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ARTIGO ARTICLE 195

Enfoque de gênero e relação saúde/trabalho


no contexto de reestruturação produtiva
e precarização do trabalho

Gender focus and the relationship between


health and work in the context of productive
reorganization and underemployment

Jussara Cruz de Brito 1

1 Centro de Estudos da Saúde Abstract This article analyzes the issue of workers’ health in the context of productive reorgani-
do Trabalhador e Ecologia
zation, based on the sexual division of labor and gender relations. The author begins with a dis-
Humana, Escola Nacional
de Saúde Pública, Fundação cussion of cross-cutting issues and moves on to analyze current trends: the increase in female la-
Oswaldo Cruz. bor, its incorporation by multinational companies in the so-called Third World countries, an in-
Rua Leopoldo Bulhões 1480,
crease in differences and greater vulnerability vis-à-vis the process involving underemployment
Rio de Janeiro, RJ
21045-900, Brasil. and suspension of social labor clauses. Finally, two examples of female labor (in industry and
the school system) foster reflection on the effect of productive reorganization on working
women’s health, highlighting the issue of excessive workloads for women.
Key words Female Labor; Women’s Health; Occupational Health; Gender Relations

Resumo Neste artigo procura-se analisar a questão da saúde dos(as) trabalhadores(as) frente à
reestruturação produtiva, tomando-se, como eixo, a divisão sexual do trabalho e as relações de
gênero. Para isso, em um primeiro momento, emprega-se o paradigma da transversalidade. Pos-
teriormente discutem-se as atuais tendências de aumento do trabalho feminino, de sua incorpo-
ração pelas empresas multinacionais nos países de terceiro mundo, de acirramento de suas dife-
renças e de sua maior vulnerabilidade diante do processo que torna precários o emprego e o tra-
balho. Ao final, dois exemplos de trabalho feminino – na indústria e no setor de educação – con-
tribuem para a reflexão acerca dos efeitos da reestruturação produtiva na saúde da mulher tra-
balhadora, apontando a problemática do tempo extenso de trabalho.
Palavras-chave Trabalho Feminino; Saúde da Mulher; Saúde Ocupacional; Relações de Gênero

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Introdução nas tende a privilegiar a subjetividade e as in-


ter-relações produção-reprodução, caminhan-
Com este texto tem-se por objetivo contribuir do para o paradigma da transversalidade das
com os estudos e as ações associadas à saúde relações sociais de sexo.
dos trabalhadores e trabalhadoras, desenvol- A necessidade de questionamento “transver-
vendo uma análise que toma os conceitos de sal” é colocada por Pitrou (1979, apud Daune-
relações de gênero e de divisão sexual do tra- Richard & Devreux, 1990) no final da década de
balho como referência. A saúde é expressão de 1980, quando aponta a questão da dinâmica do
condições sociais, culturais e históricas das co- sistema social global, enunciando as imbrica-
letividades em que o trabalho desempenha pa- ções entre o sistema de produção e o sistema
pel crucial. O trabalho realizado em nossa so- familiar. Kergoat (1996), em artigo do mesmo
ciedade é determinado por complexo entrela- período, parte de uma crítica à “sociologia da
çamento de relações de poder, sociais, econô- dominação” e propõe a construção de uma
micas e políticas. Nesse momento de globali- “sociologia das relações de sexo”, frisando que
zação e reestruturação produtiva, aumenta a a divisão técnica e social do trabalho se justa-
necessidade de dar um passo na apreensão da põe à divisão sexual do trabalho. Segundo esse
realidade vivida pelos (as) trabalhadores (as) autor, a definição de relações sociais de sexo
não só no ambiente interno de trabalho, como repousa em ruptura radical com as explicações
também em seu cotidiano, nos locais de conví- biologizantes das diferenças entre as práticas
vio e moradia, ampliando o leque de interroga- sociais masculinas e femininas e a divisão do
ções e incorporando enfoques que colaborem trabalho entre os sexos, que é ponto funda-
para a apreensão das desigualdades e hetero- mental nessas relações. Isso significa que “a re-
geneidades produzidas. Os estudos concernen- lação entre os sexos não se esgota na vida conju-
tes à divisão sexual do trabalho e às relações de gal, mas é ativa no lugar do trabalho, enquanto
gênero se inserem nesta perspectiva. Propõe- que a relação de classes não se esgota no lugar
se que esses conceitos sejam assimilados nas do trabalho, mas é ativa, por exemplo, na rela-
análises que enfocam saúde e trabalho, em vir- ção com o corpo ou na relação com as crianças”
tude de sua capacidade de trazer à tona proble- (Kergoat, 1996:22-23).
mas coletivos que permanecem ocultos quan- No que se refere ao trabalho doméstico,
do as diferenças são negadas. Borderías & Carrasco (1994) observam que a
Por intermédio de Borderías & Carrasco maioria das disciplinas o tem ignorado como
(1994) pode-se percorrer o itinerário seguido objeto de investigação, indicando os estudos
pelos estudos concernentes ao “trabalho da dos anos 60 como precedentes quanto a pro-
mulher” nas últimas quatro décadas, contex- blemas de inadaptação e estresse das donas de
tualizando a construção das análises das rela- casa norte-americanas, relativos ao isolamen-
ções de gênero e da divisão sexual do trabalho. to, à falta de estímulos, às relações de poder e
As autoras sinalizam que os estudos das déca- dependência e suas conseqüências no bem-es-
das de 60/70 acerca do trabalho das mulheres tar. Ainda nos anos 60 emerge a polêmica a res-
estavam calcados na abordagem da condição peito da natureza do trabalho doméstico, na
feminina – pensada em termos de especificida- qual esteve em questão a harmonia dos inte-
de – e dos papéis sexuais – analisados como resses femininos e masculinos defendida pelos
complementaridade de posições sociais –, não marxistas, que apontavam o capitalismo como
evidenciando o caráter relacional. Nos anos único beneficiário do trabalho doméstico. Ao
70/80, a reflexão a partir do ponto de vista da final dos anos 70, os estudos concernentes às
divisão sexual do trabalho e das relações de gê- transformações do trabalho doméstico nas so-
nero promove verdadeira inversão nessas for- ciedades de consumo – de trabalho estrita-
mas de apreensão, chamando a atenção para a mente reprodutivo para trabalho relacional –
necessidade de entender as relações de traba- implicaram a necessidade de revisão de cate-
lho não apenas na esfera econômica, mas le- gorias analíticas que pudessem dar conta das
vando ao questionamento dos conceitos socio- novas complexidades, destacando-se o concei-
lógicos. É nesse sentido que Kergoat desnatu- to de “trabalho familiar”. Refletindo tendências
raliza o conceito de qualificação, mostrando mais recentes de construção de objetos trans-
que as operárias são adequadamente qualifi- versais, o conceito de “carga mental” foi cu-
cadas por meio do trabalho doméstico para as nhado para dar conta da atividade de gestão
funções que exercem na indústria, sem que es- dos espaços e tempos que está presente no tra-
se processo informal de qualificação seja reco- balho não remunerado e que também é exigên-
nhecido. Essa nova orientação da análise das cia da conciliação de funções relativas ao tra-
especificidades das práticas e culturas femini- balho remunerado e não remunerado.

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Essa introdução sinaliza a perspectiva de A geografia do produção, a saúde


refletir acerca da temática saúde e reestrutura- e as relações de gênero
ção produtiva, referenciando-se em conceito
ampliado de trabalho – que abrange o trabalho A mobilidade do capital em direção aos países
doméstico – e suas interações com a reprodu- do Terceiro Mundo – principal característica da
ção social e os modos de vida. Repousa tam- divisão do trabalho que avança nos anos 80 – é
bém na apreensão de que a saúde é resultante paralelamente seguida pela tendência de con-
de relações sociais, de classe e de sexo. centração do capital nas empresas multinacio-
Cabe ressaltar que, no âmbito de estudos nais. A forma como isto ocorre é, porém, bas-
específicos da relação saúde/trabalho, a emer- tante seletiva, na medida em que não se cons-
gência, nos últimos anos, do olhar sobre a mu- tata a intensificação esperada do fluxo de capi-
lher trabalhadora tem evidenciado a impossi- tal entre o Centro e a Periferia, podendo-se fa-
bilidade de separar, analítica e concretamente, lar em desconexão forçada entre Norte e Sul
os espaços de trabalho e de consumo, o traba- (Coutrot & Husson, 1993). Por esse motivo,
lho e o descanso, o trabalho remunerado e não Coutrot & Husson (1993) salientam que a rees-
remunerado, apontando novos temas de pes- truturação produtiva é acompanhada da re-
quisa (Noriega, 1995). constituição, sob nova forma, da divisão do
Neste artigo vai-se discutir primeiramente mundo entre Centro e Periferia, criando nova
o cenário geral do trabalho das mulheres frente base de dependência. Ao Terceiro Mundo está
à reestruturação produtiva sob o ponto de vista destinado um papel determinado pelas exigên-
da saúde coletiva. Posteriormente, procurar- cias de crescimento dos países mais industria-
se-á articular essa análise com questões des- lizados, levando a rigorosa seleção das regiões
cortinadas em dois estudos de casos, desenvol- e setores mais suscetíveis de fazer parte dessa
vidos no Rio de Janeiro, com operárias da in- dinâmica, abolindo-se a maior parte da espé-
dústria química e com profissionais de educa- cie humana desse processo. Neste contexto são
ção. Com isso, espera-se fornecer elementos instauradas novas formas de concorrência, nas
para dar concretude à revisão teórica efetuada quais a melhor formação da mão de obra, a
anteriormente, contudo sem estender cada um qualidade, a inovação e a velocidade de respos-
dos casos. Trata-se, então, de um caminho de ta à demanda tornam-se determinantes da
elaboração teórica, em que se procura dar sen- produção e de seu ambiente sócio-institucio-
tido a um conjunto de questões aparentemen- nal em detrimento do fator salário.
te dissociadas, com vistas à compreensão da Contudo, quando ao capital interessa orga-
dinâmica em curso e seus reflexos na saúde se- nizar a produção internacional, tirando vanta-
gundo perspectiva de gênero. gem dos baixos salários e da fraca regulamen-
tação do trabalho existentes em países do Ter-
ceiro Mundo, há a tendência de as mulheres
Tendências atuais serem a força de trabalho preferida.
A transferência do trabalho intensivo de in-
Consultando diferentes autores pode-se apon- dústrias têxtil, de confecção, de brinquedos e
tar resumidamente as seguintes tendências de componentes eletrônicos dos países mais
mundiais: industrializados – sobretudo os Estados Uni-
• a incorporação de elevada proporção de dos, a Europa Ocidental e o Japão – foi feita, em
mulheres em processos produtivos instalados, uma primeira fase, para países do sudeste asiá-
por empresas multinacionais, em qualquer lu- tico e de outros, tais como Ilhas Maurício, Chi-
gar do planeta onde o custo de produção seja pre e zonas do Brasil e do México. Em uma se-
menor e sua conseqüente proletarização (Be- gunda fase, atingiu a Índia, Indonésia, Tailân-
nería, 1994); dia e alguns países latino-americanos – como a
• a tendência de acirramento da diversidade República Dominicana e El Salvador – e, mais
e heterogeneidade das situações de trabalho recentemente, a China. A busca do lugar e do
dos homens e mulheres tanto em países do Sul processo de produção mais barato em qual-
como do Norte (Hirata, 1997) quer região do planeta levou ao que se tem
• o aumento crescente do trabalho feminino e qualificado de “nova preferência pelo emprego
a maior vulnerabilidade das trabalhadoras fren- das mulheres” e, por sua vez, a sua proletariza-
te à precarização do trabalho (Armstrong, 1995; ção (Benería, 1994).
Antunes, 1997; Hirata, 1997), processo que se re- O fenômeno das zonas francas é exemplo
flete seja no aumento do setor informal seja nas ilustrativo dessa forma de incorporação das
modalidades de emprego baseadas em contra- mulheres na nova divisão internacional do tra-
tos temporários ou em outros regimes atípicos. balho. Criadas para atrair capital estrangeiro,

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essas zonas industriais de países de terceiro (DARES, 1993): o trabalho das mulheres nas in-
mundo empregam grande parcela de mulheres dústrias é caracterizado pela repetitividade,
jovens, solteiras e com alto nível de educação. monotonia e pelo ritmo intenso. No que se re-
Outros exemplos são dados por Antunes (1997), fere ao Brasil, a reorganização produtiva é ain-
como a produção de tênis Nike na Indonésia, da marginal e pouco significativa, identifican-
que emprega mulheres recebendo US$ 38 por do-se a emergência de novos modelos de orga-
mês, com jornada de 60 horas semanais, en- nização do trabalho nas grandes empresas, de
quanto em Bangladesh, para idêntica jornada, setores competitivos da economia e que em-
o salário não chega a US$ 30. pregam mão-de-obra masculina (Hirata, 1993).
Uma contribuição importante para a análi- No entanto, cabe aqui também apresentar
se da divisão internacional e sexual do traba- uma reflexão de Armstrong (1995) a respeito do
lho é feita por Le Doaré (1984). A autora mostra que tem significado a feminização da força de
que a exportação de parcela do processo de trabalho com base em dados do Canadá. Sua
produção por meio da terceirização em escala análise indica um movimento simultâneo e
mundial ocorre simultaneamente à transferên- distinto do que foi exposto acima, que parece
cia das modalidades de divisão sexual dos paí- estar ocorrendo nesta complexa roda viva. A
ses dominantes para os periféricos. A terceiri- globalização tem eliminado alguns dos empre-
zação ao nível internacional corresponde a gos masculinos e alterado os postos tradicio-
processo de replicação da dominação das mu- nalmente ocupados por homens, fazendo com
lheres, pois o que é exportado e explorado é o que estes se aproximem dos femininos, em par-
caráter tradicionalmente desvalorizado do tra- ticular, quanto à precariedade. Para a autora, o
balho feminino. trabalho de mulheres e homens tem se torna-
Certamente, esse é um dos fatores explica- do similar em virtude de que menor número de
tivos das “persistências, continuidades e simi- pessoas de ambos os sexos têm conseguido es-
laridades” existentes na divisão sexual do tra- colher o tipo de trabalho que desejam realizar,
balho em países que ocupam posições contras- restando assumir postos não valorizados.
tantes no cenário da divisão internacional do Para entender o que representam estes mo-
trabalho e no nível de desenvolvimento econô- vimentos contraditórios na saúde das trabalha-
mico e tecnológico (Hirata, 1993). Tanto nos doras e trabalhadores lembrar-se-á Berlinguer
países centrais quanto nos periféricos, os mé- (1980), que salienta: “no plano sanitário é notó-
todos e técnicas tayloristas são aplicados ma- rio que a maior freqüência de distúrbios e doen-
joritariamente às mulheres, ao passo que a ges- ças profissionais ocorrem entre as categorias
tão taylorista é predominante nas fábricas em menos qualificadas” (Berlinguer, 1980:6). Ou-
que é grande o número de operárias. A divisão tros autores mostraram igualmente que as
sexual do trabalho atravessa a reestruturação doenças associadas ao trabalho das mulheres
produtiva, implicando a coexistência de um se- neste quadro de divisão social do trabalho ca-
tor flexibilizado masculino e de um setor taylo- racterizam-se por serem do tipo insidioso,
rizado feminino (Kergoat, 1992). De fato, as muitas vezes inespecíficas e não indenizáveis
comparações internacionais referentes à divi- (Volkoff, 1985), inexistindo normas apropria-
são sexual do trabalho têm sido importantes das às condições do trabalho feminino. Para
para evidenciar que os modelos teóricos utili- Frigul et al. (1993), as mulheres encontram-se
zados na análise da restruturação produtiva es- inseridas nos ângulos mortos do sistema previ-
tão referenciados a determinado arquétipo de denciário com a acumulação de agravos não
trabalhador qualificado e polivalente (Hirata, específicos. É considerando esta dificuldade de
1994), uma vez que, na outra extremidade, o apreender os riscos do trabalho das mulheres
taylorismo continua sendo prevalente nos se- que Messing et al. (1997) sustentam que, para
tores de produção que mais empregam mulhe- analisar os aspectos físicos do trabalho femini-
res, as quais até aqui não têm sido requalifica- no, é necessário tomar em conta o somatório
das para os novos equipamentos de base mi- de esforços realizados durante uma jornada, a
croeletrônica. A persistência da divisão sexual qual, em muitos casos, é superior a um único
do trabalho é claramente demonstrada, para o esforço não repetitivo referente a uma ativida-
caso da França, quando as conclusões alcança- de masculina. Esses autores mostraram que o
das pelo trabalho pioneiro de Madeleine Guil- trabalho leve das mulheres as expõem a postu-
bert, desenvolvido em 1966 (Guilbert, 1966), ras forçadas, com relação às quais não há crité-
são reafirmadas pela pesquisa realizada por rios para estabelecer limites.
Danièle Kergoat, em 1982 (Kergoat, 1982), e pe- Associa-se também às funções repetitivas e
las subseqüentes análises estatísticas do Mi- que exigem cadência elevada e postura estática
nistério do Trabalho desse país no ano de 1993 – desempenhadas majoritariamente por mu-

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lheres na indústria e que se intensificaram com cipais argumentos para sua expansão seja a
a introdução das novas formas de organização possibilidade de conciliação com trabalho do-
do trabalho – o conjunto de lesões osteoarticu- méstico, Vedel & Gunnarsson (1985, apud Soa-
lares, as quais incluem distúrbios que atingem res, 1992) ressaltam que os períodos de pique
dedos, punhos, antebraços, cotovelos, ombros, dessas atividades coincidem com os momen-
pescoço e regiões escapulares; resultantes do tos em que as mulheres deveriam estar à dis-
desgaste muscular, tendinoso, articular e neu- posição das crianças, sugerindo que o teletra-
rológico. Observa-se que a incidência dessas balho interfere diretamente nos relacionamen-
lesões, cuja nomenclatura é bastante diversifi- tos familiares. No que se refere ao isolamento,
cada entre os países, está relacionada, além de um de seus efeitos é a desorganização emocio-
a fatores etiológicos – exigências físicas e men- nal dos(as) trabalhadores(as) e a dificuldade ou
tais do trabalho –, a fatores agravantes, como a impossibilidade de constituição, através da
forma de organização do trabalho – o número identificação com o outro, de grupos infor-
excessivo de horas trabalhadas e o ritmo de tra- mais; grupos de resistência e de defesa da saú-
balho –, a insuficiência de repouso e relaxa- de e da vida.
mento – importante no caso das mulheres, ten- De fato, conforme Lerolle (1995), as moder-
do-se em vista a alternância trabalho assalaria- nizações técnicas e organizacionais não são
do e doméstico – e a certas predisposições in- simplesmente melhorias de eficácia, mas se re-
dividuais – idade, estado geral de saúde, força metem diretamente às relações de trabalho an-
muscular, habilidade profissional etc.–, que teriormente construídas. A autora procura mos-
não devem ser enfatizadas em detrimento de trar a importância da vitalidade dos coletivos
outros fatores (Ono et al., 1987). de trabalho para a (re)construção da saúde di-
Sob o ponto de vista da psicossomática, en- ante das mudanças organizacionais, que se ca-
tende-se que a ausência de significado dos mo- racterizam: pelo desconhecimento dos valores
vimentos realizados nos trabalhos repetitivos e regras de trabalho nos quais repousam os co-
não pode deixar de representar fonte de pato- letivos; pela destruição do equilíbrio anterior-
logia. Esses movimentos seguem ritmos que mente conquistado pelos(as) trabalhadores(as)
foram interiorizados pelas mulheres desde a e por grande dificuldade de instaurar um deba-
infância, levando-as a manter o aparelho mo- te relacionado aos riscos dessas mudanças. Re-
tor em hiperatividade. Ou seja, o aparelho mo- fletindo acerca de suas experiências de inter-
tor é utilizado como sistema de defesa privile- venção, Lerolle (1995) sinaliza que a aceitação
giado (Peze, 1997). Nessa relação de escravidão da modernização produtiva por parte dos(as)
que as trabalhadoras mantêm com o tempo é trabalhadores(as) e a preservação da saúde de-
que se desenvolvem – e se realimentam – as pendem da possibilidade de reconstrução de
atividades do trabalho repetitivo. valores e do sentido do trabalho nos quais se
Cabe sinalizar que as lesões por esforços re- apoiam o desenvolvimento das identidades
petitivos estão também fortemente associadas subjetivas e coletivas. O autor destaca a contra-
às atividades de processamento de informa- dição entre os discursos que valorizam a auto-
ções, sobretudo a entrada e manipulação de nomia e a ausência de meios para exercê-la
dados, cuja mão de obra empregada é princi- efetivamente, citando o exemplo das operárias
palmente feminina. Com a tecnologia das tele- de uma confecção que foram organizadas, de
comunicações, essas atividades têm sido orga- forma autoritária e sob forte exigência de pro-
nizadas sob o regime da subcontratação ou dução, em “grupos autônomos” e restabelece-
mesmo internacionalizadas mediante a trans- ram rapidamente a mesma divisão do trabalho
ferência para os países periféricos. Se as lesões taylorizada anterior. Diante de tantas pressões,
por esforços repetitivos, a deterioração da ca- essa era a solução menos desgastaste para elas.
pacidade visual, o estresse e a fadiga, as der- Lerolle (1995) chama a atenção para o fato de
matoses e os problemas reprodutivos são a- que o trabalho individualizado e a precariza-
pontados como conseqüências, em geral, des- ção tornam difícil a estruturação de coletivos e
sas atividades (Pearson, 1995), o estudo especí- que, no caso das mulheres, seus valores/regras
fico de Soares (1992), a respeito de teletrabalho são muito distantes daqueles impostos pela ge-
e comunicação em centros de processamentos rência e mesmo daqueles defendidos por orga-
de dados, no Brasil, indica que o isolamento nismos sindicais, o que dificulta a configura-
social é seu aspecto mais problemático. Para o ção de forma de resistência aberta/explícita.
autor, a imposição cultural de que as mulheres
sejam responsáveis pela socialização das crian-
ças contribui para que o teletrabalho seja am-
plamente feminizado. E, embora um dos prin-

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Gênero, precarização e pobreza res (Huez, 1994) propõem-se a definir a preca-


rização a partir do indivíduo. Para eles, a pre-
O status geopolítico, além da idade, classe, ra- cariedade é aquilo que diminui as margens de
ça e preferência sexual, é talvez o fator mais de- possibilidades de construção da saúde e iden-
terminante de diferenças nas experiências fe- tidade, aquilo que entreva essa construção.
mininas (Doyal, 1995). Assim, tem-se que 2/3 No Brasil e demais países da América Lati-
das mulheres vivem em países de terceiro mun- na é significativa a presença de mulheres no
do, onde a renda per capita é baixa e a expecta- setor informal, onde trabalham sem proteção
tiva de vida pequena, as taxas de fertilidade são trabalhista, sem carteira assinada, com tempo
altas e a percentagem de mulheres no mercado prolongado, executando as atividades nas ruas
é relativamente menor. Esses países, nos quais ou a domicílio. Em 1995, cerca de 30% das as-
é acentuada a desigualdade no nível de renda salariadas eram trabalhadoras domésticas, re-
segundo as classes sociais, compartilham a ex- presentando quase 17% da ocupação das mu-
periência do colonialismo e imperialismo, re- lheres. Outras 16,6% encontravam-se na cate-
sultando em graus variados de subordinação. goria de trabalho por conta própria, enquanto
Segundo dados do Relatório de Desenvolvi- 13% trabalhavam sem remuneração financeira.
mento Humano, da Organização das Nações Outras 9% permaneciam nas atividades de
Unidas (ONU, 1995), as mulheres de todas as subsistência, produzindo para consumo pró-
regiões do mundo são responsáveis por 53% do prio, sem estarem incorporadas ao mercado de
trabalho total (remunerado e não remunerado) trabalho formal ou informal. No ano de 1995,
nos países em desenvolvimento e 51% nos paí- segundo dados do IBGE, trabalhavam sem car-
ses industrializados; cerca de 2/3 do trabalho teira de trabalho assinada 54% das mulheres
feminino são atividades não-remuneradas e a assalariadas, excluídas as funcionárias públi-
carga horária diária do trabalho da mulher é, cas e militares. Neste contingente estão incluí-
em média, 13% maior que a dos homens. Com das as empregadas domésticas: somente 2,7%
a precarização do trabalho decorrente da glo- dos trabalhadores desta categoria têm registro
balização da economia, elas se encontram tam- em carteira (DIEESE, 1998).
bém nas situações mais vulneráveis. Conforme Estudos concernentes ao trabalho tempo-
enfatiza Vincent (1994), há uma forma de flexi- rário, realizados no Chile, alertaram para a pro-
bilização que está ligada à formação e re-quali- blemática da saúde mental: trabalhadoras da
ficação dos trabalhadores, mas a flexibilidade indústria da pesca e de fruticultura sinalizaram
mais praticada na maior parte dos países oci- que a condição de eventualidade gera temor e
dentais é aquela da precarização do emprego e ansiedade (Díaz & Medel, 1997). No trabalho a
do desemprego. domicílio não há distinção entre espaços de
Na verdade, a precariedade sempre esteve produção e reprodução, uma vez que ambos
associada ao trabalho feminino, uma vez que, implicam demandas de energia e ambos geram
mesmo quando a insegurança, a instabilidade compensações (Acevedo, 1997). No Chile, as
e o desemprego atingem toda a população de mulheres que trabalham a domicílio para a in-
trabalhadores, o trabalho masculino tende a dústria de confecção dedicam o mesmo tempo
estabilizar-se, enquanto que o feminino tende de trabalho que as trabalhadoras que exercem
a manter-se incerto e irregular. Para Frader tal função na própria fábrica, porém sua jorna-
(1997), é a desvalorização do trabalho femini- da se prolonga até tarde da noite, depois das
no seja nos discursos e representações seja nas 20hs, quando as demandas familiares e domés-
estruturas econômicas – mediante a organiza- ticas começam a reduzir (Díaz & Medel, 1997).
ção sexuada do mercado de trabalho – a causa Cabe dizer que as situações de demanda cons-
de sua precariedade. A precarização pode ser tante de trabalho sem períodos de descanso,
definida de maneira descritiva tanto em rela- levam à permanência de níveis constantes dos
ção às novas formas de emprego, designadas hormônios de adaptação, o que resulta em al-
como atípicas, quanto em relação às condições teração das fases do sono e da profundidade do
de trabalho em função do enfraquecimento ou descanso noturno ( Valls-Llobet, 1997). Outra
perda de direitos sociais, sindicais, de preven- conseqüência é a sensação de cansaço matuti-
ção e de reparação dos riscos. Inclui o traba- no, com alterações no ritmo cardíaco, ansieda-
lho a domicílio, a terceirização, o trabalho em de, angústia e aumento da contratura muscu-
tempo parcial, o trabalho informal, os contra- lar, proporcionando dores nas zonas cervical,
tos temporários, o trabalho sazonal, mas tam- dorsal e lombar.
bém designa aqueles nos quais a organização é A precarização é processo que se articula
rígida e é intenso o sofrimento físico e mental com a pobreza, que vem crescendo mesmo nos
(Thébaud-Mony, 1994). Contudo, alguns auto- países industrializados. As mulheres represen-

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tam 70% do 1,3 bilhão de pessoas que vivem da transversalidade das relações sociais de se-
em condições de pobreza absoluta no mundo. xo. Nessas empresas – sejam fábricas de produ-
O conceito de feminização da pobreza procura tos de plásticos sejam laboratórios farmacêuti-
explicitar a grande presença de mulheres entre cos – as condições de trabalho são precárias,
os pobres, seu aumento progressivo e os con- persistindo inclusive o uso de maquinários tra-
dicionantes dessa realidade (Anderson, 1994). dicionais. A informalidade das relações sociais
Esse conceito foi introduzido pela primeira vez de trabalho presente nesses estabelecimentos
em 1978, nos Estados Unidos. Estudos na Áfri- torna mais difícil para os(as) trabalhadores(as)
ca mostraram a persistência de quatro grupos a recusa de trabalhar em situação de risco. Por
entre a população pobre: os órfãos, os que es- um lado, problemas alérgicos, respiratórios, re-
tão física e mentalmente incapacitados, as viú- nais, ginecológicos, dermatológicos e de colu-
vas e os velhos, que são representados, com na foram mencionados com freqüência pelas
maior freqüência, pelas mulheres em função operárias. Por outro lado, elas mostraram per-
da sobrevida feminina. No Brasil, 20% das fa- ceber a relação entre a saúde e o trabalho de
mílias é chefiada por mulheres. As que traba- forma inespecífica, citando como resultantes
lham por conta própria chegam a ficar até 14 do processo de trabalho: esgotamento físico,
horas vendendo na rua ou em casa e colocam nervosismo e problemas visuais. É importante
seus filhos para ajudá-las ou substituí-las nas salientar que entram em contato direto com
tarefas domésticas. substâncias químicas e outros riscos nas ativi-
Outros fatores que interferem no quadro de dades manuais e periféricas que realizam em
pobreza e de precarização, segundo Anderson função da divisão sexual do trabalho, em parti-
(1994), são os ativos sociais – todos os salários, cular, nos pequenos laboratórios farmacêuti-
bens e serviços a que tem acesso um indivíduo cos. A precariedade de suas condições de tra-
através de seus vínculos sociais – e os ativos balho é agravada por serem muitas vezes sub-
culturais – educação formal e conhecimento contratadas pelas chamadas agências de em-
cultural que permite um indivíduo desenvol- prego – modalidade aplicada à mão de obra fe-
ver-se em seu ambiente – de que se dispõe. Al- minina já há muito tempo no Brasil e que não
gumas análises destacaram que a liberdade é alterada com a reestruturação produtiva.
masculina para deslocar-se contribui para que Pode-se perceber, através desses elemen-
os homens estabeleçam vínculos com ampla tos, a reprodução do cenário descrito anterior-
variedade de indivíduos, grupos e associações, mente:
assim como para que aprendam os procedi- • a permanência da divisão sexual do traba-
mentos formais e informais para lidar com ins- lho (as trabalhadoras que ocupam os postos
tituições e com a burocracia pública ao acu- taylorizados, repetitivos e “desqualificados”);
mular ativos culturais. • a invisibilidade dos riscos e agravos que
Destaca-se também que as mulheres reali- acometem essas trabalhadoras (os organismos
zam grande quantidade de trabalho não pago, de vigilância à saúde raramente atuam nessas
não só o chamado trabalho doméstico, mas empresas; o processo crônico de adoecimento
também o trabalho de cuidar da família, que não chega normalmente a emergir);
apresentam componentes emocionais impor- • as relações de trabalho existentes dificul-
tantes e que consomem muito tempo. Esse fa- tam a estruturação de um coletivo capaz de re-
to deve ser analisado pela sua importância na sistir abertamente às pressões/condições de
reprodução do quadro de pobreza e precarie- trabalho.
dade das mulheres. O valor do trabalho dessas mulheres, ex-
presso nos baixos salários que recebem (entre
1,5 e 3,8 salários mínimos), representa custo
Configurações específicas da particularmente elevado para a saúde das che-
relação gênero, saúde e trabalho fes de família, de quem podem depender várias
no contexto de reestruturação pessoas, entre filhos, irmãos, mães e compa-
produtiva e globalização nheiros desempregados. Em algumas situa-
ções, as trabalhadoras são forçadas a desempe-
Ao realizar um estudo relativo à saúde das ope- nhar atividades remuneradas ininterruptas,
rárias de indústrias químicas localizadas no sem tempo para descanso, emendando a jor-
subúrbio do Rio de Janeiro, a tendência encon- nada na fábrica com a jornada em atividade in-
trada de emprego de mão de obra feminina formal.
nos estabelecimentos de menor porte – empre- Quando se desloca o foco para outro setor
sas de “fundo de quintal” – despertou a aten- da economia – a educação –, os problemas de
ção, parecendo ser esse um aspecto concreto saúde coletiva relacionados à reestruturação

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202 BRITO, J. C.

produtiva neoliberal ganham contornos dife- de saúde mental – tensão, irritabilidade, insô-
rentes e, ao nosso ver, ainda mais obscuros. No nia etc. – estão fortemente relacionadas às
caso do Brasil, o sistema educacional público condições precárias de trabalho. São indicado-
tem sido levado a um quadro de precarização e res desse quadro as readaptações freqüentes
degradação em que, paradoxalmente, sua pro- entre esses(as) trabalhadores(as) por motivo
dutividade encontra-se na improdutividade de saúde. Sem condições de permanecer no
(Frigoto, 1984). O quadro de sucateamento das desempenho das mesmas atividades ou de
escolas públicas revela-se no abandono dos continuar realizando-as com a mesma intensi-
equipamentos e instalações, assim como na dade, estes são colocados em readaptação pe-
crescente depreciação dos (das) trabalhadores lo serviço de perícia – embora tal readaptação
(as) via rebaixamento salarial e precárias con- não ocorra de fato, na medida em que rara-
dições para a realização de suas atividades. mente há redução de carga de trabalho. Con-
Neste mesmo movimento, importou-se a ópti- forme levantamento feito, utilizando dados re-
ca empresarial e seu discurso gerencial para a lativos ao período de 1993 a 1997 da Superin-
Escola Pública, com “novas” propostas e expe- tendência de Saúde Ocupacional do Estado, o
riências racionalizadoras, como a da terceiri- número de readaptações para o conjunto dos
zação de algumas funções. Se ocorreu, em um educadores (as) cresceu 50% durante o perío-
primeiro momento, a drástica redução com do. Entende-se que semelhante incremento é
gastos em educação, em um segundo momen- o reflexo de processo de deterioração das con-
to tende a emergir (Salm, 1991) a revalorização dições de trabalho e de vida desses (as) traba-
da escolaridade, com a introdução de novas lhadores (as), que se manifesta em desprazer e
técnicas e tecnologias que alteram o conteúdo em patologias.
e a forma de trabalho, inclusive da organização
de trabalho.
Em pesquisa desenvolvida junto com o Sin- Considerações Finais
dicato Estadual dos Profissionais de Educação
(SEPE-RJ), dirigida a uma parcela feminizada Neste artigo procura-se apresentar alguns ele-
de educadores cuja presença quase invisível mentos que contribuem com a reflexão acerca
contrasta com a importância social do traba- das relações de gênero, da saúde e da reestru-
lho que realizam – as merendeiras e serventes turação produtiva, indicando suas diversas ar-
–, percebe-se quão incompleta permanecem as ticulações e possibilidades de abordagens. Ao
análises relativas ao tema que têm privilegiado final, procura-se dar concretude à discussão
o setor industrial com mão de obra majorita- por meio de exemplos, um referente ao traba-
riamente masculina. Essas análises, que mui- lho industrial e outro ao trabalho em escolas
tas vezes se baseiam em estudos de caso relati- públicas, onde questões similares foram evi-
vos às mudanças ocorridas em grande empre- denciadas. O setor industrial tem sido objeto
sa, mostram a tendência, não universal, de fle- privilegiado de estudos concernentes à rees-
xibilização/modernização de processos produ- truturação produtiva e de investigações no
tivos, deixando em aberto mundos de trabalho campo da saúde do trabalhador. Entretanto,
precarizados. esses estudos são limitados no que tange a
No entanto, um contingente de mais de mostrar a heterogeneidade de processos pro-
10.000 merendeiras e serventes – atomizado dutivos existentes no Brasil ao tratarem de ca-
em mais de 3.000 escolas públicas existentes sos específicos, normalmente indústrias de
no Rio de Janeiro – percebe a degradação de ponta e com perfil masculino de mão de obra.
suas condições de trabalho e de vida decorren- Por intermédio do exemplo do trabalho de mu-
tes da nova ordem econômica e produtiva. lheres na indústria química indica-se a persis-
Com a redução do número de merendeiras e tência de processos de trabalho taylorizados e
serventes em cada escola, somada ao tempo sua precariedade. Ao analisar o que vem ocor-
exíguo para a realização de suas atividades e à rendo com as trabalhadoras da indústria e da
falta de investimentos em instalações e equi- educação, observa-se que a forma de precari-
pamentos nesses ambientes de trabalho, a so- zação de trabalho nos dois casos é aquela sina-
brecarga gerada tem acarretado o adoecimen- lizada pela presença simultânea dessas mulhe-
to de número relevante de trabalhadoras. Des- res no setor formal e informal e, consequente-
taca-se que a maioria delas também comple- mente, pelo emprego de grande parte do tem-
menta a remuneração por intermédio de uma po cotidiano em atividades de trabalho. A divi-
terceira jornada no mercado informal. As são sexual do trabalho, produzida pela organi-
queixas relativas às lesões por esforços repeti- zação do trabalho, impõe-lhes jornada ilimita-
tivos, às doenças do coração e aos problemas da, a qual, associada ao trabalho familiar e aos

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ENFOQUE DE GÊNERO E A RELAÇÃO SAÚDE/TRABALHO 203

menores recursos de que dispõem, representa balho não remunerado para a apreensão do
esforço excessivo, podendo contribuir para a conjunto de atividades desempenhadas pelas
deterioração progressiva da saúde dessas mu- trabalhadoras. Isso significa que não basta
lheres (Acevedo, 1997), incluindo problemas li- considerar a inserção formal das mulheres no
gados à saúde mental. As relações sociais de trabalho – quando existe – para analisar a si-
sexo implicam, ao mesmo tempo, uma sobre- tuação de saúde e doença. Aponta também a
carga no trabalho doméstico e uma sobrecarga problemática do tempo extenso de trabalho e
no trabalho remunerado. seus efeitos no quadro de saúde das mulheres
Esta análise mostra a importância das no- pobres de países como o Brasil. Quando se tra-
ções de trabalho remunerado – e não apenas ta de mulheres, o tempo de trabalho parece ser
“trabalho assalariado”, uma vez que o trabalho elemento importante para tornar visível a di-
formal e o informal não são excludentes – e tra- nâmica saúde-trabalho em transformação.

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