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RESUMO Este artigo analisa de que forma os trabalhadores vivenciam os efeitos do processo de
trabalho em um Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (Capsad). Foram realizadas
observações, entrevista coletiva e entrevistas em profundidade com os trabalhadores. Entre os
efeitos, destacaram-se desgaste, adoecimento, impotência de ação e esgotamento. Conclui-se
que estes afetam a capacidade de agir, já que, para colaborar na produção do sentido de vida
do outro, em muitos casos, o trabalhador não oferta nada para si, e isto os leva ao que Merhy
chama de combustão.
ABSTRACT This article analyzes how workers experience the effects of the work process in an
Alcohol and Drugs Psychosocial Care Center (Capsad). Observations, collective interview and in-
depth interviews with workers were carried out. Among the effects, the most notable were wear,
sickness, powerlessness of action and exhaustion. It is concluded that these affect the capacity
to act, since, in order to collaborate in the production of the meaning of life of the other, in many
cases, the employee does not offer nothing for himself, and this leads them to what Merhy calls
combustion.
1 Universidade
KEYWORDS Mental health services. Human resources. Professional exhaustion.
Federal
do Espírito Santo (Ufes),
Departamento de
Enfermagem – Vitória (ES),
Brasil.
kallendw@gmail.com
2 Universidade Federal
do Espírito Santo (Ufes),
Programa de Pós-
Graduação em Saúde
Coletiva – Vitória (ES),
Brasil.
dalbello.araujo@gmail.com
3 Escola Superior de
Ciências da Santa Casa de
Misericórdia de Vitória –
Vitória (ES), Brasil.
luiz.borges@emescam.br
DOI: 10.1590/0103-1104201711223 SAÚDE DEBATE | RIO DE JANEIRO, V. 41, N. 112, P. 285-297, JAN-MAR 2017
286 WANDEKOKEN, K. D.; DALBELLO-ARAUJO, M.; BORGES, L. H.
e outras Drogas, com foco na saúde pública, analisar os efeitos vivenciados pelos trabalha-
ressaltando a necessidade da diversidade e da dores, tal escolha se deu pela crença de que a
pluralidade de ações neste campo (BRASIL, 2003). precariedade da rede de atenção em álcool e
Tal situação impacta negativamente no traba- drogas contribuía para esses achados.
lho a ser realizado no Capsad, dificultando as A coleta de dados foi realizada entre os
relações interpessoais, que são essenciais ao meses de janeiro e abril do ano de 2014, a partir
cuidado (WANDEKOKEN; DALBELLO-ARAUJO, 2015). de três técnicas: observação do cotidiano, das
A temática da dependência química está reuniões de equipe e das assembleias com os
diretamente vinculada a questões sociais, usuários; entrevista coletiva; e entrevistas em
como a criminalidade, a prostituição, a situ- profundidade. A técnica de observação foi im-
ação de rua, o tráfico de drogas, a Síndrome portante para identificar os comportamentos
da Imunodeficiência Adquirida (Aids), não intencionais ou as reações sutis e, dessa
entre outras (KESSLER; PECHANSKY, 2008). Fato é forma, explorar questões que as pessoas não
que o profissional dedicado à assistência ao se sentem à vontade para discutir, permitindo
usuário de substâncias psicoativas não deve registrar o comportamento no contexto em
se preocupar apenas com o uso de drogas, que ele ocorre (DALBELLO-ARAUJO, 2008). Conforme
redução de danos e/ou abstinência, mas deve Dalbello-Araujo (2008), a entrevista coletiva é
percebê-lo como um indivíduo que tem uma usada quando se pretende facilitar o acesso
história, uma trajetória, desejos, crenças, aos diferentes pontos de vista dos participan-
valores e potencialidades, o que torna este tes. A entrevista em profundidade foi utilizada
trabalho ainda mais complexo. com 13 trabalhadores, tendo como questão de
Tendo isso em vista, neste artigo, ana- partida ‘O que você acha de trabalhar aqui?’.
lisam-se os efeitos danosos identificados Todos os dados foram transcritos e discutidos
pelos trabalhadores no processo de trabalho com a utilização da técnica de análise temática
de um Capsad. (BARDIN, 2009).
Ressalta-se que os participantes assi-
naram de forma voluntária o Termo de
Métodos Consentimento Livre e Esclarecido, através
do qual tiveram a garantia do sigilo de iden-
Foi realizada uma pesquisa qualitativa, com tidade e das informações prestadas. Assim,
todos os 28 trabalhadores do serviço, in- a identificação dos trechos selecionados
cluindo enfermeiros, psicólogos, assistente aconteceu de três formas: ‘Trabalhador’ ou
administrativo, motorista, recepcionistas, ‘Trabalhador em roda’, quando teve relação
vigilantes, auxiliares de serviços gerais, far- com depoimentos; e ‘Diário de campo’,
macêutico, educadores físicos, terapeuta ocu- quando o trecho de observação da autora
pacional, gerente, técnicos de enfermagem, baseou-se na observação do cotidiano.
assistentes sociais e médicos, visto que todos Foram atendidas as prerrogativas da
intervêm na produção do cuidado do serviço Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional
de saúde (MERHY; FEUERWERKER; CERQUEIRA, 2010). de Saúde, sendo aprovada a pesquisa, sob o
Para a escolha do local da pesquisa, foram nº 16771113000005060, pelo Comitê de Ética
analisadas as informações municipais recen- em Pesquisa.
tes das sete cidades da região metropolitana
onde foi realizada a pesquisa a respeito da
rede de atenção aos usuários de substâncias Resultados e discussão
psicoativas. Optou-se, assim, por pesquisar
um município de 420 mil habitantes, com Entre as tantas questões observadas no
apenas um Capsad. Como o foco estava em campo de pesquisa, evidenciaram-se
combustão, como se observa na fala “[...] parece mesa – sinais claros de combustão.
que o corpo também dói. Tem dia que chego Nesse ponto, destaca-se que a produção
exausto em casa” (Trab4). do cuidado no Capsad é pautada no encontro
e no estabelecimento de vínculos, no entanto,
Estresse a combustão não favorece esta produção e,
assim, implica em dificuldades no encontro
entre trabalhador e usuário.
Tem que ter muito equilíbrio para lidar com os
pacientes de dependência química porque eles Medo
são muito instáveis, é muito difícil. Igual ao dia
em que eu me estressei muito, o paciente mani- Tal efeito foi ressaltado por aqueles que rea-
pulador... me acusava de ter solicitado a interna- lizam atividades externas, tais como levar os
ção dele para o Capsad se livrar dele [...] Eu me usuários da atenção diária para passeios:
estressei muito, sabe? Lidar com dependência
química é muito difícil. (Trab12). [...] ‘é preciso dois profissionais para levá-los
[os pacientes], já que é perigoso um sozinho’.
No depoimento, observa-se que as situa- O outro disse: ‘Eu tenho medo de sair de carro
ções de instabilidade dos usuários, inerentes com eles... não sei o que podem fazer, quem eles
ao tratamento da dependência química, são podem encontrar na rua’. Já outro disse: ‘O que
fontes de estresse para os trabalhadores, pode acontecer fora, acontece aqui dentro [no
uma vez que vivenciam estas situações dia- Capsad] também’. (Trabalhadores em roda).
riamente. Assim, a afirmação “você tem que
ser uma pessoa muito equilibrada” (Trab1) Ressalta-se a frase “O que pode acontecer
destaca que vivenciar estas situações é, de fora, acontece aqui dentro também”, uma vez
fato, difícil e requer certo preparo do traba- que amplia as situações de medo e, assim, de
lhador para que não haja a combustão. combustão, devido à exigência de perma-
Há, também, como no caso abaixo, o es- nência em estado de atenção. Grande parte
tresse proveniente das relações interpesso- dos depoimentos relacionados ao medo se
ais entre os trabalhadores: referiu à atividade de internação compulsó-
ria, como descrito abaixo:
O trabalhador, então, quis me falar sobre uma
reunião em que ele ‘explodiu’. Disse que, por falta [...] quem está na internação compulsória está
de comunicação da recepção, ele passou por uma correndo risco de morte, pois não se sabe se o
situação constrangedora, em que o paciente psi- paciente está com uma faca! Você ‘tá na frente
quiátrico reclamou de sua conduta na gerência da batalha. (Trab13).
[...] Até socou a mesa e alterou a voz para mos-
trar sua indignação. (Diário de campo).
Mas, eu sei que é muito perigoso, tem muito risco
Qualquer trabalhador está sujeito a vi- pr’a gente, porque a gente não sabe se o cara ‘tá
venciar episódios em que há conflitos na armado, né?, como ele está. Não tem uma escol-
comunicação entre os membros da equipe. ta, nada... Teve o caso de um usuário, que a gente
Entretanto, o relato acima ressalta uma in- foi internar e que ele fazia sinal de que queria se
dignação frente ao fato ter ocorrido repe- cortar, cortar os punhos. Ficamos morrendo de
tidas vezes, ainda mais se relacionando ao medo. Eu disse: ‘Já pensou se ele pega uma faca
cuidado em saúde mental, que demandaria e tenta se matar? O que a gente vai fazer?’, e X
maior atenção e empatia. Como se observa, o disse: ‘O pior é se ele pega uma faca e tenta nos
trabalhador diz ter ‘explodido’ e ter socado a matar, né?!’. (Trab5).
Segundo Merhy (2013, P. 222), os trabalhado- dos problemas e certo desejo por mudança
res produzem “alívio nos outros, mas não têm – entretanto, extremamente limitado – para
nenhum alívio para olhar e repensar o tra- alterar a situação.
balho”. Neste sentido, é imprescindível que No depoimento acima, percebe-se, ainda,
existam formas de alívio para tais trabalhado- certa paralisia diante da impotência. Parece
res, de modo a aumentar-lhes a capacidade de que o diálogo e a escuta não foram conside-
agir. Há que se pensar em formas de articular rados como possíveis ferramentas de mu-
a rede intersetorial, de modo que haja maior danças frente às condutas do profissional em
segurança, e também em criar meios de pro- questão. Por isto, a espera por uma atitude
blematização das práticas para que esses tra- da gestão. E além disto, a gestão, personi-
balhadores articulem ferramentas frente às ficada na pessoa da diretoria, está sempre
demandas da internação compulsória. distante da assistência. Com este quadro,
Aponta-se a Educação Permanente em é muito difícil se atentar para as demandas
Saúde (EPS) como um possível caminho para do usuário e estabelecer “um compromisso
a transformação da produção do cuidado. permanente com a tarefa de acolher, respon-
A partir da EPS, o aprender e o ensinar sabilizar, resolver, autonomizar”, como pos-
são incorporados ao cotidiano do serviço tulado por Merhy (2002, P. 82).
(BRASIL, 2004). Compreende-se, assim, que a Em outra oportunidade, os trabalhadores
proposta da Política Nacional de Educação relataram a impotência de ação diante de
Permanente em Saúde (PNEPS) é atual e sua um caso:
implantação se faz necessária, mas sabe-se
que, para que isto ocorra, é preciso o en- Outro ponto de pauta foi o ‘caso do usuário X’.
volvimento de trabalhadores e de gestores. Neste momento, um profissional – técnico de re-
Ressalta-se, ainda, que a EPS se constitui em ferência de X – disse que não queria mais essa
estratégia para a reorganização do processo função, pois achava que já não dava conta da de-
de trabalho com base na problematização, manda e que não acrescentava mais ao paciente.
ou seja, vai muito além da ideia de oferta de (Diário de campo).
capacitações e cursos, e é uma proposta de
transformação frente a todos os efeitos que A princípio, concorda-se com Merhy (2002)
serão vistos a seguir. quando ele defende que deve haver, nas
equipes, os profissionais de referência para
Impotência de ação cada usuário, de forma que os trabalhadores
desenvolvam vínculos mais estreitos e, assim,
A ‘impotência de ação’ aparece sempre que os interpretem melhor suas demandas. Porém,
profissionais alegam que não há nada a fazer como se observa, as situações de impotência
para melhorar o atendimento burocratizado, parecem implicar em uma situação de para-
e não humanizado, realizado por alguns dos lisia, na qual o trabalhador prefere até deixar
trabalhadores: “[...] isso é muito ruim para de exercer sua função por não saber o que
os pacientes! Ficamos inconformados! Mas fazer. Ressalta-se que tal desistência não foi
vamos fazer o quê? X [a gestão] diz que é assim sequer analisada pelo grupo que optou pela
mesmo” (Trabalhadores em roda). troca do trabalhador que exercia a função de
Constata-se, assim, que as situações técnico de referência do usuário em questão.
de impotência se expressam nas relações A paralisia observada parece decorrer da
interpessoais – seja entre trabalhador e combustão vivenciada pelos trabalhadores,
usuário ou entre os próprios trabalhadores refletida na falta de implicação da equipe
– e nas relações intersubjetivas – relacional frente à produção de cuidados. Assim, pode
e afetiva. Há, aparentemente, consciência ser questionada a existência, neste serviço,
de sujeitos militantes, como descrito por conforme descrito por Merhy (2002). Segundo
Merhy (2004). Para nós, estar implicado é ser Franco e Merhy (2005), há ideias que associam
ativo, é se colocar como alguém que afeta e a complexidade tecnológica à qualidade do
é afetado, como alguém que produz e que é cuidado, configurando a ilusória imagem
produzido; se colocar como um trabalhador, de resolutividade. Sabe-se, no entanto, com
como um sujeito. É preciso abrir passagem base nestes autores, que o processo de tra-
para novos sentidos, até porque, neste con- balho mais relacional implica em alta sofis-
texto, a repetição já não funciona mais. ticação e exige grande energia por parte dos
Ao discutir sobre a impotência, é preciso trabalhadores. Até porque esta complexida-
ressaltar que, segundo Merhy (2002, P. 61), o de se baseia nas redes de relações focadas
trabalhador tem um alto grau de liberdade nos saber-fazer dos trabalhadores e não no
na produção do cuidado em saúde, de forma aporte tecnológico. Assim, concorda-se que
a exercer certo autogoverno de suas práticas. o olhar atento, a escuta, o toque operam em
Assim, para o autor, considerando a micro- conjunto com os saberes e, sem dúvida, co-
política do trabalho vivo, não cabe a noção de laboram na constituição de maior resolutivi-
impotência, uma vez que, se dade do trabalho em saúde (FRANCO, 2013).
Além dessas questões, percebe-se, no
o processo de trabalho está sempre aberto à depoimento, certo sofrimento e, de fato, a
presença do trabalho vivo em ato, é porque ele combustão, quando o trabalhador afirma
pode ser sempre ‘atravessado’ por distintas “Eu não aguento não falar o que penso”. Esta
lógicas que o trabalho vivo pode comportar. fala aponta que o trabalhador parece não ter
implicação com a escuta, no encontro com
Neste sentido, deve-se considerar que a o outro, e que ele apenas suporta vivenciar
criatividade é uma das possibilidades para esses encontros no cotidiano de trabalho, o
tornar os trabalhadores menos impotentes, que repercute na produção de um cuidado
de forma que possam inventar novos proces- menos acolhedor.
sos de trabalho.
Adoecimento
Sentimento de inutilidade
entanto, essa questão não foi explicada pelos ao cuidado intensivo em um Capsad.
trabalhadores. No entanto, segundo Merhy (2005), não
Observa-se que os encontros na atenção se pode acreditar que a baixa eficácia das
diária, em sua maioria, exaurem o trabalha- ações em saúde se relaciona apenas à falta
dor, de forma que este, quando não está nesta de competência dos trabalhadores, que pode
atividade, demonstra grande alívio. Refletiu- ser suprida por meio de cursos. Essa seria
se, então, sobre o fato de estes trabalhadores uma visão simplista da questão, que geraria
irem todos os dias para esta atividade, já apenas pequenas mudanças no cotidiano de
exaustos, frustrados e na incerteza do que produção do cuidado. Ao contrário, Merhy
acontecerá, e poderem vivenciar episódios (2005) aponta que o trabalhador deve ser
de surtos, crises ou convulsões de usuários. protagonista no processo de transformação
Nesses casos, o trabalhador responsável pela da sua prática. Do mesmo modo, Carvalho
atividade do dia terá que atuar diretamente e Ceccim (2009) afirmam que o trabalhador
no caso, usando suas habilidades a fim de deve avaliar sua atuação e direcionar críticas
ofertar um cuidado singular que seja pro- em relação a ela.
motor de vínculo, de acolhimento, de escuta Destaca-se que, paradoxalmente, também
e de ressignificação, como propõe Merhy se percebe certa realização pessoal nos tra-
(2002). Mas, como? balhadores, com o desenvolvimento das
Nesse ponto, destaca-se, ainda, que outro atividades, mas esta precisa ser potencia-
motivo de esgotamento na atenção diária se lizada. Observa-se que, quando o trabalho
relaciona com a suposta falta de interesse em saúde tem como efeito esta realização, o
dos usuários levantada pelos trabalhadores trabalhador apresenta maior grau de potên-
do Capsad, o que gerou uma série de discus- cia para dar conta de suas atividades e, como
sões ao longo do campo de pesquisa: consequência, se sente mais satisfeito, o que
favorece a criação de vínculo e repercute
Ninguém quer ficar na atenção diária; uns não positivamente na produção do cuidado. No
querem mesmo e outros, apenas suportam. [...] entanto, pode-se afirmar que, para que haja
os pacientes confrontam muito os profissionais, bem-estar no trabalho, não se faz necessária
eles não têm interesse. Um deles explicou: ‘Antes a satisfação constante, apenas é preciso que
os pacientes eram mais novos e gostavam das haja esperança, metas, desejos.
atividades que a gente levava, mas agora eles Sabe-se que o desejo faz com que os traba-
são mais velhos e não querem fazer atividades lhadores tenham maior capacidade para agir,
como ‘adedonha’. Dizem que é idiotice e só gos- em concordância com o que afirma Franco
tam de atividades mais intelectuais, como leitura (2013), quando ele diz que é preciso estimular
e discussão’. (Trabalhadores em roda). os trabalhadores para que se tornem sujeitos
desejantes, visto que todos têm a capacida-
O fato de alguns apenas suportarem estar de de exercer mudanças na realidade que
na atenção diária e os outros não quererem vivenciam desde que tenham capacidade de
estar de forma alguma, é grave. Observa-se autogestão e de autoanálise. A primeira, diz
que algumas atividades não parecem ser in- respeito à atuação do trabalhador com foco
teressantes para serem desenvolvidas com no trabalho vivo em ato e é conduzida com
jovens e adultos em estado de abstinência, base no próprio sujeito, que faz as demais
mas que, mesmo nestes casos, a responsa- conexões com os outros trabalhadores,
bilidade pela falta de interesse é atribuída podendo realizar a produção do cuidado de
apenas ao usuário. Assim, identifica-se que forma diferenciada. A segunda tem a ver com
falta formação adequada aos trabalhadores a valorização do conhecimento do trabalha-
para saber lidar com os desgastes inerentes dor, de sua criatividade e iniciativa, seus
desejos e necessidades. Este conhecimento trabalho com prazer, o que repercute posi-
de si, associado com a realidade do cotidiano tivamente na produção de um cuidado com
de serviço no qual está inserido, dá ao traba- maior produção de vínculo. E, ao contrário,
lhador a possibilidade de intervir na produ- quando este se sente esgotado, pode demons-
ção de serviços mais acolhedores, com mais trar dificuldades de sentir empatia frente ao
vínculos, e que sejam centrados no usuário sofrimento do outro, o que pode implicar em
(FRANCO, 2013). Assim, ainda corroboram-se as distanciamento afetivo e repercutir de forma
ideias de Franco (2013) quando se afirma que negativa na produção do cuidado.
o maior desafio da gestão do trabalho em Para tanto, frente aos efeitos identifica-
saúde é manter os trabalhadores com alta dos, é preciso que haja formas de alívio que
capacidade para agir. evitem a combustão, favorecendo a capa-
Para tanto, Merhy (2013) aponta que é cidade de agir, a fim de que o processo de
preciso instituir no cotidiano dos serviços trabalho seja favorável não só aos usuários,
de saúde meios que avancem em direção à mas também aos trabalhadores. Entre estas
autogestão e à autoanálise, a fim de permi- formas, destacam-se a educação perma-
tir que os trabalhadores lidem melhor com nente, a autogestão e a autoanálise, que fa-
suas tristezas e sofrimentos, e que produzam vorecem a existência de espaços para que
o autocuidado. Até porque, como visto em o trabalhador possa se expressar e buscar
grande parte dos depoimentos, o cotidiano possibilidades, visando ter aumentada sua
no Capsad consome o trabalhador em vida capacidade de agir e gerando mudanças no
e em ato, como um ser antropofágico (MERHY, trabalho.
2013) e, diante disto, é preciso que haja con-
textos, no cotidiano, nos quais o trabalhador
possa falar sobre suas questões, abrindo-lhes Colaboradores
oportunidades e possibilidades de aumento
da capacidade de agir, o que favorece a pro- Autor principal: contribuiu substancial-
dução de cuidado. mente para a concepção, o planejamento, a
análise e a interpretação dos dados; contri-
buiu significativamente na elaboração do
Conclusões rascunho e na revisão crítica do conteúdo;
participou da aprovação da versão final do
Vários foram os relatos sobre o efeito des- manuscrito. Coautor 1: contribuiu substan-
gastante gerado pelo ato de acolher o outro, cialmente para o planejamento, a análise e a
neste lugar; sobre a exaustão, a frustração e interpretação dos dados; contribuiu signifi-
o pavor diante das crises dos usuários, re- cativamente na revisão crítica do conteúdo;
pletas de ofensas, xingamentos e episódios participou da aprovação da versão final do
de agressividade. Neste contexto, o encontro manuscrito. Coautor 2: contribuiu substan-
com o usuário se torna difícil. Deste modo, cialmente para o planejamento, a análise e a
uma reflexão sobre o trabalho em um Capsad interpretação dos dados; contribuiu signifi-
revela que é essencial pensar no cuidado cativamente na revisão crítica do conteúdo;
para com o trabalhador, uma vez que este, participou da aprovação da versão final do
quando satisfeito e realizado, vivencia seu manuscrito. s
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