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Iniciamos nossas reflexões por esta questão por ser a mesma uma constante para
pesquisadores e pesquisadoras dos estudos de gênero. Para esboçar uma resposta partimos da tese
de que as relações sociais especializam-se como práticas sócio-espaciais (Carlos, 2010) produzindo
um espaço marcado pelas relações desiguais e de poder estabelecidas pelos sujeitos e pelas classes
sociais ao longo da História. De acordo com Rffestin (1993, p. 7) “... em toda relação circula o
poder que não é nem possuído nem adquirido, mas simplesmente exercido.” O mesmo autor
argumenta, ainda que
Conhecer é operar sobre uma realidade material supõe – e até mesmo postula – um sistema
de relações no interior do qual circula o poder, uma vez que este é consubstancial à toda
relação. O conhecimento e a prática elaborados por todo trabalho implicam uma forma
qualquer de poder da qual não é possível escapar. (1993, p. 6)
Os estudos de Geografia sempre estiveram interessados nas relações de poder, seja para
afirma-lo como o fez a nova geografia, ou para questioná-lo propondo outras formas de
empoderamento, como propõe a geografia crítica. No entanto, esta discussão esteve fortemente
aliada ao poder do Estado, contribuindo para uma percepção de poder como algo exercido por esta
instituição e menosprezando outras formas de poder, como por exemplo o patriarcado, exercido de
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Departamento de Geografia/PPGG/UFG/Campus Catalão; Dialogus – Estudos interdisciplinares em Gênero, Cultura e
Trabalho.
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forma densa no espaço público e privado e que é fundamental nas práticas sócio-espaciais em
diferentes sociedades em diferentes tempos.
Na perspectiva de apontar as outras relações de poder estabelecidas na produção do espaço é
que acreditamos ser importante o estudo das relações de gênero pela ciência geográfica, com
objetivo de colocar no centro da produção espacial as relações de exploração e submissão
resultantes de uma relação de gênero em que patriarcado estabelece uma prática sócio-espacial que
ainda segrega milhares de mulheres em todo o mundo.
O recorte que escolhemos para realizar uma análise geográfica das relações de gênero é o
mundo do trabalho. Esta escolha não é aleatória. Em tempos de aumento da participação da mulher
no mercado de trabalho, do espaço produtivo, e da disseminação da ideia de emancipação feminina
o estudo das relações de poder estabelecidas a partir do patriarcado coloca-se ainda mais necessário.
Assim entendemos que é importante para a Geografia o estudo das relações de gênero com objetivo
de entender a essência das práticas sócio-espaciais, da produção do espaço por homens, mulheres e
outras identidades, avançando na compreensão das relações de exploração estabelecidas e
contribuindo para a revisão do poder estabelecido. Até mesmo porque, de acordo com Raffestin
(1993, p.17) “Uma verdadeira geografia só poder ser uma geografia do poder ou dos poderes.”
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O processo de reestruturação produtiva é uma necessidade em tempos de crise com a
reorganização das relações econômicas, de trabalho e sociais. No final dos anos (19)60 o
capitalismo já apontava para a necessidade de mudanças no padrão rígido e de produção e consumo
de massa. As mulheres, também, atendem às necessidades do novo perfil do trabalhador que,
segundo Antunes (2007, p.48) deve ser “... mais qualificado, participativo, multifunicional,
polivalente, dotado de maior realização no espaço do trabalho.” A mulher seria melhor
“aproveitada”, principalmente em tarefas que exigem mais concentração e com mais detalhes ou
ainda em ocupações em tempo parcial ou em trabalhos realizados em casa, como no ramo da
facção.
Sobre a participação da mulher no mercado de trabalho, Harvey (2007, p.147) acrescenta:
Não apenas as novas estruturas do mercado de trabalho facilitam muito a exploração da
força de trabalho das mulheres em ocupações de tempo parcial, substituindo assim
trabalhadores homens centrais melhor remunerados e menos facilmente demitíveis pelo
trabalho feminino mal pago, como o retorno dos sistemas de trabalho doméstico.
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do trabalho feminino, uma vez que os salários são mais baixos, as condições de trabalho são
inferiores às dos trabalhadores na mesma empresa, direitos e benefícios diferenciados.
As transformações alcançam o modo de vida destas trabalhadoras que buscam a “autonomia
financeira” ou uma complementação da renda familiar; há ainda as que sustentam sozinhas os lares,
são responsáveis pela educação dos filhos e pelo amparo aos idosos na família.
Assim, conforme argumenta Saffioti (2004, p.35-6), a inserção da mulher no mundo do
trabalho é “permitida”, no entanto, não reconhecida e nem valorizada. Para a autora:
As barreiras que a sociedade de classes coloca à integração social da mulher, todavia não
apresenta, no processo de seu aparecimento e vigência, muita uniformidade. Na medida em
que esses obstáculos são regulados pelas necessidades que porventura tenham as mulheres
de se realizar através do trabalho, as oportunidades sociais oferecidas aos contingentes
femininos variam em função da fase de desenvolvimento do tipo social em questão ou, ou
em outros termos, do estágio de desenvolvimento atingido por suas forças produtivas.
Desta forma, a mulher, no atual modelo econômico, ocupa importante papel ao assumir
tarefas no mundo do trabalho precarizado, reforçando a exploração machista e a submissão à ordem
imposta. Jornadas duplas e triplas de trabalho demonstram que o trabalho feminino é precarizado
não apenas no espaço da fábrica ou da empresa, mas também em casa, lugar onde a exploração
torna-se manutenção de práticas arcaicas em uma sociedade moderna. É a reprodução do
patriarcado no modo de produção capitalista que mantém velhas formas de exploração em novos
contextos.
A inserção da mulher no mercado de trabalho é vista como uma forma de emancipação, de
conquistas de espaço e de poder, camuflando o aprofundamento da submissão e da exploração,
como observamos. Os nossos estudos sobre o mundo do trabalho nos colocaram diante desta
realidade e da necessidade de melhor compreender esta relação. Para tal temos nos dedicado ao
estudo do mundo do trabalho da mulher e como esta precarização do espaço produtivo alcança e se
reproduz na vida cotidiana destas trabalhadoras. Para tal realizamos uma pesquisa com docentes do
estado de Goiás, cujo alguns resultados abordamos a seguir.
Na educação, também ocorre uma reestruturação e os primeiros dados apontam para uma
feminização crescente a partir do século XX no estado de Goiás, assim como em todo o país como
mostram as pesquisas de Santos (2009) e Chamon (2005). As mesmas autoras associam a
feminização a um momento de desvalorização da carreira, que passa a ser vista mais como vocação
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do que um trabalho intelectual, uma atividade ligada ao cuidar, à extensão das atividades do espaço
privado. Chamon (2005) acrescenta que,
Em decorrência do capitalismo industrial em expansão e do processo de urbanização que o
acompanhava, cabia à escola contribuir tanto na produção quanto na reprodução do social,
visando fortalecer e legitimar as práticas culturais urbanas que interessavam às elites
dominantes. Foi, também, nesse período que as mulheres passaram a ser chamadas para
cumprir a nobre missão de reprodutoras dos valores sociais. Dóceis, virtuosas e abnegadas,
deveriam ser elas as profissionais responsáveis pelo trabalho de preparação de mentes e
comportamentos para os interesses da pátria. (2005, p. 16)
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conhecimento são historicamente renegadas às mulheres desde a sua inserção na educação formal,
onde as escolas não tinham estas disciplinas, pois as alunas não possuíam habilidades mentais
necessárias para dominar um conhecimento tão racional. Esta é mais uma estratégia do capital para
manter a dominação masculina, a hetoronormatividade imposta por valores e construções sociais
naturalizadas. Para Chamon (2005, p. 17),
Sabemos, também, das estreitas relações materiais entre educação e capitalismo, da
expropriação do saber e da exploração salarial impostas pela forma de organização e
fragmentação do trabalho àqueles que fazem a educação. Mas isso não explica tudo,
porque, ao lado dessa lógica, foi amalgamando-se, nas mentalidades, a ética do amor e da
virtude como uma característica inerente ao fazer pedagógico.
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especializações e redução em até 30% das gratificações com pós-graduações strictu senso. As
licenças para qualificações também foram reduzidas, entre outras perdas, o que provocou uma greve
no estado por 51 dias resultando em uma promessa de negociações sobre um novo plano de carreira,
que até o momento não aconteceu.
Observamos que a tal emancipação apresenta-se muito mais como um discurso do que
efetivamente a ruptura de um sistema patriarcal que, pelo contrário, se reproduz agora para atender
aos interesses do capital.
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As extensas jornadas de trabalho – 60% trabalham mais de 40 horas semanais em mais de uma
escola – também são apontadas como motivo de descontentamento e frustação com a carreira.
A divisão das tarefas domésticas é outro ponto de reclamações entre as professoras que
percebem que, embora tenham conquistado o mundo do trabalho, o trabalho em casa ainda é uma
amarra que compromete o tempo que poderia ser usado para o descanso e o lazer. Este ponto nos
chama a atenção e tem nos intrigado a continuar pesquisando sobre as relações de gênero e poder
com objetivo de compreender até que ponto a inserção crescente no mercado de trabalho tem
contribuído para uma mudança nesta relação de poder. Por enquanto, nos parece que, como aponta
Nogueira (2004) ainda não temos muitos avanças neste sentido, ou seja, as mulheres não se
libertaram das relações patriarcais de exploração no espaço privado.
Estes elementos, apenas alguns de uma pesquisa mais ampla, apontam para uma
precarização da vida cotidiana das mulheres trabalhadoras e novamente o caráter duplo marca esta
trajetória, pois agora são também exploradas no mundo do trabalho. Esta condição tem contribuído
em muito para a instalação de uma miséria crescente na vida cotidiana, pela rotina desgastante e
degradante das mulheres que assumem cada vez mais tarefas, sem conseguir se libertar de antigas
imposições.
Referências Bibliográficas
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LIBÂNEO, J. C. Organização e gestão da escola. Goiânia: MF livros, 2008.
MÉZÁROS, I. A educação para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2005.
NOGUEIRA, C. M. A feminização do mundo do trabalho: entre a emancipação e a precarização.
Campinas: Autores Associados, 2004.
RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993.
SAFFIOTI, H. Gênero e patriarcado: violência contra as mulheres. In: VENTURINI, G (org) A
mulher brasileira no espaço público e privado. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2004.
SANTOS, E. F. Mulheres entre o lar e a Escola: os porquês do Magistério. São Paulo: Annablume,
2009.
Geography, gender, labour and everyday life: some reflections on the working of education in
Goiás
Abstract: This article is a product of the research – A feminização e a precarização do trabalho
docente em Goiás / CNPq / UFG - developed between 2011 and 2013 in order to investigate the
teaching work in Goiás in the current government with neoliberal proposal. This article presents
some of the work we investigated how precarious world of work of teachers reaches the everyday
life of the same, playing there, too, the precariousness that is reinforced by their social role of
women, caregiver, mother, wife. We present data from interviews with teachers in the Catalan
town, in Goiás who assist us in understanding the everyday marked by work, by exploitation and by
gender relations imposed by patriarchy.
Keywords: Gender. Work. Geography.
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