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Casal e Família – transmissão, conflito e violência

Terezinha Féres-Carneiro (Organizadora)

Cláudia Silveira Tondowski


Psicóloga
Tribunal de Justiça de São Paulo
Capítulo 1
A difícil arte de harmonizar família, trabalho e vida pessoal
(Maria Lúcia Rocha-Coutinho)

Nas últimas décadas – revolução no mercado de trabalho – mudanças importantes na


vida de homens e mulheres – nova realidade social e econômica.

No Brasil: grande aumento de dual-income-families.

Alteração das expectativas à atuação no mercado de trabalho e


em relação às responsabilidades domésticas.

Alteração do modelo tradicional – homem provedor, mulher cuidadora do lar e da família.


Final do século XX – surgimento de diversidade de arranjos familiares
IBGE 2010: uniões consensuais, famílias reconstituídas, chefiadas por mulheres, casais
sem filhos entre outras.

Maior participação feminina no mercado de trabalho, aumento de mulheres


com nível superior, adiamento da maternidade e redução do número de filhos.

Alterações nos arranjos familiares e na força de trabalho criaram novos desafios e


dilemas para as famílias brasileiras.

Homens e principalmente mulheres fazem malabarismos para dar


conta da inserção no mercado de trabalho, dos filhos e da casa.

Quais estratégias podem contribuir para resolver ou amenizar os conflitos daqueles que
têm que conciliar trabalho, filhos e casa?
TEMPO – questão central para dar conta das diferentes demandas.

Pesquisa realizada com mulheres de camada média e carreiras bem-sucedidas no Rio de


Janeiro.

• Pressão social para que mulheres sejam produtivas e financeiramente independentes


– cobrança de dedicação total.
• Ainda prevalece a antiga concepção de que a mulher deve ser a principal cuidadora do
lar e dos filhos.

Aspectos antagônicos internalizados pelas mulheres – situação de


divisão e CULPA.

Questão eminentemente feminina.


IMPASSE
Sugestões apontadas em pesquisas anteriores: trabalho em horário flexível, trabalho
parcial sem prejuízo dos benefícios trabalhistas, trabalho compartilhado, divisão mais
igualitária dos trabalhos domésticos, dos cuidados e da educação dos filhos entre homens
e mulheres.

Objetivo do trabalho: Como as mulheres brasileiras com filhos pequenos


tentam conciliar trabalho e família e, em especial, que tipo de ações sociais
poderia auxiliá-las a resolver melhor essa conciliação, para além de uma
solução em nível individual.

Trabalho e família exigem tempo, energia, investimento emocional e pressões internas e


externas.

Muitas mulheres priorizam a família, ao menos nos


primeiros anos dos filhos, sem abandonar a carreira.
Há mais mulheres do que homens com nível superior. O mesmo acontece com os cursos
de pós-graduação.

Ainda há diferenças salariais e os homens ganham mais (maternidade e


tradição).
As mulheres acabam optando por se afastar das carreiras de maior
prestígio e poder.

Conciliar filhos e investimento na carreira pode acarretar cansaço físico e mental difícil de
suportar.

Intensas mudanças no estilo de vida – para muitas mulheres o nascimento de um filho


pode ser acompanhado de muita tensão, depressão e/ou sofrimento psíquico.

Ajustes na vida profissional a partir da licença maternidade –


momento de reflexão sobre a vida, a carreira e as prioridades.
Para as camadas médias da população, segundo a autora, uma das questões mais
complexas da mulher contemporânea é a conciliação da maternidade com a carreira.

Ainda há crenças acerca da mística da maternidade e de que a unidade


mãe-filho é necessária para o desenvolvimento da criança e para a
completude da mãe.

Apesar das mudanças na família, o mercado de trabalho mantém a estrutura tradicional:


tempo integral, desenvolvimento linear e dedicação às expectativas da empresa.
Não obstante, soluções (que não são novas) são propostas:

• Incentivo ao horário flexível, formal ou informal;


• Home office;
• Trabalho em tempo parcial sem perda de direitos;
• Trabalho compartilhado;
• Maior divisão das tarefas domésticas entre homens e
mulheres, assim como nos cuidados e na educação dos filhos;
• Maior investimento do Governo em creches acessíveis e com
horários flexíveis.

MULHER – principal responsável também pelos cuidados com os idosos da


família – maior sobrecarga.
Empresas veem trabalho e vida pessoal como aspectos conflitantes. Mas têm havido
mudanças.

Nova perspectiva: implementação de mudanças internas – friendly policies – visam


atender demandas da empresa e dos empregados.

O fato de pesquisadores pensarem a respeito das dificuldades em conciliar trabalho e


vida familiar constitui um avanço.

Necessidade de homens e mulheres tentarem equilibrar as tarefas domésticas e os


cuidados com os filhos, tendo em vista que ambos trabalham.

Trabalhadores, pais e mães eficientes e com saúde física e mental.


Necessário desconstruir a ideia de que a inscrição da maternidade na mulher faz dela,
“naturalmente”, a melhor pessoa para cuidar de seus filhos, tornando-a a principal
responsável por seus cuidados e sua educação, e trazendo para a maioria muita culpa por
achar que não está alcançando o padrão de boa “mãe” traçado pela sociedade.
Capítulo 2
Telescopagem geracional: entre aspectos familiares, políticos, históricos e fronteiriços
(Teresa Cristina Othenio Carreteiro)

O trabalho é um recorte genealógico de uma pesquisa mais ampla realizada com uma
pessoa da etnia Macuxi (Leandro).

Utiliza a metodologia “história de vida”.


Entrevistas e ida a campo.

Foi reconstruída a árvore genealógica do lado paterno de Leandro,


evidenciando-se zonas nebulosas.

Além do próprio Leandro, foram entrevistados parentes.


Verificou-se que havia uma telescopagem, isto é, uma não diferenciação entre duas
gerações da família do entrevistado.

A construção da árvore genealógica seguiu a perspectiva Romance Familiar e Trajetória


Social (RFTS).

Os objetivos foram:
• Compreender os contextos sócio históricos e geográficos nos quais o narrador, sua
família e seus membros se desenvolveram;
• Atentar para as influências que tanto os personagens familiares quanto o contexto
tiveram sobre ele;
• Observar as migrações familiares que ocorreram.
Os aspectos inconscientes também foram considerados e analisados.

O enquadre metodológico e a presença de outros com múltipla escolha permitiu um


olhar diferenciado sobre a trajetória de Leandro e produziu interpretações e
reconstruções sobre ela.

O trabalho foi efetuado com as narrativas (não buscou recompor a “história verdadeira”),
as quais são fruto da memória dos narradores, trabalhadas pelo conjunto das
experiências de vida e pelo momento presente.
Leandro se deu conta que havia uma telescopagem entre as gerações do avô e do bisavô.

A transmissão funciona como um bloco que não pode ser modificadoe traz consigo a
interdição de ser mudada, alterada ou de receber interpretações diferentes da que foi
legada.

Esse tipo de transmissão em cripta ocorre sem que possa ser elaborada pelas gerações
posteriores.
Capítulo 3
Uma intervenção psicoeducativa com avós guardiãs apresentando ansiedade e/ou
depressão
(Cristina Maria de Souza Brito Dias, Célia Maria Souto Maior de Souza Fonseca, Cirlene Francisca Sales da
Silva, Flavia de Moura Rocha Parente Muniz)

Em pesquisas anteriores que investigaram avós que criam netos observou-se que elas se
sentem sobrecarregadas por cuidarem dos filhos e netos.

Insatisfação – gostariam de usufruir de liberdade e autonomia, reatar antigos projetos ou


iniciar novos ou descansar.

Avós guardiões – Reparentalização.


Convivência com os netos:

• Renovação e interesse pela vida, orgulho, satisfação, senso de utilidade e confiança,


divertimento, maior união na família.

• Fonte de dificuldades, estresse, depressão, queixas físicas, preocupação financeira,


escolaridade e disciplina, confusão de papeis.
Aspecto relacional: brigas entre avós e pais, negligência e raiva podem afetar a saúde das
crianças.

Relação conjugal dos avós prejudicada.

Inveja dos demais familiares em relação ao tempo e à dedicação ao neto criado pela avó.

Avós temem não viver o suficiente para ver os netos crescerem.

Medo de que os netos apresentem os mesmos problemas que seus pais – substâncias
químicas.
O risco das avós desenvolverem stress aumenta quando os cuidados com os netos
coincidem com o declínio físico.

A depressão pode acontecer quando elas sentem que falharam como mães – conflitos
com os filhos e preocupação com o bem estar dos netos.
O isolamento social também contribui.

O desgaste físico decorrente dos cuidados com uma criança pequena podem aumentar a
probabilidade de problemas cardíacos.

Síndrome da avó escrava – mulheres com senso muito forte de responsabilidade, que
assumem as tarefas, mas o acúmulo de papeis (dona de casa, filha, esposa, mãe e avó)
leva ao desgaste e ao desenvolvimento de sintomas, que podem chegar à morte natural
ou ao suicídio.
Desgaste – obter a guarda dos netos na Justiça. Lento, caro e emocionalmente sofrido.

Necessário reconhecimento do Governo para obter direitos e oferecer melhores


condições de saúde e educação.

No Brasil: quatro pesquisas prévias com avós, duas em São Paulo e duas em Recife.

• A decisão de cuidar dos netos foi bem acolhida – os avós se renovam como sujeitos
nesse convívio.
• Prova de saúde, amor, trabalho e sentimento de utilidade.
• Ambivalentes – ofereceram-se para cuidar dos netos e querem-nos sob sua
responsabilidade. Mas ressentem-se com a situação dos netos e expressam cansaço,
sobrecarga e estresse.
Questões como idade (das avós e dos netos), situação conjugal, conflitos não resolvidos
com a segunda geração e situação econômica contribuem para a qualidade da relação
estabelecida entre avós, pais e netos.

Há maior envolvimento das avós maternas.

O trabalho apresentado focalizou na saúde de avós guardiãs, avaliou a presença ou não


de ansiedade e depressão e foi feita uma intervenção psicoeducativa, com o objetivo de
ajuda-las a lidar melhor com a situação vigente.
Participaram 22 avós com sintomas de ansiedade e/ou depressão.

Foram utilizados questionários, inventários de depressão e ansiedade, intervenção e


entrevista semiestruturada.

Os dados da intervenção foram submetidos a análise de conteúdo.


Foram realizados 8 encontros:
1. Apresentação, agenda de interesse e necessidades, enquadramento;
2. Desenvolvimento da criança;
3. Desenvolvimento do adolescente;
4. Estratégias para uma boa comunicação;
5. Estratégias de resolução de conflito;
6. Relacionamento familiar;
7. Cuidados com saúde/ atendimento às demandas surgidas durante a intervenção;
8. Avaliação das sessões pelas participantes.
As pesquisadoras notaram mudanças nas participantes ao longo das sessões,
evidenciadas pelo fato de cuidarem mais da aparência, mostrarem-se mais sorridentes e
comunicativas, além de estabelecerem amizades entre si.

Em sessão de follow-up, dois meses depois, as avós relataram melhora na relação com os
netos, os filhos e os próprios companheiros.

Em relação às próprias mudanças que notaram em si mesmas, mencionaram: atitude,


modo de pensar, modo de agir, menos explosiva, mais paciência, sabedoria e
compreensão.
Motivos que levaram as avós a criar os netos:
• Separação dos pais da criança;
• Os filhos já moravam com ela quando se tornaram pais/mães;
• Problemas financeiros;
• Negligência por parte dos pais.

Algumas avós felizes.


A maioria – cansada e preocupada com a situação, desejando que os pais se
responsabilizassem por seus filhos.

A intervenção parece ter ajudado a minimizara ansiedade e a depressão das avós.


Capítulo 4
Ser pai (mãe), ser filho(a): a resolução de conflitos em famílias contemporâneas casadas
(Terezinha Féres-Carneiro, Cilio Ziviani, Andrea Seixas Magalhães, Edna Lúcia Tinoco Ponciano)

Na clínica com famílias – número cada vez maior de pais confusos e ambivalentes quanto
a suas funções parentais.
Importante investigar o exercício da parentalidade nas
diversas configurações familiares.

Objetivo: estudar a percepção de pais e filhos em relação ao exercício da parentalidade


em famílias heterossexuais casadas.

Metodologia qualitativa centrada em entrevista semiestruturada.


Terapia de família – o psicoterapeuta auxilia o grupo familiar a desenvolver modos
emocionalmente mais saudáveis de lidar com as demandas de um mundo em acelerada
transformação.

Pergunta aos participantes – “Como é, para você, ser pai/mãe?”


ou “Como é, para você, ser filho/filha?”

Categorias de análise – ser pai/mãe/filho/filha, resolução de conflitos.


SER PAI

Com o aumento do número de separações e divórcios, casamentos mais tardios, a


redução do número de filhos, a emancipação feminina e o acesso da mulher ao mercado
de trabalho.
Novo padrão de paternidade. Os pais não representam mais somente o
apoio financeiro. Participam, junto com a mãe, da educação dos filhos.
Espera-se um pai mais presente.

Paternidade participativa – engloba o cuidado e o envolvimento constante no cotidiano


dos filhos.
Pai nutridor – o avesso da paternidade tradicional, na qual o pai é definido como aquele
que assume a responsabilidade por prover o sustento, a imposição de castigos, a
disciplina e que eventualmente brinca e compartilha momentos de lazer.
SER MÃE

Maternidade – benefício identitário e felicidade insubstituíveis; conciliar exigências


contraditórias.

Para muitas mulheres, a experiência da maternidade é vivida como um


fracasso. INCONFESSÁVEL admitir que se enganou e obtém poucas
satisfações.

Ambivalência.

Amor e felicidade X esgotamento, frustração, solidão, alienação, CULPA.

Responsabilidades e preocupações X grande prazer em ser mãe.


Nascimento dos filhos – estágio do ciclo de vida familiar que provoca mudanças mais
profundas.

Necessidade de tentar equilibrar a vida profissional (bem sucedida) e a


criação dos filhos.

CULPA e COBRANÇA.

Poderiam fazer mais do que fazem por seus filhos, não darem a atenção necessária e não
aproveitar mais o tempo que passam juntos.

Constantes demandas dos filhos- estresse e necessidade de mudanças no estilo de vida.

Trabalho X antigos valores e funções (submissão, abnegação, tarefas domésticas e


cuidado com as crianças.
SER FILHO/FILHA CRIANÇA

Visão idealizada dos pais.


Preponderância da família na vida de crianças em idade pré-escolar.

Função dos pais – transmitir a cultura de determinada sociedade para os


filhos.

As crianças se comparam com outras em relação à família.


Parte de processo de socialização do indivíduo na construção de sua identidade.
SER FILHO/FILHA ADOLESCENTE

Horizontalização das relações familiares – função hierárquica da família ganha novos


contornos.

Relação entre pais e filhos – liberdade para manifestar argumentos em nível


hierárquico aproximado.

Relações familiares pautadas no diálogo, no respeito às diferenças e na divisão de


responsabilidades de modo mais igualitário e flexível.

Espaço no qual coexistem acordos e interesses


complementares – neutralização da possibilidade de crise
entre gerações.
Zona de conforto na relação – dificuldade de experimentação de novos caminhos.

O conflito contribui para a transformação!

Conflito – utilização de estratégias para ganhar espaço – reedição de regras familiares que
serão transformadas ou não, dependendo da disponibilidade de mudança da família
naquele momento.
RESOUÇÃO DE CONFLITOS PARA OS PAIS

Diálogo – conversa é importante para educar os filhos, é uma oportunidade de trocas e


esclarecimentos.

Quando não funciona – falar mais alto e gritar.

Não confundir afetividade com aprovação incondicional.

Necessário dar limites aos filhos!

Segunda alternativa – suspensão durante algum tempo de atividades que as crianças


gostam (videogame, computador, festas, atividades esportivas).

Castigos físicos – última solução em alguns casos. A maioria é contra essa atitude.
Quando os pais expressam afetos e conversam com os filhos, validando seus desejos, têm
mais êxito nas negociações e na prática da autoridade.

Validação da vontade dos filhos não é sinônimo de realizá-la.


Apesar das mudanças nas famílias contemporâneas, ainda é comum o homem ser o
provedor e a mulher cuidar dos filhos. Os pesquisadores se surpreenderam com o fato de
os pais entrevistados conhecerem profundamente a rotina dos filhos e participarem da
determinação e da manutenção das regras – mudança presente na vida das famílias.

Essa mudança envolve transformações na identidade masculina.

Os pais de hoje não encontram mais referenciais externos que ditem um padrão das
funções parentais. Eles ainda veem um desacerto entre as novas formas familiares e os
padrões tradicionais que tiveram em suas vidas – necessário criar uma nova relação entre
pais e filhos.
RESOUÇÃO DE CONFLITOS PARA AS MÃES

Diálogo – melhor forma para resolvê-los.

“Autoridade infantil” – a criança, alçada a um novo lugar na dinâmica familiar, contesta a


autoridade parental.

Crianças têm espaço para colocar sua opinião, mesmo que seja diferente dos pais.

Diálogo entre o casal e com os filhos.

Novas modalidade de se relacionar em família – características da amizade.

Famílias estruturadas no reconhecimento mútuo das pessoas que vivem juntas e


baseadas no respeito compartilhado.
RESOUÇÃO DE CONFLITOS PARA AS CRIANÇAS
Pontuam a rivalidade fraterna como maior fonte de conflitos.

Necessidade de intervenção parental através da imposição


de regras, limites e castigos.

Entendem as atitudes dos pais como corretas, satisfatórias e necessárias para o


bom funcionamento da família.
Intervenção parental descrita como pacífica na
resolução dos conflitos.

Núcleos familiares que promovem saúde emocional permitem tanto a expressão da


agressividade como do afeto – o AFETO aparece mais no discurso.

Quando os conflitos são vistos de forma diferenciada e ampla, tendo em mente que
brigas existem no convívio familiar, é possível visualizar uma forma de mediá-los.
RESOUÇÃO DE CONFLITOS PARA OS ADOLESCENTES

Mais fácil resolvê-los com o pai do que com a mãe, pois aqueles são mais calmos e estas
apresentam comportamento mais emotivo.

Conflitos não são mais resolvidos com castigos.

Costume de questionar a autoridade dos pais e perguntar o porquê das regras


estabelecidas por eles.

Há uma distância entre o discurso e a prática igualitária. O contraste entre o ideal e a


prática pode ser observado, por exemplo, na divisão tradicional das tarefas domésticas,
evidenciando a perda de força da regra de igualdade. A hierarquia parental também
continua a existir, apesar de estar mais esmaecida.
Pai tradicional X Pai nutridor
Os pais estão mais presentes e participativos no cotidiano dos filhos, compartilhando os
cuidados com as mães.
Eles afirmam exercer as novas funções com satisfação.

Mães – experiência de plenitude no exercício da maternidade X responsabilidades e


dificuldades relacionadas aos cuidados com os filhos – CULPA e PRAZER.

Crianças e adolescentes descrevem a experiência de ser filhos/filhas como boa – família


mais democrática, com relações horizontalizadas e a redução da possibilidade de crise
entre pais e filhos – maior conforto aos integrantes da família.

Ênfase aos aspectos positivos da relação paterno-filial.


A família ainda é idealizada nos dias atuais.
Capítulo 5
O tráfico de drogas e o destino das famílias
(Maria do Carmo Cintra de Almeida Prado)

Relatos que dizem respeito ao tráfico de drogas costumam promover sentimentos de


medo, vulnerabilidade e impotência, haja vista o poderio associado a essa organização e
sua força junto a comunidades, com regras, hierarquia, código de honra e moral próprios.

O trabalho propõe uma reflexão em relação à condição de sujeitos apanhados e


submetidos a uma situação externa que os tiraniza, cuja singularidade e autonomia se
anulam. Propõe ainda refletir a respeito dos efeitos dessa condição sobre o
psicoterapeuta, em termos contratransferenciais, no enquadre da terapia familiar
psicanalítica.
O tráfico de drogas é uma organização administrativa competente, articulada e que
habita nosso imaginário.

Está presente em nosso cotidiano, ataca e afeta a vida, promove mortes e


desaparecimentos – repercute em nosso sentimento de vulnerabilidade.

Representa a realização do inimaginável ou a concretização de nossas mais terríveis


fantasias, sobretudo no que diz respeito ao que seres humanos podem fazer com outros
seres humanos.

DESAMPARO – raízes na primeira infância, também deriva do exterior (regimes


totalitários e de dominação.
Medo produz silêncio – paralisa - ameaça de destruição.

Na assistência a famílias que vivem em comunidade dominadas pelo tráfico surgem


reações contratransferenciais não ligadas diretamente às famílias, mas ao tráfico em si,
como um terceiro elemento presente no atendimento.

Conluio e impedimentos – família e terapeuta.

As famílias de Lila – submetida a cirurgia cardíaca, entendeu que tinha dez anos de vida –
aparecimento de sintomas.

Submetida a diversos tratamentos no hospital universitário, aderia, mas não apresentava


melhoras – encaminhada para terapia de família – relações familiares muito agressivas.
Família constituída por três membros: Lila (51 anos), Valdo, seu companheiro (28 anos
mais jovem e com ela desde os 16) e João, seu filho (25 anos), que apresentava sequelas
decorrentes do parto prematuro e de um atropelamento na vida adulta.

Filho nunca desejado.

Família de origem – abuso sexual, violência – saiu de casa depois de agressão com uma
navalha.

Casou-se muito jovem pois a mãe queria se livrar dela. Marido dependente de drogas,
mantinha amante.
Separada, foi morar no morro e saía com os chefes da empresa em troca de dinheiro.

Conheceu o segundo companheiro, engravidou, tentou abortar e não conseguiu.

Criança prematura com várias deficiências.

Novo companheiro usuário de drogas, deu mulher e filho como garantia de pagamento
de dívida com o tráfico.

Valdo – “mula” – precisava sair de circulação. Os chefes do tráfico determinaram que


Valdo ficaria na casa de Lila.
Abandono do marido.

Ameaças de morte para que Valdo permanecesse na casa.

Devido a ameaças, Lila passou a viver maritalmente com Valdo, que ela cuidava como
filho.
João passa a reivindicar que a mãe mantenha relações sexuais com ele também.

Lila – estuprada na empresa e demitida. Valdo cuida dela.

Cuida da mãe até a morte dela e recebe casa como herança, mas “leva volta” do
advogado e perde o patrimônio – confirmação de incapacidade (conforme preconizado
pela mãe).
Muitas brigas em casa, violência física – sexo, dinheiro, afeto, desemprego, desejo de que
Valdo vá embora.

Quais escolhas essas pessoas teriam na vida se não tivessem sido dadas como garantia de
pagamento de dívida ao tráfico?

Lila nunca teve o reconhecimento de seu valor como sujeito – concebida pela mãe como
objeto utensílio para os objetivos narcísicos da mãe – convívio com pessoas sem empatia
por suas necessidades afetivas e psíquicas, nem consideração por seu corpo.

Em sua vida tudo parece acontecer independente de sua vontade: os casamentos, a


gravidez indesejada, a imposição de Valdo pelo tráfico. Lila sempre como objeto utensílio.
Desamparo – mantém a família unida. Ninguém tem para onde ir ou a quem recorrer.

Hospital – rede de apoio, valorização da vida e de suas necessidades.


Responder aos tratamentos e melhorar – perda das referências, ficar sem ninguém, sem
cuidados, sem ter para onde ir.

Valdo – rupturas e carências – aos 16 anos era soldado do tráfico que precisava sair de
circulação, longe da família de origem. Lila – mãe e mulher, situação com características
incestuosas.

João – déficits cognitivos visíveis. Reivindicava direitos sexuais com a mãe – dinâmica
incestuosa.
Mesmo sem a intervenção do tráfico, o destino de Lila e sua família decorreria dos
padrões relacionais apresentados – passividade e esvaziamento da vontade.

Lila busca assistência para si e a família, é bem sucedida em sua demanda. Mas não hpa
mudanças.

Passividade destrutiva.

A história das famílias de Lila apresentam situações sociais devastadoras para a família e
para o terapeuta.

Apesar de o terapeuta não estar diretamente envolvido com o tráfico de drogas, este
produz efeitos em sua mente, levando ao questionamento sobre a eficácia de sua
atuação.
A autora fala sobre o conceito de estranheza, que remete a fases da evolução do
sentimento em que o ego não distingue claramente o mundo externo e de outras pessoas
– um período de extrema dependência e consequente desamparo.

O bebê quando se sente desamparado precisa da sustentação oferecida pelos adultos,


que propiciam a dimensão da doação, da reciprocidade e da disponibilidade psíquica.
Experiências que se consolidam quando o sujeito vive numa família
organizada, com regras éticas, normas e tradições, as quais são
experimentadas e transmitidas.

Quando isto não ocorre – rupturas subjetivas e intersubjetivas,


percepção de descaso, desqualificação, ambivalência, violência e
destruição – sentimento de estranheza.
Pessoas com experiências traumatizantes relacionadas à violência familiar – necessidade
de dissocia-las para continuar vivendo.

Possibilidade de abordá-las – sentimentos ligados a um sofrimento tido como


insuportável – possibilidade de somatizações.

Sujeito se vê sem defesa com relação a aspectos temíveis e destrutivos da realidade


externa que penetram em seu psiquismo e nele produzem efeitos, sem que haja controle
ou proteção.

Terapeuta – contexto de desamparo e estranheza.


Transferência familial – para o terapeuta, o enquadre, o processo, o hospital, os membros
da equipe – existem intertransferências, que têm reflexos sobre os profissionais
envolvidos.

Transferência complexa.

Contratransferência igualmente complexa! Envolve o contexto social e o funcionamento


psíquico inconsciente.

Nos atendimentos a Lila e sua família – tabus. Pacto implícito de silêncio – áreas da vida
familiar não conhecidas do terapeuta.

Terapeuta – como a família, sem mobilidade e circunscrito a um lócus limitado.


Trabalhar em condições que se fica, junto com os membros da família assistida, na
fronteira entre dois mundos, cada qual com leis que seguem em paralelo, acarreta uma
forma peculiar de mal-estar no terapeuta de família, em parte culpado por conta de seu
medo e sua impotência diante dos fatos.

A percepção objetiva dos fatos e, portanto, da natureza psicodinâmica patológica em


causa pode se ver falseada quando o terapeuta de família se identifica com seus
pacientes enquanto vítima de uma organização opressiva.

O que se mostra relevante é considerar comportamentos e manifestações psicodinâmicas


dos membros da família com um olhar sobre o que se passava antes da intervenção do
tráfico de drogas em sua casa e em suas vidas.
Comportamentos regressivos em estruturas hierarquizadas que regulam os
relacionamentos do grupo familiar.

Passividade, impotência, dependência – vida de exclusão.


Fragilidade inicial do EU.

Esse contexto afeta o terapeuta e repercute em seu psiquismo – evidencia sua


vulnerabilidade e seu desamparo para além das mobilizações contratransferenciais.
Capítulo 6
O lugar do padrasto na clínica com famílias recasadas
(Andrea Seixas Magalhães, Terezinha Féres-Carneiro, Celia Regina Henriques, Fernanda Travassos-Rodriguez)

Família reconstituída – configuração cada vez mais comum.

Complexa trama de relações entre adultos e crianças – parentalidade expandida.

A competência das famílias na parentalidade depende da qualidade das relações


estabelecidas entre seus membros.

A complexidade das famílias recasadas exige flexibilidade e originalidade nas interações.


Mais importante para a saúde emocional – família apresentar base intersubjetiva bem
estabelecida, alicerçada na circulação dos afetos.

Recasamento – oportunidade para o casal conjugal resgatar a vida amorosa em novas


bases e para os filhos estabelecerem novos vínculos familiares socioafetivos – suporte
emocional significativo.

Na clínica – famílias recasadas – excessiva idealização das funções conjugais e parentais.

No parceiro recasado são projetadas expectativas não cumpridas – indiscriminação entre


conjugalidade e parentalidade.
O objetivo do trabalho é analisar as relações entre as dimensões da conjugalidade e da
parentalidade, delimitando-as na avaliação familiar, na elucidação da demanda
terapêutica e no processo mais amplo de psicoterapia familiar, visando ao
aprimoramento da intervenção nesse campo.

Metodologia clínico-qualitativa – entrevistas, aplicação de instrumentos de avaliação


psicológica familiar.

Resultados apresentados – modelos parentais – modos de ser pai/padrasto e o lugar do


padrasto nas famílias recasadas.

A maioria dos padrastos assume a parentalidade socioafetiva dos enteados, cujos pais
biológicos são ausentes.
Na família recasada, muitas vezes, a complexidade dos papeis parentais e as expectativas
a eles associadas geram sofrimento psíquico, sobretudo quando as bases da
conjugalidade não estão bem estabelecidas, contribuindo para a indiscriminação entre
funções conjugais e parentais.

Três famílias são apresentadas: “Família Superfilha”, “Família Pai Socioafetivo”, “Família
Inclusão/Exclusão”.

Três modos de ser pai e/ou padrasto.

Apesar de terem função decisiva na parentalidade de famílias recasadas, a adesão dos


padrastos à terapia, como a dos pais, é frágil.
“Família Superfilha” – composta por pai/padrasto (P, 46 anos), mãe/madrasta (M, 43
anos), filho de P (18 anos, morando com a mãe), filha de M (15 anos, morando com a
família materna no Nordeste), filha de P e M (6 anos, morando com os pais).

M procura terapia devido à dificuldade de relacionamento com a filha caçula, por


orientação da escola – problemas de comportamento.

M deixou a filha mais velha com sua família quando a criança tinha 9 meses. A partir da
adolescência – relacionamento conflituoso. Passam as férias juntas e a família acusa-a de
abandono.

M tem problemas de relacionamento com o filho e a ex-mulher de P.


A filha de 6 anos tem problemas digestivos e alergias e M não trabalha para cuidar dela.

O casal tem pouco espaço para intimidade. M dorme com a filha e P dorme sozinho e
trabalha exaustivamente para sustentar toda a família.

P se queixa que M não permite que ele se aproxime da filha caçula, apesar de manter
bom relacionamento com ela. Não interfere porque M é boa mãe.
Ele também é distante da enteada.

Relações parentais profundamente abaladas e membros do casal distanciados.


Vínculos abalados entre M e a filha mais velha e de P com a menina;
conflitos entre M e o filho de P e consequente afastamento entre pai
e filho; impedimento de P se aproximar da filha mais nova.
Família nomeada “Superfilha” pela sobrecarga de expectativas depositadas na filha mais
nova – ela tinha a missão de restabelecer a parentalidade fracassada do casal em relação
aos filhos de uniões anteriores.

A filha tem a saúde fragilizada e há um superinvestimento emocional nela.

• Relação fusionada com a mãe.


• Figura do pai/padrasto enfraquecida.

Conjugalidade quase inexistente – dificuldade na promoção de saúde emocional familiar,


pois os sujeitos estão pouco individualizados.
“Família Pai Socioafetivo” – composta por pai/padrasto (P, 34 anos), mãe/madrasta (M,
28 anos), filho de M (10 anos), filho de M (8 anos), filho de P e M (3 anos).

Filhos mais velhos encaminhados à psicoterapia devido a brigas na escola e baixo


rendimento escolar.

M relata sérios problemas com a ex-cunhada, que ateou fogo à casa com seus filhos
dentro – P mudou-se para lá a fim de protege-los e mantém bom relacionamento com os
filhos mais velhos.

Sintomas de agressividade dos meninos após o episódio do incêndio.


Relacionam ainda a agressividade deles ao fato de presenciarem violência do pai
biológico em relação à mãe durante a vigência do relacionamento.
P cuida dos meninos quando M não está, mas não interfere na disciplina, pois entende
que a mãe deva se responsabilizar por eles.

P recusa parcialmente a função parental. Da parte de M o exercício da maternidade


também é inconsistente, com pouca presença junto aos filhos. A rede familiar extensa é
pouco protetora e conflituosa.

O comportamento hostil dos filhos mais velhos parece refletir a agressividade familiar e
as falhas no exercício da parentalidade.

P foi apontado como elemento fundamental para o trabalho terapêutico.


“Família Inclusão/Exclusão” – composta por padrasto (P, 29 anos), mãe (M, 38 anos), filho
de M do primeiro casamento (20 anos, em regime prisional), filho de M do segundo
casamento (16 anos), filho de M do terceiro casamento (12 anos) e filho de M do terceiro
casamento (9 anos).

Procuram terapia devido ao sofrimento dos filhos de 12 e 9 anos, decorrente da disputa


de guarda entre seus pais.

M acusada de bater muito nos meninos, perdeu a guarda e havia reconquistado havia
três anos.

O filho de 12 anos roubava incentivado pelo pai. A prisão do filho de 20 desperta revolta
no filho de 16 que quer mata-lo. M se sente culpada por não poder ajudar o filho mais
velho e receia que os mais novos sigam o mesmo caminho.

P carinhoso com os filhos, mas inseguro para cuidar deles.


M se queixa que a relação conjugal é difícil, porque ele tem dificuldade de cumprir o
papel de pai, por não ter tido filhos.

Queixas da conjugalidade por falhas na parentalidade.

Entre famílias recasadas:


• Exercício da parentalidade pelo padrasto e a fragilidade deste como figura de
autoridade familiar;
• Importância de discriminar entre conjugalidade e parentalidade no casal recasado;
• Relações conflituosas com a família extensa dos filhos;
• A afetividade nas relações entre padrastos e enteados.
Na “Família Superfilha” a função parental é atribuída quase exclusivamente à figura
materna e o pai/padrasto se mantém em função acessória – vínculos familiares
enfraquecidos, autoridade familiar abalada e afetividade embotada, tanto na
conjugalidade quanto na parentalidade.

Pesquisas apontam que as famílias recasadas são mais capazes de promover saúde
emocional quando o(a) padrasto/madrasta desenvolve vínculo afetivo com a criança e o
adolescente, deixando o exercício da autoridade para o(a) pai/mãe.

Deve haver clareza quanto ao reconhecimento dos limites no exercício da autoridade por
parte do padrasto/madrasta para que a mesma não seja abalada, fragilizada ou
esvaziada.
Na “Família Pai Socioafetivo” o padrasto/pai também tem função cuidadora e protetora.
Mas a autoridade é frágil, sendo atribuída à mãe.

Parentalidade esvaziada, pois a mãe também é percebida como figura frágil e pouco
disponível para os filhos.

Um dos principais parâmetros para o desempenho da parentalidade é o grau em que os


pais oferecem uma base segura para os filhos, reconhecendo e respeitando o desejo e a
necessidade que a criança tem do apego ou de um comportamento de ligação.

Família incapaz de oferecer proteção suficiente – transbordamento da agressividade dos


filhos – reflexo do fracasso da autoridade parental e da contenção dos impulsos
destrutivos na família.
Novo casal conjugal não está suficientemente discriminado na família extensa, que é
conflituosa.
Na “Família Inclusão/Exclusão” a conjugalidade forja a parentalidade.

O padrasto é convocado a assumir o papel do pai para permanecer com a parceira.

Ela deseja um parceiro que preencha a lacuna do


casal parental junto aos filhos.

Os conflitos entre os filhos refletem o fracasso da lei paterna.


As falhas apontadas não podem ser atribuídas à forma como as famílias estão
configuradas, mas aos remanejamentos simbólicos que se fazem necessários para que os
modelos parentais sejam suficientemente embasados.

Modelos parentais – modo como se estabelecem as relações entre pais e filhos e como
essas posições estão demarcadas na família.

Na maioria das famílias recasadas – modelos parentais abalados e padrastos com


dificuldade para exercer as funções parentais – dominância da figura feminina.

A inconsistência no exercício da parentalidade – dificuldades de contato afetivo entre


padrastos e filhos.

A base intersubjetiva da família recasada depende de rearranjos simbólicos envolvendo o


casal conjugal, o casal parental e a família extensa.
Atentar para a qualidade das trocas intersubjetivas subjacentes
aos vínculos socioafetivos – promoção de saúde emocional.
Capítulo 7
Intimidade: origem na família e repercussões na clínica
(Maria Consuêlo Passos)

Observações do cotidiano e de indivíduos encapsulados, que privilegiam a satisfação


pessoal e mantêm relações interpessoais desafetadas – interesse pela INTIMIDADE.

Queixas clínicas – sofrimento oriundo de dificuldades no contato consigo, grande vazio


interior.
Superficialidade nas relações amorosas, dificuldades de implicação recíproca entre pais e
filhos, descartabilidade do outro, supervalorização de objetos materiais.

Repercussões: uso abusivo de drogas e medicamentos; exposição excessiva do corpo; uso


exagerado de exercícios; adição à produtividade no trabalho.
Contato com o outro X atitudes narcísicas – pretensa preservação dos espaços privados.

Busca incessante pelo prazer.


Incapacidade de enfrentamento dos sofrimentos inerentes à vida.

Grande paradoxo - ser feliz a qualquer preço e buscar a felicidade no lugar errado – no
exterior, numa zona de conforto na qual as demandas internas não são consideradas e
surgem como sintomas.

Dificuldades primárias – ausência de contenção materna da condição de precariedade do


bebê.
Contenção – criança amadurece seu potencial para sustentar a si mesma.
Presença do outro – disponível para ser acessado a qualquer momento.

Quando se sente contido pelo objeto, o bebê vivencia a segurança e concebe seu lugar no
psiquismo do outro, criando, simultaneamente, seu mundo interno. Tudo isso nos remete
à ideia de que a criança só pode criar uma intimidade consigo quando tem confiança no
objeto externo, quando este, sem ameaças, favorece a emergência do self.

Objetivo do trabalho: dimensionar as origens da intimidade e sua importância na relação


mãe-bebê, que marca o processo de amadurecimento da criança.
Carel (1992) propõe distinção entre íntimo, privado e público – íntimo como segredo,
recalque (sintomas); privado diz respeito à interioridade de cada um; público associa-se à
ordem da exterioridade.

Meltzer (1995) – intimidade é produto da relação entre o sujeito que contém e o que é
contido. Intimidade com os objetos internos depende de uma intimidade partilhada.

Eiguer(1999), noção winnicottiana de self, que surge do encontro primordial da mãe com
o bebê – construção de sua referência no mundo e condição de existir com o outro.

Estranho – o que não é familiar – serve para reafirmar o íntimo. Ao afastar-se do íntimo,
afirma sua presença e sua importância na constituição do psiquismo.

Constituição dos laços demanda presença e distanciamento.


Sem distanciamento nos alienamos no outro.
Mamando, a criança vive os primórdios de uma sensorialidade com um outro e registra
aspectos fundamentais para a criação de uma estética que seguirá sendo recriada ao
longo da vida.
Primeiros ensaios relacionais – confiança adquirida na mãe.

A intimidade contém uma versão que criamos de nossa própria história, mas também
uma síntese da história de cada sujeito com quem nos relacionamos. Ao mesmo tempo,
nela coexistem sonhos, devaneios e interpretações que fazemos do mundo.

Intimidade – potência que possibilita a experiência dos paradoxos na subjetividade. Ela


não é apenas o reduto do profundo, mas, sobretudo, a possibilidade de convivência dos
opostos.

Origem da intimidade – relação primária – fusão mãe-bebê e separação que expande as


relações por meio do contato com o pai e os irmãos.
Intimidade secundária – quando a criança amadurece, ultrapassa o limiar da relação
fusional e caminha em direção à singularização.

Winnicott (1993), amadurecimento da criança lhe permite existir


por si própria, sustentando suas próprias singularidades.

Winnicott (1990-1993) – criatividade: criação de si mesmo e dos sentidos de existir no


mundo.

Estética – depende de um movimento de reciprocidade no qual cada um se oferece ao


outro para ser criado.

Quando essa possibilidade não existe – aprisionamento em si mesmo e impossibilidade


de dirigir o desejo ao outro.
Conflitos decorrentes da dificuldade de
diferenciação eu-outro, interno-externo.
Quando há essa confusão – sujeito se defende colocando o outro à distância ou
mantendo proximidade excessiva.

Criação de laços frágeis.

A principal criação do ser humano é a de si mesmo. A partir daí o sujeito constitui sua
própria essência e, contanto com a cumplicidade do outro, é capaz de reinventá-la
permanentemente.

Intimidade mãe-bebê – condição fundamental para o vínculo de dependência do bebê e


uma saída posterior deste.

Condição necessária ao amadurecimento de sua


capacidade de criar a si mesmo.
Refém de imposições culturais, a mãe não contempla as necessidades do filho – não
favorece as expressões íntimas entre ela e seu bebê, o que leva a supor dificuldades
futuras no que concerne à busca de um encontro íntimo consigo e com o outro.
Capítulo 8
O casal homoafetivo e a parentalidade
(Lidia Levy)

Transformações na família contemporânea – substituição do poder paterno por uma


autoridade compartilhada.

Progressos da Medicina – desconectaram sexualidade de procriação.

Aumento do número de divórcios – disjunção entre conjugalidade e parentalidade.

Rígida correspondência entre sexo e gênero foi abalada e a heteronormatividade deixou


de ser regra geral.

Novas famílias homoafetivas.


Transformações na família contemporânea – substituição do poder paterno por uma
autoridade compartilhada.

Mudanças na sociedade – possibilidade dos homossexuais expressarem o desejo de


constituir família.

Questionamento dos princípios fundamentais do sistema de paternidade e da exigência


de dois sexos formando o casal parental.

Tornar-se pai do ponto de vista psíquico.

Não se limitar aos possíveis prejuízos ao desenvolvimento de uma criança educada em


um lar homoafetivo.
Fiorini (2010) – é preciso ir além da interpretação “tradicional” e patriarcal do Édipo, que
remete ao pai a função de retirar mãe e filho de uma situação simbiótica. A operação
simbólica excede tanto o pai quanto a mãe, podendo ser eventualmente exercida por
ambos e, portanto, também por pessoas homossexuais.

Alterações significativas no sistema de parentesco, que remete a regras socialmente


construídas.
Parentalidade – designa o conjunto de processos conscientes
e inconscientes pelos quais um sujeito torna-se pai/mãe do
ponto de vista psíquico.

Foram realizadas entrevistas com dois casais homoafetivos adotantes e conviviam com
o(s) filho(s) há mais de um ano.
Busca de um filho (biológico ou adotivo) – levar em conta qual a fantasia de
parentalidade e avaliar em que lugar o filho está sendo colocado.

Tornar-se pai/mãe exige um trabalho psíquico de redefinição de lugares e reatualização


das referências dos próprios pais – renúncia ao lugar de filho para ceder à criança que
nasce.
Realização de um processo de luto.

Casal 1: duas mulheres de 46 (A) e 36 (B) anos, conviviam há 15 anos e haviam adotado
um menino recém-nascido.
Casal 2: dois homens de 45 (C) e 33 (D) anos, conviviam há 6 anos e haviam adotado dois
irmãos três anos antes, à época com 2 e 3 anos.
O encontro com a criança: reações e transformações.

Durante o processo de habilitação, os pretendentes falam sobre suas preferências em


relação à criança que desejam adotar. Mas o encontro com a criança pode provocar
mudanças significativas.

O casal 1 descreve a surpresa ao receber o telefonema informando que poderiam buscar


o filho. “Na hora que eu vi aquela criança... Já era meu filho”.

O casal 2 queria uma menina branca, recém-nascida e de olhos claros.

Diante das crianças, muito sujas, doentes, sem cabelo ficaram impactados. O olhar deles
pedia socorro: “Esse olhar era como se ele dissesse ‘me socorre’, como se fosse um pedido
de ajuda. A partir daí, já estávamos envolvidos”.
As expectativas em relação ao filho do casal 2 foram completamente alteradas.

As rápidas transformações das crianças a partir do investimento afetivo feito pelos pais
eram gratificantes e os confirmavam nesse lugar parental.

Dificuldades no período de adaptação.

Ambos os casais contaram com a presença da mãe de um deles para ajudar a superar as
dificuldades enfrentadas na adaptação das crianças – situação comum, independente da
orientação sexual do casal.

Casais de homens que criam filhos raramente escapam da presença feminina na rotina –
reconhecem a necessidade de uma mulher para ajudar nos cuidados com a criança.
Acolhimento da criança na família mais ampla.

Inclusão da criança na família mais ampla e o apoio da rede social – impacto benéfico
sobre as relações familiares e favorece a construção do sentimento de filiação.

Para o casal 2, as crianças foram recebidas com muito entusiasmo e os comentários feitos
não diferiram daqueles feitos por casais heterossexuais.

Para o casal 1, que foi rejeitado por ambas as famílias à época da união, após a adoção
ocorreu uma transformação e houve a retomada dos vínculos familiares.
Preconceito e inclusão social.

O temor do preconceito em relação à adoção é acrescido ao preconceito em relação à


homoparentalidade.

Um dos maiores impasses a serem vividos pelos homossexuais e seus filhos.

Escolha da escola – grande preocupação – apresentação do modelo familiar a um novo


contexto.
Desejo de filho.

Até pouco tempo – homossexualidade implicava abdicar da parentalidade.

Homossexuais que desejam ter filhos costumam recorrer ou a um processo de adoção,


isoladamente ou com o parceiro, ou a técnicas de reprodução assistida.

Evidencia-se o desejo de serem reconhecidos como pais pelos próprios pais, inscrevendo-
se no processo de sucessão de gerações.

Além do desejo de filho, há o desejo de família.


Desejo de educar o filho, transmitir-lhe um patrimônio cultural e psíquico.
Prática da parentalidade.

As atividades parentais não são inerentes ao sexo do indivíduo, mas seu exercício
depende de como o desejo de filho é por ele construído e como é partilhado com o
parceiro.

Entrevistados – a carga horária profissional de cada um ajudou a definir quem se


encarregaria das atividades consideradas maternas.

Todos os entrevistados exercem as funções de ser “materno”, acolhedor, cuidador e mais


rígido e castrador quando necessário.

Os papeis se organizaram em função da especificidade da relação estabelecida entre os


membros do casal, entre estes e a criança, e entre esta e cada um deles.
A orientação sexual não é, em si, um obstáculo ao trabalho psíquico indispensável para
renunciar à posição de filho e desejar ocupar o lugar de pai/mãe.

Importante entender a estrutura do casal em sua especificidade, independentemente de


uma avaliação que privilegie a orientação sexual dos sujeitos.
Capítulo 9
Estratégias de resolução de conflito e vilência conjugal
(Denise Falcke, Adriana Wagner, Clarisse Mosmann)

Relacionamento conjugal – uma das mais complexas entre as relações ínitmas.


Qualidade experimentada pelos casais – interação de inúmeros fatores, como
características pessoais e os aspectos contextuais e adaptativos.

Desafio – manter-se casado com bons níveis de satisfação.

Possibilidade em descrédito – crescentes índices de divórcio na primeira década de


matrimônio (IBGE, 2010).

Motivos: Brigas e discussões; agressões do cônjuge.

Dificuldade dos casais para lidar com os conflitos inerentes à vida a dois.
Principais motivos de desentendimentos:
• Relação com os filhos;
• Tempo que os cônjuges desfrutam juntos;
• Dinheiro;
• Tarefas domésticas;
• Sexo;
• Questões legais.

Como resolvem os problemas:

• Com calma;
• Agressão verbal;
• Agressão física ou arremesso de objetos.
Importante considerar as estratégias de resolução de conflitos como preditores da
qualidade da relação e da violência conjugal.

O trabalho propõe uma reflexão acerca das estratégias de resolução de conflitos


utilizadas pelos casais, assumindo-as como potencial fator de risco para o
desenvolvimento de padrões que culminem em violência conjugal.

Estratégias de resolução de conflito conjugal.

Conflito conjugal – oposição ostensiva entre os cônjuges, identificada pelos mesmos


como desentendimentos ou fonte de dificuldades no relacionamento.

Caráter relacional e processual do conflito conjugal.


Duas categorias de estratégias de resolução de conflitos: construtivas e destrutivas.

Construtivas – atitudes de cooperação, intenção de resolver o problema, aceitar o ponto


de vista do outro, estar aberto a conversar sobre o conflito e, especialmente, priorizar o
relacionamento e não aspectos individuais.

Destrutivas – comportamentos coercitivos, evitação e a tentativa de um sobrepor seu


ponto de vista sobre o outro, visando dominação e subordinação.

Pesquisas mostram que os casais com piores níveis de satisfação conjugal utilizam maior
número de afirmações negativas e rebaixando-se mutuamente – negatividade recíproca.

Comportamentos difíceis de ser interrompidos – escalada negativa.


Demanda e recuo – um dos parceiros quer discutir algo e o outro ignora, evita a conversa
ou se recusa a dialogar – comportamento mais nocivo ao relacionamento e menos
eficaz na resolução de problemas!

Homens e mulheres oscilam entre os papeis no comportamento de demanda e recuo –


configura-se um estilo de resolução de problemas do casal.

O parceiro que recua transmite a mensagem ao outro de que sua opinião ou ponto de
vista não existe, não é válida ou importante – cresce o sentimento mútuo de não ser
compreendido e amado.

Padrão de demanda e recuo foi preditor de divórcio tanto nos anos iniciais, quanto nos
anos posteriores.

Cônjuges que utilizam predominantemente estratégias construtivas – maior satisfação e


estabilidade.
Não resolução efetiva dos conflitos conjugais – acúmulo de mágoas e ressentimentos que
retornam em momentos de discórdia, com forte carga emocional – estopim para
situações violentas.

A percepção dos cônjuges acerca da situação conflituosa e dos motivos que levam a ela
geralmente difere.

Percepção do problema como sendo do casal (e não apenas de um dos membros) ajuda a
buscar juntos uma solução.

COMUNICAÇÃO CONJUGAL – estratégia de resolução de conflito, de caráter construtivo


ou destrutivo.

Melhores níveis de qualidade conjugal em casais mais responsivos.


Violência conjugal: uma estratégia disfuncional de resolução de conflitos?

Conflitos – inerentes a todos os relacionamentos humanos - construtivos ou destrutivos.

Entre os destrutivos – diferentes formas de violência conjugal, que pode ser física,
psicológica, sexual , patrimonial e moral (Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha).

Violência – expressão máxima de disfuncionalidade em estratégias de resolução de


conflitos.

Há diferentes níveis de manifestação de violência.


Estudos com populações clínicas ou baseados em denúncias – violência unidirecional.

Homens agressores, mulheres vítimas.

Estudos com a população geral – bidirecionalidade da violência.

Presente nos relacionamentos como última forma de resolução de conflitos.

Importante considerar o conflito conjugal e suas formas de resolução como um preditor


da violência nos relacionamentos conjugais.
Convivência em um relacionamento conjugal aciona confronto entre demandas
individuais e conjugais – disparadores de conflito.

Padrão de interação estabelecido que tolera atos violentos que não seriam aceitos se
exercidos por pessoas estranhas.

Complexidade da violência – evidenciada na construção da dinâmica da interação entre o


casal que alimenta e perpetua o vínculo violento.

Processo cíclico – construção da tensão (situação ainda sob controle), tensão máxima
(perda do controle e agressões), lua de mel (reestruturação do relacionamento).
Mantenedor homeostático do vínculo conjugal violento.
A violência que permeia os relacionamentos conjugais geralmente é intrínseca ao
contrato de relacionamento estabelecido entre os cônjuges, o qual é estabelecido a partir
da história de vida de ambos, da construção do vínculo afetivo entre eles e da própria
interação conjugal.

Estratégias de resolução de conflito e violência conjugal.

Objetivo do trabalho: analisar como se associam os estilos de resolução de conflitos e a


presença de indicadores de violência conjugal.

Os resultados preliminares apontam a presença preponderante de estratégias positivas


de resolução de conflitos.

Em segundo lugar aparecem estratégias de evitação do conflito.


As estratégias de ataque correspondem aos menores índices, com reações de ataque
físico ou verbal – perda de controle.
Os casais tendem a estabelecer um padrão de resolução de conflito conjugal, e, quando
este é marcado pela predominância de estratégias destrutivas sobre as positivas, se
configura como preditor de violência conjugal.
Capítulo 10
Conflitos conjugais e transmissão psíquica geracional: das histéricas de Freud à mulher
atual
(Isabel Cristina Gomes)

Trabalho realizado com dez casais em psicoterapia psicanalítica em uma clínica escola.

Foco na influência da transmissão psíquica geracional na constituição de uma identidade


feminina passiva e emocionalmente dependente da força e do poder do parceiro, ainda
nos dias atuais.

Paradoxo – apesar das diversas possibilidades de ser casal e família hoje, ainda há
casamentos baseados no modelo tradicional.

Atualmente - maior complexidade relacional no exercício das novas funções de gênero,


para além da lógica complementar.
Modelo tecnológico acoplado às relações humanas – rapidez e descartabilidade.

Substitui as certezas do antigo e tradicional pela dúvida.

A necessidade de vinculação afetiva e de pertencimento a um grupo ainda é condição


inerente ao desenvolvimento humano.

Mulher contemporânea
Igualdade de gênero X conflito entre os papeis conquistados no mundo masculino e a
nostalgia do papel de grande mãe mítica

Frustração diante da percepção da inadequação do modelo antigo e a insatisfação com o


novo modelo – incompleto, pesado e não gratificante.
Tentativa de resolver a situação ambivalente pela possibilidade de escolha de não ser
mãe ou pela volta ao lar, abandonando carreiras bem sucedidas.

Toda a discussão envolvendo igualdade de gênero que possibilitou uma nova organização
conjugal e familiar, própria da contemporaneidade, assiste, em paralelo, a manutenção
do modelo tradicional.

Na clínica diversas situações de crise conjugal expressam apego à tradição.


Mulheres frustradas por não encontrarem parceiros que preencham
o modelo “homem-ativo-fálico/mulher-passiva-castrada”.

Forte influência das heranças geracionais no que diz respeito à manutenção desse tipo de
complementaridade – crises e mal entendidos conjugais.
Dificuldade de construir novas formas de se relacionar no interior do grupo familiar, de
acordo com o esperado na atualidade.

Cônjuges presos a um pacto denegativo, no qual o vínculo que os une representa uma
aliança defensiva para manter recalcados conteúdos da ordem do não significável,
dificultando processos elaborativos e consequentes transformações no relacionamento,
ou a possibilidade da separação.

Casamento – busca de preenchimento de vazios afetivos primitivos – difícil descolar-se da


idealização depositada no outro e na relação.

Necessário o processo de diferenciação Eu/Outro para


permitir a expressão dos desejos e expectativas.
Para ter um “nós” é preciso acolher e respeitar as individualidades e experiências de cada
um e, então, buscar a complementaridade possível na relação.
Família – cenário de um movimento paradoxal: perpetua a tradição e gera o novo, forma
identidade e alteridade.

Algumas dinâmicas conjugais podem ser influenciadas pela transmissão de um legado


geracional.

A multiplicidade de modelos inter-relacionais que nos rodeiam leva-nos a questionar o


quanto homens e mulheres sentem-se seguros de si e conscientes daquilo que lhes foi
transmitido. Não podemos nos esquecer de que sempre seremos devedores e credores
do que nos antecedeu e do que há de vir, diante das escolhas e do modo de realiza-las.
Capítulo 11
Até que a vida – ou a morte – os separe: análise de paradoxos das relações violentas
(Gláucia Diniz)

Manifestações de violência causam danos a todas as pessoas envolvidas.

Violência – transcende o mundo privado. É objeto de interesse e ações de vários


organismos públicos.

Lei nº 11.340/06 – Lei Maria da Penha.

Violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral.

Raramente ocorre de maneira isolada. Todas as formas deixam marcas, algumas para
sempre.
Objetivo: dar continuidade à reflexão sobre paradoxos presentes em relações conjugais
violentas – pensar a crise do casamento contemporâneo.

Necessário distinguir entre um casal recém-casado que já experiencia situações de


agressões esporádicas e outro que convive com manifestações de violência cotidianas há
vários anos.

Paradoxos – origem em mitos e expectativas que povoam o imaginário social.


Questionar a tendência de atribuir aos mitos, às
expectativas e a outros fatores externos a origem dos
episódios de violência.

Conduta violenta – algo que emerge de uma complexa combinação de fatores históricos,
culturais, sociais, institucionais, familiares, relacionais e sociais.
Entre as mulheres atendidas, muitas subestimam a gravidade da violência sofrida e a
responsabilidade dos agressores em função de mitos.
• Ciúme é prova de amor;
• Atribuição de causas externas para a violência (alcoolismo, estresse,
desemprego, sofrimento intenso vivido na família de origem, falta de
apoio da família).

Isolamento – dimensão importante – pode propiciar o surgimento e a manutenção da


violência.
Precariedade da rede social torna as mulheres mais
vulneráveis e dependentes do parceiro, que abusa desse
lugar de poder.

Em alguns casos a mulher é proibida de interagir com família, vizinhos, professores,


líderes religiosos – ciúme e controle.
Distância entre as experiências e a possibilidade de nomeação e reconhecimento delas.

O que cada cônjuge considera violência?

Raramente as mulheres vítimas usam a palavra “violência” – silêncio e segredo são


elementos importantes na relação violenta.

Mulheres – sentem-se presas a uma teia, da qual não


vislumbrar possibilidade de saída.
AMEAÇAS e mitos (mulher é nervosa, histérica, provocadora, mentirosa) ajudam a
minimizar a violência sofrida.

Imagem social de inferioridade aumenta a vulnerabilidade. Mulheres responsabilizadas


pelas dificuldades na relação.
Por que as mulheres permanecem com parceiros que as maltratam?

Complexidade da experiência relacional.

A conduta violenta está inserida em uma teia de lealdades e de dependência econômica


e emocional. Soma-se a isso a preocupação genuína com os parceiros, o desejo de
permanecer juntos, de preservar a família intacta, de proteger os filhos.

Ciclo da violência – fase da lua de mel – promessa de que a violência não se repetirá.

Existe a sensação e que uma pessoa não pode viver sem a outra – sentimentos recíprocos
de amor, raiva, carinho e frustração – dificuldade de entender o que realmente sentem
um pelo outro e perceber a dinâmica relacional.
Aspecto religioso – a fé alimenta a expectativa do milagre da mudança e a preservação da
família sobrepõe a integridade física e emocional da mulher.

O apoio para buscar ajuda e denunciar a violência vem em situações extremas ou quando
a violência atinge diretamente os filhos.

O modo de atuação dos profissionais envolvidos exercem papel importante na


permanência das mulheres com seus parceiros.

Você vai por o pai dos seus filhos e o provedor da sua família na cadeia?
Inseguranças, medos e dúvidas das mulheres que se
sacrificam pela manutenção a família a qualquer preço.
Processos de construção de identidades sociais e de expectativas relacionais contribuem
para a permanência das mulheres nos relacionamentos – toleram a violência do marido.

Adesão rígida a papeis de gênero – elemento importante para desencadear e manter a


relação e a dinâmica violenta.

“Falhas” no cumprimento do contrato são justificativas para o uso


de violência – mulheres apanham se não cuidarem direito da
casa, ou se o jantar não estiver pronto quando o marido chegar.

Mulheres de classes desfavorecidas param de trabalhar quando se casam – mudança de


status. Ficar em casa: exigência do marido e expectativa da mulher em relação ao
cumprimento dos papeis de gênero.
Desejo de ser cuidada, amparada – indicador de posse, controle,
ciúme.
Homem provedor não provê todo o necessário para a manutenção da família. Todo o
excedente é gasto com ele mesmo e as carências da família são vistas como luxo –
necessidade da mulher retornar ao mercado de trabalho.

Retorno traumático – múltiplas jornadas, maior vigilância, controle e violência (homens


temem a maior independência das mulheres quando ganham o próprio dinheiro).

No contexto das mulheres atendidas, não se vislumbra divisão das tarefas domésticas e
do cuidado com os filhos, nem qualquer possibilidade de igualdade.

Dedicação aos filhos – esvaziamento da relação homem-mulher.

Processos perversos – dificuldades dos casais para lidar com as demandas conflitantes e
conciliar necessidades individuais, profissionais e conjugais com o exercício da
parentalidade.
Intensidade do investimento nos filhos – valor dado ao exercício da maternidade (lugar
central na construção da identidade das mulheres).
Necessidade de lutar pela sobrevivência da prole.

Maternidade e proteção dos filhos – fator de risco – mantêm a mulher vinculada a


parceiros violentos para preservar a família e não privar os filhos da presença e da
proteção do pai.

Afinidade sexual também contribui para a manutenção da relação.

Sexualidade – mitos, expectativas, preconceitos e ambivalências.


Nas relações violentas – mulher é objeto sexual.
Manifestações de violência sexual se agravam nesse
contexto.
A violência provoca diminuição ou perda do afeto e do interesse sexual. A relação passa a
ser negada (passa a ser sacrifício) – mais riscos para a mulher – acusação de traição e
aumento da violência.

Relação sexual satisfatória e comunicação efetiva – importantes para a construção e


manutenção da satisfação conjugal.

Nas relações violentas, o casal vive ambivalências (amor x raiva, apego x separação,
construção x destruição) – os filhos vivem dilemas de lealdade e de afeto em relação
aos pais, o que gera sofrimento.

Depositar no outro todas as expectativas de preenchimento das necessidades materiais


e afetivas - importante na conjugalidade violenta.

Tamanha exigência e dependência – medo de perder o outro, ambivalência e descontrole


emocional.
Qualquer relação conjugal e familiar pode, em algum momento, se tornar marcada por
comportamentos violentos.

O casamento ainda traz mais satisfação a homens do que a mulheres. Elas se queixam de
viver em função do marido e da família e não serem reconhecidas, nem receber amor,
carinho e afeto.
O tempo de vinculação nas histórias das mulheres atendidas foi muito curto, de um dia
a três meses – uniões relâmpago. Tentativa de acomodação ao modelo tradicional de
relacionamento.
Tolerância da violência – processo de denúncia traz medo, insegurança e culpa.
Medo de não ser compreendidas e ser culpabilizada – internalização das prescrições
normativas (violência simbólica) – tornam-se incapazes de questionar e se impor.
Relações conjugais violentas evidenciam um paradoxo: novos discursos presentes na
sociedade, enquanto essas relações ainda são pautadas por práticas conservadoras, como
o controle e o cerceamento da liberdade.

Homens e mulheres aprendem a se relacionar como superior-inferior, ativo-passiva,


racional-emocional, dominador-submissa – dificuldade para mudança.
Capítulo 12
Articulando intervenções de terapia sexual e terapia de casal
(Orestes Diniz Neto)

Objetivo: apresentar subsídios para uma articulação de contribuições entre a terapia


sexual e a terapia de casal.

No Brasil, o Estudo do Comportamento Sexual do Brasileiro (ECOS, 2002) evidenciou que


40 a 60% dos casais têm que lidar com alguma disfunção sexual em algum ponto da vida
conjugal.

O bom relacionamento sexual contribui em 18 a 25% na avaliação positiva da


conjugalidade.
A presença de disfunções impacta em 78%sua avaliação negativa.

Não costuma haver uma abordagem aberta quanto às dificuldades sexuais por parte dos
profissionais de saúde.
Reprodução de um padrão cultural, social e familiar – sexualidade é tabu.

Muitos terapeutas de casal também não investigam esse aspecto da conjugalidade.

Importância de integrar os dois campos – terapia de casal e terapia conjugal.

Mito básico: a disfunção sexual é apenas um sintoma de outra dificuldade do casal,


como medo de intimidade, jogos de poder, tentativas de desqualificação.

Na década de 1920, o aconselhamento matrimonial tornou-se a primeira profissão


voltada ao tratamento das questões conjugais, incluindo a sexualidade.
Terapia de casal – diferentes métodos terapêuticos eficazes.

Embora haja especificidades, há alguns pontos de consenso: a importância da


conjugalidade na saúde individual, o impacto de fatores biopsicossociais e a importância
da sexualidade na conjugalidade.

Questões sexuais eram tratadas como sintomas de conflitos inconscientes, padrões


sistêmicos, falhas de comunicação, falseamento do self ou condicionamentos
disfuncionais.

Suposição: se tais questões fossem tratadas, o casal voltaria à funcionalidade sexual.


As dificuldades sexuais são multicausais e dimensionais e, tanto podem resultar de
dificuldades conjugais como de fatores independentes do relacionamento conjugal, e
ainda assim impactar na vida a dois.
Importância de abordar a sexualidade na terapia de casal – superar mitos e
pressuposições limitadoras e reorientar a prática e evidências clínicas e empíricas
relevantes.
A disfunção de um parceiro pode resultar ou ser perpetuada pela interação do casal.

Além de despertar angústia no parceiro, pode servir a um


propósito de manutenção homeostática de um padrão relacional.

Em 1976, Masters e Jonhson publicaram “Inadequação sexual humana” e foi um marco


para o surgimento do terapeuta sexual.

O problema passou a ser considerado da unidade conjugal e não um problema individual.


Terapia sexual – treinamento para aprender a ter relações sexuais mais prazerosas e
superar as dificuldades.

Terapia de casal e terapia sexual – em ambas a conjugalidade e a sexualidade passaram a


ser temas de estudo e intervenção – possibilidade de diálogo.

As intervenções da terapia sexual são propostas como ações para mudança, enquanto
as intervenções da terapia de casal tendem a focar aspectos psicológicos construtores
de significados para a sexualidade na relação. Assim, um olhar binocular convida a
considerar essas intervenções como, ao mesmo tempo, mudanças de padrão de
funcionamento da resposta sexual e de novas construções de significados na teia de
relações da conjugalidade.
Desafio: tratar a complexidade da conjugalidade e da sexualidade e oferecer uma visão
mais equilibrada da natureza multicausal, multidimensional e complexa da experiência e
do comportamento sexual e suas dificuldades com a conjugalidade.

Técnicas delineadas com maior respeito às especificidades da experiência do casal e


suas condições biopsicossociais, facilitando a aceitação das intervenções.

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