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Acho que fazem cinco, não, sete anos. Ainda me lembro de quando aconteceu.

Me pegaram a força, me
agarraram, eu me debati, gritei. Me lembro de um soco bem perto do ouvido. Lembro de uma última
palavra dita por aquela...acho que era uma mulher, minha mãe. Algo como “Eu te amo, filho, mas...é o
jeito”. Não me lembro de lágrimas, arrependimento. Os homens tinham porte atlético, eu não seria capaz
de fugir de suas mãos. Eu estaria na mesma faixa etária deles, mas eu era magro, franzino e muito fraco. Eu
estava muito fraco para resistência.
Depois do soco eu não me recordo do que se passou, mas eu nunca mais voltei a minha casa, àquela casa.
Acordei em um quarto branco, provavelmente estive sedado. Era noite, não que eu tivesse certeza,
entretanto entrava uma brisa fresca que só podia ser a da noite. Essa brisa entrava por uma pequena
janela de grade acima de minha cama. Eu estava atado à cama com fivelas.
Passaram se meses, talvez oito meses desde o dia em que fui parar ali. Eu não recebi visitas e estava feliz
sem elas. Foi então que ela apareceu com uma bolsa surrada e antiga jogada sobre o ombro. Como odiei
seu olhar de pena. Minha mãe, minha própria mãe havia me colocado ali. Ela me encarou com os olhos
marejados. Meus olhos estavam vermelhos, quase rompendo em lágrimas, mas era de ódio. Eu não disse
nada, a encarei com desdém. Comecei a chorar, era muito ódio. Minha mãe disse friamente: “Isso é para o
seu bem, ok?” Não atrevi a dizer nada. Ela foi simplesmente embora e eu só voltei a vê-la em uma natal
três anos depois.
Não tem um só dia que não pergunte o pessoal deste lugar o porquê diabos estou aqui. Eles simplesmente
me olham com pena, outros com certo deboche ou raiva. As vezes esse lugar se mostra interessante com
algumas comemorações, pessoas novas. Tenho uma amiga, ela diz ter parado aqui por acaso. Ela se corta
de vez em quando e chora terrivelmente quando a encontram nesse estado. Os prantos podem ser
ouvidos por todas as alas desse hospício. Geralmente me chamam para ajudar com ela.
Ontem ela me contou a possível causa de eu estar aqui. Ela especula bastante com os funcionários daqui.
Me disse que um médico lhe contou que fui pego esfaqueando o ar e cortinas da casa, além de sancionar a
não sei quem uma morte lenta. Franzi a testa para ela. Realmente não me lembro desses episódios.
Hoje, finalmente, Meu Deus, finalmente! Estou livre deste lugar. Minha amiga nem chorou, entretanto me
encarou durante o restante momento de nossa despedida.
Não voltei aquela casa, ela nuca foi minha. Vou ao cemitério, preciso ter certeza. Certeza de que não foi
tarde demais. Vasculhei cada sepultura de lá, até que cheguei a que não queria a confirmação. Meu pai
estava morto. Foi a dois anos sua morte.
Se eu tivesse um pouco mais forte e menos franzino naquela época, poderia ter resistido dos braços fortes
daqueles homens. Eu não teria passado sete anos de minha vida em um hospício. Talvez ele ainda
estivesse vivo hoje. Dei um murro na sepultura soltando aquele grito que estava preso a anos em minhas
entranhas. “Aquela desgraçada!”

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