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I – Introdução
O trabalho em questão foi extraído de outro mais completo, resultado de pesquisa
comparativa entre São Paulo e Lisboa, que levou em conta o impacto do desemprego
em algumas dimensões da vida familiar e pessoal dos entrevistados.
2º) para situar os entrevistados num contexto relacional familiar e não familiar –
ensinamentos recebidos dos pais e que passam aos filhos – quanto às solidariedades,
maneiras de desenvolver as relações entre os cônjuges, pais e filhos; valores sobre o
trabalho doméstico e não doméstico;
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Projeto apoiado pela FAPESP de São Paulo e ICCI de Lisboa
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Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais - Universidade de São Paulo
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(Ortner e Whitehead, 1972). A metáfora usada neste trabalho, e também por muitos
outros autores (Ortner, 1974; Ardner, 1993; Strathern; 1981), associa o homem ao
espaço público, a mulher ao doméstico; o homem à cultura, a mulher à natureza. Tais
associações têm sentido sociológico na medida em que cada termo da dicotomia tem
uma valoração socialmente diferenciada. Uma valoração positiva para o conjunto
homem-cultura-público e negativa para o conjunto mulher- natureza-doméstico. Essa
valoração é diferenciada porque os homens eram, e ainda o são, associados à razão e as
mulheres associadas à emoção (a dicotomia razão-emoção). Da perspectiva da
valoração social, a razão confere a superioridade masculina e a emoção confere a
inferioridade feminina (Quinteiro, 1996). Exemplos contundentes da valoração social
diferenciada são as posições desiguais no mercado de trabalho, na família, no casal, na
política etc.
Como vimos, a oposição entre esfera privada e esfera pública, razão e emoção,
cultura e natureza, é a que melhor simboliza a relação entre os gêneros porque é
carregada de conteúdos que indicam uma maneira de ser, agir e pensar, recortada pela
superioridade masculina e a inferioridade feminina.
Esses dois conjuntos de oposição persistem, mas vêm se atenuando nas últimas
décadas. As esferas pública e privada interrelacionam-se e são cada vez mais próximas
na medida em que mulheres invadem o mundo da política, do trabalho, da escola, e os
homens, ainda que em menor grau, assumem responsabilidades domésticas. Apesar das
mudanças, a esfera doméstica ainda é considerada inferior porque continua a ser o
espaço da reprodução e da socialização das crianças, o lugar simbólico e concreto da
mulher. O cerne da importância da família está no fato de ser o centro da aprendizagem
das concepções e conceitos emocionais, que afirmam a desigualdade entre os gêneros. E
por ser o lugar por excelência da aprendizagem, é também importante para reensinar
outras concepções e conceitos emocionais que podem e devem ser calcados na eqüidade
entre os gêneros.
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Muitas das entrevistadas dos serviços e da indústria de Lisboa e São Paulo alega
que o relacionamento conjugal não se alterou com o desemprego, algumas alegaram que
ficaram mais unidas aos cônjuges, outras dizem que por passarem mais tempo juntos, as
desavenças começaram. Apenas algumas entrevistadas dos serviços de São Paulo falam
dos atritos conjugais com mais veemência, e estas mesmas são as que mais enfatizam os
sentimentos negativos provocados pelo desemprego – ansiedade, tensão, isolamento,
dependência ao marido.
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o peso atribuído em Lisboa, onde o universo familiar tem enorme influência nas
decisões importantes dos homens e das mulheres (Villaverde Cabral 1997). Em São
Paulo, a decisão da separação conjugal parece ater-se mais ao universo familiar do casal
e filhos e menos aos pais, irmãos e outros membros da rede de parentesco.
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“cuido da casa e dos filhos, antes era muita correria, não dormia direito”
Apenas entre as entrevistadas dos serviços de São Paulo é que a totalidade têm
sentimentos negativos de ansiedade, isolamento, dependência e insegurança.
Chama a atenção a vivência da perda de amigos atestada por parte dos homens
dos serviços e da indústria dos dois contextos. Nestes momentos de infortúnio é que
normalmente as amizades são postas à prova. De fato, restam os poucos amigos, imunes
ao estigma do desemprego, e que prezam a amizade como valor em si, e não a partir dos
benefícios materiais e simbólicos que possam dela usufruir..
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“antes tinha tempo para tudo, agora não, o tempo não rende”
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A valorização do trabalho tem uma grande importância na educação que lhes foi
transmitida e na que transmitem, por sua vez, aos filhos.
a) O trabalho é vital na vida das pessoas por ser a forma honesta para assegurar a
sobrevivência material e simbólica dos atores sociais. É valorizado para a
construção de uma vida melhor, para assegurar o pertencimento de cada um na
sociedade.
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“ser honesto e não faltar ao trabalho é tudo para ser alguém na vida”
“minha mãe nos dizia e eu digo aos meus filhos que é para a nossa realização
profissional”
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“o trabalho é o que tem valor, o que vale, não precisa pisar nos outros para ser
alguém”
Dentre as quatro maneiras, ora vistas, vamos nos ater a esta última. , Primeiro,
porque nas representações sobre a valorização do trabalho enquanto identidade social,
esta percepção vem imbricada às noções de direitos e deveres. Isto é, a identidade
construída – os sentimentos de pertencer e de ser, só fazem sentido articulados ao
respeito por si e pelos outros, às obrigações consigo próprio e para com os outros – com
a família, trabalho e sociedade. Segundo, porque estes entrevistados são desempregados
remanescentes do sistema anterior de organização produtiva, e da anterior organização
do trabalho, que a introdução das novas tecnologias e as novas organizações aboliram.
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“O trabalho precisa dar prazer às pessoas, elas têm que se sentir bem
trabalhando”
IV - Considerações Finais
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que os indivíduos adultos portam maior autonomia de ação em relação aos seus
familiares do que em Lisboa. Aqui, somente para as grandes decisões é que as famílias
são consultadas.
Em São Paulo vige uma cultura do desperdício que permeia vasta porção da
sociedade, o que é pouco observado em Lisboa. Frente às pequenas restrições do
consumo de qualquer ordem, quando o salário é a maior parte da renda, ou a única, estes
desempregados, sobretudo os de alta qualificação, são estigmatizados pelas redes de
sociabilidade, que eles a duras penas construíram. A alta qualificação é necessária para
a empregabilidade, portanto, para assegurar a competição do trabalhador no mercado de
trabalho. O que observamos entre os desempregados dos serviços que têm boas
formação e qualificação, e principalmente em São Paulo, onde o desemprego é menos
protegido do que em Lisboa, uma forte discriminação sofrida em relação a seus pares. O
desemprego é encarado como deficiência profissional do trabalhador, incapaz de manter
seu posto de trabalho e rendimento. Os homens deste segmento de trabalhadores são
mais estigmatizados do que as mulheres.
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V – Bibliografia
ARDNER, Shirley (ed.) – Defining Female. The nature of women in society. Berg.
Oxford, 1993.
FARIA, Vilmar – “A conjuntura social brasileira”. Novos Estudos, nº 33, Cebrap, São
Paulo, 1992.
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LOBO, Elizabeth S.et al. – “O Sexo do Trabalho”, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1986.
LUPRI, Eugen – “The changing position of women in family and society”. Seidler, g. J.
Bull, 1983, pp. 3-43.
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NEUHOUSER, Kevin – “Sources of women’s power and status among the under poor
in contemporary Brasil”. Sings, Chicago, The University of Chicago Press, vol. 14,
nº 3, 1989.
NEVES, Delma P. - “Nesse terreiro galo não canta. Estudo do caráter matriforal de
unidades familiares de baixa renda”. IN: Anuário Antropológico, RJ, UFC/ Tempo
Brasileiro, 1985.
RUBIN, Gayle – “The traffic in women: notes on the political economy of Sex”. IN:
REITTER, R. (ed.) – Toward on antropology of women. New York. Monthly
Review Press.
TOURAINE, Alain – “La societé post industrielle”. Ed. Denoël, Paris, 1989.
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VI - Anexos
Portugal – taxas de desemprego por sexo e jovens dos 15 aos 34 anos de idade
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