso! Aquele que traz a mim todas as reclamações possíveis
de suas dores! Eis o queixoso eterno! Aquele que por uma simples pedra em seu caminho quer
tocar fogo em meu reino! Ó, pequeno Nero! Como se queixas!
Nenhuma delas é motivo para desgastar todas as horas do meu Sol e todas as horas do meu
luar! Nenhuma de suas pedras poderá tapar o brilho da minha Estrela da Manhã! Quem és tu
para crer que pode impedir o Amanhecer?
Volte ao lago de onde saíste! Torço para que os cães e lobos não lhe trucidem no caminho!
Como ousas vir a mim, o Rei deste Trono, e pedir para que meu reino arda em chamas de
danação? Como ousas tolerar tão pouco apenas por teus próprios caprichos? Quem és tu para
crer que poderás abalar a minha Rainha?
O amor suplantará a tudo que meu pequeno súdito é em mim mesmo, pois é na tolerância que
enxergo meus dias sem qualquer nuvem de dissabor!
Esta é minha Cidade das Esmeraldas! É o mundo que sempre quis cultivar!
Aqui, nas minhas ruas, vivem aqueles que são dados a vida e padecem aqueles que são dados
as reclamações. Nenhum reino nasce em um dia, mas certamente um único desses é suficiente
para que ele padeça. E meu reino não padecerás enquanto meu olhar for firme e minha cabeça
estiver erguida.
Trago a nobreza dos Reis de outrora! Trago a nobreza de quem já foi Pajem, que já foi Cavalariço,
que já foi Soldado e que já foi Mendigo. Nada havia aqui antes da minha conquista! Pois este
Reino é meu para abrigar os muitos de mim que precisam de um lar!
E não pode um único dos meus ser o responsável por desmoronar o meu castelo! Não importa
o quanto ele berre e esperneie! Seu ruído é música em meio aos meus tambores e trompetes!
Seu choro é música em meio aos meus violinos e minhas harpas!
Minhas sementes crescem até os céus para entregar frescor aos meus Eus que aqui habitam!
Não haverá odes ao precipitado! Não haverá qualquer vanglória por uma única voz que quer pôr
tudo abaixo!
Tolerância a si mesmo é o primeiro passo deste caminho e é a primeira pedra que pavimentei!
Dê uma forma a sua misericórdia para que ela caiba em teu coração!
Forme-a com cuidado para que não fique quebradiça. Tenha certeza de que pôs água o
suficiente. Não a deixe rala. Não a deixe aguada. Tenha certeza de que está bem equilibrada.
Glória! Glória!
Que o Profeta seja humilde! Que ele leve o povo à Terra Prometida!
Que a primeira Lei seja: Tudo que é, é. E o é por crer que é. Nada há no Cosmos além de
convicção.
Que a segunda Lei seja: É sobre o que se sonha todas as noites e é sobre o que sonhar.
Que a terceira Lei seja: Devamos nós sentir a beleza não com os sentidos, mas com o sentir.
Que a quinta Lei seja: Toda roda tem seu rumo; todo êxtase tem um motivo; todo simples tem
seu contrário; todo deus tem um finito; e todo Sol se eclipsará.
Que a sexta Lei seja: Tem horas que o silêncio transbordará palavras.
E que ele busque o hierofante que lhe profetizará a dor de não saber as leis!
Que lhe digam para dar uma forma à sua misericórdia para que ela caiba em seu coração.
... de todos os momentos ore e veja nesta obra, que busco a fagulha de uma forma em olhos teus
– de todos os momentos ore e veja nesta obra, que encontra uma fagulha e fomenta os olhos
meus.
Tiferet shebe Hod
Para nós, que vivemos na matéria, a forma é a tração, o magneto que nos permite optar e
decidir: é a forma que nos dá o livre arbítrio, pois sem ela não poderíamos interpretar nem
mesmo nossos instintos – e jamais os nossos desejos.
A forma da fruta contém sua cor, cheiro e sabor. Contém sua textura, sua temperatura, seu peso
e seu volume. Sem a forma, a fruta é o eco do divino inaudível. Sem a forma, não somos capazes
de manifestar desejo por ela ou apreciar todos os detalhes de sua criação. É somente através da
forma que nossa Vontade se manifesta no Reino.
Que tudo o que for verdadeiro venha a nós! Que tudo o que nos permeia nos habite e que tudo
o que possa nos dobrar nos flexione! Que sejamos fontes de beleza e aprendizado para nós
mesmos e um estudo ao próximo que nos observa! Que ele aprenda conosco o que for dele e
que nós aprendamos conosco o que for nosso! Que as relações entre Estrelas seja sempre a de
orbitarem-se e nunca a colisão!
Tenha atenção no que é teu para que o que é teu seja objeto da tua atenção!
Todos os caminhos nos levam a nós mesmo porque todos os caminhos nos levam de volta a
D’us. Mas lembre-se que alguns levam tempo demais até para os corpos celestes, enquanto
outros só vão te fazer dar voltas e mais voltas em perdição. O caminho é sempre em direção ao
centro.
Se com meus olhos posso ver, posso ver também a grandeza da compaixão?
Se a ti teus olhos lhe cegam, não há beleza que possa lhe salvar.
Como é bom deixar tudo para trás! Como é bom começar uma nova jornada!
Acene para os outros viajantes. Jante com eles, se puder. Ofereça o calor da tua fogueira.
Ofereça sempre o melhor que dispuser.
Oferte-se sempre por inteiro e deixe que levem cada pedacinho teu. É melhor desfazer-se ligeiro
que construir-se numa terra que já morreu.
Que se fixa dá motivos à mesmice, quem viaja conhece o mundo das virtudes.
Mas não se espante com o que lhe digo, pois para muitos parece humilhação. Tu achas que todo
viajante é um mendigo? Um pedinte, um errante ou um ladrão?
Então por que invejas quem conhece o mundo? Por que sentes ciúme de quem já partiu teu
coração? Acha que quem corre distante não tem rumo só por que não se acorrentou a um só
chão?
Quem sai de casa conhece línguas diferentes, vê culturas e viaja de balão. Quem não se prende
vive alívio permanente e encontra em toda parte a compaixão. Sair de casa é uma busca para os
fortes que sabem que nunca saberão demais. Sair de casa é a única Sorte para quem aprende a
cada dia um pouco mais.
Cada castelo que tu constróis seria um limbo se tua intenção não fosse o abandonar.
Viva uma aventura verdadeira e busque cada parte que falta em ti. Quando voltares para casa
não serás o mesmo: será uma nova e melhor versão de si.
Encontre o seu Mago no fim do caminho e saiba que as Torres vão ruir, pois é no confronto com
o martírio que todo aprende que é bom evoluir.
Alegre-se!
É o dia do refinamento!
Hoje nossos corações estão mais leves e podem atravessar o teste de Ma’at! Hoje os deuses
retornam seu olhar gentil sobre nós! Pois hoje nós percebemos que somos apenas pó!
Dance com elas! Cante com elas! Você é mais rápido que elas visto daqui!
E em algum ponto do caminho vocês estão na mesma sintonia! Com os mesmos movimentos!
Com as mesmas melodias!
Não tenha mais medo de ser quem você é! Seja o pó de supernovas que você nasceu para ser!
Seja a poeira de estrela que mais rodopia no ar! Mostre que não importa quão pequeno você
seja frente toda a criação do cosmos! Porque você pode dançar! Você pode cantar!
Tudo se inicia na nossa mente e por isso ela é reflexo do Todo. Toda a nossa percepção existe a
partir da forma, a partir da ideia: são os inícios de tudo que podemos perceber. Entenda que a
mente é um limite, uma fronteira, mas ela também é a sua lente para perceber a existência –
sem ela tu és como um cego a tentar ver as cores.
Conhecer os teus limites é o primeiro passo para enxergar. Sem seus óculos o Mago não enxerga
tão bem, pois sua idade avançada lhe trouxe degradações. Mas sua mente aguçada ainda lhe
permite ver o que os olhos não podem enxergar e escutar o que seus ouvidos não podem mais
ouvir!
Ele entende suas limitações e compreende quem verdadeiramente é! Mesmo sem compreender
suas limitações e sem entender quem verdadeiramente é!
Ele nunca está sozinho, pois o universo é uno com ele. Tudo o que ele pode perceber é
polaridade e, assim como todo homem tem dois olhos para ver, dois ouvidos para ouvir e duas
narinas para cheirar, ele só precisa disso para compreender a existência.
Fé a virtude do ato.
Humildade é a virtude do próprio D’us que buscou entender, saber e compreender todas as
experiências que lhe faltavam.
Conheça bem os limiares da tua jornada. Existem limites para as cercas que compõe o nosso
Reino e é de natureza nobre saber quais rios e florestas não lhe pertencem.
Um bom Rei não é aquele que expande, mas aquele que sabe para onde deve expandir. Conhece
as terras que precisa conquistar e enxerga as terras que nunca devem lhe pertencer.
A ganância abraçará com volúpia as terras que se rebelarão contra você. Não seja como os
romanos. Não seja como o Magno. Não seja um Khan. Suas metas eram as conquistas, mas por
quanto tempo seus impérios puderam se manter?
O império dos homens teme o tempo das pirâmides e as pinturas nas cavernas. A besta que nos
domina as vísceras existe desde antes do primeiro conquistador. Quem é o verdadeiro
Imperador? És tu, um simples mortal de osso e carne, ou as formas que se mantiveram no reino
da eternidade?
Um homem não pode ser o Imperador, pois somente o Imperador pode ser a si mesmo.
Atenda ao desejo de tua dignidade e compreenda o que é verdadeiramente teu. Não tente
abraçar a eternidade, pois tu não és um deus de mil braços. És no máximo um hecatônquiro
desmembrado com noventa e oito braços fantasmas.
Tens apenas uma cabeça! Teu trabalho para mantê-la no lugar é ínfimo aqui!
Pavimente cada estrada do teu reino por igual até perceber que uma delas precisa ser uma
rodovia.
O destino não é uma infinidade de bifurcações: é apenas uma única rua com muitas estalagens
no caminho. Instale cada parte de si no seu devido lugar e não se estale além do necessário. Não
se bifurque, não se fissure.
Comprar um mapa é humildade até uma certa trilha da jornada. Dali pra frente ele não te
ajudará mais em nada. Teu caminho é o teu e nenhum mapa já feito te levará ao teu lugar.
Erga sua cabeça com nobreza, pois ela lhe será muito necessária.
Que tu te comprometas a ser, a amar, ao dever, ao criar, ao sentir, ao sorrir, a ter e estar.
Se comprometa com o Verbo, pois não há palavra que não demande compromisso. O poder de
ser é o poder de estar que é o poder de ter sobre o poder de amar para que haja o poder de
criar e o poder de sentir o sorrir: e que tudo isso seja teu dever.
Seja a bondade que conquista o mundo e conquiste a bondade que o mundo lhe dá!
Aceite cada pacto que realizou e cada acordo que fizer, pois o mundo te lembrará
constantemente quem és tu que aceita as promessas feitas através da palavra.
O Rei Bondoso pode se tornar o Rei Justo e o Rei Justo pode se tornar o Rei Severo.
O compromisso da verdadeira bondade não foi feito por você, mas feito a você.
Tenha palavra para com ele e tenha palavra para com sua criação.
Saiba que tu nunca alcançarás a justiça, mas foi te dada a benção de alcançar a misericórdia!
Mas poderá ser tão bondoso que terá uma falange de sua luz!
Aceite o teu acordo com a vida e encontre tua verdade e tua missão.
O primeiro passo que deves dar é o sonho e o último encontro que deves ter é com o Rei
Bondoso.
Que o seu compromisso seja realizado por amor, pois só assim lhe será assegurada disciplina e
necessidade.
Comprometa-se como um Rei aos seus Súditos. Comprometa-se como uma Mãe a um filho e um
Pai com o sustento. Seja vigor e poder dentro dos teus contratos.
Somente assine após ler as letras miúdas. Se não puder lê-las faça favores, mas não assuma
compromissos. Seja pontual e prestativo, mas não crie um vínculo de obrigação com quem não
pode se obrigar a devolver algo ao mundo.
Seja como o ar que se compromete com o pulmão e a água que se compromete com a chuva.
Seja como a terra que se compromete como a montanha e como o fogo que se compromete
com o Sol. Seja severidade, seja compromissado.
Todo fundamento se inicia com o compromisso da tua essência em iluminar o caminho distante.
É o pacto de sangue.
É o pacto de alma.
Mas não construa castelos de areia sob o sol, pois o vento e o mar o levarão.
Aceite que o espaço e o tempo são partes do contrato e que todo contrato tem um lugar e uma
duração.
Lembre-se do que é o contrato do cosmos: “Tudo que é, é. E o é por crer que é. Nada há no
Cosmos além de convicção”.
Saboreie o seu almoço, mas sinta o suor do trabalhador que o cultivou. Sinta seu esforço e se
compadeça por seu desgaste. Saboreie cada gota de suor derramada e cada momento de vida
que lhe foi entregue ali.
Sente-se no conforto do teu lar, mas sinta o suor do trabalhador que o construiu. Sinta seu
esforço e se compadeça por seu desgaste. Se conforte em cada gota de suor derramada e cada
momento de vida que lhe foi entregue ali.
Sinta isso em cada um dos teus pertences. Sinta isso em cada serviço que lhe é prestado. Sinta
isso a todo momento e agradeça o trabalho que foi feito a você. Mas não realize nenhum desses
trabalhos.
Se a lavoura não é tua, não se aproxime e nem trabalhe nela. Apenas faça o teu trabalho para o
recebedor que o recolherá de você. Faça o que é teu por dever e faça o que é teu por missão,
mas não retifique o que não lhe pertence, pois esta retificação não é tua.
Vestir a pele do outro não é tornar-se o outro. Sentir o que o outro sente não é tornar-se o
outro. Vista a sua pele, mas por cima da tua essência. Sinta o que você deve sentir no lugar do
outro e não tente sentir o que o outro sente em seu próprio lugar.
Sinta as chagas do teu amigo, sinta a tua dor. Você sentirá a tua dor em seu lugar e saberá como
ela é. Mas não julgue a dor do outro com a tua resistência! Não julgue o que o outro sente com
a tua experiência.
A dor que o outro sente com prazer poderá lhe matar e a dor que você não sente poderá ser o
fim de outro alguém. Cada um possui sua própria forma de sentir dor e prazer e não cabe a ti
compreender como ela é se não para ti mesmo.
Entenda que estar em teu lugar é estar presente para o próximo. Entenda que o teu lugar é onde
você deve servir e que fora dele você deve receber. Entenda que não há só um lugar de servir e
entenda que não há só um lugar de receber.
Seja o compromisso das alianças que aceitou. Seja o compromisso das alianças que ofereceu.
Acredite na primeira e na última aliança da vida, pois elas foram entregues por Aquele que não
descumpre suas promessas.
Existem mandamentos forjados para o teu coração e existem mandamentos formados para que
o teu coração se agrade. Os que ordenam o teu caminho ofertam ao próximo e os que ordenam
os caminhos dos outros existem para lhe saciar a sede e a fome.
E quando lhe pertence o plantio não lhe pertence a colheita, pois há outros a se alimentar dela.
E que assim o outro plante suas próprias sementes e lhe dê o destino devido.
Olha, mãe!
Veja o malabarista em cima da corda! Veja como seus pinos não caem! Veja como ele se
movimenta perfeitamente! Veja! Veja! Veja!
Olha como ele faz com a espada flamejante! Olha como ele corre no monociclo! Veja como ele
doma o leão com seu chicote! Veja como ele faz tudo isso mesmo estando tão velho! Veja como
ele escapa do arremessador de facas! Veja como ele se equilibra perfeitamente!
E agora vem os palhaços! E suas brincadeiras são tão divertidas! Eles jogam flores que se
transformam e fazem sorrisos brotarem na plateia! Que alegria que eles me trazem! Que alegria
que eles trazem para todos nós! Veja! Veja! Veja, mãe!
Veja como chegou o domador do circo! E agora? Será que vem o mágico com sua cartola e seus
coelhos? Quando será a vez das dançarinas entrarem no picadeiro? Quando será que verei o
homem forte e a mulher que se dobra em pequenas partes?
O malabarista agora vem acompanhado! São tantas Estrelas no céu com eles voando sobre nós!
Eles rodopiam e fazem piruetas! Quanto será que eles treinam para ficar assim? Será que dói
ficar pendurado? Será que dá medo essa altura toda?
E se dobrar assim?
E voar assim?
E viver assim?
Que promessa será que eles fizeram para o mundo para se tornarem essas Estrelas no céu do
picadeiro? Pelo que eles precisaram passar? Onde será que está seu compromisso verdadeiro?
Como será que isso vai terminar?
Seu compromisso é com o sorriso das crianças? Ou com o olhar dos adultos que não desviam de
suas danças? Será que toleram uma rotina que ninguém mais pode? Será que desafiar a morte
é o seu único mote?
O que seria deles sem nós aqui para os assistir? Seriam felizes voando soltos por aí? Ou será que
precisam de nós do chão para os observar? Será que um mundo de sorrisos é o que mostra seu
caminhar?
Minha mãe então me disse algo que me marcou: “Veja, meu filho, essa vida deles é o que lhes
sobrou. Eles viram no céu sua estrela a brilhar e como Reis-Magos precisavam ir procurar, a única
forma de viver em plena felicidade: apresentando seu brilho de estrela por toda a eternidade”.
Hod shebe Yesod
E que nos meus acordos, contratos, compromissos, pactos e tratos tu sejas sempre a minha
Palavra Divina.
Que Tu sejas o Verbo que me lembra dos acordos e que me leva as minhas obrigações, que me
faz cumprir, me guarda e me governa, que me guia e que me leva e que é minha própria Palavra.
E que todo contrato que eu assine com minha alma Tu estejas presente.
No início não havia nada nos céus, mas eu sabia que ela estava lá. Estava escondida em sua
própria sombra e aguardava a luz da minha essência para iluminá-la. E assim foi que, como a
chama de uma fogueira alimentada por minhas vaidades, sua luz cresceu pouco a pouco. Cada
cintilar de sua prata me dava mais motivos para alimentar sua chama.
Eu a observei crescer. E, como a barriga de uma grávida, ela crescia pouco a pouco. No seu
próprio tempo lento que não é o tempo da minha ânsia. Ela fazia apenas o seu papel e, eu, o
meu: ela crescia e eu a observava. Ambos esperávamos sua gestação, seu próprio ciclo
ininterrupto.
Passavam-se os dias e eu aguardava apenas a noite. Eu sabia que nada poderia com o dia. Olhar
a própria essência diretamente é cegar-se aos desejos do que não se pode ver. Mas a noite! Ah!
À noite! Nela eu podia ver o brilho da verdade no alto astro lunar no céu! E a cada noite ela
crescia!
Até que se tornou um orbe completo. Um planeta como qualquer outro: com sua própria órbita
e um signo só seu no céu sob o qual reinar. Eu a observava através do reflexo dos meus olhos e
através dos lagos de sua luz. Era o brilho que o céu precisava para guiar cada uma das estrelas
ao seu devido lugar.
Naquele momento houve coesão. Toda a esfera celeste se comprometia com a dança do grande
astro da noite escura. Não havia mais escuridão, não havia mais medo ou temor. Eu podia
observar no céu o suficiente para saber que compromissos deveria firmar com o firmamento.
E firme dos meus sentimentos, certo dos meus compromissos, me deixei levar como a espuma
das marés são levadas até a praia. E me levando pouco a pouco fui minguando de mim sem
saber mais quais estrelas pertenciam aos céus e quais estrelas pertenciam ao mar. Por que céu
e mar tem o mesmo azul que veste a dama que domina a Lua?
No céu, à míngua celeste, novos medos ao fim do parto. Tudo retornava ao estado de medo e
ao choro do recém-nascido. Cada passo se tornava um passo em falso, cada pegada se
transformava em um abismo. E foi sem saber como pisar no chão descalço que me percebi a
nadar.
E como espuma na praia em maré baixa foi que me vi ser tragado pelas profundezas. Correntezas
de água que rodopiam como galáxias distantes e monstros que eu não enxergava me viam como
as estrelas que me observam. Despedaçaram cada parte de mim e jogaram no espelho de onde
nascem os narcisos.
Segui indeciso e sem contestar. Precisava observar mais uma vez o brilho de minha amada para
conhecer os fundamentos do meu próprio ser. Ela pouco a pouco foi retornando aos céus e, com
o brilho de minha essência, impediu meu encontro com Atlântida. Dos mil naufrágios do meu
coração ela me salvou.
Só então eu pude compreender o compromisso verdadeiro. Mesmo que fosse para salvar aquele
abençoado por seu reflexo, a mãe celeste não interpõe o seu dever com o mar. A ele, ela
movimenta, e, a ela, ele alimenta. Ele precisa de mudanças e ela precisa de reflexos.
Pavimente cada rua com nuvens e faça uma trilha com sementes de feijão.
Construa o teu castelo no alto do mundo. Esconda bem os teus tesouros por lá. Tenha certeza
de que ninguém poderá roubá-lo. Torne-se um gigante de seu próprio mundo e fiquei próximo
da Lua e do Sol. Ali é onde está o teu reino.
Observe a Lua pelas lentes de Saturno e encontre assim o caminho do Mundo. Agora pode
parecer pouco, mas lembre-se que este é o caminho da cruz. E quem és tu se não o teu próprio
messias disfarçado daquilo que teu ego finge que é você?
Salve-se de si mesmo e forje contigo mesmo uma última aliança! E faça rápido, pois os feijões
caem do topo do teu castelo nas nuvens! Eles descem pela última trilha como um anjo que cai
do firmamento! Eles serão trocados, vendidos e arremessados!, e, assim, serão plantados para
que cresça aquele que irá suplantá-lo!
Pois o teu castelo celeste é feito de nuvens abaixo do firmamento! É água condensada em chuva,
elevada ao pelo fogo que assolava a própria terra! Tu nada mais é que um nascido de terra e
água que precisou do Sol para secar e do prana para nascer!
Estás diante do último caminho de descida! O que se iniciou em um sopro divino, termina em
uma encruzilhada onde dança bela a Senhora do Mundo! Ela se cerca pelos quatro mundos e
dança para uma plateia de evangelistas!
Use o teu sofisma como um imbróglio da verdade! Pois não sou digno de acreditar no que é
divino e a queda é meu caminho final! Desço passo a passo até chegar ao Reino e, como tolo
que sou, a Verdade me aprisionará! Que tu me iludas com uma mentira verdadeira para que eu
possa acreditar na verdade crendo que seja ela um falso ídolo!
Pois a palavra que desce até o solo do Reino não é digna dos céus! Esta é a verdade mentirosa
que me conta o caminho da minha própria cruz! E somente a tua palavra, que julgarei por
enganosa, me trará a verdade diante do meu credo de acreditar no que tomo por inverdade!
Minha queda se completa hoje e tomo Cronos por testemunha! Os relógios iniciam a contagem
do tempo e que ele me dê todo o tempo que eu precisar para retornar aos pés da misericórdia!
Até aqui eu fui divino e descia pouco a pouco meus pés até o chão!
Agora sou João! Sou Yohanan! Agora eu sei que D’us é misericordioso!
Amanhã não desço mais ao Reino, pois trarei ao Reino o que aprendi do céu.
Chesed shebe Malkuth
Que a lição seja louvada como um credo e que o credo seja aprendido como uma lição.
Que este dia jamais seja esquecido e nos ecos de toda a terra seja lembrado como: o dia em que
a misericórdia do pai beijou os pés da princesa!
Hoje o Reino inicia sua ascensão ao divino, pois o divino já foi Reino!
Todo Rei já foi filho de uma Princesa. É a misericórdia da mãe-filha que passará ao filho-pai. É a
caridade passada através do reino das casas de boneca que será ensinada ao filho que governará
a vastidão. É a pureza da criança que sonhava em encontrar um príncipe que criará o futuro
caçador de dragões.
A Nobreza é sempre herdeira. A herdamos do primeiro homem a pisar neste Reino, pois ele é
filho da Casa mais nobre que já se viu por todos os lados.
Ele foi filho da Princesa Primeira, a primeva de toda a espécie que nasceria dali em diante. É a
mãe noite, a mãe terra, a mãe lua e a mãe estrela. A primeira a dar luz ao Reino, a primeira a
ensiná-lo a falar, a primeira que o viu caminhar e a primeira a vê-lo comer do fruto do saber.
Que seja a Maçã de Éris o motivo de de vossa nobreza! Que nasça da discórdia do ser com o
não-ser. Que tragam a ti três decisões a serem tomadas e que você decida por aquela que
arrasará tua terra natal! Que isso faça com que você se ajoelhe e perceba que misericórdia é ato
que se entrega acima da justiça. Que como Tróia, seus muros pereçam para que você encontre
a lição que a mãe decidiu ensinar! Que como Babel, sua torre caia por inteiro para que você
encontre a misericórdia que o pai decidiu ensinar!
Nobreza não se aprende apenas na vitória, mas misericórdia só aprende aquele que é vitorioso.
Misericórdia só é possível de se ensinar àquele que está acima da situação, pois aquele abaixo
dela buscará por vingança, buscará por retribuição da culpa. E sem saber o que é justiça ele
incorrerá apenas em pecado.
Mostre-me que o caminho do raio vem de cima de ti e que terminarás abaixo de mim!
Que seja ele o mensageiro do Rei a Princesa: sua filha e sua mãe!
Desça com toda velocidade que você tem e atinja com misericórdia para iluminar a noite fria!
Ó, glorioso guerreiro último da terra! Ó, Pai que nos ensina através da dureza de tuas palavras!
Ó, lições sempre entregues de forma dolorida!
O que dói no ego não doerás na carne e no sangue do filho prometido! O que dói no lago da
terra não irá doer nas chuvas do céu! Que toda dor seja aprendizado de uma lição hoje
desconhecida e que esta lição nos faça diferença no caminhar!
Não torne nosso Reino um deserto de lamúrias, mas o expanda para onde ele precisa se
expandir! Nos mostre o caminho do guerreiro! Nos mostre como dominar a vontade de nossa
espada e como atingir o alvo de nossa vontade com o nosso arco!
Assim como o filho da Princesa precisa ser disciplinado pelo pai do Rei.
E que a Rainha me ensine como cuidar de casa, pois os escudeiros me ensinaram como montar
e partir para a conquista!
Todo Rei e toda Rainha possuem disciplina. Sua nobreza vem dos céus, pois os atinge como um
martelo da forja de Hefesto. Não se nasce realeza: se é forjado.
Tu és prova da disciplina dos átomos que se ligam ferozmente para te manter aqui.
Tu és prova da disciplina da morte que um dia certamente lhe levará ao teu final.
Tu és prova da disciplina de D’us que fez disso tudo uma única comunhão.
Tiferet shebe Malkuth
Que toda lição seja uma lição de liberdade da alma, pois acima disto somos apenas Um.
Que toda lição seja uma provação da liberdade da alma, pois acima disto somos apenas Um.
Que você sinta a criação dos muitos antes do teu retorno ao Um.
Ó, provação que resplandece e ilumina toda a esfera do Reino que é meu! Pois eu sou divino em
cada mínimo detalhe da criação d’Ele, meu Pai Eterno. Que recaia sobre mim a provação da
minha alma e da minha carne! Que meu sangue embebede todo o meu ser e que, assim, seja
dada a Ele a inebriação de quem eu sou! E Eu sou quem Ele é em fragmento!
Ó, nobreza que resplandece e ilumina a esfera do Reino que é meu! Pois eu sou nobre no tanto
que Tu queres que eu seja nobre e serei plebeu no tanto que Tu queres que eu seja plebeu.
Onde houver meu esforço para ser ignóbil, que eu tenha oportunidade de me elevar, mas que
onde quer que eu seja soberbo, que haja vontade de me redimir como um miserável. Pois Tua
Vontade é minha sina e que minha sina sirva apenas a mim que sou parte de Ti.
Dizem que um dia caminhei por uma longa escada descendo a tumba de mim mesmo. Desci
celeste e resoluto de quem eu sou para encontrar a amnésia de me esquecer. Neste dia, parte
de mim tornou-se água. Neste dia, parte de mim tornou-se terra. Neste dia, parte de mim
tornou-se fogo. E neste dia, a melhor parte de mim manteve-se ar.
E eu desci como descem os enfermos com destino traçado: pois eu era enfermo de uma doença
que jamais pude conhecer. Esta doença tão infecciosa me infectou assim que terminei de descer
pelas escadas, depois de atravessar a luz pálida que me serviu de farol. Doente e sem rumo,
segui dia após dia e aprendi o que era o tempo.
De Cronos fui rebento honesto e pouco me manifesto para compreender que ele nunca me foi
pai. Senti dele apenas suas mágoas: sua passagem tão pesada que agora sobre mim recai. E o
pouco que sofri no meu prana é porque aqui nada dele se esvai, tudo nele é excelso e por tudo
que me é sacro acredito que o tempo é meu pai.
Mas meu Pai não é deste tipo profundo que vive abaixo dos mundos e que me fez um doente
sem paz. Pois agora debaixo da terra, observando era após era, percebo que nada disso eu tivera
enquanto estava no berço dos céus. Caí como caí o que é fel e pouco provei deste mel que é
dito tornar os humanos mais do que bichos profanos: animais que merecem o Céu.
Pois com eles compartilho o que me é mais sagrado desde que desci do meu Reino Dourado por
escadas escuras, famintas, que tornaram minha Sina uma sina e me deixaram apodrecer de
doente. E toda vez que vejo o Sol poente e vejo um farol de luz cálida me lembro que desci esta
escada para viver quem eu antes não era. Esta experiência tão pura e sincera é o motivo que me
sinto esquálido, um motivo que sobe ao contrário e entrega na porta do Pai o motivo que me
tornou um vivente, pois na morte de um astro poente mais vida pra nós ele traz.
Pois no Reino todos são filhos do mesmo Pai e da mesma Mãe e todo filho precisa de tolerância.
Todo filho precisa de amor.
Mas que no Reino a beleza perdure e seja objeto da arte! Que dela façam pinturas e música,
livros e poesia! Que ergam estátuas e templos dedicados à beleza e que se desfrute dela em
teatros e peças diversas! A ela dedicaremos obras eternas e que durarão por tempo o suficiente
para que não possamos mais rastrear sua data!
Que no Reino a sabedoria seja sempre exaltada e perdure nas obras dos filósofos e cientistas!
Que seja uma literatura sagrada presente na boca dos mestres e discípulos! Façamos templos e
laboratórios para o seu louvor e a estudemos profundamente para encontrar as chaves de todo
o Universo! Que nossa matemática explique D’us e que a nossa filosofia explique a gravidade! E
que esses ensinamentos se tornem eternos e ensinem aos filhos dos homens de muitas eras à
frente!
No nosso Reino, a paciência deve ser tratada como virtude e seus esforços irão reverberar na
eternidade! Que os tempos de paz se tornem lendários e que o cuidado com o próximo se torne
ato banal como o de lavar as mãos! Ensinaremos nossas crianças a ouvir e conversar, as
ensinaremos a civilidade e mostraremos que tudo tem um tempo certo para acontecer – mesmo
que este tempo seja nunca.
Por fim, que a verdade no Reino seja duradoura como nenhuma outra durou e que não existam
mentiras contadas mil vezes ou bem contadas demais! Que as pessoas busquem suas próprias
verdades ao invés de se apropriar da verdade do outro e que o outro não venda sua verdade
como a única verdade real! Que as histórias e lendas tragam verdades escondidas e motivos
para serem contadas. Que a beleza do Reino seja verdadeira, assim como sua sabedoria e sua
paciência. Nosso povo não acreditará nas narrativas vis, pois a verdade sempre será iluminadora.
E por mais que nos machuquemos com a verdade, que ela seja a preferida de todos nós. Que
ela dure tempo o suficiente para nunca mais ser esquecida!
Mais do que tudo, nos afaste de um Reino onde mentiras duram para sempre, onde a tolice é
tida como virtude, em que a ira seja louvada e com a feiura vista como bela, pois este Reino não
foi feito para o divino, mas para as sobras que não contemplam a criação.
Que nosso Reino tenha os Anjos e Demônios que precisa ter e nada mais.
Fiquemos de joelho e louvemos nossa própria humildade. E que aqueles que não a tenham a
adquiram nesta posição. Pois é dado ao mundo a oportunidade de nos conhecer assim como
nos é dada a oportunidade de conhecer o mundo.
Faça o teu voto de castidade para consigo mesmo e saiba que é tua a obrigação de tornar-se
humilde. Os tesouros não nos são dados, mas descobertos. Nada que venha em uma bandeja
de prata deve ser tocado.
Conheça bem tuas próprias virtudes e lhe será dada a oportunidade de conhecer teus próprios
demônios.
Conheça bem tuas verdades e lhe será dada a oportunidade de conhecer tuas próprias ilusões.
Conheça bem quem você é e lhe será dada a oportunidade de conhecer ao outro.
Conheça bem quem é o outro e lhe será dada a oportunidade de conhecer tua própria forma.
Veja de perto como a Casa das Formas recai sobre o Reino! Veja que tudo é aquilo que precisa
ser. Veja que tudo que há no Reino é feito de números e equações, pois no Reino a regra é o
Esplendor e o Esplendor é a Ciência de D’us.
Ó, cosmos longínquo! Será que tu se expandes e retrair como o coração de um ser de proporções
infinitas? Será por isso que nossos sistemas se assemelham aos átomos que nos forma? Somos
poeira dos prótons que explodiram no céu?
Por que tudo em ti é tão semelhante a tudo em mim? Somos feitos da mesma matéria, eu sei.
Somos feitos do mesmo som fundamental, eu sei. Mas sei que sou feito da mesma matéria das
abelhas e das formigas também. Com elas por acaso me pareço?
Nós todos fazemos casa e todos nós nos organizamos em civilidade. Mas também sou como os
lobos caçadores e os peixes em cardumes sem rumo. Será que teus cometas são como estes
cardumes governados pelas correntes gravitacionais? Será que teus planetas são como colmeias
onde se pode fabricar mel?
Ó, cosmo longínquo! Será que tu espalhas tuas galáxias como árvores em uma floresta? Será
que a longa distância entre elas é como a distância entre as árvores para seres tão pequenos
quanto sou eu em relação a ti? Será que o mar de estrelas nas noites desérticas é como as marés
vermelhas dos mares da Terra?
O que esconde nelas tão à vista? Que segredos há ali para me contar?
Que Tua luz seja o farol que faz os barcos atracarem no Reino!
Comprometa-se com quem você é e comprometa-se com a tua nobreza. Seja soberano de si
mesmo e saiba que para isso há de se ter volumoso compromisso. Faça consigo mesmo uma
promessa recíproca e que os dois lados a cumpram.
Pavimente pouco a pouco a tua estrada. O Reino já está quase completo e chegamos ao
momento do seu fundamento. Pode lhe parecer estranho construir um Reino de cima para
baixo, mas não fomos nós mesmos feitos por matéria que choveu das estrelas?
Que a vela acesa no quarto escuro lhe guie para onde está a Lua no céu.
E que a Lua no céu lhe guie para cada uma das estrelas no firmamento.
Pois saiba que o compromisso da vela é com a queima e o compromisso da Lua é com o mar.
Você está perto do fim derradeiro agora. Preocupe-se em trazer ao Reino o que você aprendeu.
Tuas ideias foram alvo de grandes mudanças nesta manifestação. O que será do teu céu agora?
Rompemos tantos véus e pouco sobra, rompemos nossos véus e sobrou tudo. Como será que
poderemos ver de perto o novo mundo? Sabemos que não sabemos nada e só assim poderemos
ter esperança de saber tudo um dia. Chega neste momento do fim da nossa colheita e a cabeça
fervilha com mil ideias e elas dançam, elas dançam, elas vibram, elas voam e elas dançam e elas
dançam e elas dançam e elas dançam. E o mundo todo rodopia ao nosso redor e a cabeça se
torna um turbilhão de ideias e parece que tudo acelera em uma velocidade incontestável. Será
que estou enlouquecendo? Será que você está enlouquecendo? Será que estamos nos
enlouquecendo? Onde está agora o nosso comprometimento? Nossa mente corre e vai embora
e volta para longe de nós e se entrega onde nós jamais estivemos. Ode a colheita! Ode a colheita!
Olhe a tua colheita! Pense em tudo o que veio até aqui! Nadamos só no raso ou nos arriscamos
nos abismos profundos e nas cavernas com monstros marinhos? Encontramos nosso próprio
Leviathan? Quão fundo e quão profundo devemos navegar para não nos tornarmos náufragos?
Quanto ainda falta de nós para que sejamos apenas um? Onde fundamentaremos a nós
mesmos? Onde fundamentaremos a nós mesmos? Hoje fundamentaremos a nós mesmos!
Malkuth shebe Malkuth
Que o Reino venha ao Reino e que a Princesa seja mãe de tudo o que há!
São ruas pavimentadas de areias brancas e salgadas, beiradas pelas casas que o mar constrói
para seus seres. Andaremos por aqui, sempre margeando esta longa floresta de ares tropicais.
Veja como ela é singular! Existem coníferas por lá e existem árvores que só se vê nos mangues,
mas ela se organiza como a floresta negra.
Os pássaros sobrevoam constantemente por aqui. Às vezes tucanos e araras, às vezes falcões e
carcarás. Já vi corujas e já vi morcegos, mas já vi harpias também – às vezes são mitológicas, às
vezes tão reais quanto gaviões. Já vi até pássaros que só existem em sonhos meus.
Neste ponto o céu sempre é limpo e azul e ali na frente chove todos os dias. Tem lugares onde
sempre é noite, tem lugares em que só existe dia. Não existem estações aqui – ou pelo menos
eu nunca vi um inverno. Ostara e Litha são sempre presentes em suas bençãos.
Mas lá no fundo, por trás desta estranha floresta, você verá picos nevados tão pontiagudos
como qualquer desenho de criança. Lá é sempre inverno e de lá eu sempre venho. São os limites
deste meu Reino, desta minha fábula singular. É lá que cavalgam os pesadelos, é lá que habitam
os gigantes, é lá que eles me recebem com suas chamas cintilantes. Por lá já fizemos fogueiras
e já contamos histórias de horror, mas também hasteamos bandeira nos picos que o gelo
habitou.
Há também este enorme Ipê-roxo – tão sul-americana quanto eu. Ela floresce todas as noites
abençoando o que este Reino me deu. Lá conversei com serpentes, com ursos e com crocodilos,
lá habitei um gorila e escalei pelos seus labirintos. Fui uma cobra também: uma cobra-rei quase
infinita – parecia que eu não tinha fim, parecia uma história antiga.
Mas o melhor eu deixei para agora, pois é o castelo que me convida a entrar por sua enorme
porta e conhecer seus salões de visita. Ele toda de mármore branco lembrando a bela Puglia – é
enorme por todos os cantos, com colunas como as da ilha de Egina. É casa e é fortaleza, é castelo
e é uma mansão. Me lembra uma casa de praia, me lembra o Panteão.
Quando passamos sua alta porta entramos na primeira antessala. Que surpresa nós temos em
seguida ao ver uma cabana de montanha tão decorada com quadros e madeira, tão rica em
detalhes e teias de aranha. Há uma cabeça de urso que às vezes é uma cabeça de lobo, há
espadas em cima da fogueira, há mobília antiga de couro. Há uma mesa de vidro no meio e há
calor e conforto lá dentro, há tapetes de pele urso e um lustre antigo no centro.
Existem muitas portas ali, mas nem todas são pra se ver. Aliás, nem todas estão visíveis, pois
algumas precisamos merecer um convite para adentrar seus segredos e encontrar lagos
cristalinos, rios no subterrâneo e a trilha pra quem conhece os caminhos. Outras portas nos
levam pra templos e pra belas salas de estar, há portas que nos levam aos medos que já tive e
que quis superar.
Tudo ali dentro é meu e do lado de fora também. Neste Reino sou o único Rei, mas sou Rainha
e Princesa também. Nem sempre o habito sozinho – ou sozinho com os meus animais –, pois
tem vezes que sinto a presença de todos os meus ancestrais. Sinto um abraço e um acolhimento
e sei que me querem bem. Pois só adentra os portões do meu Reino aqueles que eu amo
também.