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O Problema do índio e o Problema da Terra – 7 ensaios de interpretação da

realidade peruana – José Carlos Mariátegui

“Todas as teses sobre o problema indígena, que ignoram ou aludem a esse como
problema econômico-social, são outros tantos exercícios teóricos – e às vezes apenas
verbais – condenados a um descrédito absoluto” (p, 53)
“A crítica socialista o descobre e esclarece, porque busca suas causas na economia do
país e não no seu mecanismo administrativo, jurídico ou eclesiástico, nem em sua
dualidade ou pluralidade de raças, nem em suas condições culturais ou morais. A
questão indígena nasce de nossa economia. Tem suas raízes no regime de propriedade
da terra” (p, 53)
“O pensamento revolucionário, e mesmo o reformista, já não pode ser liberal, mas sim
socialista. O socialismo aparece em nossa história não por força do acaso, de imitação
ou de moda, como supõem espíritos superficiais, mas sim como uma fatalidade
histórica. E acontece que, enquanto, por um lado, os que professamos o socialismo
propugnamos lógica e coerentemente a reorganização do país sobre bases socialistas e –
constatando que o regime econômico e político que combatemos gradualmente se
converteu numa força de colonização do país pelos capitalismos imperialistas
estrangeiros” (nota de pé de página - p, 55)
“proclamamos que este é um instante de nossa história no qual não é possível ser
efetivamente nacionalista e revolucionário sem ser socialista; por outro lado não existe
no Peru, como jamais existiu, uma burguesia, com sentido nacional, que se professe
liberal e democrática e que inspire sua política nos postulados de sua doutrina” (nota de
pé de página - p, 55)
Mariátegui, citando Encinas diz: “Nosso Código Civil não está em harmonia com os
princípios econômicos porque é individualista no que diz respeito à propriedade. A não
limitação do direito à propriedade criou o latifúndio em detrimento da propriedade
indígena. A propriedade do solo improdutivo criou a feudalização da raça e sua miséria
(p, 56)
“O caráter individualista da legislação da república favoreceu, inquestionavelmente, a
absorção da propriedade indígena pelo latifúndio.” (p, 57)
“O meio econômico e social condiciona inexoravelmente o trabalho do mestre. O
gamonalismo é fundamentalmente contrário à educação do índio: sua subsistência tem
na manutenção da ignorância do índio o mesmo interesse que no incentivo do
alcoolismo” (p, 60)
“A nova colocação consiste em procurar o problema do indígena no problema da terra”
(p, 61)
“A conquista foi, antes de tudo, uma tremenda carnificina” (p, 61)
“Os espanhóis estabeleceram, para a exploração de das minas e para os abrajes
(instalações para manufaturas diversas com trabalho servil indígena), um sistema
esmagador de trabalhos forçados e gratuitos, que dizimou a população aborígine. Essa
não ficou reduzida somente a um estado de servidão – como teria sido se os espanhóis
tivessem se limitado à exploração das terras conservando o caráter agrário do país – mas
sim, em grande medida, a um estado de servidão.” (p, 61)
“Os índios continuaram à mercê de um feudalismo sem piedade que destruiu a
sociedade e a economia incaicas, sem substituí-las por uma ordem capaz de organizar
progressivamente a produção” (p, 62)
Despovoamento indígena da costa para a serra = falta de mão de obra para explorar 
Importação de negros escravizados.
“A revolução da independência não constituiu, como se sabe, um movimento índigena.
(...) O programa liberal da revolução compreendia logicamente a redenção do índio,
consequência automática da aplicação de seus postulados igualitários” (p, 62)
“Foi ordenada a repartição das terras, a abolição dos trabalhos gratuitos etc.; mas como
a revolução não representou no Peru o advento de uma nova classe dirigente, todas
essas disposições ficaram somente escritas, com a falta de governantes capazes de
aplica-las. A aristocracia latifundiária da colônia, dona do poder, conservou intactos
seus direitos feudais sobre a terra e, por consequência, sobre o índio” (p, 62)
“Enquanto o vice-reinado era um regime medieval e estrangeiro, a república é,
formalmente um regime peruano e liberal. (...) A república devia elevar a condição do
índio. E, contrariando seu dever, a república pauperizou o índio, agravou sua opressão e
exasperou sua miséria. A república significou para os índios a ascensão da nova classe
dominante que se apropriou sistematicamente de suas terras” (p, 63)
“O feudalismo criollo se comportou, a esse respeito, de forma mais ávida e dura que o
feudalismo espanhol. No geral, o encomedero criollo tem todos os defeitos do plebeu e
nenhuma das virtudes do fidalgo. A servidão do índio, em suma, não diminuiu sob a
república. Todas as revoltas, todas as tempestades do índio, foram afogadas em sangue.”
(p, 63)
“Na serra, a região habitada principalmente pelos índios, subsiste, modificado apenas
em suas linhas gerais, o feudalismo mais bárbaro e onipotente. O domínio da terra
coloca nas mãos dos gamonales a sorte da raça indígena, jogada num grau extremo de
opressão e ignorância.” (p, 64)
“Além da agricultura, trabalhada de forma muito primitiva, a serra peruana apresenta
outra atividade econômica: A mineração, quase totalmente nas mãos de duas grandes
empresas estadunidenses. O trabalho assalariado é a norma nas minas; mas o pagamento
é ínfimo, a defesa da vida do operário é quase nula, a lei de acidentes de trabalho
burlada. (...) É tanta a miséria a qual os condena o feudalismo agrário, que os índios
ainda acham preferível, apesar de tudo, a sorte oferecida pelas minas.” (p, 64)
“Pela primeira vez também o problema do indígena, antes escamoteado pela retórica das
classes dirigentes, é colocado em seus termos sociais e econômicos, identificando-se
primeiramente com o problema da terra.” (p, 64-65)
“A solução do problema do índio tem quer ser uma solução social. Seus realizadores
devem ser os próprios índios.” (p, 65)
“Não nos contentemos em reivindicar o direito do índio à educação, à cultura, ao
progresso, ao amor e ao céu. Começamos por reivindicar, categoricamente, seu direito à
terra” (p, 67-68)
“O regime de propriedade da terra determina o regime político e administrativo de toda
a nação” (p, 70)
Ayllu: é a forma incaica da “comunidade”, constituída a partir de estruturas de
parentesco.
“O regime colonial, impotente para organizar no Peru pelo menos uma economia feudal,
enxertou nessa os elementos de uma economia escravista” (p, 72)
“Uma economia colonial se estabelece sobre bases em parte artificiais e estrangeiras,
subordinada ao interesse do colonizador” (p, 73)
“Uma economia, uma sociedade, são a obra dos que colonizam e vivificam a terra; não
dos que precariamente extraem os tesouros do seu subsolo” (p, 77)
Usar para a justificativa para o texto de os caminhos distópicos que nois ta indo e a
urgência de se incluir na ordem do dia a supressão desses meios de produção
social(POSSÍVEL COM O SOCIALISMO)
“O regime agrário colonial determinou a substituição de uma grande parte das
comunidades agrárias indígenas por latifúndios de propriedade individual, cultivados
pelos índios sob uma organização feudal” (nota de pé de página. p, 79)
“O feudalismo e o absolutismo transformaram pouco a pouco a organização comunal
dos camponeses em um instrumento de exploração” (nota de pé de página. p, 80)
A revolução da independência e a propriedade agrária:
“A revolução encontrou o Peru atrasado na formação de sua burguesia. Os elementos de
uma economia capitalista eram, no nosso país, mais embrionários que em outros países
da América, onde a revolução contou com uma burguesia menos larvar, menos
incipiente” (p, 81)
“A população camponesa, que no Peru era indígena, não teve presença direta, ativa, na
revolução. O programa revolucionário não representava suas reivindicações” (p, 83)
Por estar alicerçada no ideário liberal “a revolução não podia prescindir de princípios
que consideravam reivindicações agrárias existentes, fundamentadas na necessidade
prática e na justiça teórica de libertar o domínio da terra das travas feudais (p, 83)
“Só que as consequências práticas da revolução, no que se relacionava com a
propriedade agrária, não podiam deixar de se deter no limite que lhes fixavam os
interesses dos grandes proprietários. Por isso, a política de desvinculação da
propriedade agrária, imposta pelos fundamentos políticos da república, não atacou o
latifúndio” (p, 83)
“A nova política abolia formalmente as mitas, encomendas etc. Compreendia um
conjunto de medidas que significavam a emancipação do indígena como servo. Mas
como, entretanto, deixava intactos o poder e a força da propriedade feudal, invalidava
suas próprias medidas de proteção à pequena propriedade e ao trabalhador da terra.” (p,
84)
Os limites da revolução burguesa no Peru se destacam quando se observa o mantimento
estrutural do latifúndio.
“Mas o Código Civil não é mais que um dos instrumentos da política liberal e da prática
capitalista” (p, 87)
“Em nenhuma parte a divisão da propriedade agrária, ou melhor, sua redistribuição, foi
possível sem leis especiais de expropriação que transferisse o domínio do solo à classe
que o trabalha” (p, 87)
A grande propriedade e o poder político
extrema incipiência da burguesia urbana e situação extrassocial dos indígenas.
“Com o comércio e as finanças em poder de estrangeiros, não era economicamente
possível o surgimento de uma burguesia urbana vigorosa (...) O capital comercial, quase
exclusivamente estrangeiro, não podia, por sua vez, fazer outra coisa que não se
entender e se associar com essa aristocracia que, no entanto, tácita ou explicitamente
conservava seu predomínio político. (...) Foi assim também como essa casta, forçada
por seu papel econômico, assumiu no Peru a função de classe burguesa, sem perder seus
ranços e preconceitos coloniais e aristocráticos” (p, 87-88)
“O poder dessa classe – civilistas ou “neogodos” – provinha em grande medida da
propriedade da terra. (...) A propriedade da terra, devida ao vice-reinado, lhes havia
dado sob a república a posse do capital comercial. Os privilégios da colônia tinham
engendrado os privilégios da república.” (p, 88)
“O desenvolvimento de cultivos industriais, de uma agricultura de exportação, nas
fazendas da costa, aparece subordinado de forma integral à colonização econômica dos
países da América Latina pelo capitalismo ocidental” (p, 90)
“se a dissolução e expropriação dessa tivesse sido decretada e realizada por um
capitalismo em crescimento vigoroso e autônomo, teria aparecido como uma imposição
do progresso econômico. O índio teria, então, passado de um regime misto de
comunismo e servidão para um regime de salário livre. Essa mudança o teria
desnaturalizado um pouco; mas o teria colocado em condições de organizar-se e
emancipar-se como classe, pela via dos demais proletariados do mundo. Entretanto, a
expropriação e absorção graduais da ‘comunidade’ pelo latifúndio, por um lado o
enterrava mais na servidão e, por outro, destruía a instituição econômica que
salvaguardava, em parte, o espírito e a matéria de sua antiga civilização” (p, 91)
“O comunismo moderno é coisa distinta do comunismo incaico. Isso é o que primeiro
precisa aprender e entender o homem de estudo que explore o Tawantinsuyuo. Um e
outro comunismo são o produto de diferentes experiências humanas. Pertencem a
diferentes épocas históricas. Constituem a elaboração de civilização diferenciadas. A
dos incas foi uma civilização agrária. A de Marx e Sorel é uma civilização industrial.
Naquela, o homem se submetia à natureza. Nessa, às vezes a natureza se submete ao
homem. É um absurdo, portanto, confrontar as formas e instituições de um e de outro
comunismo.” (Nota de pé de página. p, 91)
“A primeira defesa orgânica e documentada da ‘comunidade’ indígena tinha que se
inspirar no pensamento socialista e repousar em um estudo concreto da sua natureza.
(...) a ‘comunidade’ indígena, malgrado os ataques do formalismo liberal colocado a
serviço de um regime de feudalismo, é ainda um organismo vivo, mas também que,
apesar do meio hostil dentro do qual vegeta sufocada e deformada, manifesta
espontaneamente evidentes possibilidades de evolução e desenvolvimento” (p, 94)
“Deve-se levar em consideração que, em um país como o nosso, onde uma mesma
instituição adquire diferentes características, segundo o meio em que se desenvolveu,
nenhum tipo dos que se presumem nessa classificação se encontra na realidade tão
preciso e diferente dos outros que, por si mesmo, pudesse se objetivar como um modelo.
(...) mas como o conjunto de fatores externos impôs a cada um desses grupos um
determinado gênero de vida nos seus costumes, usos e sistemas de trabalho, em suas
propriedades e indústrias, prevalecem as características agrícolas, pecuárias, pecuárias
em pastos e águas comunais ou somente os dois últimos e os de ausência absoluta ou
relativa da propriedade das terras e usufruto destas pelo ayllu que, sem dúvida, foi seu
único proprietário” (Nota de pé de página. p, 95) – Castro pozo
“a vitalidade do comunismo indígena que invariavelmente impulsiona os aborígines a
várias formas de cooperação ou associação. O índio, apesar das leis e de cem anos de
regime republicano, não se tornou individualista. (...) o individualismo, sob o regime
feudal, não encontra as condições necessárias para se afirmar e se desenvolver. O
comunismo, ao contrário, continuou sendo a única defesa para o índio. O
individualismo não pode prosperar, e nem mesmo existe efetivamente, se não dentro de
um regime de livre concorrência. E o índio nunca se sentiu menos livre do que quando
se sentiu só” (p, 95-96)
“A defesa da ‘comunidade’ índigena não repousa em princípios abstratos de justiça nem
em considerações sentimentais e tradicionalistas, mas, sim, em razões concretas e
prática de ordem econômica e social. A propriedade comunal não representa no Peru
uma economia primitiva substituída gradualmente por uma economia progressista
fundada na propriedade individual. Não; as ‘comunidades’, foram despojadas de suas
terras em proveito do latifúndio feudal ou semifeudal, constitucionalmente incapaz de
progresso técnico” (p, 96)
“Dentro do regime capitalista, a grande propriedade substitui e desaloja a pequena
produção agrícola por sua aptidão para intensificar a produção mediante o emprego de
uma técnica avançada de cultivo. A industrialização da agricultura vem em paralelo
com a concentração da propriedade agrária. A grande propriedade aparece então
justificada pelo interesse da produção” (p, 97)
O regime de trabalho. Servidão e assalariado.
“O regime de trabalho está determinado principalmente, na agricultura, pelo regime de
propriedade” (p, 99)
No Peru “a agricultura da costa evoluiu com maior ou menor prontidão para uma
técnica capitalista no cultivo do solo e na transformação e comércio dos produtos. Mas,
em troca, manteve-se demasiado estacionária em seu critério e conduta em relação ao
trabalho.” (p, 100)
“Em relação ao trabalhador, o latifúndio colonial não renunciou aos seus hábitos feudais
a menos que as circunstâncias o tenham obrigado peremptoriamente. Esse fenômeno se
explica não apenas por haver conservado a propriedade da terra dos antigos senhores
feudais, que adotaram, como intermediários do capital estrangeiro, a prática, mas não o
espírito do capitalismo. (...) Na Europa, o senhor feudal encarnava, até certo ponto, a
tradição patriarcal primitiva, de sorte que se sentia naturalmente superior a respeito de
seus servos, mas não étnica nem nacionalmente diferente. Foi factível para o
latifundiário aristocrata da Europa aceitar um novo conceito e uma nova prática em suas
relações com o trabalhador da terra. Na América Colonial, enquanto isso, opôs-se a essa
evolução a orgulhosa e arraigada convicção do branco acerca da inferioridade do
homem de cor. (...) No latifundiário da costa atuaram ao mesmo tempo os sentimentos
do aristocrata medieval e do colonizador branco, saturados de preconceitos de raça” (p,
100)
“A existência da pequena propriedade, ao lado da grande propriedade, era indispensável
para a formação de uma população rural, sem a qual a exploração da terra estará sempre
à mercê das possibilidades de imigração ou do engache” (p, 103)
“O fazendo não se preocupa com a produtividade das terras. Só se preocupa com sua
rentabilidade. Os fatores de produção se reduzem para eles quase que unicamente a
dois: a terra e o índio. A propriedade da terra permite que explore de maneira ilimitada a
força de trabalho do índio” (p, 105)
Colonialismo de nossa agricultura da costa
“O grau de desenvolvimento alcançado pela industrialização da agricultura, sob um
regime e uma técnica capitalistas, nos vales da costa, tem o seu principal fator no
interesse do capital britânico e estadunidense na produção peruana de açúcar e algodão”
(p, 106)
Os latifundiários dedicam suas terras à produção de algodão e cana, financiados ou
habilitados por fortes firmas exportadoras
“O pequeno proprietário, ou pequeno arrendatário, vê-se empurrado para o cultivo do
algodão por essa prática que pouco leva em conta as necessidades particulares da
economia nacional” (p, 107)
A produção de algodão e cana de açúcar, quase que exclusivamente voltada para o
comércio exterior, pouco atende as necessidades econômicas internas, isso, portanto, irá
refletir na sobrevivência do pequeno proprietário, camponês.
“Nossos latifundiários, nossos fazendeiros, quaisquer que sejam as ilusões que tenham
sobre sua independência, atuam na verdade como intermediários ou agentes do
capitalismo estrangeiro.” (p, 109)
“Porque para a economia moderna – entendida como ciência objetiva e concreta – a
única justificativa do capitalismo e deus capitães da indústria e das finanças está na sua
função de criadores de riqueza” (p, 112)
“Dentro do regime incaico, o serviço viário devidamente estabelecido seria um serviço
público obrigatório, completamente compatível com os princípios do socialismo
moderno; dentro do regime colonial do latifúndio e servidão, o mesmo serviço adquire o
caráter odioso de uma mita” (p, 112-113)

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