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Ju s s a ra Brito 1
novas normas (Ca n g u i l h em, [1947] 2001). O buscam efetiva m en te articular pe s quisa e inter-
ângulo a partir do qual Schwartz ob s erva o tra- venção sobre o processo de trabalho. E, por ou-
balho é aqu ele que ten de a ser negado-ign ora- tro lado, em meio ao deb a te sobre o fim do tra-
do pelas organizações. É o ângulo da vida, do b a l h o, ele é até mesmo apontado como mais
trabalho vivo, bu s c a n do iden tificar os “possí- adequ ado do que as noções de em prego e de
vei s”, pre s en tes nas ativi d ades. Encon trar a vida trabalho (em seu senti do gen é ri co, cf. Hirata,
pre s en te no processo de trabalho nos parece 2002). Não há, en tret a n to, uma definição única
fundamental qu a n do preten demos construir de ativi d ade de trabalho. Para os er gon omistas
a l tern a tivas – em parceria com os pro t a gon i s- da atividade ela pode ser definida como uma
tas da atividade – que favoreçam a saúde dos resposta a constrangimentos impostos ex te-
gru pos envo lvidos. Eviden temen te isso pre s su- riormen te ao trabalhador, sen do esta simu l t a-
põe um tipo de saber, uma inteligência da pr á- neamen te su s cet í vel de os transform a r. Gu é rin
tica, que não pode deixar de ser considerada – et al. (2001) afirmam que ao falarem de situ a-
como aliás já ch a m avam atenção Ivar Oddone ção de trabalho não se referem som en te à tare-
e seus parcei ros na década de 1970 (Oddone; fa e ao seu ambi en te físico, mas também à di-
Re & Bri a n ti . [1977] 1981). m ensão histórica em que a atividade se proce s-
O interesse em ado t a rmos o “pon to de vista sa. Buscando avançar nesta mesma dire ç ã o, a
da ativi d ade” está na po s s i bi l i d ade de ex p l ora r- partir da Clínica da Ativi d ade, Clot (2001) en-
mos outros caminhos para o nece s s á rio de s en- ten de que o sign i f i c ado da atividade se encon-
volvimento do campo da Saúde do Trabalha- tra no movimento de reconcepção da tarefa,
dor, con tribu i n do com o avanço de um de seu s para assim atribuir outras finalidades à ação
princípios – a interdisciplinaridade – na med i- além daqu elas previstas pelos or ganizadore s .
da em que este ponto de vista exige o cruza- Enfim, afirmamos a importância de incor-
m en to de en foqu e s . Co l a borando também pa- porar o pon to de vista da ativi d ade porque en-
ra potencializar outra “questão-ch ave”, a inte- ten dem o s , como Schwartz (2000), que o traba-
gração da experiência dos trabalhadores no lho é lu gar de rec riação daquilo que foi formu-
processo de produção de con h ecimen to (Lau- lado ex tern a m en te e antes mesmo do início do
rell & Noriega, 1989), c u ja sinergia – fecundo proce s s o. O con cei to de ativi d ade se refere a es-
cru z a m en to de enfoques – exige uma postura sa recriação remetendo ao caráter não to t a l-
de h um i ld ade ep i s temológica e a disposição pa- men te pad ron i z á vel da vida e do tra b a l h o. As-
ra retrabalhar os concei tos em diálogo críti co sim, a própria negação (ou ignorância) de qu e
com os saberes da experiência (também a se- ex i s te uma defasagem entre tarefa e atividade
rem retrabalhados), con forme propõe a ergo- pode ser danosa à saúde, pois as estra t é gias de-
l ogia (2000). Nesse sen ti do, co l oca-se em paut a senvolvidas na ação repre s entam exigências fí-
as repre s entações científicas sobre a re a l i d ade, sicas e psíquicas intensas. S chwartz (1988) re-
uma vez qu e , conforme lembra Czeresnia sume em poucas palavras esta idéia: identif ic a r
(2003), deve-se con s i derar um aspecto funda- o tra balho ao tra balho prescrito seria povoar a
m ental da construção da rac i on a l i d ade cien t í- esfera da produção material de trabalhadores
fica: os limites dos con ceitos de saúde e de d oen te s.
doença em referência à ex periência con c reta da Temos aqui, como dissemos, uma forte
s a ú de e do adoecer. Limites que parecem ser aproximação com a perspectiva de saúde pre-
ainda mais prof u n dos qu a n do a questão em fo- s en te em Canguilhem, p a ra qu em a instabi l i d a-
co é a relação saúde / trabalho. de é uma caracter í s tica das situações de vida e
O con cei to de ativi d ade perm i te com preen- trabalho. Em suas palavras o meio é sem pre in-
der o trabalho como um lugar permanente de fiel, sendo a saúde uma margem de to l er â n c i a
m i c ro - e s colhas – de deb a te de normas e valo- às infidelidades do meio e a capac i d ade de criar
res (Schwartz, 2000) –, pois o sujei to, nesta si- novas normas (Ca n g u i l h em, 1990). Com base
tu a ç ã o, é colocado diante de diferen tes rac i o- no próprio Ca n g u i l h em , Le Blanc (2002) sa-
n a l i d ades: racionalidade / n orma imposta pela lienta que não ocorre exclusivamente uma
hierarquia e racionalidade/norma do próprio adaptação do ser humano aos imperativos do
coletivo de trabalhadores (seu patrimônio, su a s tra b a l h o, pois neste caso a atividade su bj etiva
de s cobertas co tidianas e valores – econ ô m i co, corresponderia apenas a uma interiorização
social, po l í tico, de solidari ed ade , saúde etc.). das normas exteriores. O ser humano, como su-
É import a n te ainda sinalizar que o con cei to j ei to cri ador de norm a s , vive seu trabalho tam-
de atividade está no centro de abord a gens qu e bém a partir de suas preocupações, na med i d a
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em que a realização de uma tarefa passa pela em que sua atividade de inserção em um meio ca-
invenção de um uso de si (Schwartz, 2000). O racterístico, seu modo de vida escolhido ou impos-
autor pro s s egue dizendo que a vida no traba- to, esporte ou traba l h o, contribui para modelar
lho não se re sume a imposições, mas que ex pri- seu fen ó tipo, isto é pa ra modificar sua estrutu ra
me outras po l a ridades (afetiva, i n telectual, cul- morfol ó gica, levando a singularizar suas capa ci-
tural), cujo mau uso no trabalho pode com- dades (idem ) . A saúde, como estado do corpo
prom eter a saúde. Logo, para el e , reduzir o tra- dado, está ligada às margens de segurança orgâ-
balho à manutenção das normas é ver a vida nica. A má saúde é a limitação do poder de tole-
humana sob o ângulo da doença – que é o pri- rância e de compensação das agressões ambien-
mado do idênti co e ju s t a m en te a impossibili- tais. A saúde , como ex pressão do corpo produ-
d ade de fazer aparecer o novo – mais do que da to, é uma segurança vivida no sen ti do duplo de
s a ú de – que é criação do novo e simultanea- seg u rança con tra o ri s co e da audácia para cor-
m en te recusa do idêntico. O caráter patológi co rê-lo. É o sen ti m en to de uma capac i d ade de ul-
desta redução engendra uma separação entre trapassar capacidades iniciais. Para Caponi
vida e tra b a l h o, em que o trabalho sem pre ter á (2003), devemos considerar a complex i d ade
um valor negativo. A reconciliação do trabalho desta distinção aparen tem en te trivial, pois tudo
e da vida é obtida pela po s s i bi l i d ade de cri a ç ã o, pa rece indicar que é mais simples normalizar
pelos trabalhadore s , de “m i c ro - n orm a s” no co n dutas do que tra n sfo rmar condições perversas
meio de trabalho. Com base nisso, nos per g u n- de existênci a. No que tange à Saúde do Traba-
tamos: não caberia ao campo da Sa ú de do Tra- lhador isso remete à com preensão de como o
b a l h ador privilegiar estu dos e intervenções qu e m eio de trabalho intera ge com o corpo, dando-
possibilitem a ampliação da capacidade dos se maior ou menor ênfase à sua dupla condição.
trabalhadores de criarem novas normas (inclu- Em outras palavras, o qu a n to se apreende de
sive de saúde) relacionadas a cada situ a ç ã o, forma equilibrada essa dupla relação com o
com suas singulari d ade s ? meio. Os estudos, bem como as ações, estão
Para mel h or com preen der essa reflexão (Le orientadas mais no sentido de intervir no poder
Bl a n c , 2002), cabe lembrar que Ca n g u i l h em do corpo de compensar as agressões ambientais
en ten de a saúde como polari d ade dinâmica en- ( a través da assistência e de reg u l a m entação do s
tre o indiv í duo e o mei o : O co rpo que vive é esse danos à saúde) ou no poder de mudar as condi-
exi s tente singular, cuja saúde exprime o tipo de ções ambi entais inicialmen te dadas (através da
poderes que o co n s tituem na medida em que el e redução da ex posição a ri s cos ou, como apon-
deve viver sob imposição de tarefas, em rel a ç ã o tamos anteri orm en te , de intervenções dirigidas
de exposição a um ambiente onde el e , inicial- à ampliação da capacidade de criação de nor-
m en te, não escolhe. O co rpo humano que vive é o mas de trabalho com vistas à saúde)?
co n j u n to dos pod eres de um exi s ten te que tem ca- Essas questões rem etem eviden temen te à
pacidade de avaliar e de representar pa ra ele discussão sobre a con cepção de atividades de
mesmo esses pod ere s , seu ex erc í cio e seus limite s. prevenção e promoção da saúde ligada ao tra b a-
Com isso chama atenção que as impo s i ç õ e s l h o, bem como às con cepções de interven ç ã o.
do mei o, das tarefas, estarão de alguma forma Para Caponi (2003) as intervenções diri gidas à
sem pre pre s en te s , porém a vida do corpo em redução de exposições a condições de vida insa-
ação (no trabalho, por exemplo) é expressa pelo lu bres são essenciais se com preen dermos que a
seu poder de en f rentar essas imposições, a par- s a ú de só pode ser pen s ada nesta po l a ri d ade di-
tir de avaliações de seu próprio poder. Entende- nâmica, vi n c u l ada ao mesmo tem po ao indiví-
mos que se trata aqui de um poder também co- duo e ao mei o : É no interior de um meio capaz de
letivo: o que mudar e como mudar esse am- ga ra n tir uma existência saudável que o indiv í du o
bi en te noc ivo que en contramos? Para melhor pode co n s ti tu i r- se como um su jei to capaz de tol e-
en ten dermos essas idéias, podemos pro s s eguir rar as infrações e as infidelidades a que estamos
com a seg u i n te reflexão (Ca n g u i l h em1990): “o expostos (idem ) . Essa autora propõe uma discus-
corpo é simultaneamente um dado e um pro- são sobre estra t é gias de prevenção e de prom o-
duto”. O corpo é um dado na medida em que ção da saúde baseada na com preensão de Ca n-
ele é um gen ó ti po, efei to nece s s á rio e singular g u i l h emde que a saúde implica seg u rança con-
dos com pon en tes de um patrimônio gen é ti co. tra os ri s cos, audácia para corri gi-los e po s s i bi l i-
Nesse caso, códigos gen é ti cos que podem ou d ade de su perar nossas capac i d ades iniciais. As
não determinar efei tos pato l ó gi cos, con forme o e s tra t é gias de prevenção das doenças poderi a m
m eio em que se vive . É um produto, na medida s er con cebidas a partir dessa pri m ei ra implica-
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ção da saúde (seg u rança con tra os ri s cos), privi- desco nfo rto intel e ctual (e à nece s s á ria hum i ld a-
legiando a minimização da ex posição a riscos de ep i stem ol ógic a) , pois é incômodo / de s con for-
de s n ece s s á rios. Por sua vez, as estratégias de t á vel recon h ecer os limites dos con cei tos cien-
promoção da saúde deveriam con s i derar que a tíficos diante de uma realidade tão complexa
s a ú de implica algo mais, privi l egiando a maxi- como o trabalho em sua relação com a saúde. É
mização da capac i d ade dos indiv í duos para en- incômodo recon h ecer as limitações dos mode-
f rentar e corri gir aqu eles ri s cos ou traições qu e los de intervenção que utilizamos, até porqu e
inevi t avel m en te fazem parte de nossa história. seus efeitos tenderão a ser sempre muito
E n tendemos que essas ref l exões são bastante a quém do que é esperado pelos tra b a l h adores e
coeren tes com o campo da Sa ú de do Tra b a l h a- podem mesmo ser con tr á rios ao que eles de s e-
dor e podem de fato con tri buir com s eu ava n ç o jam (especialmen te se o envolvimen to desses
te ó ri co. É coeren te no sen ti do de qu e original- no processo for re s tri to ) . Logo, nos parece fun-
m en te este campo nasce de uma recusa de mo- damental uma análise sobre os conceitos qu e
delos de análise que de s con s i deram a su bj etivi- vêm sen do ado t ados neste campo da Sa ú de Co-
dade / ex periência dos tra b a l h adores, ou seja, qu e letiva, vi s a n do a um desempenho prof i s s i onal
negam a capac i d ade que eles têm para detectar mais satisfatório e mais próximo daquilo qu e
o que é noc ivo à saúde no ambi en te de tra b a l h o. anseia a população de trabalhadores e traba-
É coeren te também porque se trata de uma l h adora s .
abord a gem que preten de tanto atuar na segu-
rança con tra os ri s cos (intervi n do no ambi en te
e processo de trabalho) qu a n to pre s supõe a ne- Outros olhares sobre o trabalho:
cessidade de con s trução de parcerias en tre pro- con tribuições dos estudos de gênero
f i s s i onais de saúde e trabalhadores (entre ou-
tros) para o en f ren t a m en to e correção desses Como já dissem o s , ao tentar mel h or com preen-
ri s cos. Para esse en f rentamen to é imprescindível der o que é trabalhar, ch egamos aos estu dos qu e
con h ecer o en torn o, ou seja , detectar o que nel e tratam das “relações sociais de sexo”, que ao pro-
precisa ser tra n s formado, poi s , como a obra de bl em a ti z a rema divisão sexual do trabalho, a m-
Ca n g u i l h em apon t a , viver é também con h ecer. pliaram a pr ó pria noção de trabalho. Da mesma
Como po l a ri d ade dinâmica, a vida não é apen a s forma que as análises apre s en t adas acima de-
su bmissão ao meio, mas também insti tuição de mon s tra ram ser o trabalho uma ativi d ade en i g-
s eu pr ó prio meio e, port a n to, é uma forma de mática, esses estudos perm i ti ram o en ten d i m en-
con h ecimento. Pa rece ser nesse sen ti do qu e to de que as relações de gênero atravessam o
Ta m bellini (1976), ao teorizar sobre o campo da mundo do trabalho, constitu i n do-se em mais
Sa ú de do Trabalhador, fala em “m odos de andar um com pon en te de sua com p l ex i d ade.
a vida”, referi n do-se à capac i d ade das co l etivi d a- Um el em en to import a n te co l ocado por es-
des de re s pon der com plasti c i d ade às condições ses estu dos se refere à nece s s i d ade de recusar a
em que vivem, em correspondência ao que Ca n- oposição universal/particular, na medida em
g u i l h em de s i gna como modos de ser da vida. É que a idéia de universal reflete apenas um único
i n tere s s a n te chamar a atenção aqui que a ativi- pon to de vista, n ega n do a plura l i d ade de pers-
d ade de trabalho é sem pre um desafio e que em pectivas, demandas e nece s s i d ades. Por esse
s eu de s envo lvi m en to os trabalhadores precisam motivo, é proposta a produção de “con h ec i-
s er “a u d ac i o s o s”( con forme ex pressão de Ca n- mentos situado s” ( Ha raw ay, 1988), i s to é, i n s-
g u i l h emna obra acima citada) para fazer fren te critos numa rede densa de interações em que se
ao que não é dado pela or ganização (pre s c rita) valoriza as singularidades. Esta questão nos per-
do trabalho. Essa audácia implica sem pre correr mite escl a recer que esse é mais um desafio do
ri s co s , como bem discute No u roudine (2003). campo em análise nesse tex to: romper com a
Por isso pensamos ser fundamental buscar uma iden tificação do trabalho masculino como uni-
pers pectiva situada das ações de prevenção e versal. Se de um lado isso nos rem ete a uma
promoção da saúde dos tra b a l h adores, ou seja, análise mais cuidadosa das singularidades; de
que as normas de trabalho e de saúde tenham outro, nos conduz a co l ocar o foco sobretudo
uma base con c reta, os modos opera t ó rios utili- nas relações sociais (em que classe e sexo soc i a l
z ados pelos tra b a l h adores e sua ativi d ade de tra- são considerados co - ex ten s ivos), tal como de-
balho em sen ti do mais amplo (Clot, 2001). fen de Ker goat (2000). Para essa autora , as rel a-
Por fim, valer dizer que essas questões nos ções so ciais de sexo têm uma base material: a di-
rem etem ao que Schwartz (2000) den omina de visão sexual do tra b a l h o, con s ti tuída por siste-
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mas de hiera rquização e poder. Diversos estu- i den tificar a evo lução das formas de divisão se-
dos, e s pec i a l m en te os que envo lvem compara- xual do trabalho. Uma explicação para sua per-
ções intern ac i onais, como os re a l i z ados por Hi- manência na penu m bra é que em muitos casos
rata (2002), mostram o caráter heurísti co do o trabalho prof i s s i onal das mulheres guard a
con cei to de divisão sexual do tra b a l h o, pois el e prox i m i d ade com o trabalho domésti co, além
permite considerar a multidimensionalidade do de muitas vezes ser re a l i z ado no espaço priva-
tra b a l h o. Permite apreender seus aspectos so- do, caracterizando-se assim pela atom i z a ç ã o.
ciais, econ ô m i cos, or ga n i z ac i onais e su bj etivo s , O utra explicação é a insistência em tomar as
ex i gindo a conjugação de diferen tes análises com petências requ eridas nessas atividades co-
te ó ricas para sua análise. Além disso, como ins- mo qu a l i d ades natu rais, m a n ten do-o na invisi-
tru m en to con cei tu a l , a divisão sexual do tra b a- bi l i d ade e implicando sua desvalorização. En-
lho favorece a visibilização das diferen tes mo- tret a n to, o trabalho em co s tu ra, na agricultura
d a l i d ades de ativi d ades e suas articulações, poi s e no com é rc i o, en tre outro s , não se con s ti tu em
co l oca em evidência uma das formas pela qu a l de fato ativi d ades novas para as mu l h ere s . São,
a sociedade organiza a produção e a reprodu- ao con trário, exemplos de trabalhos prec á rios,
ção. Para Haicault (1984) deve ser dada ênfase a tomizados e invi s i bi l i z ados que as mulhere s
ao trabalho mental nece s s á rio para a re a l i z a ç ã o de s envo lvem há mu i to tem po, muitas ve zes em
de tarefas su perpostas, vi n c u l adas à produção e troca de ren d i m en tos co l etivos ou familiares e
à reprodu ç ã o. Port a n to, para a autora a noção que se efetivam em grandes jornadas. Da mes-
de dupla jornada não seria a mais adequada pa- ma forma, as atividades ligadas ao cuidado com
ra definir essa imbri c a ç ã o, pois ela na verd ade o corpo (como a en ferm a gem e assistência so-
não correspon de a uma adição de taref a s . Pro- cial) sempre foram assumidas pelas mu l h ere s ,
põe uma análise que esteja atenta ao tempo e ao até mesmo sem serem remu n eradas. E ainda há
espaço e suas con ex õ e s , além do modo como o todo um espectro de empregos de escritório.
trabalho profissional recicla as competências Como afirma Daune-Ri ch a rd (2003) as ati-
ex i gidas no trabalho doméstico. Nessa mesma vi d ades de serviço são excluídas de uma repre-
d i re ç ã o, é sugerida uma análise que con jugue sentação em termos de tec n i c i d ade e são con s i-
trabalho remu n erado e não remu n erado, assim deradas pertencentes a um universo de trabalho
como que se considere a “saúde do tempo” (Bri- em que são requ eridas qualidades ineren tes à
to, 1999). Essa proposição se ju s tifica pri m ei ra- n a tu reza feminina, mascara n do as compet ê n-
men te pelo fato de que em muitos casos a re- cias que são aí mobi l i z ad a s . Se a divisão sex u a l
muneração das mulheres (e dos homens) é pro- do trabalho oper á rio é apoi ada no discurso da
ven i ente de mais de uma atividade prof i s s i on a l f ra gi l i d ade e paciência fem i n i n a , a plasti c i d ade
e o trabalho não remu n erado não se limita ao das relações sociais de sexo perm i te um discur-
dom é s ti co. Em segundo lu gar, essa proposição so atual em que a “natu reza fem i n i n a” é carac-
busca co l ocar em evidência a ex tensão do tem- terizada pelo senso prático e pela capacidade de
po e sua forma de uso como con d i c i on a n te de entrar em relação com os outros (Tahon, 2004),
saúde / doença. Podemos falar ainda da impor- exigência dos novos setores produtivos contem-
tância de colocar em foco as pressões do tempo, por â n eos. Ca be ressaltar que a tendência atual
ten do em vista que a alternância tra b a l h o / tem- de aguçamen to da divers i d ade e heterogen ei d a-
po livre não é ex peri m en t ada por gra n de parte de das situações de trabalho exige maior aten-
das trabalhadoras e que a simultaneidade das ção para atividades não trad i c i onais e atípicas,
t a refas e os ritmos intensos são exigências co- muitas delas do chamado setor informal, que
muns nas diversas mod a l i d ades de trabalho fe- vêm inclu s ive aprox i m a n do o trabalho fem i n i-
minino. no do masculino. Para Thébaud-Mony & Ap-
O valor heurístico do conceito de divisão se- pay (2000), a prec a rização en con tra legitimida-
xual do trabalho se revela na possibi l i d ade de de nas formas instituídas de divisão do trabalho
detectar suas novas fron teiras, engendradas a social entre homens e as mulheres.
partir dos mesmos princípios: a separação (do É importante ainda registrar o papel de-
trabalho das mulheres e dos homens) e a hie- s em pen h ado pelo trabalho dom é s ti co no Bra-
rarquização (maior valorização do trabalho sil. Con forme Costa (2002), o exame de certo s
masculino). Como já mostraram as pesquisas “trabalhos por en com en d a”, fora das casas, co-
históricas, as mu l h eres sem pre tra balharam: o mo a lavação de roupas, mostra qu e , no Bra s i l ,
problema é, port a n to, recon h ecer o trabalho essa e outras atividades se con centram nas ca-
prof i s s i onal realizado por esse grupo, ou seja, sas, ainda hoje, ao contrário de outras expe-
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riências de países capitalistas ava n ç ados indus- pliada do que seja saúde, considerando o ser
tri a l m en te, em que as lavanderias co l etivas se humano nas suas dimensões bi o l ó gica, p s i co s-
propagaram rapidamente. Sinaliza que nem a social e histórica (Brito, At h ayde & Neves,
pre s en ç a , no merc ado bra s i l ei ro, dos aparel h o s 2003), a incorporação da probl em á tica do tra-
el etrodom é s ti cos nos anos 50 (século 20) pode balho em sua amplitude e com p l ex i d ade (qu e
mu d a r, sign i f i c a tiva m en te , a aplicação do tem- engloba, como vimos, a questão da divisão se-
po feminino às coisas do lar, ten do em vista as xual do trabalho e das relações sociais de sexo)
taxas de natalidade e o grande tamanho das passa a ser uma exigência epistemológica.
proles. A autora ac re s centa o fato de que a de- Percebemos que os estudos que con tem-
l egação de cuidados da casa a outras mulheres plam um olhar de gênero forn ecem el em en to s
se dá porque não há outra altern a tiva – públ i- que evidenciam a necessidade de criação de ou-
ca/coletiva – o que ocorre muitas ve zes atrav é s tros conceitos e métodos de pesquisa. Seja devi-
de meios informais de remuneração daqu elas do a probl emáticas que ex trapolam as noções
que assumem os afazeres dom é s ti cos. dispon í vei s , seja pelas descon ti nu i d ades nos es-
Por outro lado, ob s erva-se que as implica- paços de trabalho que implicam uma su cessão
ções do trabalho “desqualificado” se estendem à de situações e exposições de difícil identi f i c a-
família (Ma rcon des et al., 2003), corrobora n do ç ã o. Seja também pela importância dos aspec-
com a tese da centralidade do tra b a l h o. Os es- tos subj etivo s , uma vez que esses estão pre s en-
tu dos de gênero acabam mostra n do que os es- tes tanto na definição dos problemas a serem
tere ó ti pos de masculinidade e fem i n i l i d ade são pesquisados, qu a n to na escolha dos indicadores
a propriados pela lógica dom i n a n te de divisão de análise. As s i m , alguns autores, como Ara ú j o
s exual do trabalho, gera n do assim uma banali- e co l a boradores (2003), alertam para po s s í veis
zação dos ri s cos do trabalho, t a n topara as mu- inadequações do uso de indicadores con s tru í-
l h eres qu a n to para os homens (Vogel, 2001). dos para avaliar os efei tos do trabalho na saúde
Dessa forma, esses estudos indicam a impor- dos hom ens em estu dos en tre as mulhere s . Vale
tância de con s i derar a divisão sexual do traba- assinalar, porém, que para evitar a permanência
lho em toda análise e intervenção acerca da saú- numa pers pectiva que não se diferencie sign i f i-
de do tra b a l h ador, assim como apontam a ne- cativa m en te do modelo tradicional de análise
ce s s i d ade de elaboração de con cei tos relativo s da relação saúde-trabalho (da Medicina do Tra-
às nocividades das situações de trabalho que te- balho ou da Sa ú de Ocupac i onal) devemos estar
nham como referência as ex periências das tra- especialmente atentos às formas que os homens
b a l h adoras e trabalhadores (Brito, 1999). Em e as mu l h eres lutam con tra os efei tos patog ê n i-
com p l em en to a essa proposição, Doyal (1994) cos do ambi en te de trabalho. Nesse sen ti do ca-
sugere que mesmo nas investigações sobre a be lem brar que, con forme Dejours (1995), a
violência dom é s tica é preciso levar em conta a saúde é sem pre intersubjetiva e social e que a
d ivisão sexual do trabalho, pois o domicílio de- dinâmica ex i s ten te no interi or dos coletivos de
ve ser apreen d i do como um local de trabalho, o trabalho – sem pre sexuados – tem um papel
que en ten demos como mais uma indicação da pri m ordial na sua con s tru ç ã o. Ainda de acordo
capac i d ade con tida no campo da Sa ú de do Tra- com Dejours (2004), o trabalho apre s enta um
balhador no sentido de interpelar toda a área da c a r á ter paradoxal, pois faz a mediação das rel a-
Sa ú de Co l etiva. Já Ma rcon des e co l a boradore s ções de dominação dos homens sobre as mu-
(2003) mostraram claramen te que a interação lhere s , mas é também o instrumen to decisivo
en tre trabalho domésti co e remu n erado é um da re a propriação, pelas mu l h eres, de seus direi-
aspecto - chave na com preensão do impacto di- tos civis e cívicos, o que representa para nós um
feren c i ado das condições de trabalho sobre a meio de con quista da saúde a partir da criação
s a ú de dos homens e das mulheres. Os autore s de novas normas de vida.
indicaram que se de um lado a ad a ptação das
mu l h eres ao trabalho notu rno depen de da aju-
da de familiares (pois durante o dia elas tam- Con s i derações finais
bém trabalham em casa, ao con trário de seu s
co l egas de fábrica), a expect a tiva de prover as Apesar de estarmos trazendo aqui materiais e
n ecessidades da família parece con s tituir uma en foques tão diversos, podemos iden tificar al-
a tribuição que gera novos sof ri m en tos para os gumas convergências ou interfaces sign i f i c a ti-
homens. De fato, na medida em que en tende- vas entre eles. A indicação da importância da
mos que é necessário uma com preensão am- ex periência dos tra b a l h adores e tra b a l h adoras,
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dos saberes informais “não escri to s” ( O d done, as po s s i bi l i d ades, as saídas, as altern a tivas ex i s-
Re & Brianti [1977] 1981), para uma maior ten tes ou a serem en gen d radas para que a vida
compreensão das questões que atravessam o no trabalho seja mais favor á vel à saúde, ao pra-
trabalho (en tenden do que a saúde é uma des- zer. Mesmo que já existam alguns esforços nes-
sas questões) é um exemplo de tais interf aces. se sen ti do, é nece s s á rio que se mu l tipliqu em os
E n tendemos que as relações de gênero têm estu dos que mostrem pistas sobre essas possi-
também um caráter norm a tivo / pre s c ri tivo (nes- bi l i d ades. Para tal empreitada, devemos lem-
se sen ti do trata-se de uma imposição do mei o ) , brar da importância da interd i s c i p l i n a ri d ade e
que se apre s en t a , no en t a n to, de forma natura- do diálogo sinérgi co en tre os diferen tes sabe-
l i z ad a . As relações de gênero e a divisão sex u a l re s . Reforçar essa pers pectiva torna-se funda-
do trabalho estão na base de uma prescrição na- mental para que novos con cei tos e métodos se-
tu ra l i z ada do trabalho (Brito, 1999). A aborda- jam esboçados, rompendo efetivamente com
gem de gênero pode ser articulada às análises uma ótica cen trada exclusiva m en te nas form a s
com foco na atividade de trabalho, na medida de adoecimen to, nos aspectos danosos do tra-
em que esta com porta um recon h ec i m en to das balho e na visão estática de trabalho (de um
pre s c rições e das ten t a tivas de subvertê-las. processo de trabalho pac i f i c ado por uma servi-
Além disso, o pon to de vista da ativi d ade pode dão voluntária ao processo de valorização de
certamente ajudar na vi s i bilização e com preen- capital, um meio de trabalho sem variabilida-
são do trabalho concreto das mulheres. des, trabalhadores passivos aos “impactos”).
Os en foques aqui recuperados (o trabalho Ca be lem brar o que alguns estudos já mostra-
como atividade e como materi a l i d ade das rel a- ra m : não basta reunir prof i s s i onais de diferen-
ções de gênero) sintonizam com a visão de qu e tes formações em um Serviço de Saúde para
a relação saúde - trabalho é com p l exa e qu e , por que uma abord a gem com caráter interd i s c i p l i-
esse motivo, não pode ser apreendida por mo- nar (e intersaberes) se desenvolva (Oliveira,
delos causais simplificados. Isso porqu e , seja 2001). É por isso que ac reditamos que as disci-
nos estudos que tratam da atividade de tra b a- plinas e abord a gens aqui brevem en te apre s en-
lho seja naqu eles que discutem as relações de t adas podem con tri buir para o de s envo lvi m en-
gênero, há indicações de que o trabalho não to do campo da Saúde do Trabalhador (e da
pode ser vi s to exclusivamente como danoso, área da Sa ú de Co l etiva). Do mesmo modo, pa-
pois ele tem uma função muito importante ra que a ex periência dos tra b a l h adores e tra b a-
também na construção da saúde. Entretanto, lhadoras seja efetiva m en te incorporad a , certa-
mesmo se detivermos o olhar no trabalho co- mente não basta uma participação periférica
mo fon te de adoecimento, observamos que desses pro t a gonistas nas pesquisas e ações do
uma visão estática do processo de trabalho c a m po. Essas questões nos remetem, por um
( on de a dinâmica das mudanças e ren ormati- lado, à atuação dos prof i s s i onais de Saúde do
zações perm a n en temente em curso e as dife- Tra b a l h ador e, por outro, aos espaços e modos
rentes relações sociais são ignoradas ou des- de interação en tre co l etivos de prof i s s i onais de
con s i deradas) não é su f i c i en te(e neste sen ti do saúde e de coletivos de tra b a l h adores.
a mais pertinente) para que se avance na pro- Como consideramos que o trabalho é cen-
dução de con h ecimen tos sobre a tem á ti c a , poi s tral para a vida (saúde / doença) e como ac redi-
o que se preten de afinal é afirmar as po s s i bi l i- tamos, conforme Ca n g u i l h em (1990), que a
d ades de saúde e vida. Essa visão do trabalho – saúde é a capac i d ade de criar novas normas em
que se limita ao trabalho abstra to e assex u ado polari d ade dinâmica com o meio (inclusive o
– acaba assem el h a n do-se à visão das corren tes meio de trabalho), pensamos que a atuação
com as quais se preten de diferenciar ao con s ti- profissional em Saúde poderia se voltar um
tuir o campo da Sa ú de do Tra b a l h ador. No qu e po u co mais para a de s coberta das po s s i bi l i d a-
tange ao trabalho como operador de saúde, e s- des de mudanças. Isso implicaria a ampliação
se aspecto perti n en te ao trabalho con c reto pre- do diálogo com os diferen tes grupos de traba-
cisa ser mais bem con tem p l ado pela Sa ú de Co- l h adore s , de modo a que as soluções sejam en-
letiva. Nas palavras de Teiger (1993), o traba- contradas conjuntamente. Por outro lado, o
lho é um “con cei to enc a rn ad o” ( em um espaço, princípio de “não delegação” proposto pelo
em um tempo, em um corpo). Assim, para o Modelo Operário Italiano (Oddone, Re &
campo da Saúde do Trabalhador coloca-se o Brianti, [1977] 1981) poderia ser mais e mais
desafio de ex p l orar, mais e mel h or, esse aspecto bem dinamizado, uma vez que a experiência
da relação saúde-trabalho, enfim, de detectar ac u mulada pelos hom ens e mu l h eres na ativi-
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d ade de trabalho é insu b s ti tu í vel . É nesse sen ti- Pesquisa, den tre outros fatores a fim de evitar a
do que nos referimos aos espaços e modos de su prem acia do saber cien t í f i coem relação a sa-
i n teração entre prof i s s i onais de saúde e traba- beres advindos da prática (Brito, At h ayde &
lhadore s . Na medida em que os desafios com Neve s , 2003a), ou de sua outra face, uma visão
os quais nos dep a ramos são mu i tos e divers i f i- empobrecida da ciência. Dito de outro modo,
cado s , p a rece-nos ser impre s c i n d í vel a criação com esse processo poderemos não apenas en ri-
de uma mu l tiplicidade de formas de interven- qu ecer as análises, como desenvo lver ações qu e
ção com foco na saúde dos tra b a l h adores e tra- con templem as singularidades, conforme a
b a l h adora s . Apostamos na invenção de espaços proposta aqui apre s en t ada de criação de n o r-
d ivers i f i c ados de deb a tes e análises sobre as re- mas de saúde a partir das situações reais (sem-
lações en tre trabalho e saúde, privilegiando-se pre sexuadas) do trabalho.
a ex periência dos pro t a gonistas do trabalho em Para finalizar, vale ressaltar que provavel-
foco. Esses espaços podem ser pen s ados como mente tenhamos atualmente várias formas de
i n s tru m en tos de form a ç ã o, análise e interven- compreender o próprio campo da Saúde do
ção sobre as questões que intervêm na relação Trabalhador, ou mesmo várias linhas de pen s a-
saúde - tra b a l h o. Somen te desta forma podere- men to e ação constituídas no seu interior. O
mos ampliar a com preensão sobre essa relação, e s t í mulo às iniciativas diferenciadas, que este-
a brindo caminho para os diferen tes pon tos de jam dirigidas à expansão da vida e da saúde
vista e percepções. Por exem p l o, através de dis- dos/as trabalhadores/as, assim como a incor-
po s i tivos similares às Comu n i d ades Científicas poração de idéias não hegemônicas, devem ser
Am p l i adas con s ti tuídas pelo movimento italia- gara n ti dos como estra t é gia de cre s c i m en to, re-
no – que em nossas inve s ti gações temos prefe- n ovação e consolidação do campo e como um
rido chamar de Comunidades Ampliadas de fator que favorece a inclusão de mais parcei ro s .
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