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Fazia tempo que Jorge não tirava férias.

Faria na semana que vem dez anos de


casamento, então estava aí um bom motivo. Ao chegar em casa foi contar a sua esposa,
que estava lavando as louças:
— Querida, você não vai acreditar... consegui tirar minhas férias. A partir da semana
que vem já estarei de boa! - disse jogando se no sofá.
— Que bom!!-disse ela deixando de realizar afazeres e se virando para ele.
— E sabe, Lana, eu andei pensando, todas as minhas férias visitamos minha família.
Ano passado fomos na tia Eva, retrasado na vovó Rita e agora, nessas férias eu pensei
em visitarmos sua família...
Lana deu de costas para Jorge, parecia com receio de algo e preocupada.
— Visitar minha família? Mas por quê?
— Como assim? Pensei que você iria gostar da ideia. Parando para pensar agora, fazem
dez anos que não vemos sua família, desde o nosso casamento! Foi por isso que tirei
minhas férias agora, para comemorarmos nosso casamento visitando sua família.
— Qual o problema? - disse ela passivelmente.
— “Qual o problema?”. Meu Deus, querida dez anos é muito tempo, e mais, nunca vi
você manter nenhum contato com eles.
— Olha não posso te garantir nada, tem também as minhas férias, o dinheiro...
— Não coloque suas férias como desculpa, daqui dois dias já estará de férias.
— Eu sei, mas eu já tinha combinado com as crianças, iríamos passar as férias na casa
da minha colega...
— Pensa só, elas iriam amar conhecer sua família.
— Vou pensar...- disse saindo da cozinha em direção ao quarto das crianças.
No dia seguinte, ao chegar do trabalho Lana retirou da bolsa oito passagens e jogou
sobre a mesa de jantar.
— Eba! Vamos viajar! – disse Eric, o filho mais velho do casal.
—Oito passagens? – perguntou Jorge assustado- Quem mais vai?
—Apenas nós, passagens de ida e volta. - disse Lana.
—Que isso, querida! Fazem anos que você não vê sua família e agora essa presa toda
para voltar? Ainda nem chegamos.- ele se riu.
—Uma semana está ótimo! Para que mais tempo?
Jorge encara Lana de modo a estranhá-la. Luiza, a filha mais nova, chega na cozinha
gritando:
—Quero ver vovó!
—Oh minha fofa, nós vamos ver a vovó sim! -disse ela caminhando em direção a filha e
a enchendo de beijos.
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Chegado o dia, as malas estavas arrumadas. Lana fazia questão de dizer a todo momento
que levassem poucas roupas porque seriam poucos dias, como se reforçassem a ideia de
que estava incomodada com a viagem. Já eram 17 horas.
—Vamos, mãe! Estamos atrasados- dizia Eric a todo momento.
— Já estamos indo deixe me só pegar as passagens...
— Querida, já chamei o táxi.
— Quero pandinha! -dizia Luiza.
— Já vai, filha! - disse Lana entregando o bicho de pelúcia.
O táxi estava na porta da casa, buzinava a todo momento. Enfim entraram todos no
carro e partiram em direção a rodoviária. Quando chegaram lá saíram correndo, era a
última chamada pelos passageiros do ônibus em que iam. Tudo deu certo, já estavam
dentro do veículo e agora era só esperar chegar em seu destino que era há algumas
horas. O destino deles era uma pequena cidade no interior do estado que fazia divisa
com o estado onde morava a família.
Chegaram.
— E chegamos! – disse Jorge para as crianças.
—Graças ao bom Deus! Não aguentava mais ficar nessa poltrona dura e desconfortável.
–disse Eric.
—Vai com calma aí, garoto, senão ainda é atropelado pelos outros passageiros. – disse
seu pai todo engraçadinho.
Lana não parecia contente, não dissera nada durante a viagem.
—Sorria, meu amor! Chegamos no nosso destino! – disse alegremente Jorge para a
esposa.
—Fica de olho no Eric, ele vai acabar se perdendo. – disse ela ajeitando a filha que
dormia, no colo.
Foram comer salgados em uma pequena lanchonete na rodoviária. Seu filho estava
olhando alguns brinquedos em lojas próximas com o pai.
Lana pegava um sachê de maionese, quando sentou-se um velho com um chapéu de
palha grande ao seu lado, ela não o conhecia, mas se mostrou indiferente.
— Feliz estou, sabia que não nos deixaria na mão. – disse o senhor quase sussurrando.
No momento em que ele falava, ela não se atentou muito, mas poucos segundos após
olhou para o lado na expectativa de perguntar o que significaria isso, mas ele não estava
mais lá. Ela se levantou de uma vez e começou a procurar aquele senhor com os olhos.
Mesmo assim, era em vão; o homem havia sumido como fumaça.
—Você sabe o endereço? – disse seu marido se aproximando.
—O que?! – disse ela assustada.
— Calma, só perguntei o endereço da casa da sua família.
— Não sei. Como você disse, não mantenho contato com eles faz dez anos.
— E agora?
—Sem problema, casal, eu levo vocês. – disse um idoso que chegava por trás, apoiando
sua mão no ombro de Lana e Jorge.
— Pai?!- disse Lana se virando rapidamente para o senhor.
— Oh! Sabia que você não se esqueceria de nós! Mas é claro que sou eu, teu pai. - disse
ele estendendo os braços para o alto em ato escandalizador.
—Como é mesmo o seu nome? Sr... - disse Jorge.
—Roger. Sr. Roger. -respondeu gentilmente o homem.
—Como o senhor soube que estávamos aqui?!- disse Lana espantada, o que a propósito
continuava apreensiva.
—Os ventos filha, os ventos. – disse seu pai, refletindo.
Eric chega com dois brinquedos na mão.
—Quando a gente vai conhecer a vovó?
—Agora mesmo criança. Vamos, minha filha, estão todos te esperando em casa. -disse
o pai de Lana.
Seguiram no carro do senhor.
—Como soube, pai, que estávamos vindo? Eu nem disse nada. – comentou Lana
durante o caminho.
—Se bem que fui eu que te convenci a visitar sua família, né? – disse Jorge.
—É... Lana sempre foi assim conosco. Vivia fugindo e indo para a mata as vezes. Como
numa vez que fugiu de casa e a encontramos na beira da estrada... – relatava Roger
quando foi interrompido por Lana.
—Por favor, pai. – alterou-se. Parecia recuada e com receio.
— Agora fiquei curioso. -disse Jorge esfregando as mãos.
— Não venha com suas graças, Jorge, as crianças não precisam saber disso.
— Qual o problema? As crianças as vezes fazem isso. -disse seu esposo acalmando a.
O ar não era dos melhores. Lana parecia sentir medo, estava recuada e nada feliz.
—E aqui está nossa casa. Se lembra, Lana? -disse Roger.
—Sim, pai...
A casa era enorme, bem estruturada estilo rustica se encontrava no meio de um matagal
fechado com bastantes árvores. Sua faixada era apresentável. Foram recebidos na
varanda por três mulheres, uma de meia idade, outra um pouco abatida pelo tempo e
uma bastante parecida com Lana, e um homem de meia idade carrancudo.
—Aqueles são seu tio, Caio; sua avó, Rosa; sua tia Nastácia e sua mãe, Vitória. Se
lembra de nós? – disse seu pai apresentando as pessoas na varanda.
—Claro, pai. Como esquecer?
— Gatinho amarelo! -disse Luíza. – Apontando o dedo para o telhado.
— Ah sim! Aquele é Caramelo, garotinha. – disse Roger chegando próximo da garota-
Lana, você não me disse o nome das crianças, teus filhos?
—Sim! Nossos lindos filhos! Luíza de quatro anos e Eric de nove. -Apresentou Jorge.
— Uma graça, lindos! Vamos entrar.
Jorge convidou as crianças para entrar, Lana foi atrás. Ao passar pela porta, ela
observava cada espaço da casa. A pintura da casa tal como a estrutura da casa era
bastante rústica, nas paredes tinham muitos quadros de paisagens que pareciam retratar
o ambiente ao redor da casa. A casa tinha muitos quartos. Foram direcionados para um
quarto escuro com uma pequena janela sobre uma cama de solteiro feita de madeira, o
quarto era grande, possuía dois quadros com fotos de uma idosa de cara fechada. Luíza
estava agarrada as pernas da mãe, demonstrava medo; Eric percorria todo o quarto,
segundo ele procurando algo macabro na casa “assobrada”.
— Que velha feia! Quem é ela mãe? - perguntou Eric.
— Buxa! – disse Luíza.
— Bucha ou bruxa? – riu Jorge.
— É minha bisavó. Ela não é uma bruxa filha. -explicou Lana se arrepiando.
— Mas parece... – disse Eric com medo.
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Eram quase 22 horas, foram chamados para o jantar. A mesa estava servida com uma
grande panela no centro rodeada por oito pratos com suas respectivas colheres. Todos
estavam em seus respectivos lugares, Sr. Roger no estremo da mesa, a avó ao lado
direito de Roger, ao lado dela estava Vitória; do outro lado da mesa Caio e Nastácia
lado a lado. Luíza se recusava a se sentar.
— O que vamos comer? Se tiver verduras eu não como! -disse Eric cruzando os braços.
— Pare com isso menino, nós comeremos o que tiver! – disse Lana.
—Fique tranquilo, meu neto, temos ensopado de carne para o jantar. – disse Vitória.
— Espero que não seja carne humana, dessa casa macabra tudo posso... – interrompido
por sua mãe.
— Eric! Chega! -quase que em um sussurro.
Roger não se conteve e riu. Os outros anfitriões que estavam na mesa não demostravam
emoções no rosto.
—Deixe, minha filha, é assim mesmo. - disse ele.
Todos comiam o ensopado, parecia de agrado para todos. Luíza continuava agarrada na
mãe e não dizia nada apenas observava atentamente a movimentação. Terminado o
jantar todos se recolheram.
— Você está pior que a Luíza, apreensiva, nem conversou com seus pais. – disse Jorge
para sua esposa em voz baixa.
— Eu conversei com meu pai. Quer saber? Já está tarde, vamos dormir. Olhe para o
relógio.
— Está certo. – disse pensativo - Boa noite!
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Já era dia. Jorge se levantou da cama e foi tomar água. Ao chegar na cozinha vira todos
ao redor da mesa com o café servido.
— Bom dia! Onde estão todos? Estávamos esperando vocês. – disse Roger
cordialmente.
— Vim tomar uma água, mas já vou chamar eles. -disse Jorge recuando.
Ele se volta ao quarto.
—Vamos lá! Estão todos na mesa esperando-nos. – disse Jorge apressando-os.
— Ah! Quero dormir, pai! -disse Eric.
— Vamos! Vem, querida! Larguem de moleza.
Foram todos para mesa tomar seu café. Luíza mais uma vez se recusava a se sentar na
mesa.
—Como foi a noite? -perguntou Vitória- As crianças conseguiram dormir bem?
—Sim. São anjinhos. – disse Lana.
—Para falar a verdade, não. Eu fiquei a noite acordado pensando nos fantasmas desta
casa assombrada! -disse Eric- Nem a Luíza gostou muito.
Jorge caiu na gargalhada.
—Você é uma piada, filho! – comentou ele.
—Gatinho! Gatinho amarelo! – disse Luíza puxando a roupa de Lana.
—Só um minuto, filha! Você vai derramar o café.
Luíza não se conteve e foi atrás do gato que estava na porta da cozinha. Sem ninguém
ver, ela saiu pela porta silenciosamente e seguiu o gato. Ao passar pela cozinha,
caminhou sobre uma longa varanda com alguns objetos estranhos dependurados na
parede. O gato seguiu por uma mata fechada até chegar a um possível galpão. O gato
pulou uma janela e entrou na pequena construção, Luíza o seguiu e parou em frente a
porta.
—Gatinho! Volta!
Impaciente ela empurra a porta. Nas paredes da daquela pequena sala tinham vários
desenhos estilo renascentista que representavam uma criatura estranha. Luíza estranhava
tudo. No centro uma enorme mesa com um pequeno banco ao lado, onde sobre ele
residiam vestimentas pretas. Sobre a mesa um pequeno cálice dourado.
—Cadê você? Gatinho!
Sem querer ela derrama o cálice que continha um líquido azul. Ela sai assustada daquele
galpão chorando e o gato sai atrás.
— Minha filha! O que você está fazendo aqui, no meio desse mato só?! – perguntou
Jorge abismado.
—O gatinho, tinha um monstro na parede! -disse a pobrezinha chorando assustada.
— Que gato, filha? Que monstro? Vamos para dentro.
Jorge ao chegar na porta da cozinha com a menina foi rapidamente abordado por Lana.
— Minha filha! Onde você estava?! – perguntou Lana preocupada.
— Ela me falou de um monstro e um gato, sei lá; algo assim... -Relatou Jorge.
—Monstro?! -perguntou assustada- Como assim, minha filha?
Lana se sentiu desconfortável naquela situação, todos olhavam- a abismados. Ela já
sabia o que pensariam que era, então levou a filha para o quarto e conversou com ela.
—Agora pode dizer... Onde estava esse monstro?
— Parede! Parede!
—Meu Deus! Não acredito que você seguiu aquele maldito gato e ele te... – entrou
Jorge no quarto.
— E aí? Ela disse? – perguntou ele.
—Não. -disse ela escondendo a verdade.
—Nunca mais faça isso, mocinha! – em um tom que deveria ser repreensivo.
—A culpa foi minha, ela seguiu o maldito Caramelo...Ela bem que me contou. Ela gosta
de animais. -disse Lana.
Lana tirara totalmente a tarde para refletir sobre sua escolha. Pensava o porquê de
decidir vim para casa dos seus pais, era perigoso, não deveria ter feito essa escolha. A
experiencia que sua filha teve naquela manhã, tal como na sua infância, era o motivo
perfeito para tomar outra decisão, agora mais responsável em seu ver. Se aproximavam
das 19 horas, Lana saiu do quarto e pediu ao seu marido que viesse conversar.
—Olha, eu sei que as passagens são para daqui uma semana, mas eu quero ir o quanto
antes. -disse Laura procurando aprovação.
—Pronto! Você já veio com o prazo estipulado de uma semana e agora quer ir
amanhã?! -disse ele irritado- Agora que eu estou criando laços de parentescos com seus
familiares.
—A Luíza é muito esperta, sumiu de nossas vistas e voltou chorando, estou com medo
do que possa ter acontecido...
—Mata fechada, monstruosa, é normal; quem não sente medo?
— “É normal”! Despreocupado você, hein?
—Estranha você, hein? -disse retrucando.
—Eu vou dar um jeito de irmos depois de amanhã mesmo. -disse ela passiva.
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Era hora de jantar. Lana parecia mais calma do que mais cedo.
—Jantar na mesa, Lana, chame seus filhos e teu marido. -disse Vitória.
—Eles estão vindo, não é necessário. -disse ela esfregando as mãos freneticamente
devido ao ar frio.
Na mesa todos nos mesmos lugares que ocupavam no jantar passado. O cardápio era
risoto com carne ao molho, o preferido de Lana; quando criança sempre que levava uma
bronca ou algo do tipo, o prato era servido como forma de fazer as pazes.
— Não! Não! -disse Luíza aos berros saindo do quarto no colo do pai.
—Venha cá, fofa! O que foi? -perguntou Roger.
—Me dê ela aqui. -disse Laura estendendo os braços.
—Ela quer dormi, acho. -disse Jorge.
Todos comiam, Lana viajava no tempo se lembrara de uma vez que havia tirado uma
nota ruim em matemática e seus pais prepararam o prato. Ela ficara muito feliz, sentia
que fora uma forma de dizer “nos conformamos”. Ela estranhou um pouco, desta vez
não entendeu o porquê da ocasião, não havia nada feito de errado, entretanto se sentia
na obrigação de contar sua decisão.
—Mãe, nós vamos partir depois de amanhã. -disse Lana secamente.
Os anfitriões há mesa se entre olharam e deram uma pausa na refeição.
—Por que, filha? Vocês chegaram ontem! -disse Roger preocupado.
—A casa é de estilo rústico, mas não tem fantasmas não. Talvez seja por isso, pelas
crianças, mas eu garanto que não tenha nenhuma alma penada. -disse Vitória risonha.
—Se não tem fantasmas, tem monstros! – disse Eric
—Não é por nada, Luíza não está à vontade e eu fui chamada urgentemente para
resolver umas coisas no trabalho. Eu peço com gentileza que vocês entendam, não é por
nada mesmo. -disse Lana tentando se explicar.
—Tudo bem. -disse Roger olhando a esposa.
Todos terminaram o jantar em silêncio. Após o jantar, Vitória convidou Lana para
ajudá-la a lavar a louça, levando em conta que Luíza pegou no sono.
__Filha, você lava os copos e os talheres. -disse Vitória amavelmente. -Você vai mesmo
ir depois de amanhã?
__ Vou, à trabalho, é inevitável.
__ Por que Luíza viu algo? Se machucou?
__ Graças à Deus, não.
__ Hm... -disse Vitória estarrecida. -Você se lembra de quando pequena, que sua vó
fazia umas bebidas. Você era louca para bebe-las.
__ É... crianças. -disse fracamente.
__ Eu fiz uma agora mesmo antes de todos sentarem para comer. -disse oferecendo uma
bebida verde, parecia de erva.
__ Para mim, é... -falou sem jeito.
__ Sim, acho... acho que pode... tem idade de provar agora.
__ Tenho idade... -disse Lana estarrecida.
__ Beba. De um gole rápido porque é amargo. -disse rindo.
Um movimento estranho tinha ao corredor, parecia alguém estar espiando.
__ Vou beber por curiosidade... só um pouco.
Sua mãe parecia ansiosa e ao mesmo tempo preocupada. E assim Lana bebeu um tanto
da bebida.
__ Arg!! Que nojo vou ao banheiro cuspir isso. -disse tomando rumo do corredor.
__ Ei!! – pegou na pelo braço rapidamente- Não vai cuspir nada, é... é... faz mal.- disse
sua mãe astutamente.
__ Ah!? Que isso não faz nada. É ruim. Que nojo!! -disse pegando um copo d´água.
__ Não! -disse tomando o copo de sua mão.
__ Mas para que diabos isso serve?! Qual o problema de cuspir? Apenas provei para ver
se era o que eu pensava...
__Nada, porque não é recomendado. Vá dormir então, já está tarde; tomei parte de seu
tempo.
Lana já estava se virando para ir dormir quando, sua mãe interrogou:
__Tem certeza que vai depois de amanhã? -perguntou cabisbaixa.
Lana apenas assentiu com a cabeça e se virou indo para o quarto. Já eram quase meia
noite quando da casa ouvia se pequenos estalos advindos de algumas portas.
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Luíza estava inquieta, não conseguia sentir a presença da mãe no quarto. Entreabriu os
olhos devagar e com os olhos bem abertos percorria a escuridão do quarto, estava com
medo.
Eram meia noite e quinze quando Luíza começava a pegar no sono novamente quando
viu algo entrar no quarto, fechou os olhos, se aprontava para chorar quando viu o gato,
era Caramelo, enroscando o rabo na porta entreaberta. Ficou ali olhando para a menina,
depois remeteu os olhos para uma zebra de pelúcia, o qual ela envolvia calorosamente
nos braços olhando para o gato. Algo chamou sua atenção ela se preparava para sair da
cama, antes olhou para o pai e o irmão, estavam dormindo, portanto, ela desceu
vagarosamente da cama. O gato saiu da porta, ela com seu ursinho de pelúcia o seguiu
até a cozinha, estava tudo escuro, mas ela não ressentia aquilo mais, uma coragem
enorme a envolvia e ela seguia o gato. Ele seguiu para o quintal de mata fechada e ela
também, parou, estava pensando e o gato mais a frente ao perceber, parou de andar e a
olhou chamando-a. Seguiram até um pequeno casebre, o mesmo que ela vira mais cedo,
o gato estava parado olhava para a porta que por baixo emitia uma luz fraca, parecia ser
de velas; curiosa a menina disse baixinho ao gato:
__Que isso, gatinho? Tô com medo! -disse ela apertando o ursinho contra o peito.
O gatinho pousou o olhar na garota sereno, se aproximou da porta e girou a cabeça em
direção a menina com olhar curioso. Havia uma pequena janela que com uma pequena
elevação a Luíza poderia espiar o que se passava por dentro; achou uma pequena
cadeira, aproximou a perto da janela e subiu. Espiou pela janela, estancou- se ali
observando o que se passava. Uma mulher estava sobre uma enorme mesa em vestis
brancas, ao seu redor quatro pessoas vestidas em capas pretas, de costas uma figura
corcunda preparava algo em um cálice; a sala era iluminada por várias velas em lustres.
A menina estava tão assustada que não conseguiu nem se expressar, estava paralisada, o
gato estava ao seu lado como se estivesse a protegendo, ela estava reconhecendo a
mulher, era sua mãe.
Dentro do casebre algo acontecia, Luíza estava curiosa, temia por algo, mas não
conseguia fazer nada a não ser acompanhar aquele movimento pela janela em meio a
noite escura. Os participantes deram as mãos enquanto a figura corcunda com um cálice
na mão deu um comando:
__ Abaixem o capô de suas vestis, olhem para ela, concentrem suas vibrações em nosso
futuro, que fará de nossa linhagem contínua. -disse a senhora abaixando o capo de sua
veste negra deixando se ver sua face, ato que foi repetido pelos outros presentes.
Luíza estava reconhecendo aquelas pessoas, eram os pais de sua mãe, seus tios e sua
avó. O ritual seguiu, pronunciavam palavras em latim de mãos dadas, ao termino da
pronunciação elevaram a cabeça de Lana e a fizeram beber um líquido azul.
Luíza estava apavorada, o gato a tocou com a patinha e seguiu de volta há casa a menina
o seguiu sem olhar para trás estava chocada, mas com uma expressão serena, seguia
pela noite dentro da mata fechada na companhia do gato até a porta cozinha da casa
quando foi surpreendida pelo pai aflito.
__Filha!! Pelo amor de Deus, o que você está fazendo aí?! – disse ele pegando-a no colo
que desabou no choro.
__ Vamos, a mamãe! Tem bruxos com ela! Na casa do bicho feio! -disse ela aflita. – O
gatinho mostrou.
__ Sua mãe sumiu mesmo, mas eu vou procura-la. Vai dormir minha filha. -disse ele
levando a para o quarto.
A garota estava em pânico, não parava de soluçar dizendo coisas estranhas sobre bicho
na parede. Eric estava atento a tudo que ela dizia e a consolava:
__ O papai vai pegar esse bicho. Eu disse, essa casa é assombrada! Preciso investigar! -
disse ele heroicamente na tentativa de acalmá-la.
Já eram 3h da madrugada. Jorge procurava Lana desesperadamente:
__ Lana!!!!! É o Jorge, onde você está?!
Ao longe uma voz conhecida soava no ar. Vinha do interior da casa.
__Lana, é você?!?! -disse ele esperançoso.
__Sai daí, o que você está fazendo aí a essa hora? -disse Lana de pijama vindo da
cozinha em direção ao quintal escuro.
__ Ué, mulher, estava te procurando!!! -disse ele apavorado com a indagação.
Ela riu e veio ao seu encontro lhe esticando o braço em volta ao pescoço do marido; ele
a olhava maravilhado com sua calmaria, acabara de voltar após desaparecer em meio a
noite, entretanto, ele continuava a olhando indignado. Voltaram para o quarto as
crianças dormiam e a casa voltou a normalidade.
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No dia seguinte Jorge acordou abismado, Lana desfazia as malas na maior
tranquilidade.
__ Lana, você não deve estar bem. Primeiro esse sumiço no meio da noite agora
desfazendo essas malas!? -disse ele procurando seu par de chinelos aos pés da cama.
__Ué. Eu pensei melhor, acabamos de chegar, minha família está meio contrariada com
isso de eu ir agora... -disse ela se levantando.
__E isso de sair em meio a essa mata de madrugada? E voltando toda animada?
__Não lembro bem, mas eu acho que precisava pensar melhor no assunto tomando uma
brisa mais leve. -disse ela olhando para as crianças que ainda dormiam, com ternura.
__ “Mas eu acho”, como assim? -disse olhando para ela desconfiado.
Chegou na porta do quarto seu pai chamando para o café da manhã. O café da manhã
estava variado, frutas, pães, queijo e leite. Luíza continuavam dormindo, Eric se sentou
contando as novidades.
__ Esse negócio da minha mãe desaparecer no meio da noite tá estranho, né? -disse
pegando um pedaço de queijo e colocando no meio do pão.
__ Desaparecer no meio da noite?! -perguntou Nastácia interagindo com o garoto pela
primeira vez.
__ Sim! E Luíza viu monstros na parede de uma casa de novo, ela chegou chorando que
nem doida. -disse ele eufórico.
Seu Roger olhou para Vitória preocupado.
__ Ela está dormindo. -disse Jorge.
Todos tomavam seus lanches e conversavam coisas aleatórias sobre as últimas notícias,
exceto Rosa, anfitriã olhava para Lana, preocupada. Ao final do café chamou ela para
conversar na varanda.
__ Filha, como se sente? -disse ela pegando na mão de sua neta.
__ Bem. Eu tive que sair para tomar um ar, nada de mais...
Foi interrompida por Eric que chegou chamando a mãe.
__ Vem! A Luíza tá te chamando. -disse ele olhando para a bisavó abismado.
__ Já vou. – disse ela sendo puxada pelo filho.
Chegando na sala, sua filha relatava tudo com precisão e todos ouviam.
__ O gatinho chamou e eu não tinha medo, e vi a sala do monstro, vi mãe lá com
pessoas mãos com roupa feia! -disse eufórica com o ursinho bem apertado entre os
braços.
__ Minha nossa! Como assim fofinha? -perguntou sarcástico Caio.
__ Você tava lá! -disse ela nervosa.
Ele que via tudo como embaraço da cabeça da menina mudou drasticamente de
expressão.
__ Não foi um sonho? -perguntou o avô tentando apaziguar a situação.
__ Pesadelo, né? -disse Eric prestando muita atenção.
__ Como assim eu, filha?! -indagou confusa a mãe.
Enquanto isso na varanda do casarão, a senhora Rosa que se encontrava sentada em uma
cadeira de fio voltada para a frente da casa calma dizia para o gato, amigavelmente:
__ Você, hein, Caramelo! -riu ela.
Na sala:
__ Agora você me explica direito essa história aí filha! -falou indignada Lana.
__ Crianças! Deve ter tido um pesadelo após ver que você não estava ao lado dela,
Laninha. -disse carinhosamente vovó Rosa se direcionando a ela-Como ela já tinha se
perdido na mata ela deve ter visto algo que a assustou e embaraçou em seu sonho
tadinha.
A explicação de Rosa acalmou a todos, aliás serviu como uma luva. O jantar era
preparado, Eric também ajudava. Na sala estavam Roger e Jorge conversavam coisas
aleatórias enquanto assistiam TV.
__ Achei estranho ela sair assim, mas não acho que tenha sido um pesadelo o caso de
Luíza, ela já estava falando disso quando encontrei ela na mata. E por falar em mata, já
pensaram em capiná-la porque é muito fechada... não tem medo de invasões? Até
porque nada cerca esse terreno, graças a Deus que Luíza estava acompanhada do gato! –
e riu Jorge.
__ Não é necessário capinar, nossa família mora aqui a sete décadas, nunca uma
invasão, a não ser uma vez quando meus pais se mudaram para cá. Um homem
desnorteado entrou aqui, mas bem, nunca mais se ouviu falar dele. Essa mata nos
protege, é mata virgem! – disse Roger convicto do que dizia.
__ Bom, se me assegura, então está certo! -rebateu Jorge.
O almoço foi animado, Lana parecia ter tomado uma poção mágica.
__ Está uma delícia! Estou pensando em chama-lo mais vezes para me ajudar no almoço
viu, Eric? -disse Lana feliz.
__ Já sei, vou ser um grande chefe de cozinha! -disse Eric com o ego inflado.
__ Está mesmo, jovem, está mesmo... -disse sua bisa.
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Todos estavam animados para conversar sobre qualquer assunto. Ao fim do almoço,
Jorge saiu pela mata do fundo do casarão, queria saber mais sobre a região, foi instigado
pela conversa dos parentes mais cedo.
__ Muito linda mesmo, mas é interessante em como essa mata protege essa casa.
Setenta anos sem um assalto, invasão... qual o segredo para isso?! -pensou alto.
A mata era densa, mas ele conseguiu seguir até seu fim. Estava cansado, 3h de
caminhada. Até que foi surpreendido por um caseiro da vizinhança.
__ Seu moço, donde você surgiu?!?Dessa mata que não foi, né? -disse ele atônito e
assustado.
__ Ué, claro amigo! Vim pela casa de meu sogro. -disse ele limpando o suor com a
camisa.
__ Não creio numa coisa dessas não! Você, dessa casa aí atrás? -disse ele desconfiado.
__ Eu que não estou entendendo nada. E daí?
__ Você que não entende, ninguém entrai ou sai daí há uns setenta anos! Agora me
aparece alguém me dizendo que é genro desse povo!? -disse se afastando e fazendo o
sinal da cruz.
__ Olha não sei quem você é não, mas, quem você acha que é para dizer isso dos seus
vizinhos, são pessoas muito boas!
__ Meu Deus que te proteja! Não sei se você sabe que desapareceu...um homem... se
bem que eu não sei muito dessa história, mas sei de alguém que pode te contar, minha
casa é por aqui. Moro com minha mãe, pode vim que eu passo um café pra você
__ Eu... -disse Jorge baixo, não conseguiu negar que aquelas projeções de palavras
despertaram a curiosidade.
Após uma caminhada pequena eles chegaram ao barracão.
__ Opa! – uma senhora corcunda saudou. Sentada sobre uma pedra monstruosa em
frente ao barracão.
__ Eai? Mãe, trouxe esse camarada aqui pra falar com a senhora. A senhora não se
espanta que ele tenha vindo da “mata”?
__ Me diz fío, tudo bem? – se dirigiu ao Jorge.
__ Tudo, e a senhora? - Ele ofereceu um sorriso. - Só não entendi o que ele me falou,
seu filho. -disse indicando- o com o dedo indicador. – Sobre a mata e...
__ Sabe, a muito tempo atrás, meu irmão se aventurou por essa mata fechada. Ele era
teimoso, cabeça dura, fez uma aposta, essas de criança, na brincadeira e disse que
cruzaria ela toda e voltaria novamente; na época havia pouco tempo que a família tinha
se mudado e eles tinham um fama de bruxos devido uns movimentos estranhos na mata
e luzes estranhas. -Disse se levantando da pedra lisa, cuidadosamente com ajuda de uma
bengala e seu filho- Então, para se mostrar corajoso entrou destemido; coitado, até hoje
ninguém sabe do paradeiro dele. Na vizinhança, ninguém sabe as caras de quem mora
por essas bandas; uns dizem que são bruxos, outros loucos, outros canibais, mas
ninguém mais soube de nada. Na época foi uma comoção, chamaram bombeiros,
polícias, mas nada. Conversaram com os donos da casa, entretanto eles disseram que
não sabiam de nada e nem do menino.
__ Eu mesmo fico aqui direto por esse pasto, ontem vi uma movimentação na mata;
fiquei com medo e sai daqui, toda vez que nós, que vivemos por aqui, vemos essas
movimentações sabemos que algo estão fazendo. -disse fazendo o sinal da cruz
novamente. – comentou seu filho.
__ Eles são pessoas tranquilas, essas movimentações podem ser animais. Se bem que... -
disse Jorge.
__ O que, fío? -perguntou a senhora.
__ Minha filha se perdeu pela mata e voltou falando coisas estranhas.
__ Minha nossa! Se você pretende voltar, tem que ir logo. Já está escurecendo, homem.
-disse o caseiro.
O céu começara a mudar de cor, trocando o azul claro por um azul escuro.
__ Realmente, preciso ir... – foi interrompido
__ Pela mata e nessa escuridão? -indagou a velha.
__ Claro, preciso voltar... Obrigado! -disse partindo em direção ao casarão de seus
sogros.
O caminho estava mais ainda difícil de ser percorrido pensava no que ouviu e pensava
no que Luíza disse sobre a noite anterior. Já haviam se passado 1h desde que partira em
direção a casa. Estava cansado e com receio do que ouvira, mas logo dissipou seus
pensamentos sobre tudo. Eram 8h da noite já, passara duas horas que partira da
companhia daquela senhora e seu filho; não enxergava nada. Pelo tato tomava a direção
que deveria seguir. Seguia mais devagar sob a mata, que trazia o frio. Cabisbaixo,
chegou no quintal do casarão.
__Por onde você andou? – sua mulher parecia ao mesmo tempo uma sombra e um
fantasma na mata.
O homem saltou de medo.
__ Lana?!? -ele a abraçou.
A mulher parecia desfocada no abraço.
__ Estávamos preocupados. Você tem noção do quanto Luíza chorou? Isso que você
fez... -ela prendeu os cabelos com os dedos no seu gesto de nervosismo usual. – me deu
nos nervos também!
__ Lana, - ele olhou no fundo dos seus olhos relevando tudo o que ela lhe disse- você
está bem? Eu estou preocupada com você, com as crianças, você mudou do nada. Você
está realmente bem?
__ Estou, claro! – ela tomou seu cotovelo e o levou para dentro. Estava calma, muito
calma agora. – Vamos, está tão tarde, as crianças ficarão felizes em saber que o pai não
foi abduzido.
Ele a encarou incrédulo boquiaberto, mas ela não ligou. Ele apenas a seguiu.
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Jorge estava na varanda no seguinte. Dona Rosa também estava lá, se balançava na
cadeira de balanço. O gato o encarava, e ele o fazia de volta. A velha olhou de soslaio
para eles, mas não se meteu. Caramelo se levantou e seguiu para a varanda dianteira,
parou e o encarou. Jorge ouviu algo sussurrado: Siga-me!
Ele se assustou. Percorreu com os olhos alarmados toda a varanda. Voltou a recostar -
se na cadeira. O gato se levantou, fez menção de seguir, mas relutou em encará-lo de
novo. SIGA-ME! De novo o sussurro.
Ele se levantou abruptamente. A senhora continuava se balançando, parecia não alheia.
Ele o seguiu.
O gato seguiu pelo corredor extenso que ladeava o casarão. Jorge observou as pinturas
na parede. Fotos, pinturas, todas remetiam à floresta que envolvia, protegia o casarão.
Muitas pareciam mantras físicos.
Ele procurou o gato com os olhos; o gato o encarava no fim do corredor, sentado, como
se esperasse por ele. Parecia ter a paciência necessária para que ele entendesse algo. O
homem o seguiu. Eles chegaram a uma mata fechada. O gato parou e o encarou.
__ O que diabos você quer comigo, gato?
O gato abaixou o olhar dele para cavar o chão. Cavou, cavou e parou. Jorge observou
assustado o bicho e encarou o chão. Madeira, uma espécie de portal de madeira que
provavelmente levava ao subterrâneo.
__ Mas que... – Ele tentou abrir.
Estava emperrado. Tentou com jeito e ouviu algo ranger de leve. Olhou ao redor, nada,
era mata fechada. Entrou no portal e caiu em um porão. Mas não era apenas um porão,
era algo enorme. Era todo o terreno do casarão aquele subterrâneo. Sentiu um frio na
barriga. Ele estava apenas no início do corredor estreito e longo que levava ao real
porão. Caramelo apareceu ao seu lado. Eles caminharam com relutância até o porão.
Jorge não fazia ideia do que se tratava aquilo, um espaço subterrâneo repleto de... o que
era aquilo?
__ O que é isso?!- perguntou como se o gato o respondesse.
O salão estava repleto dos mesmos quadros e fotos que vira da mata. Havia símbolos,
esculturas e línguas escritas no teto baixo que ele não sabia dizer do que se tratavam.
__ Meu Deus! – sua voz falhou.
O gato o encarou novamente. Salve-a! Ele ouviu num sussurro. SALVE-A! O bichano
voltou pelo corredor aos saltos e esperou por ele sob o portal.
SALVE-A!
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Jorge estava no quarto com Lana. Ele pediu a ela um pouco de seu tempo para
conversar, estava mais transtornado que na noite anterior.
__ O que foi? Está bem? -ela soava fria, ela estava mais fria.
__ Vamos embora. Diga a seus pais que nossa Luíza não está nada bem e... vamos. -Ele
alcançou a mala no chão e começou juntar as roupas nela, colocá-las de qualquer jeito.
Ela o tocou gentilmente nos ombros.
__ Parece que quem quer ir mais cedo agora é você! – seu olhar frio. -O que foi?
Ele desviou seu olhar do dela e continuou fazendo o que estava fazendo.
__ “O que foi?” Bem, eu quero saber o porque da sua mudança tão drástica. – Ele a
encarou. – Eu vi coisas horríveis, meu bem. -Ele sussurrou aproximando com cautela. –
Luíza não estava errada, o que ela viu existe e não foi um sonho! -ele sussurrou mais
baixo ainda. – O gato me contou, você precisa acreditar!
O olhar frio sumiu. Ela aproximou de seu rosto e o acariciou devagar até sua testa
pressionando as costas da mão nela. E deu uma gargalhada.
__ Está com febre, Jorge? Se bem que não parece, mas... vai saber.
Ele ficou incrédulo, aquilo era uma verdade! Lana remexeu uma de suas bolsas, voltou-
se a ele e depositou um comprimido em sua mão.
__Aqui, pra sua febre. Já te trago um copo d’água.
Ele observou a projeção de sua mulher sumir pela porta. Não tinha palavras.
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A noite chegou, Jorge não quis jantar. Ele dormiu o restante daquele dia e decidira
pular aquela refeição.
Ele se colocou a fazer a mala de novo, por mais que sua esposa tenha a desfeito. Jogava
tudo o que era deles com destreza nela. Fechou o zíper e deixou a mala no chão.
Todos jantavam na sala de jantar; Jorge tentou espiar pela fresta da porta. Viu luzes
fracas, ouviu o tintilar dos talheres e murmúrios baixos de conversa, tudo normal. Ele
não saiu do quarto desde que conversara com Lana. Tomou o comprimido até porque
sua mulher o deixou em estado de negação, entretanto ainda tinha que sair dali.
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Éric observava tudo, podiam até serrem seus parentes, mas eram estranhos para ele. A
“velha”, como ele chamava sua bisa, comia com destreza, vez outra encarava sua mãe.
Vez ou outra lhe encarava.
Luíza era pequena demais, apesar disso, sabia muito bem que havia algo de errado,
mas... era uma criança e sabe como são crianças, têm imaginação demais.
Lana estava... Lana não era mais aquela Lana, estava estranha.
O restante era ainda o restante.
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Todos dormiam. Todavia se ouvia movimentações. Todos dormiam? Jorge acordou
assustado, um pesadelo. Procurou a mulher na cama, ela ainda estava lá, dormindo de
bruços, muito bem. Lana percebeu que seu marido acordara sobressaltado e também
acordou.
__ O que foi? -a frieza havia sumido novamente. – Um pesadelo?
Ele fez que sim com um meneio de cabeça.
__Volte a dormir. Os pesadelos costumam desaparecer pela manhã.
E voltaram a dormir.
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__ Pai! – Luíza gritava agoniada em meio ao choro.
__ O que é, meu amor? – Ele a pegou no colo. Ele pingava de suor.
__ A mamãe, ela desapareceu de novo. – Em meio a um soluço a garotinha sussurrou.
__ Fica aqui, tá? O papai vai achar ela, talvez ela só tenha ido ao banheiro, tá? Não sai
daí, amorzinho. – Ele chegou cuidadosamente no filhou e o acordou pedindo que
voltasse a dormir junta a ela.
Ele saiu desorientado pelo corredor e bateu à porta do banheiro, ele estava livre,
ninguém ali. Correu pela casa e a procurou em todas as áreas comuns da casa. Ele abriu
a porta que dava para a varanda e se assustou com a presença de Caramelo olhando para
ele. O gato correu para a varanda dos fundos, ele o seguiu.
__ Meus Deus, não! – Ele dizia para si.
O gato parou no limite da varanda e olhou de relance para ele. Voltou a encarar a mata.
Havia luz, mesmo que fraca em algum lugar dali. Não precisou de ser guiado pelo bicho
dessa vez, ele procuraria sozinho. Ele correu, correu e chegou lá, não no portal de mais
cedo, e sim na casinha, a tal casinha que sua filha lhe contou. Sentiu medo, mas olhou
para dentro pela janela.
Sobre a mesa estava sua mulher nua. Ele observou vestes pretas no chão ao redor
cercando-a, como se quem estivesse ali, tivesse simplesmente evaporado e as deixado
cair.
Ele entrou pela portinha esbaforido, queria tirá-la dali, queria sumir dali com suas
crianças.
Ele observou seus olhos vidrados, frios, sem vida. A garganta levemente cortada, o
suficiente para esgotá-la. As escritas violadas pelo corpo naquela língua desconhecida,
desenhos, que rasgavam sua pele.
Jorge abaixou suas pálpebras com as mãos tremulas.
Saiu tremulo daquele espaço. Morta, agora ela estava realmente fria.
Ele caiu de joelhos. Sua garganta lhe falhou. Olhou novamente para o casebre
novamente, seu estomago embrulhou e sua garganta não lhe falhou desta vez. Ele se
permitiu gritar, urrar de ódio, como se estivesse sendo morto, como se pegasse toda a
tragédia e a encarasse em pessoa, como se estivesse sentindo tudo o que aconteceu.
Gritou, em meio às lágrimas e soluços violentos.
__ Não!! – gritou em negação violenta, em ódio extremo.
Seus filhos vinham assustados irrompendo em lágrimas. Ele se virou para eles
transtornado.
__ Não!! Por favor! Não se aproximem! – gritou com as lágrimas o sufocando.
Os joelhos lhe falharam, mesmo assim ele seguiu até elas cambaleando.
__ Vamos embora daqui- sua voz falhou, estava rouco.
__ A mamãe, pai! Cadê ela?! – sua pequena chorava soluçando.
Ele voltou a chorar, com os filhos nos braços.
__ Vamos embora daqui...
Os pesadelos costumam desaparecer pela manhã.
Mas não era mais apenas um pesadelo.

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