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__Eu não vou. - Eu já retirava meu casaco e celular da mochila.

__ Por que? – Ela indagou incrédula. – Ela apaziguou a feição fechada. -Se eu fosse você
pensaria bem antes de escolher isso.

__ Escolher o que? Sofrer com ele? Ficar lamentando algo inevitável ao lado dele? Sabe como
ele odeia isso e eu também! - Joguei a mochila vazia longe.

Ela pegou as chaves na mesinha de cabeceira.

__ Sabe, a gente pode passar pra tomar um sorvete depois, sei lá... sair. Você não sai nem
desse quarto.

__ Hm, interessante. – Não, não era interessante. – Eu vou, mas só porque eu posso não o ver
mais. – Minha voz saiu fraca.

Minha mãe sorriu para mim, me convenceu, não era para menos.

Ele estava sentado em uma cadeira de balanço com algo na mão.

__ Oi. – Eu soltei a mochila ao lado da cadeira contemplando o rosto pálido e enrugado dele. –
Isso... não acredito! Como? Conseguiu isso como?

Ele olhou para cima mirrando com o estilingue.

__ Não, não, vô! – Tentei impedi-lo de lançar a pedra no ar, tarde demais. – Quem lhe trouxe?

__ Seu tio. O único que se preocupa com minhas vontades de velho.

__ O povo daqui não se importa se você acabar eslingando alguém? – Perguntei


divertidamente.

__ Não, não! Não faço isso. Sou velho, não sem noção, corujinha. – Ele me chama assim,
corujinha. – Deve ter vindo porque sua mãe te obrigou, né? Já disse a ela para economizar os
pêsames para meu velório, mas ela não escuta.

Eu me encostei à parede cruzando os braços às minhas costas.

__ Eu não vim para “desperdiçar” meus pêsames, vim para te ver, vovô. Sabe? Esse lar de
idosos consegue ser mais interessante que toda a minha agenda de afazeres durante a
semana. – Eu disse para descontrair. Ele me encarou desconfiado como se me questionasse
com ironia: “Sério?”. – Falo a verdade, mesmo. Eu simplesmente não vivo aquela vida super
fodona de adolescente dos filmes e séries americanas.

__ Eu vivo aquela vida de velho, sabe? Tipo, no asilo. – Eu ri e assenti com a cabeça.

Ele mirou outra pedrinha no rumo do céu. Ele hesitou na probabilidade de atirar a pedrinha.

__ Quero que realize meu último desejo antes de partir. -Ele disse tão sério que pensei em
gargalhada irônica para quebrar o clima. – Quero ver Lua de perto, não, não viajando pra lá,
quero ver do microscópio. – Eu desatei a rir, no microscópio, aí já era demais. – Não! Disse
errado, é...

__ Telescópio, vô. Certo, vou dar um jeito. Esse é realmente um desejo de honra.

Me despedi dele. Não tinha muito tempo porque me lembrei que teria aula de espanhol
naquela tarde.
Eu daria um jeito de levar o telescópio do meu pai. Eu darei. Acho que por mais romântico que
pareça, morrer com um sonho é morrer incompleto.

Eu dei um jeito. Estou indo visita-lo no asilo agora. Não o vejo em lugar algum.

__ Oi. – Eu murmurei a atendente do balcão. – Vim ver meu avô. O nome dele é... – Ela me
olhou com pesar. Meu coração disparou.

__ Sinto muito, mocinha, que não saiba. Ele sofreu uma parada...

Tarde demais. O estilingue ainda estava na cadeira de balanço. Só consegui dizer: “ Ele queria
ver a Lua antes de partir...”

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