Você está na página 1de 29

Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)

Curso de Psicologia

A GENTE FAZ O QUE PODE: A RELAÇÃO ENTRE TRABALHO DOMÉSTICO


REMUNERADO E MATERNIDADE

Fernanda Freitas Camilo 1​


Fabia Alberton da Silva Galvane 2​

Resumo: ​Embora a luta dos movimentos feministas pela ampliação dos direitos das
mulheres seja de longa data, suas pautas ainda são atuais e necessárias. Dentro de
tal movimento, a questão da interseccionalidade vem ganhando destaque, pois,
busca evidenciar que a categoria “mulheres” não é universal. Nesse estudo, foi
problematizado a relação entre trabalho doméstico remunerado e não remunerado,
sua relação com a maternidade e com a divisão sexual do trabalho. O objetivo geral
deste estudo se refere a verificar os sentidos produzidos por trabalhadoras
domésticas remuneradas acerca da relação entre as atividades realizadas e a
maternidade. Tratou-se de uma pesquisa de cunho qualitativa, exploratória. O
instrumento de coleta de informações foi uma entrevista semiestruturada, gravada
em áudio e posteriormente transcrita. Os sujeitos de pesquisa foram mulheres,
mães, cujo meio de remuneração é o trabalho doméstico. As entrevistas foram
analisadas por meio da produção de sentido, conforme apresenta Rey (2015). Por
meio desse estudo, verificamos que as trajetória dessas mulheres, como
trabalhadoras e como mães, são marcadas por concepções naturalizantes que, em
grande medida, desqualificam as atividades que realizam; as entrevistadas afirmam
desconhecer as leis que regem sua atividade; e, muitas vezes, as mulheres
entrevistadas afirmam que são criticadas pela forma como maternam.

Palavras-chave:​ Maternidade. Divisão sexual do Trabalho. Trabalho Doméstico.

THE SENSES PRODUCED BY PAID DOMESTIC WORKERS ABOUT


MOTHERHOOD

Abstract: Abstract: Although the struggle of feminist movements for the expansion of
women's rights is longstanding, their agendas are still current and necessary. Within
such movement, the issue of intersectionality has been gaining prominence, as it
seeks to show that the category "women" is not universal. In this study, the
relationship between paid and unpaid domestic work, its relationship with maternity
and the sexual division of labor was problematized. The general objective of this
study is to verify the relationship between paid domestic work and maternity. It was a
qualitative, exploratory survey. The instrument for collecting information was a
semi-structured interview, recorded on audio and later transcribed. The research
subjects were women, mothers, whose means of remuneration is domestic work. The
interviews were analyzed through the production of meaning, as presented by Rey
(2015). Through this study, we verified that the trajectories of these women, as
workers and as mothers, are marked by naturalizing conceptions that, to a great
extent, disqualify the activities they carry out; the women interviewed affirm that they

1
Acadêmico. E-mail: camilofernanda7@gmail.com
2
Orientador. Titulação:Mestre E-mail: biagalvani@hotmail.com

1
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

do not know the laws that govern their activity; and, many times, the women
interviewed affirm that they are criticized for the way they mother.

Keywords: ​Maternity. Sexual division of labor. Domestic Work.

Introdução
O trabalho doméstico no Brasil é emblemático, pois em suas entrelinhas há
questões raciais, de gênero e classe social, fatores estes que estão ligados
diretamente a excludentes sociais e reprodutores da desigualdade. Segundo os
dados do IBGE (2019,) no Brasil há 6,24 milhões de empregados domésticos, sendo
97% Mulheres e 80% negras. Nesse mesmo ano, o país teve uma grande queda nos
trabalhadores com carteira assinada: apenas 28,4% possuíam os direitos
trabalhistas. Outro fator se refere aos baixos salários, muitas vezes, inferior ao
salário mínimo. A pesquisa realizada pel​o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA) traz um perfil característico das trabalhadoras domésticas no Brasil: mulheres
negras, com baixa escolaridade e com baixa renda.
​Em 2013, a aprovação pelo Senado Federal do Projeto de Emenda
Constitucional 72, popularmente conhecida como PEC das domésticas, possibilitou
importantes mudanças referentes aos direitos dessa categoria profissional. A
emenda estendeu aos trabalhadores domésticos os mesmos direitos da
Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), que rege as relações de trabalho no
Brasil desde meados do século XX. As principais mudanças para as trabalhadoras
domésticas foram: jornada de trabalho de no máximo 44 horas semanais, o
pagamento de adicional noturno, hora extra, seguro desemprego e Fundo de
Garantia por Tempo de Serviço (BRASIL, 2013). Entretanto, o cumprimento da
legislação não é uma realidade comum. Embora não seja possível negar os avanços
que a PEC das domésticas pode possibilitar para essa categoria de trabalhadores,
no Brasil o trabalho doméstico foi – e ainda é - considerado um dos empregos com a
menor remuneração, fato que, possibilita um acentuado processo de exploração. Por
ser um tipo de atividade realizado dentro dos espaços domésticos e, portanto,
privado, a fiscalização dos órgãos reguladores é dificultada e, consequentemente, o
cumprimento de tais leis.
Em se tratando do trabalho doméstico remunerado, é possível pensar que há
um terreno fértil para a pesquisa. Como a relação entre trabalho remunerado e não
remunerado afeta a saúde física e mental de trabalhadoras que são mães? Quais as

2
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

condições de trabalho dessas profissionais? Essas mulheres se sentem


reconhecidas legal e socialmente? (GAMA, 2012).
O estudo aqui proposto busca visibilizar o trabalho dessas mulheres, tão
importante para a reprodução da vida – própria e dos outros. Para tanto, elaborou-se
a seguinte problemática estudo: quais os sentidos produzidos por trabalhadoras
domésticas remuneradas acerca da relação entre as atividades realizadas e a
maternidade? O mesmo tem por objetivo geral, verificar os sentidos produzidos por
trabalhadoras domésticas remuneradas acerca da relação entre as atividades
realizadas e maternidade. Como objetivos específicos: levantar a trajetória de vida e
profissional das entrevistadas; descrever quais as funções realizadas pelas
entrevistadas no trabalho remunerado e no contexto da própria casa; verificar quais
as concepções das trabalhadoras acerca da função materna; levantar como e com
quem as trabalhadoras dividem as responsabilidades com os filhos; verificar se tais
trabalhadoras têm conhecimento acerca de seus direitos e se elas consideram que
tais direitos são cumpridos. ​A idealização da maternidade e sua relação com o
trabalho doméstico remunerado pode tornar-se uma rotina cansativa e permeada de
culpas. Dessa forma, acreditamos ser de grande importância o fomento de estudos
que viabilizem tais problemáticas.
Quanto a estrutura deste artigo, se inicia com a introdução dos principais
pontos sobre os quais nos debruçamos neste estudo. Seguidamente, é apresentado
o referencial teórico que nos serviu de norte, seguido pelo capítulo referente ao
caminho metodológico percorrido. Por fim, é apresentada a análise das entrevistas,
elaboradas por meio da articulação entre o referencial teórico e as falas dos sujeitos
de pesquisa, seguida de breves considerações finais. Esperamos que esse estudo,
longe de sanar a problemática aqui destacada, fomente outros estudos.

Divisão sexual do trabalho e interseccionalidade: desigualdade dentro da


desigualdade
Os estudos acerca da divisão sexual do trabalho buscam - além de tornar
visíveis as desigualdades entre homens e mulheres no mercado de trabalho -
problematizar as justificativas para tais desigualdades. Segundo Saffioti (2013, p.
61), a mulheres, principalmente as das classes populares, nunca foram alheia ao
trabalho. “Em todas as épocas e lugares ela tem contribuído para a subsistência de

3
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

sua família e para criar riqueza social”. Ainda segundo a autora, é preciso levar em
conta que é no sistema capitalista que, referente a questões relacionadas ao
trabalho, as mulheres enfrentam as condições mais adversas para sua participação
na vida pública. Com base numa ideia de “essência feminina”, o mundo separa
homens e mulheres: aos homens a vida pública e às mulheres a vida privada, o
cuidado da casa e dos filhos.
A divisão sexual do trabalho se refere a comparações realizadas por diversos
institutos e pesquisadores acerca das diferenças entre homens e mulheres no
mercado de trabalho (HIRATA; KERGOAT, 2007). Tais estudos destacam, além das
desigualdades em relação aos homens, uma marca do trabalho doméstico -
relacionado aos cuidados com as crianças e com a casa – nas atividades realizadas
por mulheres no mercado de trabalho remunerado. Há uma “naturalização” de certas
habilidades femininas que são constituídas, de fato, histórica, social e culturalmente
(CAPPELLIN, 2008; SAFFIOTI, 2013)​.
Alguns estudos relacionados a participação das mulheres no mercado de
trabalho destacam que, ideias naturalizadas acabam por reforçar a participação das
mulheres em determinados setores de trabalho. Cappellin (2008, p. 9), destaca que
“os índices estatísticos nacionais relativos à década 1996-2006 mostram que, na
virada para o século XXI, ocorreu uma consistente ampliação na abertura do
emprego para as mulheres”. Entretanto, a autora afirma que é necessário atentar
para a bipolaridade da participação das mulheres no mercado do trabalho, sendo
que, mesmo mais escolarizadas do que os homens, elas acabam por ocupar cargos
menos remunerados e mais precarizados. Segundo dados RAIS/CAGED sobre
trabalhadores ocupados no Brasil em dezembro 2019, há uma grande massa de
força de trabalho feminina ocupando vagas no setor de Comércio e Serviços, em
detrimento de vagas nos setores de Construção Civil, Indústria e Agropecuária. No
caso do trabalho doméstico – setor de “Serviços” segundo o IBGE – é notório que é
ocupado em sua grande maioria por mulheres e que, as condições de trabalho são,
em muitos casos, precárias. Numa pesquisa publicada pelo IBGE (2006) sobre “O
trabalho da mulher principal responsável pelo domicílio”, mostra que 21% das
pesquisadas eram trabalhadoras domésticas e que,

elas se submetiam a jornadas semanais mais longas (39,2 horas)


que aquelas cumpridas pelas mulheres ocupadas (38,7 horas) e a
rendimentos que, apesar de maiores que os auferidos pela

4
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

população feminina ocupada, ainda eram precários: 78,6% das


trabalhadoras que eram as principais responsáveis por seus
domicílios recebiam menos de 3 salários mínimos. (IBGE, 2006, p.
03).

Outra questão que se destaca nos estudos relacionados à divisão sexual do


trabalho é, ainda, o abismo entre as atividades e remuneração das mulheres
brancas em relação às negras​3​. Um estudo realizado pelo Instituto de Ensino
Superior e Pesquisa sem Fins Lucrativos, (INSPER, 2019), montra que em todas as
profissões, as mulheres negras recebem menos do que homens (brancos e negros)
e do que mulheres brancas.
Quando pensamos na situação da mulher negra no Brasil, além das
desigualdades sofridas no âmbito do gênero, é possível pensar em questões de
raça. Embora lutem pelo reconhecimento, em movimentos feministas e negros, a
discriminação ainda é uma realidade para essa parcela da população. Segundo
Abramo (2007), que realizou um estudo sobre divisão sexual do trabalho na America
Latina, entre os pobres do mundo, as mulheres são as mais pobres. E, ainda
segundo a autora, entre as mulheres pobres, as mulheres negras são as mais
pobres. Essa é uma das problemáticas que têm feito à questão da
interseccionalidade ganhar força nos movimentos feministas.
A interseccionalidade, pauta dos atuais movimentos feministas, demarca as
múltiplas fontes que constroem uma identidade. Crenshaw (1989) propõe uma
subdivisão em duas categorias: a "interseccionalidade estrutural", as mulheres
negras na intersecção da raça e do gênero, e a "interseccionalidade política", que
são as políticas feministas e antirracistas, que visam proteger mulheres negras da
violência. Bilge (2009) acrescenta na teoria formulada por Crenshaw, que a
interseccionalidade nos proporciona conhecer a complexidade das identidades e das
desigualdades sociais, integrando gênero, classe, raça, etnicidade e orientação
sexual, indo além de reconhecer os sistemas opressores diante dessas categorias,
mas como eles agem na reprodução das desigualdades sociais.
Autoras como Leia Gonzalez (1988) e Angela Davis (1983) dedicaram-se a
esses estudos articulam gênero e raça, compreendendo que apenas o feminismo
não era capaz de dar conta da complexidade da categoria “mulheres”, pois, haviam

3
Há, a nível mundial, uma discussão frequente acerca do uso da palavra “negro/negra”, sendo que,
alguns autores e/ou militantes de movimentos sociais afirmam que o correto seria “preto/preta”.
Entretanto, por utilizarmos nesse estudo os trabalhos da filósofa Djamila Ribeiro, optamos por utilizar
a palavra “negra”, mesma palavra que a autora utiliza.

5
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

outras questões que contribuem para a sua discriminação (TANAKA, 2017). Por
volta de 1980, após o termo interseccionalidade ser utilizados por Crenshaw, o
mesmo passa a ganhar visibilidade, tornando se um novo conceito a ser estudado.
A desvalorização do trabalho doméstico, mesmo quando remunerado, é,
segundo Ribeiro (2018), uma das heranças de um Brasil escravocrata. Se o cuidado
com a casa e com os filhos recai as mulheres, como se fosse seu “lugar de destino”,
às mulheres negras recai a realização de tais atividades em condições ainda mais
precárias. “Numa sociedade de herança escravocrata, patriarcal e classista, cada
vez mais se torna necessário o aporte teórico e prático que o feminismo negro traz
para pensarmos um novo marco civilizatório” (RIBEIRO, 2018, p. 127).
Em relação ao trabalha remunerado no Brasil, Ribeiro (2018) explica que,
quando imigrantes europeus foram incentivados a vir para o Brasil – após quase
quatro séculos de escravidão dos negros – tiveram incentivos do governo: terras,
ajuda financeira, acesso a trabalho remunerado. Já no caso da população negra,
não se criou mecanismos de inclusão após o período de escravidão. Os negros
saíram das senzalas para as favelas, sem acesso a educação, saúde, renda,
moradia. Os trabalhos com piores condições eram, em grande medida, realizados
por essa população e eram muito mal remunerados. O trabalho doméstico era um
deles.

Minha avó materna nascida na década de 1920 teve que começar a


trabalhar aos nove anos como empregada doméstica. O Estado
brasileiro não garantiu seu direito à educação. Ela contava que a
patroa colocava um banquinho para que ela alcançasse a pia para
lavar a louça enquanto os filhos estudavam, viajavam, comiam bem.
(RIBEIRO, 2018, p. 74).

Não é incomum, no Brasil, vermos a “tradição” do trabalho doméstico se


perpetuar por gerações. Para Ribeiro (2018), não possibilitar o acesso a educação e
formas de trabalho mais descentes para essas mulheres é reforçar formas de
desigualdade e exploração de gênero, raça e, até mesmo, infantil.

Trabalho e maternidade: quem cuida de quem cuida?

Segundo Pedro (2005), os movimentos feministas apresentam, ao longo dos


anos, ondas e vertentes que, de certa forma, tentam dar conta da diversidade de
reivindicações feitas pelas mulheres. Entretanto, apesar das diferentes pautas, o

6
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

feminismo busca romper com situações desiguais e de exploração nos diferentes


contextos que ela acontece. E, para se romper com cenários desiguais, um dos
principais elementos é a desnaturalização de concepções que (re)produzem a ideia
de uma essência feminina.
Beauvoir (1968) explica que, no decorrer dos anos muitos estudos – no
campo político, médico, psiquiátrico, jurídico - reforçaram a ideia de uma essência
feminina e, consequentemente, que o destino da mulher seria a esfera privada: o lar
e a maternidade. A filósofa afirma que, muitas vezes, essa ideia de natureza
feminina é utilizada para justificar certa resistência à participação das mulheres em
contextos públicos. Em relação à maternidade, tais concepções podem reforçar uma
ideia equivocada de que, naturalmente, toda mulher nasce para ser mãe e deveria
sentir-se apta e feliz para maternar.
Badinter (1985) questiona a natureza instintiva do amor materno, afirmando
que essa ideia é fruto de uma construção social e reforçada por diversas instituições.
Os pensamentos e cobrança por “estarem ou não sendo boas mães”, também
contribui para que esse estereótipo prevaleça. Quando uma mulher não consegue
desempenhar a maternidade conforme “o ideal”, ou não se sente feliz em fazê-lo, é
possível que seja tomada por um sentimento de culpa, de fracasso. ​O desejo –
assim como as habilidades - de ser mãe acaba por ser naturalizado, como se,
conforme Beauvoir (1968), o destino da mulher fosse à maternidade.
Ao longo dos séculos XIX e XX a vida familiar – privada - passou a ser vista
com extrema relevância social, tornando-se, inclusive, uma preocupação do Estado.
Segundo Ariés (1981) e Donzelot (1986), a infância passou a ser considerada a fase
mais importante na vida das pessoas, exigindo uma atenção maior para esse
público. Estudos psicanalíticos datados no fim do século XIX e início do século XX,
por exemplo, levaram as preocupações com a infância a um novo patamar.
Segundo Freud ​(1996), ​elementos relacionados a cada fase do desenvolvimento
infantil, possibilita consequências na vida adulta. Reforça-se, dessa forma, uma
preocupação com o cuidado das crianças, vistas, anteriormente, como pequenos
adultos. É possível pensarmos que, historicamente atribuída às mulheres, uma
exigência maior no cuidado com as crianças possibilita, consequentemente, uma
cobrança maior em relação ao papel das mulheres na maternidade. Juntamente a
atribuição de novos valores, o papel materno ganhou destaque na sociedade.

7
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

Para Badinter (1985), enquanto instaura-se a família moderna, as relações


afetivas ganham o conceito de essencial para o desenvolvimento da criança, e o que
deveria ser família, resume-se a mãe, fazendo com que o lugar da mulher aos
poucos fosse atrelado ao cumprimento das funções de maternas. Ser mulher, então,
passa ser entendido com uma função social: cabia – e cabe - a ela cuidar da saúde
e bem-estar dos membros da família, além de ser responsável pelo desenvolvimento
emocional dos filhos. Ao mesmo tempo em que são engrandecidas por seu papel na
maternidade, ao mínimo “deslize” são desqualificadas. A mãe ideal cuida sozinha da
educação dos filhos, da higiene, estimula seu desenvolvimento, o alimenta, leva a
escola, compra roupas, brinquedos, não o deixa adoecer, ela é protetora em tempo
integral.
Como apresentado no capítulo anterior, concepções de que as mulheres são
“naturalmente hábeis” para realizarem atividades relacionadas ao cuidado têm
consequências na vida material de tais mulheres: além de estarem tradicionalmente
alocada em maior número em alguns setores do mercado de trabalho, são ainda, as
principais responsáveis pelas atividades domésticas.

A natureza feminina do emprego doméstico não é de surpreender.


Em nossa sociedade, os afazeres domésticos são tidos como
responsabilidade da mulher, qualquer que seja sua situação social,
sua posição na família e trabalhe ela ou não fora do lar. Quando
esses afazeres são realizados pela dona-de-casa, no âmbito da
família, eles não são considerados como trabalho e são computados
pelas estatísticas como inatividade econômica (BRUSCHINI,
LOMBARDI, 2000, p.70).

Ainda segundo Bruschini e Lombardi (2000), no mundo todo, as horas


utilizadas com a realização das atividades domésticas e com o cuidado com as
crianças pelas mulheres é bem maior do que em relação aos homens, fato que,
ocasiona o que tem sido chamado de “dupla jornada de trabalho” das mulheres. As
autoras afirmam que, no Brasil, a média de horas semanais que as mulheres
passam trabalhando – somando-se trabalho remunerado, trabalho realizado na
própria casa e cuidado com as crianças – é de 92 horas, enquanto a média dos
homens é de 60 horas. É possível pensarmos no quanto as trabalhadoras mulheres
estão sujeitas ao adoecimento físico e psíquico. As mulheres são, muitas vezes,
responsáveis pelo provento do lar e pelo bem estar de todos que com ela vivem,
estando sujeita às mais diversas e cruéis críticas.

8
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

É uma demonstração do quanto as construções sociais privilegiam


os homens e criam valores que colocam a mulher num lugar de
quase impossível transcendência, para usar um termo de Simone de
Beauvoir. Desde muito cedo somos ensinadas que devemos ser
mães. Divulgam uma ideia romântica de maternidade e enfiam goela
abaixo, naturalizando esse lugar. Mais além, criam-se a culpa. Não é
incomum ouvir “Que mãe é essa que permite isso?” ou “Mãe que é
mãe aguenta tudo”. (RIBEIRO, 2018, p. 86-87).

Ainda segundo Ribeiro (2018), é preciso se repensar o papel do Estado no


aporte oferecido às mulheres trabalhadoras. Quem, afinal de contas, se
responsabiliza por essa mulher?

Trabalho doméstico remunerado, legislação e (des)valorização


O trabalho doméstico no Brasil e no mundo tem sua raiz na escravidão.
Enquanto os trabalhadores de diversos setores tiveram seus direitos reconhecidos
na maioria dos países, as trabalhadoras domésticas ficaram, durante anos, as
margens de tais conquistas. Estudos recentes do Instituto Brasileiro Geografia e
Estatística (IBGE) e do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA), mostram
que, mesmo na atualidade, a condição das trabalhadoras domésticas é de
desigualdade em relação a outros setores como do comércio e da indústria.
Segundos tais institutos, no Brasil, há mais de 6 milhões de trabalhadores
domésticos, sendo 97% mulheres e 80% negras.
Quanto à remuneração, essa categoria de trabalho está entra as mais baixas
do Brasil e, apresenta as condições mais precárias. De ​acordo com o IBGE (2019)
as mulheres recebem salários inferiores aos dos homens. Entretanto, o caso das
mulheres negras e pardas a situação é ainda mais dramático. Essas trabalhadoras
recebem o salário mais baixo em comparação a todos os outros trabalhadores: em
relação aos homens brancos, aos homens negros e pardos e em relação às
mulheres brancas. Tais dados desnudam a desigualdade social. Segundo o
Ministério do Trabalho e do Emprego (MTE, 2015):

Considera-se trabalhador doméstico aquele maior de 18 anos que


presta serviços de natureza contínua (frequente, constante) e de
finalidade não-lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial
destas. Assim, o traço diferenciador do emprego doméstico é o
caráter não-econômico da atividade exercida no âmbito residencial
do empregador. Nesses termos, integram a categoria os seguintes
trabalhadores: empregado, cozinheiro, governanta, babá, lavadeira,
faxineiro,vigia, motorista particular, jardineiro, acompanhante de

9
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

idosos, dentre outras.O caseiro também é considerado trabalhador


doméstico, quando o sítio ou local onde exerce a sua atividade não
possui finalidade lucrativa.

O Brasil é considerado hoje o país com o maior número de domésticas no


mundo (OIT, 2010, apud G1, 2013). 52,6 milhões de pessoas realizam a atividade
doméstica, destes 83% são mulheres, quase 30% estão excluídos da legislação e
45% não possuem o direito a férias e nem a descanso semanal. Após as mudanças
na legislação sancionada em 2013 – conhecida como PEC das domésticas - muitos
empregadores, para não pagarem direitos à suas empregadas, passaram, então, a
trocar a empregada doméstica fixa por uma diarista que, neste caso, não configura o
vínculo empregatício (FLORES, 2013). ​As leis acerca do trabalho doméstico afetam
– positiva ou negativamente – as mulheres, sendo que, o trabalho doméstico, seja
ele remunerado ou não, foi/é historicamente associado às mulheres, enraizado nas
construções das relações de gênero, reduzindo ao biológico elementos que são, de
fato, culturais (HIRATA, KERGOAT, 2007).
Os afazeres domésticos, geralmente, são realizados pelas mulheres. Fato
que, por fim, beneficia todos os outros integrantes da família. Enquanto a mulheres
precisam enfrentar diferentes jornadas de trabalho, os homens podem dedicar-se
aos estudos ou ao trabalho remunerado. Esse fato dá a falsa impressão de que o
lugar de natureza das mulheres é o lar, sendo, sua participação no trabalho
remunerado, considerada por muitos como um mero acidente (ABRAMO, 2007).
Isso se reflete quando, por exemplo, as mulheres não conseguem alcançar cargos
de maior responsabilidade e, consequentemente, melhor remunerados dentro das
empresas (CAPPELLIN, 2008). Esses dados levaram autores que estudam o tema,
destacar a “feminilização” de alguns setores do mercado de trabalho. Tal
feminização se refere a profissões que são massivamente ocupadas por mulheres:
faxineiras, cuidadoras, cozinheiras - funções desvalorizadas financeiramente e
socialmente (GUTIÉRREZ RODRÍGUEZ, 2014).
Ao se associar mulheres e trabalho doméstico - como algo determinado por
características biológicas, a partir do nascimento - se reforça a divisão sexual do
trabalho e, consequentemente, cenários de desigualdades relacionadas ao gênero,
raça e classe social (TANAKA, 2017). A desvalorização das atividades doméstica
pode ser observada por dois vieses distintos: a invisibilidade de tais atividades
quando realizadas no contexto do próprio lar; e, a baixa remuneração e

10
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

precariedade quando realizado enquanto profissão. Dito de outra forma, as


atividades domésticas feitas na própria residência não são entendidas –
economicamente falando – com um trabalho. Quando realizadas como forma de
remuneração – embora sejam um importante fator econômico e de geração de renda
para mulheres – se trata de um trabalho historicamente precarizado​4​.

Ou seja, apesar de sua natureza semelhante, as mesmas atividades


têm significado diferente para a economia, caso sejam realizadas
como prestação de serviços remunerados, ou por alguém da família,
em geral uma mulher, sem qualquer pagamento. É por isso que o
economista inglês Collin Clark afirmou que, se alguns homens
solteiros casassem com suas empregadas domésticas, a renda
nacional diminuiria, o inverso ocorrendo se alguns casados se
separassem de suas esposas e passassem a pagá-las como
domésticas (BRUSCHINI; LOMBARDI, 2000).

A naturalização de tal função é utilizada como forma de exploração, como se,


a mulher realizasse as atividades domésticas por amor. Não à toa, é comum ouvir
patrões relatando que “tratam a trabalhadora doméstica como se fosse da família”.
Essa naturalização dificulta, por exemplo, que tais trabalhadoras tenham os mesmos
direitos de outros trabalhadores de setores diferentes. Além de problematizar a
questão da divisão sexual do trabalho, Bernardino e Costa (2015) explicam que é
necessário se debruçar sobre questões de raça. Segundo os autores, podemos
trazer dois grupos de mulheres no mercado de trabalho: brancas e negras. O padrão
conceituado na hierarquização e superioridade racial ainda continua a mesma após
o período de colonização. Essas ideias limitam o mercado de trabalho e ascensão
social dos negros.
Estudos sobre as relações de empregados e empregadores mostraram como
a naturalização da discriminação gerada pela ideia de superioridade - de gênero ou
de raça - ainda são comuns no Brasil. Assim, as crianças aprendem desde cedo a
naturalizar atitudes discriminatórias e racistas. A contratação de empregadas
domésticas, em sua grande maioria negra, desnuda os valores escravocratas que,
mesmo após anos, fundamentam as desigualdades econômicas e sociais. E, ainda,
4
Em pleno 2020 a mídia brasileira divulgou amplamente o caso de uma mulher foi condenada na
Justiça do ​Trabalho por manter uma empregada doméstica trabalhando por mais de 35 anos em
situação análoga à escravidão na Bahia. O Ministério Público do Trabalho informou que a vítima foi
resgatada no dia 21 de dezembro de 2017, após denúncias anônimas. A trabalhadora foi encontrada
na residência e confirmou em depoimento que trabalhava sem receber qualquer tipo de pagamento,
que o trabalho era trocado pela moradia, alimentação e vestuário.

11
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

destaca a importância de estudos sobre interseccionalidade que visem dar conta da


complexidade que o tema exige (TANAKA,2017).
A Emenda Constitucional 72/2013, que originou a Lei Complementar
150/2015, popularmente conhecida como PEC das Domésticas, trata-se de uma das
primeiras medidas a fim de se regulamentar e regularizar o trabalho doméstico. O
principal objetivo de tal emenda é que as trabalhadoras domésticas possam usufruir
dos direitos trabalhistas conquistados – desde meados do século XX no Brasil - por
outras categorias de trabalho. Entre tais direitos: definição da carga horária, férias,
salário mínimo fixo, benefícios, adicionais, horas-extras. Com a nova lei, os patrões
também teriam obrigações, como: formalizar a situação das trabalhadoras,
realizando o registro em Carteira de Previdência Social e contribuindo/arrecadando
tributos previdenciários essenciais (BRASIL, 2015).
Entretanto, com a aprovação em 2017, no Senado Federal, da Lei nº 13.429,
conhecida como PEC da terceirização​5​, amplia-se as possibilidades de exploração e,
portanto, precarização do trabalho, sendo, possivelmente, o setor de serviços –
amplamente ocupado por mulheres - o mais afetado. A terceirização do trabalho é,
muitas vezes, anunciada como uma possibilidade de flexibilização da legislação em
vigor com a intenção de incentivar a geração de emprego. Mas, segundo alguns
estudos, “flexibilizar” é, na verdade, precarizar​6 as condições de trabalho e proteção
do trabalhador (SOUZA-LOBO, 2011; HIRATA, 2014). No caso do trabalho
doméstico, historicamente naturalizado e desvalorizado, é possível que as
consequências da lei de terceirização sejam mais drásticas.
O trabalho doméstico é analisado como um campo de constituição e
reprodução de desigualdade de gênero, raça e classe. Por isso, esse estudo busca
compreender, não apenas a função em si, mas as relações que se constroem na
relação entre trabalho doméstico remunerado e não remunerado e, ainda,
desnaturalizar elementos que reforçam desigualdades.

5
Segundo o Desembargador do Trabalho Enoque Ribeiro dos Santos “o que efetivamente está por trás da Lei nº
13.429/2017: regulamentar a terceirização, veladamente dar um cheque em branco ao empresariado ou abrir uma
porteira a uma terceirização desenfreada e sem amarras”.
6
De acordo com Pelatieri et. al (2018), num estudo publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
(IPEA), que problematiza efeitos de Lei de terceirização no Brasil, “é provável que as diferenças aqui
identificadas se aprofundem, com aumento da precarização das condições de trabalho e da remuneração. Se isso
ocorrer, poderá haver uma piora na própria distribuição de renda no país, além do aumento da insegurança entre
os trabalhadores, num momento de agravamento da recessão, em que o governo federal propõe reformas
institucionais restritivas de direitos, como a previdenciária e a trabalhista”.

12
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

Procedimentos metodológicos

O presente estudo consiste em uma pesquisa exploratória, de abordagem


qualitativa. Esse método caracteriza-se pela construção de categorias de análise
baseadas no diálogo entre pesquisador e pesquisado (REY, 2007). Para o autor, a
pesquisa qualitativa em psicologia é construída no decorrer do processo sem
necessitar de hipóteses elaboradas a priori. A produção de sentidos, método
utilizado por Rey (2007), trabalha com a construção de sentidos e significados
atribuídos pelos entrevistados acerca da própria realidade. Assim, o processo de
construção desse estudo envolve a articulação entre o referencial teórico, caminho
metodológico escolhido e informações dos entrevistados.
De acordo com Rey (2007), o sentido não se limita apenas a uma função,
nem de linguagem, nem do pensamento tomadas isoladamente, mas sim como uma
produção psicológica complexa e articulada, entre pensamento, linguagem, fala,
personalidade e consciência. A pesquisa de caráter qualitativo visa, muito além de
respostas fechadas acerca do problema, explorar os fatos e construir o
conhecimento na relação entre pesquisador e pesquisado. A aproximação com as
mulheres entrevistadas foi por acessibilidade e as informações foram coletadas por
meio de entrevista semiestruturada, gravadas em áudio e, posteriormente,
transcritas em sua íntegra. A entrevista foi desenvolvida de acordo com os objetivos
estabelecidos nesse estudo. Para garantir a privacidade das entrevistadas,
substituiu-se os nomes verdadeiros por números.
Os sujeitos de pesquisa foram 10 mulheres, mães, que têm como forma de
remuneração o trabalho doméstico – registrado ou não - e que residem em cidades
localizadas na encosta da Serra Geral. As entrevistadas assinaram um Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. De acordo com Vergara (2004) sujeitos da
pesquisa são as pessoas que contribuem com o fornecimento de dados e
informações para pesquisas. As entrevistas foram realizadas por videoconferência
ou presencialmente – seguindo os decretos de segurança de saúde por conta da
epidemia de COVID-19 - no período de julho a setembro de 2020. Destaca-se que
tal estudo foi submetido à Plataforma Brasil e aprovado pelo Comitê de Ética e
Pesquisa.
A análise das informações seguiu o modelo proposto por Rey (2007). Para o
autor, a análise de sentido é realizada por meio da identificação de indicadores

13
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

destacados nas falas dos entrevistados. Tais indicadores alertam para zonas de
sentidos que, posteriormente, possibilitam a elaboração de categorias de análise.
Esse modelo de análise, segundo Rey (2007), permite que o pesquisador analise as
informações a partir do sentido que as próprias entrevistadas atribuem à realidade
das quais estão inseridas e, permite também, que tais informações sejam articuladas
com autores que se debruçam sobre o tema. Quanto à estrutura da análise,
elaborou-se as seguintes categorias: como se estivesse na minha casa: trajetórias
marcadas pela repetição das atividades realizadas em casa como forma de obter
remuneração; a gente faz o que pode: sobre maternidade e sustento; na minha
época não tinha isso: sobre leis que amparam o trabalho doméstico.

Análise das entrevistas

Antes da apresentação das categorias de análise, por achar essencial


apresentar “quem são as mulheres entrevistadas?” foi elaborada uma tabela –
Tabela 01 – com o perfil das mesmas.

Tabela 01-​ Perfil das entrevistadas


Entrevistada Primeiro Função Anos na Estado civil Nº de Registro
Emprego atual função filhos em CPT
01 Agricultura Diarista 17 Casada 2 Não
02 Produção Mensalista 22 Viúva 2 Sim
03 Malharia Diarista 14 Separada 2 Não
04 Agricultura Mensalista 32 Separada 2 Não
05 Doméstica Faxineira 5 Solteira 1 Não
06 Faxineira Mensalista 2 Casada 1 Sim
07 Doméstica Diarista 37 Separada 3 Sim
08 Doméstica Mensalista 19 Casada 3 Sim
09 Babá Mensalista 14 Casada 3 Sim
10 Conferente Mensalista 2 Casada 2 Sim
Fonte: Autoras(2020).

Entre as 10 entrevistadas, 40% delas não tem o registro em CPT e uma delas
afirma que já teve o registro em carteira, mas, a mesma trouxe isso como algo
negativo, pois, devido aos impostos, recebia menos. 50% da amostra não tem
companheiros/as, e são as únicas responsáveis pelo lar. Duas delas afirmam que
não recebem pensão alimentícia do pai das crianças. Apenas uma das entrevistadas

14
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

completou o ensino médio, 4 delas possuem o ensino fundamental completo e 5


ensino fundamental incompleto. 3 entrevistadas contaram que sentem vontade de
voltar a estudar, porém, a condição financeira atual e a falta de tempo ainda é um
obstáculo. Uma delas não fez o ensino superior, pois, seu pai não deixou, pelo fato
de ser mulher. Mesmo as mais jovens da amostra - 31 a 35 anos - não tiveram a
oportunidade de estudar, considerando que a maioria delas morava no interior e
tiveram o primeiro emprego antes dos 15 anos. Entre as entrevistadas, 30% são
negras, o que é um número significativo quando colocado a nível local, considerando
que em Santa Catarina, Unidade Federativa na qual se localiza o espaço geográfico
aqui delineado, apenas 6% da população se autodeclara negra.
Algumas das entrevistadas trabalham aos fins de semana, 4 delas não
possuem telefone celular, fato que dificultou o primeiro contato e a realização da
entrevista. A amostra foi composta por 3 diaristas, que trabalham em mais de uma
casa por semana, sendo essas casas fixas; 1 trabalha como faxineira, que se
configura por trabalhar em casas diferentes não fixas; 6 são mensalistas – trabalham
em apenas uma casa. Dessas, 4 não possuem registro em CPT e 6 possuem o
registro. Em relação às atividades realizadas, as diaristas e a faxineira são
responsáveis pela limpeza e, as mensalistas, além da limpeza, são responsáveis
pela organização da casa, cuidado com as roupas, cuidado com as crianças e
cozinhar.

Como se estivesse na minha casa: trajetórias marcadas pela repetição das


atividades realizadas na própria casa

De acordo com as entrevistadas, a maioria começou a trabalhar de forma


remunerada entre 15 e 16 anos, duas delas iniciaram antes. Porém, antes disso, já
realizam o trabalho doméstico em suas próprias casas e, 5 delas relataram trabalhar
na agricultura, na propriedade da família. Há que se destacar a tenra idade – muitas
vezes na infância – que tais mulheres são inseridas na realização das atividades
domésticas. Vale destacar que, no meio rural, segundo alguns estudos, dente eles o
de Paulilo (1987), as atividades realizadas pelas mulheres são, muitas vezes,
tratadas como atividades domésticas. Uma das entrevistadas destaca que, em seu
primeiro trabalho não recebia remuneração. Realizava as atividades domésticas em

15
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

troca de casa e comida, fato que, segundo a legislação brasileira, configura atividade
análoga à escravidão.

Aos 11 anos minha mãe morreu, meu pai trabalhava na mina, só


morava eu e ele. Então, uma família que morava ali perto me
‘adotou’. Eu morava ali e em troca fazia todo o serviço da casa. Eles
já eram mais velhos, trabalhei para eles até os 22 anos, mas nunca
recebi nada em dinheiro, nunca tive a carteira assinada. Só quando
eu fui embora aos 22 anos, eles me registraram como se eu tivesse
trabalhado lá 3 anos, mesmo assim eu nunca recebi nada.(Ent. 07)

Aos 10 anos, eu limpava a casa, fazia tudo, quando eu fiquei mais


velha, cuidava dos filhos dos patrões também, mas eu não ia todos
os dias (Ent.08).

​A entrevistada 07 afirma ainda que, após sair da casa, começou a trabalhar


como empregada doméstica, pois era o que sabia fazer. Entretanto, seu primeiro
trabalho com registro em carteira foi aos 26 anos, como cuidadora. Quando
questionada sobre os anos que trabalhou sem registro – exercendo atividades
domésticas – a mesma afirma que se tratou mais de uma “ajuda” aos senhores que
a adotaram. O trabalho doméstico remunerado no Brasil, em geral, já possui
inúmeras problemáticas. Dentro desse contexto, há o trabalho doméstico infantil,
algo tão enraizado que foi necessário ​ser contemplado, por meio da Lei 8.069/1.990,
no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e instituído em 1990. O trabalho
doméstico infantil (TID), também é considerado ilegal quando ocorre na própria
residência. Entre as entrevistadas, duas delas afirmam que começaram a trabalhar
fora de casa aos 10-11 anos e, apenas uma era remunerada.
De acordo com Alberto et.al (2006), o TID divide-se em três modalidades: a)
tipo socialização, que é o trabalho realizado na própria casa; b) o tipificado como
“ajuda”, que seria o trabalho realizado na casa da família ou de terceiros, dessa
forma, a criança ou adolescente responsabiliza-se pelos afazeres domésticos,
liberando os adultos para realizarem outras atividades, contribuindo de forma
indireta para a renda familiar; e, o tipo remunerado, onde a criança ou adolescente
recebe um pagamento em dinheiro ou gêneros e há nitidamente estabelecida uma
relação de trabalho empregador e empregado. Todos são considerados trabalho
infantil, sendo, segundo a legislação brasileira, tipificado como crime. As
entrevistadas também falam da similaridade entre as atividades realizadas no
trabalho e na própria residência. A dificuldade do acesso à escolaridade pode, de
certa maneira, limitar as possibilidades de trabalho para tais mulheres, sendo que,

16
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

por falta de formação, ela vende sua força de trabalho por meio daquilo que sabem:
as atividades domésticas.

É igual como se eu tivesse na minha casa. Eu faço de tudo, a única


coisa que eu não faço é a comida e lavar roupas (Ent. 06).

Eu não estudei muito, ou trabalhava na casa dos outros ou na roça,


não tinha muita escolha (Ent. 07).

Quanto às atividades realizadas na própria casa, todas as mulheres


afirmaram que são as principais responsáveis. Outro dado importante é que, quando
outras pessoas realizam tais atividades, isso é entendido como “ajuda”, destacando
que, as entrevistadas tomam para si a obrigação de executá-las. E, ainda, há uma
tendência de que, as pessoas que “ajudam”, são, em grande medida, outras
mulheres. Geralmente, quem ajuda em casa são as filhas. Quando eram os filhos,
as entrevistadas falam de “ajuda básica”: como lavar a louça ou varrer a casa.
Apenas uma trouxe que o filho realiza o serviço da casa, entretanto, a filha de 8
anos ajuda também.
Estudos feministas têm destacado que concepções acerca de uma essência
natural a todas as mulheres, ligando as mesmas a maternidade e ao cuidado com a
casa, dificulta o acesso das mesmas a determinadas profissões e, ainda, dificulta
que elas ocupem vagas de maior prestigio e melhor remuneradas no mercado de
trabalho (CAPPELLIN, 2008). É possível pensar que, no que se refere às atividades
domésticas, tais concepções são ainda mais difíceis de serem superadas. De fato,
mesmo as mulheres ocupando massivamente postos no trabalho formal, são elas
ainda as maiores responsáveis pela realização das atividades domésticas
(BRUSCHINI; LOMBARDI , 2000).
O trabalho doméstico é, culturalmente, associado às mulheres. ​De acordo
com Federici (2019) o trabalho doméstico foi atribuído a personalidade das
mulheres, algo da “natureza feminina”. ​E, por ser entendido como uma habilidade
natural às mulheres, seu lugar como destino – para utilizar Beauvoir (1968) – é
desvalorizado e, consequentemente, precarizado, mesmo quando é realizado como
forma de trabalho formal e obtenção de renda. Algumas entrevistadas afirmam que,
por necessitarem de uma fonte de renda, tiveram que trabalhar e abandonar alguns

17
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

projetos, como por exemplo, estudar. A formação é vista por algumas entrevistadas
como uma forma de ter “uma situação” melhor.
Quando meu filho era pequeno, e eu me separei do pai dele, eu
“tava” trabalhando o dia todo fazendo faxina, e a noite eu trabalhava
de garçonete, chegava 1h em casa (Ent. 03).

Se eu tivesse conseguido estudar, teria uma situação melhor hoje.


Mas, fazer o que, não dá de voltar no tempo (Ent. 07).

A desvalorização do trabalho doméstico, mesmo quando remunerado,


interfere diretamente nos baixos salários, na dificuldade do acesso à formação e no
aumento da jornada de trabalho. Assim, é possível pensarmos que, não somente o
trabalho doméstico é precarizado, mas, a própria vida das mulheres. Tal
precariedade pode ser refletir na saúde física e emocional.

Eu não via ele (filho) o dia todo. Quando estava em casa, estava
sempre cansada, sem paciência (Ent. 03).

De acordo com França (2010), o ambiente de trabalho é de suma importância


e interfere em outros fatores, como a qualidade de vida e a saúde dos trabalhadores.
Quando se trata do trabalho doméstico, a falta de produtos e utensílios que facilite o
desempenho das funções interfere diretamente na qualidade de vida das
trabalhadoras e, muitas vezes, passam por “despercebidos” pelos empregadores.
Segundo dados do IBGE (2006), a trabalho doméstico remunerado é um nicho de
trabalho feminino no Brasil e, por acontecer no contexto privado, a fiscalização das
condições de trabalho se torna difícil, dependendo, muitas vezes, de denúncias.
As atividades desempenhadas pelas entrevistadas que trabalham como
diaristas são de limpeza, algumas lavam e passam roupas. Aquelas que trabalham
como domésticas fixas em residências - além da limpeza, lavar e passar roupas -
são encarregadas de fazer comida, lavar louças, arrumar os quartos, e a
manutenção da limpeza diária da casa. Algumas, na época da realização das
entrevistas, acumulavam a função de cuidado das crianças, filhos dos
empregadores. Em contrapartida, um dos pontos destacados pelas entrevistadas
são dificuldades relacionadas com o cuidado com os próprios filhos, sendo que, nem
sempre o Estado dá suporte para tais trabalhadoras – na oferta e horário das
creches públicas, recesso das mesmas, falta de transporte público, por exemplo –
ficando elas dependentes da “ajuda” de outras pessoas.

18
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios


Contínua (Pnad) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), das crianças entre 0 e 3 anos, que pertencem ao grupo com a renda
domiciliar per capita mais baixa do país, 34% não frequentam a creche por falta de
vagas ou por não existir nenhuma próximo a elas. Esses números mudam quando
se trata do grupo com a renda mais alta - esse déficit atinge 7% das crianças. Os
resultados de tal relatório apontam para uma relação entre renda e a precarização
ao acesso escolar, um influenciando o outro.
Numa sociedade onde a desvalorização das mulheres - e,
consequentemente, das atividades por elas realizadas – o trabalho remunerado
torna-se um importante meio de busca por autonomia. 50% das entrevistas não têm
companheiro/a e são as principais responsáveis pelo provento do lar. Segundo
afirma Abramo (2007), apesar de todas as desigualdades em relação aos homens
no mercado de trabalho, a participação das mulheres no mercado remunerado é,
juntamente com o fator escolaridade, uma forma de buscar romper com situações de
dependência. É preciso destacar a importância do Estado na elaboração de leis, de
programas de proteção, de suporte e de rompimento de desigualdades no mercado
de trabalho, sendo que, a nível individual, às mulheres podem sofrer resistências. A
entrevistada 08 relatou dificuldades enfrentadas pelo marido quando ela resolveu
trabalhar fora do lar. Dessa forma, é possível pensar que, quanto menos aparatos o
Estado oferecer para dar suporte às trabalhadoras, maior a dificuldade de entrar no
mercado remunerado.

Na minha época não tinha isso: sobre leis que amparam o trabalho doméstico

A lei complementar sancionada em 2013, conhecida popularmente como PEC


das Domésticas, causou muitas discordâncias e reclamações entre empregadores.
Apesar de o Brasil liderar o ranking com o maior número de empregadas
domésticas, a aplicação dos seus direitos, fez com que aumentasse a procura por
diaristas (FLORES, 2013). No ano de 2013 a Proposta de Emenda à Constituição
(PEC) das Domésticas foi destaque no Congresso Nacional. A lei busca promover
igualdade aos trabalhadores domésticos que, até então, não eram contemplados
pelos mesmos direitos que outros trabalhadores na Consolidação da Legislação
Trabalhista (CLT). Essas trabalhadoras não tinham direitos como: estabelecimento

19
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

de uma jornada diária de oito horas, obrigatoriedade de pagamento do imposto


sindical, hora-extra e fiscalização no local de trabalho (CLAUDINO, 2014). Do total
de entrevistadas, 6 delas são registradas em Carteira de Previdência e Trabalho.
Uma delas destaca que, atualmente trabalha sem registro e que, quando registrada,
pela questão de impostos, ela acabava recebendo menos.

Assim que veio essa lei que a empregada doméstica tinha direito,
mas no fim não tinha direito nenhum, ganhava até menos (Ent.04).

Entretanto, ela destaca algumas questões importantes relacionadas com as


transformações na legislação ao longo dos anos. A mesma afirma que nunca
recebeu salário maternidade, assim como a maioria das entrevistadas. Uma delas
afirma que os empregadores a registraram apenas próximo ao parto, para que ela
pudesse usufruir do benefício.

Quando eu comecei a trabalhar como doméstica era muito


massacrada, tratavam a gente igual a bicho. Há 23 anos eu dormia
na casa da patroa, na minha primeira gravidez eles me dispensaram
10 dias antes eu de ganhar e do meu outro filho, eu fui direto do
trabalho para o hospital (Ent. 04).

Nas duas gravidezes, meus patrões me ficharam para eu receber o


salário maternidade. Na primeira, eu trabalhei até os 8 meses,
trabalhei na sexta e ganhei ela no sábado. Do segundo eu trabalhei
até 7 meses e meio. Eu voltei a trabalhar quando tinha 11 meses,
mas era porque a creche não aceitava menos de um ano (Ent. 01).

Mesmo sendo o registro em carteira uma obrigação dos empregadores e, um


direito da trabalhadora doméstica desde sua contratação, a entrevistada 01 se
mostra agradecida aos patrões por terem possibilitado o beneficio maternidade. Tal
fato pode alertar para a precariedade de tal atividade. A entrevistada 03 afirma que,
durante a gravidez trabalhava em dois empregos – doméstico e produção de uma
indústria - e que, recebeu o benefício por meio do trabalho na indústria, já que, não
era registrada como trabalhadora doméstica.

Eu tive que ficar afastada desde o segundo mês. Era gravidez de


risco. Como eu trabalhava numa uma produção também, eu recebia
o salário de lá nesse período, mas, das faxinas não (Ent. 03).

20
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

Segundo estudos acerca da divisão sexual do trabalho (ABRAMO, 2007;


BRUSCHINI; LOMBARDI, 2000), as desigualdades entre homens e mulheres no
mercado de trabalho não são apenas salariais. Elas são percebidas, também, na
jornada de trabalho, nas condições de trabalho e na desqualificação das atividades
realizadas por elas. Antunes (2009, p. 105), sobre o trabalho remunerado das
mulheres afirma que “seu percentual de remuneração é bem menor do que aquele
auferido pelo trabalho masculino. O mesmo frequentemente ocorre no que concerne
aos direitos e condições de trabalho”. As entrevistas apontam para uma extensão da
jornada de trabalho, para o desconhecimento acerca das leis que regem a atividade
e, ainda, como vimos na fala da entrevistada 04, uma visão negativa das leis por
conta dos encargos. A entrevistada 07 afirma que morou na casa dos patrões
durante três anos, tendo uma carga horária de trabalho em torno de 11 horas
diárias.
Às vezes a minha patroa fazia uns jantares para as amigas dela, ela
era professora, então ia muita gente do trabalho dela. Quando isso
acontecia eu cozinhava e servia, mas nunca foi considerado hora
extra, mas é que eu ficava lá vendo TV, quando ela precisava ia me
chamar, eu não ficava lá o tempo todo (Ent. 07).

De acordo com Moreno e Gasparin (2013), a jornada de trabalho merece


destaque, pois é difícil fazer a fiscalização dos horários trabalhados, como por
exemplo, o adicional noturno ou das horas extras. De acordo com o Art. 25 da Lei
150/2015, “a empregada doméstica gestante tem direito a licença-maternidade de
120 (cento e vinte) dias, sem prejuízo do emprego e do salário [...] da Consolidação
das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de
1943”. A entrevistada 05, apesar de afirmar que não tem conhecimento acerca da
legislação que rege a atividade, destaca a diferença que ela percebe na realidade,
comparando quando começou a trabalhar e como é agora. Ela ainda afirma que
enfrentava dificuldades pela falta de creche.

Quando comecei não tinha essas coisas, eu já ouvi falar, mas nunca
soube direito (sobre leis ). Nunca tive licença maternidade não, como
eu saí do emprego, eu ganhei a saída só. Quando eles iam viajar e
eles (filhos dos empregadores) eram pequenos eu que cuidava, até
trazia para a minha casa (Ent. 05).

21
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

A mesma ainda afirma que, por falta de transporte e condições financeiras, no


início, dormia no trabalho. E que, como não havia creches perto de sua residência,
seu filho ficava a semana todo com os pais.

Não tinha creche aqui, ele ficava com os meus pais durante a
semana (Ent. 05).

Foi possível perceber nas entrevistas que, as trabalhadoras que estão há


mais tempo na atividade, percebem algumas mudanças nas relações entre
empregados e empregadores. Entretanto, todas afirmam não ter conhecimento da
legislação que rege tal profissão.

Não sei como funciona, sempre trabalhei como diarista, no máximo


três vezes na semana, eu pago o INSS (Ent.03).

Mesmo para as que trabalham com registro em carteira, a carga horária de


trabalho, geralmente, é alta, principalmente para aquelas que acumulam a função de
cuidado com as crianças dos empregadores. Pensando no que afirma Rey (2007),
apesar das extensas jornadas – inclusive, algumas delas já se configurando como
direito a adicional noturno – os sentidos produzidos pelas entrevistadas acerca da
relação entre elas e seus empregadores remetem para certa “gratidão” aos patrões.

Eu cuidava das crianças dos meus patrões, eles davam aula à noite,
então eu trabalhava o dia todo, e as 18h ele ia buscar a minha filha
na creche ou com a minha filha em casa, e levava ela no meu
trabalho, era o tempo que eu ficava com ela durante a semana, eu
trabalhava até as 23h (Ent. 02).

Sempre fiz as mesmas funções, eu limpo a casa, varro, passo pano,


limpo os banheiros. Se precisasse fazer algo a mais era conversado.
Sempre tive a sorte de ter patrões muito bons (Ent. 03).

Seria possível problematizamos que, tanto a precariedade da profissão, assim


como o desconhecimento da legislação que regem tal atividade, reforça a ideia do
“bom patrão”. É preciso atentar para a questão da terceirização do trabalho, tema
esse que acreditamos, deve ganhar destaque nos próximos anos no que se refere
ao setor de serviços. Embora a PEC das domésticas possibilite a garantia de direitos
a tais trabalhadoras - como: hora-extra, limite na jornada de trabalho, benefícios
previdenciários – a Lei da terceirização pode, segundo Pelatieri et.al., (2018), reduzir

22
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

drasticamente a remuneração de tais trabalhadoras, dificultar a organização dessa


categoria de trabalhadores e, ainda, dificultar a conquista – e mesmo a manutenção
de direitos.
É fundamental o papel que o Estado deve assumir na visibilidade da
importância econômica e social de tal categoria de trabalho, a fim de garantir, não
apenas condições de trabalho decentes, mas, também, condições de vida decente.
Não levar em conta a articulação do trabalho doméstico remunerado, trabalho
doméstico realizado no próprio lar, a quantidade crescente de lares chefiados por
mulheres e o cuidado com as crianças é negar uma importante dimensão da divisão
sexual do trabalho e, consequentemente, reforçar desigualdades.

A gente faz o que pode: sobre maternidade e trabalho remunerado

A respeito da pergunta “Como é a rotina com seu filho?”, as respostas se


apresentaram semelhantes: resumindo rotina com o filho a dar comida e banho. 2
delas trouxeram que ajudam os filhos com as tarefas da escola e nenhuma das
entrevistadas trouxe o ato de brincar. A entrevistada 10 afirma que passa mais
tempo com as filhas, pois as leva para o seu trabalho todos os dias. Mas, ela conta
que não é algo fácil​.
É bem complicado, eu levo elas para o serviço, lá tem outra criança,
elas brincam, mas a minha filha pequena às vezes tem ciúmes, elas
brigam, eu tento, na hora do meu intervalo eu converso com elas,
explicar que a gente não está na nossa casa, mas é complicado, mas
tenho que me virar(Ent. 10)​.

Praticamente todas as entrevistadas já levaram ou tentaram levar seus filhos


para o trabalho. Entretanto, as mesmas relatam a dificuldade em realizar seu
trabalho. As que não podem levar as crianças para o trabalho, afirmam que
necessitam da ajuda de terceiros.

O serviço não rendia, a patroa falava que não tinha problema em


levar ele. Mas, tinha que deixar no carrinho o tempo todo, onde eu ia
eu levava, mas ficava preocupada (Ent.04).

O meu irmão me ajuda muito, até se precisar buscar na creche ele


busca (Ent. 03).

Eu ia trabalhar, ela (sogra) cuidava deles. A menina sempre foi muito


doentinha, aí não conseguia deixar na creche por isso (Ent.01).

23
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

De acordo com Borsa e Nunes (2011), o serviço doméstico e o cuidado dos


filhos ainda é visto como algo ligado às mulheres e, quando homens fazem tais
atividades, isso é considerado como uma ajuda. A maternidade ainda é vista como
um obstáculo na vida profissional das mulheres, pois elas passam viver com o
excesso de responsabilidades culturalmente impostas (JABLONSKI, 2007). Uma das
entrevistadas relatou como foi difícil conciliar o trabalho doméstico e ser mãe.

Eu dormia no meu emprego, não tinha como deixar minha filha lá, eu
não tive licença, não recebi nada, precisava trabalhar para sustentar
eu e ela. Então, eu deixava na casa da minha mãe, eu vinha de 8 em
8 dias ver minha filha. Quando eu fiquei grávida de novo as pessoas
me perguntavam o que eu ia fazer, eu só não queria passar por
aquilo de novo (Ent.04).

O sentimento de culpa foi algo visto com frequência nas entrevistas: pela falta
de tempo, exaustão, as críticas recebidas por “deixar” os filhos para trabalhar. Uma
delas, além da longa jornada de trabalho, ouvia constantes críticas de seus patrões.
A dura jornada de quem trabalha para garantir o sustento de sua casa é marcado
pelas falas da sociedade.

Uma vez vieram me perguntar quanto que eu cobrava pelo


programa. Eu saia para trabalhar de manhã, à tarde, e à noite eu
trabalhava de garçonete. Eu pensei: como que pode existir um ser
humano tão nojento? Só porque é mulher, separada, mora com dois
filhos, as pessoas acham que a gente precisa se vender. Eu fico
indignada. Já ouvi tanta coisa, que hoje em dia eu vi não vale a pena
eu me estressar por isso (Ent. 04).

Praticamente todas as entrevistadas relataram que já receberam críticas a


respeito do seu trabalho ou sobre a maternidade, seja vinda de seus maridos ou
outras pessoas. Além da desvalorização dos seus trabalhos, quando trabalham na
casa de terceiros, surgem questões como: a falta de flexibilidade de horários, o
comportamento dos patrões, baixa remuneração, distância do trabalho. Quando não
remunerados — na própria casa — são vistos como obrigação da mulher, algo de
sua natureza. Atualmente com a pandemia da Covid-19, a falta das creches e
escolas também tornaram-se obstáculos em sua rotina.
Segundo Federici (2019) atualmente a desvalorização do trabalho doméstico
ainda é uma problemática. O autor ainda afirma que, as mulheres mais jovens têm
maior uma possibilidade de desvincular-se desse tipo de trabalho, devido a

24
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

mudanças culturais que possibilitam que as mulheres sejam mais autônomas em


relação aos homens. Entretanto, o trabalho doméstico e sua desvalorização
financeira e de outros tipos, permanecem presentes sendo uma realidade de muitas
mulheres.
Segundo foi possível perceber na fala das entrevistadas, a relação
angustiante – muitas vezes permeada por sentimentos de culpa – entre trabalho
remunerado e maternidade é um constante. A contradição dessa relação não é algo
simples de se resolver e envolve diversas variáveis. Primeiro, o trabalho realizado
pelas mulheres é, de forma geral, mais precário, com jornadas extensas, com menor
remuneração. Mas, mesmo em condições adversas, elas necessitam de tais
atividades para buscarem autonomia. Segundo, os lares chefiados por mulheres
vêm aumentando no mundo todo e, como únicas provedoras do lar, precisam
trabalhar para obter renda. Mas, responsabilizadas pelo cuidado com as crianças e
sem aportes do Estado, sentem-se sobrecarregadas e são criticadas pela forma
como criam os filhos. Tal problemática, como é possível observar, é de longa data e,
nos parece, distante de ser resolvida. Dar visibilidade a tais questões se apresenta
fundamental.

Considerações Finais
Esse estudo buscou analisar os sentidos produzidos por trabalhadoras
domésticas remuneradas acerca da relação entre as atividades que realizam e a
maternidade. Acreditamos que - por meio da articulação entre referencial teórico,
caminho metodológico e as entrevistas - os objetivos traçados neste estudo foram
alcançados.
Dentre as informações que tivemos acesso nas entrevistas, algumas delas
foram destacadas e apresentadas na análise. As entrevistadas destacaram a rotina
repetitiva, realizando, no espaço de trabalho remunerado, atividades similares as
que fazem no espaço doméstico. Tal fato destaca um dos pontos essenciais
utilizados para justificar a divisão sexual do trabalho: por serem atividades
aprendidas nos próprios lares, desde a infância, tais atividades são consideradas
inatas e, portanto, desqualificadas por não necessitarem de uma educação
formalizada. As entrevistadas afirmaram que não puderam estudar e, consideram
que a educação seria um elemento importante para terem condições melhores de
trabalho. Outro ponto destacado é que, mesmo as entrevistadas acreditando que as

25
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

condições de trabalho vêm melhorando, desconhecem as leis que regem suas


atividades e consideram os empregadores que cumprem tal legislação como
“bondosos”. Por fim, destacamos que a relação entre maternidade e a vida
profissional das entrevistadas não é fácil – segundo as mesmas – sendo que, vivem
tendo que equilibrar a necessidade e ter uma renda e o cuidado com os filhos. Elas
destacam ainda que, além de escutarem críticas de outras pessoas – por deixarem
os filhos para trabalhar – precisam contar com a ajuda de terceiros. Fato que, pode
caracterizar uma ineficácia do Estado no suporte a tais trabalhadoras.
Longe de resolver todas as questões que envolvem as problemáticas
referentes ao tema aqui proposto, esperamos dar visibilidade ao trabalho das
mulheres que realizam o trabalho doméstico como forma de renda e fomentar novos
estudos.

Referências

ABRAMO, Laís. Inserção das mulheres no mercado de trabalho na América Latina:


uma força de trabalho secundária? In: HIRATA, Helena; SEGNINI, Liliana (Orgs.).
Organização, trabalho e gênero.​ São Paulo: Editora Senac, 2007. p. 21-41.

ANTUNES, Ricardo. ​Os sentidos do trabalho​: ensaio sobre a afirmação e a


negação​ do trabalho​. São Paulo: Boitempo, 2009.

ARIÉS, Philippe. ​História social da criança e da família​. Rio de Janeiro: Amago,


1981.
Alberto, Maria de Fátima Pereira.; & Santos, Denise Pereira dos. (2011). ​Trabalho
infantil e desenvolvimento​: Reflexões à luz de Vigotski​.​ ​Revista Psicologia em
Estudo​, ​16​(20), 209-218. Disponível em:
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-73722011000200004&l
ng=pt&nrm=iso . Acesso em: novembro de 2020.

ALBERTO, Maria de Fátima Pereira; NUNES, Taiana da Silva; CAVALCANTE,


Carmen Plácida Sousa; SANTOS, Denise Pereira dos .​O trabalho infantil
doméstico em João Pessoa - PB: U ​ m diagnóstico rápido à luz das piores formas
​ rasília, DF: OIT. 2006. Disponível em:
de trabalho infantil. B
https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/docume
nts/publication/wcms_233671.pdf​. Acesso em: Novembro de 2020.

BRASIL, ​Ministério do Trabalho e Emprego​. Emenda Constitucional no 72, de 2 de


Abril de 2013.

__________. ​Lei Complementar ​nº 150, de 1º de junho de 2015.Brasília, 2015.

26
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

. ​Instituto Brasileiro de Geografia e Estatítisca (IBGE).​ O trabalho da


mulher principal responsável no domicílio. 2006.

__________. ​Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.​Censo Demográfico.


2019.

__________. Lei Federal nº 8.069/1.990, de 13 de julho de 1990. ECA _ ​Estatuto da


Criança e do Adolescente.​1990.

BADINTER, ​Elisabeth​. ​Um Amor Conquistado: O Mito do Amor Materno​. Rio de


Janeiro: Nova Fronteira. 1985.

__________. ​O Conflito: A Mulher e a Mãe.​ (V. L. Reis, Trad.). Rio de Janeiro:


Record. 2011

BEAUVOIR, Simone. Os dados da biologia. In: O segundo sexo. São Paulo:


Difusão Européia do livro, 1968, p. 25-57.

BERNARDINO-COSTA, Joaze 2015.​ Decolonialidade e interseccionalidade


emancipadora:​ A organização política das trabalhadoras domésticas no Brasil. Soc.
estado. 30(1), 147–163. Disponívem em :
<​https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-6992201500010014
7​> Acesso em: junho de 2020.

Borsa, Juliane Callegaro; Nunes, Maria Lucia Tiellet. ​Aspectos psicossociais da


parentalidade​: O papel de homens e mulheres na família nuclear. ​Psicologia
Argumento, 29(​ 64), 31-39. 2011. Disponível em :
https://periodicos.pucpr.br/index.php/psicologiaargumento/article/view/19835​. Acesso
em: Outubro de 2020.

BRUSCHINI, Cristina; LOMBARDI, Maria Rosa. A bipolaridade do trabalho feminino


no Brasil contemporâneo. ​ Cadernos de Pesquisa​, nº 110, julho/ 2000.

CAPPELLIN, Paola. As desigualdades impertinentes: telhado, paredes ou céu de


chumbo? ​Revista Gênero​. Niteroi, v.9, n.1, p.89-126, 2. sem. 2008. Disponível em
<​http://www.revistagenero.uff.br/index.php/revistagenero/article/viewFile/97/73​>.
Acesso em: junho de 2020.

COSTA, Jurandir Freire. ​Ordem médica e norma familiar.​ Rio de Janeiro: Graal.
1987.

CIAMPA, Antonio da Costa. Identidade. In: Lanes, S.T.M.: Codo, W. (org)


Psicologia Social: ​O Homem em Movimento. São Paulo. Brasiliense, 1984.

DONZELO, Jacques. ​A Polícia das Famílias​. (M.T. da C. Albuquerque, Trad.) Rio


de Janeiro: Graal. 1986.

FEDERICI, Silvia. ​O ponto zero da revolução: trabalho doméstico, reprodução e


luta feminista.​ Tradução Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante, 2019.

27
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

FREUD, Sigmund. ​Cinco lições de psicanálise e outros trabalhos​. Rio de Janeiro:


Imago, 1996.

GIL, Antonio Carlos. ​Métodos e técnicas de pesquisa social​. São Paulo: Atlas,
2012.

G1. Site Globo. ​Brasil tem maior número de domésticas do mundo, diz OIT.
Disponível em:
<http://g1.globo.com/concursos-e-emprego/noticia/2013/01/brasil-tem-o-maior-numer
o-de-domesticas-do-mundo-diz-oit.html>. Acesso em: Outubro de 2020.

JABLONSKI, B. ​O cotidiano do casamento contemporâneo: ​A difícil e conflitiva


divisão de tarefas e responsabilidades entre homens e mulheres. In T.
Féres-Carneiro (Ed.), Família e casal: Saúde, trabalho e modos de vinculação (pp.
203-228). São Paulo, SP: Casa do Psicólogo. 2007. Disponível em:
http://www.puc-rio.br/pibic/relatorio_resumo2007/relatorios/psi/psi_renata_casemiro_
cavour.pdf​. Acesso em: Outubro de 2020.

HIRATA, Helena. A precarização e a divisão internacional e sexual do trabalho.


Sociologias​, Porto Alegre, ano 11, nº 21, jan./jun. 2009, p. 24-41. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/soc/n21/03.pdf. Acesso em: outubro de 2020.

INSPER, ​Instituto de ensino superior e pesquisa sem fins lucrativos. ​Sobre o


trabalho remunerado da mulher negra. 2019.

MOURA, Solange Maria Sobottka Rolim. ARAÚJO, Maria de Fátima. A Maternidade


na história e a história dos cuidados maternos.​ Revista Psicologia: Ciência e
Profissão.​ 2004.Disponível em :
<​http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1414-98932004000100006&script=sci_a
bstract​> Acesso : Julho de 2020

PELATIERI, Patrícia; CAMARGOS, Regina; IBARRA, Antonio; MARCOLINO,


Adriana. Terceirização e precarização das condições de trabalho: condições de
trabalho e remuneração em atividades tipicamente terceirizadas e contratantes. In:
Terceirização do trabalho no Brasil : novas e distintas perspectivas para o
debate / organizador​: André Gambier Campos. – Brasília : Ipea, 2018.

GUTIÉRREZ-RODRÍGUEZ, ​Encarnación. Domestic work-affective labor:​ On


feminization and the coloniality of labor. Women’s Studies International Forum 46,
45–53. 2014.

HIRATA, Helena. KERGOAT, Danièle. Novas configurações da divisão sexual do


trabalho. ​Cadernos de pesquisa​, v.37, n. 132, p.595- 609, set./dez. 2007.Disponível
em: <​http://scielo.br/pdf/cp/v37n132/a0537132​>​. Acesso em: jullho de 2020.

MORENO, Ana Carolina; GASPARIN, Gabriela.​ O que muda para empregados e


patrões com a PEC das domésticas​. 2013. Disponível em:
http://g1.globo.com/economia/seu-dinheiro/noticia/2013/03/o-que-muda-para-empreg
ados-e-patroes-com-pec-das-domesticas.html . Acesso em: outubro de 2020.

28
Trabalho de Conclusão de Curso (2020-2)
Curso de Psicologia

PAULILO, M. I. S. O peso do trabalho leve. ​Revista Ciência Hoje,​ n.28, 1987.


Disponível em: https://nafa.paginas.ufsc.br/files/2010/09/OPesodoTrabalhoLeve.pdf.
Acesso em: 09 abr. 2020

REY, González​. Pesquisa qualitativa e subjetividade: Os processos de


construção da informação.​ São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005.

REY, González. ​Os Sentidos Subjetivos e as Configurações Subjetivas no


Câncer: o desenvolvimento de um modelo teórico através do estudo de caso​.
2007.

RIBEIRO, Djamila. ​Quem tem medo do feminismo negro?​ São Paulo: Companhia
das Letras, 2018.

SAFFIOTI, Heleieth I B. ​A mulher na sociedade de classe: mito e realidade​. São


Paulo: Expressão Popular, 2013.

SILVA, E​dna Lúcia da​.; MENEZES, ​Estera Muszkat​ ​Metodologia Da Pesquisa E


Elaboração De Dissertação​. 4. ed. Florianópolis, 2005.

SOUZA-LOBO, Elizabeth. ​A classe operária tem dois sexos​: trabalho, dominação


e resistência. 2. ed. São Paulo: Editora Perseu Abramo, 2011.

SOUZA, Luana Passos.; GUEDES, Dyeggo Rocha. Desigual divisão sexual do


trabalho: um olhar sobre a última década. ​Estud. av. ​São Paulo, v. 30, n. 87, p.
123-139, agosto de 2016. Disponível em
<​https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-4014201600020012
3​> Acesso: junho de 2020.

TAGUCHI, Mychele​ Capellini Moris​.; PIO, ​Danielle Abdel Massih.​ Uma leitura
psicanalítica da vivência da maternidade nos casos de aborto e prematuridade.
Revista Psicologia e Saúde​, 6(2), 56-61. 2014. Disponível em:
<​http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S2177-093X2014000200008&script=sci_a
bstract&tlng=pt​> Acesso em: Junho 2020.

TANAKA, Sheila.​ Interseccionalidade e Trabalho Doméstico​:O Debate Público


Sobre a Emenda Constitucional 72 no Brasil. Cadernos Cedec n 123, 2017.

VERGARA, Sylvia Constant. ​Projetos e relatórios de pesquisa em


Administração.​ São Paulo: Atlas, 2004.

29

Você também pode gostar